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PONTÍFICA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

PEDRO DADALTO OLIVEIRA

O PODER CONSTITUINTE À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS

SÃO PAULO
2022
PONTÍFICA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP

PEDRO DADALTO OLIVEIRA

O PODER CONSTITUINTE À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS

Trabalho de conclusão de curso para obtenção


do título de graduação em Direito apresentado
à Pontifica Universidade Católica de São Paulo.

Orientador: Prof. Dr. Marcelo de Oliveira


Fausto Figueiredo Santos.

SÃO PAULO
2022
Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial
desta
Tese de Doutorado por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
Assinatura_______________________________________________
Data__________________
E-mail__________________________________________________

FICHA CATALOGRÁFICA
Sistemas de Bibliotecas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
– Ficha Catalográfica com dados fornecidos pelo autor

Oliveira, Pedro Dadalto O Poder Constituinte à luz dos Direitos


Humanos / Pedro Dadalto Oliveira. -- São Paulo: [s.n.], 2022. 60p; cm.

Orientador: Marcelo de Oliveira Fausto Figueiredo Santos.


Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) -- Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, Graduação em Direito, 2022.

1. Poder Constituinte. 2. Limites jurídicos. 3. Direitos Humanos.


4. Postulados Normativos. I. Fausto Figueiredo dos Santos, Marcelo de
Oliveira. II. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Graduação
em Direito. III.

Título.

CDD
Aos meus pais, Newton e Jane,
pelo apoio incondicional ao longo de todo meu percurso
e por se fazerem presentes nos reveses e júbilos da vida.
AGRADECIMENTOS

Talvez esse seja o tópico mais difícil de se escrever. Afinal, ao olhar para todo o período
de 05 anos em que realizei o famigerado curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo – PUC/SP, vejo que foram tantas as pessoas que, cada uma a sua forma,
contribuíram para que eu pudesse iniciar, cursar e, enfim, terminar o curso de graduação. Por
detrás desta conquista individual, existem familiares, professores e amigos que, sem dúvida
alguma, foram essenciais para minha formação e meu desenvolvimento pessoal, profissional e
acadêmico.
Não obstantes as inevitáveis injustiças e omissões que acompanham os agradecimentos
nominais, não podemos deixar de fazê-los.
Agradeço, incialmente, aos meus pais, Newton e Jane, por todo amparo emocional,
econômico e psicológico, bem como por todos conselhos e advertências diante das decisões a
serem tomadas no decorrer da vida.
Pela inspiração, aos Professores Augusto Neves Dal Pozzo, Luiz Guilherme Arcaro
Conci, Luís Manuel Fonseca Pires, Maurício Zockun, Renato Barth Pires, Ricardo Marcondes
Martins e Pedro Serrano, verdadeiros responsáveis por minha paixão pelo Direito Público.
Ainda nesse sentido, faço um agradecimento especial ao Professor Marcelo Figueiredo
por todas preciosas orientações acadêmicas, pela oportunidade em ser seu monitor durante um
curto, mas valioso, período da graduação e por conjugar, ao lado de sua qualificação enquanto
notável jurista, a virtude da humildade, sendo sempre respeitoso e atencioso no trato pessoal.
Ao colega Eduardo João Gabriel Fleck S. Abreu, pelo auxílio no levantamento de
material bibliográfico.
Não poderia me esquecer, por óbvio, dos colegas de trincheira, os quais conheci, pouco
a pouco, durante o curso: Caio Shimoda, Gabriel Oliveira Sampaio, Marília Gomes Braga,
Otavio Bierrenbach, Vanessa Paterson Pontes e Vitória Fernandes Lucena.
Ao magistrado Marcos Pimentel Tamassia e todos os integrantes do Gabinete 1108, pela
primeira oportunidade de estágio no meio jurídico, pela paciência nos ensinamentos e, claro,
pela amizade sincera e leal.
Não poderia deixar de agradecer aos advogados Matheus Teixeira Moreira, Renan
Garcia Pires, Vinícius Pollarini Marques de Souza e Wagner Andrighetti Junior, por todas lições
no campo da advocacia privada.
A todos os membros da cultura Hip-Hop, a qual, ainda quando muito jovem, abriu meus
olhos e evidenciou a importância do pensamento crítico e de buscar o conhecimento como uma
fonte de transformação social, sem o que, certamente, não teria aproveitado de maneira
adequada minha possibilidade de ingressar no Ensino Superior.
Por derradeiro, agradeço imensamente à Karen, minha fiel companheira de todos os
momentos, que nunca deixou de me ajudar a enfrentar os contratempos da vida e, além disso,
trouxe o maior motivo dos meus sorrisos, donde retiro minhas forças e nutro minhas energias
para seguir em frente neste caminho repleto de obstáculos.
Eu já venci as batalhas,
Agora eu vou vencer a guerra.
Emicida.
RESUMO

