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Meteorologia
Mudanças Climáticas
Rita Yuri Ynoue
Michelle S. Reboita
Tércio Ambrizzi
Gyrlene A. M. da Silva
Nathalie T. Boiaski

13.1 Introdução
13.2 Causas naturais das mudanças climáticas
13.2.1 Fatores Externos
13.2.1.1 Movimento das placas tectônicas
13.2.1.2 Variações na radiação solar
13.2.1.3 Parâmetros orbitais de Milankovitch
13.2.1.4 Erupções vulcânicas
13.2.2 Fator interno
13.2.2.1 Os oceanos
13.3 Causas antropogênicas das mudanças climáticas (fator interno)
13.4 Mudanças observadas no clima
13.5 Projeções do Clima Futuro
13.6 O mundo e as mudanças climáticas
Referências

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13.1 Introdução
Os registros geológicos ou paleoclimáticos (testemunhos de gelo, anéis de árvore etc.) indicam
que ocorreram mudanças drásticas no clima no passado, e a maior parte delas na ausência de seres
humanos (Figura 13.1). Por isso, podem ser chamadas de mudanças climáticas naturais.
As mudanças climáticas naturais são provocadas por modificações nas forçantes climáticas.
As forçantes impostas ao sistema climático são divididas em duas categorias: externas e internas.
De acordo com Hartmann (1994), a atmosfera, o oceano e a superfície terrestre são conside-
rados fatores internos ao sistema climático; já o interior do planeta e tudo o que está fora da
atmosfera terrestre (extraterrestre) são fatores externos, pois influenciam o clima terrestre, mas
não são influenciados por ele. Portanto, variações na deriva continental, na constante solar, na
órbita da Terra ao redor do Sol e erupções vulcânicas são consideradas forçantes externas.

As mudanças climáticas se referem tanto ao resfriamento quanto ao


aquecimento da atmosfera e em ambos os casos há alterações no meio
ambiente e até mesmo na capacidade da Terra de sustentar a vida.

Em 1988 foi criado o Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) com a função de
avaliar as pesquisas realizadas em todo o planeta, que sejam relevantes para entender os riscos
das mudanças climáticas, bem como projetar impactos e, ainda, apontar opções de estratégia e
mitigação desses impactos (Oliveira et al., 2009). Associados às mudanças climáticas estão os
eventos extremos1 de tempo e de clima. Os eventos extremos podem causar grandes
transtornos para a sociedade, dependendo da vulnerabilidade da região afetada e de quanto
tempo ela leva para se recuperar após o evento extremo.
Diante do exposto, este texto tem como objetivos: descrever as causas naturais e
antropogênicas das mudanças climáticas apresentar
evidências das mudanças climáticas nas últimas décadas extremo¹
O quarto relatório do IPCC (2007) define um evento
como um evento de tempo atmosférico tão
e as projeções dos modelos numéricos para o final do raro quanto ou mais raro do que o percentil 10 ou 90 da
função de densidade de probabilidade. E ainda, quando
século XXI e, por fim, uma breve síntese das políticas e um evento extremo de tempo persiste por um longo
tempo cronológico (como uma estação, por exemplo),
acordos internacionais pode ser classificado como um extremo climático.

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Figura 13.1: Escala do tempo geológico e reconstrução esquemática da temperatura média global e do nível do mar nos últimos
500 milhões de anos.

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13.2 Causas naturais das mudanças climáticas


13.2.1 Fatores Externos

13.2.1.1 Movimento das placas tectônicas

A Terra apresenta movimentos continentais que são dirigidos pela convecção no manto
terrestre. A distribuição atual dos oceanos e continentes é muito diferente daquela do período
cambriano e de períodos posteriores a ele (Figura 13.2), o que implicou em diferenças no
aquecimento da superfície oceânica e continental, influenciando a circulação atmosférica e
resultando em mudanças nos regimes climáticos sobre determinadas regiões do globo. Durante o
holocênico, época mais recente do tempo geológico, e que se tem a maior parte das informações
sobre o clima, as posições continentais praticamente permanecem fixas.

Figura 13.2: Disposição


geográfica dos continentes
ao longo do tempo. / Fonte:
adaptado de Infoescola.

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13.2.1.2 Variações na radiação solar

O total de energia que sai do Sol é um determinante central do clima da Terra. Uma forma
dessa forçante mudar o clima seria através da variação da quantidade de energia emitida pelo
Sol. As teorias da evolução estelar sugerem que a radiação solar aumentou cerca de 30% desde a
formação do sistema solar. Esse aumento está associado à conversão de hidrogênio em hélio no
Sol, o que leva a um aumento concomitante da densidade solar, temperatura do núcleo solar,
taxa de fusão e produção de energia. Se a radiação solar decrescesse subitamente 30%, a Terra
rapidamente se tornaria mais fria.

Evidências geológicas de rochas sedimentares de 3,8 bilhões de anos (quando a radiação


solar era 30% inferior à atual) sugerem que a água líquida já existia nesse período. Também
sugere-se que a Terra foi mais quente no início de sua história, não havendo glaciações ou
longos períodos com grande parte da superfície coberta por gelo e neve devido a temperaturas
muito baixas até 2,7 milhões de anos atrás.

