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UMA HISTÓRIA DA AMÉRICA-LATINA AO ALCANCE DOS

LATINOAMERICANOS

Victor Antonio Melo Silva1

Uma História Latino-Americana para o Brasil. É o que algumas correntes


historiográficas vêm tentando construir dentro dos corredores das universidades
brasileiras nas últimas décadas, principalmente após a redemocratização do país.
Contudo, essa tarefa vem sendo concretizada somente em parte. O enfoque é voltado
excessivamente para a pesquisa e relega o ensino, esse, por sua vez, carece de uma
didática latino-americana que consiga de transmitir aos demais cidadãos – com os
instrumentos que já temos – as bases para uma compreensão latino-americana, capaz de
afirmar que somos um povo único e compartilhamos uma mesma história e cultura.

Essa compreensão latinoamericana tem ainda mais dificuldade de chegar as salas de


aula das escolas básicas. Nem se quer a própria noção geográfica de América-Latina
consegue a alcançar com clareza as mentes dos adolescentes e crianças. Nos currículos
escolares ainda predomina a história europeia e quadripartite. Aquela que nos ensina o
passado dos grandes impérios da idade antiga, do mundo cristão medieval e dos estados
nacionais da idade moderna. A história escolar é marcada pela identificação com o
mundo dos Invasores da América e não com aqueles que já viviam aqui desde o
princípio, muito menos aqueles foram trazidos a força pelos grilhões da escravidão ou
pela miséria das imigrações forçadas.

A História escolar ainda, em última análise, a história dos “vencedores”, dos


“superiores” e “desenvolvidos”. Ela transmite um sentido linear de evolução e
progresso, ocultando a identificação com a nossa própria realidade latino-americana, ou
seja, do nosso reconhecimento enquanto um povo invadido, explorado, expropriado e
em luta constante.

De modo geral, é possível afirmar que o a História escolar no Brasil – e em outros


países – estimula uma crise de dissociação de identidade coletiva. Somos um povo
multiétnico, latino, pobre e desigual, mas, nos identificamos e nos exaltamos quando
desenvolvemos formas de ser e viver parecidas com a dos povos europeus brancos, por
exemplo: quando importamos o luxo e a estética dos países desenvolvidos; quando
consumimos suas formas de vestir e comer; quando copiamos sua arquitetura e até
mesmo sua língua, negamos a nossa própria realidade e construímos pequenos bolhas
dissociadas em cada cidade. Pequenos universos europeus – ou estadunidenses – de
homens e alienados da identidade brasileira e latinoamericana.

De várias maneiras, esses sujeitos e grupos que transitam nesses universos puxam para
baixo o esforço acadêmico para promover uma consciência latinoamericana. Espalhados
pelos condomínios fechados e edifícios do país, pelos shopping centers e colégios
privados, pelas empresas de escritório e cargos públicos, encontramos sujeitos que

1
Graduado em Licenciatura Plena em História pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(UNIOESTE), campus de Marechal Cândido Rondon. Desenvolve pesquisa no âmbito do Ensino de
História, com enfoque em Currículos e Projetos Pedagógicos de História. E-mail:
victorantoniomelosilva@hotmail.com.
vivem “totalmente imersos” em cotidianos falsificados, que nada são além de cópias dos
modos vida europeus e estadunidense.

Essa falta de identificação do povo brasileiro com sua própria identidade nacional é o
fator fundamental que bloqueia a identidade latinoamericana, afinal de contas, se o
brasileiro se identifica mais com o europeu por quais motivos ele irá passar a se
identificar mais como latino-americano?

Para encontrar uma pista dessa essa pergunta é necessário voltar a primeira questão
levantada nesse texto, a falta de uma didática latino-americana ou, de uma História
latino-americana voltada para o ensino.

Ainda carecemos muito de cursos e disciplinas nas universidades que sejam capazes de
formar professores e historiadores conscientes da nossa integração continental. Por esse
motivo, ainda é muito fraca a pressão dos educadores sobre os governos e legisladores
para alterar os currículos escolares construir uma integração regional na área da
educação.

Contudo, não seria justo jogar toda a responsabilidade dessa empreitada latino-
americanista sobre os ombros da Academia de História. Esse peso também deve ser
compartilhado com outras categorias da sociedade tais como, jornalistas, filósofos,
sociólogos, artistas, publicitários, influenciadores e outros propagadores de
conhecimento.

Nesse sentido, é possível observar algumas iniciativas recentes que vêm sendo
desenvolvidas nos meios televisivos e digitais, capazes de propagar um olhar latino-
americano em certos países da região. Por exemplo: A “Serie Maestros de América
Latina” exibida pelo canal no Youtube da Universidade Pedagógica Nacional – Unipe
(Argentina); As series documentais/animadas do Canal Encuentro de TV do Ministério
de Educação da Argentina (Revoluciones, Ver la história, La era de los Caciques,
Dictaduras Latinoamericanas e outras); As entrevistas e cursos e do Instituto de Estudos
Latino-Americanos da UFSC (Brasil), com destaque para o programa “Pensamento
Crítico”; Os canais de televisão jornalísticos com enfoque na classe trabalhadora e na
América Latina: Televison del Sul – TeleSur (Venezuela), BoliviaTV (Bolívia) e TV
dos Trabalhadores – TVT (Brasil); E por último, vale destacar a inciativa “Crónica de
América” um telejornal informativo sobre as notícias políticas e sociais dos países
Brasil, Argentina, Uruguai, Bolívia e Equador que esteve em atividade durante os anos
de 2016 e 2019 e só pode ser concretizado através de uma parceria entre vários canais
regionais e estatais da América do Sul.

Todas essas inciativas são exemplos vanguardistas de divulgação de conteúdos sobre


nossa realidade e história. Diferentemente da pesquisa acadêmicas, os meios de
comunicação tecnológicos conseguem chegar ao alcance de milhões de pessoas e
possibilitam a construção deu uma identidade latinoamericana através da comparação
simultânea entre as histórias atuais e passadas dos diferentes países do continente.

Além disso, também é preciso ressaltar que academia de História no Brasil vem
realizando um esforço exemplar para resgatar obras clássicas do pensamento
latinoamericanista, tais como: Veias abertas de Eduardo Galeano; A Raça Cósmica de
José Vasconcelos; Sete ensaios interpretativos de José Carlos Mariátegui; A América
Latina: A Pátria Grande comum de Darcy Ribeiro, somente para citar alguns pequenos
exemplos. Inclusive, esses esforços acadêmicos veem resultando na criação direta de
conteúdos digitais de amplo alcance, como os programas produzidos pela Unipe e
UFSC que conquistam milhares de acessos todos os anos.

Em conclusão, uma das saídas possíveis para construir um ensino de História voltado
para a integração da América-Latina é a cooperação entre Academia e propagadores de
conhecimento. Em algumas nações podemos observar projetos bem sucedidos entre
universidades e televisões estatais, como o canal Encuentro que produz e divulga séries
sobre a história latinoamericana, criando uma noção de identidade que vai além das
fronteiras da Argentina e perpassa as histórias do Chile, Uruguai, Paraguai e Brasil.

É nessa direção que a História – enquanto ciência – deve prosseguir. Com o objetivo
amplo de atingir as massas e não ficar restrita somente aos corredores das universidades
e as salas de aula. Em uma América-Latina cada vez mais conectada pelo rádio,
televisão e internet é imprescindível que os pesquisadores e professores de História
busquem instrumentos disponíveis para propagar a compreensão da nossa própria
identidade.

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