Você está na página 1de 377

© Copyright 2020 Nathany Teixeira

Capa:Layce Design
Diagramação: Tici Pontes
Imagens: Depositphotos e Freepik
Revisão: Artemia Souza

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes,


personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação
da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.
Todos os direitos reservados. São proibidos o armazenamento e/ou a
reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios -
tangível ou intangível – sem o consentimento escrito da autora.
Criado no Brasil.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

1ª. Edição / 2020


Sumário
Nota da autora
Agradecimentos
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Epílogo
Sobre a autora
Outras obras
Este livro foi o primeiro que escrevi na vida, há dez anos, e é com
muita emoção que divido com vocês o meu primeiro amor depois de
reescrevê-lo com muito carinho.
Espero que se apaixonem por este mundo, por esta história... Por Josh,
o meu primeiro protagonista com seus olhos de estrela e Anny, minha
mocinha forte, apesar de todas as marcas que carrega.
Boa leitura a todos.
Começarei agradecendo meus pilares. Minha mãe, irmã, pai e noivo.
Vocês são a minha base, minha força. Obrigada por todo apoio.
Ao meu noivo, Victor... palavras nunca serão o bastante para
agradecer tudo o que você faz por mim. Você é o eterno protagonista da
minha história feliz.
Várias pessoas foram importantes para que este livro fosse finalizado.
Uma delas é sem sombra de dúvidas Kelly Nascimento. Ela acompanhou a
história quando postei no Wattpad há dez anos, e foi através de Black Bird
que nos tornamos amigas. Nunca, em toda a minha existência, amei tanto o
meio literário por me trazer uma pessoa tão especial. Te amo muito, minha
amiga. Obrigada por todos os áudios e ligações durante o processo de escrita
e por sempre estar ao meu lado. Em momentos de sorriso e de dor.
Minhas betas, o que eu seria sem vocês? Naah e suas palavras em
caixa alta que me animam em qualquer canto do planeta. Evel, minha
malvada favorita com sua voz carregada de carinho. E minha doce Biia e seus
áudios apaixonados. Ao lado de vocês eu me sinto imbatível.
Miah (Artemia) Souza... você não é gente, é anjo. Desconheço uma
revisora igual a ti. Profissional incrível, dedicada, que ensina com amor e que
SEMPRE me salva, mesmo quando chego com os arquivos com prazo bem
limitado, você com seu jeitinho doce e carinhoso sempre tem um espacinho
para mim. Te amo muito, raio de sol. Obrigada por tudo. Jamais esquecerei o
quanto você se doou por este livro. Obrigada nunca vai bastar para te
agradecer.
Tici, minha amiga, obrigada pela excelência na diagramação deste
livro. Você é um dos meus maiores exemplos, profissional e como pessoa.
Obrigada por tudo, nossa heroína. Te amo demais.
Cínthia Sampaio, minha mana, obrigada por todas as dicas e análises
críticas. Por sofrer comigo, torcer comigo e por segurar minha mão nesse mar
de ansiedades. Torço muito por seus sonhos, assim como sei que torce pelos
meus. Ah, e obrigada também por ser essa pessoa incrível que me motiva
todos os dias. Te amo!
Agradeço também ao meu amigo Thiago Tavares, por todas as dicas
sobre carros (que foram muitas), por seu humor imbatível e por me apresentar
uma lenda do Drift como a Bruna Genoin.
Obrigada meus leitores e leitoras lindas do Wattpad e da Amazon.
Vocês são tudo para mimm não se esqueçam. Carinho é algo impossível de se
comprar e todo o amor que recebo de vocês é mais valioso do que ouro e
prata.
E por último, gostaria de agradecer ao Grupo Editorial The Books e a
Grazi Fontes pela oportunidade de ter Black Bird — A Luz do Amor nesta
casa editorial incrível. Obrigada por todo apoio e carinho.
E agora, apresento a vocês meu primeiro romance... Black Bird — A
Luz do Amor.
Tudo o que tivemos se foi agora
Diga a eles que eu estava feliz
E que meu coração está partido
Todas as minhas cicatrizes estão abertas
Diga a eles que eu esperava que isso fosse impossível
Impossible - James Arthur

— Vai ficar tudo bem, pequena! — sussurrei,prendendo meu rosto


ao dela, envolvendo seu corpo frio ao meu com todas as forças que ainda me
restavam.
Minha voz engasgada denunciava meu desespero, enquanto por um
milagre, minhas pernas se mantinham firmes, correndo em direção àentrada
do hospital.
— ALGUÉM ME AJUDE! — urrei. — RÁPIDO!
— Fique calmo! — Os enfermeiros nos alcançaram em segundos,
buscando ajudar de alguma forma. — O que aconteceu? — Fui interceptado
por uma voz feminina.
— Ela foi agredida! — Minha voz começou a falhar.
O aglomerado de pessoas ao nosso redor logo aumentou, desejando
observar de perto o corpo pálido de Anny despencando dos meus braços para
os da equipe médica.
— Pelo amor de Deus, ajude-a! — implorei, permitindo que meus
braços caíssem ao lado do meu corpo inerte.
— O que você é dela? — amulher questionava repetidas vezes, mas
algo em meu cérebro desligou. Eu mal conseguia respirar. — Coloquem a
jovem na maca. Senhor, qual o grau de parentesco?
— Irmão! — Arrastei as palavras como se pesassem uma tonelada.
— Levem esse homem para a enfermaria — ela ordenou antes que
suas pernas longas começassem a ganhar velocidade ao lado da maca que
levava Anny.
— Não! — Fugi dos braços que me seguravam. Ainda que fossem
muitos, não eram suficientemente fortes para me conter.
— Fique calmo! — O enfermeiro tentou aplacar meu desespero.
— Tira a mão de mim, porra! — Empurrei-o. — Doutora! — berrei,
usando o resquício de sanidade que me restava. — Ela está grávida. — Soltei
com uma lufada forte de ar e passei as mãos pelos cabelos, ainda sem
conseguir acreditar que toda aquela merda estava mesmo acontecendo.
A mulher entreabriu os lábios e foi a primeira vez que consegui
olhá-la nos olhos. Encontrei ali o reflexo do meu desespero. A situação era
grave e sabíamos disso. Havia muito sangue para se pensar o contrário.
A cor voltou aos lábios da médica e ela desapareceu pelos corredores
do hospital, distribuindo informações aos enfermeiros.
— O senhor está sangrando. — Um enfermeiro baixinho e franzino,
permaneceu insistente ao meu lado, agarrando uma parte da minha blusa
como se aquilo me detivesse. — Precisa de atendimento.
— O sangue não é meu. — Soltei o ar que estava preso em meus
pulmões e me afastei em um solavanco.
Caminhei sem rumo até desabar em uma das cadeiras acolchoadas
da sala de espera. Enfiei a cabeça entre as mãos sentindo os olhares
indiscretos voltados para mim enquanto uma dor aguda dilacerava meu peito.
Eu podia jurar que tinha visto de relance alguém esconder o maldito
celular, provavelmente após tirar uma foto minha completamente coberto de
sangue. Amanhã, com toda certeza, eu seriaa matéria principal da merda do
jornal da cidade. Isso se o meu agente já não estivessesabendo do ocorrido e
resolvesseaparecer para um escândalo presencial.
Que se fodam!
Que se fodam cada um deles!
Peguei meu celular e manchei a tela de sangue enquanto discava
para a única pessoa que poderia ajudar minha irmã, afinal, eu me sentia tão
inútil quanto um vaso quebrado.
O número chamava incessantemente enquanto minha mente vagava
pelas íris âmbar de Anny. Lembrando a forma como ela se agarrou aminha
blusa, olhando-me nos olhos com inocência e confiança, como se ainda fosse
a minha garotinha, minha irmãzinha. Sentindo-se salva.
O que ela não sabia era que eu não tinha chegado a tempo de ser o
seu herói. Não fui rápido o suficiente para protegê-la e daria minha vida para
que tudo aquilo fosse diferente.
— Alô! — Um calafrio percorreu meu corpo. — Bruce?
A dor, o medo e a preocupação se mesclaram diante dos meus olhos,
levando-me para uma escuridão profunda. Meus olhos arderam e quando
escutei aquela voz, permiti-me desabar.
— Mãe...
E, pela primeira vez em muitos anos, eu chorei feito criança.
Lá vem aquele garoto da cidade
Ooh, ahh (My life be like) - Grits

Afundei o pé no acelerador, fazendo meu Camaro ZL1 rugir. O


modelo chamava atenção por si só em um designer feito exclusivamente para
impactar. A General Motors alcançou seu objetivo e conseguiu criar uma
máquina mal-encarada, brava, a bad boy dos carros. Seu motor de 648
cavalos prometia tremer o asfalto enquanto o painel digital iluminava o
interior extremamente confortável do carro.
Uma buzina alta e prolongada anunciou que a largada se
aproximava.
Os faróis dos carros iluminavam toda a pista pelos quilômetros retos
que se seguiam. As arrancadas eram realizadas uma ou duas vezes por mês. E
sob uma adrenalina desenfreada, duplas de carros competiam lado a lado
durante um percurso reto em uma das rodovias principais da cidade,
completamente erma. Acelerei novamente, excitado com a expectativa de
enfrentar a estrada àminha frente.
Ao meu lado estava o carro de Taylor, meu melhor amigo e fiel
oponente. Seu Audi TT tunado garantia uma boa competição. Enquanto Jake,
nosso amigo mais medroso, agitava os espectadores, e se tinha algo em que
ele era bom, era conduzir uma multidão ao delírio.
— Estão preparados? — Jake gritava e gesticulava para nossa platéia
de aproximadamente cinquenta pessoas.
A maioria dos engomadinhos que perambulavam por ali eram
turistas. Pessoas que vinham até Fênix para conhecer a famosa Black Bird ou
para apreciar a competição de arrancadas que acontecia mensalmente. Em
nossa competição, eram cronometrados os segundos de largada e o tempo
total gasto para percorrer o trajeto em linha reta. Quem chegasse à linha final
em menos tempo, ganhava.
O evento mensal de corridas esportivas acontecia clandestinamente,
teoricamente. Não existia uma permissão oficial para que o evento
acontecesse. Entretanto não havia nada, também oficial, que nos impedisse de
fazê-lo.
Nossas únicas e incontestáveis regras eram:
1. Não trapacear;
2.Jamais prejudicar o competidor ao seu lado, evitando assim,
acidentes desnecessários;
3. Nunca sair da rota ou se aproximar da curva oeste, afinal, seria um
caminho sem volta;
4. Se divertir acima de tudo.
Ou seja, não, jamais e nunca resultam na diversão garantida.
Rachel, uma ruiva de cabelos compridos e olhos indecentes,
balançava seu corpo desenhado no meio dos nossos carros, aguardando pelo
momento certo em que ela retiraria seu sutiã e o jogaria para o alto,
anunciando a largada. A garota mordia os lábios e olhava em minha direção,
ciente de que logo aquela festa terminaria, mas a nossa estaria apenas
começando.
Hoje eu pertenceria a ela, amanhã já não fazia ideia.
Desviei minha atenção de Rachel, percorrendo com os olhos a arena
terrosa e improvisada que abrigava os próximos competidores.
Seis pilotos em veículos importados aguardavam ansiosos pelo
momento em que seus carros estariam lado a lado com seus adversários, mas
como sempre, Taylor e eu começaríamos a brincadeira, afinal, éramos os
únicos moradores de Fênix Hill entre os competidores, nada mais justo.
— Parem antes da curva Oeste, entendido? — Rachel ditou as regras
com sua voz estridente entre nossos carros. — Não vale jogar sujo! —
alertou. — Voltem com os carros intactos, se conseguirem! — Ela piscou em
nossa direção e mordeu mais uma vez os lábios carnudos tingidos de um tom
rosa forte e chamativo.
— Pronto para comer poeira, Josh? — Taylor sorria atrás do volante
do seu Audi, exibindo um motor forte que rugia como um leão aprisionado.
Comprimi as sobrancelhas, segurando o sorriso e a certeza de que
venceria.
— Você já era! — Ele me encarava pensativo sob o som agudo dos
motores.
— Nem nos seus sonhos!
— Cronômetros? — Rachel prosseguiu com o ritual.
— A todo vapor! — Jake conferiu.
— Preparados? — Rachel jogou os cabelos vermelhos de um lado
para o outro e apontou para mim. — Você! Está pronto? — Balancei a cabeça
e forcei novamente o motor em resposta, fazendo uma nuvem de fumaça
subir ao ar. — E você? Está pronto?
— Nasci pronto, gatinha! — Taylor respondeu.
Ela arrancou o seu sutiã vermelho de forma teatral e o rodopiou três
vezes sobre a cabeça e logo em seguida arremessou a lingerie entre os
participantes.
— VAI! — Foi dada a largada!
Acelerei o carro sob uma chuva de luzes de faróis e aplausos
seguidos de vozes exaltadas, causando um barulho estridente. O ronco do
motor logo fez qualquer som exterior desaparecer.
Sorri.
Sempre ficava empolgado todas asvezes que ligava meu carro. Era
como ter o mundo na palma da minha mão, como se o volante fosse meu
universo e meus dedos firmes, cerrados ao seu redor, representassem o poder
celestial sobre tudo o que aconteceria dali em diante. Meu Camaro era uma
puta máquina. Hoje, com certeza, meu maior amor.
Acelerei tomando a estrada que irradiava àminha frente. O Audi TT
de Taylor permaneceu lado a lado com o meu Camaro pela estrada reta, vazia
e nebulosa. Aquilo não me surpreendeu. Eu mesmo havia tunado cada peça
do motor do carro do Taylor e estava ciente que o propulsor de 6.8 cilindros
do meu Camaro poderia ser superado por Taylor caso ele dominasse sua
máquina, assim como eu dominava a minha. O piloto pode conduzir o seu
carro pelo caminho que bem entender, para a vitória ou derrota. Verdade
maior não existia.
Taylor trocou a marcha, fazendo seu Audi esgoelar contra o asfalto.
Filho da mãe! Continuava no meu pé, mas não por muito tempo.
Os pelos dos meus braços se eriçaram, senti minhas pernas tremerem
por uma fração mínima de meio segundo enquanto meu coração espancava
meu peito. Lutamos no asfalto por alguns segundos e o resultado final não me
surpreendeu.
Mais uma vez a vitória foi minha.
Demos a volta na rodovia e voltamos para os espectadores, sendo
recebidos por uma onda de gritaria.
— Você é um desgraçado sortudo! — Taylor desceu do carro
sorrindo e veio me parabenizar.
— Um dia deixo você ganhar!
— Vai pro inferno! — Ele encarou os próximos concorrentes e
antes que pudessem recomeçar a corrida, Taylor abriu a traseira do seu carro
e várias pessoas foram induzidas a fazer o mesmo.
— É hora do show! — Taylor ligou o som do carro e acendeu os
faróis.
— Uol! — Jake jogou-me uma cerveja.
Agarrei-a, admirando a pequena multidão que se aglomerava,
perdidos em música, risadas e conversas.
Jake começou a dançar uma mistura de frevo e brake, bem estranha
por sinal. Ainda assim, ele se divertia tanto que era prazeroso acompanhar
seu ritual macabro.
— Vim parabenizar o vencedor! — A voz quente de Rachel surgiu
em meu ouvido.
Segurei em sua cintura e a girei até que estivesse em meus braços.
Beijei seu pescoço e trilhei um caminho até a nuca, fazendo-a arrepiar.
— Hoje a noite é nossa, gata! — Toquei seus lábios com os dedos,
sentindo sua pele macia. Ela me encarou com um olhar quase pornográfico
que me fez sorrir.
Beijei seus lábios com vontade e desejo e ela retribuiu de um jeito
safado e gostoso. Poderia ser apenas mais uma noite entre mim e Rachel, mas
seria como sempre, a melhor.
Beijei-a novamente e soltei seus lábios apenas para fazer um
anúncio:
— A PRÓXIMA RODADA É POR MINHA CONTA! — Um uivo
de comemoração ecoou pela noite fria.
— Quero sair logo daqui. — Olhei nos olhos de Rachel que fez um
beiço e imediatamente percebi o que ela queria.
— Vamos aproveitar um pouco a noite com nossos amigos e depois
seremos só nós dois.
— Seus amigos — ela sussurrou, revirando os olhos e eu a ignorei,
ciente de que aquela garota não era nada fácil de lidar, mas o que aquilo me
importava? Se havia uma língua que era universal era a do sexo, e ambos
tínhamos fluência naquele idioma. Eu não pretendia namorar ou ter
absolutamente nada sério com Rachel, não me importava que ela detestasse
meus amigos.
— Vamos recomeçar. — Jake se virou para mim prestes a anunciar a
próxima arrancada e eu ergui a cerveja no ar em resposta, sentindo
oventoesfriarminha pele.
Um torpor prazeroso se apoderou de mim quando olhei ao meu
redor. Meus amigos sorriam, conversavam, faziam novas amizades sob as
luzes dos faróis reunidas. A música alta preenchia o ambiente e então, eu
mais uma vez percebi a beleza simples da vida. Mesmo com todo o dinheiro
que eu tinha, jamais trocaria aquela reunião sincera entre apaixonados por
carros por uma festa social, lotada de gente chata pra caralho que pensavam
antes de falar com medo de ofender alguma regra idiota.
Eu queria viver bem, do meu jeito, livre. Tinha encontrado meu
lugar no mundo e não pretendia sair dali nunca mais!
Fênix Hill era o meu ponto de paz. Eu só não sabia que toda aquela
calmaria estava com os dias contados.
Eu quase posso ver
Esse sonho que estou sonhando
Mas há uma voz dentro da minha cabeça dizendo que
Eu nunca irei alcançá-lo
Cada passo que estou dando
Cada movimento que eu faço
Parece perdido, sem nenhuma direção
Minha fé está abalada
Mas eu tenho que continuar tentando
Tenho que manter minha cabeça erguida
The Climb - Miley Cyrus

A madrugada fria e úmida guiava meu caminho pela rodovia,


iluminada por postes de luzes amarelas e opacas. Apenas o som do vento
ricocheteando pelas árvores da mata e o rádio do meu carro eram minhas
companhias.
Todos os meus músculos doíam. Como se eu tivesse carregado meu
próprio Impala nas costas. Talvez fosse aquele o meu problema, tentar
carregar um fardo mais pesado do que meu corpo suportava. Ainda assim,
obriguei-me a seguir firme. Tentando a todo custo deixar para trás a angústia
que me corrompia.
Uma nova vida! Mais uma oportunidade!
Repeti mentalmente durante o caminho, como um mantra. Abstendo-
me da verdade tatuada em meu corpo.
Apertei o volante com força. Eu precisava tentar. Por Bruce, por
meus pais e por todos aqueles que me amavam.
Comprimi os olhos e os abri imediatamente tentando me livrar das
lembranças. Jamais esqueceria o cheiro do sangue, forte, repulsivo, triste.
Sentia aquele odor todas as noites quando dormia e aquele era o menor dos
meus problemas.
Os pesadelos vinham diminuindo com o tempo e eu tinha fé que uma
hora cessariam de vez.
Olhei pelo retrovisor, observando a estrada asminhas costas ficando
cada vez mais distante e percebi que depositei toda a minha esperança na
mudança radical que estava fazendo. Aquilo tinha que dar certo. Eu não tinha
nenhum outro plano senão aquele.
Passei por uma placa amarelada pelo tempo e no mesmo instante
soube que cheguei ao meu destino.
“Sejam bem-vindos a Fênix Hill, a terra das maçãs!”
Estudei mais uma vez o mapa que Kenny havia me entregado
quando nos encontramos para acerto do aluguel e retirada das chaves e
percebi que Fênix era uma cidade pequena, com poucos habitantes, o que não
significava que ela era em si, uma cidade “pequena”. Havia uma quantidade
quilométrica de matas, espaços rurais e ruas ermas pertencentes à cidade. Se
não encontrasse ajuda para me situar naquele lugar, em breve estaria perdida,
dormindo no meu carro e tomando banho com a água da chuva.
— Deus me livre! — Depois de seis horas dirigindo, tudo que eu
precisava era de um banho quente e relaxante. — AH! — grunhi sem
conseguir concluir o pensamento quando fui pega desprevenida por uma
curva fechada que formava um S gutural enquanto tentava desvendar o mapa
esquisito que Kenny desenhara.
Sim, ela desenhou o mapa.
Kenny é uma velha amiga da minha prima Megan e foi daquela
amizade que surgiu a oportunidade perfeita para mim. Ela morava em Fênix
Hill com mais duas amigas e quando resolveu estudar artes na cidade grande,
precisaram alugar a casa onde viviam. Elas procuravam uma inquilina e eu,
precisava desaparecer de Natanville com urgência.
Quando Kenny desenhou o mapa ela esbanjava uma aura estilo
Picasso, em uma versão de longos cabelos ondulados e olhos verdes, e não
seria eu a dizer a ela que traços e rabiscos não compunham um mapa de
verdade.
Pisei drasticamente no freio e imediatamente o zumbido feroz de
uma derrapagem perigosa ecoou pelos ares.
Senti um nó no estômago e um tremor transpassando minha coluna
quando percebi o perigo que havia corrido. Não existia uma barreira na
beirada da curva. Um centímetro a mais e eu poderia ter capotado pela
ribanceira.
Respirei fundo, tentando parar de tremer. Que loucura!
Alguns minutos depois, vi à esquerda na estrada, um posto de
gasolina extremamente vermelho e encontrei ali minha oportunidade de me
localizar. Ele estava praticamente vazio, com exceção de dois caminhoneiros
que conversavam distraidamente nos fundos do posto.
Estacionei meu carro em uma das bombas e logo percebi que ao lado
do posto de gasolina havia uma lanchonete e uma mecânica, que por sinal
estava fechando.
Droga!
Havia um homem de costas trancando a porta de ferro da mecânica,
provavelmente trabalhava ali. Aproximei-me sem querer assustá-lo. Observei
o homem pelas suas costas como uma cobra traiçoeira e esperei que sua
atenção recaísse sobre mim, o que não aconteceu.
— Olá! — chamei,e quando ele não se virou, percebi que havia
quase sussurrado as palavras. — Boa noite! — Forcei minha voz a sair um
pouco mais alta e acabei dando um grito estridente e vergonhoso.
Ele se virou em um salto, encarando-me com seus grandes olhos
acinzentados.
— Uau, boa noite! — Sorriu empurrando uma tranca de ferro. —
Que belo susto.
— Eu sinto muito, não queria assustá-lo. — Pronto! Agora eu seria a
moça mal-educada dacidade grande.
— Não se preocupe, gatinha! — Ele era alto, tinha as maçãs do rosto
elevadas, o que dava a impressão de que ele permanecia feliz o tempo todo.
Parecia um homem formado, mas ainda assim, duvidei que fosse muito mais
velho que eu. — Quem me dera se todas as minhas surpresas fossem lindas
assim.
Ah, não! O caranunca nem me viu na vida e me vem com uma
dessa?
— Isso foi uma cantada? Porque foi terrível! — Quando percebi, já
tinha falado e desejava do fundo do meu coração ser um avestruz e enfiar a
cabeça na terra.
Ele comprimiu os olhos surpreso e a sombra de um sorriso permeou
seu rosto.
— Droga, essa era a minha melhor cantada! — Ele colocou as mãos
na cintura me analisando e deu uma gargalhada gostosa e relaxada. —
Funciona com as garotas daqui. Mas pelo visto — ele correu os olhos até meu
carro —,você não é de Fênix. Está perdida? — Um sorriso malicioso
irrompeu por seus lábios finos.
— Sinceramente? — Troquei os pés, nervosa. — Acho que esse
mapa não é seguro!
Entreguei ao estranho de olhos de lobo o mapa que me trouxe até
aquele lugar.
— Quem desenhou estamerda? — Ele esfregou o queixo. — Parece
os rabiscos da Kenny.
— Nossa, acertou em cheio! — Ergui as mãos aos céus, feliz por ter
dado a sorte de encontrar alguém conhecido de Kenny. O que me provava
que seus rabiscos talvez fossem mais conhecidos do que eu poderia imaginar.
— Preciso chegar até a casa dela. Ao que tudo indica, agora eu moro lá.
— Hummm... — Ele ergueu as grossas sobrancelhas. — Parece que
estacidade acabou de ficar mais interessante.
— É isso aí! — Bati palmas teatralmente. — Está melhorando —
brinquei.
— Ei, Ben! — Uma voz ao longe chamou nossa atenção. — Vamos
logo!
Outro homem, tão jovem quanto ele, berrava impacientemente ao
lado de um Subaru azul metálico de duas portas.
— Um minuto, mano! — Ben — agora eu sabia seu nome —
gentilmente me orientou em detalhes de como eu deveria fazer para chegar na
minha nova casa.
— Você já sabe meu nome,... mas eu não faço ideia de quem é a
nova moradora da Five.
— Anny Thompson! — Estendi a mão em agradecimento. Ben me
surpreendeu e despejou um beijo terno em meu rosto, deixando o cheiro
almíscar do seu perfume permeando minhas narinas.
— Seja bem-vinda a Fênix Hill, Anny. — Ele se afastou tão rápido
quanto se aproximou. — Volte quando quiser. — Meneou a cabeça em
direção a uma placa giratória que ficava em frente ao posto, fazendo-me ler o
anúncio.
“Red Word”.
— Aqui temos de tudo. — Abriu os braços, indo de encontro ao
amigo, porém, sem deixar de me encarar. — Gasolina, mecânica e o melhor
hambúrguer da região. Tudo no mesmo lugar.
— Voltarei, com certeza! — prometi,observando Ben, meu primeiro
contato humano na cidade de Fênix Hill, afastar-se e ir embora.
Seu sorriso, de um branco impecável, continuava exposto como um
prêmio à mostra enquanto ele entrava no Subaru, sendo acompanhado pelo
insistente amigo que agora provavelmente estava questionando quem eu era.
Entrei em meu carro e acelerei em direção ao meu banho quente.
Segui com cautela o caminho indicado por Ben. As ruas eram bem
espaçadas, com casas semelhantes distanciadas por aproximadamente dois
metros e uma fina cerca simbólica para diferenciá-las. Em frente a cada casa
podia-se notar árvores enormes que subiam aos céus com graça, ainda que
seus ramos estivessem ressecados pelo tempo, eram viçosas e harmoniosas.
Virei à direita e encontrei algumas crianças brincando, correndo livre
pelas ruas, enquanto suas mães conversavam da varanda das casas,
aproveitando a brisa fresca do cair da noite.
Tentei me lembrar o motivo de não encontrar uma cena daquelas em
Natanville e logo percebi que aquele era um privilégio de cidade pequena.
Em Natanville,mal se via o rosto dos vizinhos, que dirá crianças brincando à
noite.
Observei as casas pelo caminho, identificando meus novos vizinhos
e então meus olhos se encontraram com os de uma mulher que, da varanda de
sua casa, balançava um pacote barulhento entre seus braços enquanto vigiava
as crianças que brincavam pela rua. No embrulho de um ou mais cobertores,
um choro fino e reclamão se erguia acima do som das risadas eufóricas
emitidas pela rua.
Era um bebê.
Meu coração se retorceu com a dor familiar que me assolava em
cada um dos meus dias. Acelerei, sentindo um tremor nos dedos, tentando
evitar aqueles pensamentos pesarosos mais uma vez.
Só mais uma vez!
Mais uma tentativa!
E era assim que eu seguia, como uma viciada em heroína. A cada
dia, uma vitória.
Puxei o ar, ignorando aquela combustão de sentimentos e segui meu
caminho, por mais doloroso que ele viesse a ser.
Contornei a última esquina, entrando na rua Five. Em segundos,
avistei o número da minha casa. Como Kenny avisou, existia uma caixa de
correios rosa chiclete na entrada da casa. Abri um sorriso involuntário. Kenny
éuma mulher divertida e feliz que pouco se importava com o que as pessoas
pensavam sobre ela.
Minha rua era bem mais vazia do que as que percorri até aqui, mas o
que me espantou foi uma construção de paredes tingidas de preto bem em
frente a minha casa.
Que diabos era aquilo?
Estacionei meu Impala na varanda de telha colonial ligada a casa e
desci do carro o mais rápido que pude. Prendi o pé no cinto de segurança e
cambaleei. Praguejei, mas não caí. Sorte a minha, porque ser desastrada era
uma configuração de fábrica.
Endireitei o corpo e encarei as paredes escuras que se estendiam por
quase todo o quarteirão da minha rua. Em cima das duas grandes portas de
aço, também pintadas de preto, estavam fixados vários holofotes. Uma placa
poderosa de hastes amareladas anunciava o nome “BLACK BIRD” em um
centro flamejante.
Na lateral do monumento, onde as paredes se dividiam, havia um
grafite feito na parede. Uma águia imponente mostrava as garras para uma
presa imaginária.
— Ah, meu Deus! — É uma boate de stripper?
Já vi algumas parecidas no centro de Natanville e poderia garantir,
era a maldição de uma boate de stripper. E com toda certeza os donos eram
cafetões horrorosos. Asquerosos, fedidos e agressivos.
Oh, Deus!
Tentei me lembrar se Kenny falou algo sobre a existência de uma
boate gigantesca bem na frente da sua casa, porque com toda certeza, É O
TIPO DE COISA QUE ELA DEVERIA TER ME CONTADO. Mas o
máximo que consegui lembrar foi uma frase solta que até agora não tinha
feito sentido.
“Os vizinhos vão te enlouquecer, pelo lado bom da coisa.”
Lado bom? Kenny dos infer...
— Ahhhhh, foca! Banho quente... banho quente... banho quente! —
repeti, evitando ter um surto nervoso bem ali.
Respirei o ar puro que emanava da natureza que cercava a cidade e
tentei me acalmar.
Minha nova casa era pequena e confortável. Por fora, viam-se os
vasos de flores que ornamentavam as janelas. Um caminho de ladrilhos
amarronzados me levou até a entrada da varanda. Subi três degraus e
encontrei um grande pufe laranja ao lado da porta de vidros que dava acesso
a casa.
Minha casa de bonecas!
Coloquei a chave na fechadura e entrei!
Encarei a boate mais uma vez e temi pelo que viria dali em diante.
Tentei pensar pelo “lado bom da coisa”, que somente Kenny tinha visto até
agora. Se eu tivesse problemas, poderia me mudar a qualquer momento.
Que Deus me ajude!
Eu não fazia ideia de quem eram meus vizinhos, mas logo
descobriria.
Veloz demais
Furioso demais
Act A Fool - Ludacris

Naquele dia, especificadamente, fechei a Black Bird mais cedo que o


normal. Precisava de um pouco de ar para enfrentar o que estava por vir.
Os faróis de Taylor iluminavam o chão do asfalto à nossa frente
enquanto ele era seguido de perto por mim e Jake. Percorremos as ruas
calmas de Fênix Hill, passando por pessoas que caminhavam sob o luar
aberto que sustentava aquela noite. Nossos carros eram reconhecidos a
distância e logo que passávamos as pessoas erguiam as mãos em
cumprimentos e assim seguíamos, buzinando em ressonância.
O vento fresco entrava pela janela aberta, fazendo com que meus
cabelos voassem como folhas secas para todos os lados. Segui Taylor pela
conhecida estrada do vale onde um cenário rústico maravilhava cada
centímetro de chão arenoso.
As árvores cobriam a estrada, criando um túnel iluminado pelas
fracas luzes de postes improvisados. Algumas pedras soltas tilintavam pelo
chão após serem espancadas pelas rodas dos nossos carros. A sensação de
leveza pairava sobre meu peito, dando-me mais do que algum dia eu sonhara
em ter. A verdadeira paz se instaurava em minha alma.
Saímos do túnel de árvores e caímos na estrada aberta novamente,
avistando a poucos metros nosso destino principal.
Uma enorme roda-gigante girava calma, sonolenta, revelando uma
Fênix que muitos poucos conheciam. Uma cidade luz, banhada pela lua,
abençoada pelo sol. Algo que só se descobria lá de cima, quando a roda
parava de girar e você se pegava em um estado de transe, observando a
magnitude da beleza que uma cidade do interior poderia ter.
Era belo, era incrível, mas naquela noite eu não pretendia subir na
roda-gigante, ou em nenhum dos brinquedos do parque. Estávamos alipara
encontrar o prefeito Monroe como em todos os anos, um mês antes da Festa
do Pomar.
O estacionamento estava praticamente vazio, com exceção de alguns
carros estacionados ao lado de duas motos. Entre eles localizei o Subaru azul
metálico que eu aprendera a detestar. Meu âmago se contorceu.
— Temos companhia! — Taylor se juntou a mim e Jake na
caminhada até a entrada do parque.
— Se ele falar alguma merda, arrebentamos ele aqui mesmo.
— Relaxa! — apaziguei os ânimos. — Ele não vai se meter no nosso
caminho. Toda essa história já durou tempo demais.
Seguimos em silêncio. Tentei a duros passos relaxar e focar no nosso
objetivo, mas as palavras de Ben contra mim em nosso último encontro ainda
ressoavam em minha mente, como se elas tivessem se agarrado a mim e se
tornado parte das minhas tatuagens.
“Você não tem respeito por ninguém. Só pensa em você mesmo. Seu
dinheiro não te faz melhor que eu.”
Vi o ódio em seu olhar, assim como o viraem todas as vezes que por
acaso nos encontrávamos naquela cidade. Ele jamais me perdoaria, mesmo se
um dia eu tivesse buscado o seu perdão. Coisa que não fiz, afinal, a culpa não
foi minha.
— Boa noite, senhor Todd! — cumprimentei o porteiro que sorriu
por baixo de seus enormes bigodes.
— É uma bela noite! — Com dificuldade, ele desceu de sua cadeira
e abriu a portaria para que entrássemos, dispensando a necessidade de
ingressos. — Como vão, meninos?
Desprendi o boné preto do cinto da bermuda e o lancei sobre o
cabelo, escondendo parte do rosto enquanto Jake despejava sobre o velho
Todd uma breve descrição de sua vida, ou pelo menos o que houve com ela
no último ano.
Todos os anos trilhávamos aquele caminho. Íamos até o parque, nos
encontrávamos com o prefeito, discutíamos a Festa Anual do Pomar,
enquanto Jake tagarelava com todos a sua volta e Taylor maquinava os
detalhes festivos mais insignificantes possíveis. No fim, o prefeito Monroe
coçava a barriga enorme e olhava em meus olhos, comprimindo o rosto
afunilado que o fazia parecer com um hamster e preparava seu convite final.
— Oh, meus garotos! — Monroe surgiu detrás de uma das barracas
de cachorro-quente servido com um enorme exemplar em sua mão que
escorria ketchuppara os lados. — Não vou cumprimentá-los devido a... —
ergueu o lanche no ar.
— Não se preocupe! — Taylor agitou as mãos no ar, evitando
qualquer contato físico com o homem.
— Venham, meninos, sentem-se comigo. — Monroe usava o terno
grafite escuro que geralmente tirava do armário para fazer discursos longos
sobre planos e decisões futuras ao povo.
Questionei-me se aquele seria mais um dos seus momentos de
decisões importantes, ainda que o prefeito levasse consigo uma marca densa
de maionese sobre a barba aparada.
Acompanhamos o homem até uma das mesas pertencentes a barraca
de cachorro-quente.
— Ainda me pergunto o motivo pelo qual o senhor nunca marca
nossas reuniões em seu gabinete. — Sentei-me na mesa de plástico sem forro
e o encarei. — Seria mais prático e proveitoso. — Balancei o dedo no ar,
destacando o som agudo que a risada de algumas crianças causava acima do
som emitido por cada um daqueles brinquedos.
Pela visão periférica, percebi que Jake se aproximava. Seus quase
dois metros de altura raramente passavam despercebidos, e como um furacão,
ele sentou-se ao meu lado, quase quebrando a frágil cadeira branca.
— O queestá pegando? — Colocou os braços sobre a mesa.
Com Taylor à minha esquerda e Jake à direita, eu me sentia
escoltado pelos melhores soldados que poderiam existir, os leais e
verdadeiros.
— Eu estava prestes a responder ao jovem Josh o motivo pelo qual
nos encontramos neste parque há mais de cinco anos. — Um sorriso largo
brotou no rosto rechonchudo do prefeito. — Estelugar tem lembranças
incríveis, garoto. Sua avó amava esteparque, assim como amava Fênix Hill.
Monroe era esperto e estava no poder há quase oito anos, reelegido
pelo povo de Fênix duas vezes seguidas. Nascido e criado aqui, ele delegava
tudo da melhor forma que achava possível e isso eu irrevogavelmente
admirava. Nada saía de seu controle, mas Monroe tinha uma fome por apelar
para a sensibilidade que me irritava profundamente e era exatamente isso que
ele estava fazendo naquele momento.
— Vamos tratar nossos assuntos — adiantei-me.
— Meu comitê estudou a possibilidade de recebermos os turistas
para o evento anual do Festival de Pomar no parque, assim como todos os
anos... — parou para abocanhar seu cachorro-quente e depois de dar boas
mastigadas, voltou a falar. — Mas o número de pessoas está crescendo a cada
ano e não acreditamos que o parque atual conseguiria abrigar todos em um
lugar apenas.
— O que está sugerindo? — Taylor inqueriu, colocando as mãos
sobre a mesa.
— Fizemos algumas pesquisas... — mastigou novamente,dando-nos
o privilégio de ver um pouco de seu cachorro-quente entre seus dentes
amarelados. — Pensamos em aumentar o parque em duzentos e sessenta
metros quadrados, mas como sabe... — mastiga, mastiga. — Não temos
orçamento o suficiente para tal aquisição. — Ali estava sua verdadeira
proposta.
— Poderia nos enviar o projeto original junto com o orçamento já
realizado? — Jake solicitou.
Ele já estava habituado com aquela situação, sendo sempre o
responsável pelos projetos financeiros da Black Bird.
— Com toda certeza, jovem Jake! — As bochechas do prefeito
subiram assim como seu sorriso.
— Vou comprar um refrigerante, quer um? — Jake se ergueu em um
salto e notei que o padrão de todos os anos começava a acontecer.
Primeiro passo, Jake ficaria perdido em conversas com a atendente
do balcão e só se daria conta de que havíamos terminado a reunião quando
Taylor fosse chamá-lo.
— Precisamos organizar a ornamentação do lugar. — Segundo
passo, Taylor ficaria extremamente obcecado pela organização do local e
aquilo estava bem claro quando ele prendeu um olhar fixo na direção do
prefeito, demonstrando sua fascinação pelo assunto. — Da última vez
detestei o contraste daquelas guirlandas. Ficou ridículo! Precisamos destruí-
las de vez e refazer tudo do zero.
Taylor e Monroe discutiram detalhes de toda a organização em geral
enquanto eu começava a ficar com sono ouvindo toda aquela baboseira.
— Tem que ser vermelho, é a cor das maças! — Taylor protestava.
— Pensei em algo mais divertido, o que acha, Josh? — Monroe
apelou.
— Taylor sabe do que está falando. — Sua mãe era a maior
organizadora de eventos de Fênix Hill e há dois anos se mudou para a cidade
grande, investindo em um negócio próprio que crescia cada vez mais.
Desde criança Taylor teve que conviver com aquele tipo de decisão e
ajudar a mãe a organizar festas de casamentos, noivados, aniversários e todo
o tipo de chá que as mulheres faziam. Devido a Taylor, o designer da Black
Bird era impactante e colossal.
— Se me permitem, acredito que esses detalhes podem ser
discutidos em outra hora. — Comecei a me levantar, pronto para ir embora
para o desespero de Taylor, então meus sentidos me alertaram.
O prefeito coçou a barriga redonda e protuberante, encarou-me com
seu melhor olhar de hamster e... lá vem o terceiro passo...
— Tenho mais um pedido para te fazer, garoto Josh! — Detestava
aquela mania que Monroe tinha de chamar a todos de “garoto”. Até mesmo
Paul, o padeiro de quase quarenta anos, para ele não passava do “Garoto da
padaria”. — Se me permite!
— Diga, prefeito! — arrisquei-me.
— Gostaria de pedir algo que toda a cidade deseja, mas cabe a mim
repassá-la a você. — Seus olhos se espremeram. Corri com os olhos até
Taylor e o encontrei de mãos cruzadas observando o teatro do prefeito. —
Mensalmente eu escuto essa pergunta, e chegou a hora de fazê-la. —
Suspirei. — Você vai cantar esteano, Josh?
O questionamento já era esperado, o que não extinguia a surpresa
que transparecia em meu rosto. Eu nunca achei que cantasse bem, ou algo do
tipo, mas desde a primeira vez que brinquei em uma apresentação informal
no Festival do Pomar, o prefeito Monroe me convencia repetidas vezes a
continuar a efetivá-la.
— Talvez no próximo... — Comecei a me desfazer de seus
argumentos.
— Pense em todas as pessoas que vêm até aqui apenas para te ver e
agradecer tudo o que faz pela cidade. — Ele se recostou confortavelmente na
cadeira que parecia pequena demais para seu largo traseiro. — Os empregos
que gera naquela mecânica, as pessoas que traz de fora e acabam se fartando
em nossas padarias, supermercados, lojas de bibelô. Deixe que te aplaudam
ao menos uma vez. — Monroe não entendia.
Eu desejava ser mais discreto que a poeira que resvalava em nossos
carros pelas estradas. Não fazia nada para que pudesse ser aplaudido e no
fundo, eu suspeitava que ele quisesse me exibir como algum tipo de troféu,
ciente de que eu faria qualquer coisa por aquela cidade.
— Sua avó...
— Não meta minha avó nisso. — Meu tom de voz sério fez com que
uma ruga pulasse em sua testa suada.
Respirei fundo sob seu olhar em expectativa.
— Eu...estarei aqui — bufei.
— Eu ia dizer que sua avó sentiria orgulho de você, garoto! — Ele
sorriu satisfeito. — Enviarei as documentações para vocês.
— Até a próxima, prefeito! — Estiquei a mão para me despedir e ele
logo se levantou.
Jake nos alcançou, percebendo que estávamos de partida. Segurei a
mão do prefeito e a apertei, deixando seus olhos esperançosos para trás.
Virei-me para ir embora, mas um corpo trombou ao meu e em um
estalar de ossos fui jogado para trás. Ergui o boné e o olhar cortante de Ben
me encarava furiosamente. Suas vestes pretas o camuflavam nas sombras.
Taylor inflou o peito prestes a começar algo que sabíamos que não acabaria
bem e eu fiz um sinal com a mão para que ignorasse o que havia acontecido.
Ben ainda me encarava, seu amigo mantinha-se ao seu lado, como se
estivessem dispostos a uma boa briga.
O prefeito desapareceu, provavelmente evitando testemunhar
qualquer discussão.
Comecei a trilhar meu caminho de volta ao carro, ignorando a cena
de Ben quando sua boca se abriu e seu veneno foi destilado.
— Monroe é um belo puxa-saco!
Não dá ideia, Josh. Ignore! Minha consciência me alertava e era
exatamente o que eu estava prestes a fazer, até que ele resolveu extrapolar
todos os limites cabíveis.
— Sua avó teria vergonha de você e não orgulho, como metade
destacidade comprada por seu dinheiro pensa.
Uma onda quente de fúria subiu por minha coluna, brequei no
mesmo instante e em um rompante, virei-me em direção a Ben.
— Desgraçado! — Taylor tentou passar por mim enquanto Jake
encarava o amigo de Ben que levava em seus olhos a mesma raiva e
provocação.
Coloquei a mão no peito de Taylor, impedindo que ele fizesse o que
eu deveria fazer. Tentei pensar friamente enquanto avançava em sua direção.
Ele estava sofrendo!
Tentava recordar, mas suas palavras conseguiram me tirar do sério.
É exatamente o que ele quer.
Meu subconsciente me alertava enquanto Ben sorria, ansiando pela
chance de ao menos tocar meu rosto com um belo soco, ou se fazer de vítima,
afinal, estávamos em vantagem em tamanho, número e força.
Meus músculos estavam rígidos, meu coração pulsante, tomado pela
ira. Aproximei-me rápido, encarando-o a ponto de sentir suas bufadas
enérgicas tocarem meu rosto. Vi em seus olhos o reflexo da insanidade que
brotava em meu peito. Por um segundo, percebi o desejo de recuar sibilar
seus olhos. Ele sabia que havia ido longe demais, mas ainda assim, não era o
bastante.
— Isso mesmo! — sussurrou, deixando que a raiva iluminasse seu
rosto. — Por quenão me dá um murro? — questionou. — Sei que está louco
por isso. Ou melhor, por quenão pega aquilo que tem dentro do seu carro e
acaba comigo de uma vez?
Fechei o punho com força até os nós dos meus dedos arderem,
perguntando-me como ele sabia da existência da minha arma.
— Fica frio, Josh! — A voz condescendente de Jake surgiu ao meu
lado. — É isso que ele quer.
— Por mim, ele arrebentava esse desgraçado — Taylor dizia por
cima.
Nos encaramos, aguardando para descobrir quem cederia ou atacaria
primeiro. Ben não me tiraria do sério, hoje não.
— Meça suas palavras ou dá próxima vez vai acabar sem a língua —
cuspi as palavras, mantendo nossos rostos colados, peitos arfantes, unidos
pelo ódio que nos consumia e incendiava a vontade de acabar com ele ali
mesmo. — Esse é meu último aviso. Quem escolheu a vadia foi você, não eu.
O rosto de Ben permaneceu petrificado, como se um fantasma
ressurgisse bem na sua frente.
Virei-me e continuei a seguir meu caminho. Taylor demorou meio
segundo para decidir se ficava e distribuía alguns socos ou se me
acompanhava.
“Por quediabos você não reagiu?” — oamigo de Ben questionava
alto.
Nós dois entendíamos o motivo. Ben sabia que o que eu dizia era a
mais pura, dolorosa e findada verdade. Despejar seu ódio em mim apenas
aplacava sua fúria contra a real culpada de tudo aquilo.
Entrei no meu carro deixando de sentir a paz que ele me fornecia. Se
minha avó estivesse viva talvez soubesse me aconselhar.
Como eu fui me meter em uma situação como aquela?
Odiava a traição tanto quanto abominava homens que agrediam suas
esposas. Afinal, convivi com aquela situação por alguns anos enquanto
morava com meus pais. Minha mãe era apegada demais ao dinheiro dele para
desistir de um casamento fracassado. Era mais fácil fingir que o amava, assim
como ela também fingiu me amar.
Balancei a cabeça, tentando afastar os pensamentos negativos.
Taylor buzinou quando notou que eu estava quieto demais. Em seguida, Jake
acelerou sem sair do lugar, fazendo uma nuvem de poeira subir entre os
carros. Eles estavam certos, desaparecer daquele lugar seria a melhor opção.
Dei partida no Camaro e logo os meus faróis iluminavam a estrada à minha
frente de volta para casa.

Quando entramos na rua Five, estacionei meu carro em frente à


mecânica e Taylor e Jake emparelharam rente à minha janela.
— Tá tudo bem, cara? — Jake questionou.
— Podemos sair pra tomar umas cervejas — Taylor completou.
A ideia não era nada ruim, mas naquele momento eu queria ficar
sozinho com meus pensamentos e não seria uma boa companhia.
— Hoje não — foi o que consegui dizer. — Amanhã nos vemos.
Meus amigos trocaram um olhar silencioso entre eles e, por me
conhecerem o suficiente para saber que eu precisava raciocinar, logo
concordaram.
— Qualquer coisa me liga — Taylor sugeriu antes de darem partida
e desaparecerem daquela rua.
No instante em que fizeram a curva e os carros se afastaram, um
silêncio aterrador tomou conta do lugar. Olhei de um lado para o outro. A rua
estava escura, iluminada somente pelas luzes dos postes e infinitamente mais
triste do que geralmente me parecia.
Quando me virei para meu carro, prestes a guardá-lo na garagem,
uma cena diferente do que eu costumava ver por ali me chamou a atenção.
Havia um carro na garagem da Kenny. E não era qualquer carro. Era um
Impala que, se eu estivesse um pouco mais animado, eu iria observar mais de
perto.
Virei-me para a casa de Kenny e notei que havia uma luz acesa.
— Então ela finalmente conseguiu alugar a casa —
comentei,entrando no Camaro.
Esperava que não fosse um vizinho chato que se importasse com
barulho, como a mulher do senhor Parker, por exemplo. Ao menos uma vez
por mês a mulher exigiaque o marido fosseaté a Black Bird reclamar do som
dos motores dos nossos carros quando passavampela rua. Os gêmeos do
casal, assim como o próprio senhor Parker, eram enlouquecidos por cada uma
das máquinas em que trabalhávamos na oficina e a cada nova reclamação, ele
aproveitava para observar nosso trabalho.
Até que virou uma rotina engraçada, mas eu já estava farto com
apenas uma senhora Parker, não precisava de mais um vizinho enchendo o
saco.
Estacionei o carro na garagem que ficava atrás da mecânica e me
preparei para entrar em casa.
Minha casa ficava atrás da Black Bird e era muito mais fácil
administrar minha mecânica daquela forma. Herdei a casa da minha avó e,
mesmo depois da reforma, sempre que passava por aquela porta sentia a
sensação de que ela me receberia de braços abertos como sempre fazia, com
um prato de biscoitos recém-saídos do forno e uma xícara de café quente.
Em dias comuns, aquela lembrança aquecia meu coração, mas por
algum motivo, naquela noite, eu não me sentia bem para passar por aquela
porta. Então decidi me esgueirar para dentro da minha garagem e pegar no
canto superior do pequeno armário que ficava do lado esquerdo próximo à
saída, meu violão, há quase um ano deixado de lado.
Saí para fora da garagem e me sentei na varanda na lateral da
mecânica. Era um lugar muito favorável, onde eu podia ver a rua quase que
por completa e raramente alguém poderia me ver, afinal, a sombra da
mecânica unida às arvores em frente à minha casa facilitavam um
esconderijo. E era tudo o que eu precisava naquele momento.
Minha música e um lugar para me esconder de tudo que não
estivesse dentro do meu coração.
Quisera eu poder me esconder disso também.
Nunca desejei tanto ficar sozinho. Dizem que quanto mais se deseja,
mais você alcança o que quer.
Comigo não foi assim. Na verdade, foi bem diferente. Tudo o que eu
buscava era paz, mas o que consegui naquela noite foio completo oposto.
Todo mundo precisa de inspiração
Todo mundo precisa de uma música
Uma linda melodia
Quando a noite é longa
Porque não há garantia
De que essa vida é fácil
When I Look At You - Miley Cyrus

Um banho relaxante era tudo o que o meu corpo cansado precisava.


Depois de passar quase quarenta minutos debaixo de uma água
escaldante, eu me sentia nova em folha. Ou o mais perto que eu conseguiria
chegar disso.
Saído banheiro enrolada na toalha e fui até o meu novo quarto, que
de fato, parecia um cômodo da casa de uma boneca.
A casa de Kenny era pequena, mas o conforto que havia ali dentro
me surpreendeu. E a quantidade de pufes também. Havia vários deles
espalhados pela sala de estar, pelo único quarto da casa que Kenny dividia
com as amigas e até mesmo na cozinha, sem falar o que estava fora na
varanda. O que de fato, surpreendeu-me. Deveria ser prazeroso sentar
naquele pufe e devanear sobre a vida olhando a luz da lua.
Troquei de roupa, apostando no meu moletom favorito e fui revirar a
cozinha de Kenny, que era cortada ao meio por uma bancada de granito que
combinava com o armário cinza, atrás de algo comestível que talvez tivesse
ficado para traz.
Revirei a parte superior do armário, mas só encontrei alguns pratos e
copos. Abaixei-me para vasculhar a parte inferior e fiquei surpresa ao
encontrar alguns enlatados e vários pacotes de macarrão instantâneo. Não era
o que eu costumava comer, mas ia ter que dar para o gasto.
Ao lado dos enlatados, havia uma garrafa de vinho tinto de uma
marca que eu sequer conhecia. Será que aquele era o presente de boas-vindas
que Kenny havia deixado para mim? Mal sabia ela o quanto eu precisava
daquilo.
Quando me levantei, fui atacada por uma forte tonturaseguida por
uma náusea sufocante.
Cambaleei até a bancada e coloquei o vinho sobre ela, ao lado de um
pacote de macarrão instantâneo e me agarrei na beirada tentando respirar.
Havia algo de errado comigo, em vez de melhorar com o passar dos
dias, eu estava piorando.
Quando tudo aconteceu, meu médico, doutor Vincens, orientou-me a
continuar um tratamento para anemia. Algo que eu não fiz, mas agora parecia
que aquele momento inevitável tinha chegado. Cedo ou tarde eu teria que
procurar o hospital mais próximo. Assim como meu Impala precisava de uma
revisão, eu necessitava realizar um check-up.
Desisti do jantar improvisado e abandonei na cozinha, levando
comigo a garrafa de vinho e um copo.
Encolhi-me no pequeno sofá felpudo vermelho, abri a garrafa e
enchi o copo até a metade. Quando dei a primeira golada senti o gosto do
álcool descer por minha garganta queimando.
— Argh! — Era bem mais forte do que eu costumava beber.
Suspirei fundo olhando para o copo, chacoalhando o líquido
vermelho de um lado para o outro. Queria muito chorar até perder as forças e
quem sabe dormir um pouco e permaneci com aquele pensamento pelo que
pareceram horas. Minha mente voava por todos os anos da minha vida, os
anos bons.
Por incrível que parecesse, em certos momentos em me lembrava de
Caleb e do momento em que o conheci. Seu carinho e sua atenção eram
mágicos, como um pavio em uma gigantesca fogueira. Tudo em mim reluzia
ao toque dele. Meu corpo o amava, meu coração o idolatrava e talvez esse
tenha sido meu maior erro.
Olhei para o céu pela pequena fresta que a cortina me permitia
enxergar e notei que uma lua gigantesca clareava todo o céu. A luz entrava
pela janela e banhava a sala em um tom claro como uma lanterna.
Era tão linda e parecia tão livre que por um momento eu me senti
assim. Precisava observá-la mais um pouco. A ansiedade daquele dia me
consumiu de uma forma tão profunda que eu sequer consegui comer nas
últimas horas, nem um copo de água eu tinha tomado e com a sensação do
vinho aquecendo meu estômago e a paz que aquela imagem reluzente de uma
lua cheia planando sobre aquela cidade, talvez me trouxessem um pouquinho
de paz para ao menos conseguir comer aquele macarrão instantâneo.
Abri a porta de cubos de vidro que dava acesso à rua. Acendi a luz
da pequena varanda que cabia não mais que outro pufe — já disse que a casa
era cheia deles? — esse, porém, era arredondado e circundava um acento de
madeira, dando uma bela visão de toda a rua. Inclusive da monumental Black
Bird logo à frente, que continuava fechada e deixava a rua ainda mais na
penumbra.
Boates não abriam à noite?
A pergunta surgiu em meu subconsciente. Talvez estivessem de
folga, o que para mim era um sonho realizado. Não queria ter que lidar com
aquele problema logo hoje.
Sentei-me no pufe, sentindo a brisa leve esvoaçar meus cabelos. Era
confortável, macio. Aninhei-me mais um pouco. Ao meu lado havia três
vasinhos de plantas. Um em cada degrau do alpendre de madeira. Observei-as
e me perguntei se estavam sentindo o vento ficar mais frio.
Entrei correndo para dentro da casa de bonecas de Kenny e quando
retornei, trazia comigo uma coberta fina e aveludada.
Servi-me de mais uma taça de vinho — que na verdade era um copo
simples, fazer o quê! — sem medo. Dei uma golada sentindo novamente o
doce tocar meus lábios e descer quente por minha garganta.
Joguei a coberta sobre minhas pernas e olhei para o céu. As estrelas
iluminavam cada parte da rua, assim como a gigantesca lua. O único som que
escutava vinha dos grilos que faziam suas serenatas de amor emitindo uma
paz que eu desejava sentir.
Bruce gostaria de conhecer aquele lugar, mas somente a passeio.
Sorri, imaginando que ele jamais moraria ali. Fênix Hill era uma cidade
calma, pacífica. Bruce em si era o próprio avesso. Jamais se adaptaria a uma
vida demasiadamente erma.
Enquanto observava os movimentos noturnos de uma natureza
escura, outro som chamou minha atenção. Eram acordes de violão.
Virei a cabeça de um lado para o outro, procurando a raiz do som,
que por sinal era bem agradável. Esperei ouvir a voz por segundos, depois
minutos. Uma melodia tão linda quanto aquela merecia ser cantada. Inclinei o
corpo, procurando na escuridão àminha frente por algo que revelasse de qual
canto estava vindo aquele som.
Comprimi os olhos, esmiucei a visão e acredito que até fiz uma
careta, mas nada daquilo adiantou realmente.
Prestei muita atenção enquanto a melodia se dissipava, transcorria de
um lado para o outro, causando eco pela rua deserta.
Quem seria? E por qual motivo continuava em silêncio enquanto os
acordes falavam por si?
Recostei as costas no pufe e bebi mais um pouco e depois mais, até
que a minha visão ficasse turva. O que para mim aconteceu muito rápido.
Aquilo era um vinho ou algum tipo de uísque?
Queria ter um amendoim para acompanhar a bebida.
Será que amendoim era uma comida saudável?
Ah!,dei de ombros. Tanto faz!
Sentia-me confortável, segura. Longe de quem poderia me fazer
algum mal. Naquele momento, pouco importava as ameaças de Caleb. Ele
jamais me encontraria ali.
Mesmo ciente daquela informação, um medo atípico serpenteou
minha coluna. Caleb fugiu assim que foi avaliado por um médico no hospital,
após ser... espancado por Bruce.
Desde então eu não o vira. Nem eu, nem ninguém. Ele abandonou a
vaga de cirurgião que tinha recebido recentemente no hospital de mais
prestígio de Natanville, mas renunciou a tudo, obviamente para não ser
acusado.
Ele desapareceu. Agora provavelmente viveria outra vida, longe dos
sonhos que sonhou e eu sabia que ele me culpava por aquilo.
Virei o copo de vinho até que não restasse nem mais uma gota e o
enchi novamente.
Passei as mãos pelo rosto, expulsando a sensação de humilhação que
sentia na pele. Precisava parar de me torturar e tentar seguir em frente. Ele
não destruiria minha vida, já tinha levado coisas demais.
Guardei aquele sentimento no lugar mais fundo do meu coração e
continuei ali, em meu novo mundinho, tentando não me preocupar com a
bagunça que havia deixado para trás.
Enrosquei-me na coberta quentinha assim que percebi que tinha
bebido a última gota doce de vinho da garrafa — àquela altura já estava doce
como mel e continuei acompanhando os acordes que me faziam companhia,
cantando a música mentalmente, esvaziando-me do que sentia, permitindo
que aquela música sem letras me preenchesse.
Fechei os olhos. Senti o corpo dar um chilique. O sono estava me
cercando mais uma vez, deveria entrar e deitar em minha nova cama, mas ali
estava tão bom. Poderia ficar mais cinco minutinhos escutando o vento, os
grilos e aquela melodia. Meu corpo estava bambo. Talvez não devesse ter
bebido toda a garrafa de vinho de estômago vazio.
Ah, que se dane, quantas vezes eu fiz isso na vida? Nenhuma. Eu só
precisava descansar um pouco os olhos.
Só mais cinco minutos.
E tudo que você fez foi olhar na minha direção
E meu coração começou a acelerar
Nervous - Shawn Mendes

Àquela altura, Taylor e Jake provavelmente estavam fazendo mais


uma rodada de bebedeira e jogatinas no bar do Moon, como de costume, mas
eu não me arrependia de ter me desfeito daquele convite. Naquela noite eu
estava com um humor péssimo e tudo era culpa do Ben e sua maldita
perseguição.
Bufei, irritado e feliz por estar completamente sozinho naquele
momento. Eu poderia desfazer meu sorriso em paz, sem que ninguém
especulasse o motivo do meu mau humor. A sombra da varanda da mecânica
me escondia e permitia que eu visse a noite como um todo. Em Fênix Hill,
até mesmo o céu era mais vivo, longe das luzes ofuscantes da cidade grande.
Reclinei-me na a cadeira e passei os dedos pelas cordas, testando-as.
Foi quando a vi.
Vestida com um moletom grande demais, envolta em uma coberta e
agarrada a uma taça de vinho, uma garota de cabelos longos e escuros se
perdia na noite, assim como eu.
Quem era ela? Seria a nova vizinha?
Segurei as cordas do violão, observando em silêncio, como um
bandido, cada um dos seus movimentos. Seus olhos pareciam perder o foco,
vislumbrando algo à sua frente e de repente ela retomava os sentidos e
passeava com a taça — talvez fosse um copo — pelos lábios com calma.
Eu conhecia o ângulo daquela casa. Ela não conseguiria me ver,
mesmo se quisesse e por um momento eu me senti mal por observá-la
daquela forma.
Parei de encará-la e voltei minha atenção para meu maior objetivo
ali. Comecei a tocar o violão lentamente, mas percebi quando ela escutou o
som, virando a cabeça para todos os lados, procurando-o.
Seu corpo se inclinou para frente, sua atenção presa ao som que
agora escutara, então, ela relaxou mais uma vez. Ela fechou os olhos,
apreciando o som e algo em mim ascendeu. Nasceu em meu peito um desejo
de permanecer ali enquanto ela escutava atenta as minhas melodias lentas,
sussurradas pelo vento até seus ouvidos.
Pude compreender os músicos que eu tanto admirava.
Era prazeroso perceber que alguém sentia sua música assim como
você. Sem saber quem você era, sem ter interesse em mais nada além do som
que você produzia com o coração.
Ela abriu os olhos e encheu mais uma vez o copo enquanto ainda me
buscava com os olhos. Eu tinha capturado sua atenção naquela noite linda.
Eu continuei a tocar, ela continuou a ouvir e, aos poucos, a garrafa
foi ficando vazia. Notei que ela demorava cada vez mais a abrir os olhos,
quando por fim, os fechou de vez e se aninhou com delicadeza no cobertor,
repuxando-o até seu rosto.
Ela...
Dormiu?
Fala sério, ela dormiu mesmo?
Quem é que dorme na varanda da própria casa com uma garrafa de
vinho?
Larguei o violão e bufei, de certa forma decepcionado.
Fiquei ali no escuro por quase uma hora depois daquilo, esperando o
momento em que ela fosse acordar e entrar em sua casa sem notar minha
presença, mas quanto mais tempo se passava, mais ela parecia confortável,
enrolada feito um tatu naquele pufe.
Levantei-me disposto a acordá-la, mas logo me sentei novamente.
Ela poderia acordar comigo em cima dela e acabar surtando. Quem sabe até
me atacar.
Sorri com o pensamento, imaginando aquela garota pulando em
cima de mim, selvagem, assustada.
Ela não faria isso.
Levantei-me mais uma vez.
Ou faria?
Larguei meu corpo na cadeira de madeira que agora deixara de ser
confortável.
Lembranças de um momento difícil da minha vida em Fênix Hill
assolaram minha mente.
Fênix sempre foi pacata, tranquila. De ares verdes e vizinhos
amigáveis. Tamanha foi a surpresa quando, em um dia claro de sol, o corpo
da jovem Hanna foi encontrado sem vida.
A cidade inteira estava lá, observando enquanto a garota mais
sorridente que Fênix Hill conhecera tinha seu corpo retirado dos fundos do
pomar e colocado com delicadeza dentro do “Baú da Morte”, como Jake se
referia. Os peritos cercaram o local enquanto a mãe da garota permanecia
prostrada no chão, sem forças. Sentindo-se culpada por ter colocado dentro
de casa o assassino da própria filha, seu atual marido. Ele não se satisfez em
violentar a jovem como também sentiu a necessidade de mutilá-la e depois,
por fim, ele sufocou Hanna até a morte.
Os pelos dos meus braços se eriçaram. Não houve crime igual em
Fênix desde então, mas dormir na sacada de uma varanda, enrolada
inocentemente em uma coberta, não era apropriado em nenhuma cidade do
mundo.
Meu estômago revirou, imaginando o que poderia acontecer com
aquela garota, e em um sopro de ânimo, ou loucura, coloquei-me de pé. Caso
ela me atacasse, eu poderia me explicar. Caso outra pessoa a atacasse, ela não
receberia explicações.
Caminhei decidido até a varanda da vizinha, sentindo meus passos
ressoarem em meus ouvidos. Subi os três degraus com cautela, temendo
assustá-la. Meus pés rangiam contra a madeira, o que fez com que eu
diminuísse meus movimentos.
Aproximei-me um pouco mais e no mesmo instante fiquei
paralisado, observando o rosto angelical à minha frente. Ela estava envolta
em um sono tão profundo que parecia errado acordá-la, mas eu deveria. Meus
olhos recaíram sobre a garrafa jogada ao seu lado.
— Isso é culpa sua! — xinguei, arquitetando um plano onde eu a
acordaria tranquilamente.
Antes disso, observei os detalhes daquele anjo em forma de mulher
como se tivesse caído em uma hipnose profunda. Os cabelos negros e longos
se esparramavam pelo pufe, seus lábios carnudos davam contorno ao rosto
fino. Os cílios fechados eram tão longos que ansiei ver aquele olhar me
encarando de volta. Seu rosto assimétrico permanecia em total estado de
repouso, transmitindo uma paz incrível. Era bom observá-la, mas muito
errado de qualquer forma.
— Ei! — sussurrei com cautela, pronto para pular os degraus do
alpendre se necessário fosse, mas ela sequer se moveu.
— Olá! — Tentei mais uma vez e ela se enroscou nas cobertas, mas
pude ver um sinal de sobriedade retornando ao seu corpo. — Moça, vamos lá,
você não pode ficar aqui sozinha! — Levei os dedos até sua mão e encostei
em sua pele com cuidado.
Meu toque, talvez frio demais, trouxe-a de volta para a realidade. Ela
saltou no mesmo lugar e arregalou os olhos em um rompante.
— Deus! — gritou, puxando a coberta sobre seu peito, como se
fosse um escudo protetor.
Foi a primeira vez que vi aquelas duas jabuticabas me encarando.
Olhos tão negros e profundos que me fizeram prender a respiração. Não
estava maquiada, não havia um pingo de nada. Era naturalmente bela e pelo
seu olhar, cansada o bastante para mal conseguir se mexer.
Temi ainda mais quando vi seu estado.
— Deus, não! — Meu rosto se contraiu em um enorme sorriso. —
Josh, seu vizinho. — Não foi tão ruim assim.
Ela comprimiu os olhos, tentando compreender o que havia
acontecido.
— O que... — Passou a mão no rosto, ainda agarrada a coberta.
— Não pode dormir aqui! — Segurei sua mão que prendia com
força a coberta e não encontrei resistência, logo ela a soltou. — Você está
bêbada? — sussurrei e ela fechou os olhos em resposta. — Pode ser perigoso,
garota.
— Eu só estou cansada e... — Uma voz estranha escapou por seus
lábios.
Ela não conseguiu completar a frase.
— Você não parece bem. — Até mesmo para alguém bêbado. Havia
alguma coisa errada. — Está sentindo algo? — Agachei-me ao seu lado.
Ela não respondeu. Olhei através da sua porta de vidro e decidi que
deveria colocá-la dentro da casa de Kenny de qualquer forma. Eu conhecia
aquela casa em seus mínimos detalhes. Minha antiga vizinha era festeira e
adorava uma resenha com amigos, o que nenhum de nós rejeitava.
— Vou te ajudar a entrar. — Continuei segurando sua mão.
Era estranho. Sentia sua resistência ainda que seu corpo mal se
movesse. Como se pressentisse algum tipo de ameaça.
— Calma, eu não vou machucá-la — sussurrei próximo ao seu rosto.
Com pouco esforço, envolvi meus braços ao redor do seu leve corpo,
mantendo a segurança do cobertor entre nós. Ela se remexeu, zonza e então,
desfez-se do cobertor jogando os braços ao redor do meu pescoço. Meu
coração acelerou.
Santo Deus, o que tinha naquela bebida? Foi então que eu vi o rótulo
do vinho que ela bebera. Era um vinho produzido em Fênix. Um dos mais
fortes que se encontravam na região, e eu poderia apostar que em todo o país
também. Agora tudo fazia sentido!
Entreina pequena casa de Kenny com a vizinha em meus braços.
Seus cabelos se embolavam em meus dedos enquanto eu a segurava contra
meu peito sentindo sua respiração leve tocar meu pescoço.
Passei pela sala que não mudara absolutamente nada nos últimos
anos e por fim, alcancei o quarto rosa de Kenny.
— Elas não mudaram nada na decoração! — comentei, ciente de que
ela não me escutaria.
O quarto rosado, com grandes letras presas à parede em cima da
cama parecia de uma adolescente de quinze anos.
“Sonhos”. Era o que estava escrito em letras brancas e enormes,
cercado por estrelas que acendiam no escuro.
Ajoelhei-me na cama felpuda e macia e lentamente soltei o corpo da
garota sobre ela. Ela caiu para o lado e se agarrou ao edredom solto por ali. A
noite estava fria, então tomei a liberdade de abrir o closet àprocura de mais
alguma coberta. Embaixo de um amontoado de lençóis, encontrei uma bem
quente e a joguei em cima do corpo relaxado da minha vizinha.
Debrucei-me sobre ela, mais uma vez sentindo sua respiração
quente.
— Ouça, vou trancar a porta e jogar a chave pela abertura na janela.
— Fiz minha tentativa. — Espero que a encontre pela manhã.
— Anny! — ela respondeu usando uma força descomunal para falar.
— O quê?
— Você perguntou meu nome... — E lá se foi ela, mais uma vez,
para uma viagem profunda.
Não, eu não havia perguntado, mas ficara feliz em saber.
Saí dali o mais rápido que pude. Tranquei a porta e joguei a chave
pela janela assim como disse que faria. Atravessei a rua completamente
perdido em pensamentos. Quase voltei à casa de Kenny para me certificar
que a vizinha ainda estava respirando, mas agarrei meu violão para conter
aquela ânsia. Ela só estava bêbada. Eu era muito experiente em sobreviver a
noites de bebedeira e sabia que ela iria ficar bem, o que não me acalmava em
nada.
Dei a volta na mecânica e entrei em minha casa tão rápido quanto
pude. Parecia ter participado de uma maratona. Meu peito subia e descia em
um ritmo afunilado.
Fechei a porta às minhas costas e foi então que eu senti.
O perfume dela estava impregnado em mim. Algo doce, sútil, mas
ainda assim, marcante. Um sorriso débil colou em meus lábios, lembrando
dos seus braços se envolvendo em meu pescoço com tanta confiança e doçura
que eu não sabia se ficava ainda mais preocupado ou se parava para admirá-
la.
Anny...
A vizinha tinha um nome lindo.
Eu sei como isso vai do errado para o certo
You & I - One Direction

Uma dor de cabeça infernal me açoitou logo cedo!