A combinação de um mínimo de radiação solar e o clima da Terra mais quente no início do


planeta é chamado faint young sun problem (Kasting & Grinspoon, 1991). Uma explicação mais
provável desse paradoxo é o efeito estufa ter sido muito mais intenso na história inicial da Terra,
talvez associado com níveis elevados de dióxido de carbono ou com alguns outros gases traços
controlados biogeoquimicamente.Análises de solos antigos sugerem que há 440 milhões de anos
a concentração de CO2 na atmosfera tenha sido aproximadamente 16 vezes maior do que os
valores atuais (Yapp & Poths, 1992). Um aumento na constante solar e o desenvolvimento das
plantas terrestres podem ter acelerado a taxa de remoção de CO2 pelo desgaste ou degradação
das rochas e causado o declínio aparente do CO2 atmosférico durante o Paleozoico Médio
(400-320 milhões de anos atrás; Berner, 1993). Esse declínio de CO2 pode ter estabelecido o
estágio para a glaciação no final do Paleozoico. É importante mencionar que pouco se conhece
sobre a variação da radiação solar nas escalas de tempo climáticas.
A maior parte da energia recebida do Sol origina-se na fotosfera, que tem uma tempera-
tura de emissão de cerca de 6.000 K. A característica dominante vista na fotosfera são manchas
escuras chamadas manchas solares, que tendem a se formar em grupos e ocorrem devido à
expulsão de matéria da fotosfera na direção das linhas do campo magnético do Sol. As regiões

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em que os laços magnéticos saem e retornam à fotosfera têm polaridades magnéticas opostas
e nelas surgem as manchas solares, com temperatura média de 4.300 K (isto é, as regiões
com manchas solares são 1.700 K mais frias do que as regiões sem manchas). Na realidade, as
manchas não são negras. Elas têm uma coloração avermelhada, parecendo escuras apenas por
causa do contraste com as regiões vizinhas, as manchas com extensão de poucas centenas de
quilômetros duram de 1 a 2 dias, mas as maiores, com cerca de milhares de quilômetros, podem
durar vários meses. Na média, as manchas solares perduram por uma ou duas semanas.

Para visualizar um exemplo de mancha solar acesse:


http://www.zenite.nu/02/3-solar.php

É comum imaginar que na ocorrência de manchas solares haverá aumento de energia


recebida no topo da atmosfera terrestre. Entretanto, a relação entre o número de manchas
solares e a energia recebida no topo da atmosfera é considerada pequena (Figura 13.3). Estudos
têm sugerido que, entre 1645 e o final da década de 1980, ocorreram mudanças de cerca de
0,4% (+/- 0,2%) na radiação solar recebida no topo da atmosfera, valor que é muito pequeno
para afetar o clima terrestre. Algumas referências como Moram (2010) ainda mencionam que o
aumento da energia recebida é menor do que 0,1%

Figura 13.3: Radiação solar recebida no topo da atmosfera comparada com o número de manchas solares entre 1979 e 2001.

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As manchas solares têm um ciclo de ocorrência de aproximadamente 11 anos (variando


entre 8 e 15 anos) e que pode ocorrer “embebido” em ciclos maiores, como o de 80 anos
chamado ciclo de Gleissberg. Embora tenha sido mencionado que a radiação solar que chega
ao topo da atmosfera, na ocorrência de manchas solares, tem uma variação muito pequena
em comparação com o valor que ocorre na ausência delas, há períodos em que a ausência de
manchas coincide com períodos frios na Terra.
Em 1893, Edward Walter Maunder descobriu que a atividade das manchas solares foi
consideravelmente reduzida no período de 1645 a 1715, tendo este recebido a denominação
de Mínimo de Maunder. Registros passados da atividade das manchas solares revelam
correspondências intrigantes como, por exemplo, a associação do mínimo de Maunder com a
pequena idade do gelo, que foi um período longo de resfriamento da Terra e ocorreu entre os
séculos XV e XIX. O continente europeu foi o mais afetado, pois houve déficit nas colheitas,
favorecendo o alastramento da fome pelo continente.

Figura 13.4: Ciclo das manchas solares com destaque para o período de inatividade das manchas, chamado Mínimo de Maunder.

De acordo com Hartman (1994), a pequena variação da radiação solar no topo da atmosfera
terrestre na ocorrência de manchas solares tem efeito negligenciável sobre o clima. Por outro
lado, é possível que a radiação solar seja um importante fator nas escalas de 80 anos (ciclo de
Gleissberg) ou maiores. Na Figura 13.5, se o número médio mensal de manchas solares for
comparado individualmente com as anomalias médias anuais de temperatura do ar no planeta,
pouca ou nenhuma correlação é encontrada, mas se a Figura 13.5 for observada de uma
maneira geral, nota-se que o número de manchas solares aumenta na primeira metade do

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século XX concomitantemente com a temperatura. Esse aumento na atividade solar pode estar
conectado ao ciclo de Gleissberg. Já o aumento da temperatura no final da segunda metade do
século XX parece não estar relacionado com o número de manchas solares.

Figura 13.5: Média anual


do número de manchas
solares e anomalia média
anual da temperatura do ar
global na superfície.

13.2.1.3 Parâmetros orbitais de Milankovitch

Desde o início do século XIX havia pesquisadores que defendiam a ideia de que as
mudanças climáticas na Terra estavam ligadas às variações de sua órbita. Entretanto, o crédito pelo
desenvolvimento das hipóteses que relacionam os movimentos da Terra e as mudanças climáticas
é dado ao astrônomo Milutin Milankovitch (1879-1954). Existem diversas formas em que a
configuração orbital pode afetar a radiação solar recebida e, consequentemente, o clima na Terra.
Por isso, Milankovitch formulou um modelo matemático baseado nos seguintes elementos:
1. variações na forma da órbita da Terra em torno do Sol (excentricidade);
2. mudanças na inclinação do eixo da Terra em relação ao plano orbital do planeta
(obliquidade);
3. oscilação do eixo da Terra como um pião (precessão).
Os três movimentos são chamados de ciclos de Milankovitch e a sua descrição é dada na sequência.

