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Capa:Layce Design
Diagramação: Tici Pontes
Imagens: Depositphotos e Freepik
Revisão: Artemia Souza
Entramos na rua Five que parecia ainda mais barulhenta desde que
eu saíra. Pelo pouco que eu tinha visto, o carro azul de Ben não tinha metade
da potência dos motores que frequentavam a Black Bird e eu acreditava que o
meu também não.
— Você poderia morar em um lugar melhor, mais silencioso — Ben
sugeriu quando estacionou seu Subaru em frente àminha casa. — Eu mesmo
encontraria fácil uma nova casa para você.
— O silêncio é dolorosamente barulhento, Ben — admiti. — Posso
me incomodar com o barulho, mas prefiro isso ao silêncio.
No mesmo instante que coloquei os pés para fora do carro, meu
olhar cruzou com os olhos de gato do vizinho. Dessavez ele me observava
com cautela. Podia jurar que vira algo estranho em seu rosto que estava
contorcido, como se sentisse dor. Os braços se mantinham cruzados acima do
peito em uma posição ereta e atenta.
Carolyne desceu do carro atrás de mim e ergueu timidamente a mão
em direção ao meu vizinho que declinou a cabeça em resposta.
Obviamente eles se conheciam, afinal, era uma cidade pequena.
Ben, diferente de Carolyne, pegou o maior número de sacolas que
conseguiu carregar e subiu as escadas da varanda sem olhar para trás.
Colocamos todas as compras na bancada em minha pequena cozinha
e eu prometi estreá-la em breve. Carolyne olhou curiosa para os cômodos da
casa enquanto Ben sustentava um beiço enorme.
— O que está acontecendo com ele? — sussurrei em direção a ela,
atenta para que Ben não me ouvisse.
— Ele e o Josh não se dão muito bem — ela sussurrou de volta. —
Depois eu te conto — prometeu.
— Precisamos voltar! — Ben se apressou.
— Tem certeza de que não querem comer alguma coisa? — Ergui as
mãos. — Juro que sei cozinhar, um pouco.
— Terei que recusar seu convite. — Ele caminhou em direção a
porta. — Perdi o apetite — sussurrou.
Tanto eu quanto Carolyne trocamos olhares receosos.
— Obrigada por tudo! — Abracei os dois enquanto os observava
seguir em direção ao carro novamente.
O vizinho continuava ali, parado como uma estátua, encarando Ben
como se ele fosse um monstro.
O que diabos aconteceu entre eles?
Bem, eu não tinha nada com aquilo. Meus problemas bastavam para
uma vida inteira, não podia me dar ao luxo de me preocupar com problemas
alheios.
Fechei a porta de vidro com cautela e caminhei até a cozinha.
Encontrei um mar de sacolas que não se guardariam sozinhas. Era hora de
começar a me mexer.
Depois de pouco tempo, já tinha acabado de organizar toda a minha
cozinha e o restante das minhas caixas de mudança. Agora tudo estava em
seu devido lugar.
Joguei-me no sofá, planejando o que eu faria dali em diante.
Estudando minhas possibilidades para recomeçar a minha vida.
Minha mente voava pelos últimos anos que vivi, os anos bons. Por
incrível que parecesse, em certos momentos em me lembrava de Caleb e do
momento em que o conheci. Seu carinho e sua atenção eram mágicos, como
um pavio em uma gigantesca fogueira. Tudo em mim reluzia ao toque dele.
Meu corpo o amava, meu coração o idolatrava e talvez esse tenha sido meu
maior erro.
Em algum momento entre lembrar o passado e sonhar com o futuro,
eu adormeci. Quando voltei a abrir os olhos, saltei assustada sobre o sofá ao
notar que havia uma lua gigantesca exposta no céu. A luz entrava pela janela
e banhava a sala em um tom claro como uma lanterna. Meu coração estava
acelerado.
Bufei e respirei fundo.
Só quem sofria de ansiedade sabia o quão terrível era aquela
sensação de acordar com um palpitar estranho no peito, como se nada
estivesse no lugar. Como se faltasse uma parte importante de você.
Fechei os olhos e os apertei com força. Aquela não era a melhor fase
da minha vida.
A falta de apetite, falta de sono, tremedeira após pesadelos e em
alguns momentos até a falta de ar... aqueles eram alguns dos sintomas que eu
andava sentindo, mas acreditava fielmente que, com muito esforço,
conseguiria lidar com aquilo. Não seria a primeira vez que eu sofria daquele
mal, assim como não seria a primeira vez que eu conseguiria passar por tudo
aquilo.
Espreguicei-me empurrando duas almofadas que foram colocadas
propositalmente ao meu lado para que eu as abraçasse e decidi confirmar se
no meu mundo real, aquele que realmente importava, estava tudo bem.
Agarrei meu celular e liguei para meus pais para matar a saudade de
escutar a voz desesperada da minha mãe, colocando-me a par de todas as
trapalhadas em que meu pai se metia e questionando cada um dos meus
segundos vividos em Fênix.
Descobri que os Iron, time de futebol americano do qual Bruce era
capitão, estavam organizando seus jogos no estádio central em Natanville, o
que tomava todos os minutos do dia de Bruce.
Bruce me ligava frequentemente, esperando ansioso pelo dia em que
os campeonatos acabassem e ele pudesse vir logo me visitar. Pedi a ele e aos
meus pais que me dessem um pouco de tempo. Eu precisava respirar sem ter
ninguém me encarando com aquela cara de dó que todos eles
inconscientemente desferiam em minha direção.
Foi difícil conseguir o consentimento de todos os três quando decidi
me mudar para Fênix. Minha mãe começou a chorar, meu pai ficou irritado e
não parava de falar, mas Bruce... ah, com ele foi pior, muito pior.
Quando contei meus planos ele apenas ficou me encarando, sem
dizer uma única palavra desde que eu informei que iria sair da cidade, então
combinamos que depois das finais dos jogos de Bruce, nos reuniríamos em
Fênix Hill.
Ainda faltava um bom tempo. Comecei a me perguntar se resistiria
ficar todo aquele tempo longe das pessoas que eu mais amava na vida.
— Tá bom, mãe. Eu também te amo — prossegui e desliguei depois
de prometer me alimentar bem.
Assim que finalizei a ligação, disquei os números de Megan, minha
prima e melhor amiga.
— Pensei que fosse ter que aparecer em Fênix Hill atrás de você!
Ela reclamou assim que atendeu.
Conversar com Megan sempre levantava meu astral. Ela era uma
mistura humana de felicidade e energia positiva e isso me dava a certeza de
que eu desligaria o telefone me sentindo mais leve.