Gemi, escondendo os olhos da claridade do dia, que apesar de
nublado, parecia um farol aceso em meu rosto.
Meu estômago se contorcia em uma mistura de náusea e dor... o que
não era uma novidade. Remexi-me na cama, sentindo um peso sobre mim.
Abri um dos olhos e espiei, ignorando uma fincada forte na testa. Uma
coberta grossa e pesada estava estirada sobre mim enquanto o edredom
servia-me de abraçadouro, se isso ao menos existisse.
Não me lembrava de tê-la colocado ali. Afinal — ergui meu corpo a
contragosto — não me lembrava de quase nada, a não ser pela ideia de que
iria jantar antes de dormir. Ah, teve também um vinho, música, pufe,
amendoim, coberta, grilo... eu comi o amendoim?
Pisquei duas vezes.
Eu tinha apagado! Aquele vinho-puro-álcool foi demais para um
organismo emjejum e cansado.
Suspirei, novamente revirando as lembranças.
Como eu vim parar aqui dentro? Como?
Minha cabeça doía, mas mesmo assim eu precisava me esforçar.
Eu estava na varanda quando...
— Ah, não! — Os olhos dele colidiram com meu cérebro. Um azul
tão puro como aquele não poderia simplesmente ser esquecido. Nem por um
porre.
Vagamente me lembrava de tê-lo visto na noite anterior, talvez mais
próximo do que eu gostaria, mas fora isso, só havia sobrado perguntas e um
imenso borrão.
Quem era aquele homem? Será que era algum cliente da boate?
Ai, meu Deus! Onde eu estava com a cabeça para dormir em frente a
uma maldita boate de stripper? Kenny ainda ia me pagar bem caro por aquilo.
— Merda! — Deslizei pela cama como se o mundo rodasse
constantemente.
Estava morrendo de fome, tinha certeza. Inanição, uma morte
dolorosa e lenta. Eu não conseguiria chegar na cozinha a tempo. Meu
estômago derreteria antes disso.
Tonteei até a cozinha, vestida com a mesma roupa da noite anterior
enquanto meus cabelos caíam embolados pelas costas.
Apoiei-me na bancada de granito, que Kenny provavelmente usava
para fins sexuais, enquanto pensava o que poderia comer que não me fizesse
vomitar logo em seguida. Senti falta da minha mãe. Ela sempre sabia o que
fazer para que nos sentíssemos melhor. Uma sopa dela agora cairia muito
bem.
Minha garganta queimou de sede e decidi que seria melhor tomar um
copo de água primeiro.
Enchi o copo transparente até a beirada e o virei em poucas e
saborosas goladas. Antes que eu terminasse de beber minha água deliciosa,
uma batida na porta chamou minha atenção.
Olhei pelo corredor e encontrei um homem alto olhando com
curiosidade para minha cabeça da porta da entrada. Era tudo o que ele
conseguiria ver de onde estava e eu mal enxergava seu rosto, que estava
encoberto por um boné.
Quem era aquele?
Coloquei meu copo na bancada e caminhei até a porta sem saber o
que falar.
Ele vestia uma camisa clara que expunha seus braços e partes de
uma tatuagem. Seu rosto estava parcialmente escondido por um boné preto e
suas mãos seguravam um grande saco marrom.
Procurei com os dedos a chave que ficava pendurada na porta e não
a encontrei. Foi quando ele ergueu o dedo em direção a minha janela e sorriu,
apontando-a.
Olhei para a janela da sala semiaberta e encontrei minha chave
jogada no chão próximo a ela.
Senti meu rosto incendiar.
O que aconteceu naquela noite? Por que minha porta estava trancada
e minha chave jogada em um canto perto da janela?
E a maior pergunta de todas... por que maldição aquele homem sabia
daquilo?
— Droga, droga, droga! — murmurei enquanto abaixava e pegava a
maldita chave.
Quando retornei, ele estava de costas, encarando a boate e foi
quando me ocorreu um pensamento.
— Quem é você? — gritei para a porta, sem a mínima intenção de
abri-la para um estranho.
Ele se virou em minha direção com uma expressão engraçada presa
ao rosto e abriu um sorriso claro, encarando-me com suas duas esferas azuis.
Um par de olhos que eu reconheceria, mesmo que tivesse sofrido um coma
alcoólico.
Oh, céus! Ele era o homem da noite passada.
— Sou seu vizinho. — Ele apontou para a Black Bird e eu estremeci
no mesmo instante.
Ele era dono daquela coisa? Morava nela? Administrava? Ai, meu
Deus! Será que era algum cafetão que recrutava mulheres? Será que eu,
bêbada que nem um gambá, demonstrei algum interesse naquela profissão?
Merda! Por que diabos eu não fiquei dentro de casa ontem?Agora
precisava ser gentil com aquele cafetão se não quisesse ficar sem meu
pescoço.
Abri a porta em um rompante, puta da vida pelo único cafetão que
cruzou o meu caminho ser tão bonito quanto um modelo de revista. Não
poderia ser que nem nos filmes? Um velho barrigudo com cara de tarado?
Seria pedir demais?
— Bom dia, senhorita! — Seu sorriso brilhava, emanando uma
energia positiva enquanto seus olhos me observavam com cautela.
— Eu... — Não sabia por onde começar. — Olha, desculpa por dizer
isso assim, mas eu nunca trabalhei como stripper e não quero começar agora.
Seja lá o que aconteceu ontem, não quero nem pisar naquela boate. —
Apontei para a Black Bird que ainda continuava fechada e eu começava a me
perguntar quando ela de fato começaria a funcionar. Seria possível que ela
funcionasse durante o dia?
— Mas... o quê? — ele quase gritou e seus lábios se contraíram de
uma forma engraçada. Ele estava se divertindo. — Desculpe, do que é que
você está falando?
— Da boate. — Apontei novamente para o lugar de paredes pretas.
— Não sei o que aconteceu ontem à noite, mas eu não quero trabalhar ali,
obrigada. — Meneei um aceno com a cabeça e me preparei para fechar a
porta quando um som estranho escapou pelos lábios do cafetão-modelo.
Ele estava... rindo?
Uma gargalhada explodiu por seus lábios, dando lugar a outra e mais
outra. Ele riu tanto que seus olhos até marejaram e ele precisou recostar as
costas na varanda para não cair.
— Eu não acredito nisso! — E mais risadas.
— Como? — questionei,confusa. Por que ele estava rindo? Será que
era da minha cara? Será que ele sequer ia me convidar para trabalhar para
ele? Ora, ele estava rindo de mim! — O que foi? Eu não sou boa o bastante
para ser uma stripper? Escuta aqui, eu fui uma das melhores ginastas da
minha turma, ouviu? Só quebrei o braço uma vez — cuspi, o que causou uma
nova crise de risos no homem. — Eu sei dançar como ninguém e... e sei pular
naquela barra de ferro... que no momento eu esqueci o nome, mas sei. Quem
está perdendo é você! — bufei, indignada.
Uma coisa era eu não querer trabalhar como uma stripper, outra era
ele desdenhar de mim para tal função.
— Meu Deusssssss! — Ele tentou parar de rir. — Eu vou morrer! —
Tentou se controlar entre mais risadas. — Aquilo... — apontou para a boate,
tentando respirar, rir e falar ao mesmo tempo. Não estava funcionando direito
— ... não-é-uma-boate! — Ele abraçou o ferro da varanda e se apoiou nele
enquanto ria descontroladamente.
— O quê?
— Mecânica! Mecânica! — ele falava entre lufadas de ar e apontava
para a Black.
— Não... aquilo ali não é uma mecânica!
Como se a vida ainda não estivesse satisfeita por ter me dado uma
baita rasteira, alguns homens começaram a surgir pela rua e arrastavam o
passo em direção a Black Bird, trocando conversas e comprimentos matinais
enquanto carregavam garrafas de café e mochilas de tons escuros, meio
achatadas e que pareciam cheias de... ferramentas.
Um dos homens, que aparentava ter a idade do meu pai, se abaixou
rente a porta e a destrancou, erguendo-a logo em seguida, causando um
barulho irritante, esganiçado, como se um porquinho tivesse sido capturado e
revelando parte do interior misterioso da Black Bird.
E para o meu mais puro constrangimento, um número significativo
de carros ficou à mostra.
Lá se vai o que restou da minha dignidade.
Santo Deus, aquilo ali era mesmo uma mecânica.
— Que merda, você não é um cafetão! — Virei-me para ele com o
rosto fumegando de vergonha.
— Não que eu saiba — brincou, recuperando o controle da situação,
ou ao menos foi o que eu pensei, mas ele ainda deu boas risadas antes de
prosseguir.
A única coisa que eu consegui fazer foi tapar os olhos com as mãos.
— Parece que está um pouco confusa... — Seu tom de voz soou
divertido. Pelo menos ele tinha senso de humor.
— Bastante! — Escorei-me no batente da porta, esperando qualquer
explicação. Acreditando fielmente que, quanto mais mantivesse a boca
fechada, menos vergonha passaria.
— Primeiramente, eu não sou nenhum cafetão, como você já
percebeu.
— Sim, sim, vai lá, continua! — Soltei os olhos e segurei o maxilar,
criando coragem para encará-lo.
— Eles não são geralmente barrigudos, com umas cinquenta
cicatrizes na cara?
— Pensei que até mesmo os cafetões poderiam não se encaixar em
um estereotipo, né? — Trinquei o maxilar. — Me desculpe, eu não queria
ofendê-lo. — Diminui o tom de voz e admiti meu erro. Será que aquilo ia
contar pontos no dia do juízo final? Eu esperava que sim.
— Não precisa se desculpar, a Black Bird é... diferente mesmo, mas
devo admitir que é a primeira vez que comparam a minha mecânica auma
boate de stripper. É melhor não deixar os rapazes ouvirem isso, pode acabar
dando ideia para aquelas mentes criativas.
— Eu agradeceria se não contasse a ninguém esse... deslize. — Só o
que me faltava era ter mais pessoas rindo da minha cara por aqui.
— Não se preocupe, seu segredo está guardado comigo. — Ele
ergueu a mão aos céus, em uma promessa e eu meneei um sorriso em sua
direção e quando dei por mim, também estava dando risada.
— Não sei o que deu em mim — tentei me justificar, mas não havia
bebida no mundo que eu poderia culpar por aquela falta de noção.
— Ontem eu a vi dormindo na sacada da varanda — ele começou a
me explicar. Mordi os lábios, lembrando-me vagamente de algo similar. —
Tentei acordá-la, mas você não estava tão propensa a isso. — Mais uma vez
seu rosto se iluminou. — Fênix é uma cidade tranquila de se viver, mas
mulher nenhuma deve dormir em um lugar ermo como esse. Há pessoas más
em todo canto do mundo. — Ele já não sorria. Falava sério e a sinceridade
em sua face e a doçura em cada palavra que escorria por seus lábios me fez
encará-lo.
— Acho que bebi demais — revelei, notando um leve vinco surgir
entre suas sobrancelhas grossas. — Na verdade — continuei sob seus olhos
atentos —,foi apenas uma garrafa, mas eu não comi nada desde o café da
manhã de ontem, então... acabei ficando bêbada demais.
— Aquele vinho em específico contém uma quantidade de álcool
superior. Isso pode ser perigoso. — Aquilo parecia um aviso. Uma sombra de
preocupação escureceu seu rosto por um instante. — Tomei a liberdade de
levá-la até o quarto... — Prendi o ar como se tivesse tomado um soco no
estômago. Ele me levou até o quarto? Como? Carregada? — Edepois
tranquei a porta, jogando a chave pela janela. — Ele ergueu os ombros como
se aquilo não fosse nada demais. — Garanto pela minha vida que foi
exatamente isso que aconteceu, e nada mais.
Tonteei ali mesmo imaginando aquele homem me erguendo nos
braços e me colocando na cama, como se eu fosse uma criança indefesa. Uma
parte de mim, bem lá no fundo, agradecia-o convulsivamente por evitar que
algo pudesse me acontecer, mas outra parte, talvez mais forte, expunha meus
medos bem na sua frente.
— Sinto muito pelo inconveniente — foi a única coisa que consegui
dizer. — De ontem e... de hoje. — Ah, Deus. Como eu queria me enfiar em
um buraco naquele exato momento, tamanha era minha vergonha.
— Não se desculpe — apressou-se. — Mas se não for pedir demais,
não faça mais isso, para sua própria segurança.
— Não voltará a acontecer — afirmei, sentindo o cheiro do que
estava dentro daquele pacote invadir minhas narinas com tudo. Meu
estômago roncou alto.
— Sobre isso... — Apontou para meu estômago. Ele havia escutado.
Senhor!!! — Eis aqui a solução. — Ele ergueu o pacote no ar, fazendo com
que seu cheiro se espalhasse ainda mais.
— Eu te trouxe um lanche. Algo leve, não te fará mal. — Ele esticou
o pacote em minha direção. —Tem uma água com gás aí dentro, vai ajudar
com o enjoo.
Ele encarou meu rosto abatido, provavelmente ciente do inferno pós-
bebida que eu estava passando.
— Não posso aceitar, você foi muito gentil, mas... — hesitei, aquele
lanche deveria estar delicioso e eu tinha que admitir que estava faminta e nem
um pouco a fim de começar meu dia com comida enlatada — ... já te
incomodei o bastante.
— Gostaria que todos os meus incômodos fossem como esse.
Encolhi-me diante da sua observação e sorri.
— Aceite, por favor. — Ele continuava com o pacote cheiroso
erguido no ar.
Segurei o lanche com cautela, sentindo os dedos do meu vizinho
tocarem levemente os meus.
— Obrigada! — Forcei um sorriso que, provavelmente, deixou-me
com uma cara melancólica.
— Você está bem? Precisa de mais alguma coisa? — A preocupação
permanecia em seu rosto, fazendo-me observá-lo com cautela.
Seus músculos dançavam conforme o movimento que seus braços
faziam.
— N-não. — Ergui o olhar, notando que ele me observava. — Tenho
tudo o que preciso no momento.
Ele franziu os lábios, transformando-os em uma linha fina e então,
senti a necessidade de perguntar...
— Seu nome é...
— Josh Mathews! — Segurei o ar entre os lábios.
— Eu sou a...
— Anny! — ele me interrompeu mais uma vez, virando-se para as
escadas. Meu rosto se contorceu de surpresa. — Você me disse ontem à
noite.
— O que mais eu disse? — Meu coração bateu forte contra o peito,
temendo ter falado demais.
— Nada. — Ele ergueu as sobrancelhas. — Acredite em mim,
adoraria saber mais sobre você, mas o máximo que disse foi seu nome e
talvez tenha me confundido com Deus. — Seu olhar cruzou com o meu,
profundo, revelador e sincero, açucarado com uma graça diferente e mais
uma vez eu senti que ele estava dizendo a verdade, ou pelo menos era o que
eu achava.
Josh meneou um aceno e, sorrindo para meu rosto em chamas,
desceu os três degraus em uma corrida rápida.
— Coma devagar. — Virou-se uma última vez. — Ajuda a não botar
tudo para fora.
— Farei isso! — Caminhei de costas, observando Josh enfiar as
mãos nos bolsos, endireitar seus ombros largos e retornar tranquilo para sua
vida.
Fechei a porta e me sentei no sofá, segurando o pacote que ele me
entregara.
Sua irresponsável!
Conseguia ouvir a voz da minha mãe trovejando xingamentos de
correção em minha direção, com os olhos esbugalhados e a postura
impecável descontruída de raiva e preocupação. Se não fosse Josh a me
encontrar, minha situação poderia ser bem diferente agora.
Um medo invadiu meu peito. Nunca mais faria tamanha loucura.
Recostei-me ali, imaginando como ele me colocou para dentro de casa.
Provavelmente, Josh envolveu meu corpo naqueles braços tatuados e
depois me deitou sobre a cama, lembrando-se de cuidadosamente me cobrir
com uma coberta mais quente. Além de tudo, ainda trancou a porta para
garantir que ninguém entraria.
Quem naquele mundo tinha tanto trabalho com uma desconhecida?
Josh Mathews!
Seus olhares preocupados não saíam da minha mente. Ele não era
nenhum cafetão e provavelmente ainda riria muito daquela história. Tinha o
olhar gentil e, por Deus, era extremamente lindo. O cara parecia perfeito.
Perfeito demais.
E eu bem sabia que não existiam homens perfeitos.
Suspirei fundo, exalando meus pensamentos e abri o pacote. Meu
estômago roncou novamente. Lembrei-me da sua expressão de
contentamento quando aceitei o pacote.
Biscoitos frescos em forma de coração, ainda quentes, me
aguardavam. Abri a boca, observando-os.
Corações?
Dei uma golada na água com gás que caiu como um milagre no meu
estômago e puxei um dos biscoitos para os lábios. Cada um deles era
banhado por gotas de chocolate e pareciam um alimento feito pelos deuses de
tão gostoso. Devorei alguns biscoitos e a salada de frutas que vinha
acompanhando o pacote.
Estava tão faminta que a falta de apetite que geralmente eu sentia
desapareceu por completo, e eu sabia que provavelmente encontraria
dificuldade para comer no restante do dia, mas naquele momento tudo estava
perfeitamente normal e eu queria aproveitar aquilo.
Enfiei a mão no fundo do saco, tentando resgatar o último biscoito
quando meus dedos tocaram um pequeno pedaço de papel.
Em um pedaço de folha branca, quadrada e pequena, com as
beiradas irregulares, como se tivesse sido arrancada às pressas, as letras
garrafais onduladas e caídas revelavam uma frase. Ergui o queixo olhando
em direção a porta, avistando uma pequena parte da mecânica, ainda
segurando o papel entre os dedos. Um sorriso ameaçou irromper por meus
lábios, mas eu o contive — com muito esforço.
Olhei para o papel e reli a curta mensagem que, de alguma forma,
esquentou meu coração.
“Seja bem-vinda, vizinha!”
Amizade é quando você encontra uma
pessoa que olha na mesma direção que você,
compartilha a vida contigo e te respeita como você
é.
Renato Russo

Era só uma frase.


Só uma maldita e curta frase.
E nem era lá grandes coisas.
— Aff! — bufei. Por que diabos aquilo estava me incomodando? Ele
tentou ser simpático com a nova vizinha e isso era pra ser uma coisa boa, não
era?
Balancei a cabeça, mais uma vez tentando afastar da minha mente
aquele bilhete que vinha acompanhado de um homem alto com o sorriso
largo e encantador, dono de olhos coloridos por um tom azul forte e límpido
tão incomum que eu era capaz de duvidar se aquela cor realmente existia.
Joguei a embalagem do lanche fora e fiquei por alguns segundos
ainda encarando o bilhete.
— Isso não significa nada — garanti a mim mesma antes de atirá-lo
na lixeira.
Passei o restante da manhã organizando as caixas ainda fechadas e
parei quando deu o horário do almoço. Lembrei-me da cafeteria que encontrei
assim que cheguei na cidade e a ideia de ir caminhando até lá para almoçar e
aproveitar para conhecer melhor a cidade me encheu o coração. Eu teria a
chance de conhecer novas pessoas e me distrair um pouco.
Conferi mais uma vez as opções do meu armário na cozinha e anotei
mentalmente algumas coisas que eu precisava comprar na volta da cafeteria.
Vesti uma calça legging preta e uma camiseta da mesma cor, prendi os
cabelos em um alto rabo de cavalo, calcei meus tênis e abri a porta da entrada
da minha casa, preparada para o dia.
Ou ao menos eu pensava que estava.
O céu estava lindo, iluminado, escondendo o sol entre grandes
nuvens brancas. Suguei o ar límpido para meus pulmões e estiquei os braços,
distraída. Desci os três degraus da varanda. A grama estava mais verde
naquela tarde, com um toque de esperança diferente.
Segui meu caminho, criando uma rota em minha mente. Iria até a
cafeteria do posto de gasolina caminhando, ou quem sabe até mesmo
correndo. Poderia almoçar por lá e depois, meu destino seria fazer compras.
Tudo perfeitamente esquemati...
— Boa tarde, vizinha! — Uma voz rouca me fez brecar os passos.
Olhei sobre o ombro, procurando o dono da voz e encontrei um
homem de olhos estonteantemente azuis, segurando uma xícara de café
fumegante enquanto ele permanecia escorado na entrada da mecânica, usando
não mais que uma bermuda caqui que praticamente se camuflava em sua pele
clara. As tatuagens começavam em seu braço e dominavam parte do peito,
como se uma garra gigantesca agarrasse seu dorso.
Era diferente, e que Deus me ajude, era lindo demais para desviar o
olhar no mesmo instante.
Pigarreei como se necessitasse de algo para trazer minha atenção de
volta para a realidade.
— Opa! — Meneei a cabeça em sua direção e ele sorriu, levando a
xícara novamente aos lábios. Virei-me de costas e optei por sair, literalmente,
correndo dali.

Meia hora... apenas meia hora depois, eu estava parada no meio da


rua, com as mãos apoiadas nos joelhos, ofegante.
Opa! Quem é que fala “opa” com alguém?
Pensava enquanto tentava buscar o ar.
A respiração entrava como uma rajada de fogo por minhas narinas.
Eu puxava o ar pela boca e minha garganta sentia o corte doloroso que ele
causava. Minha visão embaçada quase me fez tropeçar, sentia uma vontade
gigantesca de me deitar.
A preocupação me invadiu. E não era só o fato de remotamente
esquecer as palavras quando aquele... aquele... vizinho olhava em minha
direção. Eu estava começando a acreditar que a pequena anemia que eu
descobri em Natanville talvez tivesse piorado.
Era algo simples, mas precisava de cuidados e cuidados envolviam
hospitais, médicos, exames e eu não fazia ideia de como enfrentaria outro
hospital na vida, mas se eu não o fizesse, os danos poderiam ser graves.
Mas como suportar a cor sempre em um padrão? O cheiro
característico? As pessoas falando e se preocupando.
Tudo, absolutamente tudo me lembrava ele, e tudo o que ele me fez.
Tudo o que me tirou.
Médicos salvavam vidas e tinham amor por elas, mas Caleb era
diferente. Durante o dia ele usava um jaleco respeitado de cirurgião, mas
quando a aurora caia ele se transformava em um homem de muitas faces. Ora
amoroso, cuidadoso, paciente, ora ciumento, possessivo e agressivo.
Tentei resistir ao suor frio escorrendo por minhas costas e a fraqueza
que bambeava minhas pernas. Mais dois minutos. Só mais dois e eu com
certeza me sentiria melhor.
— Está tudo bem? — Ergui a cabeça a contragosto e vi uma garota
de cabelos longos e ruivos caminhando preocupada em minha direção.
O uniforme vermelho com escritas garrafais em amarelo mostarda a
denunciava.
— Acho que minha pressão caiu! — A moça que usava um uniforme
com a logo do posto de gasolina segurou em meu braço.
— Deus, você está gelada! — Sua voz doce se ergueu em um
rompante. — Meu nome é Carolyne — disparou sem sequer parar para
respirar. — Vem comigo. Eu trabalho no RedCoffee. Lá poderemos cuidar de
você.
— Não é nada de mais, eu juro! — Tentei erguer a cabeça que
parecia pesar uma tonelada, mas fui impedida por Carolyne.
— Nada disso, você vem comigo, sim senhora! — Ela envolveu meu
braço junto ao seu e começou a caminhar, ou a quase me carregar, pelo
caminho até o RedCoffee, o café anexo ao posto de gasolina, que para minha
sorte estava a poucos metros de distância.
Quando nos aproximamos meu corpo já não estava tão trêmulo
quanto antes e eu deixei de me apoiar em Carolyne e tive a breve
oportunidade de me apresentar.
Depois disso, ela tagarelou sobre o quanto uma alimentação
saudável fazia diferença na vida de uma pessoa.
Seguimos lentamente de braços dados. Ela era uma pessoa muito
bondosa e agradável. Pude ver a preocupação cravada funda em seus olhos.
— Está se sentindo melhor? — Alisou minha mão.
— Muito! — Era verdade. — Obrigada, não sei o que houve.
— Pode ser apenas uma queda de pressão, ou como falei, uma má
alimentação. — Franziu os olhos.
— O que aconteceu? — Nos viramos juntas em direção a voz
preocupada.
Ben, o rapaz de olhos de lobo, corria em nossa direção. Sua roupa
havia mudado de cor apenas, mas o modelo era o mesmo. Uma blusa de
flanela leve em um tom preto, assim como as calças meio desfiadas. Carolyne
se revirou inquieta ao meu lado e se apressou em um comprimento
empolgado.
— Olá, Ben! — Sorriu.
— Bom dia, Carolyne! — Eles trocaram um breve olhar antes que
sua atenção recaísse sobre mim. — Você está bem? Parece mais pálida do
que ontem.
— Acho que ela teve uma queda de pressão enquanto corria.
— Vem comigo, vou pedir a minha mãe que prepare um café para
você. — Percebi que Carolyne timidamente deu um passo para trás
permitindo que Ben assumisse a posição ao meu lado.
— Você também vem, Carolyne? — Desviei-me do homem de
postura ereta e agarrei novamente o braço da garota que me ajudara com
tanto afinco. — Eu sou nova na cidade, então... — dei de ombros — ...
precisa me contar o que faz aqui para se divertir.
Seu rosto voltou a se iluminar.
Entramos na RedCoffeesob o som insistente de sinos que
anunciavam a entrada e saída de todos os clientes. Mais uma vez, minha
visão oscilou entre cores fortes.
As mesas eram de madeira, redondas e de aproximadamente meio
metro de largura, cobertas por forros de mesas de um tom vermelho sangue.
Em cima de cada mesa, um vasinho simples e comprido abrigava
uma rosa branca, quebrando o tom exagerado. Os guardanapos — adivinhem
só? — eram vermelhos, os copos tinham detalhes avermelhados e até mesmo
o chão era enfeitado de rosas pintadas que trilhavam um caminho de uma
ponta a outra da pequena lanchonete.
Uma placa grande, cercada de lâmpadas de led anunciava:
“RedCoffee”
Ótimo, cinquenta tons de vermelho!
Uma garçonete servia as mesas. Uma garota tão nova quanto
Carolyne. Vinte anos, talvez menos. Diferente de Carolyne, seus cabelos
eram negros e bem curtos.
Enquanto isso, uma senhora um pouco mais velha recebia os pedidos
em um balcão de meio metro de largura que sustentava todo tipo de conserva.
De ovos, pepinos, picles... tudo. Perguntei-me o que seria aquela coisa
amarela e achatada, meio molenga e com aparência deteriorada que rodava
livre dentro de um dos potes. A coisa era asquerosa e nojenta. Inclinei-me
para encará-la melhor, tentando identificar a qual projeto cientifico aquilo
pertencia.
— São cogumelos àRedCoffee. — Fui surpreendida pela garçonete
que acabara de ver.
— Interessante. — Sorri, tentando disfarçar minha cara diante da
possibilidade de comer aquela coisa.
— Deveria experimentar, é nossa conserva mais famosa — amorena
concluiu orgulhosa. — As pessoas vêm de fora procurá-la. — Será que essas
pessoas retornavam com vida?
— Em um outro momento. — Eu abri os lábios para responder, mas
foi Ben quem completou a frase por mim.
A garota sorriu para ele como se recebesse um elogio e entregou-me
um cardápio.
O cheiro de bacon frito invadiu minhas narinas.
Ben tirou o cardápio da minha mão com calma e se debruçou sobre a
bancada, procurando alguma coisa.
— Ben? — Uma voz surgiu detrás do balcão. — Ora! O que você
está... — A senhora brecou sua frase ao notar minha presença.
— Mãe, essa é a Anny. — Ele recordou meu nome. — Ela é nova na
cidade e precisa daquele seu almoço especial para melhorar o dia. Anny, essa
é minha mãe, Mary.
— Olá querida, seja bem-vinda! — A mulher ignorou
completamente o filho. Seu olhar escuro e penetrante me observou da cabeça
aos pés, demorando-se mais no meu rosto.— Vamos fazer o nosso famoso
almoço para você!
Ela era baixinha e tinha o rosto agradável, convidativo, assim como
a voz que se parecia muito com a da minha mãe, como se estivesse sempre
sorrindo.
— Eu agradeço a gentileza. — Sorri.
— Você ainda está pálida — Ben acusou. — É melhor beber alguma
coisa de uma vez.
— Eu só senti um pouco de tonturadurante a corrida.
— Beba um suco de laranja, ao menos. — Mary me encarou e
quando meneei um aceno confirmando, ela sorriu e se virou para Carolyne.
— Pode me ajudar com as mesas? — dirigiu-se a jovem ruiva que
logo se disponibilizou.
— Fique à vontade! — sussurrou em minha direção. — Depois
passo na sua mesa. — Não sabia o porquê, mas tinha sentido certo afeto por
Carolyne desde que ergui meu olhar quase desmaiando em sua direção.
— Vem, Anny, sente-se aqui! — Ben me indicou uma das cadeiras e
eu me sentei. — Vou só liberar um cliente da mecânica e volto em alguns
segundos, tudo bem? Você está mesmo bem? — Ele comprimiu os olhos em
minha direção.
— Estou sim, obrigada.
— Volto já. — E saiu rapidamente. Algo me dizia que tão breve
estaria ali novamente.
Puxei um jornal que estava abandonado no canto da mesa e comecei
a ler alguns artigos aleatórios. Havia uma grande quantidade de informações
sobre o cultivo de hortas.
“Como cultivar sua macieira”
“Vermes, uma benção ou maldição? Saiba como extingui-los de sua
plantação!”
“O espaço é pequeno? Veja como começar sua plantação em uma
área de dois metros.”
Estava quase me tornando uma especialista em plantações quando a
mulher voltou com o suco.
Agradeci a Mary e tomei o suco em pequenas goladas enquanto
passava os olhos pelo jornal da cidade procurando qualquer notícia que não
remetesse a plantas.
“FESTIVAL DO POMAR SE APROXIMA E FÊNIX HILL JÁ ESTÁ
EM FESTA”
O anúncio chamou minha atenção. Ao menos era sobre frutas e não
vegetais.
Continuei a ler a notícia.
Fênix Hill é conhecida pela sua calma e por uma cultura que traz
consigo um dos mais aclamados festivais vespertinos do estado.
O Festival do Pomar.
Desde a fundação da cidade, em 1990, o festival acontecia
anualmente, trazendo consigo a tradição dos pratos derivados das doces
maçãs do pomar principal da cidade. Várias famílias se reúnem, recebendo
turistas de todas as partes do estado à procura das melhores tortas de maçãs
da região. Entre biscoitos de maçã, geleia, bolos e doces, o carinho com que
cada alimento é preparado com certeza é o diferencial da cidade. Um
diferencial que quase foi perdido.
Há cinco anos, o festival seria cancelado. Um episódio na economia
da cidade que ficou marcado como virada temporal. A crise em que a
prefeitura se encontrava não permitiria a realização do evento anual, que
seria uma quebra na história da cidade. Entretanto, como em um dos filmes
da Broadway, o jovem senhor Mathews surgiu em meio a fios de esperança,
agarrando a causa da cidade e estabelecendo fundos o suficiente para que o
evento pudesse acontecer. Ao ser procurado para uma entrevista, ele se
negou a fornecer qualquer tipo de informação e disse apenas:
“Se há alguém que deva ser lembrada, essa é Lucinda Mathews,
minha avó.”
Entende-se que a avó do jovem Mathews tenha relação com sua
generosa doação. Josh Mathews é responsável pela maior empresa atuante
hoje na cidade de Fênix Hill no ramo automobilístico, gerando renda aos
trabalhadores contratados e turismo a região, que recebe diariamente
diversas pessoas àprocura de sua mecânica especializada, a Black Bird. A
história cultural da cidade apenas cresce desde então.
Homem é flagrado roubando os lençóis do varal de sua vizinha...
Parei de ler no instante em que a matéria terminou. Eu não podia
acreditar no que estava escrito ali, então reli o enunciado que continha apenas
uma foto de um parque de diversões repleto de pessoas.
Era ele. Era dele que a matéria falava. Josh. Dono da mecânica-que-
mais-parece-uma-boate-de-stripper.
Precisava admitir que fiquei muito impressionada pela história que
acabara de ler. Ele não tinha só os olhos mais lindos que eu já vi. Também
tinha um coração lindo e aquilo era o bem mais precioso que alguém poderia
possuir.
Mais uma vez me senti tola por achar que se tratava de uma boate.
Carolyne trouxe meu almoço e eu comi cada garfada com os
pensamentos ainda presos na notícia do jornal. Incrivelmente me senti tentada
a conhecer aquele pomar tão famoso na cidade. Mas em meu íntimo, por
algum motivo que eu ainda desconhecia, queria conhecer também o dono da
mecânica em frete a minha nova casa. Quais sentimentos aqueles olhos
escondiam? Quais segredos?
Arregalei os olhos quando percebi por onde meu pensamento me
guiava. Eu não sabia lidar com meus próprios segredos. Como poderia sequer
tentar descobrir os dele?
Terminei meu almoço no instante em que Ben entrou pela porta da
lanchonete.
Mary organizava algo dentro do caixa. Corri os olhos de um para o
outro, percebendo a semelhança. Os olhos profundos, o sorriso convidativo e
os cabelos lisos e esfiapados eram exatamente iguais.
— Veja se já querem pedir, July — ela se dirigiu à atendente morena
enquanto apontava para um casal sentado à minha direita.
Carolyne também veio em minha direção, segurando um jarrinho
onde havia um botão de rosa branco e reluzente plantado, ainda com
gotículas de água em suas pétalas, como se tivessem acabado de ser regados.
— Que lindo! — comentei enquanto Carolynedepositava o refratário
transparente bem à minha frente. Ben se sentou ao meu lado e Carolyne à
frente. — Já vi em vários lugares colocarem um botão de rosa cortado para
enfeitar as mesas, mas dentro do próprio vasinho, vivos, é a primeira vez.
— Foi ideia da Mary. — Carolyne remexeu-se na cadeira. — Antes
também usávamos um botão de rosa todas as manhãs, como uma tradição. E
ao final da tarde tínhamos vários botões ainda lindos indo para o lixo.
— Que triste. — Comprimi os lábios.
— Demais. — Ela suspirou. — Agora, com eles plantados, ainda
podemos ver sua beleza sem destruí-la.
— Uma ideia incrível.
— Agora se tornou uma tradição. — Ben apoiou os braços na mesa,
ficando mais próximo de nós duas, como se revelasse um segredo. — Cada
rosa trazconsigo o brilho de um dia. Quando elas morrem, morre também a
alegria daquele dia. Agora, com os botões sempre vivos, a rosa se renova e
todo o ambiente ao redor é renovado também.
— Que profundo! — Carolyne deu uma risada e eu a acompanhei,
sem deixar de notar o sorriso tímido que Ben me lançou.
— E aí? — Recostei-me na cadeira macia. — O que costumam fazer
nestacidade? — questionei,curiosa.
Ben e Carolyne começaram a explicar tudo que havia de melhor na
cidade e poderiam muito bem ser guias turísticos.
“Um parque romântico aos fundos da cidade, onde, de cima deuma
roda-gigante dava quase para tocar as estrelas.”
O relato de Carolyne me deixou curiosa, a não ser pela palavra
“romântica”, deveria ser um lugar muito especial.
— Tem também o pomar da cidade. Um lugar lindo e gigantesco —
Ben continuou. — Posso te levar lá, se quiser. — Carolyne sorriu, alternando
as pernas por baixo da mesa, o que me deixou em alerta o suficiente para
reprimir a minha vontade de conhecer o tal pomar.
— Ah, tem também as arrancadas mensais! — Carolyne bateu uma
palminha no ar.
Ah, aquilo sim me interessava!
— Anny não deve gostar desse tipo de coisa. — Ben desferiu um
olhar duro em direção a ruiva a nossa frente que imediatamente perdeu o
sorriso.
— Está enganado — afirmei. — Eu costumava frequentar as
arrancadas em Natanville com frequência. Adoraria conhecer. — Ele revirou
os olhos.
— Aposto que em Natanville era muito mais organizado —
reclamou. — Aqui você só vai ver um monte de idiotas querendo se matar.
— Não é bem assim — Carolyne protestou. — Josh mantém tudo
muito organizado... — O brilho novamente escapou por seus olhos. Ben
bufou em resposta e rapidamente Carolyne se colocou de pé. — Eu sinto
muito, Anny, mas preciso voltar ao trabalho. — Ela ajeitou o avental
vermelho. — Espero te ver mais vezes e desejo que melhore logo.
Carolyne desapareceu em meio as bancadas altas que evadiam para
dentro da cozinha sem me dar ao menos chance de agradecê-la como deveria.
— O que foi isso? — Virei-me para Ben.
— A Carolyne fala demais, às vezes. — Ele passou as mãos pela
barba que estava por fazer.
— Talvez o problema seja você. — Encarei seu olhar cheio de
dúvidas.
— Como?
— Percebi a forma que tratou a garota desde que ela tocou no
assunto das arrancadas. — Coloquei o meu lenço sobre a mesa, abri minha
carteira e depositei ali o dinheiro do suco e do almoço, incluindo também a
gorjeta. — Não deveria ser tão rude. Homens assim perdem grandes
oportunidades.
Uma raiva estranha preencheu meu coração. Mulheres como
Carolyne, bondosas, gentis e amorosas, tendiam a sofrer na mão de caras
como Ben, que não conseguiam ver o que estava diante dos seus olhos.
Seria possível que ele não enxergasse como Carolyne olhava para
ele? Era nítido até para mim que mal conhecia os dois. Ela exalava paixão
pelos olhos, e aquela paixão fluía direto em direção a Ben. Eu reconheceria
aquele olhar em qualquer canto do mundo.
— Sinto muito, você está certa! — ele alegou quando tentei me
levantar. — Vou me desculpar com a Carolyne.
— E eu vou ao mercado fazer compras — respondi com um sorriso.
— Parece que o dia vai ser cheio.
— Posso te levar até o mercado. — Ele se levantou.
— Não, obrigada. — Sentia os olhos de Carolyne em nós por trás do
balcão. — Vou até minha casa buscar meu carro.
— Faço questão — ele insistiu. — O mercado fica longe. Quase na
divisa da cidade, mas para quem mora aqui e conhece os atalhos, é muito
rápido.
Olhei-o com desconfiança.
— Vai, aceita. — Ele uniu as sobrancelhas. — É uma forma de me
redimir, afinal, fui desnecessariamente rude.
— Podemos chamar a Carolyne para nos acompanhar? —
pedi,ciente de que se ele era filho de Mary, também poderia ter algum tipo de
voz ativa naquele lugar.
Ben pensou por pouco mais de cinco segundos e quando eu segurei
minha carteira prestes a desistir da oferta, ele se levantou.
— Mãe, se importa se a Carolyne nos acompanhar ao mercado? —
Ele me olhou comprimindo os olhos. — Precisaremos de ajuda.
— Desculpas aceitas. — Sorri para ele que provavelmente não fazia
ideia do que a garota sentia.
Pude confirmar minhas suspeitas no caminho. Notei que Ben tinha
por Carolyne um carinho diferente, algo como uma irmandade e também
descobri que Carolyne era mais alegre e agitada do que eu havia imaginado, e
muito, muito engraçada. Ela ria de tudo e acabava nos influenciando a rir
também.
Depois de uma longa corrida pela cidade e várias curvas indo e
vindo, chegamos ao grande mercado central. As laterais abrigavam um
estacionamento gigantesco e como todo lugar em Fênix Hill, o mercado
estava supermovimentado.
Carolyne me guiou pelos corredores, indicando onde ficava tudo
desde verduras frescas a salgadinhos gordurosos.
— Vinho também? Estedaqui é o melhor. — Carolyne ergueu a
garrafa no ar e no mesmo instante eu reconheci o rótulo que me fez passar a
maior vergonha da minha vida na noite anterior. — Ele só é mais forte que os
outros, mas é fabricado aqui e...
— Acho melhor não. — Sorri, desviando da oferta e ela deu de
ombros, guardando a garrafa.
— Talvez seja uma escolha boa. Não me lembro muito do que
aconteceu da última vez que tive um porre desse vinho.
Ai, Carolyne, se soubesse o quanto eu te entendo...
Meu carrinho estava quase cheio quando Ben surgiu ànossa frente
com uma lata de refrigerante. Seus olhos acinzentados adquiriram um tom
mais escuro sob as luzes fracas do lugar.
— Acharam tudo? — Ele abriu a lata de refrigerante e antes que
pudéssemos responder, uma pequena explosão aconteceu na mão de Ben e
um chafariz se formou ànossa frente.
Gotículas de refrigerantes voaram para todos os lados, escorrendo
em sua maioria pela cara do homem que permanecia paralisado, incrédulo,
assim como Carolyne e eu.
Um sussurro furtivo escapou por meus lábios e então, foi impossível
conter a risada alta que rasgou minha garganta. Comecei a rir, sendo
acompanhada por Carolyne. Quanto mais Ben praguejava, mais nós riamos.
Cheguei a me apoiar em uma gôndola de hortifrutis para não cair no
chão sem forças.
Olhei para Carolyne que se divertia em uma inocência amorosa livre.
Sem temer o que quer que acontecesse com seu coração dali em diante.
Cheguei a invejar aquele sentimento, o de alegria incontestável.
Ben entrou na brincadeira e jogou gotas de refrigerante em nossa
direção.
— Ei!
— Para! — reclamamos em uníssono.
— Mas que merda é essa? Estão malucos? — Uma voz irritada
pisoteou nossas risadas.
Busquei com os olhos o rompante de toda aquela grosseria e
encontrei uma jovem, extremamente ruiva, assim como Carolyne,
esbravejando no meio de nós com alguns alimentos integrais na mão.
Algumas gotas do refrigerante-possuído respingaram nela e sua blusa branca
mostrava os vestígios das poucas gotículas.
Ben abriu a boca, provavelmente para se desculpar, mas a garota
passou por ele esbarrando o ombro nele propositalmente.
— Sai do meu caminho — esbravejou a maluca e como uma
tempestade inesperada, da mesma forma que ela chegou, ela despareceu.
— Mas que revolta é essa, gente? — brinquei, enxugando as gotas
que haviam caído sobre mim.
No mesmo instante, percebi o rosto amargurado de Carolyne.
— Sinto muito, Anny. — Ela vivia se desculpando.
— Você não tem que se desculpar pela grosseria dos outros. —
Empurrei meu carrinho até o caixa sendo seguida pelos dois.
— Aquela estúpida é minha irmã — admitiu em um tom baixo.
— Sério? — Não conseguia acreditar. Apenas os cabelos ruivos
eram iguais.
A garota que passara por nós exalava uma aura negativa.
Completamente diferente da doceCarolyne.
— Somos irmãs por parte de pai.
— Rachel é o demônio em forma de gente.
— Ben! — chamei sua atenção. Mesmo que estivesse certo, ela era
irmã de Carolyne.
— Não se preocupe, ele está certo. — Ela me ajudou a embalar as
compras e então caiu em um silêncio profundo.
A cura para o tédio é a curiosidade.
Não existe cura para a curiosidade.
Ellen Parr

Entramos na rua Five que parecia ainda mais barulhenta desde que
eu saíra. Pelo pouco que eu tinha visto, o carro azul de Ben não tinha metade
da potência dos motores que frequentavam a Black Bird e eu acreditava que o
meu também não.
— Você poderia morar em um lugar melhor, mais silencioso — Ben
sugeriu quando estacionou seu Subaru em frente àminha casa. — Eu mesmo
encontraria fácil uma nova casa para você.
— O silêncio é dolorosamente barulhento, Ben — admiti. — Posso
me incomodar com o barulho, mas prefiro isso ao silêncio.
No mesmo instante que coloquei os pés para fora do carro, meu
olhar cruzou com os olhos de gato do vizinho. Dessavez ele me observava
com cautela. Podia jurar que vira algo estranho em seu rosto que estava
contorcido, como se sentisse dor. Os braços se mantinham cruzados acima do
peito em uma posição ereta e atenta.
Carolyne desceu do carro atrás de mim e ergueu timidamente a mão
em direção ao meu vizinho que declinou a cabeça em resposta.
Obviamente eles se conheciam, afinal, era uma cidade pequena.
Ben, diferente de Carolyne, pegou o maior número de sacolas que
conseguiu carregar e subiu as escadas da varanda sem olhar para trás.
Colocamos todas as compras na bancada em minha pequena cozinha
e eu prometi estreá-la em breve. Carolyne olhou curiosa para os cômodos da
casa enquanto Ben sustentava um beiço enorme.
— O que está acontecendo com ele? — sussurrei em direção a ela,
atenta para que Ben não me ouvisse.
— Ele e o Josh não se dão muito bem — ela sussurrou de volta. —
Depois eu te conto — prometeu.
— Precisamos voltar! — Ben se apressou.
— Tem certeza de que não querem comer alguma coisa? — Ergui as
mãos. — Juro que sei cozinhar, um pouco.
— Terei que recusar seu convite. — Ele caminhou em direção a
porta. — Perdi o apetite — sussurrou.
Tanto eu quanto Carolyne trocamos olhares receosos.
— Obrigada por tudo! — Abracei os dois enquanto os observava
seguir em direção ao carro novamente.
O vizinho continuava ali, parado como uma estátua, encarando Ben
como se ele fosse um monstro.
O que diabos aconteceu entre eles?
Bem, eu não tinha nada com aquilo. Meus problemas bastavam para
uma vida inteira, não podia me dar ao luxo de me preocupar com problemas
alheios.
Fechei a porta de vidro com cautela e caminhei até a cozinha.
Encontrei um mar de sacolas que não se guardariam sozinhas. Era hora de
começar a me mexer.
Depois de pouco tempo, já tinha acabado de organizar toda a minha
cozinha e o restante das minhas caixas de mudança. Agora tudo estava em
seu devido lugar.
Joguei-me no sofá, planejando o que eu faria dali em diante.
Estudando minhas possibilidades para recomeçar a minha vida.
Minha mente voava pelos últimos anos que vivi, os anos bons. Por
incrível que parecesse, em certos momentos em me lembrava de Caleb e do
momento em que o conheci. Seu carinho e sua atenção eram mágicos, como
um pavio em uma gigantesca fogueira. Tudo em mim reluzia ao toque dele.
Meu corpo o amava, meu coração o idolatrava e talvez esse tenha sido meu
maior erro.
Em algum momento entre lembrar o passado e sonhar com o futuro,
eu adormeci. Quando voltei a abrir os olhos, saltei assustada sobre o sofá ao
notar que havia uma lua gigantesca exposta no céu. A luz entrava pela janela
e banhava a sala em um tom claro como uma lanterna. Meu coração estava
acelerado.
Bufei e respirei fundo.
Só quem sofria de ansiedade sabia o quão terrível era aquela
sensação de acordar com um palpitar estranho no peito, como se nada
estivesse no lugar. Como se faltasse uma parte importante de você.
Fechei os olhos e os apertei com força. Aquela não era a melhor fase
da minha vida.
A falta de apetite, falta de sono, tremedeira após pesadelos e em
alguns momentos até a falta de ar... aqueles eram alguns dos sintomas que eu
andava sentindo, mas acreditava fielmente que, com muito esforço,
conseguiria lidar com aquilo. Não seria a primeira vez que eu sofria daquele
mal, assim como não seria a primeira vez que eu conseguiria passar por tudo
aquilo.
Espreguicei-me empurrando duas almofadas que foram colocadas
propositalmente ao meu lado para que eu as abraçasse e decidi confirmar se
no meu mundo real, aquele que realmente importava, estava tudo bem.
Agarrei meu celular e liguei para meus pais para matar a saudade de
escutar a voz desesperada da minha mãe, colocando-me a par de todas as
trapalhadas em que meu pai se metia e questionando cada um dos meus
segundos vividos em Fênix.
Descobri que os Iron, time de futebol americano do qual Bruce era
capitão, estavam organizando seus jogos no estádio central em Natanville, o
que tomava todos os minutos do dia de Bruce.
Bruce me ligava frequentemente, esperando ansioso pelo dia em que
os campeonatos acabassem e ele pudesse vir logo me visitar. Pedi a ele e aos
meus pais que me dessem um pouco de tempo. Eu precisava respirar sem ter
ninguém me encarando com aquela cara de dó que todos eles
inconscientemente desferiam em minha direção.
Foi difícil conseguir o consentimento de todos os três quando decidi
me mudar para Fênix. Minha mãe começou a chorar, meu pai ficou irritado e
não parava de falar, mas Bruce... ah, com ele foi pior, muito pior.
Quando contei meus planos ele apenas ficou me encarando, sem
dizer uma única palavra desde que eu informei que iria sair da cidade, então
combinamos que depois das finais dos jogos de Bruce, nos reuniríamos em
Fênix Hill.
Ainda faltava um bom tempo. Comecei a me perguntar se resistiria
ficar todo aquele tempo longe das pessoas que eu mais amava na vida.
— Tá bom, mãe. Eu também te amo — prossegui e desliguei depois
de prometer me alimentar bem.
Assim que finalizei a ligação, disquei os números de Megan, minha
prima e melhor amiga.
— Pensei que fosse ter que aparecer em Fênix Hill atrás de você!
Ela reclamou assim que atendeu.
Conversar com Megan sempre levantava meu astral. Ela era uma
mistura humana de felicidade e energia positiva e isso me dava a certeza de
que eu desligaria o telefone me sentindo mais leve.
Não fazia ideia do quanto eu estava enganada.
Confessei a Megan o porre que eu havia tomado. Contei exatamente
tudo, desde o momento em que sentei no pufe até os biscoitos de coração
junto com um pequeno e significativo bilhete que não saia da minha mente.
Ela implorou que eu tivesse cuidado, tanto com bebidas, quanto com caras
gatos de queimar os olhos.
— Ele trabalha em uma mecânica, Anny.
— E o que tem isso? — Comprimi os olhos.
— Quer coisa mais “filme erótico” do que o vizinho gostoso que
trabalha em uma mecânica e fica o dia todo suado, sem blusa, com os
músculos à mostra como se esfregasse bem na sua cara? — Dei uma risada.
— Muito clichê, né?
— Pois é, não gostamos de clichê! — ela retorquiu, ainda parecendo
preocupada.
— Um bom clichê tem seu lugar, sabe disso — provoquei.
— Anny! — vociferou. — É sério, quero que tome cuidado. Por
favor.
Megan acompanhou de perto por tudo o que passei. Chorou comigo
enquanto tentava colher minhas lágrimas e me ajudar. Ela foi um grande e
confiável porto seguro em que me agarrei com todas as forças e eu sabia que
seu nervosismo exagerado naquele momento era fruto do medo que ela tinha
de que eu sofresse novamente. O que só me fazia amá-la ainda mais.
— Eu prometo que tomarei cuidado. — Ela suspirou fundo e quando
recomeçou a falar, sua voz assumiu um arrepiante tom sombrio .
— Preciso te contar uma coisa — começou —,mas não quero que
surte.
— O que foi? — A preocupação fez com que meu coração
acelerasse e meus dedos se prenderam ao aparelho celular de forma que nos
tornamos um só.
— O...C-Caleb... ele apareceu no hospital onde trabalhava.
Fiquei em silêncio, tentando assimilar tudo que ela dizia.
— Há um novo médico por lá, um neurocirurgião que assumiu a
vaga que ele tinha no hospital. Um tal de Fred. — Ela parou por um
segundo, como se criasse coragem para prosseguir. — Ele o atacou, Anny.
— O quê? — sussurrei em choque.
— Caleb o encurralou no estacionamento e o atacou com um
canivete. — Ela também diminuiu o tom, enquanto meu coração batia tão
fracamente que eu poderia estar morta naquele exato momento.
— Ele o matou? — A pergunta surgiu em um rompante desesperado.
— Não, mas acho que pensou que o homem estava morto. — Megan
soltou uma rajada de ar. — O médico foi encontrado entre a vida e a morte e
quando acordou, conseguiu relatar tudo o que tinha acontecido. Fora
algumas câmeras de segurança que capturaram imagens de Caleb saindo do
hospital.
— E-eo-o que o médico disse? Por que ele o atacou? — Demorei
para conseguir me estabilizar.
— O médico disse que ele o atacou dizendo que a culpa era dele.
Apenas repetia isso e que faria com que todos pagassem — revelou e um frio
serpenteou minha coluna.
— A polícia foi acionada, mas novamente... ele não foi encontrado.
Ainda estão procurando por ele.
Sentei-me no sofá, sentindo as pernas bambearem.
— Ele fugiu de novo. — Era inacreditável.
— Não encontraram o carro dele desde a primeira tentativa de
prisão. — Ela soltou uma baforada de ar que ressoou pelo telefone.
Meu chão desabou.
— Bruce não me disse nada — falei baixo demais. — Ninguém da
minha família falou qualquer coisa. Por que não me avisaram?
— Eles não querem que se preocupe com isso e eu deixei claro que
acho isso um absurdo. — Um silêncio irrompeu no meio de nós.
— Anny, todos sabemos como sua saúde anda fragilizada e sejamos
realistas. — Ela chamou minha atenção. — Seus pais acreditam fielmente
que Caleb nunca iria te procurar ou tentar qualquer coisa contra você
novamente e até Bruce vive nessa ilusão, como se você estivesse na cidade
mais protegida do mundo. — Prendi a respiração, ciente do que viria depois
daquelas palavras. — Eles estão ignorando o número de mulheres que
morrem dia após dia, assassinadas pelosex — prosseguiu. — Nós duas
sabemos do que Caleb é capaz. Ele perdeu tudo aquilo que mais valorizava e
se ele foi capaz de atacar um homem que sequer o conhecia só porque o cara
herdou o cargo que pertencia a ele, o que faria se colocasse as mãos em
você? — Sua voz embargou e eu sabia que ela estava certa.
Caleb me culpava.
Ele me culpava por ter perdido o emprego. Culpava-me por ter que
fugir da polícia, culpava-me por ter me batido, culpava-me por eu ter perdido
o nosso bebê.
Ele sempre me culpava por todos os seus próprios erros.
Engoli seco.
—Tenho medo de que ele vá te procurar — falou sentida.
— Ele nunca vai me encontrar aqui.
— Ainda assim, tenha cuidado. Não diga a ninguém onde está
morando, está bem? Evite a qualquer custo todo contato com redes sociais
ou o que for. — Ela fez uma pausa. — E não diga a eles que sabe. Sua
família já está preocupada demais, deixa que eu te atualizo de tudo e se
precisar de algo, qualquer coisa, não hesite em me ligar. Já estou
psicologicamente preparada para me mudar pra esse fim de mundo se
precisar.
— Obrigada por tudo, Megan — falei pausadamente, segurando o
choro. — Preciso te pedir mais uma coisa. A última, eu prometo.
— O que foi? Pode pedir, qualquer coisa. Se for pra matar alguém
eu já sei onde podemos enterrar o corpo. — Ela se agitou e me fez dar uma
risada.
— Não preciso que mate ninguém. — Ouvi um murmuro que mais
me pareceu um “droga” ecoando no fundo da ligação e dei mais uma risada
da brincadeira de Megan. — Cuida do Bruce para mim?
— Não me peça algo assim! — ralhou. — Ou realmente teremos um
corpo para enterrar, estou prestes a matá-lo... — Ela deu uma risada fraca e
fungou o nariz. Naquele momento eu soube que ela segurava o choro, assim
como eu. — Estou com saudades.
— Não me fale em saudades, Megan. — Meu peito ardeu, doeu e se
revirou de inúmeras formas.
— Em breve passarei uma temporada com você em Fênix. — Sua
voz alto-astral tomou as rédeas da conversa em um rompante. — Essa cidade
vai ficar pequena para nós duas.
— Pequena ela já é! — brinquei. — Obrigada, Megan. Eu te amo!
— Com todas as minhas forças.
Garanti a Megan que cuidaria da minha saúde e não me preocuparia
com Caleb todos os malditos segundos da minha vida, mas em vez daquilo,
estava na internet procurando algum anúncio de jornal sobre o ocorrido no
hospital central de Natanville.
Para meu desespero, havia uma matéria completa com imagens das
câmeras de segurança onde um homem completamente vestido de preto era
nitidamente pego em flagrante esfaqueando a sangue frio o médico que
estava caído no chão. Eu não conseguiria dormir direito pelos próximos dias.
Meus pensamentos iam e vinham. Perguntando-me qual fora o
momento exato em que descobri quem Caleb realmente era.
Se eu pudesse voltar no tempo... questionei-me enquanto juntava os
lixos da cozinha em uma sacola e os levava para fora. A brisa da noite tocou
meu rosto suavemente enquanto eu me perdia ainda mais em pensamentos.
Como eu me meti naquilo? Como minha vida foi se transformar da
água para o vinho daquele jeito?
Ergui a mão, perdida em pensamentos e soltei a sacola de lixo no
que eu achei que fosse a lixeira.
Só me dei conta de que tinha jogado a sacola em cima da casinha de
cachorro abandonada no quintal da casa de Kenny quando o saco rolou
alguns centímetros e uma risada baixa me despertou do transe em que me
encontrava.
— Opa, vizinha! — Mais uma vez, lá estava Josh, agora fechando a
porta da entrada da mecânica e usando uma blusa preta sob uma jaqueta da
mesma cor que escondia seus braços e todo o pacote músculos-tatuagens que
o acompanhava. — Eu acho que a lixeira fica para lá — apontou para a
direita em um movimento sutil —, a menos que tenha redecorado a casinha
de cachorro.
Meu rosto queimou tanto que eu poderia jurar que tinha me
transformado em um fósforo humano.
— Eu me distraí. — Ergui a mão, sem graça e logo em seguida
capturei a sacola mais uma vez, levando-a até a verdadeira lixeira sob os
olhos atentos de Josh...
Quando joguei a maldita sacola em seu devido lugar, dei uma
espiada na direção do meu vizinho só para constatar que ele ainda me
encarava. No mesmo instante ele sorriu e continuou a me observar como se
lesse cada um dos meus passos. Caminhei o mais rápido que pude até entrar
em casa mais uma vez.
Será que todos os meus dias seriam assim? Ele parecia mais lindo
cada vez que eu olhava para ele.
Que inferno!
Entrei em casa e fui até a cozinha preparar um chá quente, ainda
enfurecida pela minha capacidade de passar vergonha na frente do vizinho.
Sentei-me no sofá e escancarei as cortinas, o que me permitia ter
uma visão límpida do céu, que agora estava carregado por nuvens escuras.
Levei a xícara de chá àboca e soprei a fumaça que se erguia. Meus
olhos pousaram em um short curto que estava jogado sobre o sofá. Uma das
peças que eu pensei em usar naquela manhã e provavelmente havia esquecido
ali.
A imagem do short abandonado me fez relembrar algo.
Há um ano e meio eu não sabia o que era usar short ou nada que não
cobrisse por completo minhas pernas. Tudo porque meu namorado, meu
futuro noivo, detestava aquele tipo de roupa. Eu podia usar o que quisesse,
desde que fosse para ele e somente para ele.
“Você quer mostrar seu corpo para outro homem? Quer chamar
atenção?”
Não!,era o que eu respondia inocentemente, preocupada que de
alguma forma eu pudesse tê-lo ofendido.
“Então por que faz isso? Acha que eu mereço isso? Eles vão te
olhar, Anny, e eu não vou aceitar isso. Quer usar esse short mostrando sua
bunda, pois use. Só não reclame depois.”
“Eu não quero ver você brigando com ninguém, Caleb. Ainda mais
por minha causa. Se te incomoda tanto, em cinco minutos troco de roupa e já
saímos.”
Naquela época eu não me sentia mal.
Na verdade, não sentia absolutamente nada.
Era tão natural que um namorado sentisse ciúmes ou receio.
Chegava a ser bonitinho a proteção excessiva que ele depositava em minha
vida. O que eu não sabia na época era que Caleb colocava as mãos no meu
pescoço todos os dias e apertava um pouco mais a cada nova permissão que
eu dava, a cada nova concessão que eu fazia, até que o ar começou a faltar em
meus pulmões.
E então, era tarde demais para voltar atrás.
Lembrava-me do sorriso alegre de Caleb sempre que eu aceitava
suas condições. Todas elas, sem discutir, sem questionar. Em minha cabeça,
ele me amava mais que o próprio ar e por isso se preocupava e tinha ciúmes.
O monstro que eu viria a conhecer estava armando sua teia e eu, caindo sem
perceber.
Dei mais uma golada no chá quente, perdendo o prazer ao saboreá-
lo. Lembrar de Caleb tinha uma capacidade incrível de me abater e destruir o
que quer que existisse de bom em meu peito.
Apoiei a cabeça no sofá e deixei o silêncio me naufragar.
Fiquei ali, parada, prestando atenção apenas na minha respiração
quando um som leve irrompeu meu precioso minuto de silêncio.
Ergui a cabeça e tentei identificar que som era aquele. Estava
distante, transformando-se quase em um sussurro perdido na noite.
Fique de pé. O sentimento de expectativa irradiando por meu peito.
Era o músico misterioso que me fez ficar intrigada noite passada.
Abri a porta de vidro da entrada de casa, causando um barulho a
mais na noite gélida e percorri com o olhar toda a rua vazia, iluminada por
postes de luzes brancas e claras, mas ainda assim, não encontrei
absolutamente nada nem ninguém, assim como na noite anterior. Franzi os
lábios...
Aquela música era tão linda, tão dedicada e doce que era capaz de
transmitir a sensação de paz para qualquer coração que a escutasse, porém,
quem a tocava não cantava. Aquilo me deixava intrigada e de certa forma
decepcionada.
Torci os lábios e fechei a porta às minhas costas, tomando uma
decisão nada sensata. Mas o sopro de vida que atingiu meu peito com a ideia
fez tudo valer a pena.
Daquela vez eu descobriria de qual canto do mundo vinha aquele
som.
Porque até as estrelas queimam
Algumas também caem sobre a terra
Temos muito a aprender
Deus sabe que somos dignos
Não, eu não desistirei
I Won't Give Up - Jason Mraz

Desci os degraus em silêncio, evitando chamar a atenção do músico


misterioso. Atravessei a rua, encolhendo-me, sendo açoitada pelo vento que
estava vigorosamente mais forte. Parei um instante, desejando ter a audição
de um gato e saber qual direção deveria seguir.
Por fim, percebi que o som vinha da lateral da mecânica. Uma
pontada de expectativa fez meu coração dar um salto contra a caixa torácica.
Passo a passo, caminhei em direção a melodia que ficava cada vez mais alta e
nítida.
Ao lado da mecânica havia uma varanda iluminada por uma luz
fraca aos fundos, escondida pela lateral das paredes imponentes daquele
lugar. Coloquei os dedos sobre a dobra da parede e estiquei o pescoço, como
uma criança espiando enquanto brinca de pique-esconde, e então eu o vi.
Josh.
Sentado em uma cadeira de ferro sob uma grande árvore larga e
folhosa, ele se concentrava no objeto negro entre seus braços. Seus olhos
mantinham-se focados em um ponto imaginário no chão e mal se moviam,
como se estivesse hipnotizado. Uma linha de expressão subia no meio de sua
testa enquanto os lábios permaneciam comprimidos. Os dedos dançavam
ágeis sobre as cordas do violão como se o instrumento fizesse parte do seu
corpo. Uma veia pulsava quente em seu pescoço e alheio a minha presença,
ele continuou tocando sem deixar escapar nem uma palavra sequer.
Seus lábios relaxaram um pouco e quando atingiu o ápice da música,
lentamente um sorriso iluminou seu rosto. Era algo tão verdadeiro, profundo
e lindo que quando me dei conta, eu sorria da mesma forma.
Logo meu sorriso se desfez quando percebi o quão absurdo aquilo
era.
Espionar meu vizinho era o cúmulo. Eu tinha que desaparecer dali,
mas não sentia vontade de fazê-lo.
Dei um passo para trás, obrigando-me a ser um pouco mais sensata e
um barulho de algo se partindo destruiu meu disfarce felino.
O som do violão parou. Apertei os olhos, ciente de que ele havia
escutado o galho quebrando sob os meus pés desastrados.
— Taylor? — Ele se levantou e veio em minha direção, desejei,
como mágica, tornar-me o tal do Taylor, seria menos vergonhoso.
Meu coração acelerou desesperado. Como eu explicaria aquela
espionagem descarada?
— Opaaaa! — Ergui as mãos ao céu lentamente, como se a minha
existência espionando das sombras fosse uma surpresa agradável.
Mas que diabos de “Opaaaa” era aquele, meu Deus?
— Anny? — O espanto em seu rosto era nítido.
Ele comprimiu os olhos que assumiram um tom platinado. Suas íris
mais escuras do que de costume, associada a jaqueta e calças pretas, davam a
ele uma aparência de astro do rock ou de um maníaco frequentador de
cemitérios. Ainda estava me decidindo qual das duas personalidades se
encaixariam melhor.
— Sim! — respondi alto demais e continuei com o braço erguido
como uma idiota. — É que, a noite... a noite estava...— Tentei gesticular.
Merda. Esqueci como se fala?
— Fria? — ele completou, recostando-se na beirada da mecânica
com um sorriso fino no rosto.
— Olha, eu juro que não estava te vigiando e garanto que não sou
nenhuma psicopata — soltei como um raio. — Quer dizer, na verdade, eu te
observei, sim. — Seu rosto todo se contorceu em um sorriso largo e aberto.
— Mas foi pelo som, por isso vim aqui. Precisava saber quem tocava.
Parei para respirar.
— E gostou do que encontrou? — Meu rosto pegou fogo. Nem frio
eu sentia mais, tamanha era a vergonha.
— Era você tocando naquela noite — Concluí,encarando seus olhos
que pareciam ler minha alma em silêncio. Ele meneou um aceno
confirmando. — Eu... sinto muito por chegar sem avisar... — Idiota, idiota,
idiota.
— Não sinta. — Josh correu os olhos do violão para mim. — Preciso
de alguém para me dizer se esse som está bom ou não. Quer me ajudar? —
elerevelou erguendo o violão no ar. — Em troca, eu garanto que não vou
pensar que você é uma criminosa psicopata, fugitiva da polícia.
— Como? — Joguei a cabeça para trás em uma gargalhada. — Eu
não sou nenhuma psicopata.
— Prove! — Ele caminhou de costas até se sentar mais uma vez na
cadeira de ferro e me apontou uma cadeira idêntica ao seu lado.
Sentei ao seu lado enquanto meu estômago entrava para o circo e
dava infinitas cambalhotas me deixando meio zonza. Ele mantinha os olhos
penetrantes em mim.
— Por quevocê não... canta? — quebrei o silêncio, questionando a
maior das minhas dúvidas.
— Eu canto. — Ele sustentou meu olhar. — Não com a mesma
frequência que toco, mas sim, eu costumo cantar.
— É quase errado tocar tão bem e não lançar nem uma palavra para
acompanhar a melodia.
Eu desejava ouvir seu timbre e descobrir qual era a extensão da sua
voz. Como a melodia surgiria em seus lábios. Como eu me sentiria ao ouvi-
la.
Sem que eu percebesse, uma obsessão nasceu naquela noite em que
eu apaguei bêbada na varanda da minha casa. Primeiro, a necessidade de
saber quem tocava, agora, o desejo de ouvir aquela voz. Será que eu
realmente me tornara uma psicopata?
— Acredito que se deva cantar quando sua alma pede — ele
concluiu encostando o cotovelo sobre os joelhos. — Quando existe algo a
mais, entende? Um motivo para cantar. — Balancei a cabeça, concordando.
Pensando daquela forma, fazia anos que eu não tinha um motivo real
para cantar. A melodia desapareceu da minha vida, talvez por isso eu
precisava escutá-la dos lábios de outra pessoa e quem sabe, encontrar minhas
próprias notas musicais.
— Ou quando sua vizinha aparece no meio da noite e começa a te
espionar. — Seu comentário veio seguido de uma piscadela. Encolhi-me,
ainda sem saber onde enfiar a cara de tanta vergonha.
— Eu acho que já te incomodei demais. — Comecei a me levantar.
— Sinto muito!
— Não, espera! — Ele agarrou minha mão com cautela. Meus pés
brecaram no mesmo instante. — É só uma brincadeira, fique, por favor.
Pensei por um segundo, observando seus olhos curiosos, chamativos,
conversando diretamente com todas as células do meu corpo. Foi naquele
momento que tomei uma decisão, a princípio tola, mas que significava mais
do que eu poderia imaginar.
— Eu fico... se você cantar! — pedi.
Ele escorregou a mão até que nossos dedos parassem de se tocar e eu
pude respirar novamente.
— Eu canto. — Ele voltou a se sentar e posicionou o violão no colo.
— Com uma condição.
— E que condição seria? — Joguei-me receosa na cadeira fria.
— Quero que traga seu carro na minha mecânica amanhã.— Ergui
as sobrancelhas, desconfiada e a minha expressão duvidosa fez com que ele
prosseguisse. — Quando levei seu café da manhã naquele dia, percebi uma
mancha de óleo próximo ao pneu. Ele precisa de uma revisão.
— Ah, sim! — Ele sorriu e, pela primeira vez desde que me viu,
desviou o olhar e encarou as cordas do seu violão. Um frio percorreu meu
corpo, como se agora eu estivesse sozinha. — Trarei logo pela manhã. Agora,
cumpra o que prometeu.
— O que quer ouvir? — Seus olhos recaíram sobre mim e
novamente me senti aquecida com o breve contato. A sensação de ter uma
companhia era reconfortante.
— Surpreenda-me! — Mordisquei os lábios escondendo a
expectativa.
Ele alinhou o corpo, dedilhou algumas cordas e logo o som invadiu e
coloriu a noite escura. Cruzei as pernas, observando-o, admirando sua
habilidade com o violão. Admirando os seus dedos dançando e demorando-se
ali, sua postura impecável, seu maxilar contraído, seu rosto quadrado, firme e
compenetrado, seus olhos azuis brilhando e erguendo-se em minha direção.
Engoli em seco. Ele era a visão perfeita, quase um anjo. E quando
seus lábios se abriram, tive a certeza de que todo o céu cantava junto com ele.
Uma voz rouca e de timbre forte surgiu de forma colossal, suprimindo os
sons da noite e quem sabe até mesmo do meu coração acelerado.
Meus lábios se abriram e logo eu os fechei antes que babasse bem
ali. Entre as frases soltas, ele me lançava olhares furtivos e sorrisos tortos,
exibindo descaradamente um charme tão natural quanto a beleza do seu
sorriso.