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1. Excentricidade orbital
No início do século XVII, Johannes Kepler descobriu sua primeira lei: que as órbitas dos
planetas são elipses, com o Sol localizado em um dos focos (ver Figura 3.8). O grau em que
uma órbita desvia do formato de um círculo é medido pela excentricidade da elipse. Numa
órbita elíptica, num dado momento, a Terra fica mais próxima do Sol e em outra, mais afastada.
O ponto onde o planeta está mais próximo do Sol é chamado periélio e, onde está mais
afastado, afélio. A excentricidade (E) pode ser obtida através da expressão (Hartmann, 1994):

da − d p
E= 13.1
da + d p
onde:
• da = distância Terra-Sol no afélio (Terra mais afastada do Sol, atualmente em torno do dia
4 de julho).
• dp = distância Terra-Sol no periélio (Terra mais próxima do Sol, atualmente em torno do
dia 4 de janeiro).
A excentricidade da órbita de um planeta indica o quanto a sua órbita se desvia de um
círculo. Quanto maior a excentricidade, maior o valor de E, e para um círculo perfeito
E = 0,0167. A excentricidade da órbita da Terra ao redor do Sol varia de elíptica para quase
circular em ciclos irregulares de 90.000 a 100.000 anos (Moran, 2012), que atualmente há
uma diferença de cerca de 3% na distância Terra-Sol entre o afélio, que ocorre em torno do dia
4 de julho e no periélio, que ocorre por volta do dia 4 de janeiro. Se a Terra está, ligeiramente,
mais afastada do Sol em julho, seria esperado um verão mais brando no Hemisfério Norte. Isso
não ocorre, pois a Terra recebe somente cerca de 6% menos de energia em julho comparada a
janeiro, não sendo suficiente para modificar o clima.

Também é importante lembrar que o Hemisfério Norte é


formado mais por continente do que por oceano e, como o calor
específico do continente é menor, permite um aquecimento
mais rápido da superfície, o que ajuda a contrabalançar o efeito
da menor energia recebida durante o verão boreal.

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Para o Hemisfério Sul, Oliveira Filho e Saraiva (2002) mencionam que as estações do ano
não se tornam mais rigorosas do que as do Hemisfério Norte por causa da maior proporção
de oceanos nesse hemisfério, o que as torna mais amenas (a água tem maior calor específico e,
além disso, usa a energia para aquecer camadas mais profundas).
As variações na excentricidade da Terra ocorrem com frequência de cerca de 100.000 anos
e têm pequeno impacto sobre a quantia total de radiação recebida no topo da atmosfera
terrestre. As variações da radiação são da ordem de 0,1%, o que não contribui para impactos
significativos sobre o clima.

Figura 13.6: Excentricidade da órbita da Terra. A linha rosa indica uma órbita quase circular
enquanto a linha azul, uma órbita mais elíptica. O Sol está representado em amarelo e Terra
em verde.

Saiba mais: http://www.ncdc.noaa.gov/paleo/ctl/clisci100ka.html#tilt

2. Obliquidade
Um parâmetro de grande importância para a variação sazonal do clima é a obliquidade,
que é o ângulo entre o eixo de rotação da Terra e o plano da órbita da Terra ao redor do Sol
(Hartmann, 1994). O eixo de rotação da Terra tem inclinação que varia de aproximadamente
22° a 24,5° (Figura 13.7), num período de cerca de 41.000 anos. O valor corrente é 23,5°
(isso equivale a 23°27’). As variações sazonais no clima da Terra dependem da obliquidade: se a
obliquidade é grande, os contrastes sazonais também aumentam, de forma que os invernos são
mais frios e os verões mais quentes em ambos os hemisférios. Se a obliquidade fosse nula, não
haveria estações do ano e a quantidade de energia solar que atingiria uma dada localidade no
planeta seria constante ao longo do ano.

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Figura 13.7: Obliquidade do eixo de rotação da Terra.

3. Precessão
De acordo com Oliveira Filho e Saraiva (2007), o efeito da precessão (Figura 13.8a) pode
ser comparado ao movimento de um pião: assim como o pião gira em torno de si (rotação) e
seu eixo bamboleia descrevendo um movimento em torno de uma elipse, a Terra também. Esse
fenômeno ocorre devido à interação gravitacional da Terra com outros planetas.

Figura 13.8a: Comparação do movimento de um pião com o da Terra mostrando o efeito da precessão.

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A precessão não corresponde a uma


alteração na inclinação do eixo de rotação 1
da Terra, mas sim uma alteração na orien-
tação desse eixo em torno da órbita da
Terra (Figura 13.8b-3). Isso, por sua vez,
altera a posição na elipse em que ocorrem
os solstícios e equinócios. Atualmente, 2
o solstício de verão no Hemisfério Sul
ocorre quando a Terra está no ponto da
elipse mais próximo do Sol (janeiro), mas
há 11.000 anos o verão austral ocorria
quando a Terra estava no afélio (ponto 3
mais afastado do sol - julho).
De acordo com Oliveira Filho e Saraiva
(2007), o movimento de precessão da Terra
é conhecido como precessão dos equi-
nócios, porque, devido a ele, os equinócios
Figura 13.8b: Parâmetros orbitais de Milankovitch: a. Excentricidade,
(ponto vernal e ponto outonal) se deslocam b. Obliquidade e c. Precessão. / Fonte: GSO.

ao longo da eclíptica no sentido de ir ao


encontro do Sol.
A precessão tem um período aproximado de 23.000 anos e, assim como a obliquidade,
não altera o total de radiação recebido no topo da atmosfera. Entretanto, a precessão afeta
a distribuição temporal e espacial da radiação na superfície terrestre. Como os 3 ciclos de
Milankovitch, individualmente, não causam mudanças climáticas, esse estudioso percebeu
que tais mudanças poderiam ocorrer pela interação dos ciclos. Às vezes, os efeitos desses
ciclos reforçam uns aos outros e, às vezes, tendem a anular uns aos outros. Por exemplo, daqui
a 11.000 anos, quando a precessão fizer com que o verão no Hemisfério Norte comece em
dezembro, o efeito de um aumento da radiação solar no periélio em janeiro e a diminuição
no afélio em julho irão exagerar as diferenças temperatura entre as de estações no Hemisfério
Norte, e não abrandá-las, como é o caso hoje.

