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05/08/2023, 16:01 “Chega a hora da verdade”.

Entrevista com Marco Politi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU

“Chega a hora da verdade”. Entrevista com


Marco Politi

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05/08/2023, 16:01 “Chega a hora da verdade”. Entrevista com Marco Politi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU

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03 Agosto 2023

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O poder do papa se reduziu, acredita o vaticanista italiano Marco Politi, e em


sua opinião é uma oportunidade.

A entrevista é de Raoul Löbbert, publicada por Die Zeit, 30-07-2023. A


tradução é de Luisa Rabolini.

Eis a entrevista.

Sr. Politi, o Papa Francisco nomeou um novo chefe do dicastério


para a doutrina da fé e um novo secretário particular. Ambos são

conhecidos como liberais e são argentinos. O papa está
preparando uma ofensiva de reformas, agora que seu predecessor
Bento XVI morreu?

As duas nomeações devem ser consideradas independentes uma da outra.


Que Francisco mude seu secretário não é incomum para ele. Faz isso a cada
cinco anos. Dessa forma, quer evitar que o secretário particular tenha
demasiado poder e se torne uma espécie de eminência parda nos bastidores.

E Victor Manuel Fernandez, o novo chefe do dicastério para a


doutrina da fé?

Certamente é algo muito pessoal, especialmente quando se considera a carta


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Ce ta e te é a go u to pessoa , espec a e te qua do se co s de a a ca ta
de acompanhamento à nomeação. Nela fala de "métodos imorais" que foram
usados ​no passado para punir possíveis desvios da doutrina, uma flechada
para a maneira de agir da congregação para a doutrina da fé sob Bento e João
Paulo II. No entanto, é preciso ver a nomeação em um contexto mais amplo.

Francisco está reorganizando a cúria de acordo com seu modo de ver. Ele
nomeou pessoas de confiança em lugares decisivos. Além de Fernandez tem
Robert Prevost como presidente da congregação para os bispos, e Mario
Grech como o principal organizador do Sínodo Mundial. Ao mesmo tempo
afastou da cúria seus críticos mais importantes, em primeiro lugar o alemão
Gerhard Ludwig Müller e Robert Sarah.

Portanto, Francisco agora pode e quer reinar?


É complicado. Claro que é importante para um papa ter uma cúria que o
apoie, mas, ao mesmo tempo, a cúria não é mais tão poderosa quanto antes.
Já se foram os dias em que a cúria podia emitir ordens de serviço como
uma espécie de comando supremo do exército católico.

Realmente? Por quê?

Isso tem a ver com o pontificado de Bento XVI. Foi um pontificado de crise e
de escândalos. Quanto mais Bento tentava falar no estilo de poder de seus
predecessores, mais parecia que o poder lhe escapava. E isso teve
consequências. Hoje vemos uma guerra interna na Igreja Católica. A antiga
distribuição de poder é questionada, especialmente pelos críticos de
Francisco que não pertencem à cúria. Eles colocaram o papa sob pressão
nas páginas da internet e nas redes sociais.

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Isso deveria impressionar o papa?

Sim. Já no passado, um papa só era onipotente se fosse conservador. Os


papas liberais sempre tiveram que ter cuidado e dar um jeito para que a
maioria da Igreja universal apoiasse a sua agenda.

O que você está dizendo sugere que a Igreja se democratizou sem


que o mundo o tenha percebido.

Pelo menos consegue deixar de ser totalmente autocrática. Esse processo


muitas vezes não é notado porque muitos observadores estão presos a velhos 
papéis. Quão importante é a Igreja mundial pode ser visto nos dois sínodos
sobre a família de 2014 e 2015. A posição a favor da admissão à comunhão
dos divorciados recasados ​não teve a necessária maioria dos dois terços entre
os participantes nos sínodos. O papa não ousou decretar a comunhão contra
aquela maioria. De forma que Francisco apenas aliviou bastante a proibição
geral à comunhão numa nota de rodapé do documento pós-sinodal. Ou
podemos tomar a bênção aos casais homossexuais. Embora o Vaticano
tenha dito que não é aceito, alguns os bispos, aliás, a maioria daqueles
alemães, não querem aceitar a proibição. Isso teria sido impensável no tempo
de João Paulo II. Assim, as relações de poder mudam cada vez mais na Igreja
universal e nas Igrejas locais.