When I look into your eyes


It's like watching the night sky
Or a beautiful Sunrise

Quando olho em seus olhos


É como observar o céu à noite
Ou um belo nascer do sol

Josh seguia cantando palavra por palavra da música I Won'tGiveUp


do Jason Mraz, fazendo meu coração dançar sob o som mais maravilhoso que
já ouvira. Percebi que estava com os olhos fechados quando o som parou,
mas o que me espantou foi o sorriso pregado em meu rosto. Eu me sentia
feliz e protegida por aquela voz, por aquela companhia.
De certa forma, eu estava mais viva. Mais do que nos últimos dias e
aquilo me surpreendeu.
— Meu Deus! — Coloquei a mão sobre a boca. — Você é um cantor
incrível. — Ele sorriu de lado e percebi que ficou sem graça. — Você está
com vergonha? Não é possível!
— Eu não estou com vergonha! — Deu uma gargalhada que deixou
sua pele clara meio avermelhada.
— Está sim! — Apontei para ele. — Olha só, nem consegue me
encarar. Parece um tomate! — O jogo virou, não é mesmo?
Ele ergueu o olhar em minha direção, mantendo um vinco no meio
das sobrancelhas.
— Eu nunca cantei para uma pessoa assim — admitiu, passando os
dedos entre os cabelos.
— Nunca cantou em público? — Eu duvidava muito disso.
— Já cantei em público. — Ele largou o violão em um canto. —
Nunca cantei para uma mulher, sozinhos como agora. É a primeira vez,
parece maior do que realmente é.
— Me sinto honrada! — Arrebitei o nariz em um agradecimento
exagerado. — Mas se for para ficar com vergonha, vamos começar pela parte
que eu me escondi bem ali para te ver tocar, como uma psicopata fugitiva da
polícia prestes a te atacar. — Apontei o lugar que fora meu refúgio.— Isso
sim é vergonhoso.
— É, você é bem... peculiar. — Ele riu alto.
— Ei!
— Estou brincando. — Seu corpo se reclinou em minha direção. —
Fiquei feliz que veio. Não tive mais contato com você desde a noite da
varanda-vinho-o-que-está-acontecendo-Deus... Sabe?
Dei mais uma gargalhada.
— Você me viu umas três vezes, só hoje.
— Ainda assim, não sei absolutamente nada sobre você. — Seus
olhos recaíram sobre meus lábios e uma tensão estranha se estabeleceu sobre
nós, ou melhor, sobre mim.
— Teremos outras chances para conversar. — Levantei-me em um
pulo. — Agora, eu preciso ir.
— Eu te faço companhia até em casa. — Ele se pôs de pé.
— Sim, até aquele lugar distante que costumamos chamar de “O
outro lado da rua”. — Rimos juntos enquanto Josh caminhava ao meu lado.
Os nossos passos ocuparam o vazio do silêncio entre nós, então
antes que perdesse a coragem, perguntei algo que rondava minha cabeça.
— É uma noite fria e... — comecei, enquanto ele mantinha as mãos
enfiadas nos bolsos — ... por quevocê não toca na sua casa ou dentro da
mecânica? Por queali? Na varanda, no frio?
Ele suspirou fundo e encarou o caminho pela rua àfrente.
— Ali me sinto inspirado. — Sua resposta gerou mais um milhão de
perguntas em minha cabeça. — Não sei explicar, mas era o lugar favorito de
alguém muito especial e acabou se tornando meu lugar de inspiração, de
calma. Para uns não passa de um alpendre na frente da minha casa, mas eu
ainda consigo ver minha avó ali, sentada, observando os vizinhos. Aquela era
a casa dela quando ainda era solteira. Depois que se casou, ela passou a vir
em Fênix apenas a passeio. Todos os anos. E eu vinha com ela. Ficávamos
sentados por horas naquela mesma varanda. — Ele voltou a cabeça em
direção à mecânica. — Quando minha avó Lucinda se foi, eu a comprei,
construí a mecânica na frente e mantive a sua casa, atrás.
— Eu sinto muito. — Uni as mãos em frente ao corpo.
— Já faz alguns anos. — Ele parou na entrada da minha casa, ao
lado do meu Impala.
Seu olhar contemplativo me mostrava o quanto ainda sofria com
aquela perda.
— Isso não significa nada. — Dei de ombros. — Existem perdas que
são para sempre. Feridas que não cicatrizam, dores que não passam. —
Encarei meus próprios pés.
— Parece que você fala por experiência própria. — Ele não fazia
ideia do quanto.
Eu era uma daquelas pessoas. Quebradas, marcadas. Que sempre,
por mais que os anos se passassem, teria motivos pelos quais me arrependeria
e perdas infindáveis em minhas costas, assombrando-me.
— Seu carro é uma peça de colecionador. — Ele fugiu do assunto
quando notou o meu silêncio e escorregou a mão pela lataria do meu Impala.
— Sabe disso, não é?
— Foi um presente de família. — Toquei com os dedos a lataria
preta do carro que me acompanhava há anos. — Meu pai e meu irmão
encontraram um presente perfeito.
— Um ótimo gosto, por sinal.
— Eu sou uma mulher de paladar único, senhor Mathews — zombei
titubeando os pés no asfalto. — Com meu carro não seria diferente.
— Gostou dos biscoitos, senhorita paladar único? — Ele deu a volta
no carro sem me encarar nos olhos. — Não me disse nada. Pensei ter errado o
sabor.
— Foram os melhores biscoitos que eu já comi. — Era verdade. —
Minha mãe não sabe cozinhar nada que não tenha bacon. Então... — ergui as
mãos.
— Onde eles estão? Sua família? — ele sussurrou recostando a
cabeça na janela do carro para observar o interior.
— Eu...— Deveria dizer a verdade? Não me restava muito do meu
passado, a não ser a pouca dignidade que eu ainda carregava. Não precisava
ser uma mentirosa. — Eles estão em Natanville, mas eu precisava de ar do
campo, algo afastado da cidade grande. Um tempo para mim, sabe?
— Entendo. — Deu de ombros. — Você precisa saber que morar em
Fênix é diferente e às vezes difícil de se acostumar. — Depois de ver e rever
meu carro, ele finalmente se aproximou de mim. — Também venho da
cidade grande e digo por experiência própria que se não criar raízes, logo vai
enlouquecer. Precisa se sentir em casa para continuar a viver aqui.
— E como fez para se sentir em casa?
— Fiz amigos que hoje estão mais para irmãos. — Josh escorou no
carro, mantendo o corpo a centímetros do meu.
— Então preciso fazer amizades.— Prendi o cabelo em um coque
alto.
— Já tem a minha! — Ele se virou. — Se isso for te ajudar a ficar
por aqui.
— É um começo — sussurrei.
— Um belo começo. — Novamente seus olhos estavam em meus
lábios e eu desejei que permanecessem ali por mais tempo.
Minha sanidade resolveu me abandonar e em um súbito de razão,
tomei as rédeas do meu corpo e dos hormônios desesperados por carinho que
me conduziam a um caminho sem volta.
— Amanhã eu levo o carro. — Afastei-me.
— Vou esperar por você. — Ele sorriu cruzando os braços. — Posso
te fazer apenas mais uma pergunta?
— Claro!
— É um V8? — Apontou com os olhos para meu carro.
— Está me perguntando se eu conheço o motor do meu carro? —
Cruzei os braços. — Porque claramente você sabe a resposta. — Meneei a
cabeça em direção à mecânica.
— Não se preocupe — ergueu os ombros —, não é algo que as
pessoas saibam com frequência!
— Pode ser provável que alguém tenha um Impala 1967, um
automóvel de colecionador, e ainda assim não saiba que ele possui a potência
de 380 cavalos. — Dei um passo para trás. — Mas quando você ama seu
carro como se fosse um membro da família, você tem a obrigação de saber
algumas coisas. — Parei, ciente de que tinha sua total atenção. — Um motor
V8 de 6,7 litros precisa de mais cuidados, me corrija se eu estiver errada.
Exatamente por isso atualizei os pneus com rodas de peruas, molas e
revestimentos de freios metálicos e... sintetizados. — Tombei o corpo em sua
direção e sussurrei: — Feitos por encomenda. Se não fosse por isso, senhor
Mathews — arrastei seu nome prendendo a última palavra no céu da minha
boca —,omotor poderia alcançar 5.800 rotações por minuto, mas o carro iria
dançar em desacordo com as rodas. — Suspirei vitoriosa.
— Você já tem emprego? Porque eu posso te arrumar uma vaga na
mecânica! — falou alegre, porém seus olhos arregalados revelavam a
surpresa.
Senti uma onda de alegria percorrer meu corpo e antes que me desse
conta, sorria novamente. Era tão bom poder conversar sobre coisas que
amávamos.
— Parabéns! — Josh diminuiu em dois passos a distância que existia
entre nós. — Você realmente sabe do que está falando. — Encarei seu rosto
alto diante de mim. Seu perfume logo alcançou minhas narinas, amadeirado,
delicioso. — Por onde você andou todo esse tempo? — Sua voz transformou-
se em um fio quase inaudível.
— Parece que andei por vários lados a minha vida toda e ainda não
me encontrei em lugar nenhum! — admiti.
— Talvez seu lugar seja mesmo aqui! — Meus olhos estavam presos
aos dele.
Um silêncio quente e cheio de perguntas se instalouem nosso meio.
— Boa noite, Josh! — As palavras saíram com dificuldade.
Ele deu um passo em minha direção, segurou minha mão e me
puxou para um abraço que me pegou desprevenida. Estremeci quando seus
lábios tocaram meu rosto e resisti a vontade de fechar os olhos quando seu
perfume se fixou em mim, mais forte do que já sentira. A barba por fazer
roçou em minha pele, causando um arrepio estranho.
— Durma com os anjos! — Com toda certeza eu dormiria.
Lentamente ele me soltou e eu fugi para dentro de casa o mais rápido
que eu pude sem olhar para trás, enquanto meu coração batia no estômago,
revirando tudo.
Que merda de sentimento era aquele?
Não passávamos de novos amigos e com toda certeza eu conseguiria
ser amiga de um cara lindo-carinhoso-voz-de-anjo-olhos-de-céu sem
problema nenhum. Precisava apenas de um banho para organizar minhas
ideias e dormir.
Isso... dormir, com os anjos.
Será que eles eram tão lindos quanto Josh?
Garota, esse seu olhar, esses seus olhos,
Seus lábios, seu sorriso
Seus quadris, suas coxas
E eu não posso negar
Quero fugir com você
Mesmerize - JaRule

A fumaça da minha xícara de café trilhava no ar um caminho infinito


até o céu enquanto eu permanecia escorado na entrada da mecânica como no
dia anterior.
A noite passada ainda reverberava em meu interior. Mal conseguia
acreditar que tinha mesmo cantado para uma garota que até então não passava
de uma total estranha.
O pior daquilo tudo era que eu tinha amado a sensação. Algo quente
tomou meu peito quando vi o brilho que surgiu em seus olhos junto com
aquela canção. Era o tipo de coisa que fazia qualquer esforço valer a pena, até
mesmo cantar para uma desconhecida. E era em busca daquele olhar arredio
que eu estava ali, em uma manhã que, se não fosse a vontade de vê-la
novamente, eu ficaria escondido sob duas camadas de cobertas bem quentes
pelo menos uma hora a mais do que meu horário permitia.
— Vamos no Teat hoje? — Taylor se aproximou repentinamente,
arrastando-me para a realidade, convidando-me para o rock bar mais animado
da cidade.
Na verdade, o único rock bar da região.
— Talvez. — A falta de ânimo em minha voz era palpável.
— Qual é... — elereclamou, cruzando os braços. — Você não fez
porra nenhuma ontem à noite e não vai fazer nada hoje também?
— Você não...
— Quer virar uma múmia velha e fedorenta? Ou pior, ficar igual a
mãe do Jake vendo aquelas séries antigas e rindo como se aquilo ao menos
fizesse sentido? — Não tive a chance de me explicar. — Gatos, cara. Em
breve você terá quarenta gatos e uma bengala e não aproveitou a vida direito.
— Taylor ergueu as mãos ao ar, exagerado como sempre.
— Vai se foder! — Dei uma risada levando a xícara aos lábios.
— Deveria gostar, em breve serão suas únicas companhias. —
Suspirou como se tomasse uma decisão muito séria. — Não vamos deixar. —
Ele balançou o dedo em riste em minha direção. — Ou vai por bem, ou eu
arrasto essa sua bundinha até lá.
— Josh quer ficar em casa de novo? — Olhei por cima do ombro e
Jake caminhava em nossa direção com o andar pacato e arrastado de sempre.
— Eu não pretendo ficar em casa. — Meus olhos não desgrudavam
da casa da minha vizinha. — Tenho planos diferentes.
— E desde quando você esconde alguma merda da gente? — Jake
reclamou parando àminha direita.
Ele mal havia fechado a boca quando a porta de madeira da casa da
frente se abriu. Meu corpo retesou, minhas costas endireitaram como se
alguém as alinhasse. Prendi a respiração quando ela desceu os três degraus da
varanda e sorriu em minha direção.
Seus cabelos estavam soltos, livres pelo vento da manhã, negros
como a noite mais escura, ainda assim, traziam um brilho diferente. Ela
brilhava. Percebi que sorria feito um tolo quando Anny entrou em seu carro,
saindo da minha visão e Jake deu uma gargalhada.
— Tá pegando a vizinha? — Taylor apoiou o braço no meu ombro.
— Claro que está. — Jake ainda ria.
— Não! — Escorracei Taylor do apoio do meu ombro.
— Tá pegando sim, filho da puta. Olha pra sua cara.— Taylor deu
um soco no meu ombro. — Nem falou nada. A garota chegou não tem nem
uma semana e você já marcou a merda do território.
— Não existe nada entre nós — admiti,nervoso, ainda que não
gostasse daquela realidade. — Parece que somos amigos. Ontem acabamos...
— Pensei sobre o que deveria contar ou não. Aquilo viraria um inferno na
minha vida.
— Transando na mecânica... — Jake concluiu. — Mano, se você
usou minha cadeira de novo eu vou arrancar suas bolas.
— Vai se foder, Jake. — Revirei os olhos. — Ela só me ajudou em
uma opinião sobre o timbre de voz, música e coisas desse tipo. — Além de
ter tirado minha concentração e, por Deus, meu fôlego com aqueles lábios
volumosos e perfeitos.
A expressão de susto que Anny me encarou quando a descobri
escondida, observando-me, era impagável. Os olhos arregalados como uma
coruja pareciam querer saltar para fora das órbitas, a voz alta e desajeitada,
quase gaga para ser mais preciso e por fim, seus lábios, movendo-se ligeiros
em uma tentativa de se explicar. Precisei me esforçar para prestar atenção no
que ela dizia, tamanha era a hipnose que ela causou sobre mim.
— Se você disser que cantou ontem ànoite eu juro, pela mãe
bigoduda do Jake, que eu vou te dar uma marretada.
— Porra, Taylor! — Jake reclamou. — Ela gosta de ser natural.
— Não tem nada natural em um bigode daquele tamanho — Taylor
retrucou com seu humor ácido.
— Ela está vindo até a mecânica — interrompi o assunto sobre os
bigodes da mãe do Jake antes que os dois começassem a se matar. — Se
fizerem qualquer gracinha, eu mato os dois. — Apontei de um para o outro.
— Os dois.
Jake torceu os lábios em minha direção.
— Nossa! — A voz de Taylor surgiu como um sussurro à medida
que Anny se aproximava dirigindo seu carro. — Ela é mesmo linda.
— E sexy! — Jake completou.
— Os dois! — Lembrei-os trincando os dentes, sem deixar de notar
que atrás do volante do Impala mais foda já criado, existia uma mulher de
faces ocultas, ainda desconhecida por mim, mas extremamente linda, da voz
doce e olhar profundo, lábios ondulados e cílios pesados.
Como não olhar? Como não desejá-la? Tudo nela estava atraindo
cada célula em meu corpo.
Inferno!
— Pode vir! — Taylor sacudiu a mão e apontou para a entrada da
mecânica, mostrando o caminho pelo qual Anny deveria passar. — Joga pra
esquerda — orientou. — Isso aí, garota!
Anny freou o carro e abriu a porta causando um burburinho no meio
dos trabalhadores da PORRA DA MINHA MECÂNICA. Aquilo me tirou do
sério. Ainda que nossos clientes fossem 99% homens, mas toda e qualquer
mulher que entrasse ali deveria ser respeitada da mesma forma.
— Querem manter o emprego, não é? — avisei rodando no mesmo
lugar e imediatamente os comentários sobre ela cessaram. — Será que vou
ouvir mais alguma merda?
O silêncio me respondeu.
Nossa equipe de funcionários era formada por moradores de Fênix
Hill. Homens e garotos — tínhamos dois aprendizes — extremamente
treinados e capacitados. Cursos e especializações custeadas pela própria
Black Bird. Eu tinha os melhores, formados em prol da Black e o resultado
vinha sendo incrível. Tornamo-nos amigos, companheiros do dia a dia e
vizinhos, de uma forma ou de outra. Ainda assim, existia a hierarquia que me
permitia ser o chefe quando necessário fosse. E aquele momento para mim
era necessário. Não queria que Anny se sentisse desconfortável.
— Ele está de mal humor hoje — Taylor se dirigiu a Anny que tinha
a face e o busto vermelhos como as maçãs do pomar de Fênix. — Eu sou o
Taylor, o sócio mais legal da Black Bird. — Ele abriu seu melhor sorriso
cafajeste e estendeu a mão na direção da garota.
Safado!
— Nem de longe! — Jake interviu. — Ele é insuportável. Logo você
vai perceber.
— E você é o... — A voz dela surgiu doce, baixa, tímida.
— Jake. Meu nome é Jake. — Ele alternou as pernas, mostrando
mais uma vez a timidez repentina que o consumia quando percebia que uma
mulher o encarava nos olhos.— Isso aí... Jake — repetiu.
— Ela entendeu, Jake-Jake-Jake! — brinquei e observei meu
segundo sócio ficar ruborizado.
Anny sorriu, aliviando a tensão em seu olhar.
— É um prazer, Jake! — Ela inclinou a cabeça para o lado e tanto
Jake quanto Taylor se afastaram alguns centímetros se colocando àdisposição
e começando a analisar o Impala.
— Eu, caso não se lembre, sou Josh Mathews! — Fiz uma pequena
reverência, sentindo os olhos dos meus amigos em mim. Foda-se! — Ao seu
dispor.
— Eu me lembro de você... — Ela comprimiu os olhos e estreitou os
lábios carnudos. — Você é o homem da varanda-vinho-o-que-está-
acontecendo? — Ela sorriu!
Meu Deus, que sorriso lindo!
— Como eu poderia me esquecer? — brincou.
— Devo ter causado uma boa impressão na senhorita de paladar
único...
— Você me comprou com biscoitos. — Ela ergueu os ombros e
estreitou os olhos. — Não posso dizer que foi algo justo. Jogou baixo, bem
baixo.
— São biscoitos em forma de coração. — Seus olhos me
observavam com curiosidade. — E deliciosos. Faz ideia do sacrifício que eu
fiz para não comer aqueles biscoitos antes de chegar na sua casa? Mereço
uma recompensa.
Ela jogou a cabeça para trás rindo e logo tapou a boca com a mão.
Desejei tirar aquela mão dali, afinal, ela bloqueava a visão que eu tinha
daqueles lábios.
— Eu juro que vou descobrir onde você comprou aqueles biscoitos e
te devolvo a gentileza.
— Em vez disso... — Decidi colocar em prática a ideia que surgira
em minha mente durante a madrugada que passei pensado naquela garota até
apagar de cansaço. — O que acha de sair comigo hoje à noite?
— Desgraçado, eu sabia! — Escutei Taylor sussurrar de dentro do
Impala enquanto Jake abria o motor e me senti tentado a jogar seu corpo
dentro do capô do carro e fechá-lo ali dentro pelo resto da sua vida
intrometida.
— Eu... não sei — foi a resposta da garota de olhos negros e
profundos àminha frente.
Que diabos aquilo significava?
— Sabe que isso não é bem uma resposta, não é? —
brinquei,abrindo as mãos no ar. — Vamos lá, juro que não vai se arrepender.
Seu corpo se contorceu, suas pernas se agitaram no mesmo lugar,
alterando o peso do corpo e por um segundo pensei que ela fosse concordar...
ledo engano.
— Talvez outro dia. — Ela ergueu as sobrancelhas e o sorriso
brilhante que habitava seu rosto desapareceu.
Naquele momento eu percebi que não adiantaria insistir. De
qualquer forma eu não faria isso, não se a insistência custasse seu sorriso.
— E até lá, o que fazemos? — arrisquei.
— Até lá, você cuida do meu carro. — Ela me jogou um olhar
brincalhão. — É sério, é como se ele fosse da família.
— Cuidarei dele com minha vida!
— Agradeço por isso. — Anny se virou em direção a saída e um
vazio preencheu meu peito. Acompanhei-a de perto, pensando em um milhão
de motivos e desculpas que a fizessem ficar por um pouco mais de tempo. —
Quanto fica? A revisão. — Virou-se já com os pés do lado de fora da Black
Bird.
Seus olhos estudavam os detalhes da mecânica com curiosidade,
indo e vindo entre uma viga e outra.
— A primeira revisão é por conta da casa. — Reclinei meu corpo,
escorando-me na parede ao nosso lado.
— Faz isso com todos os seus clientes? — A suspeita percorreu seu
rosto fino e desenhado. Garota esperta!
— Com todos que me espionam durante a noite! — brinquei.
— Vai me lembrar disso pelo resto da vida, não é mesmo? — Seu
sorriso tomou conta do meu peito.
— Até o dia em que resolver sair comigo.
Percebi a inquietação voltar ao seu corpo.
— Sem pressão, claro. — Abri a boca antes que ela escapasse entre
meus dedos como na última noite.
— Sabe... — Ela deu um passo em direção a rua e se virou em
minha direção como se estivesse com vergonha de falar. — A Carolyne, do
RedCoffee, me disse que existem arrancadas na cidade.
— Sim. — Arqueei as sobrancelhas, curioso. — Eu organizo uma
arrancada por mês.
— Quando é a próxima? — Ela abraçou o corpo contra o vento leve
da manhã.
— Daqui a dois dias. — Mil perguntas surgiram em minha mente.
Ao menos a principal eu deveria fazer. — Gostaria de vir conosco?
— Você disse que precisamos criar raízes para se acostumar com a
cidade. — Ela ergueu as mãos no ar enquanto eu analisava cada uma das
palavras que rolavam por seus lábios. — Não consigo me lembrar de um
momento em minha vida em que eu não assistisse a arrancadas em Natanville
com meu irmão. Pode ser um início. Algo que me aproxime de... casa. —
Sua voz quase desapareceu quando falou a última palavra. — E sim, eu
gostaria de ir com vocês.
Não sei dizer o que aconteceu dentro do meu peito, mas parecia que
uma vitamina estava sendo feita com meus órgãos. Tudo se remexia de
ansiedade. Aquela garota era uma caixinha de surpresas.
— Será um prazer te acompanhar. — Até meu timbre de voz soava
diferente. — Tenho certeza de que vai adorar.
— Acho que sim. — Ela entrelaçou os dedos. — Quando o Impala
fica pronto? Preciso dele para chegar até o local.
— Posso te levar no meu carro.
— Não quero te incomodar e também vou levar a Carolyne. — Um
suspiro fugiu por meus lábios. Então não seria apenas nós dois. Que se dane,
estar perto dela seria interessante o bastante, sozinhos ou não. — Se não tiver
problema.
— Problema nenhum. — Aproximei-me, sentindo seu corpo cada
vez mais perto do meu. — Fica pronto hoje à noite.
— Posso vir buscá-lo? — Ela estava escapando mais uma vez.
— Quando quiser. — Sem controle, aproximei-me um pouco mais e
toquei sua mão. — Estarei esperando. — Inclinei-me e toquei seu rosto com
meus lábios, sentindo a pele macia de Anny contra a minha, absorvendo seu
perfume, sua respiração, o toque de seus dedos. Tudo como se nada mais
existisse a não ser aquela simples e longa despedida.
Quando me afastei ela ainda tinha os olhos fechados e eu me
perguntava por quediabos eu não a beijava ali mesmo.
Porra, quando foi a última vez que eu me senti atraído por uma
mulher a ponto de querer beijá-la no meio da minha mecânica? Em pleno
expediente?
Nunca!
Quando Anny abriu os olhos, eu entendi. Era aquele olhar que me
repelia. Ela se afastava e fugia de mim em todas as oportunidades que tinha.
Na noite anterior senti algo subir por minha espinha quando a beijei, também
no rosto, assim como sentira agora. Dessavez ela retribuiu a despedida e não
saiu correndo, mas eu sentia que mais um segundo e ela faria exatamente
isso.
Tinha alguma coisa errada com ela ou comigo. O problema poderia
ser eu. Então me lembrei do dia que vi Ben sair da casa dela, como se fossem
bons amigos.
— Até logo! — Ela se afastou e perdi o contato quente com os seus
olhos grandes e profundos.
Ergui a mão em sua direção, despedindo-me silenciosamente,
sentindo um ciúme estranho crescer em meu peito.
Será que Ben ousaria falar alguma de suas historias fantasiosas sobre
mim para Anny?
Ah, aquilo seria demais. Eu quebraria o nariz dele se o fizesse.
— Você já viu o Josh dar desconto para alguém, Jake? — A voz de
Taylor me arrancou violentamente dos meus pensamentos e quando me dei
conta, estava cercado por eles.
— Não, que dirá uma revisão inteira gratuita. — Continuaram o
joguinho. — Mas sabe o que eu vejo?
— O quê?
— Um idiota cheio de tesão reprimido — Jake completou.
— Pro inferno, vocês dois!
Saí do meio dos dois e entrei na mecânica com Taylor em meu
encalço.
— Parceiro, o que tá rolando?
Olhei de Taylor para a entrada da mecânica de onde eu tinha a visão
da casa de Anny.
— Eu não sei. — Trinquei o maxilar, sendo pego por aquela
realidade. — Não sei, Taylor. Ela é...
— Gata, gostosa, com todo respeito, claro... — Jake interviu. — Mas
não passa disso, mano.
— Gata e gostosa a Rachel também é. — Taylor alcançou a
prancheta com os dados completos dos reparos a serem feitos no Impala. —
Mas nunca te vi olhar assim para ela.
— Não compare a Anny com a Rachel — reclamei,incomodado.
— Você nem a conhece para compará-las. — Suspirei fundo diante
da observação assertiva de Taylor.
— Eu sei, mas... Anny tem uma beleza natural, é simpática,
engraçada, emite uma aura boa e positiva, enquanto Rachel é...
— Rachel é a Rachel. — Jake jogou uma flanela em cima do balcão
de atendimento. — Metida é apelido, mas como você sabe que a Anny não é
exatamente igual a ela? Mal conheceu a garota, cara.
— Só... não compare as duas — afirmei. — Rachel é uma amiga.
Algumas vezes fomos mais que isso, mas já tem um tempo que cada um
seguiu seu rumo.
— Ei, cara, estamos só pegando no seu pé. — Taylor se abaixou e
agarrou uma chave de fenda caída no chão. — Sabe que o que você decidir
da sua vida nós estaremos doseu lado.
— A menos que resolva usar drogas. Aí eu te interno e fim de papo
— Jake disse.
— Só conte as coisas, não precisa esconder nada dos amigos. —
Taylor ergueu os ombros e pareceu ainda mais alto.
— Eu sei que não. — Desviei o olhar. — Só não tinha o que contar.
— E a história das arrancadas? — Jake se inclinou em minha
direção.
— Estavam escutando a conversa, seus filhos da puta?
— Claro! — aresposta foi unânime.
— Parece que ela vai conosco! — A empolgação era nítida em
minha voz.
— Josh tá quase babando, Taylor — Jake zombou. — Olha isso!
Ameacei tacar a primeira coisa pesada que conseguisse alcançar,
ciente de que aquele assunto renderia o dia inteiro. Eu não os julgaria. Estava
assustado com o que sentia por aquela garota misteriosa. Talvez a curiosidade
logo passasse e tudo voltaria ao normal. Até lá, restava-me apenas esperar
nosso próximo encontro.
As cicatrizes nos lembram onde estivemos,
mas não têm de nos ditar para onde vamos.
David Rossi - Criminal Minds

Passei parte da tarde na RedCoffee na companhia de Mary e


Carolyne.
Não imaginei que poderia me divertir tanto. Carol era uma pessoa
incrivelmente engraçada e conseguia me fazer rir com uma facilidade épica.
Nos divertíamos até mesmo do nervosismo de Mary ao tentar descobrir em
que lugar do planeta Ben havia se enfiado.
— Ele saiu cedo e nem atender a porcaria do telefone aquele menino
desnaturado quer. — Ela xingava enquanto passava um pano por cima do
balcão pela terceira vez em uma hora. — Não tenho mais idade para me
preocupar assim. — Sua voz soou tão estridente que ao fim da frase a própria
Mary deu risada.
Eu ficaria preocupada com Ben se Carolyne não me dissesse que era
quase um costume dele fazer isso.
— Da última vez ele apareceu aqui com uma namorada metida e
estranha e a apresentou como o amor da sua vida. — Vi a repulsa exposta nos
olhos de Carolyne, assim como a preocupação de que Ben retornasse com
outro “amor da minha vida”.
Carolyne era alta, andava de forma doce, tinha o corpo de uma
Barbie e o sorriso lindo e cativante. Comecei a me perguntar se Ben era
merecedor daquele amor platônico e cheguei à conclusão de que não, não era.
Alguns corações tinham um senso de humor inacreditável. Eu sabia
que minha nova amiga estava perdida em uma ilusão que pelo visto não daria
em nada e aquilo doía em mim, não queria que ela sofresse. Decidi que
aquele seria o momento oportuno para fazer um convite especial.
— Carolyne... — Sacudi a mão para que ela me visse. Com graça,
ela se sentou no banco acolchoado à minha frente e cruzou as pernas,
encarando-me com seus olhos cor de mel. — Quero te fazer um convite.
— Ah, que ótimo! — Ela bateu palminhas no ar. — Topo qualquer
coisa para sair desse tédio. Menos cometer algum assassinato. Eu posso até te
dar cobertura, mas odeio ver sangue, então... — Deu de ombros, fazendo-me
rir e me lembrar imediatamente de Megan e sua disposição para enterrar
corpos.
— Não preciso que mate ninguém... ainda! — zombei. — Quero
companhia para ir às arrancadas. — Seus olhos se arregalaram e uma euforia
contida correu por seu rosto.
— Tá falando sério? — Ela levou o pano ao rosto, tapando a boca
que provavelmente estava aberta. — É claro que eu vou. — No mesmo
instante em que confirmou, uma sombra triste tomou conta dos seus olhos. —
Só tem um problema.
— E qual é?
— Eu não posso chegar em casa muito tarde — revelou. — Minha
mãe é enfermeira do Hospital Central de Fênix e esta semana ela vai trabalhar
no turno da noite. — Ela ergueu um cardápio solto na mesa. — Preciso tomar
conta do meu irmão mais novo, meu padrasto precisou visitar a cidade dos
pais e não está em Fênix. Não tem ninguém pra ficar com ele.
— Podemos levá-lo! — sugeri.
— Nem pensar! — ela respondeu em uma velocidade
impressionante.— Só me daria mais trabalho.
— Ainda assim, isso não é um problema. — Cruzei as mãos sobre a
mesa. — Posso te deixar em casa. Você vai chegar no horário.
— Perfeito. — Um vinco se formou entre suas sobrancelhas
desenhadas. — Você decidiu ir às arrancadas assim... do nada?
— Na verdade... — Carolyne era uma boa amiga e eu sentia muita
falta de confidenciar a alguém meus segredos e inseguranças. — Eu
perguntei a Josh quando seria a próxima arrancada e ele me convidou para
acompanhá-lo.
Ela comprimiu os lábios e estreitou os olhos.
— O que foi?
— Ele é quase irresistível — completou por fim, soltando um
suspiro ameno.
— Quase? — curiosa, perguntei.
Em momento algum eu encontrei o tal do “quase”. Para mim, ele
andava sendo irresistível por completo e aquilo me dava medo.
— É que tem outra pessoa ocupando o espaço de irresistível no meu
coração. — Seus olhos correram em direção a vidraça lateral da lanchonete,
encarando o asfalto à frente. — Não consigo pensar em outra pessoa, mas
ainda assim, Josh é um cara muito legal. Muito querido por todos. — Ela fez
um barulho com a garganta. — Ou pelo menos, quase todos.
Aquela era a minha deixa.
— O que aconteceu entre ele e o Ben?
Tentei ser discreta, mas parecia uma adolescente prestes a descobrir
o segredo da vida, enquanto minhas mãos tensas se apoiavam na mesa.
— O que dizem de quê? — Ela estava distraída. — Se for sobre os
ovos cozidos, não acredite! — Carolyne ergueu o dedo no ar.
— Quê? Não! — Balancei a cabeça. De onde ela tirava aquelas
coisas?
— Ah, então esquece os ovos. — Sorriu. — O que foi?
— Sobre Josh e o Ben — sussurrei.
— Ahhhhh! — Ela contorceu o nariz e se sentou junto a mim. — Eu
vou te contar a versão real das coisas, mas prefiro que evite dizer que foi eu
quem te contou. Ben tem outra versão e eu não... acredito muito na dele,
sabe?
Balancei a cabeça confirmando, ansiosa por saber qualquer tanto que
fosse.
— O que aconteceu foi que Ben namorava uma garota muito linda.
Nada gentil, ou simpática. A maluca que se tornou o amor da vida dele em
segundos. — Ela fez um beiço. — A bandida parecia uma modelo que, por
sinal, quase nunca vinha até Fênix e quando vinha, não passava a noite.
Ninguém a conhecia, que dirá saberem que estavam juntos.
Ela parou para tomar fôlego e prosseguiu:
— Até Mary duvidava do relacionamento dos dois, até que um dia,
Ben anunciou o noivado e nos mostrou a aliança e tudo mais. — Seu rosto
chegou a perder a cor e eu me arrependi por ter feito que ela revivesse toda
aquela situação. — Ben a visitava regularmente. Ela era uma garota de cidade
grande, com pais ricos, um carro caríssimo laranja, chamativo, e um dia, ela
precisou arrumar alguma coisa no carro, algo que Ben não conseguiria fazer
na mecânica da Red. — Meu peito se apertou. Era a minha vez de ficar um
pouco pálida.
— Ela não só foi até a Black Bird como, de acordo com as más
línguas, ela se encantou pelo dono do lugar. — Seus olhos percorreram o
balcão, assegurando-se de que não éramos ouvidas. — Não apenas uma vez.
— Ela estava traindo o Ben? — questionei, furiosa.
— Debaixo do nariz dele. — Carolyne balançou a cabeça várias
vezes em afirmação. — Quando Ben descobriu foi um choque.
— Como ele descobriu?
— Ele percebeu que ela sempre tinha um pretexto para ir até a Black
Bird. — Seus olhos se comprimiram. — Para mim, no fundo ele sabia —
admitiu. — Foi um reboliço danado. Mecânica contra mecânica. Josh jurou
não saber do envolvimento dos dois e foi apoiado por seus amigos,
funcionários e até alguns vizinhos mais íntimos, mas Ben não comprou essa
versão. Era mais fácil depositar a culpa nos outros do que admitir que
entregou o coração para a pessoa errada.
Uma sensação estranha permeou meu peito.
— Nem sempre tudo que é bom também é o que queremos, ou
merecemos. — Soltei um ar pesado pelas narinas.
— O ser humano tem uma mania meio masoquista. Só pode —
concluiu, levantando-se para ajudar Mary com as clientes que acabaram de
chegar.
Fiquei perdida em pensamentos, sem saber ao certo o que deduzir
sobre toda aquela história quando mais uma vez os sinos ressoaram pela
lanchonete. Ben entrou pelo lugar com a maior cara lavada do mundo, como
se ninguém estivesse preocupado com seu paradeiro.
— Boa tarde, moças! — Sorriu em minha direção. Lancei-lhe meu
melhor olhar de “Você está ferrado” e ri alto quando Mary saiu detrás do
balcão com seus poucos metros tomados pela raiva e preocupação.
Ela xingava tanto o rapaz que ele chegou a ficar vermelho. Carolyne
também sorria. Parecia aliviada por vê-lo inteiro e sem nenhum próximo
amor da sua vida por perto.
Balancei a cabeça e comprimi os lábios, notando como a vida era
uma grande roda-gigante. Ora subia, ora descia, mas todos os passageiros
estavam sempre interligados.
Mais tarde, depois de recusar as insistentes ofertas de carona do Ben,
fiz uma lenta e deliciosa caminhada de volta para minha casa. Somente eu,
meus pensamentos e um céu nublado digno de um filme.
Observei as nuvens e como assumiam um tom acinzentado,
eliminando qualquer chance dos moradores de Fênix Hill de ver um belo pôr
do sol. Eu amava o sol, o calor em minha pele, a sensação de vida que as
cores das folhas de árvores assumiam, mas deveria admitir que o tempo
nublado comandava meu coração.
Tomei um banho relaxante antes que a noite se apoderasse do céu
por completo e coloquei meu conjunto de moletom dos Iron. Sentei-me na
bancada da cozinha e tomei uma xícara quente de chá, como de costume.
Meu peito se aqueceu e logo meus pensamentos se voltaram para um lugar
específico, de paredes pretas como uma pantera.
A ponta da Black Bird surgia como o início de um iceberg através da
porta de vidro da entrada da minha casa. Um gélido suspiro irrompeu por
meus lábios ciente de que chegara a hora de buscar meu Impala. Mais um
momento que eu iria vê-lo.
Soprei o chá e tentei, inutilmente, relaxar.
Não tinha visto Josh quando voltei da RedCoffee e cheguei a sentir
uma pontada de desapontamento. Acostumei-me a encontrá-lo ali, agarrado a
uma xícara de café.
Como uma adolescente, todo o meu organismo sentiu uma ansiedade
forte se apossar de mim. Que coisa mais tola. Balancei a cabeça,
inconformada com meu próprio desespero.
Pois bem!
— Vou pegar meu carro e voltar para minha casa. — E esconder-me
embaixo das cobertas. O plano perfeito, ou quase.
Por um segundo retomei o controle sobre a minha vida. Senti-me
confiante, autossuficiente. Aqueles olhos não me abalariam com facilidade,
hoje não.
Todo o meu esforço se esvaiu assim que desci os três degraus da
varanda.
Merda!
Fechei os pulsos, tremendo por dentro.
A cada passo, aproximava-me mais do inevitável. Lembrei-me de
seu tom de voz, de seus olhos, de seu sorriso e antes que realmente
encontrasse com Josh ele já estava materializado em minha mente.
Entrei pela mecânica e estranhei o silêncio no lugar. Já era noite.
Será que o turno dos funcionários tinha acabado?
Passei ao lado de uma Lamborghini, um Audi e uma Mercedes, e só
então encontrei aos fundos da grande mecânica, meu Impala com a porta do
motorista semiaberta. Vi duas pernas escapando por ali, como se alguém
mexesse na fiação do meu carro. Reconheci os tênis pretos da Adidas e logo
soube que era Josh.
Dei mais um passo, ansiando encará-lo frente a frente. Abaixei-me
na altura da janela e o chamei.
— Josh!
E pronto... A coisa toda aconteceu muito rápido.
Em um momento eu o chamava e no instante seguinte ele se
assustava e pulava feito um maluco. A porta de aço do meu carro acertou
meu rosto em cheio.
Perdi o equilíbrio enquanto um som agonizante invadia meus
ouvidos.
Porcaria!
O gosto de sangue tomou meu paladar e enquanto eu caía de bunda
no chão como uma criança, vi minha dignidade cair bem ao meu lado.
Ela está indo em direção a algo que nunca esquecerá
Viver sem arrependimentos é o que ela quer
Night Changes - One Direction

— Santo Deus! — Josh deu um salto com o barulho e quando me


viu no chão pulou sobre mim, segurando meus ombros. Com cuidado ele
envolveu meu pescoço com a mão enquanto eu me forçava a sentar.
Minha cabeça doía enquanto minhas têmporas latejavam. Um som
disforme tomou meus tímpanos e aos poucos foi cessando até desaparecer por
completo.
— Anny, você está bem? — Sua voz estava repleta de dor, assim
como todo o meu rosto.
— Tá... tudo... bem! — menti. — Só estou enxergando dois Joshs.
Isso é normal? — Tentei amenizar o desespero estampado em seu rosto.
— Me perdoa. — Ele deslizou o dorso da mão pela minha face,
acariciando-me. — Eu sou um idiota. Não te vi e acabei me assustando. Que
merda!
Josh se abaixou ainda mais e segurou meu rosto entre suas mãos.
— Como eu não te ouvi chegando? — Suspirou aflito. — Te esperei
o dia inteiro. — Sua voz se agravou enquanto ele encarava um ponto fixo em
minha testa e meu coração começou a bater mais forte a cada centímetro que
ele chegava mais perto.
— Eu vou te levar para o hospital. — Meu corpo petrificou. A dor
em minha cabeça pareceu se intensificar ainda mais, como se meu cérebro
quisesse fugir pelo nariz.
— Não... — quase gritei agarrando sua mão — ... não precisa. Eu
detesto hospitais — disparei e ergui a mão para tocar a testa machucada e
pressionar a dor, mas os dedos firmes de Josh me impediram.
— Está machucada! — Comprimiu os olhos, fazendo com que o
azul de suas íris assumisse um tom diferente. Brilhante e escuro. — Se não
quer que eu a leve a um hospital, vai ter que me deixar cuidar de você.
Suas mãos se envolveram nas minhas, então eu soube, lá dentro do
meu peito, que começava a se aquecer, que queria permitir que Josh cuidasse
de mim.
— Tudo bem! — concordei, seus dedos acariciaram os meus.
— Segure-se em mim!
— O quê?
Antes que eu pudesse raciocinar, Josh envolveu meu corpo com os
braços firmes e me ergueu no ar sem o menor esforço.
— Tenho um kit de primeiros socorros ali atrás. — Sua voz baixa
tocou meu rosto. — Vai servir!
— Sim! — respondi meio tonta com a naturalidade com que ele me
segurava.
Com cautela, ele me sentou em uma mesa de ferro comprida. Fui
cercada por duas pilhas de papéis à direita e uma calculadora à esquerda.
— Espere aqui! — pediu e desapareceu nos fundos da mecânica. Só
então eu consegui voltar a respirar.
Ergui o dedo e toquei o ponto pulsante em minha testa.
— Ai, merda! — reclamei de dor, notando o rastro de sague em meu
dedo.
— Eu falei para não colocar a mão! — Josh ressurgiu sem que eu
percebesse, como um gato astuto. — Pode infeccionar.
Ele colocou sobre a mesa ao meu lado uma maleta grande, branca,
com um sinal de cruz do lado de fora e com a maior naturalidade do mundo,
ele encaixou seu corpo entre minhas pernas. Estremeci diante daquela
proximidade. Entreabri os lábios, mas nenhuma palavra escapou por eles.
— Fica calma, eu vou tomar cuidado — sussurrou, focado no
machucado, alheio ao que seu corpo estava fazendo com o meu. Eu não
conseguia tirar os olhos das tatuagens escuras expostas que se espalhavam
por seus braços e se perdiam camisa adentro. Uma vontade de saber onde elas
terminariam quase me fez suspirar. — Não vai doer.
Lentamente, ele tocou minha pele com o algodão banhado em
antisséptico. Comprimi os olhos esperando o ardor que não veio.
— Não arde! — comentou, como se lesse meus pensamentos. — É
para crianças.
— Você tem um kit de primeiros socorros em uma mecânica com
antisséptico para crianças?
Josh passou os olhos pelo machucado, desceu por meus olhos e
parou em meus lábios, demorando-se ali.
— Eu tenho um quadro de quinze funcionários — como se
despertasse de um transe, ele começou a falar, voltando a me encarar —,
homens fortes, alguns com cara de ex-presidiário, mas que quase choram
quando têm que passar um antisséptico para adultos. — Dei uma gargalhada
e vi sua atenção retornar ao ferimento. — Pode parecer besteira, mas se arder
eles não usam. E para evitar que algum dedo caia de infecção sob minha
responsabilidade, eu adaptei a caixinha de primeiros socorros.
Fiquei encantada com aquela revelação. Ele se preocupava mesmo
com seus funcionários.
Josh era uma caixinha de surpresas que eu estava cada vez mais
inclinada a desvendar.
— Prontinho! — Sua voz dançou em meus ouvidos enquanto seus
braços se apoiavam na mesa ao redor do meu corpo. — Acho que vai ficar
uma marca aí. Eu realmente sinto muito.
Seu rosto foi tomado por vincos, transformando-se em um
emaranhado de preocupações enquanto ele franzia o cenho.
— A culpa foi minha! — admiti. — Sempre chegando sem avisar.
Agora o jeito é ficar com esse curativo horrível na cara. — Dei de ombros. —
Não tem nenhum unicórnio nele não, né? — brinquei, tocando o machucado
de leve e senti a aspereza do curativo pressionando a pele.
— Engraçadinha! — Josh segurou uma mexa do meu cabelo que
estava presa atrás da minha orelha.
Seus dedos soltaram os fios de forma rápida e logo a mexa se
espalhou cobrindo parte do curativo. Ele desceu os dedos pelo meu rosto,
começando pela face, traçando uma linha até meu maxilar causando um
formigamento onde tocava. Com a cautela de quem segura uma rosa, ele
ergueu meu rosto, fazendo-me encará-lo frente a frente. Sua respiração
entrecortada me tirou do sério.
— Com licença! — sussurrou segurando meu cabelo pela nuca.
Todo o meu corpo estremeceu.
Josh ergueu meus cabelos, deixando meu rosto exposto.
— Você é linda, Anny! — Respirou, por fim.
Meu coração batia tão forte que eu poderia jurar que ele o escutava
batucando contra a caixa torácica. Seus dedos enfiados em minha nuca
causavam arrepios e pequenas ondas elétricas que percorreriam todo o meu
corpo.
— Nada, absolutamente nada, conseguiria extinguir essa beleza. —
Ele soltou meus cabelos que se esparramaram pelas costas como um leque.
Mantive os lábios abertos e senti minha língua seca colar contra o
céu da boca. Graças a Deus estava sentada, caso contrário, despencaria no
chão. Minhas pernas tremiam feito ramas de um milharal.
Ele se aproximou e para minha surpresa, eu não me movi. Contra
todas as minhas possibilidades, eu queria que ele se aproximasse.
Josh dedilhou meu braço enquanto o silêncio e a tensão criavam um
espetáculo entre nós. Ele desceu a mão, escorregando por minha cintura e se
fixando ali, mantendo uma distância segura e respeitosa entre nossos quadris.
Minha pele ardia com seu toque, meu corpo tremia de expectativa.
— Você me deixa confuso! — admitiu, por fim.
Sua mão alcançou minha coxa e a apertou entre os dedos. Mordi os
lábios por dentro enquanto um sentimento estranho crescia descontrolado em
meu peito.
— O que... — respira, respira — ... quer dizer com isso?
Ele eliminou a distância entre nossos corpos de uma vez por todas e
encaixou o quadril junto ao meu. Bem no meio das minhas pernas bambas,
trêmulas e ardentes de desejo. Havia uma sensação pairando no ar, algo
diferente de tudo o que eu já senti, como se um imã me atraísse em direção a
ele.
— Eu mal te conheço. — Ele segurou meu rosto, admirando-me com
cautela. — Ainda assim, ando acordando cedo na esperança de te ver pela
manhã. — Arregalei os olhos. — Mesmo que você quase não note minha
presença, eu não consigo abrir mão de ver você antes de o meu dia começar.
Ele se inclinou em minha direção e inerte, fechei os olhos. Josh
tocou meu rosto com um beijo cálido e rápido.
— Seu sorriso tem um efeito estranho em cada uma das células do
meu corpo. É como se elas sorrissem também — continuou.
Não consegui dizer uma palavra sequer. Eu queria gritar que seus
olhos me tiravam do chão, que sua voz despertava o melhor escondido em
meu peito e que desde a manhã dos biscoitos de coração eu me pegava
pensando nele por quase todo o dia e culpava a maldita carência e solidão,
quando na verdade, era apenas meu corpo querendo correr em direção ao
dele.
— Seus olhos são sinceros, reveladores, atraentes. — Suspirou. —
Ainda assim, neste exato momento eu mal consigo olhar para eles. — Ele
acariciou meus lábios com o dedo. — Não agora, com sua boca tão perto da
minha. — Ele sorriu de lado. — A qual mundo você pertence, garota? Com
certeza não veio deste — sussurrou.
Josh apertou minha cintura, torturando-me por um beijo que até
agora eu não tinha certeza de que queria.
Ergui a mão e toquei em seu rosto, deslizando até encontrar seus
cabelos lisos. Enrosquei meus dedos ali. As nossas respirações ficaram mais
pesadas, ele se inclinou um pouco mais, exalando sensualidade. Josh me
puxou pela cintura, deslizando os dedos pela minha pele, fazendo com que
nossos narizes se tocassem enquanto sua respiração banhava meu rosto e seu
quadril pressionava o meu.
Em um segundo, eu voava pelo céu, aguardando o beijo de Josh, no
segundo seguinte, passos pesados me arrastaram para a terra novamente.
— Foi mal, chefe! — Uma voz esganiçada me fez saltar entre as
pernas de Josh e quase cair de cima da mesa.
Um dos homens que eu vira trabalhando mais cedo na mecânica
entrou pela porta semiaberta e se assustou conosco, assim como nos
assustamos com ele.
Josh se afastou de mim e eu senti frio tendo sua pele longe da minha.
Ele se virou para a entrada da mecânica, tampando meu corpo de forma
protetora.
— Quer merda você veio fazer aqui, Rafe? — Sua voz surgiu
contida, com uma boa dose de raiva.
Passei a mão no rosto, queimando de vergonha, despencando sobre a
realidade.
— Esqueci a minha maleta e preciso dela para arrumar meu carro
hoje! — Ele suprimiu uma risada. — Já tô vazando! — O homem baixo e
bigodudo desapareceu na mecânica.
Seu rosto redondo e alongado era tão estranho quanto seu sorriso
quadrado. Quando sorria, parecia um camundongo feliz.
— Sinto muito, Anny! — Josh sussurrou e se afastou, estendendo-
me a mão para que eu descesse da mesa.
Um silêncio constrangedor surgiu entre nós enquanto o homem
camundongo revirava algumas ferramentas atrás de sua maleta.
— Posso te mostrar uma coisa? — Ele acariciou meu rosto.
— Depende — ponderei a decisão. — Sou uma mulher que acaba de
sofrer um provável traumatismo craniano — brinquei.
— Jamais te colocaria em perigo. — Mais uma vez, meu coração
acendeu como árvore de natal. — Vem comigo.
Josh segurou minha mão e me guiou para fora da mecânica tirando
algo preto do bolso.
— Rafe, feche a Black quando terminar.
— Combinado, patrão! — o pequeno Stuart gritou.
— Aonde vamos?
— Primeiro... pegar meu carro! — anunciou girando nos
calcanhares. — Segundo, vamos ao lugar mais incrível de Fênix Hill. Eu vou
te mostrar um pouco do meu mundo.
— Criar laços com a cidade, não é? — questionei, lembrando de
suas palavras.
— Criar laços comigo! — Ele me lançou uma piscadela e
desapareceu na escuridão ao lado da mecânica, deixando-me com os olhos
arregalados mais uma vez.
Alternei as pernas, inquieta, pensando e repensando o motivo de
ainda estar ali esperando por ele.
Em casa, sozinha, é mais seguro!,minha consciência me alertava.
“Cuidado, Anny!” — A voz de Megan invadiu meus pensamentos,
mas quando uma porta de garagem que eu nem notara a existência se ergueu
diante dos meus olhos e uma máquina furiosa, escura como a noite, ascendeu
os faróis fazendo o ar ao meu redor tremer como um ronco de cem trovões,
foi o conselho de Bruce que prevaleceu.
“Viva um dia de cada vez, mas todos eles como se fossem o último
da sua vida. Respire e viva.”
Eu tinha o hoje para viver. Eu desejava me sentir viva ao menos um
pouco e Josh sabia exatamente como tornar aquele sentimento real.
Ele desceu do Camaro, sorrindo pela expressão que cobria meu rosto
e deu a volta no carro, abrindo a porta do carona.
— Me daria a honra, senhorita paladar único?
Um sorriso que estampava alegria, expectativa e desejo tomou todo
o meu rosto.
Antes eu acreditava que jamais sentiria aqueles sentimentos
novamente e perceber que sim, que eu ia senti-los mais uma vez, fez brotar
em meu peito uma nova esperança. Eu poderia recomeçar. Devia isso a mim
mesma e a todos que me amavam e estavam silenciosamente torcendo por
mim.
Comprimi os dedos e dei o primeiro passo em direção à vida.
Em direção à minha vida.
Eu não estou tentando iniciar um incêndio com esta chama
mas estou achando que seu coração pode sentir o mesmo
E eu tenho que ser honesto com você, querida
Me diga se estou errado e isso é louco
mas eu comprei esta rosa para você e preciso saber
Você vai deixá-la morrer ou vai deixá-la crescer?
Roses - Shawn Mendes

Percorremos a estrada pouco iluminada em um amistoso silêncio, a


não ser pela música baixa que tocava no rádio ligado. Quanto mais nos
afastávamos de casa, mais neblina surgia pela estrada à nossa frente.
Josh não corria. Seu pé acariciava o acelerador do monstruoso carro,
mantendo-nos em uma velocidade segura sobre a estrada irregular. Em alguns
momentos, notei que ele me olhava de soslaio, como se verificasse alguma
coisa. Ajeitei-me no banco macio de couro e aproveitei a companhia da noite.
Foi então que eu percebi que não desejava estar em outro lugar, a não ser ali,
e aquela constatação me fez abrir um breve sorriso que não passou
despercebido por Josh, que também sorriu, agora com os olhos presos na
estrada.
Depois de alguns minutos, surgiram algumas casas colossais na beira
estrada. Diferente das casas no centro de Fênix Hill, aquelas eram altas e
brancas, com dois ou três carros estacionados na garagem. Arqueei a
sobrancelha, notando a diferença clara entre os níveis sociais de quem
morava ali.
— Aqui é a “zona sul” de Fênix Hill — Josh comentou, observando
meu rosto contraído.
Balancei a cabeça, concordando e ainda observando o que antes para
mim era completamente normal. Aquelas casas não eram nada comparadas as
de Natanville, onde magnatas compravam casarões apenas para passar um
final de semana ou dois ao ano, a fim de acompanhar seus negócios na
cidade.
Tive sorte por crescer em um lar que prezava pela humildade e o
amor acima de tudo.
Desci a janela do carro, desejando sentir a brisa em meu rosto e
levantei os olhos, fugindo dos pensamentos que me fariam ter saudade de
casa e então eu a vi, encarando-nos com um semblante sério e até cômico.
Como se tivesse visto algum fantasma.
Em frente a uma das casas de luxo, a ruiva mal-encarada do
mercado, que por sinal era irmã da doceCarolyne, observava o Camaro de
Josh passar com os lábios semiabertos. Ao seu lado estavam duas garotas que
eu mal consegui enxergar devido a velocidade que começávamos a alcançar.
Ainda assim, percebi que ela me viu, tinha certeza. Se seu rosto contraído não
revelasse sua insatisfação, sua postura com as mãos nos quadris e nariz
erguido em nossa direção acabaria delatando-a da mesma forma. Ela
permaneceu ali, parada, seguindo-nos com os olhos até que eu não a
enxergasse mais.
Desviei os olhos da janela e voltei a encarar o painel do carro. Os
lábios comprimidos.
— Conhece aquela garota? — O tom preocupado de Josh acendeu
um alerta dentro do meu peito.
— Na verdade, conheço. — Notei seu maxilar se contraindo. —
Encontrei com ela no dia em que fui ao mercado. — Dei de ombros. — Ela é
meio... intensa — pontuei, evitando ofender a garota que eu sequer conhecia,
mas ciente de que “intensa” era um apelido carinhoso para esconder toda a
grosseria com a qual ela nos tratou quando nos esbarramos. — Ela é sempre
desagradável desse jeito ou eu só esbarrei nela em um dia ruim?
— Por que acha que sei responder à sua pergunta?
— Obviamente vocês se conhecem. — Ergui os ombros sem saber
por que diabos aquilo estava me incomodando. — Caso contrário, ela não
faria aquela cara sanguinária de uns segundos atrás, pronta para começar um
assassinato em série assim que me encontrasse pela rua.
Ele deu uma risada gostosa e eu acabei o acompanhando.
— Aquela é a Rachel. — Um suspiro forte irrompeu por seus lábios
e meu coração se comprimiu, aguardando o que ele diria dali em diante. —
Ela é até legal, mas não é muito fácil de lidar.
— E o que vocês são? — Notei que ainda que falasse a verdade
sobre o caráter da garota, ele não desejava ofendê-la.
— Já fomos. — Ergueu os ombros, querendo fugir do assunto. —
Hoje não somos nada além de amigos, ou menos que isso dependendo do
humor da Rachel. Eu te garanto.
— Não precisa me garantir nada — assegurei, ciente de que éramos
apenas amigos, mas mal conseguindo esconder o alívio que se apoderou do
meu peito.
— Preciso, sim. — A frase surgiu em um sussurro e eu fiquei calada,
aceitando a verdade de que sim... ele precisava. Eu precisava saber.
Josh fez uma curva um pouco mais acentuada e então entramos em
uma estrada de terra coberta por árvores que formavam um túnel escuro,
iluminado apenas pelos faróis do carro.
— Este é o momento em que você me arrasta para o meio do nada e
me mata? — Arregalei os olhos em uma expressão exagerada de medo. — Já
vou logo avisando, não sou uma vítima fácil.
— É? — Ele riu.— E o que faria, senhorita Thompson? Como
reagiria a um ataque? Precisa ser rápida que nem um puma.
— Não duvide das minhas habilidades ninja. — Tamborilei os dedos
sobre o painel.
Ele tirou os olhos da estrada, segurando a risada e me encarou por
um segundo.
— Chegamos, assassina cruel! — Josh estacionou o carro. — Espere
um segundo. — Ele escapou pela porta do motorista e deu a volta pelo carro
até alcançar a porta do carona. — Seja bem-vinda ao pomar de Fênix Hill.
Coloquei meus pés para fora e abri os lábios paralisada com a
surpresa. Uma emoção quente e viva irrompeu por meu peito.
À minha frente se estendia um pomar gigantesco, com árvores um
pouco mais altas que Josh, carregadas por maçãs vermelhas de todos os
tamanhos. Dei alguns passos, observando que as dez primeiras árvores foram
adornadas por luzes, umas piscavam, outras não, fazendo com que tudo
parecesse um grande cenário natalino, lindo de perder o fôlego.
A lua ainda se escondia, tímida entre as nuvens, mesmo assim,
diferente do resto de Fênix, daquele ponto eu conseguia vê-la.
Rodei no mesmo lugar, tentando absorver ao menos um terço de
toda aquela beleza.
— É incrível! — comentei, percebendo que Josh mantinha os olhos
presos em mim.
— Imaginei que gostaria. — Ele diminuiu a distância entre nossos
corpos. — É um lugar mágico.
— Como? — Meu rosto foi tomado por um largo sorriso enquanto
Josh sussurrava as palavras ao meu lado.
— Aqui não há tristeza. — Senti seu braço roçar o meu enquanto
apontava para a estrada pela qual viemos. — Existe um arco bem na entrada.
Um daqueles grandes de madeira e cheio de superstições ligadas a ele. Dizem
que quando se cruza a fronteira entre a cidade e o pomar, todos os
sentimentos ruins que você traz na sua vida são abandonados e ao menos por
alguns minutos, você pode seguir em paz.
— Nossa! — falei sem pensar.
— E tem mais... — Ele segurou minha mão, guiando-me até a árvore
mais próxima. — A primeira maçã que você come do pomar te concede um
desejo. Qualquer coisa! — Josh estava visivelmente empolgado, em
expectativa e eu senti o mesmo enquanto observava ele erguer a mão e retirar
da árvore majestosa uma maçã redonda, vermelha, suculenta.
Minha língua se desprendeu do céu da boca, causando um pequeno
estalo. Eu tinha um desejo em mente. Um desejo pulsante e incômodo que
berrava para ser realizado. Ele me entregou a pesada maçã. Meus olhos
repousaram em seus lábios transformados em uma curva sinuosa onde eu
desejava me perder.
Sim, aquele era meu desejo! Queria me entregar novamente. Queria
me sentir inteira, só mais uma vez, ao menos. Queria me preocupar menos e
sentir mais, ainda que fosse dor, ainda que fosse saudade. Eu só queria sentir
a vida, só queria sentir Josh.
Mordi a maçã e um gemido de prazer irrompeu por minha garganta
com o doce e forte sabor.
— Espero que funcione. — concluí, passando a língua pelos lábios,
umedecendo-os.
— Eu também! — O azul turquesa de suas íris se transformou em
um mar, profundo e intenso.
Observei seus lábios se movendo enquanto falava e percebi o quanto
era lindo e atraente em cada um dos seus movimentos, como se fosse algo
ensaiado.
— Se ele é capaz de afastar sentimentos ruins e realizar desejos,
talvez seja capaz de aumentar tudo que seja bom.
— Poderia... — Josh ergueu a mão e tocou em meu rosto, nossas
respirações se fundiam em um ritmo descompassado.
Fechei os olhos, completamente entregue a sensação que socava meu
peito com todas as forças. Ele circundou meus lábios com o polegar e deixou
um rastro quente onde tocava. Sabe Deus aonde foi parar a maçã em minhas
mãos. Eu estava entorpecida demais para me lembrar dela.
Abri os olhos e encontrei o rosto de Josh, claro à luz das luzes do
pomar, exalando desejo, refletindo meus próprios sentimentos. Seus olhos
profundos buscavam os meus e sem perder esse contato, como se soubesse
que olhar dentro daquele mar azul era como olhar para um infinito lindo,
brilhante e hipnotizante, ele enlaçou minha cintura, aproximando-nos.
Mordisquei os lábios, desejando senti-lo. Desejando que ele me tomasse,
assim como seu perfume tomava cada um dos meus sentidos.
Ele se aproximou mais e mais até que seus lábios estivessem a
centímetros dos meus. Eu podia sentir sua respiração tocando minha pele,
fazendo-me queimar por dentro. E como se estivesse disposto a me fazer
derreter, Josh tocou meus lábios com os seus e tudo o que eu pensei ser
sólido se desfez.
Meu fôlego desapareceu. Seus braços me envolveram, sua língua
tocou minha boca, implorando por passagem e eu entreabri os lábios, ansiosa
por recebê-lo.
O gosto... era doce e mentolado e queimava.
Santo Deus, como queimava.
O beijo de Josh incendiou todo o meu corpo enquanto ele avançava
mais, tomando minha língua, comprimindo meu corpo contra o dele. Seus
dedos subiram pela beirada da minha blusa de moletom e eu os senti se
cravarem em minha pele, apertando minha cintura e me puxando ainda mais
para si.
— Você é mais doce que este pomar inteiro. — Sua voz surgiu rouca
e sensual. Estremeci.
Ele escapou de meus lábios e afundou o rosto na cavidade em meu
ombro. Fechei os olhos quando começou a traçar uma trilha de beijos
iniciando em minha clavícula, subindo pelo pescoço e terminando rente aos
meus lábios.
— Linda! — Tomou meus lábios mais uma vez.
Uma de suas mãos continuava enlaçada em minha cintura enquanto
a outra deslizava até meu rosto, acariciando-me. Sua barba por fazer roçava
em meu rosto, e algo se contraía descontroladamente dentro de mim.
Aquilo parecia certo. Era o certo.
Eu o desejava, ele me desejava. Nossos corpos pareciam dançar,
nossas línguas se enrolavam, conhecendo melhor uma a outra em um misto
de desespero e tesão. Eu não sabia dizer quem respirava com mais
intensidade. Josh me consumia com apenas um beijo e eu estava à beira de
me entregar àquele desejo forte e insustentável.
Sua mão envolveu meu pescoço de modo firme. Ele mordiscou meu
lábio inferior e um gemido baixo escapou por meus lábios. Eu estava perdida
em êxtase.
Josh deu um passo para trás, levando meu corpo junto com o seu até
encontrarmos o seu carro, parado a poucos centímetros de distância. Ele me
rodopiou entre seus braços e me recostou no carro, pressionando seu corpo
contra o meu, fazendo-me sentir cada músculo contraído do seu corpo.
Arfei, cercada por ele.
Um arrepio transpassou meu corpo e como se não bastasse, como se
eu já não lutasse para permanecer em pé, ele deu uma mordidinha em meu
lábio inferior. Minhas pernas bambearam de vez.
O que estava acontecendo comigo? Era um homem ali, beijando-me,
acariciando meu corpo como se fosse dele, como se eu pertencesse a ele,
coisa que jamais imaginei que permitiria, que outro homem tocasse em mim
como Caleb tocava. Não tão cedo, não agora. E jamais imaginaria que aquele
toque poderia ser tão... bom.
Josh não me tocava como Caleb. O toque do homem à minha frente
era diferente... tinha paixão, cuidado. Coisa que há muito tempo eu não
sentia.
Ele voltou aos meus lábios, despejando pequenos beijos pelo
caminho e tomou minha boca com vontade, pressionando seu corpo contra
mim mais uma vez e pude sentir o quanto estava rígido. Ele estava excitado
com meu beijo, comigo.
Aquilo me encheu de desejo.
Eu queria... ah, como eu queria que aquela sensação continuasse.
Como eu desejava ser preenchida por ele. Como eu ansiava me perder
naquele corpo cheio de músculos e tatuagens.
Não!,a voz da razão gritava.
Eu não podia.
Tentei lembrar a mim mesma enquanto meu corpo entrava em
combustão.
Não deveria fazer isso com Josh. Não poderia permitir que ele se
envolvesse com uma mulher quebrada como eu. Ele era meu vizinho, como
olharia para ele depois? Como poderia fingir que nada aconteceu? Seria
culpada por levá-lo a esse inferno em qual eu vivo.
— Josh... — Com toda a força que ainda me restava, coloquei as
mãos em seu ombro, travando uma luta interna. Ele franziu o cenho, a
princípio sem entender o que eu estava fazendo. — É melhor...
— Ah, droga! — ele murmurou, interrompendo minha explicação.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa ele se afastou com o
semblante conturbado. Instantaneamente, senti frio.
— Eu sinto muito, Anny. Não sei o que passou na minha cabeça...
— Ele passou a mão pelo rosto. Parecia confuso. — Na verdade, eu sabia,
sim. — Sorriu sem querer, colocando as mãos na cintura, arfando, como eu.
— Não quero que pense que eu te trouxe até aqui para isso.
— Não! — Ergui a mão quando percebi que ele havia entendido
errado. — O problema não é você. — Suspirei percebendo o quanto aquela
merda toda era clichê e me encostei no carro novamente, sem a certeza de
que se não me apoiasse em algo sólido, poderia correr para os braços dele
novamente.
— Não precisa me explicar nada. — Ele voltou a se aproximar, e a
contragosto, manteve uma distância segura entre nossos corpos.
Recostei a cabeça no carro atrás de mim e encarei o céu acima de
nós, criando coragem para começar a falar, ciente de que seus olhos se
mantinham em mim.
— Meu último relacionamento não terminou muito bem e eu... —
como eu diria o que sinto sem revelar exatamente o que aconteceu? — ... eu...
não quero arrastar você para essa confusão. — Encarei-o.
Seus olhos se estreitaram, ainda ponderando minhas palavras. Para
minha surpresa, ele se aproximou mais um pouco. Repousando a mão sobre
minha cintura e erguendo com um dedo meu rosto. O toque provocou uma
nova onda de calor em minha pele e eu prendi o ar por um segundo.
— Ainda o ama? — Sua pergunta me pegou desprevenida e seja lá o
que for que tenha visto em meus olhos, um vinco se formou entre suas
espessas sobrancelhas negras.
— Não! — falei alto demais. — Não mesmo. Eu o odeio com todas
as forças que alguém pode odiar outra pessoa.
A realidade dolorosa das minhas palavras colocou meus pés no chão
mais uma vez e eu desejei que aquele arco mágico afastasse as lágrimas que
se formaram em meus olhos. Caleb me tirou tudo, e ainda tirava. Até ali, em
Fênix Hill, nos braços de outro homem, eu ainda pensava nele.
Até quando? Até quando a sombra dele me faria hesitar.
— Ei! — Josh me envolveu em um abraço forte. — Eu não sei o que
esse idiota te fez — sussurrou rente ao meu ouvido —, mas sei que você não
mereceu. Sinto isso. — Fechei os olhos, presa em seus braços, encontrando
ali um porto quente e confortável. — Não precisa confiar em mim, eu vou
provar que pode.
Ele deu um beijo casto em minha têmpora. Suspirei fundo,
perdendo-me mais um pouco naquele perfume, naqueles olhos, naquele
abraço quente, apertado, sedutor pelo que me pareceu muito tempo.

Quando estacionamos em frente à minha casa eu me sentia outra


pessoa. Diferente da Anny que acordou em mais um fatídico dia. Depois
daquele beijo que ainda me fazia prender a respiração, Josh e eu conversamos
sob a luz do pomar por quase uma hora, ou mais. Descobri detalhes da cidade
que jamais pensei que pudessem existir.
Tinha um bar, Teat, onde se reuniam pessoas que gostavam de uma
boa bebida ao som do melhor do Rock, além de ter um parque de diversões
escondido em algum lugar ao norte e um prefeito com cara de camundongo...
essa eu pagava para ver. Devia ser parente do tal do Rafe.
A cidade em geral sempre foi muito pacata. Com exceção de alguns
baderneiros, a criminalidade em Fênix Hill chegava a quase zero. Tamanha
foi a minha surpresa quando Josh revelou o motivo pelo qual ficara tão
preocupado comigo na noite em que me viu dormindo na varanda.
Um padrasto, uma enteada e um pomar que infelizmente não fora
abençoado pela sorte naquela noite terrível.
Um arrepio fúnebre percorreu meu corpo. A realidade de tudo aquilo
era doloroso demais. Quantas mulheres ainda morreriam nas mãos de homens
cruéis?
Josh tentou animar o assunto novamente, contando-me um pouco
sobre sua avó e seu amor por Fênix Hill.
Funcionou! Em minutos meu coração foi preenchido pelo olhar doce
e amoroso de Josh ao falar de sua avó Lucinda. Desejei tê-la conhecido ao
menos um pouco.
Ficamos agarradinhos, como um casal apaixonado, com apenas um
empecilho entre nós. Josh não me beijou outra vez, percebendo o receio em
meus olhos e eu não sabia explicar o motivo pelo qual estava decepcionada
com sua atitude.
Era o que eu queria, não? Evitar que ele sofresse junto comigo,
proteger seu coração e o meu. Por que, então, me sentia incompleta?
Desci do carro sendo seguida por seus olhos. Ele me estendeu o
braço e eu me encaixei ali. Subimos os degraus em silêncio e quando
chegamos na porta da minha casa decidi falar.
— Obrigada pela noite. — Uni as mãos em frente ao corpo. — Foi
realmente incrível, aquele lugar é maravilhoso.
— Não tanto quanto você! — Ele me encarou e eu reconheci o
desejo em seu olhar. Pisquei duas vezes, sentindo meu corpo queimar com
aquelas poucas palavras.
Josh ergueu a mão e tocou o curativo em meu rosto.
— Não sabe o quanto eu sinto por isso. — Comprimiu os lábios. —
Nunca vou me perdoar.
— Não se... — Tentei organizar as palavras. — Acontece! — Desisti
de formular algo mais complexo.
— Não, não deveria acontecer. — Havia dor em seus olhos.
Ele se aproximou, ficando a centímetros do meu corpo, aquecendo-
me desde os meus olhos esbugalhados aos meus dedos dos pés. Seus lábios
roçaram meu rosto e eu fechei os olhos, esperando seu toque.
Tamanha foi a minha decepção quando ele deu um beijo seco em
minha bochecha e se afastou.
O que eu esperava? Um beijo na boca como em um daqueles filmes
românticos do cinema? Quente? De tirar o fôlego? Exatamente como há
algumas horas? Claro que não deveria esperar algo assim, afinal, eu o afastei
com toda a minha história maluca e atitude descontrolada.
— Se depender de mim... — Segurou minha mão. — Não vai se
machucar de novo. — Aquela frase tinha tantos significados que fez meu
coração dar três voltas no peito e parar no estômago.
Aquelas palavras mexeram comigo em uma escala mundial e ele
nem fazia ideia porquê.
Tudo que eu sempre desejei estava ali, em não me machucar mais.
Mas como confiar? No início tudo sempre parece tão... perfeito.
Comprimi os lábios. Nem sempre eu teria o controle de tudo, mas
naquele momento, eu não tinha nem o controle da minha própria vida. Ela
ainda estava nas mãos de Caleb e aquilo tinha que mudar. Eu tinha que me
permitir mudar e arriscar. Afinal, a vida não era isso? Um grande jogo de
apostas?
— Na próxima, quero dirigir seu carro. — No mesmo instante em
que as palavras pularam dos meus lábios, vi os olhos piscina de Josh se
acenderem.
— Como desejar! — Ele trocou os pés de apoio. — Tenha bons
sonhos.
Com certeza eu teria. Era o que esperava.
— Tenha uma boa noite, Josh! — Acenei vendo-o partir, sorrindo
como uma adolescente beijada pela primeira vez.
Rapaz, você sabe que eu estou louca por você
Não importa o que eu faço
Tudo o que penso é você
Dilemma - Nelly feat Kelly Rowland

Chegou o grande dia, e quem disse que eu dormi?