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13.2.1.4 Erupções vulcânicas

As erupções vulcânicas têm um importante papel


no clima, pois, ao alterarem a concentração de gases na
atmosfera e injetarem partículas (aerossóis) nela, podem
aumentar ou diminuir a temperatura média do planeta
dependendo de como interage a radiação solar com o
material vulcânico. Não é simples inferir a intensidade do
impacto das erupções vulcânicas no clima.
O material expelido pelos vulcões pode chegar à
estratosfera e ser transportado horizontalmente pelos
ventos, atingindo centenas de quilômetros de distância
(Figura 13.9). Uma parte da radiação solar que atinge
esse material acaba sendo refletida e menos energia
alcança a superfície terrestre. Isso, consequentemente,
causa o resfriamento de grandes áreas da Terra. Entretanto,
os vulcões também liberam grande quantidade de água
e dióxido de carbono. Como esses gases absorvem e
emitem radiação infravermelha (são Gases de Efeito
Estufa), a superfície adjacente a esses gases também
Figura 13.9: Distribuição da pluma de SO e poeira
pode se aquecer. Assim, em curtos intervalos, as maiores (cores 2
em vermelho e verde) associada à erupção
erupções vulcânicas causam, inicialmente, um rápido do Monte Pinatubo em 12 de junho de 1991.
aquecimento da atmosfera.
Com relação ao período de resfriamento provocado pelas erupções vulcânicas, ele
é decorrente do tempo de residência dos aerossóis na estratosfera. Os aerossóis podem
permanecer cerca de 1 a 12 anos na estratosfera e, assim, refletir a energia solar para fora
da atmosfera terrestre, o que contribui para o resfriamento ao longo do tempo.
Por exemplo, a Figura 13.10 mostra que o período de aquecimento global foi reduzido com
a erupção do Monte Pinatubo, em 1991, nas Filipinas. Nos 15 meses seguintes a esse evento, foi
observada uma diminuição da temperatura média global em aproximadamente 0,6 °C.

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Figura 13.10: Anomalia da temperatura média global do ar. Na parte superior da figura são indicadas
as datas de grandes erupções vulcânicas.

13.2.2 Fator interno

13.2.2.1 Os oceanos

Os oceanos cobrem cerca de 70% da superfície da Terra e dessa forma desempenham um


papel muito importante no balanço de energia do planeta. Como a capacidade térmica da água
é maior do que a do ar, os oceanos se aquecem e se resfriam muito mais lentamente do que
a atmosfera. Assim, os oceanos armazenam grandes quantidades de energia e agem como um
“amortecedor” contra grandes mudanças sazonais de temperatura. As camadas superficiais do
oceano respondem a influências das forçantes climáticas numa escala temporal de meses a anos,
que é muito mais lenta do que a resposta da atmosfera a essas forçantes.
Os oceanos são muito importantes para o balanço químico do sistema atmosférico, pois ab-
sorvem o CO2 da atmosfera de diversas formas: uma devido a processos físicos em que o CO2 se
dissolve mais facilmente na água do mar em virtude dos íons de carbonato; e outras associadas
a processos biológicos como o resultado da fotossíntese dos fitoplânctons através de processos

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nutricionais que permitem que organismos marinhos criem conchas ou esqueletos de carbo-
nato de cálcio etc. A mistura das águas oceânicas provoca a redistribuição do CO2 absorvido.
É importante destacar que os oceanos, ao absorverem CO2 da atmosfera, contribuem para a
redução de gás na atmosfera de forma que haja menos impacto do efeito estufa no planeta.
Com as alterações climáticas ao longo dos últimos anos, o nível dos oceanos tem aumentado
sistematicamente. No painel da Figura 13.11 é mostrado que, em nível global, o aumento vem
sendo da ordem de 1.8 mm a 2 mm por ano e a amplitude varia de região para região.

Figura 13.11: Painel superior: média global do aumento do nível do mar ao longo dos
últimos anos. Painel inferior: Distribuição regional estimada do aumento do nível do mar
(janeiro de 1950 a dezembro 2000). / Fonte: Churchet, 2004.

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13.3 Causas antropogênicas das mudanças


climáticas (fator interno)
Até agora foram apresentadas as causas naturais que podem conduzir às mudanças climáticas.
A partir desse ponto será discutido como o homem contribui para as mudanças no clima.
De acordo com o IPCC (2007), as atividades humanas contribuem para as mudanças
climáticas através de alterações na composição da química atmosfera, isto é, através da liberação
de Gases de Efeito Estufa (GEE), injeção de aerossóis e fatores que propiciam a nebulosidade.
A maior contribuição para as mudanças climáticas vem dos GEE. Como já abordado no texto
Poluição Atmosférica, os GEE absorvem a radiação infravermelha emitida pela superfície
terrestre e a reemitem para a superfície. Esses gases podem ser comparados a um cobertor ou a
uma estufa, pois não deixam a energia escapar. Quanto maior a quantia de GEE na atmosfera,
mais energia tende a ser absorvida por eles e reemitida para a superfície, o que implica um
aumento das temperaturas do planeta. Vale a pena mencionar que o efeito estufa é um efeito
natural e benéfico. No entanto, a introdução de GEE na atmosfera pelas emissões antrópicas
contribui para o aumento de sua concentração e, portanto, favorece o aumento da temperatura
média global.
Existem diversas formas de se introduzir GEE na atmosfera (tanto naturalmente quanto
atropicamente) como mostra a Figura 13.12. Algumas das formas antrópicas são mencionadas
por Oliveira et al. (2009):
• queima de combustíveis fósseis por veículos, indústria, construção civil e uso residencial;
• atividades ligadas à utilização da terra e às suas mudanças, entre elas, o desmatamento, a
agropecuária e as queimadas;
• a produção de metano, advindo do setor de energia, da agropecuária e de resíduos sólidos urbanos;
• a produção de óxido nitroso, advindo do manejo agrícola;
• a utilização de F-gases – hidrofluorcarbonos, perfluorcarbonos e hexafluoreto de enxofre
– nos processos industriais. Observe que os F-gases, tais como o gás de refrigeração, não
existem originalmente na natureza, sendo gerados unicamente por atividades humanas;
• processos industriais, como a produção de cimento e de produtos químicos, envolvem
reações que liberam CO2, além de emitir outros GEE.