Não fazia ideia do quanto eu estava enganada.
Confessei a Megan o porre que eu havia tomado. Contei exatamente
tudo, desde o momento em que sentei no pufe até os biscoitos de coração
junto com um pequeno e significativo bilhete que não saia da minha mente.
Ela implorou que eu tivesse cuidado, tanto com bebidas, quanto com caras
gatos de queimar os olhos.
— Ele trabalha em uma mecânica, Anny.
— E o que tem isso? — Comprimi os olhos.
— Quer coisa mais “filme erótico” do que o vizinho gostoso que
trabalha em uma mecânica e fica o dia todo suado, sem blusa, com os
músculos à mostra como se esfregasse bem na sua cara? — Dei uma risada.
— Muito clichê, né?
— Pois é, não gostamos de clichê! — ela retorquiu, ainda parecendo
preocupada.
— Um bom clichê tem seu lugar, sabe disso — provoquei.
— Anny! — vociferou. — É sério, quero que tome cuidado. Por
favor.
Megan acompanhou de perto por tudo o que passei. Chorou comigo
enquanto tentava colher minhas lágrimas e me ajudar. Ela foi um grande e
confiável porto seguro em que me agarrei com todas as forças e eu sabia que
seu nervosismo exagerado naquele momento era fruto do medo que ela tinha
de que eu sofresse novamente. O que só me fazia amá-la ainda mais.
— Eu prometo que tomarei cuidado. — Ela suspirou fundo e quando
recomeçou a falar, sua voz assumiu um arrepiante tom sombrio .
— Preciso te contar uma coisa — começou —,mas não quero que
surte.
— O que foi? — A preocupação fez com que meu coração
acelerasse e meus dedos se prenderam ao aparelho celular de forma que nos
tornamos um só.
— O...C-Caleb... ele apareceu no hospital onde trabalhava.
Fiquei em silêncio, tentando assimilar tudo que ela dizia.
— Há um novo médico por lá, um neurocirurgião que assumiu a
vaga que ele tinha no hospital. Um tal de Fred. — Ela parou por um
segundo, como se criasse coragem para prosseguir. — Ele o atacou, Anny.
— O quê? — sussurrei em choque.
— Caleb o encurralou no estacionamento e o atacou com um
canivete. — Ela também diminuiu o tom, enquanto meu coração batia tão
fracamente que eu poderia estar morta naquele exato momento.
— Ele o matou? — A pergunta surgiu em um rompante desesperado.
— Não, mas acho que pensou que o homem estava morto. — Megan
soltou uma rajada de ar. — O médico foi encontrado entre a vida e a morte e
quando acordou, conseguiu relatar tudo o que tinha acontecido. Fora
algumas câmeras de segurança que capturaram imagens de Caleb saindo do
hospital.
— E-eo-o que o médico disse? Por que ele o atacou? — Demorei
para conseguir me estabilizar.
— O médico disse que ele o atacou dizendo que a culpa era dele.
Apenas repetia isso e que faria com que todos pagassem — revelou e um frio
serpenteou minha coluna.
— A polícia foi acionada, mas novamente... ele não foi encontrado.
Ainda estão procurando por ele.
Sentei-me no sofá, sentindo as pernas bambearem.
— Ele fugiu de novo. — Era inacreditável.
— Não encontraram o carro dele desde a primeira tentativa de
prisão. — Ela soltou uma baforada de ar que ressoou pelo telefone.
Meu chão desabou.
— Bruce não me disse nada — falei baixo demais. — Ninguém da
minha família falou qualquer coisa. Por que não me avisaram?
— Eles não querem que se preocupe com isso e eu deixei claro que
acho isso um absurdo. — Um silêncio irrompeu no meio de nós.
— Anny, todos sabemos como sua saúde anda fragilizada e sejamos
realistas. — Ela chamou minha atenção. — Seus pais acreditam fielmente
que Caleb nunca iria te procurar ou tentar qualquer coisa contra você
novamente e até Bruce vive nessa ilusão, como se você estivesse na cidade
mais protegida do mundo. — Prendi a respiração, ciente do que viria depois
daquelas palavras. — Eles estão ignorando o número de mulheres que
morrem dia após dia, assassinadas pelosex — prosseguiu. — Nós duas
sabemos do que Caleb é capaz. Ele perdeu tudo aquilo que mais valorizava e
se ele foi capaz de atacar um homem que sequer o conhecia só porque o cara
herdou o cargo que pertencia a ele, o que faria se colocasse as mãos em
você? — Sua voz embargou e eu sabia que ela estava certa.
Caleb me culpava.
Ele me culpava por ter perdido o emprego. Culpava-me por ter que
fugir da polícia, culpava-me por ter me batido, culpava-me por eu ter perdido
o nosso bebê.
Ele sempre me culpava por todos os seus próprios erros.
Engoli seco.
—Tenho medo de que ele vá te procurar — falou sentida.
— Ele nunca vai me encontrar aqui.
— Ainda assim, tenha cuidado. Não diga a ninguém onde está
morando, está bem? Evite a qualquer custo todo contato com redes sociais
ou o que for. — Ela fez uma pausa. — E não diga a eles que sabe. Sua
família já está preocupada demais, deixa que eu te atualizo de tudo e se
precisar de algo, qualquer coisa, não hesite em me ligar. Já estou
psicologicamente preparada para me mudar pra esse fim de mundo se
precisar.
— Obrigada por tudo, Megan — falei pausadamente, segurando o
choro. — Preciso te pedir mais uma coisa. A última, eu prometo.
— O que foi? Pode pedir, qualquer coisa. Se for pra matar alguém
eu já sei onde podemos enterrar o corpo. — Ela se agitou e me fez dar uma
risada.
— Não preciso que mate ninguém. — Ouvi um murmuro que mais
me pareceu um “droga” ecoando no fundo da ligação e dei mais uma risada
da brincadeira de Megan. — Cuida do Bruce para mim?
— Não me peça algo assim! — ralhou. — Ou realmente teremos um
corpo para enterrar, estou prestes a matá-lo... — Ela deu uma risada fraca e
fungou o nariz. Naquele momento eu soube que ela segurava o choro, assim
como eu. — Estou com saudades.
— Não me fale em saudades, Megan. — Meu peito ardeu, doeu e se
revirou de inúmeras formas.
— Em breve passarei uma temporada com você em Fênix. — Sua
voz alto-astral tomou as rédeas da conversa em um rompante. — Essa cidade
vai ficar pequena para nós duas.
— Pequena ela já é! — brinquei. — Obrigada, Megan. Eu te amo!