Seja por insônia, ansiedade ou pela lembrança dos beijos quentes de
Josh, eu me sentia eufórica.
Carolyne retocava o batom vermelho no espelho do banheiro
enquanto eu conferia mais uma vez minha aparência ao seu lado. Parecíamos
duas adolescentes prestes a sair escondidas dos nossos pais.
— Você está incrível, Anny!
Ela subiu os olhos por minha calça preta justa, passando pela
camiseta que realçava um grande decote e por fim, deslizou os dedos sob a
jaqueta azul e vermelha da minha equipe favorita de Fórmula 1, os Scarlat
Fury. Já que eu estava indo a uma arrancada, queria estar vestida para tal,
assim como costumava fazer em Natanville.
— Vai matar o Josh do coração. — Eu não revelei muita coisa sobre
a noite anterior para ela e excluí principalmente a parte do beijo, mas tudo
parecia estar escrito bem no meio da minha testa.
Sorri tímida, ciente de que minha nova amiga estava literalmente de
parar o trânsito, ou as arrancadas no caso. Vestida com uma bota colada até
os joelhos, tendo apenas um blusão avermelhado de mangas compridas
jogado sobre o pequeno short, ela brilhava, não somente sensual como nunca
tinha visto, mas feliz. Desejei que aquela noite lhe trouxesse mais que apenas
um espetáculo.
— Estou feliz que esteja aqui — comentei, sendo interrompida por
uma batida apressada na porta.
— Onde mais eu poderia estar? — gritou em minha direção
enquanto eu caminhava em direção a pequena porta de vidro.
Meu coração subiu para a garganta quando, ainda distante da porta,
vi uma figura completamente vestida de preto, parado, esperando que eu me
aproximasse. Ao perceber que eu o reparava, ele abriu um sorriso que sugou
imediatamente todo o meu ar.
Como estava lindo!
— Anny... — Abri a porta e fui fisgada pelos olhos envolventes de
Josh. — Como... — Ele varreu meu corpo com os olhos, penetrando-me de
cima abaixo, deixando-me inquieta por dentro e imóvel por fora. — É... —
sibilou de repente e comprimiu as sobrancelhas. Um semblante estranho
assumiu o formato do seu rosto.
— O que foi? — Olhei para meu próprio corpo, procurando algum
defeito.— Há algo de errado?
— Absolutamente! — respondeu em um impulso, envolvendo meu
rosto entre suas mãos. — Você só... me deixou sem palavras. — Ele
pigarreou e ergueu a mão em direção ao meu rosto. Um pequeno vinco se
formou entre suas sobrancelhas grossas. — Você está incrível, Anny. De
perder o fôlego, droga. — Seu sorriso retornou de forma sensual, fazendo
meu peito queimar.
— Então por que essa cara de quem tomou uma portada de aço na
cara? — Ele começou a procurar o curativo que me viu usar em nosso último
encontro, mas achou apenas uma mínima marca no meio da minha testa.
— Não sei — completou com sinceridade. — Receio que talvez eu
tenha que distribuir alguns socos por aquele lugar. Não vou admitir que
nenhum idiota banque o esperto pra cima de você.
Ele estava com medo de que alguém desse em cima de mim? Mais
uma vez meu coração dançou solto pelo peito, mas um receio profundo me
atingiu. A sensação de ouvir que alguém estava disposto a se envolver em
uma briga para te proteger era incrível. Trazia um êxtase estranho e delicioso
ao nosso peito, como se eu estivesse protegida, como se eu fosse importante
para ele. Mas no fundo, eu tinha certeza de uma coisa. Não, eu não queria que
Josh brigasse por minha causa.
—Talvez não seja uma boa ideia eu ir nessa arrancada. A roupa está
chamativa demais? — Comecei a me questionar, sem fazer ideia do motivo.
— Acho que você bateu a cabeça muito forte ontem. Por que está me
perguntando isso? — questionou, segurando minha mão com delicadeza,
entretanto, não me deu a chance de continuar a falar. — Anny, eu jamais
pediria ou sequer desejaria que você se camuflasse de alguma forma por
ciúme, e acredite, não é fácil dizer isso, mas que se dane qualquer babaca.
Você é linda e eu não mudaria isso por nada. Não mudaria suas roupas... —
Aproximou-se, cercando meu corpo e tocou meu pescoço com a ponta dos
dedos. — Não mudaria esse perfume doce e sensual pra caralho... — Josh
desceu a cabeça até tocar meu pescoço com o nariz e inspirou fundo enquanto
minhas pernas amoleciam. Fechei os olhos, observando sua proximidade
incendiar meu corpo. — Ainda que seja perfeita naturalmente, eu também
não mudaria esses olhos negros, marcados por essa maquiagem.
Só então me dei conta do que estava prestes a fazer. As amarras de
Caleb ainda estavam infiltradas em minha pele e sem perceber, eu estava
prestes a cometer o mesmo erro de antes. Permitir que outra pessoa
controlasse minha vida. A diferença entre Caleb e Josh me pareceu bem clara
naquele momento.
Josh não queria me controlar.
Um ar de libertação e compreensão irrompeu por meus lábios. Eu
não precisaria mudar nada em mim mesma, em minhas roupas, em meu jeito
de andar, falar, em meus amigos. Nada!
Não para a pessoa certa.
— Não se preocupe. Eu estava brincando... — Ergueu a mão no ar.
— Sobre distribuir socos. — Sorri, recostando-me no batente da porta. —
Mas não se engane, estará bem protegida.
Josh se inclinou em minha direção, envolvendo minha cintura.
— Então é possível que apareçamos por lá... — sussurrei em seu
ouvido, sentindo seu lábio tocar meu rosto em mais um beijo casto.
— Nem brinca! — Afastou-se para me olhar nos olhos. — Se não
aparecer nas arrancadas hoje, eu trago aqueles malucos pra porta da sua casa.
— Começou a se afastar, descendo os degraus da varanda. — Não teria graça
sem você.
— Daqui a pouco estaremos lá. — confessei e ele logo me lançou
uma piscadela.
Josh não voltou a me beijar e eu não entendia o porquê. O clima
entre nós esquentava cada vez mais, ainda assim, seus olhos diziam uma
coisa, mas suas atitudes revelavam outra.
Acenei enquanto Josh corria em direção ao seu Camaro. Ele
arrancou com o carro, causando um estrondo familiar e foi seguido por um
Mustang GT laranja florescente e um Audi TT branco. Dois carros
maravilhosos.
— Carolyne!!! — bati a porta as minhas costas e desatei a gritar.
— O que foi aquilo? — Ela dava saltinhos de alegria enquanto
arrumava as grandes argolas presas em suas orelhas delicadas.
— Ai! — Coloquei o rosto entre as mãos. — Pega sua bolsa, te
conto no caminho.
Entramos em meu Impala e logo o som do motor tremeu o ar.
— Mínimos detalhes! — exigiu ela e eu suspirei. Feliz em
confidenciar uma parte da minha vida. Uma parte que se mostrava muito boa,
por sinal.
— Tudo começou com um vinho... aquele que mais parece um
uísque, sabe? — comecei, sentindo meu coração palpitar. A noite seria longa.
***
— Que lindo! — Ela abraçou o próprio corpo, suspirando depois de
ouvir minha história. — Vire à direita. — Distraiu-se em um rompante e logo
retornou ao raciocínio. — Parece história de filme.
— Um bem doloroso por sinal. — Passei a mão pela pequena marca
em minha testa, lembrando-me da dor seguida de calor-tensão-eletricidade-
olhos-azuis que se seguiram depois daquilo.
— Não entendo por que ele não quer te beijar. — Uma ruga se
alojou em sua testa.
— Nem eu. — Abri os lábios. — Acho que o assustei. — Ergui os
ombros, temendo que aquela fosse a verdade.
— Se tivesse assustado ele não a olharia daquela forma. Como se
visse um tesouro bem na sua frente. — Cruzou os braços, brincalhona — Ele
está caidinho por você. Tenho certeza!
Mantive o silêncio enquanto desejava com todo o meu coração que
Carolyne estivesse certa e me assustei com minha própria vontade.
— Chegamos! — ela anunciou eufórica.
Terminei de fazer uma curva fechada, cheia de cascalhos soltos e a
visão que tive quase me arrancou do carro em movimento.
A rua estava lotada de carros, a maioria deles pareciam carros de
colecionadores e eu podia apostar que todos eram carros preparados. Havia
muitas pessoas espalhadas por todos os lados, envoltas em conversas, risos e
gargalhadas. À direita, seis ou sete bancas coloridas, provavelmente
improvisadas, vendiam bebidas à vontade, assim como alguns lanches.
Alguns homens e mulheres, para minha surpresa, trajavam roupas de
corrida.
Reconheci à distância o carro de Josh e os outros dois que o
acompanhavam, mas nada do homem de olhos penetrantes por ali. Estacionei
meu carro ao lado do Camaro e antes que eu pudesse tirar o cinto, Carolyne
agarrou meu braço com força. Olhei em seu rosto e encontrei aflição.
— Anny... — começou, melancólica.
— O que foi? — Prendi a respiração, começando a ficar preocupada.
— Eu... — ponderou. — É ela! — Meneou o queixo em direção a
outra garota, tão ruiva quanto ela, que estava parada a dois carros de
distância.
— O que tem ela? — Dei de ombros. Rachel ainda não tinha nos
notado. — Não temos nada a ver com os problemas de humor dessa garota.
Não se preocupe.
— Jura que não julgaria nossa amizade, ou minha família pelo que
Rachel disser? — Comprimi os lábios completamente perdida.
— Não entendi.
— Ela tem o costume de destilar seu veneno em minha direção
quando nos encontramos — admitiu com um semblante triste. —Tive
esperança de que ela, por um milagre, não estivesse aqui hoje.
— Carolyne, eu conheço você e eu gosto de sua amizade. — Segurei
sua mão. — Nada do que aquela garota disser poderá mudar isso.
— Obrigada! — Seus olhos lacrimejaram.
— Ah, não! — reclamei. — Essa maquiagem demorou tempo
demais para ficar pronta, recomponha-se e vamos nos divertir. — Carolyne
deu uma gargalhada e saímos radiantes do meu Impala, atraindo olhares de
todos os cantos.
Um grupo de três amigos ergueram os copos quando eu e Carolyne
passamos.
— Belo carro! — Um deles, de aparência nova demais, ergueu o
pulso no ar.
Meneei um aceno em agradecimento e ignorei os olhares indelicados
em nossa direção.
— Não se assuste. — Carolyne enlaçou meu braço. — Você é nova.
Só estão te conhecendo. Apesar de que nunca vi aqueles homens por aqui,
também devem ser novos nas arrancadas.
— Essas pessoas não moram em Fênix?
— Não! — falou, categórica. — Eles vêm de tudo que é parte para
participar. Josh e seus amigos organizam, mas os participantes podem ser, ou
não, de Fênix.
— Entendi!
Muitos rostos viraram em nossa direção, inclusive o de Rachel.
Diferente do sorriso amigável que todos estavam nos lançando, ela enrugou a
testa, ergueu as sobrancelhas e cochichou algo no ouvido de uma mulher alta
e loira, que trajava uma roupa semelhante a de Rachel. As duas usavam
vestidos tubinhos, curtos e apertados do mesmo modelo. A diferença era que
o da loira era preto e o de Rachel, vermelho.
— Anny! — Ouvi a voz que andava bagunçando meu coração me
chamar. — Aqui! — chamou novamente enquanto tanto eu, quanto Carolyne
rodávamos no mesmo lugar, procurando-o.
Então ele apareceu. Caminhando em minha direção com um sorriso
pregado no rosto, acompanhado por seu amigo de cabelos dourados, Taylor.
— Quem bom que chegou, meu anjo. — Josh segurou em minha
cintura como se aquilo fosse normal e despejou um beijo demorado no alto da
minha testa. — Queria que visse a abertura. — Ele se afastou um pouco do
meu corpo, virando-se para minha amiga. — Olá, Carolyne!
— Ei, Josh! — Estendeu a mão, tímida.
— Fico feliz que tenha comentado com Anny sobre as arrancadas.
— Ele agradeceu e eu me peguei olhando em direção a Rachel que, para
minha confirmação, nos fuzilava com os olhos.
— Fala, Carolyne! — Taylor cumprimentou.
O homem de quase dois metros de altura torneado por músculos,
abraçou Carolyne como se ela fosse um travesseiro sendo envolvido por um
edredom gigantesco. Os pés da ruiva saíram do chão com uma facilidade
incrível enquanto ela sorria no meio daqueles braços enormes.
— É sempre... — pausou — ... bom te ver, Taylor. — Seja pelo
abraço apertado ou pelo tamanho e beleza daquele homem, Carolyne
conseguia estar ainda mais corada que seus longos cabelos.
— Anny! — Taylor segurou minha mão e a balançou como se
tivesse medo de me partir ao meio.
Sorri!
— Vai começar! — Josh anunciou, abraçando-me por trás, fazendo
com que uma eletricidade percorresse meu corpo.
Taylor fazia companhia a Carolyne à nossa direita enquanto as
pessoas se aglomeravam ao nosso redor.
— O que vai acontecer?
Antes que alguém pudesse responder à minha pergunta, uma picape
acendeu os faróis no meio de uma avenida comprida de perder de vista.
Havia aproximadamente quarenta carros parados no meio da rua de frente um
para o outro, 20 de um lado e 20 do outro, criando um corredor de carros
preparados. Tamanha foi minha surpresa quando vi um homem de estatura
mediana, ombros largos e risada solta subir no teto da caminhonete com um
microfone ligado a um alto-falante.
Quando começou a falar reconheci imediatamente sua voz.
— Estão prontos? — Uma onda sonora de vozes estridentes berrou
um “SIM”, fazendo os pelos dos meus braços arrepiarem.
— Aquele é o Jake? — gritei para Josh e ele balançou a cabeça
confirmando. No instante seguinte, ele beijou meu ombro e mais uma vez
meu peito queimou, mas não pude apreciar aquele pequeno toque porque
Jake começou a abertura de um espetáculo bem diante dos meus olhos.
— Se preparem para CURTIR E CORRER! — Ele pulou sobre a
picape e foi aí que tudo aconteceu.
Cada um dos motoristas ligaram os motores daquela fila de carros e
começaram a acelerar sem sair do lugar, fazendo subir ao céu a maior nuvem
de fumaça que eu já vira em um evento como aquele. O som que cortou a
noite dos pneus causando atrito contra o asfalto me fez prender o ar. Ao
fundo, em algum daqueles veículos, eu conseguia ouvir bem baixinho a
música TokyoDrift do TeriyakiBoyz tocando. Tão temática que me fez sorrir.
— Não acredito! — sussurrei.
— Eu disse que te mostraria um pouco do meu mundo — falou rente
ao meu ouvido.
Meu maxilar doía de tanto manter um enorme sorriso estampado. Eu
estava sonhando, só podia. De qualquer forma, pedi secretamente a Deus que
não tirasse de mim aquele momento prazeroso e feliz.
— Obrigada por isso! — quase gritei para que ele conseguisse me
escutar.
— Não me agradeça — respondeu, virando-se para mim. — Não me
lembro de um dia eu ter me sentido assim...
— Assim como?
Josh colou os lábios em meu ouvido.
— Apaixonado! — Beijou meu pescoço. Um calafrio forte percorreu
meu corpo. Agarrei-me ao seu corpo, escondendo dele o sorriso que agora
iluminava o meu rosto.
Perdi a noção do tempo enquanto estávamos ali naquele evento
incrível. Percebi que Jake era tão engraçado que chegava a causar dores em
minha barriga. Eu simplesmente não conseguia parar de rir dele e de suas
danças esquisitas. Notei que ele já havia se acostumado com meu olhar, mas
parecia querer enfartar toda vez que Carolyne olhava em sua direção, toda
sorridente.
— Meu anjo, precisamos abrir a corrida — Josh chamou-me em um
canto mais reservado, onde eu ao menos conseguia ouvir sua voz. —Taylor
corre comigo enquanto Jake dita as regras. Vão ficar bem sozinhas?
— Fica tranquilo — afirmei. — Ninja, lembra? — Ergui minha mão
pequena no ar, fechada como se estivesse preparada para dar um soco.
— Isso é realmente tranquilizador. — Deu uma gargalhada. — Vou
buscar uma bebida para vocês duas, e quando voltar, iniciamos as arrancadas.
Josh saiu acompanhado de Taylor e Jake.
— Ele não para de me olhar — confessou travessa.
— Quem?
— Jake! — Ela tapou o sorriso com a mão. — Desde que chegou,
ele não para de me encarar. Vejo que é pelo canto dos olhos, mas ainda
assim, está olhando.
Vi ali uma oportunidade. Uma chance de Carolyne seguir de vez em
frente e esquecer Ben.
— Ele parece ser muito tímido. — Sorri com meus próprios
pensamentos. — Você precisa quebrar isso. — Carolyne corou, mas ainda
assim, vi a empolgação em seus olhos.
— Será? — Antes mesmo que eu pudesse aconselhá-la melhor, senti
uma mão repousando sobre minha cintura e me virei sorrindo, buscando os
olhos de Josh. Mas para meu desprazer, encontrei outra coisa, ou melhor,
outra pessoa.
— Até que enfim te encontrei! — Um dos homens que vimos
quando chegamos estava parado atrás de mim com uma garrafa de bebida na
mão, tentando puxar meu corpo em direção ao seu, que por sinal, exalava um
cheiro forte de bebida.
— Tira a mão de mim! — Sua barba espessa escondia parte dos seus
lábios. Um sorriso safado apossou parte do seu rosto grosseiro, enquanto seus
olhos percorriam meu corpo e em menos de um segundo, as malditas mãos
estavam em cima de mim mais uma vez.
— Aonde vai, princesa? — Jogou sobre meu rosto um bafo horrível
de cerveja misturado a algo mais forte. — A festa está só começando.
— Vamos sair daqui, Anny — Carolyne chamou desesperada, mas o
homem agarrou me pulso com força.
— Me. Solta! — Trinquei os dentes e o encarei. Uma raiva
avassaladora tomou meu coração.
— Nervosa fica ainda mais gostosa. — O idiota sugou os lábios
enquanto tentava me puxar para mais perto, apertando meu pulso com força.
Seus olhos negros mergulhavam para dentro do meu decote.
— Dá o fora daqui! — Carolyne interveio, segurando meu braço. —
Solta ela!
— E é você quem vai me fazer soltar, vadia? — Um sorriso
malicioso irrompeu por seus lábios.
Carolyne me puxava com os olhos marejados enquanto o babaca
continuava me segurando firme. Em um rompante de raiva e coragem, puxei
o pulso e o senti arder com a força contrária. Ele estava se divertindo com
minhas inúteis tentativas.
Aquilo me enfureceu ainda mais. Não pensei duas vezes. Enquanto
ele prendia minha mão esquerda, meu pulso direito se fechou, e assim como
garanti a Josh que faria, desferi um soco no meio da cara do desgraçado com
toda a força de formiga que ainda me restava.
Merda!!! Que dor dos infernos!
Encolhi a mão contra a barriga, sentindo algo pulsante.
— Filha da puta! — Ele soltou meu pulso impulsivamente,
colocando a mão sobre um filete de sangue que descia por seu nariz. — Eu
vou te matar, desgraçada!
Pronto! Agora ele viria como um touro descontrolado para cima de
mim e da Carolyne que tremia compulsivamente.
Ele ergueu a mão e eu me preparei para o impacto enquanto as
pessoas ao nosso redor começavam a perceber a confusão. Ele deu um tapa
no ar, mas sua mão ficou presa antes mesmo de me tocar. Josh o segurou com
firmeza. Seus olhos estavam transtornados por um ódio que jamais imaginei
que um dia veria.
Ele sequer parecia o mesmo homem de antes.
— Você ia encostar a mão na minha garota? — Sua voz surgiu fria e
arrastada. Quase colérica.
Notei que a bebida que havia trazido consigo jazia no chão. O
líquido âmbar espalhava-se em uma poça enorme.
Jake e Taylor estavam atrás de Josh, assim como os dois homens que
eu vira junto com aquele idiota, apoiavam o amigo.
— Olha o que essa vadia fez com o meu rosto. — Ele apontou para o
nariz sanguinolento.
— Ele tá comendo essa putinha, Ted — um dos idiotas, o mais alto,
disse para o amigo. — Deixa de mão!
Uma penumbra tomou conta dos olhos de Josh, transformando-os
em duas esferas cinzentas. O homem barbudo empertigou-se e inflou o peito
musculoso, preparando-se para a briga enquanto Taylor estalava os dedos
com um sorriso cínico preso ao rosto.
— Eu vou te mostrar quem é a putinha.
Josh puxou meu corpo para trás do seu e deu um soco no meio do
rosto de Ted-o-barbudo, o som oco do punho se encontrando com a face larga
e nojenta daquele idiota ecoou pelo ar. Ele cambaleou para trás e ergueu a
cabeça atordoado.
Assim que notou o que havia acontecido, seu rosto foi tomado de
vincos e ele logo tentou revidar, mas foi acertado precisamente por uma
sequência de golpes que eu jurava ter visto em uma luta de boxe. O
brutamontes tonteou e se ergueu e em um rompante, acertando Josh no rosto,
e a briga se generalizou.
Taylor quase pulou por cima dos dois, percebendo que os amigos de
Ted se aproximavam sorrateiros. A pessoas abriram um buraco entre a briga e
se puseram a observar, obviamente torcendo por Josh como em uma luta
livre.
— Acaba com ele, Josh! — alguém gritou no meio da multidão.
— Arranca o cabelo dele! — uma jovem berrava, empolgada.
Santo Deus!
Carolyne me abraçava enquanto minhas pernas tremiam
convulsivamente.
— Qual foi? Qual foi? — Jake começou a gritar com os punhos
erguidos no ar, pulando de um lado para o outro que nem um canguru. — Vai
encarar, meu irmão? Porque eu tô pronto, pode vir!
O terceiro homem avançou para cima de Jake e Carolyne apertou
meu braço com força.
— Ai meu Deus, ele vai morrer! — choramingou.
Para nossa surpresa, Jake era rápido demais e deu uma enorme
banda no seu oponente que era mais alto e mais pesado que ele.
— Que porra é essa? — um homem gritou, avançando pela multidão
e sendo seguido por aproximadamente dez homens.
— É o Josh! — o que vinha atrás berrou para os outros.
— Entra nessa merda logo! — Eles se espremeram no meio da
multidão, tentando chegar aos rapazes que distribuíam vários socos e chutes
por todos os lados.
Todos os dez adentraram a roda da briga, cercando os três babacas.
Eram amigos de Josh, percebi quando se colocaram à frente dele. No mesmo
instante os três idiotas perceberam que estavam cercados — e com os rostos
bem inchados.
— Que se fodam, caipiras de merda! — Ted xingava, tentando
escapar dos braços de Josh que o sufocava. E com o nariz sangrando e rosto
inchado, ele desapareceu em meio à multidão.
— Bater em mulher é mais fácil, não é? — Josh berrou, revoltado.
— Covarde!
— Me solta, eu vou matar ele! — A briga parecia ter terminado, mas
Jake não se tocou disso e tentava se desviar das mãos de um dos seus colegas
que resolveu intervir. — Você viu? Ele quase morreu.
— Sim, parceiro. — O homem o acalmou. — Você acabou com ele
— completou, segurando o riso.
— É isso aí! — Jake ergueu o ombro, vitorioso.
Josh avançou rápido em minha direção, vendo o pânico estampado
em meus olhos. Seu rosto estava vermelho e eu podia jurar que no dia
seguinte apareceriam vários hematomas.
— Eu sinto muito, meu anjo! — Antes que dissesse qualquer outra
palavra, soltei o braço trêmulo de Carolyne e corri até ele, abraçando-o
desesperada. — Ah! — sussurrou em meus cabelos. — Não queria que
presenciasse isso, mas eu surtei quando vi aquele idiota erguendo a mão na
sua direção.
Ele ergueu minha mão que latejava de dor e estava completamente
vermelha.
— Merda! — lamentou. — Sinto muito. — Beijou minha mão e pela
primeira vez desde que o vi se enfiar naquela confusão, consegui respirar de
verdade.
— Tinha que ver o outro cara. — brinquei, tentando anuviar seu
semblante preocupado.
— Eu jurei que te protegeria. — Havia dor em sua voz.
— A garota tem fibra — Taylor me parabenizou, empolgado.
— É porque você não viu a cara dela quando ele veio encher o saco
— Carolyne completou. — Achei que ia pular no pescoço do cara. Íamos ter
que esconder um corpo, tenho certeza.
Todos começamos a rir e logo a tensão começou a se dissipar.
— Minha garota! — Ele me puxou para seus braços, acariciando-me
no meio da multidão que começava a voltar para seus afazeres festivos.
Eu era sua garota? Estava cada vez mais gostando daquilo.
— Obrigada! — Um ar quente escapou por meus lábios. — Por me
defender.
— Sempre! — concluiu, despejando mais um beijo em minha testa.
— Apesar de saber que se viraria bem sem mim — brincou, mas tanto eu
quanto ele sabíamos o que poderia ter acontecido caso ele não intervisse.
Minha mão queimava de dor, mas eu não podia estar mais satisfeita.
Pela primeira vez me defendi de um idiota como aquele. Se tivesse feito isso
com Caleb, tudo poderia ser diferente.
— Covardes! — Jake se aproximou ainda raivoso. — Viram como
correram?
— Vimos sim, Jake Chan — Taylor zombou sem ao menos ter
transpirado pela briga.
— Vai se foder! — O nosso herói de passos errantes suspirou
aliviado. — Então é isso, galera... VAMOS COMEÇAR A NOITE!
As pessoas que antes assistiam à luta livre que estava sendo travada,
agora alvoroçavam em rompantes de gritos excitados.
— Quer vir comigo? — Josh arqueou as sobrancelhas e mordeu os
lábios. — Não quero te deixar sozinha aqui.
Suas palavras e a verdade em seus olhos fizeram com que todos os
meus órgãos se revirassem.
— Taylor pode levar Carolyne, se ela quiser, é claro.
— Eu? Nas arrancadas? — Tapei a boca com as mãos. — Eu
nunca... — Ahhhhhhh. Estava berrando por dentro. — É claro que sim! —
Participar de uma das arrancadas sempre foi o meu sonho.
— Ei, Carolyne... — Taylor inqueriu. — Vamos? Vai ser divertido.
Que tal?
— Supertopo! — A euforia estampada em seu rosto era diferente do
desespero que tinha visto ali minutos atrás.
Meus Deus, que noite! E ainda estava longe de acabar.
Ele sabe que não importa o que tem debaixo do capô.
O que importa é quem está atrás do volante.
Dominic Toretto

Eu só podia estar sonhando!


Pensei enquanto esperava Josh feito uma criança solta em uma loja
de brinquedos dentro do Camaro. Aquela alegria logo se desfez ao ver com
quem Josh conversava antes da corrida.
Era ela. A irmã de Carolyne.
Rachel empinava o nariz na direção de Josh como se cobrasse
alguma coisa e ele gesticulava com as mãos, explicando-se pacientemente. O
que eu não poderia dizer dos olhos de águia da garota que se mantinham
cravados nele. Torci os lábios, tentando não me incomodar com seja lá o que
for que estivessem conversando e alguns minutos depois, ele deu as costas a
ela com um breve aceno de despedida e o rosto de Rachel se contorceu em
uma careta, visivelmente insatisfeita.
— Estamos prontos. — Ele entrou no carro com um sorriso afetado
no rosto. O que será que tinham conversado?
Suspirei fundo e decidi que, o que quer que fosse, não era da minha
conta. Eu estava feliz demais para começar a criar ideias na minha cabeça.
— Não acredito que isso está mesmo acontecendo! — Abri um
sorriso sincero que tomou todo o meu rosto.
— Pode acontecer quantas vezes você quiser — esbravejou meu
piloto. Seus olhos reluziam um tom azul cintilante. Quase não percebi o
hematoma leve que se formou em sua bochecha devido a um soco que havia
recebido daquele idiota.
— Vou ficar mal acostumada — decretei olhando pela janela e
encontrando uma Carolyne sorridente, abanando a mão vertiginosamente ao
lado de Taylor.
— Anny... — Quando me virei, encontrei o rosto de Josh a
centímetros do meu.
Prendi a respiração enquanto ele transpassava meu corpo com o
cinto de segurança e o travava com precisão.
— Sua segurança em primeiro lugar. — Ele se afastou, deixando-me
na expectativa de qualquer beijo que fosse.
Droga! Eu me sentia perturbadoramente sedenta por qualquer
contato que partisse dele. Parecia uma viciada em abstinência.
Josh travou seu cinto de segurança e deu a partida no carro. Dois
metros à frente havia uma linha vermelha, o ponto de largada. Geralmente, os
pilotos forçavam o motor do carro até atingirem seu máximo e em uma
exibição, cantavam os pneus pelos dois metros que se seguia e paravam na
linha, aguardando a largada. Dessa vez não seria diferente, mas existia um
detalhe que nem Josh, nem Carolyne lembraram ou quiseram me alertar.
Havia duas mulheres no meio da pista aguardando a atenção dos
pilotos para ordenar as largadas, tanto dos metros de exibição, quanto da
largada final. Meu rosto se contraiu ao perceber que Rachel era uma delas e
empinava o corpo, colocando as mãos na cintura, mexendo-se sensualmente
entre os dois carros. Meus olhos rapidamente encontraram os de Josh, que
diferente de mim, estava conturbado.
— Essa largada é... algo antigo — ponderou as palavras, tentando
me deixar a vontade. — Não consegui remanejar as apresentações a tempo.
Olhei para a frente, ignorando suas desculpas e mais uma vez
encontrei os traços exibicionistas de Rachel que, agora, encarava Josh com
uma intimidade avassaladora.
Merda! Merda! Merda!
Meu semblante se tornou frio enquanto meu estômago reverberava.
O que era aquilo agora? Ciúme?
Para os infernos! Sim, era a droga do ciúme corroendo todos os
meus órgãos como se fosse o mais puro ácido.
— Está tudo bem? — Josh afagou minha mão, mantendo um olhar
preocupado.
— Sim. — Ergui as sobrancelhas. — Vamos aproveitar a noite! —
Aquela garota não ia acabar com o prazer que eu sentia por estar ali, com
Josh, participando ativamente da minha primeira arrancada.
Rachel ergueu os braços em uma linha reta em direção ao céu. A
garota loira que eu tinha visto ao seu lado mais cedo fez o mesmo gesto e
gritou: “ATENÇÃO”. Foi dado o primeiro sinal.
Josh pisou no acelerador, mantendo a embreagem e o freio sobre seu
controle. O Camaro acelerava sem sair do lugar. O motor rugia como um
monstro prestes a ser libertado. Olhei pela janela e percebi que Taylor fazia o
mesmo. Um sorriso maroto estava preso aos seus lábios. Rapidamente uma
nuvem de fumaça, causada pelo atrito das rodas em movimento contra o
asfalto, subiu pelos ares, colorindo a noite. Meu corpo foi impulsionado para
trás quando em um solavanco, Josh soltou o freio.
Gritos enlouquecidos surgiam de todas as partes. Todos nos
observavam.
— Uol! — vibrei quando paramos na linha limite de partida. Minhas
pernas tremiam de ansiedade.
Olhei para frente e vi os olhos de Rachel pregados aos meus. Ela
sorriu e lançou uma piscadela em direção a Josh que manteve os olhos
firmes, sem ao menos se movimentar. Podia sentir o olhar de Carolyne nos
fuzilando, ciente da provocação de sua irmã sobre nós.
Mas o que diabos estava acontecendo ali? Eu estava no meio de
alguma coisa que não entendia, mas decidi deixar meus questionamentos para
depois. Naquele momento eu só queria aproveitar a sensação alucinante que
estava vivendo.
— Está preparado, gatinho? — Ela apontou para Josh com a maior
naturalidade do mundo. Ele não respondeu, apenas acelerou o carro,
causando mais um barulho ensurdecedor.
— E você? — Voltou-se para Taylor que berrou em alto e bom som
que tanto eu quanto Josh comeríamos poeira.
— Vai sonhando, Taylor — Josh rebateu. — Hoje eu trouxe um
amuleto da sorte. — Ele tocou meu queixo e algo em meu peito acendeu.
Não podia negar que meu ego se inflou com aquelas palavras.
Pensei que o tormento tivesse acabado, mas para minha surpresa,
Rachel enfiou as mãos nos peitos e arrancou de lá um sutiã vermelho,
deixando seus seios bem marcados pelo vestido fino.
— Argh! — Quando percebi já tinha falado, causando uma
gargalhada gutural em Josh. Geralmente, aquele tipo de exibição era comum
em arrancadas, mas pelo motivo de ser Rachel a fazer aquilo e sabe-se Deus
por que eu estava tão cismada com ela, eu senti meu estômago revirar.
A ruiva rebolou uns bons bocados antes de largar o sutiã no chão,
dando início a largada.
Mais uma vez os pneus dançaram contra o asfalto. Josh sorriu de
lado e se concentrou na pista à sua frente. A rua era mal iluminada e se perdia
em uma infinidade plana. A fumaça ficou para trás, assim como Rachel e
toda a plateia que nos ovacionava.
O motor acelerava, enquanto Josh mantinha o rosto calmo. Ele
aproveitava a corrida. Meu corpo mal se movia, tamanho o impulso que era
projetado sobre ele.
Virei a cabeça, encarando nosso amigo e oponente. Taylor estava a
centímetros de distância.
— Vamos ganhar?
— Já estamos ganhando, meu anjo!
Aproximávamos de uma curva, estava distante e havia uma lombada
poucos metros antes.
— Aquela é nossa linha de chegada. — Alegrou-se. — Taylor nunca
conseguiu me vencer.
— Olha só! — reclamei. — E eu achando que seria a causa da sua
vitória. Seu trevo de quatro folhas.
— Não faz ideia do que está falando — disse. — Antes eu me sentia
rápido. — Seus olhos se mantinham na estrada. — Agora eu me sinto sortudo
porque tenho você. É diferente. — Suas palavras me fizeram flutuar e toda a
insegurança que eu sentia se desfez diante daquela voz rouca e compenetrada.
Ele tinha sorte por ter uma garota tão complicada como eu entrando
em sua vida?
Ah, Josh!
— Vai comer poeira! — Taylor berrava da janela e Josh diminuiu a
velocidade me fazendo encará-lo.
Estava entregando a corrida?
Um, dois, três segundos de vantagem.
— Josh? — Antes que pudesse me responder, ele acelerou o carro,
soltando a embreagem. O Camaro reacendeu a chama e como um torpedo,
passou ao lado de Taylor alcançando em segundos o ponto final da corrida.
Ganhamos!
— Estou impressionada! — declarei. — E não sinto minhas pernas.
Josh irrompeu em uma nova crise de gargalhadas. A risada mais leve
que já ouvi na vida.
— Você é um sortudo de merda! — Taylor acusou quando
retornamos ao ponto principal das arrancadas enquanto Josh recebia os
parabéns dos próximos corredores.
Olhei ao redor e os observei organizar as próximas duplas que
fariam o mesmo percurso. Se apresentariam em dois metros de largada e
depois competiriam em uma reta de aproximadamente trezentos metros da
área de aceleração. Vibrei quando encontrei um Mustang Shelby na fila das
arrancadas.
— Carolyne, olha! — Apontei para o carro cinza que enchia meus
olhos.
— Nossa, que maravilhoso! — ela comentou. Taylor, Jake e Josh
orientavam os próximos participantes às nossas costas. — Ah, meu Deus! —
Carolyne bradou encarando o relógio em seu pulso.
— O que foi? — Preocupada, encarei seus olhos aflitos.
— Eu sinto muito, mas preciso ir embora. — Seus ombros caíram
pesados após um suspiro profundo. — Meu irmão está sozinho e eu já me
atrasei.
— Não se preocupe — acalmei-a. — Teremos outras arrancadas e
posso garantir que esse Mustang volta para correr. — Olhei mais uma vez
para o carro e desisti de vê-lo participar das arrancadas. Precisava levar
minha amiga embora como combinado.
— Vou chamar os meninos e...
— Olha só... — Rachel abordou Carolyne de forma precisa, antes
mesmo que terminasse sua frase. — Resolveu aparecer... — Ela exalava ódio
em cada uma de suas palavras.
— Eu vou aonde bem entendo — Carolyne se defendeu parecendo
um cãozinho acuado.
— Trouxe sua mãe? — Rachel ergueu as sobrancelhas delineadas
em nossa direção e olhou sobre os ombros de maneira teatral. A garota era
verdadeiramente bonita. Seus grandes olhos cor de mel tonalizavam todo o
rosto coberto de sardas, assim como os de Carolyne. — Talvez tenha algum
marido aqui que ela queira roubar.
Que merda era aquela agora? Do que Rachel estava falando?
— Cala a boca, Rachel. — Carolyne trincou os dentes com força. —
Não dê ouvidos, Anny. Ela só está querendo nos atacar. — Desviou do
assunto.
— Sua nova amiguinha não sabe sobre a raça de gente podre da qual
você descende? — respondeu com sarcasmo.
— Rachel, não! — Carolyne estava visivelmente abalada.
— Oh... — Rachel levou as mãos à boca em um teatro forçado,
fingindo pena. — Não contou para ela que sua mãe foi amante do meu pai?
Que você nasceu de um relacionamento adúltero? Se fossem outros tempos,
bastarda seria um nome adequado para você, não é mesmo?
— Acho melhor você desaparecer da nossa frente — brami,baixo,
controladamente. Já estava um tanto abalada depois de todos os
acontecimentos da noite e ao que tudo indicava, também estava ficando um
pouco louca e agressiva.
Tanto Rachel como Carolyne se assustaram com minha reação.
Rachel enrugou a testa, destacando os cílios postiços.
— E quem você pensa que é pra falar qualquer coisa comigo?
— Desde quando isso é da sua conta, garota? — Dei um passo em
sua direção, fazendo-a recuar.
Eu não ia permitir que ela destratasse Carolyne daquela forma. A
garota já estava tremendo dos pés à cabeça, isso sem contar os enormes olhos
arregalados. Parecia apavorada.
Passei por ela que nem um tornado, puxando Carolyne que mais
parecia ter virado uma estátua e deixei Rachel com uma expressão estranha
pregada ao rosto. Logo percebi que ela não era a única a me encarar daquela
forma. Uma de suas amigas, a gêmea do mal, encarava-me com a mesma cara
de animal atropelado.
— Está acontecendo alguma coisa, meninas? — Fomos
interceptadas por Josh e Jake, que perceberam visivelmente o estado
catatônico de Carolyne.
— Não! — menti, sorrindo, na esperança de que meus olhos
arregalados de raiva não me desmentissem. — Queríamos agradecer pela
noite e nos despedir.
— Mas já? — A voz de Jake me surpreendeu.
— A Carolyne tem que ir embora e eu prometi que a levaria. — Dei
de ombros.
— Posso te trazer de volta, se quiser — Josh se ofereceu.
— Acho que por hoje já vivi emoções demais.
— Demais! — Carolyne sussurrou, segurando firme a minha mão.
— Sendo assim, acompanho as senhoritas até o carro.
Josh abriu a porta para que eu entrasse e ficou ali, imóvel,
aguardando que eu desse a partida e fosse embora. Meu coração ficou
ligeiramente inquieto, lembrando-me das palavras de Rachel.
Tudo o que eu não precisava naquele momento era me preocupar
com uma mulher como aquela e as coisas que saiam de sua boca.
— Até logo! — despedi-me, dando a partida, enquanto meu coração
freava bruscamente.
— Bye, Bye, Jake! — Carolyne sacudia-se no banco, dando um
adeus teatral ao moreno que ria um pouco mais descontraído.
Virei a chave duas vezes e o motor não ligou.
— Não quer ligar — comentei.
Josh franziu o cenho e deu a volta no carro, observando as laterais.
— O que aconteceu? — Carolyne interpôs.
— Anny, desce do carro — Josh pediu aflito. Obedeci rapidamente.
— Alguém mexeu no seu motor — alertou, apontando para o capô
destravado.
— Filhos da puta! — Jake praguejou.
Será que os caras da briga de mais cedo, amigos de Ted, podiam ter
tido a brilhante ideia de se vingar de mim, matando o motor do meu carro?
— E agora? — Carolyne estava impaciente.
— Não se preocupem — Josh interveio. — Levo vocês em casa e
depois damos um jeito no Impala e o deixamos na sua garagem.
Meu coração se partiu ao meio.
— Vou ter que deixá-lo aqui? — Sentia que meus olhos ameaçavam
me entregar, enchendo-se de lágrimas.
— Fica tranquila, meu bem. — Josh se aproximou. — Estaremos de
olho e não sairemos daqui sem levá-lo conosco.
— Pode crer! — Jake confirmou.
Ainda desconfiada, aceitei a proposta e abandonei meu Impala a
própria sorte, sentindo uma dor excruciante se abater sobre meu peito.
Durante o percurso para a casa de Carolyne, ela se manteve em
absoluto silêncio. Não disse uma palavra sequer. Sabia que estava perturbada
pelo que havia acontecido, assim como eu. Não fazia ideia de que Carolyne
vinha de um relacionamento baseado em uma traição. Independente daquilo,
ela não tinha culpa de nada e era errado aquele demônio em forma de irmã
usar aquilo contra ela.
— Carolyne! — Segurei sua mão quando ela desceu. — Vá até
minha casa amanhã quando terminar seu turno na Red. Vamos jogar um
pouco de conversa fora. — Dei de ombros.
Ela concordou com um aceno. Eu desejava entender mais sobre
aquele episódio catastrófico e ela sabia daquilo. Surpreendentemente, ela me
lançou um sorriso. Era nítido o alívio em seu rosto. Talvez agora ela soubesse
ou ao menos imaginasse que nossa amizade não seria desfeita por causa
daquela triste realidade.
Bem... se não soubesse, eu faria questão de ressaltar isso no dia
seguinte.
— Até amanhã! — Acenou com vontade enquanto corria para dentro
de casa.
— Podemos ir, senhorita? — A voz de Josh me trouxe de volta para
a realidade e um fogo avassalador queimou meu corpo quando percebi que
estávamos sozinhos mais uma vez.
— Podemos ir... mas... — Fechei os olhos com força.
— O que foi, Anny? — Ele se virou para mim e emitiu um ruído
preocupado.
— Eu me lembro... — sorri, desfazendo meu teatro — ... de alguém
ter dito algo sobre eu dirigir esse Camaro.
— Ah! — A tensão em seu rosto se aliviou. — Que susto! Mas é
claro.
Em um salto, Josh saiu do carro e deu a volta, abrindo a porta para
que eu descesse. Segundos depois, assumi o volante e a sensação de poder
que aquele carro emitia logo se apoderou do meu coração pequeno. Coloquei
as mãos no volante de couro. Meu corpo vibrou.
— Sabe guiar um carro desses? — ele questionou e eu sorri
maliciosamente.
— Carros são como homens. Só muda o câmbio de marcha. — Dei
de ombros.
Silêncio!
— MEU DEUS! — Ele irrompeu em uma gargalhada alta e gostosa
com os olhos arregalados, espantado com minha piada de duplo sentido. —
Isso lá é horário para uma piada indecente dessas, senhorita Thompson?
— Sinto muito se feri sua honra. — Suprimi o sorriso. — Não
resisti.
— Você é incrível!
— Confia em mim, Josh Mathews? — Acelerei o carro, virando a
primeira direita e pegando uma rua reta e erma que despencaria na rua da
nossa casa de acordo com as orientações de Josh.
Passei da primeira marcha para a quinta em uma fração de segundos.
— Se eu confio em você? — Ele se inclinou e conferiu o cinto ao
redor do meu corpo. — Teoricamente? Com toda a minha vida.
— Ótimo! — declarei, calculando meus passos sobre o rugido
daquele motor potente. — Agora é a minha vez de te mostrar um pouco do
meu mundo.
Os olhos de Josh saltaram das orbitas quando comecei a me
aproximar de uma curva fechada sem reduzir a velocidade.
— Precisamos virar na próxima — alertou-me. — Anny, não vamos
conseguir fazer a curva nesta velocidade.
Meus cabelos dançavam ao vento e como chicotes, serpenteavam no
ar. Josh tocou meus joelhos, alertando-me mais uma vez.
— Confia em mim ou não?
— É que... AHHHHHHHHH!
Ele não teve tempo de falar.
Em um rompante de adrenalina, puxei o freio de mão e controlei a
embreagem como era acostumada a fazer quando participava de algum drift
com meu irmão. Uma das poucas, e nada segura, atividades que Bruce me
permitia participar.
O carro entrou de lado pela rua vazia cantando os pneus enquanto
Josh se agarrava no painel, assombrado. Foi um jogo arriscado. Eu não
conhecia a cidade, não fazia ideia do que acontecia por aquelas ruas e muito
menos tinha ciência do poder daquele Camaro. Mas ainda assim, o drift foi
perfeito e o no fim, o semblante de Josh era impagável.
Lentamente ele olhou em minha direção. Os olhos azuis faiscavam
de... desejo? Um sorriso tomou seus lábios e o que veio a seguir me
surpreendeu.
— Como faço para não me apaixonar por você?
Abri a boca, mas a euforia não me deixou concluir nenhuma palavra.
Meus olhos chamuscavam, tinha certeza. Aliás, meu corpo todo pegava fogo.
Mordi os lábios tentando conter o calor que se alastrava por meu peito.
— Onde aprendeu a fazer isso? — Suas palavras saíam
entrecortadas. Ainda estava sem fôlego, pego pelo susto. — Estou
verdadeiramente surpreso. Você é uma mulher de muitas facetas.
— Tudo que sei aprendi com meu mentor. — Fiz a curva que
terminaria em nossa rua. — Meu amigo, meu parceiro, meu tudo!
— E quem é esse homem? — inquiriu torcendo os lábios. O receio
em sua voz era palpável e algo dentro de mim vibrou.
Josh também sentia ciúme de mim? Porque eu quase arranquei os
cabelos de Rachel quando ela me provocou e ainda estava enojada lembrando
de suas palavras ácidas. Saber que ele guardava os mesmos sentimentos fez
um breve sorriso surgirem meu rosto.
— Meu irmão. — Um sopro de alívio depois, Josh desceu do carro e
abriu a porta para que eu descesse, acompanhando-me de perto até a entrada
da minha casa.
— Gostaria de conhecê-lo — disse, por fim. — Se ele tiver as
mesmas qualidades que você, deve ser um cara bacana.
— Vocês seriam grandes amigos, tenho certeza. — Josh
provavelmente já o conhecia. Todo o país já tinha ao menos ouvido falar de
Bruce Thompson, capitão dos Iron, mas aquela era uma conversa para outra
hora.
Olhei em seus olhos e perdida por um instante, comecei a subir os
degraus da minha varanda. Um dos meus pés passou pelo degrau direto. Os
braços de Josh envolveram minha cintura antes que eu me estabacasse no
chão.
Inferno! Seus olhos penetrantes literalmente me fizeram tropeçar.
— Desculpe! — Tentei recompor um pouco da minha dignidade.
Ele não disse nada, apenas me olhou fixamente, desestruturando meu
mundo.
— Eu... — arfei, envolta em seus braços. — Boa noite!
Boa noite? Onde eu estava com a cabeça?
— Tenha... uma ótima noite! — Josh se aproximou, derramando
sobre minha pele sua respiração quente e entrecortada. Ah, Deus, ele ia me
beijar. Enfim, o momento havia chegado.
Fechei os olhos enquanto um arrepio descomunal varria minha
coluna. Para meu desespero, Josh depositou um beijo úmido e instigante no
canto dos meus lábios, fazendo com que eu me contorcesse dos pés à cabeça
e, lentamente, o homem mais lindo que eu já vira, afastou seu corpo do meu.
Deixando-me quente por dentro e por fora.
Ele deu um passo para trás, decido a ir embora.
Mas que...
— Te vejo amanhã?
Te vejo amanhã?
Balancei a cabeça, confirmando e com um sorriso aflito, ele se virou
de costas e começou a se afastar.
Josh estava indo embora... ou melhor, eu estava permitindo que ele
fosse.
Por que diabos ele não me beijava? A troco de que controlava o
desejo que eu via arder em seus olhos? Não fazia ideia da resposta de
nenhuma daquelas perguntas.
Eu tinha tomado uma decisão quando me mudei para Fênix Hill.
Queria viver cada um dos meus segundos como se não existisse amanhã. E
naquele momento meu corpo pulsava de desejo. Uma vontade ardente de
beijá-lo e ser tocada por ele. Deixei que aquele sentimento me invadisse e
uma coragem avassaladora me possuiu.
— Josh! — chamei e ele instintivamente se virou em minha direção.
Corri até ele que permanecia parado, atônito. Nossos corpos se
chocaram, joguei meus braços em seu pescoço e antes que perdesse a
coragem, colei meus lábios aos seus. Sem precisar de mais avisos, Josh
enlaçou minha cintura com vontade, unindo nossos corpos. Sua língua
queimou minha boca tamanha era a ardência que se instaurara em meu corpo.
Nossos corpos mal se moviam, apreciando o cheiro, o sabor, as
sensações um do outro. Sua boca avançava, raivosa, mordendo meus lábios
em um beijo cheio de necessidades. Ele pressionou meu corpo contra o seu e
segurou minha nuca, impedindo que eu me afastasse. Mal sabia ele que a
última coisa que eu queria naquele momento era me afastar.
Josh permitiu que seus lábios fugissem dos meus e atacou meu
pescoço com beijos que roubaram meu ar e me fizeram delirar. Novamente
ele subiu por minha pele até alcançar a boca. Em um segundo, ele girou meu
corpo, pressionando-me contra seu carro, enlaçando nossos dedos com sua
mão livre.
Nossos lábios se encontravam em perfeita sincronia. Aquele gosto
de cerveja e menta me alucinou. Seu cheiro, seu toque... tudo era incrível. Ele
era incrível. A noite nublada e ventosa não tinha efeito sobre o incêndio que
começava ali no meio de nós.
— Ah! — Um gemido rouco escapou por meus lábios quando ele
mordiscou meu lábio, comprimindo minha cintura. — Por que demorou tanto
para me beijar? — questionei, anestesiada.
— Porque... — Levou minha mão à sua boca, despejando ali um
beijo terno e logo prosseguiu com a tortura, beijando vagarosamente o espaço
entre meu maxilar e meus lábios. — Eu não queria ver em seu rosto a
expressão que encontrei naquela noite no pomar. — Ele envolveu minha boca
com a sua com uma vontade enlouquecedora.
— Então por isso não me beijou? — Tentava raciocinar. — Estava
com medo de que eu...
— De que você se assustasse. — Acariciou meu rosto. — De que
não fosse o momento certo. Então esperei por você. Até agora, quando
resolveu que, por conta própria, desejava me beijar. — Um sorriso maldoso
tomou conta de seu rosto. Ele sabia os arrepios que seu corpo causava ao
meu. — Como eu senti falta desse toque, desses seus lábios. — Seu sorriso se
desfez. — Não pensei que seria tão difícil me controlar perto de você.
— Você está me deixando louca. — Josh me envolveu em seus
braços e me beijou novamente.
Ele era bom com as palavras, com os beijos, com a pegada... Oh,
céus, ele era bom em tudo.
Seu corpo contra o meu me revelava um pouco de Josh que eu ainda
não conhecia. Seus músculos me cercavam e aquilo me preencheu de uma
excitação descontrolada.
Eu queria ser tocada por ele. Eu queria ser amada por ele.
Enlacei seus cabelos com meus dedos, possuída por um desejo
delicioso. Mordi seu lábio e o ouvi soltar um gemido rouco que mais parecia
um grunhido. Comprimi meu corpo ainda mais contra o seu e foi então que
eu senti sua ereção rígida contra mim.
— Acho melhor pararmos por aqui, senão...
— Senão? — sussurrei rente aos seus lábios. Pontos pulsantes se
espalhando pelo meu corpo. Sentir que ele também estava excitado aumentou
ainda mais o desejo ardente em meu peito.
— Se você não parar agora... — ele arfou quando subi a mão por seu
peito, sentindo cada músculo que a camisa escondia sob a jaqueta. — Eu não
vou conseguir me controlar.
— Josh... — Toquei seu rosto e olhei dentro dos seus olhos,
encontrando um mar profundo, escuro sob a luz fraca da lua escondida atrás
das nuvens e vi o reflexo do meu próprio desejo. O desejo que me incendiava
e me fazia perder qualquer tipo de senso ou precaução.
Eu não queria ser precavida. Eu não queria me preocupar. Eu só
queria Josh. Por uma noite que fosse. Por um momento. Mas por Deus, eu o
desejava.
— Eu não quero que se controle — sussurrei rente aos seus lábios e
o vi me encarar por um segundo, varrendo meu rosto à procura de algum
sinal.
Josh contornou meu rosto com as mãos e tomou meus lábios de
forma afoita.
Ele tinha entendido meu sinal!
Seu corpo guiou o meu até que estivéssemos colados rente à porta da
minha casa. Sua língua dançava em minha boca, ora mordiscando, ora
penetrando meus lábios e levando tudo que eu estava disposta a dar.
Sua mão percorreu a lateral do meu corpo, pressionando sua ereção
contra mim. Meu peito ardia, assim como cada pedaço de pele que ele tocava.
Seus dedos encontraram a beirada da minha blusa e ele encostou os dedos
gelados em minha pele e causou uma onda de arrepios por todo o meu corpo.
Ele subiu os dedos, tateando minha pele e parou rente aos seios.
Tudo em mim estava pulsando. Todo o meu corpo e meu coração
clamavam por Josh. Um tremor irradiou por meus lábios com aquela certeza.
Escorreguei a mão pela porta até abri-la atrás de mim, segurei-o pela
beirada da jaqueta e o puxei para dentro.
Puxei Josh para mim.
Você e eu
Somos como fogos de artifícios e sinfonias
explodindo no céu
Com você eu estou vivo
Como se todas as peças que faltavam no meu coração
Enfim colidissem
Sad Song - We The Kings feat Elena Coats

— Tem certeza? — Tentei ter forças para questionar, mas a minha


sanidade estava falhando, perdido no êxtase que era ter Anny em meus
braços.
Ela meneou um aceno, confirmando mais uma vez. Os olhos
entreabertos me observavam e eu desejei ter o poder de ler mentes naquele
momento. Queria saber o que ela estava pensando. Suas bochechas coradas
estavam me tirando do sério.
Entramos na casa da Anny, nossos corpos agarrados como se
necessitássemos um do outro para continuar a respirar e aquela sensação
ficava cada vez mais forte. Em algum momento chegamos à cama e nossas
jaquetas foram parar no chão, como se não se encaixassem naquele momento
tão... delicioso.
Anny se aproximou, a timidez estampava seus olhos. Os lábios
volumosos se mantinham entreabertos, formando um coração perfeito e eu
não resisti a tocá-los com meus próprios lábios. Entrelacei minha mão na sua,
sentindo o gosto doce do beijo de Anny se espalhar por todo o meu corpo.
Com certeza era ali que meu coração estava batendo. Nos lábios dela. Nos
olhos dela.
Desci a mão pela lateral do seu corpo até alcançar a beirada da
camiseta e erguê-la o suficiente para que mais uma vez minhas mãos
estivessem em contato com sua pele clara. Ela arfou com meu toque e seu
corpo ficou rígido por um segundo ou menos.
— É que... faz muito tempo — admitiu sem abrir os olhos.
— Meu anjo — prendi a respiração, controlando-me para não
avançar nem um centímetro que fosse, por mais que aquilo estivesse me
matando —, é isso mesmo o que quer?
— Muito! — ela disse entre arfadas que me enlouqueceram ainda
mais. — Eu quero isso com você. Eu quero agora, Josh. Eu preciso de você...
— Gemeu quando enlacei sua cintura, trazendo seu corpo contra o meu.
— Ah, meu anjo! — soprei, descendo meus lábios por seu pescoço,
deixando uma trilha de mordidas e beijos pelo caminho.
Ela segurou minha camisa com vontade e me encarou. Nossos olhos
se encontraram e ali, no escuro de suas íris, havia tanto desejo que senti
pulsar, duro, sem controle.
Anny puxou minha camisa até que ela fizesse parte do pequeno
amontoado de roupas no canto do seu quarto. Seus olhos recaíram sobre as
minhas tatuagens espalhadas pelo peito e ela se inclinou, descendo com os
lábios pelas linhas escuras, demorando-se na garra que tomava meu ombro e
escorregando por ali. Estremeci e a ergui no ar, descontrolado, excitado,
enlouquecido por Anny.
Joguei-a na cama com um gritinho seguido de um sorriso.
— Você está me enlouquecendo. — Montei nela, cercando-a por
meus braços.
— Essa é a intenção. — Sua voz surgiu entorpecida. Seus dedos
ainda passeavam por meu corpo enquanto eu estava louco para conhecer mais
dela. Para sentir Anny.
Aconcheguei-me entre suas pernas e encarei-a. Um sorriso tímido se
formou no canto dos seus lábios e por um momento eu desejei permanecer
ali, observando seu sorriso. Sentindo seu perfume, adorando sua beleza
inocente e provocadora ao mesmo tempo. Porém um desejo ainda mais
primitivo me tomou e eu percebi que só observá-la jamais seria o suficiente.
Eu queria estar dentro de Anny, queria senti-la, queria ouvi-la gemendo meu
nome, queria preenchê-la. Ah, Deus, eu queria aquela mulher para mim.
Capturei sua boca em um beijo delicioso, ardente. Busquei sua
língua, sugando aquele sabor infinitamente doce. Anny arqueou o corpo
quando mordi seu lábio e fez o mesmo enquanto eu descia por sua pele
macia, trilhando um caminho em direção ao vale entre seus seios.
Passei os lábios por cima da camiseta e constatei algo que me
enrijeceu ainda mais.
Ela estava sem sutiã. Não havia reparado antes porque a jaqueta
escondia, mas ali, agora, aqueles mamilos enrijecidos não poderiam ser
escondidos.
Ela estava excitada e ser o motivo daquilo me fez sorrir. Mordisquei
o mamilo sob o tecido fino.
— Josh! — choramingou, respirando em arquejos oscilantes que me
enlouqueceram.
Porra! Aquela sensação de tê-la em meus braços. Sua voz doce
chamando meu nome, seu olhar entregue e todo o desejo que eu via ardendo
neles... o que era aquilo?
Tateei até encontrar a alça da camiseta e puxei-a para baixo até me
livrar dela por completo, desnudando-a e revelando um par de seios redondos
e empinados que exigiam minha atenção. Passei o polegar sobre um dos
mamilos intumescidos e vi Anny se remexer sobre mim mordendo o próprio
lábio. Desci sobre ela e lentamente passei a língua por seu mamilo.
— Ah! — Ela arqueou as costas, erguendo-se em minha direção.
Repeti o movimento e o capturei com a boca.
Suguei-o com vontade enquanto comprimia o outro mamilo entre os
dedos. Suas curvas eram perfeitas e eu me vi mergulhando no vale entre seus
seios. Chupei sua pele ali, roçando os dentes na pele branca. Anny cravou as
unhas em meus braços. Prendi um mamilo entre os dentes e apertei, fazendo
pressão o suficiente para ouvi-la gemer meu nome mais uma vez.
— Josh! — Ela manteve os olhos fechados e eu não resisti.
Precisava de mais.
Abri sua calça, tirando-a junto com a minha logo em seguida.
A imagem de Anny vestida apenas de calcinha na minha frente fez
um calor percorrer todo o meu corpo. Cada curva, cada pedacinho de pele era
perfeito e eu pretendia percorrer com a minha língua cada centímetro daquele
corpo.
Deitei-me sobre ela, tocando-a novamente. Senti seu corpo se
remexer sob o meu buscando mais. Como se necessitasse do meu toque para
aplacar o calor que emanava dos nossos corpos. Olhei em seus olhos mais
uma vez e vi uma constelação infinita brilhando de volta para mim.
Toquei o tecido fino da calcinha de renda. Meus dedos se enlaçaram
ali, sem deixar de olhá-la nos olhos, tirei o tecido e apreciei seu corpo
completamente nu diante de mim.
— O que está olhando? — ela sussurrou, tímida, muito mais corada.
Sorri.
— Só estou vendo o quanto você é linda — afirmei tocando sua
coxa. Comprimindo-a.
Minha boca ávida buscou a sua. Beijei seus lábios com afinco. Não
conseguia controlar o tesão que se apoderava de mim.
Anny desceu os dedos por meu peito, dedilhando cada centímetro da
pele e, sem me encarar, puxou o elástico da minha cueca e deslizou os dedos
para dentro, segurando meu membro com firmeza.
Porra! O pouco do controle que eu ainda tinha acabara de ir para o
ralo.
— A sensação... — ela sussurrou contra a minha pele, subindo os
dedos pela extensão do meu membro. Um arrepio se espalhou por meu corpo
e o pulsar se tornava cada vez mais intenso. Ir devagar ficava mais difícil a
cada segundo. — Eu quero saber qual é a sensação de ter você... dentro de
mim. — E fechou os olhos, fugindo dos meus depois de atear fogo no meu
corpo.
Afastei sua mão apenas para me desfazer da cueca e me encaixei
entre suas pernas. Senti-la tão perto era perigoso, atraente. Bastava um
impulso, centímetros à frente, para que eu a penetrasse de uma vez só.
Ainda não! Se controla, porra!
Passei a mão por seu corpo, descendo pela curva de suas nádegas.
Estremeci mais uma vez, tentando controlar o desejo de preenchê-la.
Segurei seu pulso e rocei meu membro contra a carne macia e
molhada entre suas pernas.
— Porra, que delícia! — rosnei, deslizando um dos meus dedos para
dentro dela.
— Ahhhhh! — ela gemeu baixinho. — Ah, Josh! — continuou
quando comecei a penetrá-la com dois dedos.
Meu pau pulsou quando senti todo aquele calor. Ela estava
queimando, assim como eu.
Massageei com meu polegar o ponto pulsante entre as suas pernas e
senti suas coxas se contraírem contra mim. A sensação de sua pele macia
roçando contra a minha me fazia delirar. Era delicioso.
Continuei esfregando-a, penetrando-a com meus dedos até sentir que
seus lábios estavam inchados, prontos.
— Josh, eu... preciso... — ela choramingou quando pressionei o
polegar e o mantive parado sobre o ponto deliciosamente pulsante.
— Precisa de quê? — Eu queria ouvi-la. Eu precisava ouvir que ela
sentia o mesmo que eu. Que me desejava dentro dela, assim como eu.
— Preciso de você! — pediu e eu sorri, retornando a tortura e
acariciando-a com vontade. Girei o polegar e a vi se contorcer sob meu
corpo. Pequenos gemidos escapavam por seus lábios e soavam como música
aos meus ouvidos.
Ela tocou meu membro e com a ponta dos dedos colocou-me em sua
entrada, erguendo o quadril contra mim.
Tateei pelo colchão à procura da camisinha dentro da minha carteira.
Coloquei-a antes que não tivesse mais forças para isso.
Avancei sobre ela que enlaçou meu pescoço com os braços,
puxando-me para mais perto. Retomei a atenção no ponto entre suas pernas
até que sua respiração oscilante tocasse minha pele. Anny cravou as unhas
em minhas costas com vontade e pouco se importou com os gemidos altos e
profundos que escapavam por seus lábios macios.
— Josh! — gemeu, arqueando o corpo enquanto eu mantinha meu
polegar pressionado contra sua carne. — Ah, Josh! — Ela contraiu as coxas e
se encaixou em mim. A ponta do meu membro roçou a fenda úmida,
enlouquecendo-me.
A ideia de entrar em Anny deixava minha boca seca. A ansiedade
por ouvi-la gemer ainda mais alto fez minha imaginação voar. Eu a queria de
todas as formas. Queria penetrá-la não só ali, não só agora. Aquele desejo
estava me assustando, mas eu não queria lutar. Desejava sentir mais desse
coração acelerado de expectativa como se fosse novamente a primeira vez.
Um som trêmulo e extasiante escapou pela boca entreaberta de
Anny. Ela gemeu, agarrando-se a mim com força. Seu corpo foi tomado por
pequenos espasmos enquanto o prazer percorria sua pele. Estreitei os olhos,
um calor abrasador tomou meu peito.
Algo lascivo inebriou meus sentidos. Eu só sabia sentir, deslizando
meu membro para dentro de Anny.
— Porra! — rosnei. Anny era tão apertada, tão quente que eu sequer
conseguia respirar. Entrando cada vez mais, perdendo-me cada vez mais. —
Olha pra mim — pedi completamente dentro dela.
Anny abriu os olhos e uma infinidade de sentimentos se revelou
diante do seu olhar.
— Ahhhhhhhh! — Estoquei fundo sem conseguir me controlar.
Era quente demais. Delicioso demais. Perfeito demais, como se ali
fosse o meu lugar. Seus dedos se entrelaçaram em meus cabelos, minhas
mãos varriam seu corpo, tocando e tomando tudo que ela estava disposta a
me dar. Estoquei mais fundo e de novo, e de novo. Anny mordeu meu lábio e
mais uma vez meu nome escapou por seus lábios.
O quarto foi preenchido por nossos gemidos ensandecidos quando
chegamos juntos ao clímax.
Nossas respirações oscilantes se encontraram e por algum motivo,
Anny deu um sorriso gigantesco e tapou os olhos.
Será que ainda estava com vergonha? Depois de tudo que aconteceu
aqui?
— O que foi? — Tirei uma de suas mãos do rosto e beijei seus
lábios, ainda com a respiração alterada.
— Como é que eu vou ter coragem de te encarar depois disso? —
Seu rosto estava vermelho. — Como vou sair de casa sem me lembrar do que
aconteceu aqui nesta cama? — Capturei seu lábio enquanto falava.
— Eu quero que se lembre de cada detalhe. — Despejei vários beijos
em seu rosto. — E quero que deseje vir parar aqui, nesta cama, toda vez que
me ver.
— Toda vez? — Ela gargalhou.
— Ainda é pouco, Anny. — Beijei-a. Seu corpo, pequeno perto do
meu, parecia acender como uma estrela. Ela brilhava. — Eu quero que isso se
repita. Eu quero poder te beijar, te abraçar, te sentir...
Minha estrela...
Ela arfou e mais uma vez eu estava duro.
Puxei-a sobre mim, inclinado a fazer aquela noite se tornar
memorável.
Beijei sua boca e arrisquei-me um pouco mais. Deslizando os lábios
pela lateral do maxilar, descendo, depositando beijos até seu pescoço. Ela
arfou, puxando-me para mais perto.
Entretanto, antes mesmo que eu pudesse tocá-la, meu celular
começou a chamar dentro da calça esquecida no meio do quarto.
Decidi ignorá-lo.
— Pode ser algo importante — Anny disse.
E por mais que eu não quisesse concordar, sabia que ela tinha razão.
Levantei-me a contragosto para buscá-lo.
— É o Taylor! — Visualizei e atendi.
Alguns minutos de discussão depois...
— Ele precisa de mim para finalizar as arrancadas. — Desliguei o
telefone bufando.
— P-pode ir! — ela gaguejou e eu me senti um idiota por ter que sair
dali assim. — Nos vemos amanhã. — garantiu, como se aquilo não a
estivesse incomodando de algum modo.
— Nos vemos hoje. — Desci sobre seu corpo, colando o meu ao
dela e acariciei seu rosto. Toquei o fio solto em seu rosto e o ajeitei atrás da
orelha. — Em breve estarei de volta. — Seus olhos se iluminaram e por
Deus, meu coração vibrou ao perceber que ela me queria ali, ao seu lado, pelo
resto daquela noite.
— Ok — ela sussurrou. — Estarei te esperando.
A cobri com um lençol e fui até o seu banheiro me livrar da
camisinha. Quando retornei, Anny estava dormindo com um semblante
calmo. Vê-la e não sorrir era impossível.
Aproximei-me e acariciei seu rosto perfeitamente desenhado. Os
cílios pesados sequer se mexiam. Ela apagou!
Um desejo estranho de me deitar ao seu lado e enlaçar seu corpo ao
meu, quase de forma protetora, invadiu meu peito e eu precisei de muito
autocontrole para não retornar para a cama. Peguei mais uma vez o lençol que
pelo visto ela tinha chutado para a beirada da cama e estava prestes a cobri-la
novamente quando notei algo diferente.
Algo que eu não tinha visto antes.
Havia uma cicatriz amarronzada de uns quatro dedos de altura e um
de largura. A pele ali estava repuxada, como se tivesse cicatrizado há pouco
tempo. Não era uma cicatriz pequena, ou que geralmente ganhamos ao longo
da vida por algum acidente banal, não. Era profunda e estranhamente fez uma
pontada surgir em meu peito.
O que aconteceu para que Anny tivesse conseguido aquela cicatriz?
Eu não sabia.
Cobri novamente seu corpo e saí dali com aquela imagem na cabeça
e um nó na garganta. Não sabia o motivo de nada daquilo, mas como diria
minha avó...
Você não precisa saber para sentir.
E eu senti... só não sabia que estava prestes a cair em um buraco
fundo, escuro e doloroso.
Um caminho sem volta.
Logo eu, dono das estradas.
Acordei e me olhei no espelho
ainda a tempo de ver meu sonho virar pesadelo
Paulo Leminski

Estava tão escuro...