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Figura 13.12: Sistemática da introdução dos GEE na atmosfera. / Fonte: adaptado de IPCC, 2007.

A Figura 13.13 mostra a evolução temporal Global das concentrações dos GEE (dióxido
de carbono, metano e óxido nitroso) nos últimos 2.005 anos. É evidente o grande aumento da
concentração desses gases a partir de 1750, esse aumento estar associado às atividades humanas
da era industrial, conforme relatos do IPCC (2007,2013).

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Figura 13.13: Indicadores das mudanças climáticas no globo: (a) temperatura do ar na superfície continental,
(b) na temperatura na superfície do mar, (c) temperatura do ar marinho, (d) nível do mar e (e) extensão do gelo
marinho no Ártico entre junho a agosto. O eixo das ordenadas indica a anomalia dessas variáveis em relação ao
período 1961-1990, exceto para (e) cujo período é 1967-1990. / Fonte: adaptado de IPCC, 2007-2013.

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As atividades humanas emitem diferentes GEE, mas quatro gases são os principais para o
efeito estufa (IPCC, 2007): dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O) e
halocarbonetos (um grupo de gases contendo flúor, cloro e bromo). Esses gases se acumulam na
atmosfera, fazendo com que as concentrações aumentem com o tempo. Uma explanação sobre
como esses e outros gases e aerossóis são lançados na atmosfera, com base no quarto relatório
do IPCC (2007), é apresentada na sequência.
• O dióxido de carbono tem aumentado devido ao uso de combustível fóssil no transporte,
aquecimento, produção de cimento etc. O desflorestamento libera CO2 e reduz a absorção
pelas plantas. O dióxido de carbono também é liberado em processos naturais, como o
decaimento de matéria vegetal.
• O metano tem aumentado como resultado das atividades humanas relacionadas à agri-
cultura, distribuição de gás natural e aterros sanitários. O metano também é liberado no
processo natural ligado a manguezais.
• O óxido nitroso é emitido pelas atividades de aplicação de fertilizantes em plantações e
queima de combustíveis fósseis. Alguns processos naturais nos solos e oceanos também
liberam óxido nitroso.
• A concentração de halocarbonetos tem aumentado principalmente devido às atividades
humanas. Já os processos naturais são apenas uma pequena fonte. Os principais halocar-
bonetos incluem clorofluorcarbonos (exemplos: CFC-11 e CFC-12). Esses gases foram
muito usados na refrigeração até se descobrir que eles causam a remoção de ozônio
estratosférico, isto é, contribuem para o buraco na camada de ozônio.
• O ozônio (troposférico) é um gás de efeito estufa que é continuamente produzido e
destruído na atmosfera por reações químicas. Na troposfera, as atividades humanas têm
aumentado a concentração de ozônio através da liberação de gases, como monóxido de
carbono, hidrocarbonos e óxido de nitrogênio, que reagem quimicamente e formam o
ozônio. Como já mencionado, os halocarbonetos liberados pela atividade humana destroem
o ozônio estratosférico e contribuem para o buraco na camada de ozônio.
• O vapor d’água é o mais abundante e importante gás de efeito estufa na atmosfera. Entretanto,
as atividades humanas têm somente uma pequena influência direta na quantia de vapor
d’água. Indiretamente, os seres humanos podem afetar substancialmente a quantia de vapor
d’água e mudar o clima. Por exemplo, uma atmosfera mais quente contém mais vapor

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d’água. As atividades humanas também influenciam o vapor d’água através de emissões


de CH4, pois este gás sofre uma destruição química na estratosfera e produz uma pequena
quantia de vapor d‘água.
• Os aerossóis são pequenas partículas presentes na atmosfera com tamanho, concentração
e composição química que variam amplamente. Alguns aerossóis são emitidos
diretamente na atmosfera, enquanto outros são formados a partir de compostos
já existentes. Os combustíveis fósseis e a queima de biomassa têm aumentado a
quantidade de aerossóis que contêm compostos de enxofre, compostos orgânicos e
fuligem (black carbon). As atividades humanas, como mineração e processos industriais,
têm aumentado a quantidade de poeira na atmosfera. Com relação aos aerossóis
naturais, tem-se: poeira de minerais, sal marinho, emissões biogênicas dos continentes
e oceanos, e sulfato e poeira produzidos pelas erupções vulcânicas.
As mudanças no uso do solo (trocar a vegetação natural por algum cultivo ou por área
urbanizada etc.) são um fator que pode produzir grandes impactos no clima. Tais mudanças
influenciam o albedo, a evaporação e até mesmo os ventos.
O desmatamento aumenta a quantia de dióxido de carbono e outros GEE na atmosfera.
A vegetação e o solo das florestas tropicais armazenam 460-575 bilhões de toneladas de carbo-
no no mundo (Urquhart et al., 2001). Quando uma floresta é cortada e queimada, o carbono
que estava armazenado nos troncos das árvores (cerca de 50% da madeira é constituída de
carbono) se une ao oxigênio e é liberado na atmosfera em forma de CO2. O desflorestamento
também afeta o clima local porque reduz o resfriamento, o qual é associado à evaporação.
De acordo com Urquhart et al. (2001), algumas pesquisas sugerem que cerca da metade da
precipitação que atinge as florestas tropicais é resultado da sua própria umidade. Os processos
de evaporação e evapotranspiração das árvores e vegetação fornecem grande quantia de vapor
d´água para a atmosfera local, promovendo a formação de nuvens e precipitação. Quando há
menos evaporação significa que mais energia solar é hábil para aquecer a superfície terrestre e,
consequentemente, o ar adjacente, o que produz um aumento nas temperaturas.