— Com todas as minhas forças.
Garanti a Megan que cuidaria da minha saúde e não me preocuparia
com Caleb todos os malditos segundos da minha vida, mas em vez daquilo,
estava na internet procurando algum anúncio de jornal sobre o ocorrido no
hospital central de Natanville.
Para meu desespero, havia uma matéria completa com imagens das
câmeras de segurança onde um homem completamente vestido de preto era
nitidamente pego em flagrante esfaqueando a sangue frio o médico que
estava caído no chão. Eu não conseguiria dormir direito pelos próximos dias.
Meus pensamentos iam e vinham. Perguntando-me qual fora o
momento exato em que descobri quem Caleb realmente era.
Se eu pudesse voltar no tempo... questionei-me enquanto juntava os
lixos da cozinha em uma sacola e os levava para fora. A brisa da noite tocou
meu rosto suavemente enquanto eu me perdia ainda mais em pensamentos.
Como eu me meti naquilo? Como minha vida foi se transformar da
água para o vinho daquele jeito?
Ergui a mão, perdida em pensamentos e soltei a sacola de lixo no
que eu achei que fosse a lixeira.
Só me dei conta de que tinha jogado a sacola em cima da casinha de
cachorro abandonada no quintal da casa de Kenny quando o saco rolou
alguns centímetros e uma risada baixa me despertou do transe em que me
encontrava.
— Opa, vizinha! — Mais uma vez, lá estava Josh, agora fechando a
porta da entrada da mecânica e usando uma blusa preta sob uma jaqueta da
mesma cor que escondia seus braços e todo o pacote músculos-tatuagens que
o acompanhava. — Eu acho que a lixeira fica para lá — apontou para a
direita em um movimento sutil —, a menos que tenha redecorado a casinha
de cachorro.
Meu rosto queimou tanto que eu poderia jurar que tinha me
transformado em um fósforo humano.
— Eu me distraí. — Ergui a mão, sem graça e logo em seguida
capturei a sacola mais uma vez, levando-a até a verdadeira lixeira sob os
olhos atentos de Josh...
Quando joguei a maldita sacola em seu devido lugar, dei uma
espiada na direção do meu vizinho só para constatar que ele ainda me
encarava. No mesmo instante ele sorriu e continuou a me observar como se
lesse cada um dos meus passos. Caminhei o mais rápido que pude até entrar
em casa mais uma vez.
Será que todos os meus dias seriam assim? Ele parecia mais lindo
cada vez que eu olhava para ele.
Que inferno!
Entrei em casa e fui até a cozinha preparar um chá quente, ainda
enfurecida pela minha capacidade de passar vergonha na frente do vizinho.
Sentei-me no sofá e escancarei as cortinas, o que me permitia ter
uma visão límpida do céu, que agora estava carregado por nuvens escuras.
Levei a xícara de chá àboca e soprei a fumaça que se erguia. Meus
olhos pousaram em um short curto que estava jogado sobre o sofá. Uma das
peças que eu pensei em usar naquela manhã e provavelmente havia esquecido
ali.
A imagem do short abandonado me fez relembrar algo.
Há um ano e meio eu não sabia o que era usar short ou nada que não
cobrisse por completo minhas pernas. Tudo porque meu namorado, meu
futuro noivo, detestava aquele tipo de roupa. Eu podia usar o que quisesse,
desde que fosse para ele e somente para ele.
“Você quer mostrar seu corpo para outro homem? Quer chamar
atenção?”
Não!,era o que eu respondia inocentemente, preocupada que de
alguma forma eu pudesse tê-lo ofendido.
“Então por que faz isso? Acha que eu mereço isso? Eles vão te
olhar, Anny, e eu não vou aceitar isso. Quer usar esse short mostrando sua
bunda, pois use. Só não reclame depois.”
“Eu não quero ver você brigando com ninguém, Caleb. Ainda mais
por minha causa. Se te incomoda tanto, em cinco minutos troco de roupa e já
saímos.”
Naquela época eu não me sentia mal.
Na verdade, não sentia absolutamente nada.
Era tão natural que um namorado sentisse ciúmes ou receio.
Chegava a ser bonitinho a proteção excessiva que ele depositava em minha
vida. O que eu não sabia na época era que Caleb colocava as mãos no meu
pescoço todos os dias e apertava um pouco mais a cada nova permissão que
eu dava, a cada nova concessão que eu fazia, até que o ar começou a faltar em
meus pulmões.
E então, era tarde demais para voltar atrás.
Lembrava-me do sorriso alegre de Caleb sempre que eu aceitava
suas condições. Todas elas, sem discutir, sem questionar. Em minha cabeça,
ele me amava mais que o próprio ar e por isso se preocupava e tinha ciúmes.
O monstro que eu viria a conhecer estava armando sua teia e eu, caindo sem
perceber.
Dei mais uma golada no chá quente, perdendo o prazer ao saboreá-
lo. Lembrar de Caleb tinha uma capacidade incrível de me abater e destruir o
que quer que existisse de bom em meu peito.
Apoiei a cabeça no sofá e deixei o silêncio me naufragar.
Fiquei ali, parada, prestando atenção apenas na minha respiração
quando um som leve irrompeu meu precioso minuto de silêncio.
Ergui a cabeça e tentei identificar que som era aquele. Estava
distante, transformando-se quase em um sussurro perdido na noite.
Fique de pé. O sentimento de expectativa irradiando por meu peito.
Era o músico misterioso que me fez ficar intrigada noite passada.
Abri a porta de vidro da entrada de casa, causando um barulho a
mais na noite gélida e percorri com o olhar toda a rua vazia, iluminada por
postes de luzes brancas e claras, mas ainda assim, não encontrei
absolutamente nada nem ninguém, assim como na noite anterior. Franzi os
lábios...
Aquela música era tão linda, tão dedicada e doce que era capaz de
transmitir a sensação de paz para qualquer coração que a escutasse, porém,
quem a tocava não cantava. Aquilo me deixava intrigada e de certa forma
decepcionada.
Torci os lábios e fechei a porta às minhas costas, tomando uma
decisão nada sensata. Mas o sopro de vida que atingiu meu peito com a ideia
fez tudo valer a pena.
Daquela vez eu descobriria de qual canto do mundo vinha aquele
som.
Porque até as estrelas queimam
Algumas também caem sobre a terra
Temos muito a aprender
Deus sabe que somos dignos
Não, eu não desistirei
I Won't Give Up - Jason Mraz
Pensei que Anny não fosse sequer se mexer durante a noite. Afinal,
estava exausta, mas me enganei completamente. A garota dormia igual a um
furacão sem controle, destruidor, sem piedade.