Não havia uma pequena brecha de luz sequer. Tateei o ar à minha
frente na esperança de conseguir tocar em algo sólido. Meu coração
palpitava, desesperado. Um frio mórbido assolava meu corpo.
Que lugar é esse?
Dei um passo errante no vão escuro e com as pontas dos dedos senti
o chão firme à minha frente.
Olhei de um lado para o outro e não havia nada além da escuridão.
Tentei gritar, mas minha garganta parecia colada, minha língua não
me obedecia. Eu estava presa e uma sensação desesperadora se apossou do
meu peito.
À minha frente, tão lentamente que quase não acreditei estar
acontecendo, uma fresta de luz irrompeu pela negra escuridão.
Meu Deus, eu precisava sair dali e pouco importava se eu iria cair
em um buraco bem na minha frente, ou o que encontraria enquanto percorria
os poucos metros até aquela luz. Qualquer coisa seria melhor do que aquela
total e escura solidão.
Comecei a correr sem parar, tentando alcançar a luz, mas por algum
motivo eu me movia com muita lentidão, como se houvesse amarras
segurando minhas pernas. O desespero começou a me sufocar e com muita
dificuldade minha mão alcançou a luz que escapava por uma fresta de uma
porta de madeira escura. Ergui a mão em direção a maçaneta e sem pensar
duas vezes a toquei. Ela logo se abriu sem emitir um mísero barulho. Aquilo
era estranho, mas não pensei duas vezes e entrei no lugar.
Um erro terrível!
Quando fechei a porta atrás de mim, minha respiração vacilante
parou de vez. Reconheci a mobília escura do cômodo, estrategicamente
posicionada em um quarto bem familiar. A cama larga estava desarrumada,
deixando cair pelo chão os lençóis extremantes brancos. Ergui os olhos e vi
uma sombra se aproximar. Quanto mais perto chegava, mais tomava forma.
Os ombros largos, o dorso firme, a postura rígida. Aos poucos seu rosto
começou a ser revelado. Meu corpo congelou, como se um inverno brusco se
apossasse de cada um dos meus órgãos.
Aqueles olhos!
Gemi internamente, incapaz de fugir. Minhas pernas estavam
petrificadas.
Oh Deus!,clamei em pensamento quando Caleb apareceu por
completo diante de mim. O sorriso sarcástico estampado em seu rosto
desenhado causou arrepios nas extremidades do meu corpo.
— Ah, meu amor! — sussurrou cada vez mais perto.
Não! — Uma nova onda de pavor se instaurou sobre mim.
Algo gelado escorreu por minhas pernas. Arregalei os olhos,
incrédula!
Era sangue!
Havia sangue para todos os lados!
Meu sangue!
Antes que eu pudesse ao menos raciocinar, Caleb ergueu a mão e
agarrou meu pescoço. Não seria a primeira vez que fazia aquilo, mas
diferente das outras, daquela vez eu já me sentia morta. De medo, de pavor.
Não!,meu subconsciente murmurava, descontrolado.
Ele me puxou pelo pescoço e em um solavanco me jogou sobre a
cama desarrumada sem dizer uma palavra sequer.
Como se tivesse sido libertada de um torpor, meus membros
voltaram a funcionar e instintivamente comecei a me debater observando
Caleb abrir o zíper da calça e despi-la enquanto segurava meus braços.
— NÃO! — rugi. — ME SOLTA!
Ele me observava enquanto meu sangue manchava os lençóis
brancos. A feição petrificada. Caleb abriu minhas pernas e enfiou as unhas
em minha coxa, pressionando-me até que uma camada de sangue jorrasse dali
também.
Ele desceu o corpo sobre o meu enquanto eu lutava, sacodia todo o
meu corpo e berrava compulsivamente.
Você é minha!
Senti seus quadris se aproximando enquanto suas garras atavam
meus braços.
Eu não escaparia. Não daquela vez!
Meu Deus, por favor, não!
Ele avançava contra minhas pernas desnudas, desprotegidas. Suas
unhas perfuravam minha pele, seus dentes me rasgavam.
Eu estava morrendo!
NÃO! NÃO! NÃO!
Eu não vou te soltar
Vou ser seu salva-vidas hoje à noite
Cold Water - Justin Bieber

Algum imbecil mexeu no motor do Impala da Anny e eu gastei uns


bons vinte minutos arrumando o que o desgraçado desalinhou.
Depois de conseguir ligar o carro, pedi que um dos meus
funcionários que estava no evento das arrancadas levasse meu Camaro para a
minha casa enquanto eu levaria o Impala.
Para Anny, aquele carro era mais que uma máquina e eu não
conseguiria deixá-lo na mão de qualquer outra pessoa.
— Vamos beber alguma coisa? — Jake disse e Taylor logo se
aproximou, entrando na conversa.
— Hoje não. — Tentei não encará-los. Havia um sorriso preso em
meu rosto que eu não saberia explicar para aqueles dois malucos e logo eles
entenderiam que havia acontecido algo entre mim e Anny. Isso não seria nada
bom. Meus amigos não eram conhecidos por conseguir manter a língua
dentro da boca e eu jamais colocaria Anny em uma situação que a
constrangesse como os comentários sórdidos de Taylor. — Estou cansado e
amanhã temos que fazer o levantamento do mês. Vou abrir a Black bem cedo.
— Sei... — Jake parecia desconfiar de algo e antes que pudesse me
questionar, entrei no Impala da Anny e saí dali cantando pneu.
Fiz a curva da minha rua e observei Darlan estacionar meu Camaro
em frente à casa de Anny para que eu pudesse guardá-lo na garagem logo em
seguida. O homem, que morava na rua de trás, lançou-me um aceno e foi
embora.
Segui para a garagem de Anny com o Impala. Somente o som
pesado do motor do seu carro podia ser ouvido na noite fria e cálida. Quando
desci e bati a porta do carro, uma sensação estranha preencheu meu peito.
Enfiei as mãos nos bolsos e fiquei por alguns segundos observando a casa
dela.
Há poucas horas estávamos bem ali, depois de Anny vir correndo em
minha direção, entrar no meu abraço, beijar a minha boca e por Deus, roubar
o pouco de sanidade que eu ainda tinha e o que mais me incomodava, além
de seu cheiro impregnado em mim e a vontade absurda de abraçá-la
novamente, era perceber que eu queria que ela fizesse isso mais vezes do que
poderia contar.
Caminhei em direção ao Camaro e abri a porta, acomodando-me no
banco do motorista, prestes a guardar o carro.
Ainda estava pensando nela e no quanto ainda poderíamos aproveitar
antes que o dia nascesse quando um som cortante rasgou o silêncio da noite.
— NÃO! NÃO! NÃO! — Meu coração parou.
Era um som histérico, aflito, cheio de dor.
Era um grito da Anny.
— Porra! — Meu sangue gelou e sem pensar nem sequer por um
segundo, deslizei a mão pelo banco e saquei minha arma.
Desci do carro e fui correndo em direção a entrada da porta.
Meu corpo todo anestesiado de medo.
Alguém estava fazendo algo com ela.
Eu tinha certeza!
Estremeci, correndo o mais rápido que minhas pernas conseguiam.
Saltei sobre os três degraus da varanda e sem querer perder um
segundo que fosse tirando a maldita chave do bolso, avancei contra a porta
com um chute forte e certeiro. A fechadura cedeu e eu entrei em direção aos
gritos que eram altos e assustadores.
Vinham do quarto. Porra!
— ANNY! — dei um grito gutural, desesperado, aflito e entrei
mirando para todos os lados. Ela saltou sobre a cama e me encarou confusa,
puxando as cobertas para cima do corpo... completamente sozinha.
Ela estava gritando sozinha!
Olhei para os lados, como se meus olhos não conseguissem me
convencer de que de fato não tinha ninguém ali.
— J-josh? — ela gaguejou, enfiando-se ainda mais sob as cobertas.
Só então percebi que ainda estava empunhando a arma como se procurasse
um alvo.
— Sou eu. — Ergui as duas mãos no ar, querendo demonstrar que eu
não iria machucá-la. Seus olhos arregalados ainda continuavam pregados em
mim. Ela sequer parecia acreditar que estava mesmo me vendo ali. — Eu vou
colocar isso no chão, ok? — Abaixei-me lentamente sob os olhos atentos de
Anny e depositei minha arma no chão com cautela, assegurando-me de travá-
la.
Quando me ergui novamente, vi pela primeira vez desde que entrara
naquele quarto, a sombra de reconhecimento nos olhos de Anny e para minha
surpresa, ela saltou das cobertas e veio em minha direção. Só tive tempo de
abrir os braços e receber seu corpo trêmulo contra o meu.
— Josh! — ela chamou, agarrando-se à minha blusa. Enfiou o rosto
em meu pescoço e um gemido baixo escapou dos seus lábios abrindo espaço
para um soluço alto.
Anny começou a chorar copiosamente.
Seu corpo balançava e eu não sabia dizer se era ela ou eu quem
estava tremendo daquela forma.
— Meu Deus! — choramingou.
— O que aconteceu, meu anjo? — sussurrei, completamente
perdido. — Eu... eu deixei o seu carro na garagem... então te ouvi. — Tentei
formular alguma frase. — Ah, porra, eu pensei... — Mil imagens, as piores e
mais cruéis ainda surgiram em minha mente enquanto o grito de Anny
reverberava em meu interior. — Pensei que alguém... — Não consegui
terminar a frase.
Comprimi os olhos com força, embalando seu corpo trêmulo
enquanto o meu parecia ser arrebatado por uma tensão elétrica.
Os gritos... o pior eram os gritos. Desde pequeno eu os ouvia.
Começaram baixos, depois foram ganhando força, cores, temores. Ela gritava
e eu me encolhia, assustado, sem saber o que fazer para ajudar minha mãe.
Sequer fazia ideia de que ela não queria a minha ajuda, mas com o passar do
tempo eu descobri, da pior forma, que só se pode ajudar alguém que quer ser
ajudado. Os anos passaram e os gritos da minha mãe ainda me atormentavam.
Ouvir Anny gritando da mesma forma era assustador, como se todos os meus
pesadelos retornassem de forma ainda mais violenta.
— O que aconteceu? — instiguei, envolvendo seu corpo com força
contra o meu como se ela fosse se desfazer a qualquer momento. Meu
coração pulsava forte, aflito.
Ajeitei seus fartos cabelos, puxando-os para trás e circulei seu rosto
fino com minhas duas mãos. Ela manteve os olhos fechados com força.
Talvez não quisesse me encarar. Com cautela, alcancei a lágrima que deixava
um rastro em sua pele.
— Vem aqui. — Enlacei sua cintura e a conduzi até a cama,
deitando-a sob as cobertas. Quando estava prestes a me afastar para encará-la
melhor, Anny segurou meu pulso com força.
— Não, por favor — pediu,chorosa. — Por favor, fique aqui. —
Seus olhos se encontraram com os meus e o que vi ali me abalou
infindavelmente.
Havia tanta dor, tanto medo, que eu senti um frio percorrer minha
coluna. Aqueles olhos... eram olhos de uma mulher quebrada.
— Eu não vou a lugar algum. — Toquei seu rosto e puxei uma das
cobertas para cobri-la. Só então percebi que Anny estava usando apenas uma
camiseta, que ela provavelmente colocara quando eu saí, e a calcinha que
horas antes eu havia tirado.
Merda!
Cobri-a rapidamente e voltei a olhar em seu rosto. Ela segurou
minha mão direita com as duas mãos, como se a qualquer momento eu fosse
desaparecer diante dos seus olhos.
— O que houve, meu bem? — Acariciei seu rosto com a mão livre e
ela fechou os olhos com força.
Eu podia ver a sua dor e ainda mais, eu podia senti-la.
— Eu tive um pesadelo... — revelou ainda com os olhos
comprimidos. Os lábios trêmulos faziam parecer que a qualquer momento ela
ia desabar.
— Um pesadelo... — ponderei e ela abriu os olhos e me encarou.
— Eu não queria te assustar — começou, falando devagar. —
Desculpe. — Suspirou fundo.
— Não se desculpe — pedi. — Estou feliz que consegui te ouvir.
Você parecia... desesperada. — Apertei os lábios. — O que aconteceu? No
seu pesadelo?
Seu lábio inferior tremeu mais forte e eu sabia que ela ia chorar
novamente. Um peso estranho comprimiu meu peito. Era como ver alguém
com quem se importa sentir algum tipo de dor e não poder fazer nada. Eu
estava de mãos atadas até que Anny me permitisse ajudá-la.
Toquei seu queixo e com leveza o ergui até que nossos olhares se
encontrassem. Meu coração estremeceu ao encontrar uma mulher fragilizada,
temerosa.
— Acima de tudo somos amigos, meu anjo. — Envolvi meu braço
em sua cintura e a puxei para meu peito. — Confie em mim, eu estou aqui ao
seu lado. Eu posso cuidar da sua dor, só preciso que permita.
Ela soluçou, estava sofrendo. Aquilo me desestruturou.
Que diabos aconteceu? Que pesadelo a deixou assim?
Algo me dizia que havia muito mais do que eu poderia imaginar. Seu
passado trazia marcas, eu poderia apostar. Por que uma garota como essa
veio morar em uma cidade pequena como Fênix Hill sem nenhum amigo ou
familiar? Sem motivo aparente?
Ela escondia alguma coisa e pagava um preço alto por isso.
— O que aconteceu com você? — Acariciei suas costas,
incentivando-a.
Ela ficou em silêncio pelo que me pareceu uma eternidade. Seus
olhos estavam perdidos em um ponto fixo em cima da cama.
— Confia em mim, Anny — pedi baixinho, rente ao seu ouvido. —
Eu posso ajudar, sinto que posso. Mas para isso, precisa segurar a minha
mão. Acredite em mim, eu não vou soltá-la.
Ela ainda demorou alguns segundos antes de começar a falar e
anuviar um pouco do pânico que se formava em meu peito.
— Promete que se eu contar, você não vai se afastar? — ela
sussurrou contra meu peito e eu fiquei ainda mais preocupado.
— Tem minha palavra. — Nem se eu quisesse poderia afastar o
sentimento que estava nascendo por Anny. — Eu estarei aqui. — Beijei o
alto de sua cabeça. — Sempre.
Ela se aninhou em meu peito e pareceu criar coragem enquanto
agarrava a barra da minha blusa. Segundos depois começou a falar com
firmeza e eu não sabia que, quando terminasse, meu mundo desabaria.
Eu sequer imaginava que estava a um passo do apocalipse...
— Eu me mudei para Fênix porque estava... fugindo. — Ela me
abraçou mais forte, buscando força e eu a incentivei, envolvendo seu corpo
ao meu. — Eu morava com meus pais e meu irmão Bruce em Natanville.
— Espera! Bruce em Natanville? — O choque em minha voz era
nítido. — Bruce Thompson?
— Sim! — ela confirmou com pesar.
— O mesmo Bruce Thompson que eu estou pensando? — Ela
confirmou com um aceno curto.
Meu Deus do céu!
Ela é irmã do astro e capitão de um dos times de futebol americano
mais aclamado do país, os Iron.
Taylor era fã daquele cara e se não fosse por ele, eu mal o
conheceria. Sempre fui adepto de atividades mais radicais. O futebol em si
nunca chamou minha atenção. Mas ouvir falar sobre aquele time horas a fio
durante todos os dias da semana acabou me condecorando fã por tabela.
— Nossa! — Ainda assimilava aquela revelação.
— Eu sei. — Ela respirou fundo. Seus dedos mais uma vez
procuraram os meus.
— Isso não importa. — Empurrei o jogador irmão da Anny junto
com toda a minha surpresa para outro canto da minha mente. — Agora, eu
quero saber sobre você. — Ela endireitou o corpo, visivelmente aliviada pelo
fato de o irmão dela ser quem era não mudar nada em nossa conversa e
começou a falar quase em um sussurro, acalmando-se a cada palavra dita.
— Eu conheci uma pessoa... — Encolheu-se. — Um homem que eu
pensei que era... o cara certo. — Um gosto amargo como fel subiu pela
minha garganta à menção de outro homem.
Merda! Sabia que tinha um ex naquela história.
Ela soltou um lento suspiro que me fez gelar antes de recomeçar.
— Ele era um médico conhecido e adorado em Natanville.
Trabalhava no Hospital Central e almejava o cargo de cirurgião chefe, o que
em breve conseguiria. Era muito esforçado. Muito. — frisou. — E na mesma
medida, alimentava um ciúme doentio por mim. Até mesmo do meu irmão.
— Que escroto!
Aquilo era um absurdo!
Como assim, ciúme do próprio irmão?
— Aos poucos Caleb me convenceu a abdicar de coisas simples que,
para mim, não fariam diferença em minha vida. Pelo menos era o que eu
pensava. — Deu de ombros. — Achava que estava fazendo o certo para
agradar o homem que amava. Deixei meus shorts curtos, minhas roupas
favoritas, meus amigos da vizinhança, minhas arrancadas. Lentamente, tudo
foi ficando para trás e ainda assim ele continuava cada vez mais doente de
ciúme e sempre acabávamos brigando.
Ela deu uma risada sarcástica e balançou a cabeça como se visse um
filme à sua frente.
— Em uma noite, fomos em uma comemoração do hospital. Apenas
os membros do alto escalão foram convidados. Caleb estava exultante. Seu
nome foi citado diversas vezes como um dos melhores médicos da cidade.
Ele já sentia o cheiro da promoção. Nós dançamos e bebemos. Ele bem mais
que eu, e por fim, não tinha condições de dirigir. Chamamos um táxi e no
final um dos porteiros do evento me ajudou a entrar no carro segurando
minha mão. O rosto de Caleb se transformou naquele momento e eu sabia
que havia algo de errado.
Seu corpo endureceu enquanto a última palavra se perdia em um
cochicho.
— Shh... — sussurrei em seu ouvido e ela prosseguiu:
— Quando entramos na casa de Caleb, antes que ele fechasse a
porta, a gritaria começou. Ele questionava coisas idiotas como por que aquele
homem havia me tocado. Perguntava quem era o porteiro. Se eu o conhecia.
E quando percebi, ele já fazia perguntas do tipo: “Quantas vezes vocês já se
encontraram?” Eu negava incrédula, percebendo seu ciúme aumentado pela
bebida. Tentei me explicar. Jurei não o conhecer. Ele berrava, pedia que eu
não mentisse. E como um flash tudo aconteceu.
Agora foi minha vez de ficar paralisado, com medo de escutar o que
viria a seguir. Anny encostou seu rosto em meu pescoço e pude sentir suas
lágrimas quentes descerem por ali. Contrai-me a contragosto, detestando o
que viria em seguida.
— Ele pulou em cima de mim — revelou. Meu corpo enrijeceu no
mesmo instante. — Tentei me esquivar, mas não consegui. Caleb agarrou
meu pescoço e me sacudiu no ar como se eu fosse feita de papel.
Eu não conseguia respirar.
Meu Deus, o desgraçado a agrediu!
Meu corpo se contorceu de ódio e desejei com todas as minhas
forças que realmente esse filho da puta estivesse aqui. Eu o mataria sem
pensar duas vezes. Ele pagaria por um dia ter colocado as mãos na minha
garota.
— Porra! — praguejei. — Desgraçado covarde.
— O pior vem depois disso, Josh. — Ela se soltou dos meus braços e
se pôs a me encarar. Um vinco se destacava em seu rosto. — Qualquer
mulher teria se afastado, fugido, terminado... — Ah, não! — Mas eu o
perdoei. — Ela soluçou, tapando a boca. — Eu perdoei tudo que ele me fez.
Entreabri os lábios ciente de que aquele pesadelo não acabara ali.
— Depois daquele episódio ele se transformou. Tornou-se o melhor
homem do planeta. O melhor namorado, amigo. Fiel, carinhoso. — Balançou
a cabeça desolada. — Ele era tão bom que eu realmente acreditei que aquilo
nunca mais fosse se repetir. — Meu estômago se revirou. Senti o gosto da
bílis em meus lábios.
Anny deixou os braços penderem ao lado do corpo.
— Uns meses depois, comecei a sentir um grande mal-estar e não
entendia o motivo. Sei que tenho a saúde um pouco fragilizada desde que me
entendo por gente, mas como os enjoos persistiam, consultei meu médico e
descobri que estava grávida — contou num solavanco e desviou os olhos.
— Grávida... — soprei a palavra que queimou minha garganta.
— Sim — confirmou, apesar de aquilo não ser uma pergunta. —
Quando completei quatro meses de gravidez eu podia afirmar que estava
feliz. Muito feliz. — Olhou para os dedos da sua mão. — Foi no dia de
realizar o ultrassom que revelaria o sexo do bebê que eu percebi que nada ao
lado daquele homem poderia dar certo.
Ela desviou os olhos para o chão e começou a falar como se fosse
um robô programado para aquilo. Abstendo-se de toda a dor que aquelas
palavras estavam lhe causando.
— Caleb me avisou que dobraria o turno e trabalharia durante a
madrugada, mas ia comparecer ao exame. Percebi que o horário da consulta
se aproximava e nada dele aparecer. Então tomei a decisão que mudou
completamente a minha vida. — Prendeu a respiração por um segundo. —
Pedi a Bruce que me levasse até a casa de Caleb. Não estava me sentindo
bem para dirigir e quando chegamos lá, ele ficou me esperando do lado de
fora da casa. Eu tinha a chave, então entrei sem bater.
A aceleração de suas palavras não podia significar algo bom.
— Lembro-me perfeitamente do cheiro de uísque impregnado nos
móveis e de ver as roupas de Caleb jogadas na entrada da casa ao lado de
vários pinos.
— Pinos? — A incredulidade transformou meu rosto. — De
cocaína?
— Sim! — A voz de Anny se tornou melancólica. — Caminhei entre
aquele monte de merda e cheguei até seu quarto, sentindo que encontraria
algo terrível atrás da porta entreaberta. — Sugou o ar com força. — Então eu
a abri. — Comprimiu os lábios. — Ele estava agarrado, apenas de cueca a
uma mulher completamente nua. Eu a reconheci na mesma hora. Era a
enfermeira chefe do hospital. — Suas mãos começaram a tremer.
— Gritei o nome de Caleb, desesperada por aquela visão dos
infernos e esse foi meu maior erro. Ele abriu os olhos, estava estranho,
parecia estar sob o efeito das drogas. Eu soltei minha bolsa no chão sem saber
o que fazer, segurando a vontade de vomitar. Lembro de proteger minha
barriga com as mãos e começar a correr, mas antes que eu pudesse chegar até
a porta, Caleb me agarrou pelos cabelos e me puxou com força.
Toda a cor se esvaiu do meu corpo. Eu me perdi. Não sabia mais o
que sentia. Se era dor, desespero, medo, pânico.
— Ele me segurou pelo pescoço e começou a me sufocar. Lembro
que ele bateu meu corpo contra a parede seguidas vezes, descontrolado.
Como se estivesse possuído. — Ela apertou minha mão.
— Há uma... — Deus, me ajude a ter forças para perguntar. Mesmo
temendo a resposta, eu precisava saber — ... marca nas suas costas. —
Consegui completar a frase. — Foi causada nessa... — desgraça? —
situação?
Ela fungou e seus dedos no mesmo instante foram parar em cima da
cicatriz. Segurei sua mão e a trouxe até meus lábios. Tirando-a dali.
— Havia um... suporte ao lado da porta. — Fechou os olhos como se
a simples lembrança a causasse dor. — A ponta daquele suporte cortou
minhas costas enquanto Caleb me batia contra ele. — Prendi a respiração,
incapaz de conseguir imaginar aquela cena. — Eu senti a dor se espalhando
pelo meu corpo, mas nem sequer conseguia gritar.
Uma aflição tomou conta dos meus movimentos. Puxei Anny com
vontade para meu corpo desejando protegê-la do que viria dali em diante.
— E depois? — perguntei, mesmo que não quisesse saber a resposta.
— Percebi que a vida do meu filho também estava em jogo e fiz algo
impensável. Mordi Caleb até que ele me soltasse. — Ela enfiou o rosto na
curva do meu pescoço. — Ele me soltou por um tempo mínimo e eu corri em
direção a saída. Já tinha avistado o carro de Bruce. Senti por um segundo que
estaria salva, mas Caleb me agarrou novamente, ergueu meu corpo no ar
como se eu fosse um pedaço de papel e depois me afundou com toda a sua
força no chão. Perdi o ar assim que meu corpo se chocou com força contra o
piso gelado. Caleb ficava gritando coisas sem sentido. Pedindo que eu o
escutasse. Falando que eu sempre tinha que ter razão, que eu precisava ouvi-
lo falar.
— Eu via seu rosto, mas em algum momento parei de ouvir sua voz.
Ele ainda segurava meu pescoço, prendendo-me ao chão quando Bruce saltou
sobre ele. Meu irmão o agrediu de tal forma que pensei que Caleb morreria
bem ali, mas antes que isso acontecesse, Bruce me ouviu gemer. Eu não me
lembro de muita coisa depois disso — confessou. — Meu irmão me levou às
pressas para o hospital, mas já era tarde demais. Eu perdi meu filho naquele
dia. Meu estado de saúde se agravou. Fiquei internada para controlar uma
anemia que ressurgiu em minha vida e quando finalmente tive alta, soube que
se um dia resolvesse engravidar novamente, poderia passar por uma gravidez
complicada. Seria difícil conduzi-la até o final.
— Ahh, meu anjo! — Minhas palavras surgiram entrecortadas.
— O pior de tudo foi descobrir que Caleb fugiu depois de acordar no
pronto atendimento.
— O QUÊ? — berrei, descontrolado. — Como assim ele fugiu? —
disparei. — Como o hospital permitiu que ele saísse de lá?
— Ele tem amigos influentes nesse meio. Muitos naquele hospital
veneram Caleb. Acreditam que eu armei pra ele ser demitido pela traição.
Com certeza alguém facilitou aquela fuga e... desde então, eu não consigo
dormir direito. — Recostou-se na cama. — Em Natanville esses pesadelos
eram frequentes. E eu também precisava enfrentar o rosto do meu pai, da
minha mãe e do meu irmão. — Encolheu os ombros. — Era como se só de
olhar para mim eles sentissem algum tipo de dor. Eu não suportava mais
aquilo.
— Então fugiu.
— Sim. Pedi que me dessem um tempo para reorganizar a minha
vida em um lugar diferente e a minha prima conseguiu esse aluguel com uma
de suas amigas.
Eu estava perplexo. A única reação que tive foi o ímpeto de abraçar
Anny e envolvê-la em minha proteção.
— Ele me tirou tudo, Josh. — Havia tanta mágoa em sua voz que
estremeci por dentro. — E ainda tira. — Enlaçou minha cintura. — Eu sofro
de ansiedade, não consigo comer direito, não consigo me relacionar, e
agora... depois de uma noite tão maravilhosa, os pesadelos... — choramingou.
— Meu anjo, você precisa lutar. — Acariciei seu cabelo. — Você
enfrentou algo terrível na mão desse desgraçado, mas sobreviveu. Agora
precisa lutar para se livrar dele de uma vez. Você é uma guerreira, eu sei que
consegue.
— Meu subconsciente ainda não se livrou dele. Tenho tanto medo.
— Medo? — soltei em uma rajada. — Não precisa ter medo dele,
Anny. Sabe que aqui você estará segura. Eu posso garantir isso e vou. —
Beijei o alto de sua cabeça.
Anny se agarrou a mim como se afogasse em suas próprias lágrimas.
— Vai ficar tudo bem. — Acariciei-a. — Você não está sozinha.
— E-eu nunca contei essa história para ninguém. Não tão completa.
— Aos poucos sua voz trêmula começou a ganhar força.
— Se sente um pouco melhor?
— Sim. — Sua voz ganhou vida mais uma vez. — Eu só... não quero
que vá embora. Não quero ficar sozinha — pediu e eu sorri, engolindo o
amargo que estava preso em minha garganta após conhecer aquela história
tão dolorosa.
— Eu não vou a lugar algum. — Beijei sua cabeça e senti que ela
soltava um suspiro fundo. — Se você permitir, eu andarei ao seu lado.
— Ainda me vê com os mesmos olhos? — murmurou baixinho.
— Não. Não vejo! — Ela arregalou um pouco os olhos e meu corpo
procurou seu toque. — Eu vejo uma mulher muito mais forte do que eu
poderia imaginar. Você foi uma vítima, meu anjo, e sobreviveu — prossegui.
— Me deixa te mostrar que nem todos os homens são iguais. Não quero que
se afaste de mim, está entendendo?
— E se ele vier atrás de mim? — Um olhar preocupado surgiu em
seu rosto fino. — Ele perdeu tudo. O emprego, o prestígio, e me culpa por
isso. Ele viria atrás de você também, Josh. Eu não posso permitir que...
Calei-a com um beijo casto rente aos lábios e aos poucos seu corpo
relaxou.
— Não pense que foi ele quem perdeu tudo, Anny. Ele tentou tirar
tudo de você — alertei-a. — Agora você precisa se reerguer, sem medo de
que ele possa tirar mais alguma coisa. Ele é um criminoso, foragido e se ele
um dia cruzasse o meu caminho, pode ter certeza de que eu não fugiria. —
Beijei a ponta do seu nariz. — Lutaria por você. — Dei mais um beijo em
suas bochechas e trilhei um caminho até seus lábios. — Para te proteger, para
cuidar de você. — Abracei-a.
— Você foi um belo presente, vizinho. — Sua voz emocionada me
pegou desprevenido e ela se calou.
Ficamos em silêncio, aproveitando o colo quente um do outro.
Acariciei seus braços, sua cintura e suas costas enquanto beijava seu pescoço.
— Vou fechar a porta — anunciei quando senti a brisa fria
invadindo o quarto.
— Pode acender a luz até você voltar? — Meneei um aceno e acendi
a luz, observando o nariz de Anny completamente vermelho.
— Volto em um segundo.
Escorei a porta e fechei-a como pude, ciente de que no dia seguinte
precisaria trocar a fechadura que eu arrebentara.
Quando voltei ao quarto, Anny me esperava sentada na cama, a
coberta escondendo parte do seu corpo, mas deixando à mostra os seios
desenhados pela camiseta. Os bicos intumescidos pelo frio se destacavam e
me fizeram prender o ar. Apaguei a luz no mesmo instante, evitando aquela
provocação.
Não era o momento certo para ficar excitado, porra. Mas era tão
difícil olhar para ela e não me sentir completamente atraído por tudo que ela
representava.
Pelas curvas macias que eu já havia tocado, pela boca carnuda e
olhar profundo. Pela força que ela emanava... por tudo. Eu estava
completamente atraído por todas as partes de Anny. Até aquelas que me
feriam.
Comprimi os olhos por um segundo, tentando recuperar o controle
do meu corpo. Abaixei-me para pegar a arma que eu deixara no chão e a
coloquei ao lado da cama sob os olhos curiosos de Anny.
— Por que você tem isso? — Ela comprimiu os olhos. — Fênix não
é uma cidade tranquila?
— Por mais que seja, um homem que mora sozinho, dono de uma
mecânica como a Black Bird, que recebe peças caras e únicas todos os dias,
precisa estar preparado para qualquer coisa. A cidade é tranquila, mas não é a
mais segura do mundo — expliquei. — É só uma segurança. Não se preocupe
com isso. — Ela meneou um aceno, mas vi que seu olhar ainda estava
preocupado.
— Deita comigo? — pediu baixo, abrindo espaço na cama de casal.
— Claro. — Sorri tirando a jaqueta. — Se importa se eu tirar a
blusa? Taylor derrubou algumas gotas de cerveja... então...
— S-sim, sem problemas. — Seu rosto ficou ainda mais corado,
como se pouco tempo antes ela mesma não tivesse arrancado aquela mesma
camisa e a arremessado no meio do quarto.
Segurei a barra da camisa e a ergui. Notei que quando a tirei os olhos
de Anny passeavam pelas tatuagens em meu braço e terminavam no restante
espalhado pelo peito.
Deitei-me na cama ao lado dela, que me observava em silêncio.
Enlacei sua cintura e puxei seu corpo para perto do meu. Estava ciente do
perigo que corria com aquela proximidade, mas que opção eu tinha?
Ela deitou a cabeça em meu ombro e passou os dedos pela tatuagem
como se brincasse com cada um dos traços. Perecia indefesa, temerosa.
— Eu não vou permitir que ele se aproxime de você outra vez. —
Segurei seu rosto, obrigando-a a olhar em meus olhos. — Prometo com
minha vida.
— Talvez você devesse se afastar. — Ela mordeu os lábios
carnudos. — Sou uma mulher problemática, Josh. — Abaixou a guarda.
Eu sabia sobre o que Anny estava falando. Senti isso quando a beijei
pela primeira vez. O receio envolto em medo. Medo não, pânico. Resultado
de tudo que sofrera nas mãos daquele monstro. O que ela não sabia era que
eu estava disposto a cuidar de suas feridas até que sarassem por completo.
— Você é tudo que eu esperei esse tempo todo, garota — reclamei e
beijei seus dedos trêmulos. — Eu não vou me afastar.
Eu sabia que um sentimento crescia em meu peito, mas era incapaz
de admitir. Eu temia que não fosse o bastante para ela, que não fosse bom o
suficiente para fazer com que Anny superasse toda aquela maldita história.
Mas ainda assim, estava decidido a apostar todas as minhas fichas no
sentimento avassalador que me dominava.
Naquela noite, meu coração saltou para fora do peito e voou em
direção à mulher aconchegada no meio dos meus braços.
Saber que ela sofreu nas mãos de um homem que amou, que dedicou
tempo, carinho e afeto. De um homem que a tocou de formas inimagináveis e
terríveis era doloroso demais. Ardia.
Anny caminhava pelo inferno, mas eu estava disposto a entrar
naquela tormenta e a trazer de volta para a luz. Com todos os meus defeitos,
meus erros, minhas próprias incertezas, eu a queria fazer sorrir. Ela não fazia
ideia, mas a nossa dor era similar. Ela foi a vítima, eu, o expectador incapaz
de fazer algo para que a violência cessasse. Descobrir seus segredos e ver que
eles se encaixavam com os meus me uniu a ela como eu nunca poderia
imaginar.
— Agora você sabe de tudo — confessou, e percebi que pela
primeira vez ela conseguia respirar com calma. — Diz que nada vai mudar.
Eu preciso ouvir.
— Apenas se você quiser. — Beijei sua bochecha. — Vem aqui! —
Deitei seu corpo sobre a cama. Acariciei seu rosto enquanto puxava um
lençol sobre ela e a encarava com admiração.
Os olhos negros e inchados de Anny me observavam com
curiosidade. Deitei-me ao seu lado e a puxei para mim. Encaixando seu corpo
ao meu. Envolvendo-a com meu braço. Deslizei um dedo em seu rosto e
aproximei nossos lábios. Sua respiração se alterou.
Deitei minha boca sobre a dela, experimentando um beijo quente e
apaixonado após tanta dor. Minha alma foi tocada enquanto nossas línguas
dançavam, quentes, envolventes. Sua respiração oscilava acariciando minha
pele. Sua mão timidamente roçou meu rosto, puxando-me para si. Arfei sem
perceber, envolto em um prazer súbito que o toque daquela mulher
despertava.
Meu corpo reagiu ao cheiro inebriante que Anny emanava e eu
precisei parar ali, do contrário, perderia completamente o controle.
Ela buscou meus olhos e uma ruga de questionamento destacava sua
testa.
— Descanse, meu anjo! — Minha voz surgiu rouca. Depositei um
beijo em sua testa. — Esta noite foi muito tumultuada.
— Eu não quero descansar. — Sua resposta me arrancou um sorriso.
Beijei sua boca com carinho.
— Não acha que deveria?
Ela não respondeu. Em vez disso, segurou minha nuca e colou sua
boca à minha. Seu corpo se aproximando do meu por baixo dos lençóis me
fizeram reagir no mesmo instante.
Ela percebeu o que estava fazendo comigo e um sorriso indecente
brotou em seus lábios e subiu por todo o rosto. Por um momento toda aquela
noite e aquela conversa pesada pareceu desaparecer.
Encaixei seu corpo no meu, descendo a mão pelas curvas sinuosas
de seu corpo.
— Anny... — sussurrei em alerta quando ela fez o mesmo e parou a
mão em cima do meu membro que latejava.
— Josh! — Ela quase gemeu meu nome e quando me dei conta,
estava tocando-a em todas as partes do seu corpo.
Beijei seus seios, saboreando cada mamilo, adorando os gemidos
cálidos que ela deixava escapar. Experimentei o calor do seu ventre,
explorando-a com os dedos, expulsando para longe todo e qualquer
pensamento ruim. Senti Anny se derreter enquanto sugava tudo que ela
estava disposta a me dar e penetrei-a com carinho, várias e incontáveis vezes.
Tão perto, tão quente, tão entregue.
Seus gemidos baixos e contínuos me enlouqueceram, seu corpo
roçando no meu era a coisa mais perfeita que eu já tinha vivenciado. Entrei
mais fundo, sendo cercado pelo calor úmido que me comprimia, levando-me
ao completo prazer.
Explodimos juntos em um momento íntimo e perfeito, repleto de
carícias e palavras sussurradas ao vento.
Anny adormeceu em meus braços logo em seguida, enquanto eu
dedilhava suas costas carinhosamente.
Fiquei ali, observando sua calma, admirando sua força e beleza. Ela
soltou um suspiro profundo. Estava calma mais uma vez e eu fiquei feliz por
isso, mesmo que o sentimento que começou a tomar meu peito fosse o
completo oposto.
Atormentado, relembrando cada uma de suas palavras, embalei seu
corpo ao meu e comecei a cantar... versos soltos e sem tanta melodia.
Palavras que significavam tudo. Tudo o que eu me tornara capaz de fazer por
ela. Com o embalar da minha voz, minha garota relaxou ainda mais. Aos
poucos seu corpo deu alguns espasmos, e enfim ela conseguiu dormir
enquanto eu acariciava seus braços, cantando alheio ao sono.
Não, naquela noite eu não dormiria, e não sabia se seria capaz de
dormir novamente, não longe dela.
Até lá, esperava que minha voz afastasse seus pesadelos. Ela já havia
sofrido demais.

Então respire fundo e relaxe


Você não deveria estar se afogando sozinha
Se você estiver afundando
Eu vou pular nessa água gelada por você
E mesmo que o tempo nos leve para lugares diferentes
Eu ainda vou ser paciente com você
E eu espero que você saiba que...
Eu não vou te soltar
Vou ser seu salva-vidas hoje à noite

(ColdWater – Justin Bieber)


Eles não sabem pelo o que você passou
Confie em mim
Eu poderia ser aquele que te trata como uma dama
Deixe-me ver o que está por baixo
Tudo que eu preciso é você
Bad Reputation - Shawn Mendes

Pensei que Anny não fosse sequer se mexer durante a noite. Afinal,
estava exausta, mas me enganei completamente. A garota dormia igual a um
furacão sem controle, destruidor, sem piedade.
Seu corpo percorreu toda a cama, inquietamente, embolando os
lençóis em mim e nela ao mesmo tempo. Observei com curiosidade cada um
dos seus movimentos, deixando-a livre. Ela abriu os braços alcançando com
facilidade as duas extremidades da cama. Rolou por cima do meu colo duas
vezes e acertou um chute na minha canela com a perna que estava livre dos
lençóis.
Havia graça em observá-la. Pela primeira vez consegui respirar com
calma desde que viera até sua casa na noite anterior.
Estava atordoado com tudo que ela me contou e com a quantidade de
traumas que ela carregava.
Anny me fez relembrar tudo o que eu mais odiava, tudo o que eu
mais temia... tudo pelo que ela passou. Ouvi-la despertou gatilhos dolorosos
que há muito tempo eu ignorava, ao mesmo tempo em que algo dentro de
mim gritava e eu me peguei implorando a Deus para ter a chance de mantê-la
segura.
Ela se tornou a minha dor e a minha cura. A lembrança do que eu
odiava e o motivo pelo qual eu lutaria para protegê-la.
Mil perguntas rondavam minha cabeça, mas não era o momento para
nenhuma delas. Quando chegasse a hora, a primeira delas seria:
Quando foi a última vez que foi ao médico?
Percebi sua hesitação em revelar que sempre teve a saúde
fragilizada. E pelo visto, ela também não estava se alimentando bem.
Eu cuidaria para que fizesse seus controles corretamente. Com sua
família distante, Anny só tinha a mim e aquilo encheu meu peito de um
orgulho estranho. Como se cuidar dela trouxesse sentido à minha vida.
Passei os dedos por seus lábios e ela se mexeu. Acariciei seu rosto
completamente desacordado e vi ela se aninhar a mim, abraçando uma parte
da minha coxa. Sorri como um tolo, dividindo um terço da cama com seus
cabelos esvoaçantes e suas pernas descontroladas.
Meus olhos repousaram em um porta-retratos colocado
cuidadosamente na mesinha do quarto ao lado do abajur branco.
Imediatamente reconheci Bruce Thompson. Ainda não tive tempo de sorver
aquela notícia.
Taylor ia surtar quando descobrisse e ciente daquilo, meu
subconsciente se agitou em alerta. Ele não podia incomodá-la com isso. Era
evidente a dor que ela sentia quando se lembrava do irmão que estava
distante. Não queria que a minha garota sofresse com as perguntas descabidas
de Taylor, e eu sabia que seriam muitas.
Ao lado do brutamontes que agora eu conhecia como irmão mais
velho de Anny, estava uma senhora baixa, dona de um sorriso extremamente
branco e alegre. Reconheci os traços de Anny em seu rosto firme e
tempestuoso. Os cabelos negros com toda certeza eram herança da mãe.
Feliz, ela abraçava um homem meio calvo. Provavelmente, era seu pai. Em
um dos cantos, meu anjo sem asas alargava um sorriso digno de um Oscar,
envolvendo a cintura do irmão. A foto transbordava amor. Imaginei a dor
daquela família com o afastamento de Anny, tão taciturno e repentino.
O que eles sabiam de toda aquela história maluca?
Meu coração ardeu de ódio ciente de que o desgraçado que a
infringiu tanta dor sairia impune.
Merda! Eu estava de mãos atadas.
Em um impulso insano, estiquei os braços e peguei o celular de
Anny. Por sorte, não havia bloqueio na tela. Conferi sua respiração como um
bandido prestes a cometer seu primeiro assalto. Ela permanecia envolta em
um sono pesado. Se acordasse, ia querer saber por que diabos eu estava com
seu celular na mão.
Antes que aquilo pudesse acontecer, abri sua agenda e fiz o
impensável. Salvei o número de Bruce Thompson no meu celular. Um
pressentimento me alertava de que talvez eu pudesse precisar.
Rapidamente recoloquei o aparelho em sua posição inicial e voltei a
respirar. Crime cometido. E que Deus me perdoe.
— Hummm! — ela gemeu.
Um gemido delicioso enquanto agarrava minha cintura.
Deslizei os dedos por suas costas e vi os pelos claros do seu braço se
eriçar. Um sorriso inocente e inconsciente brotou em seus lábios.
Viciei-me em acariciá-la e ver aquela expressão de repouso e
descanso.
Fiquei ali por mais algum tempo, brincando com seu cabelo,
afagando suas costas, desviando de seus chutes mortais. Então o céu começou
a clarear. A janela ficava na lateral do quarto e tinha as cortinas entreabertas.
Percebi que o tempo nublado não dava trégua, como foi durante toda a
semana.
Taylor e Jake já deviam estar abrindo a mecânica pelo som alto de
motor que adentrava levemente o quarto de Anny.
Ela precisava comer algo. A noite foi cansativa para nós dois, ainda
assim, eu aguentaria diversas noites como aquela apenas para que Anny se
sentisse bem e protegida.
Afaguei suas costas, tentando alertá-la que iria comprar nosso café.
Não queria deixá-la desavisada. Ao acordar, ela não me encontraria ali e sabe
Deus o que pensaria.
— Meu anjo! — sussurrei, odiando ter que acordá-la.
Ela mal se moveu e eu fiquei mais um segundo observando-a. Era
tão linda que me fazia perder o ar.
O que era aquilo? Eu me sentia doente. Fiquei fraco depois de ouvir
o que Anny tinha para dizer na noite anterior. Perdi o sono e a única forma de
recuperar o equilíbrio era tocando sua pele.
Ah, droga.
Queria que minha avó estivesse aqui para me instruir sobre aqueles
sentimentos. Eu era capaz de montar e desmontar uma Lamborghini de olhos
vendados, mas quando se tratava de amor, eu não sabia absolutamente nada
além do que presenciei através do meu casal favorito. Meus avós.
— Annnn! — Ela ergueu a cabeça, tendo parte do rosto coberto por
seus cabelos.
— Vou comprar um café da manhã reforçado para a gente, volto o
mais rápido possível. — Ela sorriu, mantendo os lábios fechados e por um
momento em me senti invencível.
No segundo seguinte experimentei duas sensações fortes. Anny
jogou as pernas para fora da coberta, deixando exposta a calcinha rendada
que andava me enlouquecendo.
Ahhhh!
Meu corpo reagiu instantaneamente. Ela empinou a bunda se
acomodando o mais confortável possível em sua cama. Eu podia jurar que
todos os músculos do meu corpo estavam petrificados.
— Tá, tô indo! — Desviei os olhos enquanto resgatava o lençol
protetor e o jogava sobre ela antes que decidisse não sair dali nunca mais.
Ajeitei seu corpo e deslizei a mão por suas costas. Foi naquele
momento que experimentei o segundo maior sentimento da minha vida. O
ódio. Puro e verdadeiro, de uma forma que nunca senti antes. Algo corrosivo
invadiu meu cérebro como se um ácido tivesse sido derramado no topo da
minha cabeça.
Meus dedos encontraram a cicatriz em suas costas... fina e comprida,
deformada, amarronzada.
Como se não estivesse impressionado o bastante, ergui a base da
camiseta para vê-la melhor. Meus dedos tremiam agora que eu sabia tudo o
que tinha acontecido.
Imaginar a dor que ela sentiu me fez entrar em choque. As palavras
de ontem se uniram a visão daquela manhã. Enfiei as mãos nos cabelos e
caminhei de um lado para o outro perturbado, sem ar.
Saí dali correndo, como se fosse explodir. Meus sentidos falhavam.
O que estava acontecendo comigo?
Peguei a arma que havia escondido embaixo da cama e a enfiei nas
costas com vontade, torcendo para que ninguém a visse até que eu chegasse à
mecânica. Bati a porta atrás de mim e desci os degraus correndo em direção à
Black Bird. Estava sufocando.
Titubeei meio zonzo, entrando a passos rápidos para dentro da
Black, ignorando o comprimento dos meus colegas de trabalho. Segui
cegamente para o fundo da mecânica. Não sabia o que estava fazendo. Meu
Deus, que dor era aquela?
Flashs de tudo o que eu já ouvi e vi, meu pai berrando, minha mãe
lançando coisas. Ele a atacando, ele pedindo perdão, ela perdoando. Sangue,
sim, eu já vi sangue. Boatos sobre uma traição da parte dela, brigas por
dinheiro. As vezes que eu mesmo apanhei até perder o fôlego por tentar
impedir meu pai de chegar até ela... Tudo, absolutamente tudo, em uma
explosão catastrófica.
— Fala, Josh! — Jake se virou em minha direção e mudou seu
semblante alegre quando pousou os olhos em meu rosto conturbado.
— Josh? — Taylor se aproximou. Sua voz estava tão longe.
Avancei pelos dois como se não estivessem ali. Arranquei a arma da
cintura e a enfiei em uma das gavetas do armário com fechadura sem saber se
eles tinham reparado na presença dela ou não.
Apoiei-me na última parede da mecânica e enfiei o rosto no meio
dos braços, buscando o ar. Comecei a contar. Precisava controlar os
espasmos do meu corpo.
Dez..nove..
Tentei não assimilar toda aquela desgraça a Anny, mas não
consegui. Anny era diferente da minha mãe. Ela não estava em um casamento
oportunista, ela não se preocupava com o dinheiro, tampouco engravidou
para segurar o homem em um casamento sem amor como a minha mãe fez.
Ela só queria ser feliz. Mas ambas sofreram violências que ninguém deveria
sofrer.
Aquela garota era incrível. Doce, de coração bom e pele macia.
Jamais merecia aquela merda toda. Mulher nenhuma merecia passar por
aquilo.
Oito... merda!
— Vão tomar um café, galera, AGORA! — Taylor ordenou.
Ouvi as passadas apressadas dos nossos funcionários esvaziando a
mecânica. Eu estava tão sufocado que não conseguia respirar. Algo dentro de
mim não estava certo. Nada daquilo era certo.
Fechei os olhos com força.
— ARGH! — Soltei minha fúria em uma bancada repleta de
ferramentas jogando tudo no chão e no mesmo impulso comecei a socar o
armário de ferro à minha frente.
Cada soco levava parte da minha dor, concentrando-a em minha
mão, em meus ossos, mas por Deus, eu preferia aquilo a senti-la no meu
coração daquela maneira.
— PORRA, JOSH! — Taylor pulou sobre mim.
Minha boca espumava tamanha era a força que eu usava.
— Josh, JOSH! — Taylor imobilizou os meus braços para trás
enquanto Jake segurava-me pelo dorso pedindo calma. — Olha sua mão,
cara, calma!
— Ei, parceiro — Taylor falava enquanto eu ainda tentava me
desvencilhar das quatro mãos que me prendiam com força. — Fica calmo,
estamos aqui!
Meu peito inflava, subia e descia sem direção. Lembrei-me de
quando avancei em meu pai, tentando conter sua fúria. Não foi o bastante
para que o fizesse parar. Ele me arremessou no chão com força e depois veio
em minha direção e eu, com não mais que dez anos, continuei a enfrentá-lo,
mas minha mãe não. Aquela foi a maior surra que eu recebi dele na vida e a
certeza de que o eu o odiava cresceu ainda mais. A partir daquele dia, minha
mãe mudou. Ela me culpou pelas crises agressivas do meu pai, dizendo
repetidas vezes que nunca deveria ter tido um filho. Aquilo foi demais e ela
sabia disso.
Pensei que não fosse ter coragem de revelar o que andava
acontecendo, mas minha avó sabia que havia algo de errado. Bastou me
perguntar uma única vez para que eu começasse a chorar. Lembro-me de que
ela afagou minha mão, incentivando-me a continuar e com a boca cheia de
biscoitos de chocolate e lágrimas eu desatei a falar e revelei tudo. A partir
daquele dia eu não pertencia mais aos meus pais, graças ao bom Deus, eu tive
um lar com amor de verdade.
Quanta saudade, Vó!
Queria tanto tê-la aqui comigo, aconselhando-me, amparando-me.
E por pensar em minha avó Lucinda, meu coração começou a se
acalmar. Se eu encontrei proteção nos braços da minha avó quando eu ainda
era um menino, Anny encontrou abrigo em meus braços e agora eu era um
homem formado e faria o possível e impossível para vê-la em segurança, para
protegê-la.
Soltei o ar pesado, relaxando os músculos e vi que Taylor assentia
para Jake.
— Pode soltar!
Jake obedeceu.
Apoiei as mãos sujas de sangue sob os joelhos e abaixei a cabeça.
— Que. Porra. Aconteceu? — Taylor permanecia próximo a mim
com os olhos arregalados.
Ergui meu corpo, vendo ali meus dois melhores amigos com
interrogações gigantescas em seus olhos. Eles precisavam de uma explicação.
Qualquer que fosse. Eu não podia revelar os traumas de Anny da forma mais
ampla, mais se eu confiava a minha vida a Taylor e Jake, eu poderia confiar
meus temores. Eles conheciam todo o meu passado e cada uma das marcas
que eu levava e agora eu precisava dos meus amigos mais que nunca.
— É ela! — admiti.
— Anny? — Jake me observava confuso.
Comecei a contar um resumo de toda a história desde quando deixei
o Impala na garagem até a revelação de que o ex dela era um desgraçado,
filho da puta. Não contei nada sobre as barbaridades que ela sofreu nas mãos
dele. Apenas disse que ele a marcou de uma forma monstruosa e que eu não
consegui suportar.
— Eu estou com medo, Taylor — confessei, angustiado. — Estou
perdido. — E completamente apaixonado.
Senti a voz falhar nos momentos que me lembrava de Anny e seu
olhar apavorado. Temendo pela própria vida.
Jake parecia uma estátua, congelado de pavor enquanto Taylor me
observava taciturno.
— Digam qualquer merda! — pedi quando acabei de contar,
mostrando minha aflição.
— Eu sinto muito, parceiro! — Taylor me puxou para um abraço
desengonçado onde batemos nossos ombros e nos afastamos.
— Todos sentimos! — Jake completou. — Ela é uma garota legal.
— Ela é incrível — revelei.
— Josh, nós sabemos por que ficou assim. — Taylor me encarou. —
É como ver sua própria história em outra pessoa.
Aqueles dois eram os únicos que sabiam de tudo que já aconteceu na
minha vida e não foi em um momento muito sóbrio que eu contei aquilo para
eles, mas a verdade era que eu confiava neles e ter alguém para desabar
quando se fizesse necessário era um alívio. Eu sabia que podia cair pelo
caminho, mas um dos dois estenderia a mão em minha direção e me ajudaria
a ficar de pé novamente.
— Acho que foi por isso que eu... — Ergui os punhos
superficialmente machucados.
— Ela não é a sua mãe — Taylor garantiu. — Ela se libertou. Ela
está aqui, com você.
— Isso é tudo, cara — Jake completou. — Eu nem sabia que sentia
tudo isso pela vizinha, mas dizem que o amor chega que nem um raio e
explode sua cabeça de uma vez.
— Que merda é essa, Jake? Que história é essa de explodir a cabeça?
— Taylor o empurrou. — Não escuta esse idiota. Não importa o que
aconteceu. Nem como aconteceu. — Ele pegou o estojo de primeiros
socorros. — O importante é que aconteceu. — Entregou-me algumas gazes e
um antisséptico.
Limpei os ferimentos em silêncio sob os olhos atentos dos dois.
— O que precisa que façamos? — Jake inqueriu quando terminei de
limpar os arranhados nos punhos.
— Faremos o que puder para ajudar.
— Só... preciso que cuidem da mecânica hoje — pedi, respirando
novamente. — Vou comprar algo para ela comer e volto quando der.
— Está bem para ir sozinho? — Jake tocou meu ombro. — Podemos
ir com você.
— Estou... aliviado — admiti depois de colocar a raiva literalmente
para fora. — Preciso espairecer a cabeça. Nos vemos mais tarde.
— Gaste o tempo necessário. — Taylor cruzou os braços. —
Cuidaremos de tudo aqui. E se precisar de qualquer coisa, é só avisar.
Agradeci e comecei a sair da mecânica sob os olhos atentos dos
meus amigos. Precisava desaparecer dali, caminhar, respirar, qualquer coisa
para não enlouquecer de vez.
No fundo mesmo, somos todos como crianças assustadas
Duplo K

O café da manhã cheirava deliciosamente bem através do saco de


papel, ainda assim, eu não tinha apetite.
Entrei na casa de Anny com cautela. Não queria assustá-la caso
ainda dormisse.
Passei pelo espelho do corredor da sala e observei meu reflexo.
Parecia ter envelhecido dez anos em apenas uma noite.
— Olá! — Uma voz sonolenta me pegou desprevenido.
Anny estava escorada no batente da porta do seu quarto. Havia
colocado uma calça de moletom, evitando que sua calcinha ganhasse toda a
minha atenção.
— Conseguiu dormir mais um pouco? — Um sorriso tímido brotou
em meus lábios, mas logo desapareceu quando percebi que ela não me
respondeu.
Seus olhos me encararam sem vida. Seus lábios estavam brancos
como sua camiseta. Coloquei o pacote com o café na bancada a tempo de
ouvi-la murmurar algo.
— Não me sinto bem... — Antes que concluísse a frase, seu corpo
tombou para a frente.
Mais uma vez meu coração parou.
Suas pernas perderam a sustentação e eu me joguei em sua direção
tão rápido quanto consegui, impedindo que Anny batesse violentamente
contra o chão. Envolvi seu corpo frio e desacordado em meus braços e
desatei a chamá-la.
— Anny! Anny! — Meu desespero aumentava. Tentei sentir sua
pulsação, mas o próprio batimento acelerado do meu coração impedia que eu
escutasse qualquer coisa. — Meu anjo, fala comigo!
Ergui seu corpo leve em meus braços e comecei a correr. Sua
respiração fraca me apavorou. Desci os degraus correndo em busca do meu
carro.
— O QUE HOUVE? — Jake gritou assustado quando me viu indo
em sua direção.
— Ela desmaiou, pegue meu carro. — Eu estava desorientado.
— Vamos no meu. — Jake saltou sobre o Mustang estacionado em
frente à mecânica e abriu a porta do carona.
— Que merda! — Taylor colocou as mãos na cabeça.
— Vai, vai, vai! — Apavorado, minha voz saía como um rugido.
Acomodei o corpo amolecido de Anny em meus braços e ouvi o
ronco do motor de Jake gritar pelas ruas de Fênix.
— Fica comigo, meu anjo! — sussurrava em seus cabelos, sentindo
sua respiração cada vez mais fraca. Os lábios sem um pingo de cor.
— Quase lá, parceiro. — Um Jake consternado me encarava pelo
retrovisor. — Vamos conseguir — clamou. — DEUS! — berrou quando uma
senhora atravessou na frente do carro, fazendo Jake desviar a centímetros de
distância e derrapar as rodas traseiras. — Vai pra casa, Vovó! — praguejou e
continuou nossa corrida contra o tempo. — Pelo amor de Deus, eu quase
morri do coração!
Longos minutos depois, entramos pelo estacionamento do hospital
de Fênix Hill. Ao longe, dois homens, provavelmente enfermeiros,
perceberam a movimentação que acontecia ali. Desci do carro com Anny em
meus braços, correndo como se minha vida dependesse daquilo. Em pânico,
sem ar.
— O que houve? — Um dos homens se aproximou. Busquei com os
olhos a identificação no crachá preso ao jaleco branco que usava.
Marcus, enfermeiro.
Voltei o rosto para a face desfalecida de Anny.
— Ela desmaiou — revelei. — É só o que sei. — Uma indignação se
apossou de mim junto a um sentimento de incapacidade.
— Tragam a maca! — Marcus gritou. Meu corpo se encontrava em
outra dimensão, em um mundo terrivelmente escuro e frio, rodeado por medo
e desespero. — Ela vai ficar bem, pode soltá-la.
— Não! — Neguei-me. — Vou aonde ela for.
— Calma, rapaz — orientou-me. — Será melhor esperar aqui fora
enquanto analisamos o que aconteceu com a moça.
— O que está havendo aqui? — Eu conhecia aquela voz. — Josh?
— Cassandra! — Um mínimo conforto me invadiu quando me
deparei com a mãe de Carolyne que também era enfermeira. — Por favor,
cuide dela.
— Essa é a amiga da Carolyne, não é? — questionou correndo ao
lado da maca.
— Sim, ela mesma.
— Não posso deixar que entre conosco nesse primeiro momento —
revelou, deixando escapar um pouco de empatia.
— Mas...
— Você poderá vê-la em breve, eu garanto. — Segurou minha mão
enquanto outros dois enfermeiros desapareciam com Anny pelos longos
corredores do hospital. — Você está nervoso, Josh. Só vai atrapalhar. Vou
cuidar dela como se fosse minha filha.
Minha barreira cedeu. Meneei um aceno com a cabeça e me joguei
na primeira cadeira de aço que encontrei pela frente. Jake sentou-se ao meu
lado perdido em um silêncio assombroso. Naquele momento eu entrei no meu
inferno particular chamado “Sala de Espera”.

— Criar um buraco no chão não vai ajudar em nada — Jake


reclamou enfiando o rosto entre as mãos em mais um dos meus ataques de
ansiedade.
Há quase uma hora desapareceram com Anny para dentro daquele
corredor claro e curvilíneo e nada de retornarem com notícias. Aquilo estava
me matando!
— Estou calmo! — menti, dando mais uma volta no mesmo lugar.
— Calmo como um touro furioso, não é? — retrucou.
A todo momento chegavam novos pacientes. Alguns para
atendimento eletivo, outros necessitando de auxílio médico na urgência e
emergência.Vozes exaltadas, cochichos e até mesmo um choro distante
podiam ser ouvidos com facilidade. Um cheiro estranho de limpeza se
instaurou pelo ar enquanto o painel da recepção apitava aflito, chamando o
próximo paciente a ser atendido. Eu detestava hospitais.
Merda! Meus pensamentos entravam em curto-circuito. Não
conseguia me desligar da imagem do corpo de Anny desacordando em meus
braços. Fria, pálida como... como se estivesse morrendo.
Mordi o lábio inferior e fechei os olhos, pensando que, ao menos
estávamos em um hospital. Ela haveria de ficar bem. TINHA que ficar bem.
Nada poderia piorar.
Não fazia ideia do quanto estava enganado...
— Josh? — Uma voz trêmula chamou minha atenção.
— Carolyne! — Dei um salto em sua direção e estaquei no segundo
seguinte.
Meu corpo congelou quando meus olhos encontraram os de Ben
caminhando a passos rápidos ao lado de Carolyne. Uma raiva descomunal se
apoderou de mim. Meu rosto se contraiu, furioso, sem nenhuma restrição.
Queria que soubesse que não era bem-vindo.
Por todo aquele tempo Ben aguardou que alguém especial
aparecesse em minha vida e eu sabia o motivo. Ele desejava me fazer
experimentar o que sofreu com sua noiva. O sabor amargo da traição. Agora
ele, pela primeira vez, encontrara um ponto fraco. Alguém com quem eu
realmente me importava.
Não sei o que me enervou mais. A possibilidade de Ben desejar se
transpor em meu caminho ou a aflição genuína que identifiquei em seu olhar
enquanto entrava pelo hospital.
— O que aconteceu? — Carolyne agarrou meus braços. Seus olhos
cor de mel se mantinham arregalados aguardando a resposta.
— Anny... — comecei sem conseguir desviar meus olhos de Ben,
que da mesma forma, me fulminava da cabeça aos pés. — Eu não sei. Estou
esperando alguma notícia.
— Como a encontrou? — O desespero em sua voz fez com que eu
desistisse de retribuir a encarada de Ben para lhe responder. — Passei na casa
da Anny e Taylor me contou o que aconteceu, ou melhor, o que ele viu. Nada
mais.
— Não sei o que pode ter acontecido. — Enfiei as mãos nos cabelos.
—Anny estava bem durante a madrugada. Um pouco abalada por um
pesadelo, mas nada de mais. — Parei quando percebi que Ben me observava
com o rosto retorcido em incontáveis vincos.
Foi então que percebi a naturalidade que havia mencionado que eu
estivera com Anny durante a noite.
Foda-se! Eu não me importava.
— Foi agora de manhã... — tentei voltar meu raciocínio — ... ela
simplesmente desmaiou.
— Você é corrosivo! — Ben se pronunciou, unindo as sobrancelhas
em um olhar sarcástico.
— Ben! — Carolyne rugiu.
— Não, Carolyne — pedi. — Deixe que fale — instiguei. —
Continue, Ben. Sou corrosivo? — Dei um sorriso sarcástico. Atingido. — O
que mais sou? O cara que ela escolheu?
— Se ela conhecesse quem você é de verdade — balançou a cabeça
de um lado para o outro —, Anny jamais te daria chance alguma.
— Ela sabe de absolutamente tudo sobre minha vida. — Seu olhar
tremeu diante da minha revelação. Anny tinha ciência sobre a noiva de Ben,
sabia sobre minha arma, e com toda certeza, eu deixei claro os sentimentos
que mantinha por ela. — Tudo! — Abri os braços. — O único que não aceita
a verdade é você.
Ben não conseguia assimilar que criou uma cobra quando pediu
aquela mulher em casamento, e uma hora, ela lhe deu o bote.
— Parem! — Carolyne intercedeu quando percebeu que nossas
vozes ficavam mais exaltadas.
— Dá.O.Fora.Daqui! — Trinquei os dentes. — Ela não precisa de
você.
— É o que vamos ver. — Carolyne se encolheu. Ben fazia aquele
teatro para me provocar e sem perceber, o idiota feria ainda mais os
sentimentos da garota por ele.
Toda a cidade estava ciente do que Carolyne sentia pelo idiota do
Ben. Como um letreiro reluzente, ficava estampado em seu olhar, em seu
sorriso, em suas atitudes. Ainda assim, ele se fazia de cego e agora deixava
claro suas intenções ali. Ficar ao lado de Anny como se ela fosse sua
responsabilidade.
Um misto de raiva, ciúme, medo e desespero se estabeleceram sobre
mim.
E se ela preferisse ir embora com Ben? Afinal, ela o conheceu antes
mesmo de trocar uma palavra sequer comigo. Quem eu pensava que era? Seu
namorado?
Eu me apaixonei por ela, aquela era uma certeza cravada em meu
peito. Bastava vê-la para que meu corpo reagisse de uma forma estranha.
Minhas mãos suavam, minha boca secava, um ritmo frenético envolvia as
batidas do meu coração e como um adolescente prestes a perder a virgindade,
eu me encolhia diante aquele sentimento.
Algo mudou desde a noite passada quando ela confiou a mim suas
mais profundas dores, seus beijos, seu corpo e carinho. Eu admirei sua força,
eu consegui entender a mulher complicada que Anny se tornara e para mim
toda aquela complicação era exatamente o que faltava em minha vida. Meu
corpo todo dançava ao seu toque. Mas, para meu desespero, ela não
demostrava ter o mesmo sentimento por mim. Aquilo me preocupou.
E se ela não me escolhesse?
Um riso sarcástico irrompeu pelos lábios de Ben quando me pegou
com os pensamentos distantes e a guarda baixa.
— Você realmente acha que merece alguém como ela? —
Gargalhou. — Você não merece nada, de ninguém. Não merecia nem ter a
dona Lucinda como avó. Anny logo vai perceber isso também.
Foi a gota d’água.
Quando dei por mim, meu pulso se ergueu em direção ao rosto de
Ben, acertando-o com força no queixo. Seu maxilar estralou e ele cambaleou
para trás, buscou impulso e veio em minha direção assim que recuperou o
equilíbrio, acertando-me de raspão no rosto.
— Estão ficando malucos? — Jake se enfiou entre nós junto com
Carolyne, tentando nos separar.
Escutei passos apressados e senti uma mão pesada me segurar pelo
ombro. Percebi que o mesmo acontecia com Ben.
Eram os seguranças!
Minha cabeça rodava enquanto meu peito se contraía em um misto
de raiva e preocupação.
— Estão em um ambiente hospitalar. — O segurança, um homem
moreno de uns bons dois metros de altura, lançou-me para a frente com
facilidade. — Da próxima vão parar na cadeia.
Os seguranças não se afastaram. Posicionaram-se ali, recostados na
parede, observando se um de nós teria coragem de continuar a briga. Minha
vontade era de dar outro murro na cara de Ben, mas me contive. Tinha outras
prioridades.
Suspirei e dei a volta nas cadeiras, percebendo que algumas pessoas
me encaravam com o olhar perturbado, mas foram os olhos de Carolyne que
me fizeram estremecer.
— Josh! — sussurrou me alcançando. Quando me virei para ela,
suas íris cor de mel transbordavam lágrimas que ela lutava para que não
caíssem e quando se pronunciou, tive a certeza do motivo. — Não dê ouvidos
ao Ben — prosseguiu. — Você sabe que ele é um cara legal, só está...
nervoso e preocupado. Não deixe que ele te provoque assim.
— Carolyne, você merece alguém melhor. — Segurei sua mão. —
Sabe do que estou falando. — Ela meneou a cabeça encarando os próprios
pés.
— Eu.. eu — Ela desejava falar e eu a escutaria. Entretanto, antes
que qualquer um de nós concluísse algum pensamento, a mãe de Carolyne
surgiu pelos corredores do hospital. — Mãe! — ela gritou afoita, esquecendo
minha existência.
— Olá, querida. — Ana deu um beijo no rosto da filha e se voltou
para nós.
— Como ela está? — supliquei por qualquer notícia que fosse.
— Está bem. — Ergueu as duas mãos no ar. — Podem se acalmar.
Ergui a cabeça aos céus, agradecendo em silêncio por aquela notícia.
— Eu posso vê-la? — Vi o olhar receoso de Jake em minha direção.
— Apenas um de vocês poderá entrar.
— Eu também quero vê-la — Ben se pronunciou.
— Você, Ben? — Cassandra, disfarçadamente, correu os olhos até
Carolyne. — Decidam entre os dois quem vai entrar.
— Não, mãe! — Carolyne intercedeu. — Já tivemos brigas demais
por hoje. — Deixou os ombros caírem. — Poderia dizer a Anny que Ben e
Josh estão aqui para vê-la e que qual dos dois ela quer que entre
imediatamente? Acredito que o que ficar poderá esperar o horário de visitas.
— Aquela era uma jogada arriscada, tanto para mim quanto para ela.
Se Anny o escolhesse, eu não saberia o que fazer e tinha certeza de
que Carolyne compartilhava do mesmo sentimento.
— Claro! — Cassandra logo desapareceu, adentrando o hospital,
enquanto Ben sustentava um sorrisinho vencedor que eu daria tudo para
arrancar do seu rosto com um soco.
Andei de um lado para o outro até ver a morena baixa de silhueta
ereta irromper mais uma vez pelos corredores do hospital. Ela parou na nossa
frente ajeitando o jaleco branco que usava e deu a resposta que tanto
esperávamos.
— Ela pediu que o Josh entrasse. — Um êxtase sem tamanho
percorreu meu corpo quando Cassandra escondeu um sorriso e pronunciou as
palavras que eu tanto desejava escutar.
— Ok — Ben disse. — Vamos embora,Carolyne, não temos motivos
para ficar aqui. Parece que Anny está bem acompanhada. Ou pelo menos é o
que ela pensa. — sussurrou a última parte.
Encarei-o sentindo repulsa do homem à minha frente.
A amizade entre ele e Anny era baseada em quê? Se ele não fosse a
primeira escolha dela, então sua amizade e companhia não bastavam?
Foi então que percebi uma coisa, a disputa entre nós era mais
importante para ele do que o bem-estar dela.
— Você não merece sequer a amizade dela. — Minha voz surgiu
baixa e firme. — Se ela tivesse te escolhido, Ben, eu ainda ficaria aqui,
plantado até que pudesse entrar para vê-la. Não me importaria a sua decisão,
eu quero vê-la de qualquer maneira. Eu preciso saber que ela está bem. Se
não é isso que sente, desapareça daqui.
Ele não respondeu. Sabia que eu tinha razão. Em um rompante ele se
virou em direção a saída e parou.
— Carolyne?— chamou.
— Eu não vou com você! — falou a garota que batia o pé direito
freneticamente. — Vou ficar e ver minha amiga.
— Você que sabe! — Ele não se dignou a olhar nos olhos da
Carolyne. Saiu sem se despedir.
— Não se preocupe. — Jake se aproximou dela que por sua vez,
tentava esconder o tremor em suas mãos. — Eu te levo embora.
— Me acompanhe. — Deixei Carolyne sob os cuidados de Jake. Mal
tive tempo para respirar e Cassandra despejou sobre mim alguns xingamentos
de desabafo. — Aquele garoto é um idiota — referiu-se a Ben. — Tomara
que Carolyne tome vergonha na cara e se afaste dele de uma vez.
Não respondi. Não havia uma palavra sequer em minha mente,
tamanho era o constrangimento que sentia.
— Josh. — Cassandra segurou meu braço com força antes que
pudéssemos entrar no quarto de Anny. — Essa garota...
— Anny! — corrigi-a com cautela.
— Anny — ela sorriu —,está com uma anemia avançada. Precisa de
cuidados. Tomar a medicação correta e acima de tudo, procurar um médico
para acompanhamento. — Eu balançava a cabeça em concordância anotando
todas as dicas mentalmente. — Custamos a fazer com que ela revelasse qual
era o hospital que fazia acompanhamentos anuais. Quando descobrimos,
entramos em contato para pedir a ficha dela e a situação era mais grave do
que supúnhamos.
Meu coração gelou e preparei-me para suas próximas palavras.
— Pegamos o histórico da Anny e... bem, isso não vem ao caso. —
Soltou um ar pesado pelos lábios finos. — A situação é a seguinte:
comunicamos ao hospital de Natanville que Anny está sob nossos cuidados
em Fênix. Eles precisam saber o que acontece com ela, caso ela volte para
sua cidade um dia.
Assenti, encarando a porta branca que me separava de Anny.
— Você será o responsável por obrigar essa moça teimosa a
continuar com o tratamento? — Ela comprimiu os olhos. — Falo sério, Josh.
Se demorassem um pouco mais, estaríamos em um quadro muito mais grave.
— Pode ter certeza, Cassandra. — Remexi-me, impaciente. — Vou
levá-la ao médico quantas vezes forem necessárias. Eu prometo.
— Eu espero que sim, querido. — Ela me direcionou um olhar
consternado. — Pelo bem dela.
Cassandra abriu a porta à nossa frente e em seguida meus olhos
pousaram sobre uma Anny abatida. Seus lábios já não estavam mais tão
pálidos, mas seu rosto estava contraído de cansaço. Ainda que parecesse não
ter forças para falar, ela abriu um lindo sorriso em minha direção.
— Ah, meu anjo! — Corri até ela e me ajoelhei na cama ao seu lado.
Envolvi seus dedos nos meus e ela se agarrou a eles com força.
— Senti sua falta! — revelou, tímida, fazendo meu coração dançar
no peito. — Por favor, não me deixe sozinha aqui.
— Não sairei do seu lado, por nada! — Puxei uma cadeira de ferro
que estava abandonada no canto do quarto e me sentei ao seu lado,
observando o soro ligado à sua veia gotejar sem pressa.
No canto do quarto havia uma cadeira confortável, reclinável,
própria para acompanhantes passarem a noite. Uma televisão estava situada
no meio do grande quarto. Sob ela, localizei um frigobar.
— Anny está sendo amparada da melhor forma possível —
Cassandra comentou quando me viu analisar o local.
— Obrigado!
— Logo a médica passará por aqui para verificar como ela está. —
Ela sorriu e Anny retribuiu o gesto. — Ela vai te dar um longo sermão sobre
sua alimentação, visto seu histórico, mocinha. — Cassandra comprimiu os
olhos em nossa direção e Anny se encolheu. — É possível que tenha que
passar o dia aqui, ainda está fraca e desidratada. Mas não entre em pânico.
Creio que antes da noite cair você já estará em casa e Josh poderá ficar ao seu
lado até lá. Daqui quinze minutos se iniciam os horários de visita. Seus
amigos poderão entrar para te ver.
— Quem...
— Carolyne e Jake! — respondi à pergunta não formulada de Anny
e sorri, tentando anuviar seus pensamentos para que não ficasse triste naquele
momento pela idiotice de Ben.
— Você me deu um susto, princesa. — Beijei sua mão quando
Cassandra se retirou.
— Eu sinto muito. — Anny arqueou as sobrancelhas. Vi o
arrependimento em seus olhos.
— Não diga isso. — Acariciei seu rosto.— Estou extremamente
grato a Deus por ter conseguido te trazer a tempo para o hospital.
— Parece que agora te devo duas... — reclamou cruzando os braços.
— Não faço ideia de como pagarei essas dívidas.
— Que eu me lembre... são três. — Dei-lhe um sorriso maroto.
— Existe uma terceira? — Ela comprimiu os olhos. — Você está
querendo se aproveitar de uma garota doente.
A palavra “doente” mexeu comigo. Não queria ver a minha garota
naquela situação.
— Lembra das arrancadas ontem? — prossegui.
— Ah! Está falando daquela briga? — Ela se lembrou. —
Tecnicamente eu dei o primeiro golpe e estava pronta para continuar a lutar
contra aquela fera bêbada. Não conta pontos para você.
— Droga! — xinguei, brincando, escondendo todo o pânico que
senti em um sorriso ameno.
— Diga... — sussurrou recostando-se na cama completamente
branca. — Como te pagarei?
— Com vários e longos beijos. — Esfreguei suas mãos sentindo,
meu coração queimar. — O que acha? — O rosto de Anny corou.
— Perfeito! — sussurrou e uniu nossos dedos. — Com você tudo é
perfeito. — Suas palavras sôfregas irradiavam ardor, mistério, dúvidas e algo
mais... algo que eu não consegui desvendar. — O que aconteceu? — ela
questionou, repentinamente. Segurou minhas mãos entre as suas e observou
com cautela as marcas e escoriações dos machucados naquela região. Os
olhos mais atentos, preocupados.
— Não foi nada de mais. Nada com o que se preocupar — menti e
ela anuiu, mas algo me dizia que aquela história não terminaria ali. Ela só
estava fraca demais para continuar me questionando e uma tristeza aflita
preencheu meu peito, relembrando o momento em que ela caiu em meus
braços. O pavor ainda era palpável e nada naquele mundo me faria sair do seu
lado agora.
Suspirei ao perceber aquela afirmação. Beijei suas mãos mais uma
vez e assumi o meu lugar na sua vida, permanecendo ali, ao seu lado.
Você é a luz, você é a noite
Você é a cor do meu sangue
Você é a cura, você é a dor
Você é a única coisa que quero tocar
Love Me Like You Do - Ellie Goulding