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298 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2

A Figura 13.14 mostra algumas das fontes de emissão de GEE e contribuição associada no Globo.
É possível observar que 66% das emissões são devidas à industrialização e à queima de combustíveis
fósseis, sendo o CO2 o maior contribuinte. A agropecuária responde por 20%, sendo o metano o
maior responsável. Os restantes 14% são originados de processos de mudanças no uso da terra, em
que o CO2 tem também a maior contribuição.

Figura 13.14: Origem das fontes de emissões de GEE e contribuição


associada. / Fonte: cortesia de Carlos Cerri/ESALQ, 2009.

No Brasil, a principal fonte de emissão de GEE é a mudança no uso do solo (Figura 13.15),
que tem a grande influência do desmatamento e queimadas.

Figura 13.15: Emissões de gases e efeito estufa no Brasil entre 1990 e 2012. / Fonte: GVCES.

13 Mudanças Climáticas
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2 299

13.4 Mudanças observadas no clima


Desde o quarto Relatório de Avaliação das mudanças Climáticas no planeta, divulgado em
fevereiro de 2007, o IPCC menciona que:

“o aquecimento do sistema climático é inequívoco, como está agora


evidente nas observações dos aumentos das temperaturas médias globais do ar
e do oceano, do derretimento generalizado da neve e do gelo e da elevação
do nível médio do mar global”.

A Figura 13.16 mostra que, à medida que as anomalias positivas da temperatura do ar e do


mar aumentam no globo o nível do mar tambpem aumenta, assim como há uma redução da
cobertura de gelo marinho (essa última informação é para dados coletados no Ártico).

Figura 13.16: Mudanças observadas


na (a) temperatura da superfície
média global, (b) média global do nível
do mar e (c) cobertura de neve no
Hemisfério Norte de abril a maio. Todas
as diferenças são correspondentes às
médias do período de 1961 a 1990. /
Fonte: adaptado de IPCC, 2007.

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300 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2

Figura 13.17: Comparação entre as simulações dos modelos climáticos e dados observados de temperatura do ar à superfície no
período de 1850 a 2010. A curva preta indica as observações, enquanto a azul, simulações usando apenas forçantes naturais e a
rosa, simulações usando forçantes naturais e atropogênicas. / Fonte: adaptado de Climatechange, 2013.

A Figura 13.17 mostra uma comparação entre as simulações dos modelos climáticos
(curvas cloridas) e os dados observados de anomalia global da temperatura em superfície
(curva preta) entre 1850 e 2010. Quando os modelos são dirigidos apenas por forçantes

13 Mudanças Climáticas
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naturais (curva em azul), as simulações não representam de maneira adequada as tendências das
anomalias observadas. Quando dirigidos por forçantes naturaus e antropogênicas (curva em
rosa), as simulações conseguem reproduzir o aumento da temperatura ao longo dos últimos
40 anos. Assim a Figura 13.17 sugere que é muito provável que o aumento observado da
temperatura média global em superfície média global nas últimas décadas esteja relacionado
com o aumento das concentrações do GEE associadas às forçantes antropogênicas.

13.5 Projeções do Clima Futuro


A Figura 13.17 sugere que os modelos atmosféricos podem ser confiáveis, ao reproduzir
a variabilidade da temperatura quando diferentes tipos de forçantes (externas e internas) são
utilizadas. Vários modelos climáticos têm sido usados para prover projeções do clima futuro
com base nos cenários de emissões do IPCC. Os cenários correspondem a uma descrição
de um estado futuro do mundo levando em consideração o desenvolvimento econômico e
tecnológico, demografia, etc. Existem cenários em que considera maior utilização de fontes de
energia limpa, uso adequado dos recursos naturais, e mnos injeção de GEE estufa na atmosfera.
Entretanto, há cenários pessimistas que não consideram o perfil descrito e incluem maior inje-
ção de GEE na atmosfera. Os modelos climáticos são “alimentos” com a descrição desses cená-
rios e executam simulações numéricas para projetar o estado futuro do clima. Muitos cenários
têm sido desenvolvidos ao longo dos anos para serem fornecidos aos modelos climáticos. Por
exemplo, o quarto relatório do IPCC utilizou os Special Report on Emissions Scenarios (SRES,
ver Nakicenovic et al, 2000 para uma descrição detalhada dos cenários SRES). Já o quinto
relatório, empregou o Representative Concentration Pathways (RCPS). A Figura 13.18 mostra
as projeções de temperatura do ar à superfície, em termos anuais, considerando 4 cenário:
RCP 2.6, 4.5, 6.0 e 8.5 e três períodos futuros: 2046-2065, 2081-2100 e 2181-2200. Note
que independente do cenário e período analisado, os maiores aumentos de temperatura são
projetados sobre o continente e, principalmente, nas latitudes altas do Hemisfério Norte. Nos
3 períodos analisados, as maiores temperaturas são projetadas usando o cenário RCP8.5, que é
o mais pessimista.

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Figura 13.18: Mudanças projetadas para a temperatura do ar (°C) próxima à superfície em termos anuais, considerando 4 cenários:
RCP 2.6, 4.5, 6.0 e 8.5, três períodos: 2046-2065 (coluna esquerda), 2081-2100 (coluna central) e 2181-2200 (coluna direita) e a medida
de diferentes modelos. As figuras correspondem às medidas dos períodos futuros menos a dos período 1986-2005.
/ Fonte: adaptado de IPCC,2013.