Seu corpo percorreu toda a cama, inquietamente, embolando os
lençóis em mim e nela ao mesmo tempo. Observei com curiosidade cada um
dos seus movimentos, deixando-a livre. Ela abriu os braços alcançando com
facilidade as duas extremidades da cama. Rolou por cima do meu colo duas
vezes e acertou um chute na minha canela com a perna que estava livre dos
lençóis.
Havia graça em observá-la. Pela primeira vez consegui respirar com
calma desde que viera até sua casa na noite anterior.
Estava atordoado com tudo que ela me contou e com a quantidade de
traumas que ela carregava.
Anny me fez relembrar tudo o que eu mais odiava, tudo o que eu
mais temia... tudo pelo que ela passou. Ouvi-la despertou gatilhos dolorosos
que há muito tempo eu ignorava, ao mesmo tempo em que algo dentro de
mim gritava e eu me peguei implorando a Deus para ter a chance de mantê-la
segura.
Ela se tornou a minha dor e a minha cura. A lembrança do que eu
odiava e o motivo pelo qual eu lutaria para protegê-la.
Mil perguntas rondavam minha cabeça, mas não era o momento para
nenhuma delas. Quando chegasse a hora, a primeira delas seria:
Quando foi a última vez que foi ao médico?
Percebi sua hesitação em revelar que sempre teve a saúde
fragilizada. E pelo visto, ela também não estava se alimentando bem.
Eu cuidaria para que fizesse seus controles corretamente. Com sua
família distante, Anny só tinha a mim e aquilo encheu meu peito de um
orgulho estranho. Como se cuidar dela trouxesse sentido à minha vida.
Passei os dedos por seus lábios e ela se mexeu. Acariciei seu rosto
completamente desacordado e vi ela se aninhar a mim, abraçando uma parte
da minha coxa. Sorri como um tolo, dividindo um terço da cama com seus
cabelos esvoaçantes e suas pernas descontroladas.
Meus olhos repousaram em um porta-retratos colocado
cuidadosamente na mesinha do quarto ao lado do abajur branco.
Imediatamente reconheci Bruce Thompson. Ainda não tive tempo de sorver
aquela notícia.
Taylor ia surtar quando descobrisse e ciente daquilo, meu
subconsciente se agitou em alerta. Ele não podia incomodá-la com isso. Era
evidente a dor que ela sentia quando se lembrava do irmão que estava
distante. Não queria que a minha garota sofresse com as perguntas descabidas
de Taylor, e eu sabia que seriam muitas.
Ao lado do brutamontes que agora eu conhecia como irmão mais
velho de Anny, estava uma senhora baixa, dona de um sorriso extremamente
branco e alegre. Reconheci os traços de Anny em seu rosto firme e
tempestuoso. Os cabelos negros com toda certeza eram herança da mãe.
Feliz, ela abraçava um homem meio calvo. Provavelmente, era seu pai. Em
um dos cantos, meu anjo sem asas alargava um sorriso digno de um Oscar,
envolvendo a cintura do irmão. A foto transbordava amor. Imaginei a dor
daquela família com o afastamento de Anny, tão taciturno e repentino.
O que eles sabiam de toda aquela história maluca?
Meu coração ardeu de ódio ciente de que o desgraçado que a
infringiu tanta dor sairia impune.
Merda! Eu estava de mãos atadas.
Em um impulso insano, estiquei os braços e peguei o celular de
Anny. Por sorte, não havia bloqueio na tela. Conferi sua respiração como um
bandido prestes a cometer seu primeiro assalto. Ela permanecia envolta em
um sono pesado. Se acordasse, ia querer saber por que diabos eu estava com
seu celular na mão.
Antes que aquilo pudesse acontecer, abri sua agenda e fiz o
impensável. Salvei o número de Bruce Thompson no meu celular. Um
pressentimento me alertava de que talvez eu pudesse precisar.
Rapidamente recoloquei o aparelho em sua posição inicial e voltei a
respirar. Crime cometido. E que Deus me perdoe.
— Hummm! — ela gemeu.
Um gemido delicioso enquanto agarrava minha cintura.
Deslizei os dedos por suas costas e vi os pelos claros do seu braço se
eriçar. Um sorriso inocente e inconsciente brotou em seus lábios.
Viciei-me em acariciá-la e ver aquela expressão de repouso e
descanso.
Fiquei ali por mais algum tempo, brincando com seu cabelo,
afagando suas costas, desviando de seus chutes mortais. Então o céu começou
a clarear. A janela ficava na lateral do quarto e tinha as cortinas entreabertas.
Percebi que o tempo nublado não dava trégua, como foi durante toda a
semana.
Taylor e Jake já deviam estar abrindo a mecânica pelo som alto de
motor que adentrava levemente o quarto de Anny.
Ela precisava comer algo. A noite foi cansativa para nós dois, ainda
assim, eu aguentaria diversas noites como aquela apenas para que Anny se
sentisse bem e protegida.
Afaguei suas costas, tentando alertá-la que iria comprar nosso café.
Não queria deixá-la desavisada. Ao acordar, ela não me encontraria ali e sabe
Deus o que pensaria.
— Meu anjo! — sussurrei, odiando ter que acordá-la.
Ela mal se moveu e eu fiquei mais um segundo observando-a. Era
tão linda que me fazia perder o ar.
O que era aquilo? Eu me sentia doente. Fiquei fraco depois de ouvir
o que Anny tinha para dizer na noite anterior. Perdi o sono e a única forma de
recuperar o equilíbrio era tocando sua pele.
Ah, droga.
Queria que minha avó estivesse aqui para me instruir sobre aqueles
sentimentos. Eu era capaz de montar e desmontar uma Lamborghini de olhos
vendados, mas quando se tratava de amor, eu não sabia absolutamente nada
além do que presenciei através do meu casal favorito. Meus avós.
— Annnn! — Ela ergueu a cabeça, tendo parte do rosto coberto por
seus cabelos.
— Vou comprar um café da manhã reforçado para a gente, volto o
mais rápido possível. — Ela sorriu, mantendo os lábios fechados e por um
momento em me senti invencível.
No segundo seguinte experimentei duas sensações fortes. Anny
jogou as pernas para fora da coberta, deixando exposta a calcinha rendada
que andava me enlouquecendo.
Ahhhh!
Meu corpo reagiu instantaneamente. Ela empinou a bunda se
acomodando o mais confortável possível em sua cama. Eu podia jurar que
todos os músculos do meu corpo estavam petrificados.