Algumas horas depois, Cassandra retornou com a minha ficha de


liberação. Josh cochilou apoiado na cama enquanto eu estava recebendo o
soro, mas em momento algum soltou minha mão. Aquilo me encheu de uma
força e coragem que eu não sabia que ainda existia dentro de mim. De
repente o hospital não era mais tão apavorante. Não com ele ali, ao meu lado.
— Anny... — a enfermeira sussurrou na tentativa de não acordar
Josh. Mas ele estava disposto a não perder um segundo sequer do que
acontecia naquele lugar e, do mesmo jeito que fez quando o médico veio me
examinar, ele saltou da cadeira como se não estivesse dormindo.
— O que aconteceu? — questionou, ainda sem rumo e eu sorri.
— Eu trouxe a alta e a receita da Anny. Como o médico já orientou,
agora resta fazer o check-up completo, se alimentar melhor e tomar a
medicação. É simples, logo você estará novinha em folha. — Ela me
estendeu a receita que sequer chegou em minhas mãos.
— Eu fico com isso. — Josh pegou o papel com um sorriso preso
aos lábios. Cassandra retribuiu o sorriso com muito carinho.
— Parece que está em boas mãos — ela sussurrou antes de sair e eu
sentia verdade em cada uma daquelas palavras.
Fomos para minha casa no carro de Jake, que depois da visita levou
Carolyne embora e o deixou ali para quando Josh saísse. Passamos em uma
farmácia e chegamos em casa poucos minutos depois. Josh caminhou ao meu
lado até chegarmos ao meu quarto.
— Acho melhor se deitar um pouco e descansar. — Eu não fazia
ideia de que horas eram, mas parecia tarde. A noite já tinha caído fazia um
bom tempo, mas eu estava sem sono.
— Já descansei demais naquele hospital — refutei, sentindo-me
infinitamente melhor do que naquela manhã. — Estou bem, juro.
— Mas que garota teimosa! — Ele colocou as mãos na cintura e me
encarou de uma forma tão engraçada que fui obrigada a dar uma risada alta e
me sentar na cama. Josh ficou ali, em pé, encarando-me de uma forma
estranha. Seus olhos haviam perdido o brilho que eu costumava ver ali e um
vinco aparecia entre as sobrancelhas, destacando-se. — O que foi? — O
sorriso do meu rosto se desfez.
Ele veio até mim e se sentou na cama ao meu lado, segurou minha
mão com firmeza entre as suas e se inclinou em minha direção, dando-me um
beijo casto nos lábios.
— Eu só...
— Você? — incentivei quando ele se calou.
— Você me deu um puta susto, Anny. — Ele sorriu, mas não havia
nenhuma graça naquele sorriso. — Porra, eu quase morri de medo. — Seu
sorriso enfim vacilou, dando lugar a um olhar preocupado. — Não sabia o
que fazer, isso nunca aconteceu comigo, eu não... — Ele comprimiu os olhos
e em um impulso, abracei-o com força.
— Foi só um susto — sussurrei em seu ouvido. — Eu estou bem,
posso garantir. — Ergui os lábios, mas diante de sua aflição não consegui
sorrir.
— Prometa-me que vai se cuidar de agora em diante? Que vai
comparecer as consultas e vai fazer aqueles exames? Prometa-me — pediu,
sério.
— Eu prometo. — Falaria qualquer coisa para tirar aquela expressão
de seu rosto e ao que tudo indicava, havia funcionado.
— O que eu puder fazer, eu vou fazer — falou com mais
tranquilidade. — Mas também preciso que me ajude a te ajudar. — Meneei
um aceno, concordando e ele entrelaçou os dedos aos meus, fazendo-me
lembrar de algo que ainda estava me incomodando.
A pele do dorso de sua mão estava meio escura e levemente
machucada, como se ele tivesse socado alguma coisa.
— Vai ou não me contar o que aconteceu com suas mãos? — inqueri.
— Parece que você andou... boxeando alguém. — tentei.
Será que na minha breve ausência Josh tinha trocado socos com
alguém? E se aquele alguém fosse Ben? Ele não estava no hospital. Nem no
horário de visitas nem depois.
Era só o que me faltava. Os dois resolverem colocar suas diferenças
a limpo no meio da sala de hospital.
— Não foi...
— Não diga que não foi nada — pedi. — Eu te contei tudo.
Absolutamente tudo sobre a minha vida. Pode confiar a sua a mim também.
Foi o Ben? Vocês brigaram?
— Não! — ele respondeu em um rompante e comprimiu as
sobrancelhas. — Aquele idiota bem que mere... — Ele parou e levou a mão
fechada em punho até os lábios, como se controlasse as palavras que estava
prestes a dizer. — Ele não teve nada a ver com isso — disse, por fim.
— Então o que foi? — insisti e o vi travar uma luta interna,
provavelmente pensando sobre o que deveria falar ou não e por fim, depois
de um longo suspiro, sua voz surgiu baixa e contida.
— Ontem à noite, quando você me contou sobre sua vida e tudo o
que tinha acontecido, foi como se um filme passasse diante dos meus olhos.
— Ele encolheu os ombros, visivelmente inseguro com o que dizia. Toquei
sua mão.
— Sabe que também pode confiar em mim — falei e ele se
aproximou mais e colando seu corpo ao meu, começou a falar.
Foi a minha vez de ficar surpresa.
— A minha vida nem sempre foi muito boa — admitiu. — Meus
pais não eram os melhores pais do mundo e eu não posso culpá-los. Descobri
isso com o tempo. Não se culpa alguém pela podridão que nasceu e
preencheu todo o interior daquela pessoa. Ou você ajuda ou se afasta.
— Você não é do tipo que se afasta — comentei.
— Não, não mesmo. Nem quando era criança. — Ele encarou nossas
mãos unidas. — Eu cresci vendo meu pai agredir minha mãe. — Prendi a
respiração, surpresa com aquela revelação repentina. — E ela não ficava para
trás. Ambos perderam o respeito um pelo outro, mas meu pai, sendo homem,
tinha muito mais força e agressividade. Ainda que fosse ela a começar a
confusão muitas das vezes, nada justifica a atitude dele. De erguer a mão
contra uma mulher. — Meneei um aceno concordando. Uma pontada
irrompeu por meu peito. — A vida deles era maravilhosa diante dos amigos
da alta sociedade e dos sócios do meu pai, mas dentro de casa era um
verdadeiro inferno. E eu estava no meio daquilo tudo — revelou.
— Sua mãe nunca pensou em se divorciar?
— Não — ele disse. — Os dois namoravam desde a adolescência.
Era um casamento que unia duas famílias poderosas. Nenhum dos dois queria
abrir mão do poder que tinham juntos. Minha mãe principalmente —
confessou. — Nada nunca era o bastante para ela. Sempre queria mais. O
status de ser casada com um homem como meu pai era tudo que ela
precisava. Ela até teve a coragem de engravidar para fomentar a ideia de um
casamento perfeito.
— Meu Deus! — Levei a mão à boca. Aquela mulher engravidou do
Josh só para manter um status?
— Eu nunca fui um filho que ela queria, ele muito menos.
— Sinto muito. — Meus olhos arderam com aquela realidade tão
cruel. Eu não fazia ideia do que era ser rejeitada pelos meus próprios pais.
Tudo o que eu conheci da minha mãe e do meu pai foi o mais puro amor e
proteção. Podia não compreender a dor de Josh, mas eu a sentia através do
seu olhar perdido.
— Não se preocupe. — Ele tentou sorrir, mas não me enganou. —
Minha avó, mãe do meu pai, que era a criatura mais doce da face da terra, me
criou. Eu tive muita sorte.
— Mas não antes de eles marcarem você de alguma forma, não é?
— Tentei entender melhor toda aquela história.
— Infelizmente não antes das coisas chegarem ao extremo — contou
e começou a estalar os dedos inconsciente do movimento. — Sabe quando
me contou que quebrou um braço na aula de ginástica? — concordei,
relembrando-me perfeitamente daquela manhã catastrófica. — Eu também já
quebrei um braço, sabia? — Ele esticou o braço que era coberto por tatuagens
e sorriu. O sorriso mais triste da face da terra e meu coração doeu tanto que
parecia estar sendo arrancado do meu próprio peito.
— Foi o seu pai? — Minhas mãos estavam tremendo, então as uni
sobre meu colo para evitar que ele visse o tremor que já estava se espalhando
por meu corpo.
— Eu estava farto dos gritos dela todos os dias. Das brigas, das
discussões e do fingimento diante dos outros, então, em mais uma noite de
brigas, quando ele avançou sobre ela, eu tentei defendê-la. Apesar de tudo,
ela era minha mãe e eu a amava muito. Então entrei no meio e o encarei, pedi
que parasse. — Torceu os lábios. — Só que eu era pequeno demais, magrelo,
frágil. — Deu de ombros como se contasse uma coisa muito simples,
rotineira. Congelei no mesmo lugar, incapaz de digerir aquela informação. —
Ele me empurrou, não mediu a força. Depois disso, só me lembro de ter ido
parar no hospital e de ter presenciado mais uma briga. A última. Mas não era
entre minha mãe e meu pai. Era entre meus avós e meus pais. Eles pegaram a
minha guarda e desde então eu não os vi mais. Nunca me procuraram pra
absolutamente nada. — Suspirou fundo. — Eu sei onde moram e eles
também. Mas isso não faz diferença. Acho que foi melhor assim.
— Como seu pai pôde se transformar nesse tipo de homem, se seus
avôs são o completo oposto? — Agora a minha voz também estava tremendo
e era com muito esforço que eu não me desmanchava ali mesmo.
— Eu não faço ideia. Não foi por falta de exemplos bons.
— Eu sinto tanto. — Não consegui me manter forte diante do que
ele me contava e quando dei por mim já estava chorando em seus braços.
Apertei seu corpo contra o meu com força, como se tê-lo ali não
fosse o bastante. Eu queria ser capaz de desaparecer com toda a dor que vira
em seus olhos, de extinguir todas as lembranças ruins pelas quais ele passou.
Mas eu sabia que, se havia alguma coisa impossível naquele mundo, era
esquecer o passado. A menos que a pessoa sofra uma perda de memória,
nosso único recurso era tentar viver e sobreviver às marcas do passado.
— Está tudo bem. — Ele afagou as minhas costas, retribuindo o
abraço com carinho. — Já passou.
Afastei-me dele por um momento e segurei suas mãos. Minha vista
estava embaçada pelas lágrimas que ainda insistiam em descer e molhar todo
o meu rosto.
— E por que isso? — Deslizei os dedos pelas marcas em sua pele.
Ainda não conseguia entender.
— No dia seguinte ao que você me contou o que você sofreu... —
seus olhos escureceram — ... quando eu estava prestes a sair, eu vi a sua
cicatriz mais uma vez e foi como voltar àquele dia maldito. Àquela vida —
confessou e um misto de sentimentos preencheu meu peito. Acima de tudo,
arrependimento.
— Eu não deveria ter falado nada. Sinto muito, Josh.
— Não, meu anjo, não diga isso. — Ele cercou meu rosto com as
mãos, secando as lágrimas com cuidado. — Você me fez lembrar o motivo
pelo qual eu ainda estou aqui. Assim como eu, você foi corajosa. Assim
como a minha mãe, que mesmo sendo como é, era uma vítima, você também
foi e sobreviveu. Hoje de manhã eu me descontrolei, fui até a mecânica e...
reorganizei alguns armários — ele brincou, erguendo o punho machucado no
ar. — Eu precisava por para fora tudo o que estava me sufocando e então eu
entendi que te admirava acima da sua beleza, ou qualquer outra coisa. Você é
como eu. Uma guerreira e eu me apaixonei ainda mais por você.
Meu coração, tão trêmulo e temeroso, deu um salto ao ouvir aquelas
palavras. Meu peito se aqueceu e eu entendi pela primeira vez que nossas
histórias haviam se cruzado. Tínhamos muito em comum. O amor por carros
era um deles, mas também carregávamos marcas que nem o tempo era capaz
de apagar por completo.
Inclinei-me sobre ele e beijei seus lábios.
— Obrigada. — Olhei em seus olhos, tão azuis que cintilavam. —
Obrigada por ter entrado em minha vida e ter trazido toda a sua alegria para
ela. — Abracei-o com força.
— Eu vou cuidar de você, meu bem. — Ele beijou minha clavícula.
— E eu de você... — garanti, aconchegando-me a ele. Ofegante por
tudo que havia descoberto e ao mesmo tempo feliz por Josh ter tido os avós
para salvá-lo de um futuro tão infeliz.
Continuamos ali, agarrados, buscando conforto um no outro e aos
poucos, conseguimos voltar a respirar, dividindo nossos passados naquele
quarto que não tinha nada a ver comigo, com tanto rosa que chegava a doer
os olhos. Mas Josh estava ali e nada mais importava.
Às vezes, tudo o que precisamos é de um abraço apertado e de um
“vai ficar tudo bem”.
E ia mesmo. Era o que eu esperava.

Uma semana se passou desde o incidente do hospital e muita coisa


tinha mudado desde então.
Frequentar consultas e fazer exames era de fato uma coisa que me
incomodava muito, mas Josh não abria mão de comparecer a cada uma delas
e eu sabia que todo aquele cuidado e esforço era para garantir que eu
continuaria com o tratamento e eu precisava admitir que, desde que comecei
a tomar a medicação corretamente e me alimentar melhor, eu tinha me
transformado em outra pessoa.
Entretanto toda a felicidade e calmaria que explodiam em meu peito
não tinham nada a ver com a medicação e sim com o homem que me
acordava todos os dias com um delicioso café da manhã — com aqueles
maravilhosos biscoitos de coração — e que dormia mais na minha casa do
que na dele.
— Bom dia, meu anjo! — Espreguicei-me, sonolenta, sentindo o
perfume amadeirado de Josh invadir minhas narinas. Remexi-me na cama e
busquei seu toque. — Tá na hora dessa coisa azul. — Ele me entregou o
comprimido da manhã e um copo de água.
— Bommmm dia! — Tomei o remédio e enfiei o rosto na curva do
seu pescoço e fiquei ali, escorregando os dedos por seu tórax, circundando as
tatuagens pelo caminho.
— Como está se sentindo? — ele questionou e desceu a mão por
meu rosto. — Precisa tomar seu café.
Josh se tornou calculadamente assertivo com o horário de cada
refeição. Quando não podíamos almoçar juntos ele me ligava para me
lembrar que deveria comer. Aquilo era tão... fofo. Um homem como ele tinha
muitos afazeres, e vê-lo gastar grande parte do seu tempo se preocupando
comigo era surreal.
É incrível.
— Tem que ser agora? — barganhei e beijei seu pescoço.
Havia muitas coisas boas que eu ainda não conhecia, mas o toque de
Josh era uma das coisas mais absurdamente maravilhosas que eu já
experimentei e eu queria muito mais daquilo... todos os dias. E por mais que
no início, quando saímos do hospital, ele tivesse fugido de mim, com medo
de que pudesse me fazer algum tipo de mal, sua força de vontade acabou
cedendo ao desejo que possuía nós dois.
— Ah, Anny... — Ele fechou os olhos, sentindo o toque dos meus
lábios subindo e descendo por seu rosto e pescoço. — Tenho uma reunião
importante esta manhã — lamentou. — Podemos continuar à noite? — Seus
olhos estavam escuros, como se resistisse às palavras que dizia.
— Humpf! — Cruzei os braços e torci os lábios, brincando. — Tudo
bem — concordei de mau grado e ele sorriu.
— Se precisar de qualquer coisa, não hesite em me ligar
imediatamente. — Josh saiu apressado para a reunião com Jake e Taylor e
alguns minutos depois, alguém bateu na porta da minha casa.
Coloquei meu conjunto de moletom preto, que diferente do cinza —
porque eu tinha uma coleção de conjuntos de moletom quentinhos e
confortáveis — eu ainda não tinha usado.
Aproximei-me da porta e sorri ao ver que era Carolyne.
— Olá! — ela disse quando abri a porta. Usava uma calça preta
colada e a blusa da RedCoffee sob uma jaqueta também preta. Estava linda,
porém, visivelmente cansada.
— Que bom que veio! — Abracei-a e dei passagem para que
entrasse na minha casa.
Carolyne me visitou o quanto pode naqueles últimos dias, mas a
movimentação na RedCoffee parecia ter aumentado com os preparativos para
a Festa do Pomar que aconteceria em um mês.
— Vim ver como você está. Mary perguntou por você. — Ela me
lançou um sorriso que não chegou aos olhos e eu percebi que havia algo de
errado.
— Diga que mandei um abraço e que estou bem — aleguei,
sentando-me no sofá. Carolyne fez o mesmo. — E o Ben? Ele ainda está
muito ocupado para aparecer?
Ouvi dizer que Ben foi até o hospital para me ver, porém, não pôde
ficar. Ao menos foi o que Josh e Carolyne me disseram. Desde então, como
eu estava evitando sair sozinha depois das recomendações médicas, eu não o
via e Ben parecia muito ocupado para fazer uma visita, então eu esperei.
Ao que tudo indicava, ele ainda andava bem atarefado.
Será que aconteceu alguma coisa? Talvez fosse por isso que
Carolyne estava com aquele semblante triste.
— Ele... está. — Olhou para as próprias mãos. — Em breve deve
aparecer.
— O que está acontecendo, Carolyne? — questionei antes que ela
pudesse se esquivar e ela quase deu um salto com a pergunta.
— Nada — respondeu, assustada. — Tá tudo bem.
— Eu fico me perguntando o que há de errado lá fora com o mundo
para que você pense que eu não consigo ver nos seus olhos que está
mentindo. — Dei de ombros e acariciei sua mão. — Pode me contar, Carol.
O que foi? — arrisquei, preocupada.
Bastou isso para que seus olhos se enchessem de lágrimas. Eu sabia
que havia algo de errado.
— É a minha mãe.
— Aconteceu alguma coisa com a Cassandra? — Endireitei a coluna
e prendi a respiração em um rompante.
— Não — apressou-se em dizer. — Nada tão sério assim. É que...
ela teve uma paciente inesperada esses dias. — Ah, eu já até podia imaginar
quem era.
— Rachel? — Ela meneou um aceno confirmando. — O que essa
garota aprontou agora?
— Ela humilhou a minha mãe na frente de vários pacientes. — As
lágrimas começaram a rolar pelo rosto de Carol e meu coração se comprimiu
dentro do peito.
— O que ela disse? — Continuei segurando sua mão, incentivando-
a. Eu precisava entender um pouco do que acontecia para que pudesse ajudá-
la.
— Ah, Anny! — Ela soluçou. — Coisas horrorosas, como chamá-la
de vagabunda, amante, oportunista. — Abracei Carolyne. Seus ombros
balançavam sem parar conforme chorava. — A minha mãe não teve culpa,
Anny. Ela não sabia — disparou, começando a contar sua história. — Ela e
meu pai sempre foram amigos. Então ele começou a namorar a mãe da
Rachel e ela engravidou. Passaram por uma crise e se separaram logo depois
do nascimento dela. Foi então que ele e minha mãe começaram a sair.
Aconteceu, sabe? Amigos bêbados, atraídos um pelo outro. Eles estavam
solteiros. Minha mãe não era amante. — Chorou. — Aí, na semana seguinte,
ele reatou com a mãe da Rachel.
— E sua mãe já estava grávida de você.
— Sim — respondeu, mesmo não sendo uma pergunta. — A
gravidez da minha mãe não deve ter sido fácil. Meu pai assumiu a
paternidade e todo o auxílio financeiro que ela precisava.
— Mas emocionalmente ela estava sozinha — constatei com um
suspiro doloroso.
— Pior. Emocionalmente ela teve que suportar o inferno que a mãe
da Rachel causou na vida dela — confessou. — Por várias vezes ela pensou
em se mudar desta cidade, mas no fim, para onde ela iria com um bebê
recém-nascido?
— Imagino que Rachel adquiriu esse ódio pela sua família através da
mãe dela, certo? Ela era só um bebê quando tudo aconteceu.
— Sim. Só que ela é má, Anny. Ela é mil vezes pior que a mãe dela.
— Fungou. — Uma garota soberba que não tem empatia pelo próximo. Estou
destruída pelo tanto que a minha mãe chorou noite passada pelas coisas que
ela falou. A vontade que eu tenho é de ir lá e dar uns bons tapas na cara dela.
— A violência nunca é a solução. — Comprimi os lábios. — Mas
ela não ia morrer se levasse uns tapas, né? — brinquei, mas consegui arrancar
um sorriso de Carolyne.
Conversamos por mais um tempo antes que ela precisasse ir embora
para voltar ao trabalho.
— Anny... — Virou-se em minha direção antes de sair. — Ben
sempre me pergunta sobre você. Ele pode não ter... tempo para vir até aqui,
mas se preocupa com você. — Por que ela estava falando aquilo agora?
Nós duas sabíamos que o sumiço dele poderia ter relação com a
frequência em que Josh estava ao meu lado. Os dois não se davam bem e
tudo bem, uma hora ou outra aquela rincha iria acabar. Eu torcia para que
aquilo acontecesse.
— Ok, mande um abraço para ele. — Ela sorriu e foi embora.
Passei o restante do dia entediada sem absolutamente nada para
fazer, a não ser ler os mesmos livros pela terceira vez.
A noite caiu e eu decidi sair e fazer uma visita surpresa. Soltei meus
cabelos, coloquei um vestido curto de mangas longas e quentes e passei meu
perfume favorito. Desci pela entrada da casa, observando o céu escuro e com
raras estrelas espalhadas. A brisa fria tocou minha pele, causando um arrepio
em meu corpo.
Caminhei até a Black Bird que já estava com uma das portas
fechadas.
Quando cheguei na entrada daquela construção colossal, passei os
olhos pelo lugar e não achei ninguém, a não ser pelo par de pernas que
escapava para fora de um Mitsubishi Lancer Evolution azul.
— Josh? — chamei. Não queria pegá-lo desprevenido. A última vez
que aquilo aconteceu, precisei de um curativo na testa.
Ele escorregou por debaixo do carro com a esteira mecânica. Usava
uma bermuda coberta por manchas escuras que eu poderia jurar que era graxa
e uma camiseta cinza tão larga que deixava as laterais do seu corpo à mostra.
Um boné cobria seu cabelo e parte do rosto e de longe, Josh era a visão mais
sexy que eu já vi na vida, com os músculos dos braços meio sujos de preto e
os olhos profundos presos aos meus.
— Anny! — Levantou-se e caminhou em minha direção, ainda
segurando uma ferramenta que colocou na primeira bancada que encontrou.
Meu coração saltou no peito, assim como em todas as vezes que eu o
encontrava. — Está tudo bem? — Ele se aproximou, o calor do seu corpo já
incendiava o meu.
— Sim, só queria fazer uma surpresa. — Ergui as sobrancelhas.
— Que surpresa boa! — Ele sorriu.
Esperei por seu toque, ou melhor, ansiei por ele, mas por algum
motivo Josh parou no meio do caminho e eu ergui as sobrancelhas sem
entender.
— Preciso tomar um banho. — Apontou para si mesmo. — Pensei
que fosse me esperar na sua casa. Precisei adiantar esse carro e... — Revirei
os olhos e diminui a distância entre nós. Seu corpo era como um imã, me
atraía, me puxava. Calei sua boca com um beijo repentino.
— Eu não me importo que esteja sujo de graxa — falei rente à sua
boca. — Você até que fica bem sexy assim, sabia? — Passei a mão por seu
peito sobre a camisa. Um sorriso nasceu em seus lábios e tomou o rosto todo.
Segurei sua nuca e voltei a beijá-lo intensamente. Não parecia que
tinha se passado apenas um dia, ou até menos. Tinha a sensação de que há
muito tempo não o via e aquele sentimento, de estar ali, beijando-o sem
medo, sem controle, sem amarras, era o mais delicioso que eu já provara.
— Você sempre me surpreende. — Ele me rodopiou até que minhas
costas encontrassem a lataria do carro em que ele estava trabalhando e em um
impulso, ele ergueu meu corpo no ar, colocando-me sobre o capô do carro. —
E me deixa louco — vociferou, beijando-me com calma.
Seu gosto me preencheu e meu peito se esquentou. Meu corpo todo
pareceu reagir ao que sua língua fazia com a minha boca, preenchendo-me de
uma forma tão gostosa que parecia pouco. Eu precisava de mais. Enlacei seus
cabelos com meus dedos e fiquei ali, perdida em seus beijos, seus toques, seu
cheiro.
— Você me traz paz. — Ele cessou o beijo por tempo suficiente
apenas para dizer aquilo e voltou a me beijar antes que eu pudesse responder.
As mãos comprimindo minhas coxas com mais pressão. Eu podia senti-lo
cada vez mais excitado, assim como eu, ali, sobre o capô daquele carro de um
completo desconhecido, com Josh no meio das minhas pernas, duro,
desejando-me.
Era bom demais para ser verdade.
— Josh? — uma voz feminina chamou da entrada da mecânica. —
Josh, está aí? — Não demorou até que Rachel caminhasse alguns metros e
nos visse agarrados em cima daquele carro.
Seu rosto foi tomado por vincos. Os lábios tingidos de vermelho se
entreabriram e uma expressão que eu deduzi ser um misto de fúria e
descrença preencheu seu rosto.
— Josh! — Ela comprimiu os lábios e ele se mexeu
desconfortavelmente.
No mesmo instante, ele virou o corpo em direção a Rachel,
protegendo o meu próprio corpo, ficando entre nós duas.
— Olá, Rachel! — ele cumprimentou com um sorriso. Ela não
estava nada feliz. Observei-a atenta e no mesmo instante o olhar triste de
Carolyne preencheu minha mente e uma raiva atípica tomou meu coração.
Qual era o problema daquela garota? Eu não conseguia entender
como uma pessoa era capaz de tanta crueldade. A troco de que ela perseguia
tanto Carolyne e sua mãe?
— Preciso conversar com você. Te espero lá fora. — Ela sequer se
dignou a me cumprimentar ou olhar na minha cara. Deu as costas e saiu.
Josh me ajudou a descer do capô e me deu um beijo rápido nos
lábios.
— Vou ver do que se trata. Já volto, tudo bem? — Concordei e ele
saiu, parando na porta da mecânica para conversar com Rachel que
gesticulava e apontava para ele e ao mesmo tempo em direção à mecânica.
Rachel apontava tanto para todos os lados que eu comecei a
desconfiar que ela tinha um dom para guarda de trânsito. Qual era o problema
ali?
Uma pulguinha de ciúme cutucou meu peito e eu tive que me
controlar para não ir até lá descobrir sobre o que os dois estavam falando.
Josh mantinha uma expressão neutra no rosto, assim como eu já o vira usar
quando conversava com os demais clientes da mecânica.
Alguns minutos depois, ela foi embora visivelmente furiosa. Com
direito a sair batendo o pé e tudo mais. Josh entrou na mecânica e veio até
mim.
Quando ele se aproximou, todas as minhas pulguinhas de ciúmes
resolveram ganhar voz.
— O que ela queria? — Torci o lábio.
— Está com ciúme? — Seu sorriso se ampliou.
— Nem um pouco. — Cruzei os braços rente ao peito.
— Fica tão linda mentindo pra mim. — Ele deu uma risada e mais
uma vez cercou seu corpo com o meu. Os dedos passeando por minha
cintura. Bufei. Ainda queria a minha resposta. — Esse carro... — Apontou
para o Mitsubishi em que estávamos nos pegando alguns minutos antes e eu
levei as mãos à boca imediatamente, imaginando do que se tratava.
— A família da Rachel costuma trazer os veículos aqui na mecânica
e não é nenhuma surpresa que eu e ela já tivemos um... — Uma pontada
atingiu o meio do meu peito e um ardor estranho se espalhou por ali, como se
eu tivesse levado uma ferroada bem no coração.
— É, eu sei. — Não queria que ele falasse sobre aquilo.
— Então quando ela viu a gente em cima do carro do pai dela...
— Não gostou muito — terminei a frase por ele. — Não devíamos
no aproximar desse carro.
— Eu disse que não me importava. — E mais uma vez ele me
agarrou pela cintura e colou meu corpo ao seu. — Eu não sou o tipo de
homem que se importa com a opinião das pessoas, meu anjo. A sua é a única
que me interessa. — Ele olhou dentro dos meus olhos. Seu olhar percorreu
meu rosto e parou em meus lábios. Ele ia me beijar.
Mordi o lábio inferior, sentindo algo se revirar em meu ventre. E
como se soubesse o quanto me desestabiliza, Josh desceu os lábios sobre os
meus e me beijou com tanta profundidade que quando se afastou suas
palavras ainda rodavam pela minha mente.
— A menos que queria escolher outro carro — falou em um tom de
brincadeira, mas eu sabia que estava falando sério.
Antes que eu sequer respondesse, outros dois carros chegaram à
mecânica buzinando em alto e bom som.
— Hoje não, bonitão! — Taylor botou a cabeça cheia de cabelos
loiros para fora da janela, o que o fez parecer um daqueles cachorros de
madame que andavam por aí em carrões luxuosos. Foi impossível não rir,
mesmo sentindo o rosto arder de vergonha por quase termos sido pegos em
flagrante... de novo. — Chegamos!
— Merda! — Josh ergueu o boné e passou as mãos pelos cabelos. —
Me esqueci completamente. Hoje eu ia te convidar para passar a noite lá em
casa. — Meu rosto esquentou com o convite — Comigo e com os meninos.
— Revirou os olhos para a dupla que já se aproximava.
— Ah, tá! — Não era bem o que eu tinha em mente, mas poderia ser
bem divertido também.
— Taylor comprou outro videogame e quer estrear — Josh disse.
— Pode ser que se entedie com esse monte de homem jogando —
Taylor retorquiu. Vestia uma camisa branca e longa sob uma jaqueta marrom
escura que destacavam seus cabelos claros e olhos esverdeados.
— Qual game? — Desencostei-me do carro.
— Playstation 4 — foi Jake quem respondeu.
— Ah! — Bati as mãos no ar. — Mas é claro que eu vou — garanti,
eufórica. — Sou apaixonada peloplay4. Eu e meu irmão sempre jogávamos
juntos com os nossos amigos.
— Porra... — Josh ergueu a sobrancelha. — É sério? O que mais
você esconde de mim, hein?
— Se eu te contar já sabe, não é? — Ele encaixou o corpo no meu,
abraçando-me por trás.
— Vai ter que me matar? — Ele levou a mão ao peito teatralmente.
— Possivelmente — brinquei.
— Quero muito te ver detonar o Taylor. — Jake uniu as mãos em
frente ao rosto moreno e bem desenhado. — Por favor, é só isso que eu peço.
— Deu uma risada.
— Taylor é muito competitivo, mas tem sorte que nem eu nem o
Jake jogamos com frequência, senão íamos acabar com a raça dele —
sussurrou enquanto Taylor pegava uma caixa de cerveja dentro do carro.
— Pode ser que eu consiga irritá-lo um pouco. — Dei de ombros. —
Depende do jogo.
— Eu tô ouvindo, hein?! — ele falou alto com metade do corpo
enfiado pela janela aberta do carro.
Dei risada, imaginando o quanto ele era viciado em jogos. Talvez eu
conseguisse realmente tirá-lo do sério.
E foi dito e feito. Naquela noite, Taylor quase arrancou os cabelos
quando o placar entre nós dois ficou 2 a 1 para mim.
— Não! — Ele se inquietou na sala de estar de Josh que era
pequena, porém, bem clara e organizada. Diferente do que eu imaginava da
casa de um homem solteiro.
Tudo era cinza, do sofá às cortinas. Não havia muitos móveis e eu
poderia imaginar que era pelo fato de Josh passar mais tempo na mecânica e
pelas estradas do que em casa. Seu quarto era composto por uma grande
cama de casal eu tentei não imaginar sendo usada para nenhum fim que não o
de dormir e uma pequena estante, que se assemelhava com uma biblioteca
com uma infinidade de miniaturas de carros. Além de vários quadros
espalhados pela casa com fotos dele e dos amigos ao lado de carros
maravilhosos.
— Ela tá te dando uma surra. — Jake se aproximou e me ofereceu
uma cerveja.
— Anny não pode beber, idiota — Josh o cortou. — Ainda está
tomando a medicação.
— Ah, é mesmo — Jake se desculpou. — Que pena.
— Sobra mais pra nós. Não faça amizade com o inimigo — Taylor
reclamou ainda tentando fazer uma pontuação maior que a minha no jogo.
— Ela é sua inimiga, não minha — Jake revidou e tanto eu quanto
Josh demos risada. — Eu ia perder de qualquer jeito. Pra você ou pra ela.
A noite estava perfeita, com companhias maravilhosas e engraçadas.
Sentia-me muito feliz, completa. Estava livre, conhecendo cada vez mais o
homem maravilhoso que Josh Mathews era e todo o seu mundo agitado. Nada
poderia estragar aquela alegria.
Ou ao menos foi o que eu, em minha infinita inocência, imaginei.
Mas, como a vida tem um gigantesco senso de humor e adora me
contradizer, no dia seguinte o tempo fechou.
A questão que às vezes me deixa louco;
Louco sou eu ou são os outros?
Albert Einstein

No fim da tarde do dia seguinte, resolvi ir ao mercado depois de


garantir a Josh meio milhão de vezes que eu estava bem para dirigir. Ele, por
fim, cedeu, entretanto, senti que ele só não veio atrás de mim porque naquele
dia a mecânica estava lotada. Além dos trabalhos externos que ele havia feito
e que tomara toda a sua manhã.
— Se não voltar em uma hora, vou atrás de você — avisou e me deu
um beijo rápido, fazendo-me rir do seu exagero.
Fui até o mercado e fiz as compras. Na saída, vi um cartaz preso à
porta de ferro que chamou a minha atenção. Estavam reunindo voluntários
para ajudar na organização da festa do Pomar. Aparentemente, as pessoas
recebiam muitas doações até a data daquele evento e todas as doações eram
enviadas para pessoas e instituições necessitadas. Peguei meu celular e anotei
o número da responsável disposta a fazer alguma coisa nos meus próximos
dias. Além do mais, eu gostava de ajudar. Ia ser bom conhecer pessoas novas.
O sol já havia se escondido e as ruas ermas de Fênix foram clareadas
apenas pelas luzes amareladas dos postes. Era uma noite escura, sem lua.
Faltavam poucos minutos para que eu chegasse em casa quando passei por
uma rua vazia, com exceção de um bar que estava começando a abrir. Uma
movimentação estranha chamou a minha atenção.
Havia um carro luxuoso mal estacionado na beirada da rua, enquanto
duas garotas ruivas discutiam. Um frio serpenteou minha coluna quando vi
que uma delas usava a blusa vermelha da RedCoffee.
Era Carolyne. E Rachel!
As duas estavam discutindo e sendo assistidas pela amiga loira de
Rachel, que observava tudo com os braços cruzados e uma expressão sombria
no rosto. Fiz a curva naquela rua. O que quer que estivesse acontecendo ali
não parecia nada bom. Carolyne estava chorando alto e em um rompante, sua
voz se sobressaiu a de Rachel que ficou ainda mais vermelha que seus
próprios cabelos, e para o meu completo espanto, deu um tapa estalado no
rosto de Carolyne que virou o pescoço para o lado com a força do golpe, mas
não demorou a tentar revidar.
— Meu Deus! — Acelerei quando vi a amiga de Rachel segurar
Carolyne, tentando travar seus braços. Rachel estava prestes a bater mais uma
vez no rosto de Carolyne quando joguei meu carro em cima das três. — Que
merda é essa? Tira sua mão dela, agora! — praguejei e desci do carro. Estava
tremendo por dentro e por fora, tinha certeza.
Não deu tempo de mais nada. A amiga de Rachel não soltou
Carolyne, então minha única opção foi me meter no meio e tentar tirá-la de
lá.
Vários xingamentos caíram sobre mim e um tapa me acertou. Eu não
sabia de onde tinha vindo aquilo, mas não perdi tempo tentando descobrir.
Em um segundo, aquilo virou uma briga generalizada. Eu estava
tentando sair dali e levar Carolyne comigo, mas terminei com um tufo de
cabelos agarrado entre meus dedos e sequer sabia de quem.
Tentei me esquivar dos tapas que voavam pelo ar. Carolyne tombou
o corpo para frente e se desequilibrou, levando Rachel e eu para cima dela
com tudo, assim como a loira que ainda tentava acertar meu rosto.
Rolamos pelo chão!
Rolamos.Pelo.Chão!
Meu Deus do céu!
Alguém ainda estava puxando o meu cabelo?
Ai! Merda!
Tentei imobilizar a loira que estava agarrando meus braços enquanto
Carolyne e Rachel haviam se transformado em um amontoado de cabelos
alaranjados e vozes escandalosas.
Um barulho longe chamou minha atenção e foi só quando ele se
aproximou que eu percebi que era uma viatura da polícia.
— Solta! Solta agora! — um policial ordenou. Era comigo que ele
estava falando? Ou com Rachel que agora estava atônita com um bolinho de
cabelos nas mãos. — Levantem-se, as quatro! — O policial, um homem forte
e alto, acompanhado de outro não tão forte assim, ordenou enfiando as mãos
entre nós e nos separando com certa dificuldade. — O que está acontecendo
aqui, senhoritas? — Ele estava atônito, surpreso.
Quando me levantei, percebi que quase todos os moradores da rua
estavam nos observando da sacada de suas casas e um homem estava parado
na porta do bar com um telefone nas mãos. Provavelmente ele chamara a
polícia.
— Entrem na viatura, agora! — o policial mais alto ordenou.
— Nãoooooo! — O coro foi coletivo. Nenhuma das quatro queria ir
parar na delegacia.
— Ah, agora vão chorar? — Ele comprimiu os olhos em nossa
direção. — Anda logo, as quatro e sem brigas dentro da viatura, estão
ouvindo?
Sabe quando você acorda em um dia lindo e pensa que tudo vai dar
certo? Que vai dormir tão calma como acordou? E do nada, como se a vida
desejasse rir um pouquinho da sua cara, você se vê na traseira de uma viatura,
espremida por mais três mulheres, duas que você odeia, ambas descabeladas
e com arranhões por todo o corpo e não entende como chegou ali?
— Preciso voltar lá — comentei baixinho com Carolyne.
— Seu carro ficou para trás, né?
— Junto com a minha dignidade — afirmei e dei um longo suspiro,
incapaz de respirar muito fundo, com medo de encostar em Rachel que estava
espremida ao meu lado.
— Eu sinto muito — Carolyne disse.
— Devia sentir mesmo — Rachel respondeu. — Isso é tudo culpa
sua.
— Cala a boca, sua mimada insuportável! — Carolyne respondeu e a
briga recomeçou.
— Ei! EI! — O policial bateu o cassetete na grade da viatura. —
Sem brigas aqui dentro — vociferou. — Anda logo antes que elas se ataquem
e a gente acabe capotando esta merda — sussurrou para o parceiro, não tão
baixo que não pudéssemos ouvir.
Descemos da viatura quando chegamos à delegacia e nos deixaram
em uma cela rente à recepção depois de pegar nossas identidades. Havia um
homem dormindo na cela ao lado e o cheiro de bebida empesteava todo o
ambiente.
Santo Deus, aquilo era tão humilhante. Como fui me meter numa
coisa dessas?
— Vocês deveriam ter vergonha de se comportar assim. — O
policial mais alto balançou nossas identidades na mão e saiu.
— E agora? O que acontece? — sussurrei para Carolyne. As minhas
pernas estavam tão bambas que precisei me escorar na parede fria e cinza
daquela cela estranha.
— Aquele é o Dom. — Ela apontou para o policial que acabara de
nos dar um aviso. — Ele é conhecido da minha mãe. — Dei um suspiro
desolado. — Aqui é uma cidade pequena, todo mundo se conhece. Então eles
provavelmente vão passar o olho nas nossas identidades, ligar para alguém da
nossa família, dar um sermão e nos liberar, já que eu acredito que ninguém
aqui vai prestar queixa.
— Você deveria. Ela te agrediu primeiro.
— Essa vagabunda me provocou. Foi legítima defesa — Rachel
disparou ao me ouvir.
— Você ao menos sabe o que é legítima defesa? — Comprimi os
lábios, tamanha era a raiva que eu sentia ao colocar os olhos naquela garota.
— Eu vi tudo e foi você quem bateu nela primeiro.
— Porque ela provocou — a amiga de Rachel respondeu. — Se
ficasse calada não estaríamos aqui.
— E por que eu tenho que ficar calada? — Carolyne revidou. —
Essa maluca sempre ofende a mim e a minha mãe. Eu só disse o que ela
merecia ouvir. Você é só uma garota mimada e triste. Está frustrada e
desconta em mim e na minha mãe.
— Se a sua mãe não fosse tão vagabunda, nem aqui você estaria —
Rachel disse e colou um sorriso no rosto.
— Você é patética. — Balancei a cabeça, sendo preenchida por um
nojo absurdo.
— Ah, e você é o quê? Acha que é diferente de mim? — Ela ergueu
as sobrancelhas e eu senti um frio percorrer minha coluna. — É tão patética
quanto. Ou você pensa que está vivendo um conto de fadas com o Josh? —
Cruzou os braços e eu senti todo o sangue do meu corpo descer para as
pernas. Quando fiquei em silêncio, ela deu uma gargalhada. — Ah, meu
Deus! — Levou a mão à boca. — Você realmente pensa que é a única?
— Não adianta tentar jogar seu veneno pra cima de mim. Eu sei que
você e ele já tiveram um caso e isso não me importa. — Tentei manter a voz
calma. — Todos temos um passado, Rachel. Não devia se apegar tanto ao
seu. — Tentei me sentir um pouco superior àquilo, mas estava ficando cada
vez mais difícil.
— Já tivemos? — Ela deu uma gargalhada. — Pergunte ao Josh com
quem ele passou toda a manhã de hoje. — Ela me lançou uma piscadela.
— Não cai na dela, Anny. — Carolyne segurou minha mão que já
estava fria e suada.
Que merda aquela garota estava falando? Josh jamais faria aquilo
comigo.
Meus pensamentos começaram a rodar dentro daquela cela que
parecia ficar cada vez menor. Ele estivera fora a manhã inteira, mas disse que
estava cuidando de um cliente.
De repente, a palavra cuidar tomou outro sentido e um gosto amargo
subiu por minha garganta. Será que havia algum sopro de verdade em alguma
coisa que aquela garota estava dizendo? Será que ele seria capaz de me trair?
Não. Eu via verdade nos olhos dele, preocupação, cuidado. Ele sabia
tudo sobre o meu passado e toda a dor que uma traição poderia me causar.
Josh nunca me machucaria daquele jeito.
Prendi a respiração por um segundo. Eu pensava o mesmo de Caleb,
até que ele me machucou.
— Acho que a ficha caiu, não é? — Rachel zombou e eu, que
naquele momento me sentia como uma granada, explodi.
— Cala a boca, merda! — gritei. — Só.Cala.A.Porra.Da.Boca! —
praguejei alto, irritada, temerosa e vi Rachel se encolher com a fúria das
minhas palavras, mas logo um sorriso fino preencheu seus lábios. Ela sabia
que tinha me atingido.
Alguns minutos depois — que mais pareceram uma eternidade — a
delegacia foi preenchida por muitas vozes altas. Dentre elas, eu reconheci a
de Josh e me levantei. Colando-me a grade. Percebi que Rachel, sua amiga e
Carolyne fizeram o mesmo.
— Mas o quê? — Josh questionava algo ao policial. — Tá, tá. Mas
ela já pode sair, certo?
— Rachel! — Um homem ruivo e de olhos bem claros se aproximou
da cela. Usava um terno cinza grande que o fazia parecer maior e trazia um
semblante muito cansado. Sua voz assumiu um tom de repreensão. —
Carolyne!
— Eu quero prestar queixa, pai — Rachel começou. — Essa garota
me agrediu.
— Não foi, não! — Carolyne se defendeu e eu estava prestes a abrir
a boca quando ele nos interrompeu.
— Já chega! — o homem disse no instante em que Josh e a mãe de
Carolyne apareceram no nosso campo de visão. — Ninguém vai prestar
queixa — ele alegou.
Os olhos de Josh capturaram os meus com um misto de agonia e
preocupação. Era tão difícil olhar para ele e imaginar que... ah, Deus, eu não
queria imaginar nada.
— Sua garota agora é quase uma ex-detenta. — Taylor surgiu ao
lado de Josh e deu uma risada. — Que irado. — Ele gargalhou e Josh
comprimiu os lábios. O que será que estava pensando? Tive medo de encará-
lo, mas tive mais medo ainda de vê-lo encarar Rachel.
— Mãe — Carolyne choramingou quando viu Cassandra se
aproximando e Rachel não se dignou a olhar no rosto da mulher.
— É o seguinte — o policial, o tal Dom, ressurgiu com a chave da
cela nas mãos —, as quatro foram trazidas para cá depois de uma denúncia de
perturbação da ordem. Elas estavam brigando. Caso não saibam, meninas,
somos de uma cidade pequena, mas zelamos pela ordem e justiça. Espero que
isso não se repita. Da próxima vez não seremos tão bonzinhos.
Bonzinhos? A gente estava numa cela. AS QUATRO! Prestes a
estourar a terceira guerra mundial.
O policial abriu a cela e Rachel correu para o pai junto da amiga. O
homem a abraçou e se virou para Carolyne.
— Você está bem, Carolyne? — Ela deu um aceno, confirmando que
sim. — Então estamos todos bem. — Ele correu os olhos pelo corpo de
Rachel, confirmando que a primogênita estava inteira. — Já que sua mãe está
aqui, vou deixá-la levar você embora. Tenho uma reunião daqui a alguns
minutos. Depois conversaremos sobre isso, tudo bem? — Carolyne
concordou com desânimo e viu o homem sair da delegacia levando a filha à
tira colo que, antes de sair, não deixou de destilar seu veneno.
— Oi de novo, Josh! — Ele bufou e comprimiu os olhos, encarando-
a. O que aquilo significava?
— Filha, o que aconteceu? — Cassandra estava perplexa e não era
para menos.
— Você está bem? Se machucou? — Josh imitou o pai de Carolyne
e varreu meu corpo com os olhos. — Mas que merda! — praguejou quando
viu meu cotovelo ralado.
— Estou bem. Tá tudo bem. — Minha voz surgiu estranha, como se
eu estivesse escondendo algo e ele percebeu.
— Foi tudo culpa da Rachel — Carolyne começou a se explicar e
para minha surpresa, Jake apareceu ao seu lado, atento. — Ela me provocou e
achou ruim quando eu disse umas verdades na cara dela. Foi então que ela
veio pra cima de mim. — Vi Cassandra estremecer diante do relato da filha.
— E eu revidei.
— Boa! — Jake parabenizou, visivelmente feliz.
— Jake! — Josh chamou sua atenção pela vibração que passou nos
olhos do homem.
— O que foi? A maluca bateu primeiro. Nada mais justo do que ela
revidar.
— Como chegou aqui tão rápido? — Carolyne se virou para a mãe.
— Jake foi me buscar no hospital quando soube o que tinha
acontecido. — Ela confirmou enquanto saíamos da delegacia. — Preciso
voltar imediatamente, mas à noite vamos conversar sobre isso.
— Eu levo vocês — Jake ofereceu e um brilho cintilou os olhos de
Carol.
— Obrigada por tudo e me desculpe por envolvê-la nessa confusão.
— Ela me abraçou antes de entrar no carro de Jake.
— Estamos juntas nessa, Carol. Eu te defenderia mil vezes se
necessário fosse.
— Obrigada — sussurrou. — E não acredite em nada que sai da
boca daquela cobra. — Ela me enlaçou em um abraço apertado antes de ir
embora de vez.
Entrei no carro de Josh depois que Taylor pulou para o banco de
trás, pensando nas palavras de Carolyne. O quanto do que Rachel disse era
verdade?
— Desculpe pelo incômodo que causei a vocês — dirigi-me a Josh
que já colocava o cinto de segurança e a Taylor que estava esparramado no
banco de trás.
— Incômodo nenhum. Eu não ia perder por nada uma briga de vocês
quatro.
— Taylor! — Josh chamou sua atenção e se virou para mim. — Eu
vim assim que fiquei sabendo. Sinto não ter chegado antes. Eu deveria ter ido
com você ao mercado. Nada disso teria acontecido.
— Não foi culpa sua. — Pressionei os olhos com os dedos.
— Você está se sentindo bem? — Ele tocou minha perna,
preocupado.
— Sim, só estou... esgotada — revelei. — Brigar é bem cansativo.
— Taylor deu uma gargalhada e até Josh meneou um sorriso.
— Que diabos aconteceu, hein? — Taylor questionou e eu fui
contando a história desde o início enquanto voltávamos para casa.
— No chão? — Josh ainda estava com os olhos arregalados quando
estacionou em frente à mecânica.
— Essa é das minhas — Taylor brincou ao descer do Camaro, indo
em direção ao seu carro. — Dá próxima, Anny, faça na nossa frente para que
eu possa separar. Sempre quis separar uma briga de mulheres.
— Vai embora logo, porra. Antes que eu te meta a porrada — Josh
ameaçou, em um misto de verdade e brincadeira e eu me assustei ao ver meu
Impala estacionado na minha garagem.
— Mas como ele veio parar aqui?
— Pedi a um dos meninos que o trouxesse para sua casa.
— Obrigada. — Desci do carro. Taylor já virava a esquina, indo
embora e provavelmente pronto para recontar aquela história mais algumas
vezes. Recostei-me no Camaro de Josh. O nervosismo começando a deixar o
meu corpo.
Olhei para minhas mãos e o tremor começava a passar. Levei a mão
ao rosto, subitamente possuída por uma vergonha insuportável e uma onda de
incertezas. Quando meus olhos encontraram os de Josh eu sequer consegui
sustentar seu olhar.
— Que gatinha arisca eu arrumei. — Josh cercou meu corpo com o
seu, colocando cada uma das mãos apoiada no carro em minhas costas. A
sombra de um sorriso preencheu seu rosto e eu bufei e recostei a cabeça no
carro, revivendo a memória da briga incontáveis vezes.
— Como foi que ficaram sabendo? — questionei.
— A mulher do Rafe ligou para ele e disse algo do tipo, a mulher do
seu chefe está rolando no chão com outras garotas aqui na rua. — Ele
comprimiu os lábios com força, mas não conseguiu conter a gargalhada alta
que escapou logo em seguida.
— Idiota! — Dei um tapa no seu ombro, tentando impedir o sorriso
de se espalhar pelo meu próprio rosto. — Não tem graça, eu não sou uma
pessoa agressiva. — Lembrei-me do homem que tentou me agarrar na última
arrancada que participamos e quase retirei o que eu disse. — Bem, ao menos
eu tento não me meter em nenhuma confusão.
— Graças a Deus não foi nada muito sério. — Ele sondou o meu
rosto e o que quer que tenha visto ali, acendeu algum alerta em seu interior.
— Olha, o que acha de darmos uma volta? — pediu já abrindo a porta do
carro.
— O quê? Por quê? — Estreitei os olhos.
— Quero te mostrar uma coisa.
— Preciso só tomar um banho rápido antes.
Josh me esperou enquanto eu tomava um banho e escolhia o
primeiro vestido que encontrei pelo caminho.
— Estou pronta. — Ele sorriu, sondando meu corpo rapidamente.
Entrei no Camaro com os pensamentos distantes. Tinha tanta coisa
em jogo ali e Josh sequer fazia ideia. Ter trocado uns tapas e puxões de
cabelo com aquelas duas malucas não causou nem metade da dor que as
palavras de Rachel abriram em meu peito.
Quando ele acelerou o carro eu tive três certezas. Eu estava
engasgada com aquela história, ele ia ter que se explicar e por Deus, se aquela
Rachel se metesse no meu caminho mais uma vez, eu não responderia por
mim.
Eu sei onde você se esconde
Sozinha no seu carro
Eu sei todas as coisas que fazem você ser quem você é
Toque na minha janela, bata na minha porta
Eu quero fazer você se sentir linda
She Will Be Loved - Maroon

Tentei manter um semblante sereno para acalmá-la, mas senti que


nada do que eu fizesse ou dissesse aliviaria o que estava passando pela
cabeça da minha garota naquele momento.
Não sabia descrever o susto seguido de olhos arregalados e uma
correria aflita quando fiquei sabendo o que tinha acontecido. Por Deus, eu
precisei de muito autocontrole para não dizer tudo que estava entalado na
minha garganta quando coloquei os olhos em Rachel.
Aquela garota surtou de vez? Não conseguia entender seus
pensamentos, nunca consegui, na verdade.
Ah, que se foda! Eu não queria saber. Ela tinha ultrapassado todos os
limites e destruiu qualquer possibilidade de ainda mantermos uma amizade
saudável, mesmo depois de termos nos relacionado.
Agredir Carolyne? Aquilo era o cúmulo. Pior do que isso era
envolver Anny em toda aquela situação.
Corri com os olhos em direção aos dela e a observei. Seus olhos
estavam perdidos na estrada e ela se mantinha no mais absoluto silêncio.
Aquilo me incomodava. Talvez uma distração pudesse mudar um pouco os
seus pensamentos.
— Chegamos — anunciei quando avistei o grande parque escondido
atrás de grandes e volumosas fileiras de árvores.
— Nossa! — ela disse e se debruçou na janela.
Estava visivelmente surpresa e passeava com os olhos por todo o
lugar. Uma faísca esquentou meu peito. Poderia dar certo.
— Vou te apresentar o parque de diversões de Fênix. — Descemos
do carro e passamos pelo senhor Todd, o porteiro.
— Boa noite, Josh! — ele me cumprimentou. — Senhorita! —
dirigiu-se à Anny que lhe deu um sorriso caloroso, ou o mais próximo disso
que ela conseguiu.
— Boa noite! — Ela acenou e entramos no parque.
Segurei sua mão entre a minha, entrelaçando nossos dedos e senti
seus dedos frios.
— Está com frio? — questionei, fechando sua jaqueta rente ao
corpo.
— Não — ela respondeu rápido demais. — Estou bem. — Por
algum motivo aquela afirmação não me pareceu verdadeira.
— Vem comigo. — Guiei-a pela mão até alcançarmos a bilheteria e
comprei dois ingressos para a roda-gigante.
— Eu nem me lembro quando foi a última vez que andei numa roda-
gigante. — Ela rodopiou no mesmo lugar com o rosto altivo enquanto
observava o alto do brinquedo. — Ela é muito linda. — Anny me lançou um
sorriso que chegou aos olhos.
O primeiro sorriso verdadeiro que dera desde que saiu da delegacia.
Respirei um pouco mais aliviado.
— Podem vir! — O responsável pelo brinquedo nos chamou e
entramos em uma redoma redonda. Ele a trancou logo em seguida. Colei meu
corpo ao de Anny e segurei sua mão.
— Quando estivermos bem no topo, você conseguira ver a cidade
inteira.
— Sério? — questionou mais empolgada e eu confirmei.
A roda-gigante começou a subir e quanto mais alto ficava, mais o
semblante de Anny mudava. Primeiro ela abriu um pouco mais os olhos,
depois a boca, e quando alcançamos o topo, com poucos outros casais na roda
conosco, ela levou a mão à boca e me encarou.
— Meu Deus! — Dali conseguíamos ver toda a extensão da floresta
que cercava Fênix Hill do lado leste, muitas luzes preenchiam o pomar e
pareciam parte de uma pista de aviação, e a oeste viam-se luzes mais singelas
que pertenciam as casas dos moradores de Fênix. A neblina cobria parte da
estrada e transformava toda aquela imagem em uma cena cinematográfica
com um céu de estrelas para enfeitar. — A vista daqui é muito linda. Não...—
Ela virou-se para mim. — A vista daqui é incrível.
— Não tanto quanto você — falei em um impulso e vi o breve
sorriso no rosto de Anny morrer no mesmo instante. Algo estava errado. — O
que foi? — Virei meu corpo para ficar de frente para ela. Uma música tocava
em alguma parte do parque, mas a altura transformou o som em um sussurro.
Ela me encarou por um instante e não disse nada.
— Anny? — chamei, incentivando-a a falar. — O que houve, meu
anjo? Está me deixando preocupado. Foi toda essa confusão?
Ela suspirou fundo e começou a falar ponderadamente:
— Em partes, sim — revelou. — Josh — seus olhos encontraram os
meus —, eu não sei se estou fazendo o certo, mas eu preciso saber.
— O que você quer saber?
— Onde você estava hoje de manhã? — Ela se remexeu inquieta, os
olhos acuados. Parecia ter medo da resposta e em um segundo, como se uma
luz clareasse a escuridão, tudo fez sentido.
— Eu estava na casa dos pais da Rachel — revelei e a vi prender a
respiração, como se tivesse tomado um susto. Seus olhos brilharam e por um
segundo eu pensei que estivessem marejados. Santo Deus, o que a Rachel fez
agora? — Anny, o que está pensando? — questionei, incapaz de adivinhar
qualquer coisa.
— Rachel me disse que você passou a manhã com ela — soltou em
uma lufada de ar. — Não na casa dos pais dela, mas com ela! — ressaltou. —
Josh, se aconteceu alguma coisa, qualquer coisa, você precisa me contar
agora. Eu não suportaria outra...
— Traição? — Estreitei os olhos. Será que ela realmente pensava
que eu fosse capaz de uma coisa dessas? Ainda mais ciente de pôr tudo que
ela já havia passado?
— Eu sei que não somos namorados, mas eu me apaixonei por você
e só de imaginar aquela... aquela... Urgh! — ela disparou e soltou a
respiração afoita, seu rosto corou no mesmo instante e eu poderia jurar que
aquele vermelho em suas maçãs do rosto era a mais pura raiva.
— Se apaixonou por mim? — brinquei, lançando-lhe um sorriso na
tentativa de afastar aquela expressão temerosa que estava presa em seu rosto.
— Eu estou falando sério! — Anny cruzou os braços. — Aquela
garota idiota praticamente jogou na minha cara no meio daquela porcaria de
delegacia que ela tinha um caso com você e...
— Anny!
— Disse também que você passou a droga da manhã na casa dela,
COM ELA!
— Anny! — tentei de novo.
— O que foi? — Ela respirava afoita e eu tive que me segurar para
não dar uma risada. Até com raiva ela ficava uma graça.
— Eu jamais faria isso com você. — Ela ficou calada, olhando em
meus olhos. Todos os seus temores estavam ali, expostos diante de mim. —
Você realmente acreditou que, depois de tudo que passamos juntos, eu
machucaria você ou trairia sua confiança?
Ela ficou em silêncio, mas eu vi alguns vincos se formando em sua
testa.
— Fui até a casa dos pais da Rachel para falar sobre o carro, aquele
Mitsubishi que você viu ontem. Não fui sozinho, um dos meus funcionários
foi comigo dirigindo o veículo — expliquei e a vi morder o lábio inferior. —
Aquela família é meio complicada. Clientes diferenciados. Eu tive que fazer
esse deslocamento, mas avisei que era a última vez. Nossa mecânica não
trabalha com entrega de veículos. Encontrei Rachel quando estava saindo de
lá. Mal nos cumprimentamos.
Anny respirou fundo e fechou os olhos, constatando algo.
— Me desculpe — disse, por fim, com um suspiro. — Não acredito
que deixei que ela mexesse com a minha cabeça. Eu nunca deveria ter
desconfiado de você, que sequer deu motivos para isso. — Crispou os lábios.
— Quando aquela maluca começou a falar eu quase voei em cima dela de
novo, de puro ciúme. — Ela torceu os lábios. — Eu nunca duvidei do seu
caráter, só senti... medo. — Acariciei seu rosto e a envolvi em um abraço
apertado. Anny enroscou os dedos em minha camisa por baixo da jaqueta,
como se aquele lugar, entre os meus braços, fosse seu porto seguro e por
Deus, eu queria que fosse.
— Acho que é normal sentir isso depois do relacionamento abusivo
pelo qual você passou. — Beijei o topo da sua cabeça. — E não precisa se
desculpar.
— Preciso sim. Você vem me fazendo tão bem... — Ela me abraçou
com força, fazendo a nossa cabine na roda-gigante balançar. — Sem você,
Fênix Hill não teria esse gosto de casa. Eu sinto muito por ter te questionado.
— Toda vez que quiser me perguntar alguma coisa, pode perguntar.
Não guarde absolutamente nada para você — pedi e segurei suas mãos. — Eu
sempre serei sincero com você.
Ela sorriu, aliviada pela primeira vez desde o incidente daquela
briga. Ficamos abraçados ali por um bom tempo, só sentindo a respiração um
do outro. O toque um do outro.
Mais tarde, quando estávamos voltando para casa, resolvi mudar a
rota e fazer uma última parada.
— Aonde estamos indo? — ela perguntou curiosa.
— Logo, logo vai descobrir — garanti e analisei o sorriso que me
lançou quando reconheceu a estrada para o Pomar.
Descemos do carro, mas Anny não se afastou do veículo. Seus olhos
passeavam por cada uma das luzes penduradas pelo lugar até parar diante da
lua gigante que nos encarava do alto do céu. Brilhando, irradiando uma
sensação de esperança em nossos corações.
— Como este lugar pode existir? — ela disse. — É surreal demais.
Caminhei até ela que ainda estava perdida no tapete iluminado à sua
frente.
— Lembra o que aconteceu aqui a primeira vez que viemos? —
questionei, cercando seu corpo com o meu, pressionando-a contra o carro. O
perfume de Anny preencheu todos os meus sentidos. Era como se um imã me
atraísse em sua direção, eu não conseguia resistir a ela.
— Você me beijou — respondeu em uma lufada de ar. Seus olhos
escuros brilhavam e me encaravam. Eu via ali o reflexo do meu próprio
desejo. O desejo de ter aquela mulher em minha vida, dia após dia. Aquele
sentimento fazia meu peito queimar, mas já não me assustava. Eu sabia o que
queria.
— Sim, eu te beijei. — Ergui a mão e toquei a lateral do seu rosto.
— E eu quero fazer isso de novo. — Abaixei-me sob seus lábios, sugando
seu gosto, acariciando sua boca com minha língua, apreciando seu sabor.
Estremeci ao perceber o quanto Anny era importante para mim. O quanto ver
seu sorriso se tornou parte essencial dos meus dias. — Eu nunca seria capaz
de te magoar — soprei rente aos seus lábios, meus olhos ainda fechados. —
Nunca, está ouvindo?