Com relação à precipitação, a Figura 13.18 mostra as mudanças projetadas para cada
estação do ano considerando o cenário RCP 8.5 e três períodos: 2046-2065, 2081-2100 e
2181-2200. De forma geral, em todas as estações do ano é projetado aumento de precipitação
no polos e na região da ZCIT.

13 Mudanças Climáticas
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Figura 13.19: Mudanças projetadas para a precipitação (porcentagem), em termos sazonais, considerando o cenário RCP 8.5, três
períodos: 2046-2065 (coluna esquerda), 2081-2100 (coluna direita) e 2181-2200 (coluna direita) e a média de diferentes modelos. As
figuras correspondem a média dos períodos futuros menos a do período 1986-2005. / Fonte: adaptado de IPCC, 2013.

A Figura 13.20 mostra a projeção de temperatura e precipitação do modelo regional


Precis para o período de 2071-2100. No painel esquerdo, pode-se notar que, para o Brasil, são
projetadas tendências positivas de noites quentes, ou seja, madrugadas mais quentes e redução
das noites frias. No painel direito, são projetados aumentos nos extremos de precipitação sobre
a maior parte das regiões centro-oeste e sudeste, por exemplo. Na maior parte do Brasil há a
projeção de que chuvas com volume superior a 10 mm poderão ocorrer durante períodos entre
4 e 20 dias.

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Figura 13.20: Projeção de temperatura e precipitação do modelo regional Precis


para o período de 2071-2100. / Fonte: Cortesia de José Marengo CCST/INPE.

As mudanças na temperatura do ar são as mais fáceis de medir, mas a umidade atmosférica,


precipitação e circulação atmosférica também mudam, à medida em que o sistema climático
inteiro é afetado (IPCC, 2007). Um aumento na temperatura do ar conduz a um aumento na
capacidade da atmosfera manter vapor d’água. Esses efeitos juntos alteram o ciclo hidrológico
e, especialmente, as características da precipitação. O diagrama a seguir (Figura 13.21) resume
a relação entre o aquecimento global e as variáveis atmosféricas. Com o aquecimento global
associado ao aumento da temperatura e evaporação, há aumento na capacidade da atmosfera de
reter umidade, intensificando o efeito estufa e alterando os regimes de chuvas sobre determinada
região. A alteração nos regimes de chuvas pode ocorrer tanto no sentido de intensificar quanto de
reduzir os volumes precipitados.

13 Mudanças Climáticas
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2 305

Figura 13.21: Relação entre aquecimento global e as


variáveis atmosféricas

Existem algumas incertezas nas projeções climáticas, que são inerentes aos
diversos dados observados e às limitações dos modelos de clima. Mas, mesmo
que as incertezas continuem persistindo, sabe-se o suficiente para afirmar que
o aumento na concentração dos Gases de Efeito Estufa (e seu impacto no
aquecimento global), associado às fontes antropogênicas, é um fato e deve ser
levado em consideração.

Para finalizar esta seção, a Figura 13.22 mostra a relação sistemática entre emissões e concen-
trações dos GEE, mudança climática, impacto nos sistemas naturais e os caminhos do desenvolvi-
mento socioeconômico. Nela, o termo adaptação refere-se a medidas para reduzir, em curto prazo,
o impacto das mudanças climáticas na sociedade e está relacionada a esforços locais e nacionais.
Já o termo mitigação refere-se a medidas para diminuir as emissões antropogênicas dos GEE a
longo prazo e está relacionada a esforços internacionais como os acordos entre países.

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306 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2

Figura 13.22: Relação sistemática entre emissões e concentrações dos GEE, mudança climática,
impacto nos sistemas naturais e os caminhos do desenvolvimento socioeconômico.

13.6 O mundo e as mudanças climáticas


Conforme descrevem Oliveira et al. (2009), em 1972 ocorreu, em Estocolmo, a primeira
Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano, onde foi dado o alerta
de que os problemas ambientais são fruto de um modelo de desenvolvimento em que os
recursos naturais são tidos como inesgotáveis. Mas o tema relacionado ao aquecimento global
só começou a ganhar maior destaque a partir da Conferência das Nações Unidas para o Meio
Ambiente e Desenvolvimento, realizada no período de 3 a 4 de junho de 1992, no Rio de
Janeiro (a chamada Rio-92). Nesse evento, vários documentos com compromissos importantes
para a humanidade foram assinados, entre os quais o da Convenção sobre Mudança do Clima.
Essa convenção representa o consenso de mais de uma centena de países sobre a necessidade de
se fazer um esforço em escala global para reduzir a emissão de gases que intensificam o efeito
estufa. Essa convenção também delegou ao IPCC a missão de avaliar os conhecimentos atuais
sobre as mudanças do clima, os impactos ambientais, econômicos e sociais das mudanças do
clima e as possíveis estratégias para lidar com tais impactos (como já foi mencionado no início
deste texto, o IPCC foi criado em 1988).

13 Mudanças Climáticas
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Em 1995, aconteceu a primeira Conferência das Partes (COP 1) na Alemanha.


A Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas de Mudanças Climáticas
(COP/CQNUMC) é um fórum em que os signatários da Convenção sobre Mudança do
Clima fazem discussões e apresentam suas expectativas. A COP 2 foi realizada em 1996 em
Genebra, na Suíça. A partir dessa conferência começaram a ser plantadas as primeiras sementes
do Protocolo de Quioto, o qual tomou seu formato conclusivo na COP 3 - realizada em 1997
em Quioto, no Japão - e foi gerado com o intuito de que os países industrializados reduzissem
suas emissões de Gases de Efeito Estufa em, pelo menos, 5% em relação aos níveis do ano de
1990 entre o período de 2008 e 2012.