— Tá, tô indo! — Desviei os olhos enquanto resgatava o lençol
protetor e o jogava sobre ela antes que decidisse não sair dali nunca mais.
Ajeitei seu corpo e deslizei a mão por suas costas. Foi naquele
momento que experimentei o segundo maior sentimento da minha vida. O
ódio. Puro e verdadeiro, de uma forma que nunca senti antes. Algo corrosivo
invadiu meu cérebro como se um ácido tivesse sido derramado no topo da
minha cabeça.
Meus dedos encontraram a cicatriz em suas costas... fina e comprida,
deformada, amarronzada.
Como se não estivesse impressionado o bastante, ergui a base da
camiseta para vê-la melhor. Meus dedos tremiam agora que eu sabia tudo o
que tinha acontecido.
Imaginar a dor que ela sentiu me fez entrar em choque. As palavras
de ontem se uniram a visão daquela manhã. Enfiei as mãos nos cabelos e
caminhei de um lado para o outro perturbado, sem ar.
Saí dali correndo, como se fosse explodir. Meus sentidos falhavam.
O que estava acontecendo comigo?
Peguei a arma que havia escondido embaixo da cama e a enfiei nas
costas com vontade, torcendo para que ninguém a visse até que eu chegasse à
mecânica. Bati a porta atrás de mim e desci os degraus correndo em direção à
Black Bird. Estava sufocando.
Titubeei meio zonzo, entrando a passos rápidos para dentro da
Black, ignorando o comprimento dos meus colegas de trabalho. Segui
cegamente para o fundo da mecânica. Não sabia o que estava fazendo. Meu
Deus, que dor era aquela?
Flashs de tudo o que eu já ouvi e vi, meu pai berrando, minha mãe
lançando coisas. Ele a atacando, ele pedindo perdão, ela perdoando. Sangue,
sim, eu já vi sangue. Boatos sobre uma traição da parte dela, brigas por
dinheiro. As vezes que eu mesmo apanhei até perder o fôlego por tentar
impedir meu pai de chegar até ela... Tudo, absolutamente tudo, em uma
explosão catastrófica.
— Fala, Josh! — Jake se virou em minha direção e mudou seu
semblante alegre quando pousou os olhos em meu rosto conturbado.
— Josh? — Taylor se aproximou. Sua voz estava tão longe.
Avancei pelos dois como se não estivessem ali. Arranquei a arma da
cintura e a enfiei em uma das gavetas do armário com fechadura sem saber se
eles tinham reparado na presença dela ou não.
Apoiei-me na última parede da mecânica e enfiei o rosto no meio
dos braços, buscando o ar. Comecei a contar. Precisava controlar os
espasmos do meu corpo.
Dez..nove..
Tentei não assimilar toda aquela desgraça a Anny, mas não
consegui. Anny era diferente da minha mãe. Ela não estava em um casamento
oportunista, ela não se preocupava com o dinheiro, tampouco engravidou
para segurar o homem em um casamento sem amor como a minha mãe fez.
Ela só queria ser feliz. Mas ambas sofreram violências que ninguém deveria
sofrer.
Aquela garota era incrível. Doce, de coração bom e pele macia.
Jamais merecia aquela merda toda. Mulher nenhuma merecia passar por
aquilo.
Oito... merda!
— Vão tomar um café, galera, AGORA! — Taylor ordenou.
Ouvi as passadas apressadas dos nossos funcionários esvaziando a
mecânica. Eu estava tão sufocado que não conseguia respirar. Algo dentro de
mim não estava certo. Nada daquilo era certo.
Fechei os olhos com força.
— ARGH! — Soltei minha fúria em uma bancada repleta de
ferramentas jogando tudo no chão e no mesmo impulso comecei a socar o
armário de ferro à minha frente.
Cada soco levava parte da minha dor, concentrando-a em minha
mão, em meus ossos, mas por Deus, eu preferia aquilo a senti-la no meu
coração daquela maneira.
— PORRA, JOSH! — Taylor pulou sobre mim.
Minha boca espumava tamanha era a força que eu usava.
— Josh, JOSH! — Taylor imobilizou os meus braços para trás
enquanto Jake segurava-me pelo dorso pedindo calma. — Olha sua mão,
cara, calma!
— Ei, parceiro — Taylor falava enquanto eu ainda tentava me
desvencilhar das quatro mãos que me prendiam com força. — Fica calmo,
estamos aqui!
Meu peito inflava, subia e descia sem direção. Lembrei-me de
quando avancei em meu pai, tentando conter sua fúria. Não foi o bastante
para que o fizesse parar. Ele me arremessou no chão com força e depois veio
em minha direção e eu, com não mais que dez anos, continuei a enfrentá-lo,
mas minha mãe não. Aquela foi a maior surra que eu recebi dele na vida e a
certeza de que o eu o odiava cresceu ainda mais. A partir daquele dia, minha
mãe mudou. Ela me culpou pelas crises agressivas do meu pai, dizendo
repetidas vezes que nunca deveria ter tido um filho. Aquilo foi demais e ela
sabia disso.
Pensei que não fosse ter coragem de revelar o que andava
acontecendo, mas minha avó sabia que havia algo de errado. Bastou me
perguntar uma única vez para que eu começasse a chorar. Lembro-me de que
ela afagou minha mão, incentivando-me a continuar e com a boca cheia de
biscoitos de chocolate e lágrimas eu desatei a falar e revelei tudo. A partir
daquele dia eu não pertencia mais aos meus pais, graças ao bom Deus, eu tive
um lar com amor de verdade.
Quanta saudade, Vó!
Queria tanto tê-la aqui comigo, aconselhando-me, amparando-me.
E por pensar em minha avó Lucinda, meu coração começou a se
acalmar. Se eu encontrei proteção nos braços da minha avó quando eu ainda
era um menino, Anny encontrou abrigo em meus braços e agora eu era um
homem formado e faria o possível e impossível para vê-la em segurança, para
protegê-la.
Soltei o ar pesado, relaxando os músculos e vi que Taylor assentia
para Jake.
— Pode soltar!
Jake obedeceu.
Apoiei as mãos sujas de sangue sob os joelhos e abaixei a cabeça.
— Que. Porra. Aconteceu? — Taylor permanecia próximo a mim
com os olhos arregalados.
Ergui meu corpo, vendo ali meus dois melhores amigos com
interrogações gigantescas em seus olhos. Eles precisavam de uma explicação.
Qualquer que fosse. Eu não podia revelar os traumas de Anny da forma mais
ampla, mais se eu confiava a minha vida a Taylor e Jake, eu poderia confiar
meus temores. Eles conheciam todo o meu passado e cada uma das marcas
que eu levava e agora eu precisava dos meus amigos mais que nunca.