— Estou — usei todo o meu autocontrole para respondê-lo. Seus


braços me cercavam, fazendo-me sentir sua proteção, seu cuidado.
Nos azul dos olhos dele eu via meus próprios sentimentos refletidos
e aquela sensação era de longe a mais forte que eu já sentira. Josh era tudo
que eu precisava para aprender a recomeçar. A cada nova descoberta, cada
nova intimidade eu me sentia mais livre, mais feliz.
Ele me faz feliz.
— Você foi a possível psicopata mais especial que já me observou
escondido. — Dei uma gargalhada e então notei que ele estava sério. As
pupilas um pouco maiores do que o normal, como um gato à espreita.
— O que foi? — sussurrei.
— Nada. É só que... — Ele deu um sorriso de lado e em um impulso,
ergueu meu corpo, colocando-me sobre o capô do seu carro. Seus dedos
tocaram minhas coxas fechadas por causa do vestido e lentamente ele as
abriu.
— Alguém pode nos ver — tentei alertar, mas ele me calou com um
beijo afoito, desesperado, que causou um arrepio por todo o meu corpo. —
Josh... — gemi quando com uma das mãos ele circundou meu seio livre sob o
vestido e a jaqueta.
— Não tem ninguém aqui — ele garantiu entrando com o corpo
entre minhas pernas.
Toda a minha racionalidade, minha sensatez, foi embora no instante
em que senti a ereção dura dele pressionar meu ventre.
Ah, meu Deus! Estávamos mesmo fazendo aquilo?
Uma excitação forte e descontrolada preencheu meu peito quando eu
percebi que sim.
Ele ergueu a cabeça e fitou meus olhos, como se pedisse permissão
para continuar e eu, que mal conseguia respirar, enrosquei minhas pernas ao
redor de sua cintura. Não precisava de resposta.
Josh enfiou a mão pela fenda em meu vestido, tocando e apertando a
pele sensível da minha coxa. Arfei quando ele alcançou a lateral da minha
calcinha com os dedos e a puxou, erguendo a barra do vestido logo em
seguida.
— Ah, meu anjo... — Ele me beijou, encaixando seu corpo ao meu.
Seus dedos alcançaram um dos meus mamilos e todo o meu corpo reagiu.
— Josh! — gemi e sua boca preencheu a minha de forma afoita,
enquanto ele comprimia um dos meus mamilos. Sua boca escapou da minha e
lentamente ele traçou uma linha de beijos que desciam até o vale entre meus
seios.
Ele me empurrou para trás com cuidado, fazendo-me deitar-se sobre
o capô do carro e mais uma vez fui tomada por uma excitação surreal vendo-
me exposta daquele jeito. Algo queimava. Meu corpo inteiro queimava. A
cada novo toque, a cada nova sensação. Josh estava me tatuando com seu
corpo e seu nome já estava gravado em meu coração.
— Ahhhhh! — gemi quando ele deitou o corpo sobre o meu e
mordiscou meu mamilo sobre o tecido do vestido. Os dedos ágeis tocaram
minha intimidade e meu ventre vibrou. Eu estava ansiosa, desejosa. Gemi
diante do prazer de tê-lo ali, em cima daquele capô, entre minhas pernas,
excitado por minha causa. Desejando-me.
Ele tocou cada centímetro do meu corpo com a ponta dos dedos,
enlouquecendo-me. Eu não estava aguentando mais. Ia explodir, tinha
certeza. Então, depois de incendiar todo o meu corpo com o seu, ele tocou o
ponto pulsante entre minhas pernas que imploravam por sua atenção.
— Josh! — gemi alto, sendo preenchida por um prazer avassalador.
Enfiei as mãos em seus cabelos, sem medo, sem pudor, cega de desejo. — Eu
quero você. — Seus olhos se estreitaram, perdido em prazer. — Agora! —
Estava à beira de começar a implorar. Todo o meu corpo tremia.
Ele abriu minhas pernas um pouco mais e não demorou mais que
poucos segundos colocando o preservativo. Ele olhou dentro dos meus olhos
e começou a me preencher.
— Ahhhhhhhh! — Mordi seu pescoço até senti-lo completamente
dentro de mim.
— Anny... — ele chamou em um rosnado e começou a se mexer
dentro de mim. Entrando e saindo, enlouquecendo-me sobre o capô daquele
carro. O aço gelado em minha pele sequer me incomodava, eu queria mais,
queria muito mais.
Gemi alto e fechei os olhos quando meu corpo explodiu em uma
sensação forte e avassaladora, tão extasiante que eu me esqueci de respirar
por alguns segundos e ele me acompanhou. Eu podia senti-lo vibrando dentro
de mim enquanto seus lábios emitiam sons e palavras quentes rentes ao meu
ouvido.
Era tudo o que eu queria. Ele era tudo o que eu precisava.
— Namora comigo, meu anjo? — ele perguntou, ofegante, ainda
pulsando dentro de mim.
— O quê? — Arregalei os olhos, assustada, surpresa com aquela
pergunta repentina.
— Quer.Namorar.Comigo? — Seus olhos quentes procuraram pelos
meus, ainda que mal conseguisse respirar direito.
Um vinco se ergueu entre suas sobrancelhas e eu podia jurar que ele
estava com medo da resposta. Como se não fosse óbvia demais.
— Eu estou completamente apaixonado por você, e eu sei que você
merecia algo mais... elaborado do que um pedido no meio desse pomar, mas
não posso esperar. Quero você ao meu lado, por todos os dias que ainda
vamos viver juntos. Quero ver seu sorriso — ele acariciou meu rosto,
descendo os olhos para os meus —, quero sentir seu cheiro, beijar sua boca.
— Josh se inclinou e tocou meus lábios com o seus por um breve momento,
mexendo-se dentro de mim, causando uma vontade arrebatadora de continuar
o que estávamos fazendo. — Quero ouvi-la dizer que é minha namorada.
Fiquei em silêncio. Meu coração batia tão forte que eu temia estar à
beira de um infarto.
— O que me diz? — Ele questionou, ansioso e se afastou alguns
centímetros. Seu membro ainda latejava e eu podia sentir. Fechei os olhos
com a sensação extasiante que aquele movimento me causou e aquilo não
passou despercebido por ele que me estocou lentamente mais uma vez,
preenchendo-me. — Anny? — Ele sorria, ciente do que seu corpo estava
fazendo com o meu.
— S-sim — sussurrei e fechei os olhos, trazendo-o para mais perto.
— Sim, eu aceito. Eu quero... — gemi e tentei abrir os olhos só para
encontrar o sorriso mais lindo que eu já tinha visto na vida.
Agora eu me tornei sua namorada. Namorada... nunca pensei que
fosse ficar feliz ao ouvir novamente aquela palavra. A minha vida estava
perfeita, e pela primeira vez eu não temi o dia de amanhã.
Sei que consegue me ouvir
Sei que consegue me sentir
Não dá pra viver sem você
Last Night - Diddy feat Keyshia Cole

Três dias se passaram e eu ainda não podia acreditar que estava


mesmo namorando Josh. Sentia que estava vivendo um conto de fadas, só
que o meu príncipe trocou o cavalo por um Camaro furioso.
Encarei meu reflexo no espelho após um longo banho. Meu
semblante estava mais corado e eu me sentia infinitamente melhor. Fiquei
feliz com aquela constatação. Em breve poderia pedir aos meus pais que
viessem me fazer uma visita. Já me sentia confiante o suficiente para isso e
esperava que até lá, os boatos daquela briga no meio da rua não passassem de
uma sombra do passado, o que ainda não havia acontecido.
Fênix Hill é uma cidade pequena e não havia muitas novidades para
se comentar sobre ela. Então, quando acontecia alguma coisa — qualquer
coisa — o assunto costumava render e no dia anterior, quando fui pela
primeira vez ao encontro semanal para arrecadações e doações para a Festa
do Pomar depois de me oferecer como voluntária, vi os olhares receosos das
outras mulheres que também estavam ali para ajudar. A princípio não tinha
entendido o motivo pelo qual elas estavam me encarando daquele jeito.
Demorei a notar uma garota ruiva que ocupava a última mesa de arrecadações
com um bico enorme preso aos lábios. Era Rachel.
Ao que tudo indicava, seus pais obrigaram a garota a participar da
feira de arrecadações. Talvez aquelas mulheres estivessem com medo de
acontecer mais alguma briga entre nós, mas se dependesse de mim, aquela
cena não se repetiria. Ao menos era o que eu esperava e com a Festa do
Pomar se aproximando, eu e Rachel nos encontraríamos naquela feira de
arrecadação três vezes por semana. Ela ia ter que me engolir, assim como eu
também terei que tolerar sua existência irritante.
Joguei uma água no rosto, pronta para começar mais um dia quando
ouvi alguém bater na porta da minha casa.
— Já vou — informei, aparecendo com a cabeça no corredor,
tentando ver quem era. Mas não havia ninguém na entrada da porta de vidro.
Ergui as sobrancelhas, curiosa e caminhei até lá.
Quem será que era?
Quando abri a porta me deparei com uma cena um tanto quanto
estranha.
Todos os funcionários da Black Bird estavam espalhados pela
entrada da mecânica observando a rua com atenção, assim como alguns dos
vizinhos também espiavam da sacada da varanda, enquanto outros olhavam
pela janela. Qual era o motivo de toda aquela comoção?
Avistei Josh me observando, parado com um sorriso no rosto ao lado
de um Taylor que parecia estar paralisado. Crispei os olhos. Estava prestes a
caminhar até eles e tentar descobrir o que estava acontecendo quando três
homens se afastaram e deixaram à vista uma BMW X6 branca que eu
reconheceria em qualquer canto do mundo.
Ai meu Deus!
É ele!
Prendi o ar e levei as mãos à boca quando o homem, mais alto que a
maioria ao seu redor e largo na mesma medida, usando uma jaqueta vermelha
dos Scarlat Fury, idêntica à minha favorita, virou-se em minha direção.
Meus olhos embaçaram com as lágrimas que vieram em um
rompante.
— Minha pequena! — Ele sorriu e eu senti as gotas molhadas
descendo pela minha face e caindo pelo buço. Um soluço irrompeu por meus
lábios antes que eu pudesse pronunciar seu nome.
— Bruce! — Corri em direção aos braços abertos do meu irmão e
me joguei sobre ele com vontade.
Bruce me apertou contra si com carinho e minha garganta ardeu
como se eu tivesse engolido uma bola de fogo. Aquele abraço com cheiro de
casa me abalou. Ver meu irmão ali balançou todas as minhas estruturas. Eu
mal podia acreditar.
— Eu não vim de tão longe para te fazer chorar, Anny. — Ele
segurou meus ombros, sondando meu rosto cautelosamente com um sorriso
preso no canto dos lábios e olhos imensos, assim como os meus, atentos a
mim.
Meu irmão e eu éramos muito parecidos fisicamente. Os cabelos
escuros, assim como os olhos, o nariz fino, o formato das sobrancelhas.
Bruce tinha deixado a barba crescer e um cavanhaque desenhava seu rosto.
Estava ainda mais bonito.
— Não acredito que está mesmo aqui — comentei, alheia ao
burburinho ao nosso redor.
— Campeonato nenhum me faria ficar longe da minha irmã por
muito tempo. — Abri um sorriso enorme, ciente de que Bruce precisou
sacrificar algo para estar ali hoje, eu tinha certeza. E saber que ele fez aquilo
por mim aqueceu meu coração.
— Bruce! — Uma voz firme surgiu ao meu lado e eu a reconheci
imediatamente.
— Josh. — Meu irmão se apressou e estendeu a mão em direção a
Josh que a apertou com vontade. Arregalei os olhos, surpresa. — É bom
conhecê-lo pessoalmente.
— Pessoalmente? — Entrei na conversa. — Vocês já se conheciam?
Os dois trocaram um olhar cauteloso e eu percebi certa cumplicidade
ali, o que me deixou ainda mais confusa e curiosa. Quando foi que eles se
conheceram?
— Acho melhor entrarmos. — Bruce meneou um aceno para as
pessoas que já tinham o reconhecido e prestavam atenção a cada palavra
daquela conversa. Alguns até tiravam fotos descaradamente.
— É melhor — Josh concordou e começamos a subir em direção à
minha casa quando fomos interceptados por um Taylor sorridente e à beira de
uma crise histérica.
— Bruce! — Ele parou em frente ao meu irmão. — Bruce
Thompson. — Sorriu nervoso e eu quase ri da expressão chocada presa no
seu rosto. — Então você é irmã do astro dos Iron. — Ele se virou para mim e
crispou os olhos, como se eu tivesse escondido um segredo que custaria a sua
vida. Dei uma risada.
— Se você é amigo da minha irmã, também é meu amigo. — Bruce
estendeu a mão para Taylor que pensou duas vezes antes de apertá-la, mas
quando o fez, demorou a soltar.
— Sim, somos melhores amigos. — Taylor deu um leve soco no
peito próximo ao coração e apontou para mim. — Eu e a Anny somos
inseparáveis. Não é, Anny? — Ele ergueu as sobrancelhas esperando uma
confirmação e eu tentei me lembrar algum momento importante em Fênix, ou
desastroso como a briga nas arrancadas ou o pequeno incidente com Rachel e
a delegacia em que Taylor não estivesse presente e por mais que ele pudesse
não acreditar no que dizia, eu acreditava. Taylor era um bom amigo.
— Somos sim. Inseparáveis — zombei, arrastando as palavras e o vi
abrir um sorriso que tomou todo o seu rosto.
Antes de entramos de vez em minha casa, prometi que faria uma
pequena reunião com meu irmão naquela tarde, antes que ele resolvesse ir
embora, afinal, eu sabia que seu tempo estava limitado por causa do trabalho,
mas convidaria Taylor e Jake para estar conosco.
— Como se conhecem? — repeti a pergunta assim que Bruce e Josh
entraram na minha casa atrás de mim.
— Eu posso explicar — Josh se apressou. Mexeu no boné preto que
cobria parte do seu rosto e uniu os dedos em frente ao peito. — Liguei para
ele. — Simples assim.
— Ligou para ele? — repeti a frase sem entender.
— Quando você passou mal, eu não sabia o que fazer ou o que
aconteceria com você caso seu estado piorasse. Não podia deixar de avisá-lo,
sinto muito por ter invadido sua privacidade. — Ele comprimiu os lábios e eu
não sabia o que pensar. — Mas faria de novo se precisasse — confessou,
sincero.
— Josh...
— Ele estava preocupado. Só queria ajudar, Anny. Estamos
conversando desde então — Bruce se interpôs, defendendo Josh. — À
princípio, eu achei estranho toda essa situação e cogitei ligar para você e
descobrir tudo que estava acontecendo de uma vez. Então eu liguei... —
Lembrei-me de sua última ligação e as perguntas infinitas que havia me feito.
Bruce questionou se eu estava bem, se me alimentava melhor, falou também
sobre a importância de consultas médicas e em momento algum eu suspeitei
que ele soubesse o que estava acontecendo comigo ali. Agora tudo fazia
sentido. — E você disse que estava bem. Nem se preocupou em avisar que
tinha desmaiado. Descobri ali que precisava de alguém que me contasse a
verdade. Que cuidasse de você. — Ele ergueu os olhos para Josh e eu me
perguntei o quanto Bruce sabia da nossa relação.
— Então, vocês dois andam me vigiando? — Olhei de um para o
outro.
— Vigiar é uma palavra forte — Josh comentou e desviou o olhar,
enfiando as mãos nos bolsos. — Eu só estava tentando cuidar de você. E
desculpe por não avisar.
— Não se desculpe. — Virei-me para ele. Meu coração batia tão
forte que eu o escutava pulsando em meus tímpanos. Tamanha era a alegria
por ver Bruce ali, parado bem na minha frente, na minha pequena sala de
estar. — Obrigada por se preocupar comigo. — Caminhei até ele e o abracei,
envolvendo sua cintura. Josh segurou meu rosto entre as mãos e depositou
um beijo casto na minha testa.
— Faço qualquer coisa para te ver sorrir — sussurrou. — Acho
melhor deixar vocês sozinhos. Volto mais tarde com Taylor. Antes que ele
entre em combustão espontânea e exploda de vez.
Assim que Josh foi embora, Bruce e eu nos sentamos na sala e
conversamos pelo que pareceram horas. Eu ainda não conseguia acreditar que
ele estava mesmo ali com vários jogos importantes acontecendo.
— Consegui uma folga de última hora só para vir até aqui. Nem tive
tempo de avisar nossos pais. Eles vão me matar quando souberem que vim
sem eles. — Comprimiu os olhos com os dedos.
— Acho que vão ficar felizes por saberem que nos encontramos. —
Segurei sua mão. — Estou tão feliz que conseguiu vir.
— Mesmo que por pouco tempo, eu precisa ver minha caçula. — Ele
olhou em meus olhos e toda a maldade do mundo pareceu diminuir diante da
proteção do meu irmão.
Ele sempre esteve ao meu lado. Nos momentos mais divertidos e nos
mais terríveis também. Como quando perdi meu bebê. Naquela noite, depois
que acordei no hospital, eu encontrei um Bruce que nunca tinha visto na vida.
Abatido, com o rosto coberto por olheiras e uma infinidade de tristeza no
olhar. Meu irmão era um homem forte e se orgulhava muito daquilo, mas
naquele dia maldito, toda a sua força pareceu desaparecer. Tive medo de vê-
lo assim outra vez, ainda mais por minha causa. Pensei que me afastar seria o
melhor para nós dois, mas agora, vendo-o ali sentado à minha frente, essa
ideia me pareceu a mais idiota do mundo.
Não precisava me afastar dele, eu não suportaria me afastar dele.
Passamos a tarde conversando. Bruce me atualizou sobre as
novidades no time e os novos contratados, sobre nossos pais e toda a nova
decoração que minha mãe obrigou meu pai a fazer na casa desde a minha
partida e sobre as implicâncias de Megan, nossa prima que certamente o
mataria quando soubesse que ele estava aqui, em Fênix, sem ela.
Fizemos uma pequena reunião apenas com Josh, Taylor e Jake no
final da tarde e foi um dos dias mais divertidos da minha vida.
Ver Taylor enlouquecido por estar no mesmo cômodo que meu
irmão era impagável. Ele o seguia com o olhar e comentava tudo que Bruce
dizia com um sorriso no rosto.
Nos divertimos bastante. Bruce e Josh pareciam se conhecer há anos.
E aquele dia agradável passou mais rápido do que eu gostaria.
— Preciso ir embora — Bruce comentou quando viu que o sol
começava a se pôr no horizonte e um aperto atípico tomou meu peito. — Ei,
maninha, não fica assim. — Meu rosto era um livro aberto. Eu não conseguia
esconder absolutamente nada e me sentia triste demais pela partida de Bruce
como se estivesse novamente me mudando para uma cidade desconhecida. —
Sabe que em breve estaremos juntos novamente. O campeonato já está quase
no fim. Esta cidade vai ficar pequena para nossos encontros.
— Eu sei. Estou feliz que esteja aqui — confessei. — Só estou com
um pequeno aperto no coração, mas sei que é saudade.
— Vai passar, eu prometo — ele garantiu e se preparou para a
viagem de volta. — Espero vê-los em breve. — Bruce começava a se
despedir dos meninos e de mim, indo em direção à porta. Mas quando ele a
abriu, um vinco se formou em sua testa e eu me aproximei para ver o que ele
estava vendo que o deixou assim.
— O que está acontecendo aqui? — questionei assim que vi a
movimentação estranha no meu gramado.
Havia uns três homens que eu sequer tinha visto na vida. Um deles
carregava consigo uma câmera, o outro um microfone e o terceiro era baixo,
rechonchudo e tinha o rosto afunilado, o nariz redondo e arrebitado que
lembrava o de um ratinho.
— Prefeito? — Josh passou por mim rapidamente.
— Prefeito? — Virei-me para Taylor que mantinha uma expressão
de incredulidade presa ao rosto desenhado.
— Monroe. Ele é o prefeito da cidade — ele disse.
— O que diabos esse homem veio fazer aqui? — Jake questionou.
— Oh, garoto Josh! — Ele alisou a barriga sob o terno preto que
usava.
— O que faz aqui, prefeito? Algum problema com a organização da
Festa do Pomar?
— Não, nada disso. Me avisaram que recebemos a visita ilustre do
capitão do time Scarlat Fury e eu, como um bom anfitrião, vim oferecer meus
cumprimentos.
— Não será necessário — Josh o cortou rispidamente e o homem
emitiu um som estalado com a língua.
— Bobagem! — Ele passou por Josh. — Não terei trabalho algum,
será um prazer. Garoto Bruce! — Virou-se para o meu irmão e o circo se
formou.
O tal prefeito Monroe veio em direção a Bruce como um caminhão
desgovernado e enlaçou meu irmão em um abraço de urso que batia pouco
acima de sua cintura, visto a altura mediana do prefeito perto dos quase dois
metros do meu irmão.
Monroe rasgou elogios à profissão de Bruce e alegou ser tão fã
quanto Taylor. O que todos obviamente sabíamos ser uma inverdade, afinal,
até aquele dia, ninguém se provou mais fã de Bruce que Taylor, que sabia a
data de cada um dos jogos marcantes na carreira do meu irmão.
Toda a conversa entre Bruce e Monroe foi gravada pelo repórter do
jornal local da cidade e o prefeito só decidiu ir embora depois de uma foto.
Ao seu lado direito estava Josh, e ao esquerdo Bruce. Não satisfeito, ele
pediu em seguida para que todos participassem da foto e tanto eu quanto
Taylor e Jake nos juntamos ao grupo.
Depois de registrar bem aquele momento, o prefeito foi embora após
fazer um convite a Bruce.
— Garoto, você precisa comparecer à Festa do Pomar. Josh vai
tocar. — Aquela foi mais uma surpresa que recebi naquela noite. Não fazia
ideia de que Josh iria cantar naquele evento.
— Farei o possível para comparecer. — O prefeito não pareceu feliz
com a possibilidade do meu irmão não estar presente na Festa do Pomar, mas
foi embora com um sorriso pregado no pequeno rosto mesmo assim.
— Obrigada por ter vindo. — Abracei meu irmão já ao lado do seu
carro. Enlacei seu pescoço com os braços e o apertei. Sentindo seu perfume
familiar uma última vez. — Volte mais vezes... por favor — sussurrei.
— Eu te amo, Anny — ele respondeu. — Não se esqueça disso. Eu
sempre voltarei pela minha caçula.
Meus olhos marejaram mais uma vez.
— Foi um prazer conhecê-lo, Josh. — Bruce apertou a mão de Josh,
mas logo o puxou para um abraço. — Obrigado por cuidar dela.
— Cadê as ameaças? — Jake inqueriu. — Irmão mais velho...
namorado novo. Eu queria muito ver você ameaçando arrancar as bolas do
Josh. Vai, por favor! — Ele uniu as mãos como em uma prece e uma
gargalhada escapou por meus lábios.
— Eu já ameacei muitos dos namorados da Anny. — E era verdade.
— Nenhum deles me parecia ideal. — E não eram mesmo. — Mas o Josh
teve a coragem de roubar o meu número do celular dela só para garantir a
segurança da Anny e me ligou na primeira oportunidade que surgiu. Isso
mostra muito do seu caráter e eu sou muito grato por ter alguém aqui olhando
pela minha pequena.
— Tá, eu não esperava por essa — Jake resmungou, chateado.
— Mas ele sabe que se vacilar, eu passo com esse carro por cima
dele — Bruce brincou e fez com que todos déssemos risada.
— Era disso que eu estava falando. — Jake se empolgou e eu
abracei meu irmão mais uma vez, preparando-me para vê-lo partir.
— Eu te amo! — foi o que eu disse quando ele entrou em seu carro e
aquelas palavras ainda queimavam meu peito enquanto seu carro se afastava
no horizonte, perdendo-se de vista na primeira curva.
Senti um vazio me preencher e envolvi meu próprio corpo com os
braços.
— Bruce vai participar das próximas arrancadas, meu anjo. — Josh
se aproximou, abraçando-me por trás. — Não vai demorar até vê-lo
novamente.
Meneei um aceno. Os olhos transbordando de lágrimas. Um aperto
forte comprimiu minha garganta quando me lembrei do motivo pelo qual tive
que me afastar daqueles que mais amava. Hoje o sentimento de solidão tinha
diminuído, mas viver longe da sua família era doloroso demais.
Taylor e Jake se aproximaram de Josh e ficaram ali, parados ao meu
lado em silêncio. Como se respeitassem a minha dor. Ou mais, pareciam
senti-la junto comigo e foi então que eu percebi que, aos poucos, uma nova
família começava a crescer ao meu redor. Pessoas importantes que ganhavam
mais e mais espaço em minha vida e toda a tristeza que assolou meu coração
com a partida do meu irmão pareceu diminuir.
Eu tinha recomeçado a minha vida e agora tinha também uma nova
família em Fênix Hill.
Você mal sabe que eu te amarei até que o sol morra
Little do You Know - Alex & Sierra

Pouco mais de uma semana se passou, mas a foto em que o prefeito


Monroe aparecia na frente da minha casa entre Josh e Bruce ainda circulava
pelos principais jornais da cidade.
Carolyne queria arrancar meu pescoço por eu não ter tido tempo de
avisá-la que Bruce estava na cidade e eu prometi que os apresentaria quando
o visse novamente. Os rumores de eu ser irmã de um jogador famoso logo se
espalharam pela cidade e algumas pessoas passaram a me olhar de forma
diferente. Menos a Rachel. Ela conseguia manter o olhar de repugnância em
minha direção toda vez que nos encontrávamos semanalmente na arrecadação
de doações. Aquilo já tinha virado uma rotina. Ao menos ela não tornou a me
provocar. Estávamos em uma guerra fria e eu esperava que continuasse
assim.
Hoje não havia sido diferente. Passamos a tarde toda juntas e a
energia pesada da Rachel parecia ter sugado toda a minha alegria. Cheguei
em casa louca por um banho e quando saí do chuveiro, ainda com os cabelos
molhados, alguém bateu na porta três vezes seguidas.
Era Josh. Eu já conhecia sua batida, assim como sabia o que ele
estava pensando só pelo seu olhar.
Era estranho conhecer tão bem alguém que sequer fazia parte da sua
vida meses atrás. Era como se nos conhecêssemos de outra vida. Eu sentia
isso toda vez que nossos olhares se encontravam. Toda vez que sua mão
procurava a minha, ou quando ele sussurrava meu nome.
Coloquei um vestidinho preto rapidamente e corri até a porta ansiosa
por encontrá-lo. Quando a abri, prendi a respiração com a visão que tive.
Josh parecia ter acabado de sair do banho, assim como eu. Seus
cabelos ainda estavam úmidos. Ele usava um blusão preto que chegava à
metade da coxa e uma calça da mesma cor. Seus olhos estavam radiantes e
brilhavam em um tom azul profundo, mas o que mais me emocionou foi o
enorme buquê de rosas vermelhas em suas mãos.
— Ai, meu Deus! — Sorri empolgada e demorei para perceber que
ele não sorria de volta. — São lindas, Josh. — Levei as mãos em direção ao
buquê e percebi que ele me entregou sem muita animação.
— Não são minhas — ele disse e alternou o peso das pernas,
impacientemente.
— Como? — questionei, sem entender.
— Foram deixadas na porta da sua casa — revelou. O semblante
fechado, sério demais.
— Que estranho. Não tinha um cartão?
— Nenhum. — Josh sondou o buquê com repulsa. Como se ele fosse
capaz de criar vida própria e nos matar a qualquer minuto. — Tem ideia de
quem possa ter te enviado isso? — Ele tentou manter o tom de voz neutro,
mas eu percebi o incômodo que estava escondido atrás de cada uma daquelas
palavras.
— Não, ninguém. — Dei de ombros sem fazer ideia de quem
poderia ter enviado aquilo.
— Vou tentar descobrir — ele alegou. — Quem quer que seja,
esperou a mecânica fechar para colocar isso aqui. Um buquê para a minha
namorada, bem debaixo do meu nariz. Só pode estar de brincadeira.
Circundei sua cintura com os braços, abraçando-o com um sorriso
preso ao rosto. Josh torceu os lábios, insatisfeito.
— O que vai fazer com essa porcaria?
— Não é uma porcaria, são rosas, cortadas... — Ergui as
sobrancelhas. — Prefiro vê-las vivas — comentei, entristecida.
— Eu te compro uma coleção de rosas, te faço um jardim se quiser,
mas joga essas fora? — Seu rosto foi tomado de vincos. Ele me encarava
esperando uma resposta que ele já sabia que era bem óbvia. Não cogitei ficar
com as rosas de um desconhecido.
Peguei o buquê das mãos do meu namorado... namorado!, a palavra
ainda me era estranhamente sensual e provocante, e caminhei até a lixeira da
cozinha, jogando-as ali.
— Prontinho. — Virei-me para ele. — Não precisa se preocupar
com isso. Deve ter sido alguma brincadeira.
— Claro que preciso me preocupar com a minha namorada
recebendo rosas de outro homem. Se eu descobrir quem foi que teve essa cara
de pau...
— Ok, senhor não-mandem-rosas-para-a-minha-namorada. Pode se
acalmar agora. — Abracei-o mais uma vez e vi um sorriso pequeno brotar no
canto dos seus lábios. — Podem me enviar até um caminhão de rosas, isso
não muda em nada o que eu sinto por você.
— Nunca duvidei disso. — Ele tocou meu rosto com o dorso da mão
e desceu os dedos acariciando minha pele até tocar meus lábios. — É que...
por um momento eu senti uma coisa estranha.
— Que coisa?
— Aqui... — Ele segurou minha mão e a levou até o peito. — Está
sentindo? — Seu peito subia e descia. Eu podia sentir com a palma da minha
mão os batimentos acelerados. — Essa é a coisa estranha. Quando vi aquele
buquê, essa... dor no peito começou a me incomodar. Dói só de pensar em
outro homem se aproximando de você, Anny. — Ele circulou meu rosto com
as mãos. Sua respiração pesada tocou minha pele enquanto minhas mãos se
mantinham firmes em seu peito rígido.
— Eu não quero outro homem. — Fechei os olhos quando senti que
ele se aproximava. — Só quero você.
— Ah, meu anjo... — Ele desceu sua boca sobre a minha em um
beijo afoito, firme, desesperado. E eu passei mais uma noite em seus braços,
vivendo meu conto de fadas perfeito, até que ele não fosse mais tão perfeito
assim.
***
Na noite do dia seguinte, havíamos marcado mais um encontro com
Jake e Taylor na casa de Josh envolvendo o videogame de Taylor e algumas
cervejas. Eu estava animada e tinha preparado alguns aperitivos para
passarmos a noite e estava organizando-os em uma pequena bandeja para
levá-los.
Abri a porta da minha casa com uma ansiedade atípica tomando o
meu peito. Todos já esperavam na casa de Josh. A noite estava fria e uma
nuvem fina de neblina cobria a rua completamente vazia, iluminada pelos
postes e a pouca luz que irradiava da lua crescente acima de nós. Por algum
motivo, um calafrio percorreu meu corpo e eu desejei atravessar aquela rua
correndo e chegar logo à segurança da casa de Josh.
Desci os degraus da minha varanda, ainda com aquela sensação
estranha preenchendo meu peito. Foi quando eu o vi.
Ergui os olhos e lá estava ele. O Toyota Camry preto de vidros
igualmente escuros estava parado um pouco à frente da mecânica, como se
não quisesse ser visto. Mas eu o vi.
Eu o vi!
Meu corpo todo pareceu petrificar no mesmo lugar até ceder espaço
para uma tremedeira incontrolável. A bandeja escorregou por minhas mãos e
caiu no chão com um baque estridente. Eu ainda mantinha os olhos pregados
naquele carro como se estivesse conferindo se ele era mesmo real.
De onde eu estava não conseguia enxergar o número da placa, mas
sabia... eu sabia que era ele. Aquele carro. Eu jamais esqueceria. Era o carro
do Caleb.
Ele me encontrou!
Dei um passo para trás. Eu precisava voltar para a minha casa.
Trancar a porta, pedir ajuda. Quando me dei conta, já estava correndo.
Bati a porta às minhas costas e a tranquei o mais rápido que pude,
tentando controlar a tremedeira que tomou minhas mãos. Tateei o bolso
procurando o meu celular sem tirar os olhos do carro calmamente parado no
mesmo lugar.
Foi naquele momento que ele ligou o carro e eu fiquei ali, estatizada,
observando-o. O que ele iria fazer?
Estremeci, lembrando-me dos meus pesadelos em que Caleb me
encontrava. Meu Deus, não!
Não podia ser ele.
Talvez eu estivesse enganada.
Mas quando ele acelerou o carro e desapareceu pela rua, uma certeza
pulsante tomou meu peito. Era ele. Eu sentia que era.
Um medo absurdo de ficar ali, sozinha, me tomou. E se ele voltasse?
E se estivesse escondido bem ali?
Abri a porta e comecei a correr, saltando sobre a bandeja e os
petiscos espalhados pelo chão. O celular estava preso entre meus dedos e
tudo que eu conseguia pensar era que a rua estava completamente vazia. Se
Caleb me encontrasse ali, eu seria um alvo fácil.
Comecei a discar o número de Josh antes mesmo de atravessar a rua.
— Oi, meu anjo. Está demorando, precisa de aju..
— Josh! — praticamente gritei. — Ele está aqui. Caleb! Eu o vi.
Tudo depois dessa ligação se tornou um grande borrão.
Josh abriu o portão de sua casa e surgiu com Jake e Taylor em seu
encalço. Eu só tive forças para abraçá-lo e quando dei por mim, lágrimas
inundaram todo o meu rosto. Eu tremia tanto que mal conseguia falar.
— O que aconteceu, Anny? — ele perguntava sem parar.
— Ele estava bem ali. Reconheci seu carro, ele me encontrou, Josh!
— Não sabia o quanto do meu passado Taylor e Jake sabiam, mas pela
expressão estranha presa no rosto deles, pareciam saber o suficiente para
entender o motivo do meu desespero.
— Qual foi o carro que você viu? — Expliquei para Josh em
detalhes qual era o carro e qual era a aparência de Caleb. — Você vai ficar na
minha casa. Ela é mais segura. — Ele envolveu minha cintura. — Taylor,
reúna os caras. Jake, ligue para Carolyne, pergunte se ela pode ficar com a
Anny na minha casa esta noite.
— Aonde você vai? — questionei. O desespero pungente em minha
voz.
— Vamos atrás desse desgraçado. Se ele estiver na cidade, não vai
encontrar lugar para se esconder. Esse cara já era! — Uma sombra havia
tomado os olhos de Josh e eu ainda não sabia o que poderia acontecer se ele
encontrasse Caleb.
— Josh, ele pode ser perigoso. — Chorei.
— Ele está sozinho, Anny. — Taylor tentou me acalmar e afagou
meu ombro. — Já o Josh, tem a cidade inteira ao lado dele. Ele não vai
conseguir se aproximar.
— Por favor, tome cuidado — pedi, ciente de que não adiantaria
pedir que ele desistisse da ideia de ir atrás de Caleb.
Um medo terrível permeou meu corpo. Temi por ele, temi por nós.
E chorei. Ah, como eu chorei naquela noite enquanto contava mais
uma vez parte do meu passado para Carolyne que, assim como eu, também
chorava, mas tentava me acalmar.
Não conseguia explicar o pânico que me tomou no instante em que
vi aquele carro. Era como se tudo o que eu vivi, todas as atrocidades que
passei nas mãos de Caleb ressurgissem com força. Não podia acreditar que,
mesmo com todo o meu esforço, ele havia me encontrado.
Se ele foi capaz de esfaquear um médico apenas por tomar sua vaga
no hospital, o que seria capaz de fazer comigo se tivesse a chance? Encolhi-
me no sofá cinza da casa de Josh, desejando viver ali, escondida. E fiquei
imóvel, abraçada a Carolyne até ver Josh entrando pela porta, quase na
manhã do dia seguinte.
— O que aconteceu? Encontraram o carro? — Saltei em direção a
Josh. Os olhos arregalados em expectativa. Minha cabeça doía demais e eu
não sabia se era pela noite que sequer preguei os olhos ou por ter chorado
tanto.
— Não encontramos nada — Josh disse e suspirou fundo.
— Ninguém viu nada? — Carolyne arrastou as palavras. Estava
sonolenta, mas havia levado todo o seu uniforme para a casa de Josh e
pretendia sair bem cedo para pegar seu turno na RedCoffee.
— Nada. Dividimos toda a equipe para procurar em cada canto da
cidade. Reviramos tudo, mas não encontramos nem sinal dele. — Josh se
sentou ao meu lado e segurou minha mão.
— Droga! — Carolyne praguejou, pegando seu uniforme. — Tenho
certeza de que se ele aparecer por aqui novamente, qualquer um vai
identificá-lo.
— Talvez não — comentei com o olhar preso ao chão de madeira.
— Como vão reconhecer alguém que nunca viram?
— Se tem uma coisa que esta cidade entende é de carros, Anny.
Podem não reconhecer aquele desgraçado, mas ele não vai andar em um
Toyota Camry sem ser notado em Fênix — Josh garantiu e Carolyne foi
embora logo em seguida, deixando claro que avisará a todos os clientes da
Red para que também fiquem atentos.
Josh puxou meu corpo para o seu e nos deitamos no sofá de sua sala.
Ficamos em silêncio até que eu decidi dizer o que talvez estivesse passando
pela cabeça de nós dois.
— E se eu tiver me enganado? — revelei o que eu estava pensando
desde que soubera que ninguém tinha visto nada. — E se ele realmente não
esteve aqui? Eu posso ter feito você passar por tudo isso à toa...
— Shh. — Ele acariciou meus cabelos e desceu as mãos por minhas
costas. — Você precisa entender que eu estou disposto a fazer qualquer coisa
para manter sua segurança e reviraria esta cidade de cabeça para baixo
novamente se você suspeitasse que aquele desgraçado estava aqui mais uma
vez. Se era ele ou não, não importa. Eu precisava verificar e acho que
devíamos tomar algumas precauções até termos certeza de que não era ele.
— Quais precauções?
— O que acha de passar a dormir aqui? Comigo? — Ele desceu o
rosto para olhar em meus olhos que mais uma vez estavam marejados. — Eu
já não consigo dormir bem sem você me chutando durante a madrugada
mesmo. — Deu uma risada fraca.
— Está falando sério? — Em nenhum momento eu cogitei recusar
aquela oferta. Não conseguia imaginar como eu dormiria outra vez
imaginando que Caleb poderia estar rondando Fênix.
— Isso significa um sim? Vai se mudar para a minha casa? — Josh
abriu um sorriso descarado.
— Me mudar não, mas aceito passar as minhas noites com você. —
Toquei seu rosto com um misto de alegria, alívio e admiração pelo homem no
meio dos meus braços.
Josh me transmitia calma e uma sensação de que tudo ia ficar bem
que eu mal conseguia conter a alegria que começava a irradiar por meus
olhos.
— Mas para garantir, acho melhor irmos até a delegacia. A polícia
também precisa estar ciente do que pode estar acontecendo em Fênix.
Concordei com um aceno.
— Não se preocupe, Anny. Você estará segura. Se for ele mesmo,
jamais conseguirá chegar perto de você, eu prometo.
Josh me abraçou sem saber que metade de mim estava morrendo
desde o momento em que coloquei os olhos naquele carro parado tão
próximo à minha casa e que eu tentava desesperadamente salvar essa parte.
Tentei evitar que o pânico me dominasse e fiz de tudo para manter
meus dias na rotina que havia criado.
Mas... Como seguir ir em frente e ser feliz sabendo que há alguém à
espreita que não quer nada além de te ferir?
Parte da minha paz se foi naquele dia e eu temia que acabasse
perdendo o pouco que ainda restava a qualquer momento.
E quem você acha que é?
Andando por aí, deixando cicatrizes
Colecionando um jarro de corações
Despedaçando o amor...
Levou tanto tempo para eu me sentir bem
Lembrar de como devolver a luz aos meus olhos
Eu queria ter perdido a primeira vez que nos beijamos
Pois você quebrou todas as suas promessas
E agora você voltou
JarOfHearts - Christina Perri

Na noite seguinte os pesadelos voltaram. Não consegui me lembrar


qual deles foi, ou o que aconteceu. Só me lembrava de ter acordado gritando
e ter sido envolvida pelos braços do Josh que tentava me acalmar, mas o
medo pulsando em meu peito era real demais para parecer apenas um
pesadelo.
Comecei a passar mais tempo na casa de Josh do que na minha
própria casa. Lá eu me sentia mais segura. A casa de Josh já estava preparada
para possíveis invasões, afinal, ele guardava as peças esportivas mais caras
em casa. Seria difícil entrar ali sem que ele permitisse e aquilo me dava mais
segurança, porém, eu não podia continuar vivendo assim.
Peguei uma xícara de chá na cozinha de Josh, apertei meu roupão
contra o corpo e caminhei até a janela. O dia mais uma vez estava nublado,
parecia refletir os sentimentos do meu coração. Ainda assim, a rua estava
cheia. Era um dia movimentado na Black Bird e Josh mal tinha tempo para
respirar, entrando e saindo da mecânica com carros diferentes.
Algumas crianças brincavam na rua enquanto vizinhos conversavam
de suas varandas animadamente. Estava tudo em seu devido lugar. Os dias
iam passando e não havia nenhum sinal de Caleb.
Eu não voltei a vê-lo e ninguém relatou ter visto algum carro
parecido com o seu. Comecei a me perguntar se realmente era ele naquela
noite ou apenas um fruto da minha imaginação.
E eu? Estava ali, presa dentro de casa como se tivesse cometido
algum crime e precisasse me esconder, quando na verdade quem precisava se
esconder era ele. Uma sensação de indignação subiu por minhas veias.
Coloquei a xícara na bancada, fui até o quarto de Josh, peguei uma
das peças de roupa que havia deixado ali e fui tomar um banho. Tinha decido
não participar mais das feiras de arrecadações para a Festa do Pomar, mas
aquilo era dar um passo para trás diante de tudo o que eu já reconquistei da
minha vida.
Alucinação ou não, Caleb não iria me aprisionar novamente.
Coloquei uma calça preta colada, calcei meus tênis e vesti uma
jaqueta preta por cima de uma blusa branca e fui até a mecânica.
Quando desci as escadas da lateral da casa de Josh, já conseguia
ouvir as vozes animadas escapando pela porta de ferro aberta da Black Bird.
— Seu motor está intacto. Tem certeza de que vai vender esse carro?
— Taylor inqueriu a um cliente.
— Ainda não sei, mas provavelmente sim.
— Me procure primeiro. Ofereço uma oferta irrecusável. — Ele
deslizou as mãos pela lateral de um Chevette antigo.
Taylor, assim como Jake e o restante dos funcionários da mecânica,
usavam um macacão azul escuro com várias manchas de óleo. A maioria
usava uma camisa preta por baixo daquela peça, mas Taylor, como gostava
de exibir seus músculos, não usava nada.
— Anny! — ele me cumprimentou.
— Vai vestir uma blusa, Taylor. — Revirei os olhos. — Vai acabar
pegando uma gripe.
— Tô querendo pegar outra coisa. — Ele me lançou um sorriso. —
Ficou sabendo que a prima daquela menina que mora na esquina da Five está
passando as férias aqui? Cara, ela é muito gata.
— Para! — Ergui a mão em sua direção. Taylor tinha a mania de
pensar que todos ao seu redor, inclusive eu, andávamos nos atualizando de
cada uma das mulheres que pisavam naquela cidade. — Pode ficar com os
detalhes sórdidos só para você. Eu nem sei quem é essa moça que mora no
final da rua.
— Não sabe a visão que está perdendo.
— Taylor, cala a porra da boca. — Josh ergueu as sobrancelhas.
Usava uma blusa preta de mangas compridas que cobria cada uma das suas
tatuagens e escondia mais facilmente as manchas de óleo. — Bom dia, meu
anjo. Sinto muito pela completa falta de noção do meu amigo aqui. — Ele
encarou Taylor que apenas fez um bico engraçado.
— Já estou acostumada — falei com um sorriso nos lábios. Era tão
bom estar entre os três, com suas implicâncias, brigas bobas, mas uma união
imbatível.
— Aonde pretende ir? — Josh alcançou uma prancheta que estava
abandonada em cima do capô de um dos carros e correu os olhos por ela,
tentando anuviar a pressão de sua pergunta. Assim como eu, ele também
estava preocupado.
— Vou à feira de arrecadações. Já faltei a última, não queria faltar a
essa também.
— Anny... — Ele colocou a prancheta novamente sobre o capô e se
virou para mim. Os olhos carregados de preocupação. — Você não tinha
decidido ficar... afastada dessas atividades até entendermos o que está
acontecendo? — Diminuiu o tom de voz e tocou minha mão com a ponta dos
dedos.
Eu sabia que com “descobrir o que está acontecendo” ele queria
dizer “descobrir se Caleb ainda estava em Fênix Hill”. Aquela se tornou a
nossa preocupação diária e por um momento eu me peguei pensando o que
seria da vida do Josh se eu não tivesse cruzado por ela trazendo todos os
meus problemas junto comigo.
— Eu tinha... mas não posso fazer isso — revelei.
— Por que não? — Ele comprimiu os olhos e cruzou os braços. —
Anny, eu não quero nem pensar no que pode acontecer se esse cara cruzar o
seu caminho sem ninguém por perto.
— Eu também não. — Enlacei sua mão na minha. — Mas eu não
posso mais viver me escondendo. Agora eu não faço nem ideia se era ele
mesmo. Poderia ser um carro parecido, ou talvez fosse só fruto da minha
imaginação. Não sei, mas não quero viver escondida. — Diminuí o tom de
voz até que ele se tornasse um sussurro. — Não quero viver como uma
foragida. É ele quem deveria viver assim. — Ele ficou em silêncio.
Ergui o olhar para encará-lo e o vi travar uma luta interna. A mesma
que eu estava travando entre arriscar a minha vida ou viver em uma prisão
autoimposta. Era uma decisão injusta demais.
— Você está certa — disse, por fim. — Não pode viver se
escondendo.
Meneei um aceno, feliz por ele ter me entendido.
— Mas não vai andar sozinha por aí. Eu vou te levar e vou te buscar.
— Josh deslizou as mãos por meus braços. — Não me perdoaria se algo te
acontecesse, então farei tudo que for necessário para manter sua segurança.
— Eu não quero te dar mais trabalho, Josh. Já estou praticamente
morando na sua casa.
— Um convite feito por mim e devo admitir que não me arrependi
nem sequer por um segundo. Na verdade, estou viciado em acordar ao seu
lado e acho bem válido a opção que falamos ontem à noite. Poderia vir morar
de vez comigo.
— Não desvia do assunto. — Era a quarta ou quinta vez que Josh
sugeria aquela mudança e algo me dizia que não se daria por satisfeito até que
eu aceitasse morar com ele de vez. Ele me lançou um sorriso de lado. —
Agora você vai parar o que está fazendo para me levar aonde preciso ir?
— Só até as coisas se acalmarem, meu anjo. — Ele acariciou meu
rosto. — Por favor, me deixe fazer ao menos isso. Vou ficar mais tranquilo se
souber que está em segurança.
Ponderei minhas opções e percebi que ter Josh ao meu lado me traria
mais confiança. Aos poucos eu deixaria de depender da sua proteção, mas
naquele momento eu só queria tê-lo perto de mim. Estava com muito medo e
não conseguiria esconder isso, mesmo que quisesse, estava estampado em
meu olhar.
— Ok, tudo bem. Faremos assim... por enquanto.
— Por enquanto já está bom. — Ele me deu um beijo casto rente aos
lábios e uma sensação boa preencheu meu coração. Talvez aquela situação
acabasse mais rápido do que eu poderia imaginar e conseguiríamos juntos
voltar à nossa rotina.
Alguns minutos depois, Josh estacionou o carro em frente à feira de
arrecadação, desceu do veículo e cumprimentou algumas senhoras que já
estavam no local.
— Me ligue se precisar de mim — pediu. — Para absolutamente
qualquer coisa. — Pelo canto dos olhos eu notei que Rachel também já havia
chegado e começava a organizar alguns itens já recebidos.
— Tudo bem. — Olhei para Josh. Seu rosto estava compenetrado,
atento ao meu e um aperto no peito tomou meu coração. Um sentimento
horrível me assolou e em um impulso eu o abracei com força. — Obrigada
por tudo que fez e está fazendo por mim. — Meus olhos arderam e eu tive
que me conter para não começar a chorar.
— Faria outras mil vezes se necessário fosse, meu anjo. — Ele roçou
os lábios nos meus e me beijou com carinho. — Em breve estarei aqui
novamente. Me espere.
Afastei-me de Josh e o vi partir com um sentimento estranho
assolando meu peito. Parecia um mau agouro, mas decidi ignorar. Já tinha
coisa demais acontecendo para eu me preocupar também com as cismas
bobas do meu coração.

A tarde passou rapidamente. Já estava quase na hora de fecharmos a


feira de doação. Dona Zule, uma das mulheres que organizavam a feira, veio
até mim arrastando seu longo vestido florido pelo caminho. Ela parecia um
pouco mais velha que a minha mãe, mas havia uma força tão linda no brilho
dos seus olhos que ela irradiava juventude. Em seu jeito de andar, falar ou
sorrir. Seus cabelos longos de um loiro claro misturado a alguns fios brancos
desciam por suas costas e paravam quase na cintura e ela veio balançando os
fios com alegria.
— Anny, minha querida, obrigada por toda a ajuda de hoje. Acho
que acabamos por aqui. — Ela me deu um abraço, como sempre fazia com
cada uma das mulheres que ajudavam na feira.
— Falta só jogar alguns sacos de lixos fora. Vou embora assim que
terminar.
— Obrigada mais uma vez. Você é muito importante para esta
comunidade. Todas vocês são. — Ela se virou para as outras mulheres que
estavam ao nosso redor e irromperam em uma conversa cheia de risadas altas.
Peguei dois grandes sacos de lixo preto e contornei a feira,
caminhando até as grandes latas de lixo que ficavam bem atrás do pequeno
prédio em um beco largo e... vazio. Olhei sobre o ombro. Eu estava
completamente sozinha e novamente a sensação de que alguém me vigiava
me atingiu com força. Comecei a me apressar para sair daquele lugar logo.
Abri a primeira lixeira, minhas mãos estavam tremendo e eu tentei
respirar fundo para expulsar aquele medo repentino. Joguei o primeiro saco e
me virei rapidamente para buscar o segundo, trombando com tudo em alguém
que estava bem atrás de mim.
Dei um passo para trás, tentando me recuperar do susto e quando
ergui os olhos todos os meus pesadelos se tornaram reais.
— Recebeu minhas rosas, Anny? — Aquela voz... Um arrepio
tomou meu corpo e minhas pernas perderam completamente a
sustentabilidade. Apoiei-me na lixeira para não cair ali mesmo enquanto
Caleb me encarava com um sorriso preso no rosto. — Espero que sim.
— O que está fazendo aqui? — Tentei manter a voz firme, mas meus
olhos arderam e eu sabia que se continuasse ali, tendo que encará-lo nos
olhos, acabaria perdendo completamente a compostura.
Caleb estava mais magro, com olheiras fundas sob os olhos claros.
Os cabelos, antes sempre bem-arrumados, estavam grandes e com fios
espalhados por toda parte. Seus olhos arregalados me faziam questionar se
ele ainda estava se drogando e tive medo da resposta. Aquele não era o Caleb
que eu conhecia. Era uma versão muito pior.
— Eu senti saudade. — Ele arrastou a voz e deu um passo em minha
direção.
— Não se aproxime ou eu vou gritar e metade da cidade vai aparecer
aqui. V-você está sendo procurado. S-sabe disso — ameacei, ciente de que
havia pessoas a poucos metros de onde eu estava, mas temi ao perceber que
não havia ninguém perto o bastante para evitar uma tragédia.
— Você... sempre em busca de atenção, não é? — Ele abriu um
sorriso amarelado que me apavorou ainda mais. Sua mão desceu para a
cintura e como se aquilo fosse natural, ele sacou uma arma antiga, meio
enferrujada e a manteve no meu campo de visão. Era um aviso. — É melhor
ficar caladinha. Você já andou falando demais.
— O que você quer, Caleb? — questionei mais uma vez com muita
dificuldade para respirar, como se o ar em meus pulmões tivesse
desaparecido de vez. Ele não estava ali, armado, à toa. — Quer me assustar?
Porque eu garanto que não vai conseguir. — Enfrentei-o com todo o medo
pulsante em meu peito.
— EU QUERO DE VOLTA TUDO O QUE VOCÊ TIROU DE
MIM! — ele berrou, cuspindo em cada palavra que dizia.
— Não tirei nada de você. — Tentei manter o tom de voz baixo e
ergui as mãos lentamente. O desespero se apossando cada vez mais do meu
coração. Não sabia se conseguiria sair dali viva e de repente, tudo o que eu
vivi nos últimos dias, no meu pequeno conto de fadas, pareceu um sonho
distante.
As risadas, as pequenas descobertas, a entrega... o sorriso de Josh.
Tudo. Apenas um sonho. A minha realidade estava bem ali na minha frente
disposta a acabar com tudo o que restou de mim.
— Ah, tirou sim. — Ele trincou os dentes. — Olha pra mim, amor.
— Caleb se aproximou rápido demais e segurou meu maxilar com força,
obrigando-me a encará-lo enquanto apontava aquela arma na direção da
minha cintura. Senti suas unhas se cravando na minha pele.
— Ai! Me solta — pedi, mas ele apenas sacudiu o meu corpo.
— Olha pra mim — mandou novamente. — Pareço o médico bem-
sucedido que você conheceu? Não — Respondeu em seguida. — Me tornei
esse... tipo de homem — completou com escárnio. — Você destruiu a minha
vida quando contou aquela sua história fantasiosa para a polícia.
— Você me agrediu. — Senti a raiva tomando meu corpo diante das
mentiras que ele dizia. — Por sua culpa eu perdi o meu filho. — Trinquei os
dentes.
— Nosso filho, não se lembra? — Ele se aproximou mais. O odor de
bebida alcoólica tomou minhas narinas. Caleb estava fora de si. — Não se
lembra como fizemos ele? — Seus olhos percorreram meu corpo sem deixar
de soltar meu maxilar. Um gosto amargo preencheu minha boca quando me
lembrei de todos os momentos em que me entreguei para ele e ofereci
absolutamente tudo o que eu tinha de bom.
As lembranças foram demais para eu suportar. Em um impulso,
empurrei sua mão sem me importar com o que ele faria em seguida. Eu só
queria me livrar do seu toque repulsivo.
— Foi você que me fez perder o emprego, o apoio da minha
família... tudo. Você me transformou em um foragido e a troco de quê? Para
viver uma vidinha de merda em uma cidade do interior com aquele playboy
filho da puta?
— Você nunca foi metade do homem que ele é. — Quando me dei
conta já tinha falado e só senti o impacto das minhas palavras quando a mão
pesada de Caleb se ergueu no ar e desceu com tudo em direção ao meu rosto,
que virou com um barulho oco.
— Eu vi a foto — acusou. — Seu irmão de merda junto com esse
playboy e você. Minha Anny... a minha mulher. Como pôde? — Ele segurou
meu braço com força, cravando as unhas em minha pele novamente. —
Como pôde? — A foto junto com o prefeito. Agora tudo fazia sentido. Caleb
conseguiu chegar até mim por causa daquela maldita foto.
— Caleb, vá embora. Ainda pode fugir da cidade, pode viver a sua
vida. Não faça nada que possa se arrepender depois. — Tentei
desesperadamente alcançar o lado racional de Caleb, mas ele apenas sorriu
quando terminei de falar.
— Eu vou embora, meu amor. — Ergueu a mão livre da arma e
acariciou meu rosto. Virei o rosto em um solavanco. Meu estômago revirando
pelo contato, e foi então que eu a vi.
Escondida atrás de uma pilastra a poucos metros de distância, Rachel
observava tudo. Arregalei os olhos, desejando gritar e implorar que ela me
ajudasse. O medo quebrando qualquer barreira, orgulho ou resistência. Mas
eu sabia que se gritasse, poderia morrer ali mesmo. Então eu apenas a encarei
por breves segundos. Não conseguia entender a expressão gelada presa em
seu rosto, mas me agarrei ao fio de esperança que era tê-la ali. Eu não estava
sozinha.
— Eu vou embora, mas você vem comigo.
— O quê? — quase gritei. — Eu não vou a lugar nenhum com você.
Aconteceu tudo muito rápido. Caleb saltou sobre mim como um leão
em busca de sua caça e pressionou aquela maldita arma contra a minha
cintura.
— Você vai vir sim ou eu te mato aqui mesmo. É isso que quer?
Todo esse seu espetáculo foi para isso? Para terminar que nem um rato morto
em um beco vazio? Você é mais inteligente que isso e depois de tudo o que
me fez, me deve uma longa conversa.
— Do que está falando, Caleb? Me deixa ir, eu juro que não conto
para ninguém que vi você.
— Assim como ficou em silêncio quando viu meu carro na porta da
sua casa? — ele me acusou. — Tive que trocar de carro por sua causa, meu
amor. Demorou um pouco mais que o previsto, mas agora você vem comigo
e se fizer alguma besteira, aquele playboy também vai pagar.
Uma onda elétrica perpassou meu corpo com a imagem de Caleb
atacando Josh que surgiu bem diante dos meus olhos. Não, aquilo não podia
acontecer. A culpa daquela confusão era toda minha, Josh não pagaria pelos
meus erros.
Comecei a caminhar, temendo que Caleb tentasse algo contra Josh.
Passamos ao lado de Rachel que se manteve no mais absoluto
silêncio. Ele sequer a notou e todas as minhas esperanças terminaram ali. Ela
jamais me ajudaria.
A cada passo que dávamos em direção ao carro de Caleb eu sentia
parte de mim morrendo. Eu sabia exatamente como terminaria aquela
história. Assim como várias outras terminaram.
“Homem mata ex-namorada e foge.”
Daquela vez eu não conseguiria escapar. Perderia tudo para um dos
homens que mais amei na vida... mais uma vez.
Enquanto eu afundo na areia
Vejo você escapar por entre minhas mãos
Jealous - Labrinth

Olhei mais uma vez no relógio, aguardando a ligação de Anny me


pedindo que a buscasse, mas nada até o momento.
— Elas devem estar conversando. — Taylor, que assim como Jake,
estava ciente de tudo o que estava acontecendo, tentou me acalmar. — Sabe
como as mulheres são, começam a falar e não param mais.
— Podemos passar por lá se isso for te deixar mais tranquilo — Jake
ofereceu.
— Não precisa — garanti, pegando as chaves do meu carro. — Eu
mesmo vou dar uma passada por lá. — Virei-me prestes a sair quando vi um
Subaru azul estacionado em frente à casa de Anny.
Crispei os olhos procurando pelo dono do carro e o encontrei
caminhando em direção a porta da entrada da casa. Ben bateu algumas vezes
na porta da Anny e aguardou.
Vê-lo ali, depois de ter saído do hospital daquele jeito e ter
desaparecido da vida da Anny sem mais nem menos, fez uma raiva atípica
subir por minha garganta.
Obviamente eu estava feliz com seu afastamento, mas eu sabia que
ela sentia falta daquele idiota. Afinal, se tornaram amigos, mas Anny não
fazia ideia do quão mesquinho aquele cara era, mas eu fazia.
O que ele queria ali depois de tantos dias? Pedir desculpas? Se
aproximar dela mais uma vez?
Nenhuma das opções me parecia uma boa ideia e em um lampejo me
lembrei do buquê de rosas que alguém havia deixado na porta da Anny
misteriosamente outro dia.
Será que ele teve a cara de pau de mandar flores para a minha garota
depois de ter agido como um babaca?
Eu não sabia, mas estava disposto a descobrir.
Comecei a caminhar mais rápido. A cada passo em direção a Ben
ficava cada vez mais claro suas reais intenções desde o início. Quando Anny
me escolheu, ela tirou dele qualquer chance de conseguir sua vingança idiota
e aquilo não o agradou, então ele a abandonou. E agora estava ali, como se
nada tivesse acontecido.
— Aonde vai, Josh? — Jake perguntou, mas seus olhos logo
encontraram o alvo de toda a minha raiva parado bem do outro lado da rua.
— Merda, ei, Taylor, acho melhor vir aqui. Vai dar ruim!
— O que pensa que está fazendo aqui? — abordei Ben que, depois
de notar que a casa estava vazia, já estava bem perto do seu carro.
— Isso não é da sua conta. — Ele me lançou um olhar de repulsa.
Fechei o punho com força.
— É da minha conta quando você envia rosas para a MINHA
namorada e depois de desaparecer por dias, aparece na porta da casa dela
como se nada tivesse acontecido — vociferei. — O que você quer, Ben?
— Rosas? — Ele olhou para o relógio teatralmente. — Tão cedo e
você já está bêbado? — Aquilo foi a gota d’água.
Agarrei Ben pelo colarinho da blusa e colei meu rosto rente ao dele.
— Não me provoca, porra! — Trinquei os dentes. — É melhor parar
com esses joguinhos, Ben. A minha paciência com você já acabou.
— Rapazes, vamos manter a compostura — Jake pedia ao meu lado.
— Dá um murro nele, Josh — Taylor surgiu contrariando Jake.
Entretanto, antes que qualquer um de nós sequer se movesse, um
carro virou a rua cantando pneu e veio direto para cima da gente. Soltei Ben
que caiu para um lado enquanto eu cambaleava para o outro.
— Que porra é essa? — Ben praguejou se levantando e tanto ele
quanto eu ficamos observando Rachel descer do carro com os olhos
arregalados.
— Ah, era só o que me faltava. — Passei as mãos pelos cabelos. —
O que foi agora, Rachel? Não tenho tempo para seu espetáculo.
— Eu fiz merda. — Ela correu em minha direção e parou a
centímetros de distância. Os olhos castanhos estavam arregalados, presos em
uma expressão de... medo?
— E quando é que você não faz merda? — Ben a provocou.
— Cala a boca! — ela revidou. — Não vim falar com você.
— Se veio falar algo comigo vai perder seu tempo, Rachel. O que
quer que tenha feito, eu não tenho absolutamente nada a ver com isso.
— É a Anny — ela soltou em um rompante e por um segundo eu
achei que estivesse zombando da minha cara. Então comecei a perceber os
detalhes. Rachel tinha parado o carro em cima do passeio. Seus olhos
estavam vidrados, apavorados. Alguma coisa tinha acontecido.
— O que tem a Anny? — Taylor inqueriu diante do meu silêncio
assombroso.
— O.Que.Aconteceu? — pontuei cada palavra, subitamente
prendendo a respiração.
— Estávamos na feira, ela foi jogar o lixo fora e a coordenadora
encontrou mais alguns sacos e me pediu para fazer o mesmo — ela falava
rápido demais e eu sequer percebi que Ben também prestava atenção na
conversa. — Eu fui até lá, mas parei quando ouvi voz de um homem. Ele
estava conversando... conversando não, brigando com ela. — Todo o meu
corpo pareceu petrificar naquele exato momento. — Mesmo sabendo que não
era o certo, eu fiquei lá escutando. Não posso mentir, pensei que fosse algum
ex-namorado. Alguém que a levasse embora deste lugar pra nunca mais
voltar — sussurrou.
— O que mais você viu, Rachel? — Tentei manter uma linha de
raciocínio.
— Ele... ele...
— Fala logo, mulher! — Jake pediu alto.
— Ele a levou. Eu não sei o que aconteceu, mas ela passou por mim.
Ela me viu e eu não ajudei. Eu sabia que ela precisava de ajuda e não fiz
nada. Não sabia o que fazer. — Ela chorou. A primeira vez na vida que eu vi
Rachel ceder a qualquer tipo de emoção e eu estava tão transtornado que não
parei para pensar em absolutamente nada daquilo. — Josh, você precisa
encontrá-la. Ele vai matá-la.
— Porra! PORRA! — Dei às costas para Rachel, Ben e todos que
estavam ao nosso redor e saí desnorteado à procura do meu carro.
Ele conseguiu!
Ele colocou as mãos nela!
Eu não conseguia respirar. O ar não entrava, não saia. Meu peito
estava sendo dilacerado pedaço por pedaço.
Precisava encontrá-la antes que fosse tarde demais.
— Por onde começamos? — Jake me interceptou, mas desviei do
seu corpo sem notar direito a aglomeração que se formava na porta da
mecânica. — Ei, Josh. — Jake me segurou pelos ombros assim que peguei as
chaves do Camaro. — Você não está sozinho, vamos encontrá-la.
— Não, Jake — comecei a respirar ainda mais rápido, como se
estivesse à beira de um ataque de pânico. — Eu não posso arriscar a vida de
um de vocês. Eu vou encontrá-la e vou acabar com esse desgraçado sozinho.
— Nós somos uma família, cara — Taylor intercedeu. — E a família
tem que ficar unida. Anny faz parte das nossas vidas tanto quanto faz parte da
sua. Vamos com você.
— É, chefe. — Rafe, um dos meus funcionários, já estava com a
mão nas chaves do seu próprio carro, e quando ergui os olhos, todos os meus
funcionários estavam se movimentando para ajudar.
— Então vamos. — Saltei para dentro do Camaro e tirei minha arma
de debaixo do banco. Aquele desgraçado não ia sair vivo daquela história, eu
mesmo garantiria aquilo.
— Eu vou também. — Ben se aproximou da janela do carro e eu
apenas o lancei um aceno. Quanto mais gente procurando por eles, melhor.
Rachel deu uma descrição detalhada do novo carro em que eles
haviam saído e avisou à polícia local. Jake passou uma mensagem a todos os
nossos amigos e clientes, e em minutos, toda a cidade estava cercada. Ele não
ia conseguir sair de Fênix Hill. Não com vida.
Enquanto afundava o pé no acelerador, fazia uma oração silenciosa a
Deus.
Por favor, eu imploro. A proteja!
Proteja a minha garota.
Pensar que
Posso não ver mais esses olhos
Me dá uma enorme vontade de chorar
Run - Leona Lewis

Meu corpo estava paralisado. Eu só conseguia olhar para a estrada à


nossa frente. Não conseguia cogitar a ideia de encará-lo. Tinha medo do que
veria e o cheiro de bebida misturada a cigarros baratos empesteava cada
centímetro daquele carro.
Criei coragem e olhei Caleb pelo canto dos olhos. Com uma das
mãos ele dirigia. O semblante calmo, como se estivesse indo fazer um
piquenique. Mas coma outra mão, ele segurava a arma apontada para a minha
cintura.
— O que vai fazer comigo? — comecei a questionar. O medo dando
lugar à necessidade de sobreviver.
Tentaria descobrir qualquer coisa que pudesse me ajudar a escapar
dali.
— Vamos dar uma volta e depois, eu e você vamos nos entender. —
Ele sorriu. Um sorriso cheio de malícia e maldade que embrulhou meu
estômago.
O desespero começou a tomar conta de mim. Eu já sabia o que Caleb
faria comigo se tivesse a oportunidade, então eu precisava escolher se
aceitaria aquele fim ou lutaria para ao menos tentar salvar a minha vida.
Reagir a uma situação como aquela nunca era o indicado, mas eu
preferia morrer mil vezes a permitir que ele fizesse qualquer coisa comigo
novamente.
Olhei novamente para a arma em sua mão e para a estrada
completamente vazia naquele momento. Estávamos próximos ao pomar. Ele
não conhecia aquela região, ou ao menos era o que eu esperava quando decidi
agir. Eu só tinha uma chance, então não podia errar.
Enchi o pulmão de ar e de coragem e agi.
Puxei o freio de mão de uma vez.
— Que porra você pensa que está fazendo? — Consegui ouvi-lo
berrar antes que o carro começasse a girar na pista, jogando-nos para todos os
lados e batendo na lateral de uma árvore. Caleb bateu a cabeça com força
contra o volante e um filete de sangue escorreu por sua testa.
Tentei abrir a porta do carona, mas estava travada pela árvore. O
único lugar seguro para sair antes que ele acordasse era a janela do carro.
Abri-a e passei por ela. Quando pulei no asfalto, uma forte dor de cabeça me
assolou e eu me vi obrigada a fechar os olhos. Cambaleei alguns passos,
incapaz de ficar ali parada. Levei a mão à testa e me assustei quando senti o
local molhado.
Olhei para as minhas mãos e vi que estavam cobertas de sangue.
Eu precisava pedir ajuda. Tateei o meu bolso atrás do meu celular,
mas não o encontrei. Olhei para o carro de Caleb mais uma vez para constatar
que ele ainda estava desacordado e acabei encontrando meu celular bem ao
lado do seu corpo.
Eu poderia tentar pegá-lo, mas o que eu faria se ele acordasse? O
que eu tinha que fazer agora?
Olhei ao meu redor. Já estava escurecendo, eu precisava fugir dali,
me esconder. Aquela rodovia era vazia demais, as chances de encontrar
alguém e pedir ajuda eram quase zero.
Comecei a correr para longe daquele carro. Tropecei, caí no chão e
me levantei no mesmo instante, sentindo a onda de dor e tontura que me
atingiam. Já conseguia avistar a entrada para o pomar quando aquela voz
maldita me alcançou.
— Se der mais um passo, eu atiro. — Brequei meus passos no
mesmo instante e me virei para ele que estava com a arma em punho na
minha direção, aproximando-se mais a cada passo. O rosto completamente
manchado de sangue o deixava ainda mais assustador.
Eu não conseguia encontrar o homem pelo qual me apaixonei alguns
anos atrás, tão carinho, tão protetor. Seu toque, seu cheiro, sua voz... eram
tudo para mim. Eu ficava ansiosa por vê-lo chegar. Arrumava-me por horas
só para poder encontrá-lo. Eu o amava tanto que era capaz de morrer por ele.
Quanta ironia. Eu o amei mais do que a mim mesma e agora ele
queria tirar a minha vida.
— Vai em frente. — Abri os braços e vi uma sombra de surpresa
preencher o rosto sangrento de Caleb. — Atira! — Ele piscou, como se
despertasse de um transe e deu mais um passo em minha direção. — Se eu
for com você, já estou morta de qualquer jeito.
Ele ergueu a arma e mirou na minha cabeça.
— Não brinca comigo, Anny. — Um sorriso tomou seu rosto,
transformando-o exatamente na figura que aparecia em meus mais terríveis
pesadelos. Fechei os olhos, tentando pensar em coisas boas. Em tudo o que
me fez sorrir nos últimos dias. Mas apenas um olhar preencheu minha mente
e aqueceu meu coração.
Josh... obrigada, meu amor, por ter sido a melhor pessoa que já
cruzou o meu caminho.
Suspirei, pronta para o que quer que fosse. Ouvi um clique. Era a
arma. Ele ia atirar. Apertei os olhos com mais força, tentando afastar o medo
cruel que me preenchia.
Esperava ouvir o barulho do tiro, mas o que ouvi foi completamente
diferente. Era um som alto, forte... eram rodas derrapando sobre o asfalto.
Muitas delas.
Abri os olhos e vi Caleb paralisado encarando o horizonte. Virei-me
no mesmo instante e enxerguei o que causou aquele choque. Vários e
incontáveis carros aceleravam pela estrada a toda velocidade. Reconheci o
Camaro liderando imediatamente, seguido pelo Mustang de Jake, o Audi de
Taylor, o Subaru de Ben e mais um monte de carros que eu não sabia a quem
pertencia.
Naquele momento, um fio de esperança preencheu meu peito. Eles
conseguiram me encontrar. Minhas pernas estremeceram, minha visão
embaçou com a quantidade de lágrimas que começaram a rolar por meu
rosto.
Ainda tinha esperança de tudo aquilo não terminar em uma tragédia.
Mas Caleb não estava disposto a se entregar e continuou mirando de
longe em minha direção.
— Olha só, ele tem coragem. — Caleb gargalhou de onde estava. —
Espero que esteja pronta para morrer junto com esse playboy de merda.
— Não! — Coloquei-me em sua mira quando ele cogitou desviá-la
em direção a Josh. — Ele não tem culpa de nada, Caleb.
— Abaixa a arma e solta ela! — Josh rosnou saltando do carro,
mirando em Caleb, o que também me colocava em sua mira.
Eu estava entre os dois. Se Caleb atirasse, Josh o acertaria logo em
seguida, mas ele não poderia mirar enquanto eu estivesse no caminho.
Percebi que estava nervoso, mas ainda assim tentou me olhar nos
olhos. Havia tanta dor no brilho escuro dos seus olhos que senti uma fincada
bem no meio do peito.
Vários homens já haviam descido dos seus carros e aguardavam o
desfecho daquela história que eu temia que fosse acabar de um único jeito.
Com a morte de alguém.
Era eu... ou Caleb. Não podia permitir que ele machucasse Josh.
Aquilo tinha que acabar de uma vez por todas. Caleb mantinha sua arma
enferrujada em direção à minha cabeça. Eu não sabia o que fazer.
Olhei em direção a Josh e notei que com a mão direita ele
empunhava a arma, mas com a esquerda fazia um pequeno e breve sinal
apontando para o chão.
Entendi o recado na mesma hora e me joguei no chão com força e os
tiros começaram.
Josh mirou e começou a atirar. Abaixei-me quando ouvi tiros vindos
das minhas costas. Comecei a me arrastar em direção a Josh, ansiando por
sair daquela zona de batalha.
Josh acertou o joelho de Caleb que urrou alto, mas não desistiu. Ele
disparou mais duas vezes antes de conseguir entrar em seu carro.
Voltei a respirar quando ouvi o barulho dos pneus de Caleb cantando
pela estrada para longe de nós.
— Cuida dela, Taylor. — Ouvi Josh gritar.
— Aonde você vai? — o amigo perguntou.
— Eu não posso permitir que ele escape. — Antes mesmo que eu
pudesse sequer me levantar, o Camaro de Josh passou voando por mim,
deixando um rastro de poeira na estrada.
— Josh, espera! NÃO VAI! — eu ainda tentei gritar, mas ele não me
ouviu. Por Deus, por que não me escutou?
— Merda! Merda! Isso vai dar merda! — Jake repetia sem parar. —
Eu vou atrás dele, você fica com a Anny — ele orientou e Taylor apenas
concordou. Jake saiu dali com mais uns dez carros em seu encalço e tudo que
eu sabia fazer era tremer.
Ben se abaixou ao meu lado, apoiando meu corpo com cuidado.
— Calma, Anny. — Ele acariciou minha mão.
— Agora acabou. — Taylor segurou meus braços e me ajudou a
sentar no asfalto. Eu ainda não conseguia respirar. Ele sondou meu rosto e
analisou o ferimento em minha cabeça. — Vai ficar tudo bem. — Ele pegou
meu braço que queimava e eu nem me lembrava onde havia o machucado. —
Merda... a sorte é que foi de raspão. — Abaixei os olhos e vi um corte na
lateral do meu braço. — Acho que uma das balas dele te acertou. Precisamos
ir ao hospital.
— Não! Vou encontrar o Josh primeiro. Ele pode estar correndo
risco, Taylor. Caleb está completamente fora de si, ele pode tentar matá-lo.
— Você conhece o Josh. — Ele afagou minha mão. — Não tem
ninguém nesta cidade, e arrisco falar neste país que seja mais rápido que ele.
Não se preocupe. Tem policiais cercando a curva oeste. Eles não vão
conseguir passar por lá.
Olhei para o horizonte onde já não se podia ver nem sinal de Josh e
Caleb e me senti ligeiramente fraca. O medo que eu estava sentindo
aumentou, como se o meu verdadeiro pesadelo tivesse apenas começado.
— Confie em mim, vai ficar tudo bem...
Antes que Taylor terminasse sua frase, um som alto cortou os céus.
Parecia o som de dois trens se chocando e uma nuvem de fumaça cinza e
porosa criou uma enorme nuvem nas montanhas no horizonte. O barulho
chegou até nós como uma avalanche e se eu já não estivesse no chão, teria
despencado naquele exato momento.
— O que... — O celular do Taylor começou a tocar e ele encarou a
tela que piscava o nome de Jake insistentemente.
Eram eles. Eu senti. Uma tontura mais forte me açoitou quando
encarei a nuvem cinza que subia aos céus. Taylor atendeu e a voz de Jake só
confirmou o que eu mais temia.
— ELES CAÍRAM! O JOSH CAIU.
A vida é simples, é tomar decisões e não se arrepender.
Velozes e Furiosos