O presente estudo se volta à análise dos atributos do Poder Constituinte à luz da noção
contemporânea de direitos humanos, especialmente aquela característica que diz respeito a
suposta ausência de limites jurídicos a serem respeitados pelo referido poder. Assim, tendo
como metodologia de pesquisa o levantamento e a leitura de material bibliográfico existente
sobre os temas que permeiam esta monografia, buscamos apresentar os conceitos básicos
atinentes ao Poder Constituinte e, posteriormente, percorremos caminho semelhante no que
tange a internacionalização dos direitos humanos, de modo que abordamos seu processo
histórico e, também, as transformações que causou na atual compreensão do Direito. Em
seguida, debruçamo-nos sobre o assunto dos postulados normativos, oportunidade em que os
reconhecemos como autênticos limites jurídicos à atuação desse poder responsável pela edição
da Constituição. A partir das premissas assentadas, concluímos, ao final, que o Poder
Constituinte se encontra limitado pelo que chamamos de postulado da construção histórica do
Direito e, por força dele, deve respeito aos direitos humanos e fundamentais conquistados
historicamente pelos indivíduos. Desta maneira, sob o argumento de que os direitos humanos
representam o ápice desta referida construção histórica, entendemos que estes direitos figuram
enquanto verdadeiros limites ao Poder Constituinte, rompendo-se, destarte, com a solidificada
tese de que não haveriam limitações ao poder que produz uma Constituição.

Palavras-chave: Poder Constituinte. Ausência de limites jurídicos. Direitos Humanos.


Postulados Normativos. A Construção Histórica do Direito.
ABSTRACT

The present study turns to the analysis of the attributes of the Constituent Power in the light of
the contemporary notion of human rights, especially that characteristic that concerns the
supposed absence of legal limits to be respected by the referred power. Thus, having as a
research methodology the survey and reading of existing bibliographic material on the themes
that permeate this monograph, we seek to present the basic concepts related to the Constituent
Power and, later, we follow a similar path regarding the internationalization of human rights,
from way that we approach its historical process and, also, the transformations that it caused in
the current understanding of the Law. Next, we focus on the issue of normative postulates, an
opportunity in which we recognize them as authentic legal limits to the performance of this
power responsible for editing the Constitution. From the established premises, we conclude, in
the end, that the Constituent Power is limited by what we call the postulate of the historical
construction of Law and, by virtue of it, it owes respect to human and fundamental rights
historically conquered by individuals. In this way, under the argument that human rights
represent the apex of this historical construction, we understand that these rights appear as true
limits to the Constituent Power, thus breaking with the solidified thesis that there would be no
limitations to the power that produces a Constitution.

Keywords: Constituent Power. Absence of legal limits. Human rights. Normative Postulates.
The Historical Construction of Law.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO............................................................................................................11
2. O PODER CONSTITUINTE: CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS ................................ 13
2.1. Constitucionalismo ...................................................................................................... 13
2.2. O conceito de Poder Constituinte ............................................................................... 15
2.3 Espécies ......................................................................................................................... 16
2.4 Titularidade e exercício ................................................................................................ 18
2.5 Atributos ....................................................................................................................... 23
3. A TUTELA INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS .................................. 27
3.1 A construção histórica dos direitos .............................................................................. 27
3.2. A cidadania internacional ........................................................................................... 33
3.3. O Direito Internacional dos Direitos Humanos enquanto parâmetro objetivo de uma
ética universal .................................................................................................................... 36
4. O PODER CONSTITUINTE E A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS .. 43
4.1. As Teorias Tradicionais Acerca da Limitação do Poder Constituinte: jusnaturalismo
e positivismo jurídico ......................................................................................................... 43
4.2. Os postulados normativos enquanto limites jurídicos ao Poder Constituinte ........... 45
4.3. O postulado da construção histórica do Direito ......................................................... 49
4.4. A relação entre o Poder Constituinte e os Direitos Humanos à luz do postulado da
construção histórica do Direito...............................................................................................52
5. CONCLUSÃO ................................................................................................................ 56
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 58
11