— É ela! — admiti.
— Anny? — Jake me observava confuso.
Comecei a contar um resumo de toda a história desde quando deixei
o Impala na garagem até a revelação de que o ex dela era um desgraçado,
filho da puta. Não contei nada sobre as barbaridades que ela sofreu nas mãos
dele. Apenas disse que ele a marcou de uma forma monstruosa e que eu não
consegui suportar.
— Eu estou com medo, Taylor — confessei, angustiado. — Estou
perdido. — E completamente apaixonado.
Senti a voz falhar nos momentos que me lembrava de Anny e seu
olhar apavorado. Temendo pela própria vida.
Jake parecia uma estátua, congelado de pavor enquanto Taylor me
observava taciturno.
— Digam qualquer merda! — pedi quando acabei de contar,
mostrando minha aflição.
— Eu sinto muito, parceiro! — Taylor me puxou para um abraço
desengonçado onde batemos nossos ombros e nos afastamos.
— Todos sentimos! — Jake completou. — Ela é uma garota legal.
— Ela é incrível — revelei.
— Josh, nós sabemos por que ficou assim. — Taylor me encarou. —
É como ver sua própria história em outra pessoa.
Aqueles dois eram os únicos que sabiam de tudo que já aconteceu na
minha vida e não foi em um momento muito sóbrio que eu contei aquilo para
eles, mas a verdade era que eu confiava neles e ter alguém para desabar
quando se fizesse necessário era um alívio. Eu sabia que podia cair pelo
caminho, mas um dos dois estenderia a mão em minha direção e me ajudaria
a ficar de pé novamente.
— Acho que foi por isso que eu... — Ergui os punhos
superficialmente machucados.
— Ela não é a sua mãe — Taylor garantiu. — Ela se libertou. Ela
está aqui, com você.
— Isso é tudo, cara — Jake completou. — Eu nem sabia que sentia
tudo isso pela vizinha, mas dizem que o amor chega que nem um raio e
explode sua cabeça de uma vez.
— Que merda é essa, Jake? Que história é essa de explodir a cabeça?
— Taylor o empurrou. — Não escuta esse idiota. Não importa o que
aconteceu. Nem como aconteceu. — Ele pegou o estojo de primeiros
socorros. — O importante é que aconteceu. — Entregou-me algumas gazes e
um antisséptico.
Limpei os ferimentos em silêncio sob os olhos atentos dos dois.
— O que precisa que façamos? — Jake inqueriu quando terminei de
limpar os arranhados nos punhos.
— Faremos o que puder para ajudar.
— Só... preciso que cuidem da mecânica hoje — pedi, respirando
novamente. — Vou comprar algo para ela comer e volto quando der.
— Está bem para ir sozinho? — Jake tocou meu ombro. — Podemos
ir com você.
— Estou... aliviado — admiti depois de colocar a raiva literalmente
para fora. — Preciso espairecer a cabeça. Nos vemos mais tarde.
— Gaste o tempo necessário. — Taylor cruzou os braços. —
Cuidaremos de tudo aqui. E se precisar de qualquer coisa, é só avisar.
Agradeci e comecei a sair da mecânica sob os olhos atentos dos
meus amigos. Precisava desaparecer dali, caminhar, respirar, qualquer coisa
para não enlouquecer de vez.
No fundo mesmo, somos todos como crianças assustadas
Duplo K
Nove dias... foi exatamente o que passou desde o acidente que virou
história em todos os jornais locais.
“Josh Mathews arrisca sua vida para salvar a namorada.”
Esse anúncio era particularmente o meu favorito...
“Herói de Fênix Hill — Jovem tem carro completamente destruído e
sobrevive praticamente ileso. Milagre?”
Havia notícias de todo o tipo e durante aquela semana apenas uma
ligação comum não bastou para os meus pais que estavam desesperados sem
saber o que de fato havia acontecido. Eles me ligavam diariamente através de
chamada de vídeo e até conheceram Josh em uma dessas ligações.
Combinamos de nos encontrar no aclamado Festival do Pomar, onde eles e
meu irmão Bruce viriam até Fênix.
Josh, mesmo com o prefeito informando que ele poderia cancelar os
planos para cantar no festival devido ao acidente, recusava-se
veementemente. Ele garantiu a Monroe que até o dia do evento estaria em
condições perfeitas para tal e o prefeito não escondeu a sua admiração e
alegria.
Enfim... o tão esperado dia havia chegado. Jake, Taylor e Carolyne
estavam aglomerados em minha pequena sala de estar enquanto eu e Josh
pegávamos algumas cervejas na cozinha.
— Parece nervoso. — Observei-o que, desde uns três dias atrás,
estava mais quieto do que de costume. Atribuí aquilo ao nervosismo pelo
show.
— Admito que estou.
— E deveria mesmo estar. — Taylor invadiu a cozinha e recebeu um
olhar de reprimenda de Josh. — O que foi? É normal ficar nervoso, não é?
Qualquer evento poderia te deixar nervoso. Não esse em específico. Não é,
Anny? — Ele jogou a bola para mim que torci os lábios sem entender.
— Cala a boca, Taylor — Josh praguejou e ergueu mais uma vez as
mangas da blusa social preta que havia escolhido naquele fim de tarde, junto
com uma calça jeans rasgada.
Alguém bateu na porta e antes que eu pudesse me mover, Josh falou:
— Taylor, vai atender e aproveita pra ir calado — vociferou e o
amigo ergueu as mãos ao ar em defesa.
Espiei pelo corredor e vi uma parte do corpo de quem esperava para
ser atendida. Um sorriso enorme preencheu todo o meu rosto e uma euforia
tomou conta de mim. Josh também veio conferir quem era devido a minha
expressão e quando Taylor abriu a porta, meu coração pareceu saltar no ar
quando uma morena de olhos marcantes surgiu diante dele.
Ela usava uma calça jeans colada, um decote que valorizava seu
busto, olhos verdes bem marcados e lábios tingidos de vermelho.
Era ela...
— Nossa, de repente a tarde ficou bem interessante. — Taylor não
perdeu tempo. — Quem é você?
— Sou a Stripper. — Megan soprou a bola de chiclete que mastigava
até que ela estourasse diante do rosto de um Taylor paralisado. — Não foi
aqui que pediram uma Stripper?
— N-não, mas não me oponho aos seus serviços. — Ele quase se
engasgou. Então os olhos de Megan recaíram sobre mim e minha prima e
melhor amiga se cansou de brincar com a cara de Taylor.