Minhas mãos estavam queimando. Fiquei louco quando coloquei


meus olhos em Anny, perturbado como se tivesse acabado de entrar em um
pesadelo. Tinha sangue cobrindo seu rosto. Ele a machucou.
Uma dor aguda preencheu meu peito.
Eu ia matá-lo.
— DESGRAÇADO. — Dei um murro no volante do carro,
acelerando o máximo que conseguia.
Eu iria atrás dele até no inferno. Captei seu olhar me encarando pelo
retrovisor do seu carro e pisei no acelerador fazendo com que meu carro
batesse na traseira do dele.
Caleb acelerou, mas tanto eu quanto ele sabíamos que nada que ele
fizesse adiantaria. Ele não ia fugir, não mesmo.
Corremos um atrás do outro até a rodovia principal da cidade. Os
olhos desesperados de Anny não saíam da minha cabeça e meus olhos
começaram a arder me sentindo incapaz por não ter evitado toda aquela
merda.
Ele pisou ainda mais no acelerador sem saber que nos
aproximávamos da curva oeste, onde alguns policiais já esperavam por ele.
Seu carro estava deixando uma trilha de fumaça pelo caminho e com certeza
não demoraria a parar. Ainda assim, ele não desistia.
— Então você quer brincar? — Senti o ódio percorrendo minhas
veias lentamente, e como eu sempre fazia com Taylor, diminuí a velocidade
do Camaro e pude ver o semblante vitorioso que tomou o rosto de Caleb.
Deixei que ele ganhasse um pouco mais de espaço e acelerei com
tudo logo em seguida, ganhando três vezes mais velocidade. Nossos carros
ficaram um ao lado do outro e eu comecei a esbarrar nele.
Aquele desgraçado ia parar aquele carro de um jeito ou de outro.
— Tá com medo, Playboy? — ele gritou da janela do carro e deu
uma risada gutural. Seu rosto estava inchado e sangrando. Parecia um
lunático.
Peguei a arma e apontei para a janela de seu carro. Ele se assustou e
diminuiu a marcha para sair do meu campo de visão. Fiz o mesmo e em
segundos estávamos emparelhados novamente. Nos aproximávamos da curva
oeste e eu já podia ver as viaturas logo após ela, mas Caleb estava acelerando
demais. Ia passar direto pelos policiais e se eles o deixassem escapar, aquele
inferno não teria fim.
A curva oeste se aproximava e foi ali que vi minha oportunidade. Se
eu fosse rápido conseguiria jogá-lo pela encosta do barranco.
Deixei que ele passasse alguns centímetros na minha frente, apenas
para conseguir encostar à frente do meu carro na sua traseira. Acelerei o
máximo que pude. Ele não conseguiria fazer a curva e sabia bem disso
porque já estava acionando os freios.
— Tarde demais, desgraçado.
Ele entrou na curva de lado, sendo jogado com tudo pela ribanceira.
Mas havia um detalhe que eu não tinha calculado. A contramão. Por um
segundo pensei que os policiais tivessem bloqueado a passagem por
completo, mas fui surpreendido por uma carreta vindo em minha direção.
A colisão foi inevitável. Metal se chocando contra metal. Um
barulho alto e agudo. Tudo rodando.
O tempo parou por um segundo. Vi meu carro sendo arremessado
pela Curva Oeste assim como o de Caleb como se eu estivesse assistindo a
um filme que eu tinha certeza de que não acabaria bem.
Fechei os olhos e só consegui ver o rosto de Anny diante de mim.
Três palavras surgiram em meus lábios naquele momento e eu me arrependi
amargamente por não tê-las dito antes.
Eu te amo!
Anny, eu te amo!
Um barulho alto irradiou pelo ar e então a luz acabou.
Meu coração não pode suportar esse dano
Changes - XXXTENTACION (feat. PnB Rock)

Aquele era de longe um dos meus maiores pesadelos. Meu coração


doía tanto que eu não conseguia respirar. Eu mal conseguia manter os olhos
abertos enquanto Taylor dirigia feito um lunático pelas ruas de Fênix em
direção ao hospital.
Josh e Caleb capotaram os carros na Curva Oeste e foi necessário
um helicóptero para resgatar ambos.
Não sabia o que esperar quando cheguei ao hospital. Certamente não
estava pronta para o que quer que dissessem. Quando chegamos ao local do
acidente, mantive-me de pé com muita dificuldade quando pousei os olhos no
Camaro completamente destruído, caído na ribanceira.
Um acidente grave na rodovia principal... era o que os policiais e
repórteres diziam. Dois homens em estado grave, um à beira da morte. Foi
tudo o que consegui ouvir antes de vomitar tudo que eu tinha no estômago.
Eu tremia da cabeça aos pés e sabia que aquilo era o mais puro
medo. Nem o machucado em minha cabeça nem o corte em meu braço
estavam me incomodando, mas meu coração parecia sangrar. Não era medo,
não. Era pavor. Pavor de perdê-lo. Pavor de ter que aceitar algo inconcebível.
— Vamos, Anny! — Só me dei conta de que Taylor havia
estacionado o carro quando ele me chamou. A voz aflita.
— Taylor! — Jake estacionou ao nosso lado e eu percebi que
segurava a maçaneta da porta do carro, mas não tinha coragem para abri-la e
Taylor pareceu perceber aquilo, pois tocou meu ombro com delicadeza e
quando falou sua voz mantinha o timbre leve e amigável, escondendo o real
pânico que o tomava.
— Vamos?
— Não consigo — soltei em um rompante. — Não consigo, Taylor.
— Meus olhos marejaram. — Você viu o carro dele. Você viu... — Prendi o
ar e o soltei em rajadas. Sentia que ia vomitar mais uma vez.
— Não vamos perder a fé. É do Josh que estamos falando. Ele é
duro na queda e... — Ele continuou mantendo a mão em meu ombro. Ergui
os olhos e o encarei. — Ele precisa de você, Anny.
Meneei um aceno e respirei fundo.
Eu conseguiria. Por ele.
Desci do carro de Taylor e segui entre ele e Jake em direção ao
hospital. As portas automáticas se abriram com a nossa aproximação.
Novamente eu estava ali, em um hospital, odiando aquelas malditas
paredes verdes, aquele cheiro insuportável de limpeza. Odiando que mais
uma vez eu estava prestes a perder tudo dentro daquele lugar.
Comecei a respirar em lufadas. O ar não estava chegando aos meus
pulmões. Taylor segurou minha mão com força.
— Somos família, Anny — ele disse sem deixar de me encarar. —
Estaremos juntos até o fim nessa merda. — Eu daria um sorriso se
estivéssemos em outra situação, mas o máximo que consegui foi menear um
aceno e continuar a caminhar.
— Ei, com licença! — Jake parou a primeira enfermeira que
encontrou pelo caminho. Era uma senhora de idade muito avançada, cabelos
completamente grisalhos e óculos meia-lua. Seus olhos enrugados se fixaram
no rosto de Jake com atenção. Parecia não conhecê-lo e como todos da cidade
conheciam os garotos da Black Bird, como o prefeito gostava de dizer,
acreditei que ela não morasse em Fênix Hill. Ao menos não no centro da
cidade. — Estamos procurando notícias do nosso irmão. — Ver Jake chamar
Josh de irmão fez meus olhos lacrimejarem mais uma vez.
— Qual o nome dele, querido? — A voz da mulher surgiu quase
como um cântico.
— Josh. Josh Mathews — Taylor completou. — Ele chegou de
helicóptero. Se envolveu no acidente na rodovia principal.
— Ah, sim. — O rosto da senhora foi tomado por incontáveis
vincos. Prendi a respiração. — Bem...
Não...
— Foi um acidente muito grave. — Suspirou pesarosa. — Vocês são
da família, certo?
— Sim — Jake se apressou. — Irmãos e namorada. — Apontou para
mim que já tremia da cabeça aos pés.
— Eu sinto muito, muito mesmo. Infelizmente ele já chegou sem
vida ao hospital.
Um zumbido forte acertou meus ouvidos e se propagou até tomar
todo o meu corpo.
— NÃO, NÃO, NÃO, NÃO! — Aquilo não podia ser verdade. —
MEU DEUS, POR FAVOR, NÃO!
Perdi a sustentação das pernas e bati com os joelhos contra o chão
frio. Todo o meu corpo convulsionava em pequenos tremores. Uma dor
aguda subiu por minha garganta e a única coisa que eu consegui fazer foi
gritar.
— MEU DEUS! MEU DEUS! — Estava doendo. Queimando.
Fervendo.
Fechei o punho e bati com força contra o coração. Ele parou de
bater, eu sentia.
Não, meu Deus! Josh, não... Meu Josh.
O que eu faria agora? O que sobraria de mim?
Abri a boca e um choro gutural estremeceu todas as minhas
estruturas.
— Não, a senhora deve ter se enganado — Taylor falou. Sua voz
parecia tão distante, mas eu podia sentir suas mãos em mim. — Ele não ia
nos deixar assim. Não. JOSH! — ele gritou subitamente correndo e parando
de frente para um corredor vazio. — JOSH!
Vi Jake encolher os ombros e dar um murro forte na primeira
pilastra que encontrou. Os olhos arregalados, completamente alheio à mão
sangrando.
— Oh, Deus! Ajudem-me! — a mulher pediu reforços. — Essa
moça está com vários ferimentos e esse aqui... — Olhou para Jake com pena
e tocou sua mão sangrando. — Eu sinto muito, querido. É uma perda
inconsolável, eu sei. Fiquei sabendo que ele também era médico. Todos nós
sentiremos essa perda.
— O quê? — Jake sussurrou e tanto eu quanto Taylor erguemos o
olhar em direção àquela enfermeira. — Médico?
— Josh não era médico. Caleb era. — A mulher arregalou os olhos e
ergueu a prancheta em suas mãos com visível desespero.
— Oh Deus! — repetiu fazendo um bico no final. — Eu confundi os
nomes. Peço mil perdões. São muitos registros, às vezes nos confundimos.
Quem veio a óbito foi o jovem médico Caleb O’Connel. Josh Mathews está
sendo atendido neste exato momento e parece ter sofrido apenas lesões
superficiais. Que sorte, não? Sair ileso de um acidente desses? Parece coisa
de filme. — Arregalei os olhos tomada por uma força que sequer sabia de
onde tinha vindo e me coloquei de pé novamente. Não esperei por mais nada
nem ninguém e comecei a correr e direção à emergência do hospital.
— A senhora precisa se aposentar. — Ouvi Taylor gritar enquanto
corria em meu encalço.
Virei o primeiro corredor e um médico tentou me barrar.
— Você não pode entrar por aí. Com licença, ei, senhorita... —
Desviei-me dele com rapidez e continuei seguindo as placas que indicavam a
emergência. Meu coração estava prestes a parar e eu sentia que morreria se
não o visse naquele exato momento.
— Ai, isso é mesmo necessário? — Ouvi alguém dizer em uma das
salas pela qual passei e parei no mesmo instante reconhecendo aquela voz.
Era ele, meu Deus, era mesmo ele!
Voltei correndo e parei diante da porta da enfermaria.
Josh estava com metade das roupas rasgadas e a outra metade estava
suja. Uma enfermeira colocava uma tipoia em seu braço esquerdo e ele
reclamava disparadamente. Vários hematomas e pequenos cortes eram
visíveis através da roupa rasgada, alguns se espalhando pelo rosto claro,
como se ele tivesse batido o rosto em algum lugar.
Um alívio descomunal preencheu meu peito e o ar voltou a circular
pelos meus pulmões enquanto lágrimas varriam meu rosto por completo.
— Anny? — Ele ergueu os olhos azuis como o céu e brilhantes
como o infinito em minha direção.
Entrei naquela minúscula sala correndo e saltei sobre ele que gemeu
de dor.
— Senhorita, não pode...
— Eu te amo — disparei segurando seu rosto entre as minhas mãos.
— Eu te amo tanto. — Um soluço irrompeu por meus lábios e eu o beijei.
— Meu Deus, a senhorita está ferida. — A enfermeira tentava
chamar minha atenção, mas eu não me importava.
— Eu tive tanto medo. — Abracei Josh. — Tanto medo de perdê-lo.
— Ele envolveu meu corpo com um dos braços e suspirou fundo.
— Eu também... — sussurrou em meu cabelo. — Também te amo,
minha princesa. — Não contive as lágrimas que eram um misto de desespero
e alívio por vê-lo bem e vivo.
— Nunca mais se arrisque desse jeito — implorei.
— Apenas se isso puder salvar a sua vida — ele completou.
— Isso é muito lindo, gente, mas eu realmente preciso terminar isso
aqui e...
— Pode deixar comigo, Sthe. — Cassandra, mãe de Carolyne, surgiu
atrás de nós. — Tem outros dois barulhentos aqui querendo falar com esse
paciente e eu duvido que eles vão nos dar algum tipo de paz enquanto não
conseguirem.
Sthe ergueu as mãos aos céus como quem entregava uma batalha e
com uma alegria que não cabia no peito eu vi Taylor e Jake entrarem pela
porta e correr até Josh, dando um abraço demorado no irmão deles.
Em todo tempo ama o amigo e na angústia nasce o irmão. ​_
Provérbios 17:17.
Aquele era um trecho da bíblia que minha mãe adorava ler para mim
e meu irmão quando éramos pequenos. A importância da amizade nasceu
conosco em nosso berço e ali ela se provava mais forte do que tudo.
Existem laços mais fortes do que o próprio sangue. Taylor, Jake e
Josh eram a prova viva daquilo.
— Escuta aqui, seu alienado, dá próxima vez que se jogar de um
penhasco atrás de um maníaco eu mesmo vou te matar, tá ouvindo? — Taylor
ameaçou.
— Eu soquei a parede por sua causa. POR.SUA.CAUSA! — Jake
completou. — À TOA!
— À toa, não, ele tinha morrido, lembra?
— Quê? — Josh questionou.
Balancei a cabeça de um lado para o outro, tentando entender o que
tinha acontecido. Aquilo tudo era surreal demais.
— Anny, você está machucada. — Josh fechou o semblante e seus
olhos me encararam com preocupação.
— É superficial.
— Precisamos cuidar disso, querida — Cassandra informou. —
Precisa vir comigo.
— Não, por favor. Eu não quero sair do lado dele. — Como eu ia
explicar aquela necessidade urgente de continuar ali? Conferindo que ele
estava bem e... vivo? Que eu não tinha desmaiado na entrada do hospital e
estava sonhando?
— Tudo bem. — Cassandra segurou minha mão e me lançou um
olhar terno, como se entendesse o que eu estava sentindo naquele momento.
— Mas vocês dois precisam sair... agora.
— Esperamos você lá fora, cara — Taylor avisou.
— Ninguém vai dizer para aquela enfermeira que ela precisa se
aposentar? Alguém deveria — Jake saiu comentando, indignado e eu respirei
fundo, sentando-me ao lado de Josh na maca.
Cassandra esterilizou meus ferimentos e constatou que também eram
superficiais. Fez um curativo no meu braço e na minha testa.
— Vou aguardar a sua ressonância, Josh. E quando verificarmos se
está mesmo tudo bem, estarão liberados — Cassandra alertou. — Aguardem
aqui. Volto em breve.
Quando ela saiu da sala, eu não suportei a pequena distância que
havia entre mim e Josh e o abracei novamente. Desesperada por sentir seu
cheiro. Beijei seu boca, seu rosto, seus olhos. Cada cantinho que encontrei
pelo caminho com verdadeira adoração.
— Acho que vou sofrer mais acidentes de carro de agora em diante.
— Nem brinca, Josh Mathews. Não tenho coração para isso —
admiti. — Não sei o que sobraria de mim de você tivesse... — Não consegui
completar a frase. E só então eu me dei conta de que Josh estava vivo, ao
contrário de Caleb. Ele tinha escolhido seus próprios caminhos e eu não
podia fazer nada em relação a suas próprias atitudes.
— Eu não vou a lugar algum, meu anjo. — Ele segurou minhas
mãos entre as suas e as beijou uma de cada vez. — Mas faria qualquer coisa,
qualquer coisa mesmo para mantê-la em segurança.
— Você é completamente louco, Josh. — Dei uma risada,
acreditando pela primeira vez que aquilo era mesmo real. Ele estava bem. Ele
estava vivo.
— Sou, meu amor. Completamente louco por você. — Sorri.
O sorriso mais sincero e profundo de toda a minha vida e voltei a
beijá-lo com calma, apreciando cada segundo, cada toque. Apreciando o meu
Josh.
Eu te conheci no escuro
Você me acendeu
Você me fez sentir como se
Eu fosse o suficiente
Say You Won't Let Go - James Arthur

Nove dias... foi exatamente o que passou desde o acidente que virou
história em todos os jornais locais.
“Josh Mathews arrisca sua vida para salvar a namorada.”
Esse anúncio era particularmente o meu favorito...
“Herói de Fênix Hill — Jovem tem carro completamente destruído e
sobrevive praticamente ileso. Milagre?”
Havia notícias de todo o tipo e durante aquela semana apenas uma
ligação comum não bastou para os meus pais que estavam desesperados sem
saber o que de fato havia acontecido. Eles me ligavam diariamente através de
chamada de vídeo e até conheceram Josh em uma dessas ligações.
Combinamos de nos encontrar no aclamado Festival do Pomar, onde eles e
meu irmão Bruce viriam até Fênix.
Josh, mesmo com o prefeito informando que ele poderia cancelar os
planos para cantar no festival devido ao acidente, recusava-se
veementemente. Ele garantiu a Monroe que até o dia do evento estaria em
condições perfeitas para tal e o prefeito não escondeu a sua admiração e
alegria.
Enfim... o tão esperado dia havia chegado. Jake, Taylor e Carolyne
estavam aglomerados em minha pequena sala de estar enquanto eu e Josh
pegávamos algumas cervejas na cozinha.
— Parece nervoso. — Observei-o que, desde uns três dias atrás,
estava mais quieto do que de costume. Atribuí aquilo ao nervosismo pelo
show.
— Admito que estou.
— E deveria mesmo estar. — Taylor invadiu a cozinha e recebeu um
olhar de reprimenda de Josh. — O que foi? É normal ficar nervoso, não é?
Qualquer evento poderia te deixar nervoso. Não esse em específico. Não é,
Anny? — Ele jogou a bola para mim que torci os lábios sem entender.
— Cala a boca, Taylor — Josh praguejou e ergueu mais uma vez as
mangas da blusa social preta que havia escolhido naquele fim de tarde, junto
com uma calça jeans rasgada.
Alguém bateu na porta e antes que eu pudesse me mover, Josh falou:
— Taylor, vai atender e aproveita pra ir calado — vociferou e o
amigo ergueu as mãos ao ar em defesa.
Espiei pelo corredor e vi uma parte do corpo de quem esperava para
ser atendida. Um sorriso enorme preencheu todo o meu rosto e uma euforia
tomou conta de mim. Josh também veio conferir quem era devido a minha
expressão e quando Taylor abriu a porta, meu coração pareceu saltar no ar
quando uma morena de olhos marcantes surgiu diante dele.
Ela usava uma calça jeans colada, um decote que valorizava seu
busto, olhos verdes bem marcados e lábios tingidos de vermelho.
Era ela...
— Nossa, de repente a tarde ficou bem interessante. — Taylor não
perdeu tempo. — Quem é você?
— Sou a Stripper. — Megan soprou a bola de chiclete que mastigava
até que ela estourasse diante do rosto de um Taylor paralisado. — Não foi
aqui que pediram uma Stripper?
— N-não, mas não me oponho aos seus serviços. — Ele quase se
engasgou. Então os olhos de Megan recaíram sobre mim e minha prima e
melhor amiga se cansou de brincar com a cara de Taylor.
— Para de babar e sai da frente. Meu assunto é com aquela morena
ali. — Ela passou por ele sem se importar de deixá-lo com a boca aberta.
— Megan! — Corri até ela, enlaçando seu pescoço em um abraço
apertado.
— Eu sabia que você viraria esta cidade de cabeça para baixo
quando pisasse aqui, mas não fazia ideia que iria parar nos jornais, sua
maluca. — Ela abriu um sorriso estonteante e seu olhar recaiu sobre Josh. —
É ele? — Meneei um aceno e mordi os lábios, ciente de como Megan era, ela
não demoraria a... — Escuta aqui, se a magoar, se ao menos a fizer chorar eu
vou arrancar suas bolas e dar para os meus cães comerem. Tá ouvindo?
— É um prazer, enfim, conhecê-la. — Josh estendeu a mão com um
sorriso temeroso preso ao rosto.
— Eu gostei dela. Eu gostei muito dela — Carolyne comentou e
recebeu um sorriso alegre de Megan.
— Vejo que já conheceram a Megan. — Bruce entrou atrás dela e
foi recebido calorosamente por Taylor e o restante de nós.
— Então é aqui que a nossa pequena se esconde. — Meu pai... MEU
PAI entrou na sala vestindo uma camisa polo marrom e as calças caqui que
amava.
Corri até ele que trazia minha mãe pela mão, vestindo um vestido
azul florido que realçava os olhos castanhos.
— Como é bom ver vocês. — Abracei-os sem cerimônia. — Eu
senti tanta saudade. Josh... — chamei-o e só então notei que ele parecia uma
estátua, encarando minha mãe e meu pai como se não pertencessem àquele
planeta. — Essa é minha mãe Emma e meu pai Jimmy.
— É-éu-uma honra. É... um prazer e uma honra conhecê-los — ele
disse com dificuldade. — Uma honra.
— Ihhh, esqueceu como se fala — Megan zombou, mas minha mãe
foi mais rápida. Passando por nós com ímpeto, ela agarrou Josh pelo pescoço
e o puxou para um abraço apertado.
Ele sumiu nos meios dos braços fofos da minha mãe que quase
despenteou seu cabelo tão negro quanto o meu.
— Obrigada — ela sussurrou com tanta emoção que um silêncio
tomou a sala. — Obrigada por cuidar da nossa menina. — Quando ela o
soltou, Josh desviou os olhos. Parecia... emocionado?
— Eu faria tudo novamente. Não precisa me agradecer por nada —
ele garantiu, cavalheiro. — É um imenso prazer conhecê-los, senhor e
senhora Thompson.
— O prazer é nosso, filho. — Meu pai apertou sua mão e um sorriso
afetado tomou conta do rosto de Josh à menção da palavra “filho”.
Nem sua mãe nem seu pai o haviam procurado depois do acidente e
eu duvidava muito que não soubessem o que tinha acontecido com ele, e
aquilo era o que mais doía em meu coração. O completo desprezo dos dois
por um filho tão incrível quanto Josh. Mais uma vez constatei que nem
sempre o laço de sangue era o mais fiel.
Saímos da minha casa todos juntos. Megan veio de carona com
Bruce, assim como meu pai e minha mãe e ambos entraram na BMW do meu
irmão.
Jake, que já não escondia o que sentia por Carolyne e a havia
convidado para ir à Festa do Pomar com ele, se dirigiu até seu Mustang de
mãos dadas a ela e um sorriso tolo tomou meus lábios. Taylor seguiu para seu
Audi e então foi a minha vez e a de Josh de ir até o seu novo carro que havia
acabado de chegar.
Uma Lamborghini tão preta como seu antigo Camaro. Dá para
acreditar?
Quando chegamos a tão aclamada Festa do Pomar,eu consegui
entender o motivo pelo qual aquela festa era tão esperada na cidade.
Todo o parque estava decorado nas cores vermelha e branca. Havia
uma fileira gigantesca de barracas dispostas uma ao lado da outra, todas com
decorações em formatos de maçã e lotadas de pessoas na mesma proporção.
Havia todo tipo de iguarias feitas com maçãs.
Suco de maçã, vinho de maçã, doces, salgados, geleias, bordados... e
uma infinidade de tortas. A roda-gigante girava e piscava várias luzes ao
mesmo tempo, assim como o pomar. Todos os brinquedos do parque estavam
funcionando e muitas crianças com seus pais brincavam por ali. Pequenas
luzes foram dispostas ao redor do palco, transformando-o na grande atração
onde uma pequena banda tocava.
Tudo estava impecável, lindo demais.
— Vocês demoraram. — Ben se aproximou cumprimentando cada
um de nós, inclusive Josh. Ao que tudo indicava, a briga entre os dois estava
resolvida.
— Anny, Carolyne... — Rachel usava um vestido vermelho colado e
um batom da mesma cor que realçavam ainda mais seus cabelos.
Depois que saímos do hospital encontramos com ela no meio do
caminho. Rachel me pediu perdão por ter se intimidado com a cena que vira e
eu a abracei com força quando descobri que, se não fosse por ela ter ido
procurar a ajuda de Josh, sabe Deus o que poderia ter acontecido comigo.
Ela e Carolyne ainda se estranhavam, mas passaram a se
cumprimentar, o que para mim era um avanço gigantesco. Era estranho ver
Rachel tão apegada a Ben nos últimos tempos, mas como minha amiga disse
outro dia: Eles se mereciam. Então... que fossem bem felizes juntos, assim
como Carolyne e Jake pareciam estar sendo.
— Achei que não viriam — Ben completou.
— E te dar esse gostinho? Nem pensar — Josh brincou.
Mostrei aos meus pais cada detalhe da festa, incluindo detalhes sobre
o pomar. Havia um mural enorme com muitas fotos. Umas tão antigas que
estavam amareladas e em porta-retratos de vidro. Outras eram recentes, mas
todas haviam sido tiradas no pomar. Expliquei com a ajuda de Josh todas as
lendas e histórias acerca do pomar de forma animada. Por fim, todos da
minha família já estavam familiarizados com Fênix Hill.
— Garoto Josh, aí está você. — O prefeito nos notou. — Oh, garoto
Bruce! — Seu sorriso se ampliou. — MARGARIDA! — o homem virou o
pescoço curto sobre o ombro e chamou pela esposa, que era uma mulher
baixa com uma cabeleira cacheada cobrindo parte do rosto redondo. —
Vamos tirar uma foto com ele. Pense só. Um astro em nossa cidade. — O
prefeito chamou o fotógrafo que estava capturando os detalhes da festa e
agarrou Bruce pelo pescoço.
— Legal ele, né? — Megan zombou.
— Chegou a hora da nossa apresentação especial. Está mesmo se
sentindo bem, garoto Josh? — O prefeito se virou para ele com genuína
preocupação. Josh já não usava mais a tipoia e não demorou para responder.
— Nunca estive melhor, prefeito. — Ele beijou a minha mão e se
inclinou em um sussurro.
— Isso é para você, amor. — Somente eu pude escutar aquelas
palavras e fiquei um pouco confusa.
Observei-o subir ao palco atrás de Monroe que pegou o microfone e
fez uma longa introdução sobre os atributos de Josh e gentileza para com a
cidade. Sobre seu cavalheirismo e heroísmo e mais um monte de palavras
que conseguiram deixar o rosto de Josh em chamas de tão vermelho.
Ao fim, ele passou o microfone para Josh que ergueu o violão e
começou a falar. Cada palavra voava direto para o meu coração e criava
morada ali.
— Boa tarde, povo de Fênix Hill — ele começou e foi ovacionado
pela multidão que começava a se aglomerar em frente ao grande palco. As
luzes penduradas acima do palco davam a impressão de que Josh estava
falando sob estrelas e o cair da noite só intensificava aquela sensação. —
Hoje eu vim aqui dividir não só o meu som e essa música com cada um de
vocês. — Fez-se silêncio absoluto e até meus pais observavam com
curiosidade. — Aqui temos pessoas de várias cidades e lugares e eu gostaria
de agradecer a cada uma de vocês pelo carinho e dedicação de encher este
lugar ano após ano. Mas essa música não é para vocês. — Ele riu e foi
seguido por muitas pessoas. — Essa música é para alguém... ou melhor... —
Ele buscou meu olhar no meio da multidão. — Essa música é para a mulher
que chegou como uma estranha. Se mudou para uma casa em frente à minha
com um carro que ela conhecia muito bem. Essa música é para ela, que me
espionou secretamente, cheia de mistérios e segredos. — Levei à mão aos
lábios. — Que chegou devagar com seu jeito tímido e me relevou a mulher
incrível e forte que é. Essa música é para ela, que tem meu coração em suas
mãos...
Prendi a respiração e o vi dedilhar o violão. Seus olhos buscaram os
meus mais uma vez e ele me encontrou. E como se não houvesse ninguém ali
além de nós dois, ele começou a cantar e parecia que o céu cantava junto a
ele.
Posso dizer, não há lugar aonde não podemos ir
Basta colocar sua mão sobre o passado
Estarei aqui tentando puxar você
Você só tem de ser forte
Porque eu não quero perder você agora
Estou olhando bem para a minha outra metade
O vazio que se instalou em meu coração
É um espaço que agora você guarda
Mostre-me como lutar agora
É como se você fosse o meu espelho
Meu espelho olhando de volta para mim
Eu não poderia ficar mais orgulhoso
Com outra pessoa ao meu lado
E agora está claro como esta promessa
Que estamos fazendo
Dois reflexos em um
Mirrors – Justin Timberlake

Sua voz rouca e precisa tomava cada um dos meus sentidos. A


melodia era suave, ritmada e seus olhos.... ah, seus olhos pareciam um
universo inteiro, brilhante, aceso. Cada segundo observando Josh cantar era
mais um segundo para me apaixonar novamente por ele. Eu o amava tanto
que todo o meu corpo pulsava ao mínimo som da sua voz.
E então ele parou... a música acabou e Josh recebeu uma série de
palmas, gritos, assovios. A cidade o amava e não era para menos. Eu nunca
pensei que poderia existir um homem tão incrível quanto ele. Sensível,
corajoso, cuidadoso. Entreguei meu coração a ele por completo e tinha
certeza de que jamais me arrependeria.
— Antes de ir embora, eu queria aproveitar o momento para... —
Josh bateu nos bolsos e pareceu notar que faltava alguma coisa. — Jake? —
chamou o amigo.
— JAKE! — Taylor berrou de repente, esticando a cabeça no meio
da multidão, assemelhando-se a um suricate. Jake deu um salto no mesmo
lugar, como se acordasse de um sonho ruim. — Que diabos está fazendo
aqui? — Ele empurrou o amigo em direção ao palco que logo entregou algo a
Josh que retomou o microfone, visivelmente mais tímido.
— Bem... eu nunca fiz isso. E sei que não vou me arrepender nem
por um segundo sequer do que estou prestes a fazer. — O povo ficou em
silêncio, observando cada palavra dele, assim como nós. — Na verdade,
venho pensando nisso desde o acidente. Todos sabem que acabei me
envolvendo em um acidente feio e todos também tem conhecimento do
motivo. Desde aquele dia eu venho me perguntando... Desculpe senhor e
senhora Thompson, mas Anny... — Ele se virou para mim subitamente. —
Por que ainda moramos em casas separadas? — A pergunta me pegou
desprevenida e causou uma onda de risadas ao nosso redor. — Eu não sei o
motivo. Sinto vontade de passar cada um dos segundos dos meus dias ao seu
lado. É estranho. Nunca senti isso na vida. Uma necessidade forte de te ver
feliz e bem. A minha felicidade agora não está mais nas arrancadas, não está
mais nas festas e bebedeiras que eu frequentava e muito menos nos carros
que adquiro. A minha felicidade está onde a sua felicidade habita. Eu já não
sei ser feliz sem você.
— Huhuuuuu! — alguém gritou. Era Carolyne? Não importava. As
esferas azuis de Josh estavam pregadas em mim, e aquilo sim, era tudo que
tinha valor.
— E já que não existe eu sem você... — Ele tirou uma caixinha
vermelha do bolso. Provavelmente aquele era o pacote que Jake o entregara e
no instante que Josh abriu aquela caixinha, tanto eu quanto minha mãe,
Megan, Carolyne e todos ao nosso redor abrimos a boca emitindo sons
estranhos que causaram comoção.
Na verdade, eu sequer conseguia respirar.
— Eu queria te fazer uma pergunta, meu amor. Já que eu não sei
viver sem você desde o dia que dormiu naquela varanda e me confundiu com
Deus, lembra? — Balancei a cabeça concordando, as lágrimas descendo por
meu rosto. — Gostaria de pedir, diante da cidade que eu tanto amo, diante
dos seus pais e do seu irmão, das suas melhores amigas, dos meus melhores
amigos... — Ele pausou, encarando-me com um sorriso de lado preso aos
lábios. — Anny... minha Anny, aceita se casar comigo?
Gritos... muitos gritos irromperam aos céus e eu continuei
congelada, sem conseguir me mover.
— Responde, mulher! — Taylor me deu uma cotovelada de leve.
— SIM! — Chorei e o vi descer correndo do palco, desviando-se das
pessoas pelo caminho e vindo em minha direção. Josh me abraçou e em
seguida se ajoelhou diante de mim, abrindo a caixinha vermelha e revelando
um anel cravado de diamantes em suas laterais que reluzia e brilhava.
Ele colocou a joia em meu dedo e só então percebi que minha mãe
chorava com um sorriso pregado ao rosto.
— É claro que eu aceito, Josh. — Abracei-o. — Eu te amo tanto que
chega a doer — admiti em um sussurro.
— Eu vou te fazer a mulher mais feliz deste universo. Eu juro.
— Eu já sou, Josh.
Beijei-o, pronta para viver a fase mais feliz da minha vida. O nosso
“felizes para sempre”.
Beijei-o, pronta para encontrar a luz do amor.
Eu coloquei meu coração em suas mãos
Aqui está a minha alma para manter
Eu deixo você com tudo que eu posso
Você não é difícil de alcançar
E você me abençoa com o melhor presente que eu já conheci
Você me dá propósito
Purpose - Justin Bieber

Quando a Festa do Pomar acabou, meus pais, meu irmão e Megan


retornaram à Natanville com a promessa de novas visitas, assim como Josh
garantiu que faríamos o mesmo.
Quando entrei no carro dele, que ainda cheirava a novo, uma
expectativa crescente tomou meu peito. Era incrivelmente perfeito estar entre
as pessoas que eu mais amava na vida, mas deveria admitir que a ansiedade
por me ver sozinha com Josh estava me deixando zonza.
Ele estacionou o carro em frente à mecânica e antes mesmo de entrar
em sua casa, ele contornou o carro e se aproximou de mim tão rápido que dei
um gritinho de surpresa. Josh dedilhou a lateral do meu corpo e me guiou em
silêncio para sua casa.
Mesmo após o acidente e com a minha segurança restabelecida,
continuamos dormindo juntos, como se o corpo de um precisasse do outro
para adormecer e aqueles últimos dias vinham sendo os mais felizes e
libertadores que eu já vivi. Um sorriso tolo estava preso em meu rosto desde
o momento em que Josh subira naquele palco mais cedo e nada naquele
mundo o fazia desaparecer.
Passamos pela entrada da poderosa Black Bird e viramos para a
pequena entrada da casa de Josh. Subi os degraus e entrei pela sala, sentindo
uma urgência avassaladora de colar meus lábios aos dele. Virei-me em um
rompante e envolvi seu pescoço com meus braços, enlaçando meus dedos nos
cabelos lisos da sua nuca.
— Estou louca para poder aproveitar o meu noivo.
Noivo... a palavra era tão pesada quanto o anel na minha mão direita.
Josh me pediu em casamento com uma plateia lotada para aplaudir.
Era bem a cara dele um pedido daqueles e agora tínhamos que aturar Taylor e
sua mania de organização querendo tomar conta de tudo. Bem, na verdade,
nada naquele mundo poderia me fazer mais feliz do que permitir os palpites
dele no nosso casamento.
Capturei a boca de Josh com um beijo e ele me lançou um sorriso
indecente em troca, beijando-me profundamente. Caminhamos grudados,
saboreando o gosto dos nossos lábios unidos. Quando dei por mim, Josh
pressionava seu corpo contra o meu na parede rente a seu quarto.
— Estava louco para fazer isso o dia todo — rosnou ele, cercando-
me com suas mãos, posicionando uma delas rente ao meu ombro enquanto
pousava a outra na minha cintura. — Eu te amo, Anny. — Ele capturou
minha mão e pousou sobre o peito. — Te amo muito e quero poder repetir
isso pelo resto dos nossos dias.
— Que serão muitos — sussurrei quando seus lábios desceram por
meu maxilar e exploraram a pele sensível do pescoço, causando um arrepio
forte em meu corpo.
Josh segurou a mão em que havia colocado o anel de noivado e a
levou até os lábios, abrindo a porta do seu quarto e me puxando para dentro
com ele.
— Josh... — Levei a mão à boca, surpresa ao ver incontáveis
pequenos vasos com botões de rosa branca espalhados pelo chão do seu
quarto.
— Sei que não gosta de vê-las sem vida, então não me restou outra
opção a não ser comprar os vasos em vez das pétalas e fazer uma... sei lá, é
horta que fala?
— Roseiral? — Sorri e suspirei profundamente, perdida entre o
choque da surpresa e a sensibilidade de Josh quanto aos meus sentimentos.
— Como teve tempo para isso?
— Sempre encontro tempo para te surpreender, meu amor. — Beijou
o espaço entre meus ombros, fazendo-me fechar os olhos, mas ele logo se
afastou. — Espere um minuto.
E saiu do quarto, deixando-me ali entre tantos botões de rosa.
— Feche os olhos — pediu quando retornou.
— Por quê? — questionei, mas obedeci e os mantive fechados,
mesmo que a curiosidade ameaçasse me fazer trapacear e espiar.
— Pronto, curiosa. Pode abrir.
Quando abri os olhos, Josh trazia consigo uma garrafa do primeiro
vinho que tomei quando cheguei à cidade. O gosto peculiar era bem gostoso,
mas a quantidade de álcool naquela pequena garrafa, unidas aos avisos de
Josh, me fizeram nunca mais ousar tocá-la por mais que quisesse. Mas o que
me surpreendeu não foi vê-lo com o vinho, foi notar as meia dúzia de velas
que agora iluminavam o quarto em um vaivém prazeroso e romântico.
— Que lindo! — comentei deslumbrada, rodopiando no mesmo
lugar.
— Pode beber sem medo, hoje eu vou cuidar de você. — Ele serviu
duas taças de vinho.
Segurei a taça cristalina e balancei o líquido âmbar em seu interior,
sentindo uma alegria crescente em meu peito.
— Queria fazer um brinde. — Ergui minha taça no ar. — Queria
brindar à nossa vida, juntos. E agradecer por Deus ter impelido Megan a me
enviar para esta cidade, para a frente desta mecânica. Eu não fazia ideia de
que encontraria minha felicidade tão longe de casa, mas encontrei e não vou
perdê-la por nada. Você me abraçou, mesmo encontrando meus defeitos e
minhas imperfeições. Eu te amo por isso e pelo homem incrível que você é.
Josh sondou meu rosto com os olhos atentos, cálidos, parando nos
lábios. Sua boca se entreabriu, descendo os olhos pelo decote exposto no
vestido fino que eu usava, passando por meu abdômen e descendo até os pés
que calçavam um salto curto e confortável.
— Você é perfeita, Anny. — Ele tocou meu rosto, deixando a taça
de lado e logo tratou de tirar a que eu segurava das minhas mãos,
esquecendo-as sobre o móvel de mogno do seu quarto. — Tanto aqui... —
Ele tocou minha testa com delicadeza. — Quanto aqui... — Desceu para o
meu coração. — Você me enlouquece. — Apertou minha cintura contra a
sua. — E quando disse sim, me fez o homem mais feliz dessa terra.
Josh colou sua boca à minha. Instigando, provocando-me.
Pressionando-me contra seu corpo. Senti seu membro rígido contra o tecido
fino do vestido e um sorriso carregado de desejo tomou meu rosto.
— Josh! — Ele me ergueu em seus braços, fazendo-me dar um
gritinho.
— Eu quero fazer isso direito, meu anjo. — Seu corpo largo e duro
me pressionando causou um ardor no meu ventre que era impossível de
ignorar. Meus lábios se entreabriram, observando-o me colocar sobre sua
cama de lençóis brancos que escondiam algumas poucas pétalas soltas sobre
ele.
O peso do seu corpo sobre o meu me fez arquear as costas em busca
de mais contato e um gemido baixo subiu por minha garganta quando ele
cobriu minha boca com a sua, penetrando-me sem pressa com a língua,
mordendo meus lábios com uma lentidão que causou um verdadeiro incêndio
no meu corpo.
Como se notasse que eu estava prestes a implorar por mais, Josh
abriu minhas coxas, posicionando suas pernas entre elas. Seu membro rígido
contra sua calça tocou minha pele desnuda e eu senti algo pulsando em meu
interior.
Josh desceu os lábios por meu pescoço, lambendo e mordendo a pele
pelo caminho, sem medo, sem reservas. Desceu pelo vale entre meus seios,
afastando o vestido o máximo que pôde. Sua língua dançava, provocando-me
sem realmente me tocar. Sua mão se fechou ao redor de um dos meus seios e
eu prendi a respiração, ansiando por seu toque.
Ele arrastou os dentes pela pele clara e mordeu a carne do meu seio,
causando-me um prazer que me fez fechar os olhos. Arqueei a cabeça para
trás quando seus lábios percorreram a extensão até o mamilo e o vi afastar o
tecido para o lado, deixando exposto o mamilo duro que exigia atenção.
Então ele o fechou ao redor dos seus lábios e um gemido de prazer escapou
por meus lábios. Josh o beijou, lambeu, mordeu. E quando eu pensei que não
suportaria mais, ele voltou sua atenção para meu outro seio, fazendo-me
comprimir as pernas contra seu membro, tamanha minha excitação.
— Josh... — gemi seu nome quando ele desceu a mão por minha
barriga até alcançar a beirada do vestido e erguê-lo, retirando a peça por
completo, deixando minha calcinha exposta. Seus dedos deslizaram devagar,
subindo por minha panturrilha, passando pela coxa até alcançar o tecido fino
e rosado. A única coisa que o impedia de me ver completamente nua diante
dele.
— Linda... — Ele enfiou os dedos na peça e a puxou com lentidão.
— Eu quero te sentir, Anny. Quero sentir seu gosto... — Seus dedos ágeis
passearam pelo interior da minha coxa até alcançar minha intimidade úmida,
carregada de desejo.
Ele me tocou e foi como se fios desencapados tivessem encostado
em minha pele.
— Deliciosa. — Ele se inclinou, beijando meus lábios e deslizando
lentamente um dedo para dentro de mim. Todo o meu corpo vibrou e
estremeceu quando com o polegar ele começou a massagear o ponto sensível
e pulsante entre as minhas pernas.
Comecei a desabotoar sua blusa, atrapalhando-me com os botões no
caminho e fiz o mesmo com a calça de Josh, precisando de sua ajuda no fim
das contas para me livrar da peça. Toquei sua cueca, ansiosa, quase
suplicante. Precisava senti-lo dentro de mim, pulsando, tomando tudo de
forma afoita.
— Preciso de você, Josh — sussurrei, enlaçando sua cintura, mas ele
me conteve e com facilidade alcançou a taça de vinho.
— Calma, meu amor. A noite está só começando. — Um sorriso
maldoso preencheu seus lábios quando ele ergueu a taça sobre meu corpo e
derramou um pouco do líquido gelado sob meus seios pouco se importando
em manchar seus lençóis brancos.
— Ahhhh! — Um som alto escapou por meus lábios em uma
mistura de susto e prazer. O líquido escorreu por minha barriga, mas sequer
tive tempo de prestar atenção em qualquer coisa. Josh se abaixou sobre mim,
seu corpo pressionando o meu e começou a lamber onde o líquido tocava,
começando pelos seios, descendo lentamente pelo abdômen e mais...
Sua língua tocou a parte interna da minha coxa e eu embolei os
lençóis nos dedos, prendendo-os firmemente com a sensação forte que me
tomou.
— Eu quero sentir o seu gosto, meu amor. — Ele soprou rente à
minha intimidade e eu fechei os olhos, sentindo-o me tocar com a língua em
cada centímetro. Cada pedacinho, abrindo-me, explorando-me.
Ele ergueu novamente a taça e aquela tortura recomeçou. Josh
deslizou dois dedos para dentro de mim e um incêndio pareceu varrer meu
corpo. Segurei seus cabelos e sem que me desse conta, ergui meu quadril em
direção aos seus lábios como nunca imaginei que faria.
Meu Deus do céu!
Meu corpo foi tomado por uma das sensações mais fortes que eu
experimentara em toda a minha vida. Fechei os olhos sentindo os tremores
percorrerem meu corpo e não suportei mais a distância.
Puxei sua cueca e logo sua ereção ficou à mostra, pulsando, rígida.
Circulei-a com meus dedos e comecei a acariciá-lo. Se Josh pensava que eu
ficaria enlouquecida sozinha, estava muito enganado. Rodei o corpo sobre
ele, montando em seu colo. Metade do meu cabelo se pregou nos rastros de
vinho pelo meu corpo e eu decidi fazê-lo experimentar da mesma sensação.
Derramei um pouco de vinho sobre seu abdômen e mais um pouco
sobre a virilha e ouvi um rosnado escapando pelos lábios do meu homem...
meu homem, meu noivo, meu eterno namorado.
Desci a boca por seu peito, acariciando com a língua cada uma das
suas tatuagens. Ouvi um gemido baixo quando me aproximei da virilha e
suguei o líquido acumulado ali, sentindo o gosto doce e alcoólico do vinho.
Circundei seu membro com uma mão e deslizei as unhas pelo interior de sua
coxa.
— Porra! — ele rosnou, ergui os olhos aproximando meus lábios do
seu membro e o vi observar a cena com um brilho nos olhos escuros, sob a
escuridão do quarto iluminado apenas por velas que tremeluziam as imagens.
Abri os lábios e toquei a carne macia, sugando-a. Seus rosnados
pareceram ganhar novas tonalidades, sons, significados. Josh enlaçou meus
cabelos nas mãos, enquanto eu subia e descia pela extensão do seu pênis,
saboreando-o parte por parte. Vê-lo se contorcer e gemer com meu toque me
causava uma sensação singular e tão excitante que eu me vi ardendo,
desejando tê-lo por completo dentro de mim.
— Eu não aguento mais — ele disse e tocou meu ombro, puxando-
me para cima dele.
Sentei-me sobre seu membro e vi Josh fechar os olhos, enquanto eu
roçava minha intimidade úmida contra ele em um movimento lento que me
causou arrepios. Ele ergueu a mão e seu polegar, devido a posição que
estávamos, encontrou fácil acesso ao ponto sensível do meu corpo e mais
uma vez minha pele parecia estar em chamas.
— Quero você dentro de mim — pedi. — Agora, Josh. — Inclinei a
cabeça para trás, enlouquecida pelo torpor de ter seu membro tão próximo da
minha intimidade.
Josh tateou a gaveta do móvel que ficava ao lado da cama e a abriu à
procura de uma camisinha. Não demorou nem um segundo para que seu rosto
fosse tomado por vários vincos, como se estivesse sentindo dor.
— Ah, não... merda! Esqueci de comprar mais — revelou com um
suspiro profundo, jogando a cabeça sobre o travesseiro. — Porra, sabia que
estava esquecendo algo.
Olhei em seus olhos e ficamos ali, nos encarando por um breve
momento. A chama acesa, nossos corpos queimando. Eu não conseguiria
resistir... eu não queria resistir.
Toquei seu membro e o massageei, indo e voltando, apreciando o
pulsar constante entre meus dedos e ansiando por tê-lo assim, livre, dentro de
mim. Posicionei-o na entrada da minha intimidade e vi Josh quase fechar os
olhos com o prazer que aquele toque o causou.
— Anny... — ele chamou entre lufadas de ar.
— Não consigo parar — admiti empurrando-o um pouco mais para
dentro de mim. Uma onda elétrica e descontrolada varreu meu corpo com a
sensação da pele dele entrando lentamente em mim. Devagar, grossa... era
completamente diferente sem a camisinha. Infinitamente mais gostoso. —
Não quero parar — gemi, sentando-se nele até que seu membro estivesse
completamente dentro de mim.
— Ahhh! — um gemido rouco escapou por seus lábios. — Então
não vamos parar. — Ele me rolou na cama, subindo sobre mim. Afastando
seu membro apenas para me estocar novamente.
Gritei a cada vez que Josh me penetrava, um redemoinho de
sensações me tomando a cada segundo. Mordi seu ombro, seu pescoço e
quando pensei que não fosse mais suportar, irrompi em um prazer profundo,
delirante. Como se eu tivesse sido arrebatada para outro planeta. Cravei
minhas unhas em suas costas e gemi seu nome. Senti Josh estremecer e um
som rouco e abafado escapou por seus lábios logo em seguida.
Caí na cama ofegante e ele cercou meu corpo, apoiando-se nos
cotovelos. Sua respiração entrecortada tocava minha pele. Seus olhos
buscaram os meus. Havia uma pergunta implícita ali. Uma pergunta que
nenhum de nós parecia saber a resposta.
— E agora? — ele falou entre lufadas de ar.
— E agora... — Eu não sabia. Na hora me parecera o certo a se
fazer. Mas o que eu faria com a possibilidade de uma gravidez?
Olhei para ele e não consegui evitar um gemido quando senti Josh
sair de dentro de mim.
— Um minuto... — Ele se levantou e quando retornou, trazia uma
caixinha de lenços de papel nas mãos. Tirou alguns e me entregou, esperando
pacientemente ao meu lado enquanto eu me limpava. Meu rosto corou de
vergonha no mesmo instante. — Não precisa ter vergonha de mim, amor.
Vamos nos casar, se lembra?
Sim, eu me lembrava... Ergui os olhos e estudei a expressão ansiosa
no rosto de Josh. Seus traços ficavam visivelmente perturbados quando
estava preocupado e nada que fizesse poderia esconder aquilo. Ainda assim,
seu rosto quadrado se assemelhava a de um príncipe e eu, por um segundo
sequer, imaginei como seria ter um filho com ele. Será que puxaria seus olhos
de estrelas? Ou seu jeito protetor? O sorriso de lado que o fazia parecer um
Bad Boy conquistador? Ou se pareceria comigo?
Por um momento aquele sonho se tornou incrível e uma ânsia tomou
meu peito. Mas eu precisei colocar os pés no chão e entender que aquela
grande decisão não dependia apenas de mim, mas de ambos. E Josh em
nenhum momento mostrou interesse em ser pai repentinamente.
— O que está passando na sua mente? — Ele segurou minha mão e
aguardou até que eu conseguisse dizer as palavras.
— P-podemos comprar uma... pílula do dia seguinte. — Encarei
nossas mãos unidas.
— Amor, olha pra mim. — Ergui o olhar com cautela, temendo o
que poderia encontrar em sua expressão. — É isso o que quer? — Espantei-
me quando encontrei nos olhos de Josh o que parecia o mais puro e doce
carinho. — Porque talvez...
— Talvez... — incentivei-o sem conseguir disfarçar a ansiedade em
minha voz.
— Talvez, essa pílula do dia seguinte não seja o que nenhum de nós
dois quer — falou, por fim.
— O que quer dizer com isso?
— Bem... eu não tive os melhores pais do mundo, então eu não sei
como me sairia com um filho, mas admito que sempre sonhei em ter a minha
própria família e provar que eu conseguiria sim ser melhor que o meu pai.
— Mesmo sem ser pai, você já é uma pessoa milhões de vezes
melhor que ele — saí em sua defesa.
— Ter um filho é ter responsabilidades sérias e para sempre —
admitiu. — Mas eu já não sou um adolescente. Sou um homem. Capaz de
cuidar da minha esposa e do nosso filho — confessou e um ardor tomou meu
rosto com aquelas palavras. Meus olhos lacrimejaram logo em seguida. —
Sei que posso não ser perfeito, mas quero chegar bem perto disso para você...
— Ele tocou meu rosto. — E para nossa pequena e recente família. Então,
meu amor, se não quiser tomar essa pílula, não precisa. Nada me faria mais
feliz do que você, a mulher que eu tanto amo, que vai se casar comigo, estar
grávida de um filho meu.
— Então nada de pílula? — Subi em seu colo, cercando-o com
minhas pernas.
— Nada de pílula — ele confirmou e capturou com um beijo uma
lágrima que escorreu por meu rosto. — Eu te amo, minha princesa. Mais do
que possa imaginar.
Mas eu podia. Ah, e como. Eu sentia o mesmo por Josh. Meu
coração batia tão forte naquele momento que precisei respirar fundo para
voltar a me acalmar. Ele era tudo o que eu queria, precisava e sonhava. O
meu amor, que logo se transformaria e aumentaria. Crescendo dentro de mim,
aumentando nossa família a ponto de transbordar muito amor.
Josh me ensinou que amar é um curativo eficaz contra os
machucados que a vida nos faz. Eu sabia que ao lado dele eu jamais voltaria a
ter medo, não enquanto sua mão estivesse ali para me segurar.
Porque tudo de mim
Ama tudo em você
Ama suas curvas e todos os seus limites
Todas as suas perfeitas imperfeições
Dê tudo de você para mim
Eu te darei meu tudo
Você é o meu fim e meu começo
Mesmo quando perco estou ganhando
Porque te dou tudo de mim
E você me dá tudo de você
AllOf Me - John Legend

Minha cabeça andava funcionando a mil por hora. Depois do nosso


casamento, compramos uma casa maior em Fênix Hill e passamos a receber
visitas constantes de Bruce que andava cada vez mais frequentando a Black
Bird com interesse visível.
Eu poderia reconhecer um amante de carros quando via um e não
demorou até que Bruce oferecesse uma sociedade que facilitaria a ampliação
da Black em várias filiais pelo país e quem sabe fora, futuramente.
Taylor, Jake e eu aceitamos o acordo e aumentamos o número de
sócios para quatro. Os negócios não paravam de crescer e cada vez mais a
minha mecânica ganhava visibilidade e consequentemente, mais clientes.
Gerando novos empregos.
Anny começou a se dedicar aos projetos sociais de Fênix Hill após
participar ativamente das reuniões de arrecadações, seu interesse pela coisa
ficou cada vez maior e ela já almejava ampliar a rede de doações e quem sabe
atingir outras cidades além da nossa.
Bastou pensar em Anny para que o seu rosto sorridente surgisse em
minha mente e uma saudade abrasadora tomasse meu coração. Balancei a
cabeça, fechando a jaqueta e me perguntando onde estaria a minha esposa.
Há três dias viajamos para Natanville após nosso médico garantir
que a viagem seria segura para Anny, que ansiava ver o penúltimo jogo da
competição anual ao qual o irmão dela participaria. E claro, Jake e Taylor não
quiseram ficar de fora, assim como Carolyne.
Já estávamos no campo há meia hora, os jogadores já se
posicionavam e nada da Anny aparecer. Comecei a me preocupar e me
levantei da arquibancada, a fim de encontrá-la.
— Onde está Anny? — Megan surgiu diante de mim com óculos
escuros bloqueando o sol do fim da tarde e um balde enorme de pipoca no
braço. Ergui as sobrancelhas. — Que foi? Gosto de comer assistindo aos
jogos.
— Curti essa ideia. — Taylor ergueu a mão em direção a vasilha de
pipocas, mas logo foi repreendido.
— Tira as patinhas! — Megan torceu o nariz e bateu na mão do meu
amigo. — Aceita, Jake? Carolyne? — ofereceu de propósito e ambos
recusaram com um sorriso, vendo graça na implicância daqueles dois.
— Ora, por que eles podem e eu não? — Taylor fez bico.
— Porque eu gosto deles e de você não. Onde é que a Anny se
meteu? — Ela rodou no mesmo lugar, ignorando as reclamações de Taylor.
Megan sentia um prazer perverso em provocá-lo, eu podia ver e
torcia para que toda aquela perseguição terminasse em um relacionamento no
futuro. Ao menos Megan parecia ser a única mulher a causar qualquer tipo de
sentimento em Taylor, mesmo que fosse raiva.
— Vou procurá-la. — Virei-me de costas e em seguida a vi
caminhar em nossa direção. Um sorriso involuntário brotou em meu rosto.
Anny veio balançando os cabelos, agora cortados um pouco abaixo
dos ombros e com várias mechas loiras desde o nosso noivado, quando ela
decidiu mudar o visual. Ela estava um pouco mais pesada do que de costume.
O rosto não se alterou muito com os oito meses de gravidez, mas a barriga
podia ser vista a distância. Ela sorriu e foi a visão mais linda que eu poderia
pedir a Deus.
A dona do meu coração carregava em seu ventre nosso Kalel, que
significava “pequena estrela”. Um nome lindo sugerido pela mãe de Anny
que nos cativou à primeira menção.
Nosso menino se mexia muito e tornou nossas noites longas e
desconfortáveis, mas eu nunca estive tão ansioso para colocar os olhos em
um rosto antes em toda a minha vida.
Aquela mulher era tudo para mim e eu era capaz de qualquer coisa
para protegê-la, mas isso já ficou claro quando eu acabei caindo de um dos
penhascos mais mortais de Fênix. E faria de novo, e de novo. Apenas para
manter Anny e Kalel em segurança.
— Demorou, amor. Já estava indo atrás de você.
— Ia invadir o banheiro feminino? — ela brincou.
— Não duvida desse homem, pelo amor de Deus — Jake avisou. —
Não conheço nenhum advogado aqui. Não podemos ir parar na cadeia.
Anny deu uma risada, mas o desconforto em seu rosto não me
passou despercebido.
— Está tudo bem? — questionei ao ajudá-la a se sentar. Megan,
como a madrinha-prima-melhor-amiga-inseparável que era, sentou-se no lado
oposto ao meu, cercando Anny.
— Kalel está mexendo? — Megan colocou a mão sobre a barriga de
Anny.
— Não tanto quanto de costume. Estou sentindo vontades seguidas
de ir ao banheiro. Acho que bebi água demais.
— O médico orientou que bebesse, então vai beber. — Megan deu
de ombros. — Não importa se o neném da madrinha nascer nadando, não é
meu amor? — Ela falou encarando a barriga de Anny e imitando uma voz
infantil que fez Taylor emitir um barulho estranho.
— Essa garota fugiu de algum manicômio. Não acho seguro para
Kalel nascer perto de... AI! — Um dos sapatos de Megan voou direto na
cabeça dele e causou uma crise de risos coletiva até de alguns torcedores que
sequer conhecíamos.
Anny começou a rir e não parava mais. Peguei-me observando-a.
Feliz por vê-la tão livre e alegre.
— Ai, meu Deus! — Carolyne foi quem deu o primeiro alerta,
apontando para os pés de Anny.
— O que... — Anny olhou para a barra longa do vestido e para a
poça que se formava ao redor dos seus pés e levou as mãos à boca
imediatamente.
— Eita, fez xixi, Anny? Isso é coisa de gravidez, né? — Taylor
torceu os lábios.
— Não é xixi, seu idiota! — Megan jogou o balde de pipoca para o
lado sem se importar que ele tenha despencado em cima de um casal que a
encarou de forma raivosa.
— É a bolsa. A bolsa estourou — Anny falou baixo, baixo demais e
eu me senti paralisado no mesmo momento.
Algumas pessoas notaram o que estava acontecendo e logo a
comoção se tornou generalizada.
Olhei nos olhos da minha esposa e vi o mais puro desespero.
— Calma, amor, vai ficar tudo bem.
— Josh... — ela chamou, a voz transformada em um fio.
— Vamos para o hospital. AGORA! — Jake gritou.
— Josh... — ela chamou novamente e eu segurei sua mão enquanto
Megan a mantinha de pé, abrindo espaço entre os torcedores para que
passássemos.
— Estou aqui, meu anjo. — Minhas mãos e pernas começaram a
tremer.
— Ainda não — ela soprou, parecendo subitamente mais fraca. Os
olhos enchendo-se de lágrimas.
— O quê?
— Ainda não está na hora. — Ela mordeu o lábio inferior e todo o
seu medo ficou visível diante dos meus olhos.
Desde o início, quando descobrimos a gravidez, mantivemos todos
os cuidados necessários devido a todo o histórico anterior e traumas que
Anny havia sofrido. Cada mês era um motivo novo para manter um alerta.
Passamos pela fase do retorno da anemia, dos enjoos consecutivos, dos
desejos, que foi a que mais me surpreendeu. Minha garota de paladar único
teve infinitos desejos, alguns até envolviam chocolate, mas todos eram de
natureza sexual. E por fim, a gravidez se estabilizou e há meses não
precisávamos nos preocupar com nada além do normal. Até agora...
Ainda faltava um mês para o nascimento de Kalel e o desespero no
rosto da minha esposa me dizia que ela estava pensando o pior.
— Neném nascendo! AFASTEM-SE, AFASTEM-SE! — Taylor
seguia na frente, criando um buraco no meio dos torcedores.
— É a irmã do capitão dos Iron? — alguém gritou e não sei quem
confirmou a informação, mas em um instante, metade da torcida berrava o
nome de Bruce e gesticulava em direção a nossa saída nada discreta.
Chegamos ao estacionamento no mesmo instante em que Bruce, que
estava visivelmente abalado. Suas mãos tremiam e os olhos estavam
arregalados.
— Anny, Anny! — ele gritava.
— Bruce, o que está fazendo aqui? — Ela encarou-o enquanto eu
tentava fazê-la entrar no carro. — Volta pra lá, agora. Você tem um jogo para
ganhar.
— Não! — ele respondeu convicto. — Eu tenho que ver o meu
sobrinho nascer.
— Então vamos logo — pedi, sentindo um desespero avassalador
tomar meu peito. — Precisamos chegar ao hospital mais próximo.
— Eu vou na frente e mostro o caminho — Bruce ofereceu.
— Com essa tremedeira toda? — Megan crispou os lábios. —
Parece que está sofrendo algum mal de Parkinson. Deixa que eu dirijo.
— Você conhece bem a cidade? Porque não podemos correr o risco
de nos atrasar — Taylor pontuou e uma discussão generalizada começou.
— Gente... — chamei. — Gente!
— Deixa que eu dirijo. — Anny se precipitou, visivelmente aflita,
tentando tomar as chaves da minha mão.
— Não, amor. Você vem comigo.
Seu impulso súbito pareceu levar razão à cabeça de cada um de nós e
seguimos em um silêncio recheado de preocupação e medo até o hospital.
Um carro atrás do outro. Bruce desceu do carro e chamou a atenção das
pessoas ao redor por ainda estar uniformizado, mas ignoramos os curiosos
que tiravam os celulares do bolso para registrar o momento e entramos no
hospital onde o médico da família de Anny, de confiança, atendia.
Minha esposa foi colocada em uma maca e levada para a sala de
preparação. Mas não antes de segurar a minha mão e me dizer algo que
abalou completamente as minhas estruturas.
— Josh... foi aqui. — Uma lágrima desceu por seu rosto e eu
acariciei seu rastro, tentando diminuir sua dor e preocupação. — Foi aqui que
perdi meu primeiro filho. Eu não quero sair daqui sem nosso Kalel. — Um
soluço irrompeu por seus lábios e no mesmo instante, a simples menção
daquela tragédia, meus olhos arderam e foi preciso todo o meu autocontrole
para falar. — Eu não suportaria.
— Vamos sair daqui juntos, amor. — Aninhei sua mão entre as
minhas. — Nós três. — Ela comprimiu os lábios e meneou um aceno fraco.
— Acredita em mim? — Ela balançou a cabeça, ainda que seus olhos
mantivessem a expressão de medo.
Eu não poderia culpá-la. Estava apavorado.
— Precisamos levá-la. Em breve vamos chamá-lo, siga a enfermeira
e se prepare.
Quando a enfermeira me chamou algum tempo depois, tanto o pai
quanto a mãe de Anny estavam reunidos com os outros na sala de espera.
— Vai lá, cara. Seu filho está vindo. — Jake deu um soco no meu
ombro. Os olhos marejados. Carolyne, diferente dele, se jogou em cima de
mim em um abraço repleto de lágrimas.
— Apoie-a, Josh. Ela precisa de você mais do que tudo agora.
— Nunca cogitei algo diferente. — Sorri, ainda que não houvesse
forças para manter o sorriso.
— Estamos aqui, irmão. Esperando para ver nossa família aumentar.
Entrei na sala de cirurgia alguns minutos depois de receber as
bênçãos da mãe e do pai de Anny e um abraço apertado do irmão.
A máscara cobria parte do meu rosto, mas meus olhos estavam
grudados aos de Anny, que me encarava com receio. O rosto tomado por suor
e uma expressão de dor que me deixou agonizado.
— Pai... — A enfermeira me chamou e eu dei um salto no lugar. —
Não tem tendência a desmaios, certo? Fica difícil quando temos que amparar
a mãe dando à luz e ao pai desmaiando.
— Não, não. Sem desmaios — respondi roboticamente, sem ter
certeza do que afirmava.
— O bebê já está encaixado e temos a dilatação necessária — O
doutor Vincens informou. — Coragem, Anny. Precisamos que faça força.
E ela fez... minha garota quase quebrou minha mão no processo.
Praguejou uns bons seis palavrões que eu nem me lembrava que existiam.
Pediu o divórcio e se transformou na mulher mais forte que eu conhecia.
Quase desmaiando no caminho.
Mas ela não desmaiou. Parou de fazer força quando escutou o choro
forte e vibrante do nosso pequeno Kalel.
Eu, por outro lado, não era tão forte assim. Quando a enfermeira
virou o pacotinho de lençóis verde em minha direção e meus olhos pousaram
na criatura mais perfeita, que esticava as mãozinhas para todos os lados e
chorava compulsivamente, meus olhos queimaram como brasa e eu chorei.
Chorei mais que ele até.
Kalel foi colocado sobre o colo de Anny que também chorava muito
e tentava se agarrar a ele e a mim ao mesmo tempo. Envolvi os dois em um
abraço e naquele momento, nada no mundo tinha mais importância. Nada era
mais valioso do que a minha família.
Kalel abriu os olhos de um tom azul tão forte e brilhante que causou
uma crise de risos em Anny.
— Ele tem as suas estrelas — referiu-se aos meus olhos.
— Ele é a nossa estrela, meu amor.

Quase saímos daquele hospital direto para a delegacia tamanha a


festa que nossos amigos e familiares fizeram na sala de recepção quando
souberam que a chegada de Kalel tinha sido perfeita, mas essa é uma história
para outro dia...
NATHANY TEIXEIRA é mineirinha de Belo Horizonte e se tornou
escritora por amor, profissão e vocação.
Fã de séries e filmes policiais, seu interesse pelo tema despertou cedo.
Também é apaixonada por artes marciais e estuda Educação Física na
Faculdade Universo em BH.
Black Bird - A Luz do Amor foi a primeira obra escrita pela autora há
dez anos e retrata um pedaço da sua alma.
Atualmente, a autora tem outros títulos do gênero romance policial
publicados, como “Área Militar” e "O Tenente - Um espião, um amor, uma
escolha" e se dedica a novos romances, prometendo histórias surpreendentes.

ENTRE EM CONTATO COM A AUTORA


nathanyteixeira.escritora@gmail.com

ACOMPANHE A AUTORA NAS REDES SOCIAIS:

IG: @nathanyteixxeira
Facebook: /nathanyteixeira
Wattpad: @nathanytrt
ÁREA MILITAR

SINOPSE:

Kimberly Digory é uma jovem de dezoito anos que tem uma vida
normal, apesar de saber que seus pais, Paul e Savanna, trabalham para uma
organização secreta do governo como agentes disfarçados. Em uma manhã
nebulosa, Kim vê sua vida se transformar em um inferno quando, em uma
emboscada sua mãe é morta e seu pai desaparece. Então, a Área Militar foi
acionada. Um local criado para proteger os filhos de agentes envolvidos com
organizações secretas. Em seu território, Kimberly se depara com as ordens
de um comandante de feições duras, conhecido como o Primeiro. Autoridade
máxima do lugar.
O que fez com que um jovem comandante possuísse em suas costas
um cargo de tamanha honra e responsabilidade, Kim ainda não havia
descoberto. Movido por ódio e vingança, o Primeiro conseguiu se reerguer de
sua ruína, tornando-se o maior comandante e dono do lugar, criando assim
vários inimigos poderosos. Até o momento o comandante Primeiro se sentia
imbatível, pois não havia nada que se pudesse fazer contra alguém que não
tem uma família ou pessoas com quem possa se importar e essa vantagem
sempre esteve ao seu lado em seus inúmeros combates. O que ele não
esperava era que um simples encontro poderia mudar tudo. Depois de muitos
anos, O Primeiro agora tinha um ponto fraco. Com nome e rosto. Certamente
o mais lindo que ele já havia visto.
O PRIMEIRO: A HISTÓRIA ANTES DO PODER (SPIN-OFF
DE ÁREA MILITAR)

SINOPSE:

Quando um homem perde tudo e a insanidade arrisca corromper sua


mente, duas opções lhe parecem o caminho para a saída. Sobreviver ou
desistir!
O jovem Draco Clarent cresceu em meio ao mundo militar e quando
pensou que poderia seguir um caminho diferente do que lhe foi imposto, um
acontecimento mudou o rumo de tudo. Das cinzas e da dor, nasce o Primeiro,
comandante da Área Militar!
LINK: https://amzn.to/2XOWPRK
MINHA ESSÊNCIA, MEU AMOR

SINOPSE:

Um policial militar vê seu turno virar de pernas para o ar quando


precisa salvar sua ex, uma linda jovem com o temperamento bem explosivo,
fantasiada de coelha em pleno o carnaval de Belo Horizonte. O coração do
soldado Ribeiro está acelerado e ele não sabe se é de susto, raiva ou pelo
simples fato de que ele ainda a ama incondicionalmente.

LINK: https://amzn.to/2YC1vrp
O TENENTE

SINOPSE:

Amber é uma jovem e corajosa veterinária que leva uma vida pacata
na pequena cidade de Lancaster. O que ela não sabia era que toda aquela
tranquilidade estava prestes a mudar.
Ao sair para uma corrida em uma trilha na floresta, ela se deparou
com um homem em seu caminho. Era como ver um ser celestial ferido.
O que aconteceu para que os anjos começassem a cair do céu?
Tyler Black era conhecido como Tenente. Um dos maiores espiões do
governo dos Estados Unidos. Seu foco era o trabalho e sua confiança estava
depositada apenas na arma que carregava consigo aonde fosse e, mais uma
vez, ela era sua única amiga enquanto ele despencava no meio do nada.
Entre a tentativa de sobreviver e revelar quem traiu a sua organização
sob seu comando, ele se vê cercado por um par de olhos azuis-turquesa. Sua
vida estava nas mãos de uma mulher desconhecida, pequena e irritada, mas
de beleza singular, similar a de uma fada e capaz de enlouquecer qualquer
homem são.
O Tenente foi treinado para resistir a qualquer tipo de pressão,
interrogatório e tortura, mas não estava preparado para enfrentar os
sentimentos que aquele olhar doce causava em seu peito.
Um homem que acreditava ter seu destino final traçado, começa a
descobrir que pode existir uma nova vida, uma nova escolha... mas a que
preço?
Ela não sabia, mas uma bomba prestes a explodir estava entrando na
sua vida... um explosivo coberto por cicatrizes e dono dos olhos amendoados
mais atraentes que poderiam existir.
Ele fez uma promessa, mas não sabia se conseguiria cumprir. Sua
única certeza era que tentaria, mesmo que aquilo custasse a sua vida.

Link: https://amzn.to/2zArA2V
NÃO FAÇA BARULHO!

SINOPSE:

Cristian Vidal é um homem centrado. A completa dedicação à sua


carreira o tornou um dos melhores delegados do distrito. Sua vida é dividida
entre o trabalho e o filho de sete anos que cria com a ajuda da mãe. Tudo
corria perfeitamente bem até que vários infanticídios começaram a acontecer
e a vida de Cristian, antes tão bem controlada, virou de cabeça para baixo de
uma forma que ele jamais poderia imaginar.
Natália Aguilo é uma policial civil que se vê envolta em uma
investigação criminal, onde um assassino em série anda matando mulheres de
forma vil e cruel.
Casada e com um filho para criar, ela se vê presa em um caso que irá
surpreendê-la, mas da pior forma possível.
O tempo passou, mas a dor que assola o coração de Cristian e Natália
não. Agora, uma série de assassinatos macabros entrelaça a vida desses dois,
unindo-os de uma forma que eles jamais poderiam esperar.
Após cada um vivenciar uma tragédia pessoal, terão que enfrentar
juntos seus temores para capturar um monstro que parece estar sempre um
passo à frente.

Link: https://amzn.to/3chgYmL

Você também pode gostar