Mais informações sobre o Protocolo de Quioto podem ser encontradas em


http://mudancasclimaticas.cptec.inpe.br/~rmclima/pdfs/Protocolo_Quioto.pdf

Oliveira et al. (2009) também mencionam que foi na COP 3 que a delegação brasileira
apresentou oficialmente a proposta do Brasil, que previa a criação de um fundo mundial,
denominado Fundo de Desenvolvimento Limpo,que seria alimentado por contribuições advindas
de penalidades arbitradas aos países industrializados que não cumprissem suas metas quantitativas
de redução de emissões acordadas. Esse fundo serviria para financiar projetos em países em
desenvolvimento para a implementação de ações orientadas ao desenvolvimento sustentável.
Tal proposta serviu de inspiração para o chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
(MDL). No MDL, as empresas ou governos dos países industrializados compram créditos de
projetos que reduzem as emissões dos GEE em países em desenvolvimento e promovem, ao
mesmo tempo, o desenvolvimento sustentável. Assim, essas nações podem usar esses créditos
para atingir sua própria meta de redução de emissões.
Em 1998, foi realizada a COP 4 em Buenos Aires. Nela, um total de 39 países desenvol-
vidos assinaram o Protocolo de Quioto, inclusive os Estados Unidos. No entanto, o senado
norte-americano não o ratificou, o que desobrigava o país de cumprir a sua meta. Só em
16 de fevereiro de 2005 o Protocolo de Quioto entrou em vigor, com as seguintes metas:

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• Os países do anexo I terão de reduzir, no período de 2008 a 2012, 5,2% de suas emissões
de dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O), em relação aos
níveis do ano de 1990. (No Anexo I estão os países-membros da Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), além dos países do antigo bloco
soviético – grupo de países com compromisso de redução de seus GEE; já fora do Anexo
I estão todos os demais, principalmente os países em desenvolvimento - grupo sem
compromisso de redução de seus GEE.
• Os países do Anexo I terão de reduzir seus níveis de hidroclorofluorcarbono (CFH),
perfluorcarbono e hexafluoreto de enxofre (SF6) aos níveis do ano de 1995.
• É permitido o “comércio de emissões” entre países do Anexo I. Países que reduzirem mais
do que a sua meta podem vender créditos para aqueles que não conseguirem alcançar sua
própria meta.
• É permitido aos países do Anexo I que não conseguirem cumprir suas metas de redução
de emissão utilizar o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, “pagando” pelo não
cumprimento das metas com investimentos em projetos em países do Não-Anexo I que
reduzam emissões.
Na realidade, o Protocolo de Quioto estabeleceu uma meta de redução de emissões para
cada país, e cada país do Anexo I declarou a meta de redução que desejava e/ou poderia atingir.
Em 1999, foi realizada a COP 5 em Bonn, na Alemanha. Já, em 2005, ocorreu a COP 11 em
Montreal, no Canadá. Nesta, começaram os debates sobre as regras a serem seguidas depois do
primeiro período de compromisso do Protocolo de Quioto (a partir de 2012).
A Tabela 13.1 mostra o ano e local de ocorrência da COPs até 2015.

13 Mudanças Climáticas
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Tabela 13.1 Ano e local de ocorrência das COPs.

COPs Ano Local


COP1 1995 Berlim - Alemanha
COP2 1996 Genebra – Suíça
COP3 1997 Quioto – Japão
COP4 1998 Buenos Aires – Argentina
COP5 1999 Bonn – Alemanha
2000 – Parte 1 – Haia - Holanda
COP6 2000-2001
2001 – Parte 2 – Bonn - Alemanha
COP7 2001 Marrakesh – Marrocos
COP8 2002 Nova Déli - Índiia
COP9 2003 Milão – Itália
COP10 2004 Buenos Aires - Argentina
COP11 2005 Montreal - Canadá
COP12 2006 Nairóbi – Quênia
COP13 2007 Bali - Indonésia
COP14 2008 Poznan - Polônia
COP15 2009 Copenhague – Dinamarca
COP16 2010 Cancun – México
COP17 2011 Durban – África do Sul
COP18 2012 Doha - Qatar
COP19 2013 Varsóvia - Polônia
COP20 2014 Lima – Peru
COP21 2015 Paris – França

Referências
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Glossário
Adaptação: iniciativas e medidas para reduzir a vulnerabilidade dos sistemas naturais e humanos aos
efeitos atuais e esperados das mudanças climáticas. Em outras palavras, é criar estratégias para
conviver com as mudanças do clima.
Eventos extremos: os eventos extremos podem ser de tempo ou de clima e se referem a fenômenos
que ocorrem com pouca frequência. Um exemplo extremo de tempo é a ocorrência de 10 mm de
precipitação no sudeste do Brasil no período de 1 hora.
Forçante climática: mudança imposta ao balanço de energia da Terra que, tipicamente, causa uma
mudança na temperatura global.
Forçantes climáticas: uma força é uma mudança imposta ao balanço de energia da Terra que,
tipicamente, causa uma mudança na temperatura global.
Fotosfera: a camada visível do Sol.

Mitigação: no contexto das mudanças climáticas, significa implementar políticas para reduzir a emissão
de gases de efeito estufa.
Mudanças climáticas naturais: mudanças ocorridas no clima devido a fatores, sem a influência
do homem.
Resiliência: é a capacidade de um sistema social ou ecológico em absorver as perturbações sofridas sem
modificar sua estrutura básica e formas de funcionamento, a capacidade de auto-organização e a
capacidade de se adaptar ao estresse e mudança.
Vulnerabilidade: é o grau em que um sistema é susceptível e incapaz de lidar com os efeitos adversos das
mudanças climáticas, incluindo a variabilidade climática e os eventos extremos.

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