— Para de babar e sai da frente. Meu assunto é com aquela morena
ali. — Ela passou por ele sem se importar de deixá-lo com a boca aberta.
— Megan! — Corri até ela, enlaçando seu pescoço em um abraço
apertado.
— Eu sabia que você viraria esta cidade de cabeça para baixo
quando pisasse aqui, mas não fazia ideia que iria parar nos jornais, sua
maluca. — Ela abriu um sorriso estonteante e seu olhar recaiu sobre Josh. —
É ele? — Meneei um aceno e mordi os lábios, ciente de como Megan era, ela
não demoraria a... — Escuta aqui, se a magoar, se ao menos a fizer chorar eu
vou arrancar suas bolas e dar para os meus cães comerem. Tá ouvindo?
— É um prazer, enfim, conhecê-la. — Josh estendeu a mão com um
sorriso temeroso preso ao rosto.
— Eu gostei dela. Eu gostei muito dela — Carolyne comentou e
recebeu um sorriso alegre de Megan.
— Vejo que já conheceram a Megan. — Bruce entrou atrás dela e
foi recebido calorosamente por Taylor e o restante de nós.
— Então é aqui que a nossa pequena se esconde. — Meu pai... MEU
PAI entrou na sala vestindo uma camisa polo marrom e as calças caqui que
amava.
Corri até ele que trazia minha mãe pela mão, vestindo um vestido
azul florido que realçava os olhos castanhos.
— Como é bom ver vocês. — Abracei-os sem cerimônia. — Eu
senti tanta saudade. Josh... — chamei-o e só então notei que ele parecia uma
estátua, encarando minha mãe e meu pai como se não pertencessem àquele
planeta. — Essa é minha mãe Emma e meu pai Jimmy.
— É-éu-uma honra. É... um prazer e uma honra conhecê-los — ele
disse com dificuldade. — Uma honra.
— Ihhh, esqueceu como se fala — Megan zombou, mas minha mãe
foi mais rápida. Passando por nós com ímpeto, ela agarrou Josh pelo pescoço
e o puxou para um abraço apertado.
Ele sumiu nos meios dos braços fofos da minha mãe que quase
despenteou seu cabelo tão negro quanto o meu.
— Obrigada — ela sussurrou com tanta emoção que um silêncio
tomou a sala. — Obrigada por cuidar da nossa menina. — Quando ela o
soltou, Josh desviou os olhos. Parecia... emocionado?
— Eu faria tudo novamente. Não precisa me agradecer por nada —
ele garantiu, cavalheiro. — É um imenso prazer conhecê-los, senhor e
senhora Thompson.
— O prazer é nosso, filho. — Meu pai apertou sua mão e um sorriso
afetado tomou conta do rosto de Josh à menção da palavra “filho”.
Nem sua mãe nem seu pai o haviam procurado depois do acidente e
eu duvidava muito que não soubessem o que tinha acontecido com ele, e
aquilo era o que mais doía em meu coração. O completo desprezo dos dois
por um filho tão incrível quanto Josh. Mais uma vez constatei que nem
sempre o laço de sangue era o mais fiel.
Saímos da minha casa todos juntos. Megan veio de carona com
Bruce, assim como meu pai e minha mãe e ambos entraram na BMW do meu
irmão.
Jake, que já não escondia o que sentia por Carolyne e a havia
convidado para ir à Festa do Pomar com ele, se dirigiu até seu Mustang de
mãos dadas a ela e um sorriso tolo tomou meus lábios. Taylor seguiu para seu
Audi e então foi a minha vez e a de Josh de ir até o seu novo carro que havia
acabado de chegar.
Uma Lamborghini tão preta como seu antigo Camaro. Dá para
acreditar?
Quando chegamos a tão aclamada Festa do Pomar,eu consegui
entender o motivo pelo qual aquela festa era tão esperada na cidade.
Todo o parque estava decorado nas cores vermelha e branca. Havia
uma fileira gigantesca de barracas dispostas uma ao lado da outra, todas com
decorações em formatos de maçã e lotadas de pessoas na mesma proporção.
Havia todo tipo de iguarias feitas com maçãs.
Suco de maçã, vinho de maçã, doces, salgados, geleias, bordados... e
uma infinidade de tortas. A roda-gigante girava e piscava várias luzes ao
mesmo tempo, assim como o pomar. Todos os brinquedos do parque estavam
funcionando e muitas crianças com seus pais brincavam por ali. Pequenas
luzes foram dispostas ao redor do palco, transformando-o na grande atração
onde uma pequena banda tocava.
Tudo estava impecável, lindo demais.
— Vocês demoraram. — Ben se aproximou cumprimentando cada
um de nós, inclusive Josh. Ao que tudo indicava, a briga entre os dois estava
resolvida.
— Anny, Carolyne... — Rachel usava um vestido vermelho colado e
um batom da mesma cor que realçavam ainda mais seus cabelos.
Depois que saímos do hospital encontramos com ela no meio do
caminho. Rachel me pediu perdão por ter se intimidado com a cena que vira e
eu a abracei com força quando descobri que, se não fosse por ela ter ido
procurar a ajuda de Josh, sabe Deus o que poderia ter acontecido comigo.
Ela e Carolyne ainda se estranhavam, mas passaram a se
cumprimentar, o que para mim era um avanço gigantesco. Era estranho ver
Rachel tão apegada a Ben nos últimos tempos, mas como minha amiga disse
outro dia: Eles se mereciam. Então... que fossem bem felizes juntos, assim
como Carolyne e Jake pareciam estar sendo.
— Achei que não viriam — Ben completou.
— E te dar esse gostinho? Nem pensar — Josh brincou.
Mostrei aos meus pais cada detalhe da festa, incluindo detalhes sobre
o pomar. Havia um mural enorme com muitas fotos. Umas tão antigas que
estavam amareladas e em porta-retratos de vidro. Outras eram recentes, mas
todas haviam sido tiradas no pomar. Expliquei com a ajuda de Josh todas as
lendas e histórias acerca do pomar de forma animada. Por fim, todos da
minha família já estavam familiarizados com Fênix Hill.
— Garoto Josh, aí está você. — O prefeito nos notou. — Oh, garoto
Bruce! — Seu sorriso se ampliou. — MARGARIDA! — o homem virou o
pescoço curto sobre o ombro e chamou pela esposa, que era uma mulher
baixa com uma cabeleira cacheada cobrindo parte do rosto redondo. —
Vamos tirar uma foto com ele. Pense só. Um astro em nossa cidade. — O
prefeito chamou o fotógrafo que estava capturando os detalhes da festa e
agarrou Bruce pelo pescoço.