Isso agradará aos bispos alemães. Querem reformar a Igreja com


seu caminho sinodal. Pelo menos um pouco.

Ói l E b d h f
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Ótimo exemplo. Em novembro passado, os chefes da Conferência
Episcopal Alemã foram convocados a Roma. Lá, o Cardeal Secretário de
Estado Parolin, Luis Ladaria, então prefeito da Congregação para a
Doutrina da Fé e Marc Ouellet, da Congregação para os Bispos,
disseram aos alemães que o caminho sinodal alemão precisava de uma pausa,
uma moratória. E o que os alemães fazem? Dizem que não! Então Ladaria e
os outros romanos propõem inserir as ideias de reforma dos alemães no
sínodo mundial que se reunirá neste final de ano e no próximo. E os
alemães dizem novamente que não! Simplesmente continuam. Francisco
não participou daquela reunião, talvez porque tenha imaginado o que
aconteceria.

Os alemães podem contar com maior benevolência pelo fato de


Bento XVI morreu e Francisco ocupa o Vaticano com
reformadores?


Eu diria que não. Francisco faz depender a sua benevolência não do modo
de pensar dos alemães, mas da Igreja universal. E ali os esforços de reforma
são vistos criticamente justamente pelos reformadores. Quando o presidente
da conferência episcopal dos EUA, Timothy Broglio, e o arcebispo liberal de
Chicago, Blase Joseph Cupich, se expressam de forma crítica ou hesitante
sobre as ideias de reforma alemã, isso mostra a Francisco que grande parte
da Igreja universal é bastante contrária.

Por que são contra?

A grande maioria por medo. Mesmo muitos reformadores não querem colocar
em jogo a unidade da Igreja universal. Nisso, a Igreja Anglicana é um
exemplo negativo: no Norte é liberal, e lá mulheres e homossexuais podem
se tornar padres e bispos. No Sul, principalmente na África, a situação é
absolutamente impensável. Assim, uma parte dos anglicanos não consegue
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mais falar com os outros anglicanos. E entre os protestantes, que têm tudo o
que os alemães querem – presbiterado para as mulheres, etc. – as igrejas
continuam igualmente vazias.

E agora?

Vai chegar a hora da verdade quando o sínodo mundial se reunirá e terão de


ser tomadas posições sobre os temas de reforma. Até agora, as posições são
vagas. Domina o temor. Mas os bispos poderiam aproveitar o momento.
Como no Concílio Vaticano II. Na época, a cúria tinha predisposto uma ordem
de trabalho e os bispos a deixaram de lado e decidiram eles mesmos como e o
que teriam discutido. E o Papa João XXIII concordou.

Quem levará a melhor?


Não ouso fazer um prognóstico sobre isso. Só posso dizer uma coisa: pouco
antes de sua morte, falei com Hans Küng…

O famoso teólogo e crítico da Igreja…

Falei com ele sobre a situação. Ele acreditava que se um Concílio fosse
realizado naquele momento, ganhariam os tradicionalistas. Porque os
indecisos e os temerosos não ousariam ficar do lado dos reformadores. Küng
era um homem sábio. Vamos aguardar o que irá acontecer.

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A mensagem pós-pandêmica do Papa Francisco convoca o governo a se
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Itália, Vaticano e o Projeto de Lei Zan. “Para mim o ponto crucial consiste na
sua formulação”. Artigo de Marco Politi
“O próximo Sínodo Mundial dos Bispos será decisivo para a Igreja Católica”.
Entrevista com Marco Politi
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Vaticano, o cardeal Marx deixa o cargo: é pouco falar em “um duro golpe”.
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