1. INTRODUÇÃO

O estudo jurídico se torna extremamente interessante quando se percebe o elevado grau


de diversidade dos temas que podem ser abordados e analisados. Existem aqueles assuntos
considerados como clássicos, notadamente de cunho teórico, e cujo estudo permeia os séculos
e acompanha a própria evolução do Direito. Existem, também, aqueles temas contemporâneos,
que surgem na medida em que a comunidade se desenvolve e, com efeito, transformam-se as
relações sociais, sendo necessário a atenção, por parte dos estudiosos das letras jurídicas, aos
impactos destas evoluções ao ambiente jurídico.
Pois bem, o tema do presente estudo, indubitavelmente, se enquadra naquela primeira
categoria. Não seria errôneo dizer, portanto, sua posição enquanto um assunto clássico no
âmbito do Direito – especialmente dentro do Direito Constitucional. É dizer, nosso objeto de
estudo primordial é o Poder Constituinte. Trata-se de um assunto que está na gênese da própria
noção de Constituição, uma vez que surge, nos moldes como conhecemos atualmente, na esteira
do movimento constitucionalista.
É possível imaginar, com isso, a existência de farta bibliografia sobre o tema, sendo
certo, inclusive, que autores, igualmente, clássicos já se debruçaram sobre o tema, os quais
foram os grandes responsáveis pela fixação de suas vigas mestras. Isso não significa, contudo,
que se trate de tema incontroverso e de fácil compreensão. A título ilustrativo, o conceituado
jurista Raul Machado Horta destacou que o estudo do Poder Constituinte representa um “tema
nebuloso.” 1 Além disso, há quem sustente, sob o fundamento da inexistência de normas
jurídicas que regulem sua atuação, que o Poder Constituinte é um poder de fato, e não, portanto,
um poder de cunho jurídico.2
Nossa pretensão é traçar uma revisão da afirmativa, solidificada ao longo dos anos, de
que o exercício de tal poder não encontra nenhuma limitação de ordem jurídica. Afirma-se,
comumente, que o Poder Constituinte é inaugural e, assim, não está sujeito às limitações
impostas pelo sistema normativo. Esta tese sempre nos causou desconforto, haja vista a
finalidade precípua do Direito Público ser, essencialmente, a limitação do poder estatal, de
modo que nos parece difícil reconhecer a pertinência, dentro do Estado Constitucional, de um
poder juridicamente ilimitado.

1 HORTA, Raul Machado. Direito constitucional. 5ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 01.
2 Por todos: SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 41.
12

Junto a essa preocupação de índole teórica, ao voltarmos os olhos para nossos vizinhos
latino-americanos, podemos constatar que o Poder Constituinte se manifestou recentemente em
dois países, na Bolívia e no Chile, o que evidencia a atualidade do tema. Até mesmo no Brasil,
em quase todo processo eleitoral surgem rumores acerca da convocação de uma nova
Assembleia Constituinte.
Ou seja, o Poder Constituinte não é um tema antigo ou obsoleto, mas, sim, indelével,
isto é, que acompanha os diferentes momentos históricos do Estado Constitucional.
Somando ambas constatações, buscamos refletir sobre a possibilidade de se
reconhecerem limites jurídicos a serem observados pelo Poder Constituinte, tendo os direitos
humanos como parâmetro para impedir o exercício da função constituinte completamente livre.
Sendo assim, voltamo-nos sobre as duas seguintes indagações: existem limites jurídicos
oponíveis ao Poder Constituinte? Em caso de resposta positiva, é possível inferir que este poder
está juridicamente vinculado à observância dos direitos humanos?
Para enfrentarmos esses questionamentos, buscamos, primeiramente, registrar as
principais características do Poder Constituinte, com o escopo de compreendê-lo de forma
adequada. Posteriormente, passamos ao estudo dos direitos humanos e das relações entre o
Direito Internacional e o Direito Constitucional, com realce à construção histórica dos direitos
do homem e suas implicações. Por fim, relembramos as noções concernentes aos “postulados
normativos” e procuramos transpor as considerações destacadas nos tópicos anteriores. Destarte,
apresentamos a relação entre os todos os temas abordados, bem como nossas conclusões sobre
as indagações supramencionadas.
É de se ressaltar que o estudo do Poder Constituinte não tem recebido a atenção devida
pela doutrina mais recente, o que favorece a petrificação de conceitos e entendimentos
manifestados de longa data. Evidente que muitos desses ensinamentos ainda se mostram
acertados, outros deles, no entanto, merecem, ao nosso juízo, uma revisão ante o atual estágio
de evolução e complexidade que se encontra o Direito. Ou seja: procuramos revisitar um tema
clássico e lhe trazer uma perspectiva contemporânea. Em hipótese alguma se busca negar todas
as concepções teóricas atinentes ao Poder Constituinte, o que se almeja, deveras, é adequá-las
às preocupações e graus de exigência do Direito em sua conformação atual, sempre com o
compromisso de promover a revisão e o aprimoramento dos institutos jurídicos através do
pensamento crítico, pois como já disse uma vez o dramaturgo “pensar significa transformar.”3