— Legal ele, né? — Megan zombou.
— Chegou a hora da nossa apresentação especial. Está mesmo se
sentindo bem, garoto Josh? — O prefeito se virou para ele com genuína
preocupação. Josh já não usava mais a tipoia e não demorou para responder.
— Nunca estive melhor, prefeito. — Ele beijou a minha mão e se
inclinou em um sussurro.
— Isso é para você, amor. — Somente eu pude escutar aquelas
palavras e fiquei um pouco confusa.
Observei-o subir ao palco atrás de Monroe que pegou o microfone e
fez uma longa introdução sobre os atributos de Josh e gentileza para com a
cidade. Sobre seu cavalheirismo e heroísmo e mais um monte de palavras
que conseguiram deixar o rosto de Josh em chamas de tão vermelho.
Ao fim, ele passou o microfone para Josh que ergueu o violão e
começou a falar. Cada palavra voava direto para o meu coração e criava
morada ali.
— Boa tarde, povo de Fênix Hill — ele começou e foi ovacionado
pela multidão que começava a se aglomerar em frente ao grande palco. As
luzes penduradas acima do palco davam a impressão de que Josh estava
falando sob estrelas e o cair da noite só intensificava aquela sensação. —
Hoje eu vim aqui dividir não só o meu som e essa música com cada um de
vocês. — Fez-se silêncio absoluto e até meus pais observavam com
curiosidade. — Aqui temos pessoas de várias cidades e lugares e eu gostaria
de agradecer a cada uma de vocês pelo carinho e dedicação de encher este
lugar ano após ano. Mas essa música não é para vocês. — Ele riu e foi
seguido por muitas pessoas. — Essa música é para alguém... ou melhor... —
Ele buscou meu olhar no meio da multidão. — Essa música é para a mulher
que chegou como uma estranha. Se mudou para uma casa em frente à minha
com um carro que ela conhecia muito bem. Essa música é para ela, que me
espionou secretamente, cheia de mistérios e segredos. — Levei à mão aos
lábios. — Que chegou devagar com seu jeito tímido e me relevou a mulher
incrível e forte que é. Essa música é para ela, que tem meu coração em suas
mãos...
Prendi a respiração e o vi dedilhar o violão. Seus olhos buscaram os
meus mais uma vez e ele me encontrou. E como se não houvesse ninguém ali
além de nós dois, ele começou a cantar e parecia que o céu cantava junto a
ele.
Posso dizer, não há lugar aonde não podemos ir
Basta colocar sua mão sobre o passado
Estarei aqui tentando puxar você
Você só tem de ser forte
Porque eu não quero perder você agora
Estou olhando bem para a minha outra metade
O vazio que se instalou em meu coração
É um espaço que agora você guarda
Mostre-me como lutar agora
É como se você fosse o meu espelho
Meu espelho olhando de volta para mim
Eu não poderia ficar mais orgulhoso
Com outra pessoa ao meu lado
E agora está claro como esta promessa
Que estamos fazendo
Dois reflexos em um
Mirrors – Justin Timberlake
IG: @nathanyteixxeira
Facebook: /nathanyteixeira
Wattpad: @nathanytrt
ÁREA MILITAR
SINOPSE:
Kimberly Digory é uma jovem de dezoito anos que tem uma vida
normal, apesar de saber que seus pais, Paul e Savanna, trabalham para uma
organização secreta do governo como agentes disfarçados. Em uma manhã
nebulosa, Kim vê sua vida se transformar em um inferno quando, em uma
emboscada sua mãe é morta e seu pai desaparece. Então, a Área Militar foi
acionada. Um local criado para proteger os filhos de agentes envolvidos com
organizações secretas. Em seu território, Kimberly se depara com as ordens
de um comandante de feições duras, conhecido como o Primeiro. Autoridade
máxima do lugar.
O que fez com que um jovem comandante possuísse em suas costas
um cargo de tamanha honra e responsabilidade, Kim ainda não havia
descoberto. Movido por ódio e vingança, o Primeiro conseguiu se reerguer de
sua ruína, tornando-se o maior comandante e dono do lugar, criando assim
vários inimigos poderosos. Até o momento o comandante Primeiro se sentia
imbatível, pois não havia nada que se pudesse fazer contra alguém que não
tem uma família ou pessoas com quem possa se importar e essa vantagem
sempre esteve ao seu lado em seus inúmeros combates. O que ele não
esperava era que um simples encontro poderia mudar tudo. Depois de muitos
anos, O Primeiro agora tinha um ponto fraco. Com nome e rosto. Certamente
o mais lindo que ele já havia visto.
O PRIMEIRO: A HISTÓRIA ANTES DO PODER (SPIN-OFF
DE ÁREA MILITAR)
SINOPSE:
SINOPSE:
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O TENENTE
SINOPSE:
Amber é uma jovem e corajosa veterinária que leva uma vida pacata
na pequena cidade de Lancaster. O que ela não sabia era que toda aquela
tranquilidade estava prestes a mudar.
Ao sair para uma corrida em uma trilha na floresta, ela se deparou
com um homem em seu caminho. Era como ver um ser celestial ferido.
O que aconteceu para que os anjos começassem a cair do céu?
Tyler Black era conhecido como Tenente. Um dos maiores espiões do
governo dos Estados Unidos. Seu foco era o trabalho e sua confiança estava
depositada apenas na arma que carregava consigo aonde fosse e, mais uma
vez, ela era sua única amiga enquanto ele despencava no meio do nada.
Entre a tentativa de sobreviver e revelar quem traiu a sua organização
sob seu comando, ele se vê cercado por um par de olhos azuis-turquesa. Sua
vida estava nas mãos de uma mulher desconhecida, pequena e irritada, mas
de beleza singular, similar a de uma fada e capaz de enlouquecer qualquer
homem são.
O Tenente foi treinado para resistir a qualquer tipo de pressão,
interrogatório e tortura, mas não estava preparado para enfrentar os
sentimentos que aquele olhar doce causava em seu peito.
Um homem que acreditava ter seu destino final traçado, começa a
descobrir que pode existir uma nova vida, uma nova escolha... mas a que
preço?
Ela não sabia, mas uma bomba prestes a explodir estava entrando na
sua vida... um explosivo coberto por cicatrizes e dono dos olhos amendoados
mais atraentes que poderiam existir.
Ele fez uma promessa, mas não sabia se conseguiria cumprir. Sua
única certeza era que tentaria, mesmo que aquilo custasse a sua vida.
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NÃO FAÇA BARULHO!
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