3 BRECHT, Bertolt. Histórias do sr. Keuner. 2ª ed. São Paulo: Editora 34, 2013, p. 71.
13

2. O PODER CONSTITUINTE: CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

2.1. Constitucionalismo

O movimento político-social conhecido pelo signo “constitucionalismo” possui como


principal marco histórico de seu nascimento as Revoluções Liberais do século XVIII,
especialmente a Revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789), e provocou
transformações de maior importância para a compreensão do Direito Público e, até mesmo, no
entendimento do próprio Direito de modo geral. Trata-se, sem sombra de dúvida, de um dos
movimentos políticos de maior relevância para o estudo do fenômeno jurídico, porquanto as
noções advindas do constitucionalismo transmutaram, radicalmente, o modelo de Estado em
vigor e, igualmente, a relação entre o Poder Público e o Direito.
A relevância do tema é tão grande que, ao nosso juízo, a correta interpretação do Direito
Público exige que o intérprete esteja imbuído das noções jurídicas oriundas do
constitucionalismo, as quais devem ocupar, implícita ou expressamente, o patamar de premissas
de todo e qualquer raciocínio nesta seara do Direito.
Por mais interessante e importante que seja, transborda os limites do presente estudo a
análise do contexto histórico de nascimento do constitucionalismo, bem como todo o processo
de sua evolução ao longo dos séculos até a contemporaneidade. 4 Em prestígio à estrutura lógica
do pensamento exposto ao longo deste trabalho, basta destacarmos as principais características
e, outrossim, as finalidades desse movimento.
Ao nos debruçarmos sobre o constitucionalismo do século XVIII,5 verificamos que os
movimentos revolucionários mencionados anteriormente estavam imbuídos na necessidade de
limitação do poder político exercido pelo Estado. No caso da França especificamente, a
burguesia reagiu contra as arbitrariedades cometida pelo Estado Absoluto, de tal modo que a
limitação do poder estatal era urgente em nome da liberdade e da igualdade formal defendida
pelos burgueses.

4 A respeito do tema, vide: SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Constituição. São Paulo: Estúdio
Editores.com, 2014, p. 12-33; BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os
conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 10ª ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2022, p. 12-22; TAVARES,
André Ramos. Curso de direito constitucional. 20ª ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2022, p. 24-31; FIGUEIREDO,
Marcelo. As agências reguladoras: o Estado Democrático de Direito no Brasil e sua Atividade Normativa. São
Paulo: Malheiros, 2005, p. 17-22; ALARCÓN, Pietro Jesús Lora. Constitucionalismo. Enciclopédia jurídica da
PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Álvaro de Azevedo Gonzaga e André Luis Freire (coords.). Tomo: Direito
Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Murício Zockun, Carolina Zancaner Zockun e André
Luiz Freire (coord. de tomo). 2ª ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2021. Disponível
em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/98/edicao-2/constitucionalismo. Acesso em: 19/07/2022.
5 DALLARI, Dalmo de Abreu. Constituição e constituinte, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 10-12.
14

No contexto geral, era necessário que fossem colocadas rédeas no poder político e,
inicialmente com este intuito, é que surgiram as primeiras Constituições, é dizer, a Constituição
norte-americana de 1787 e a Constituição francesa de 1791.
Assim nasceu o modelo do constitucionalismo conforme conhecemos nos dias atuais. 6
A noção de Constituição, finalmente, colocou freios jurídicos ao poder político do Estado, 7 o
que foi feito de diversas formas, como pela consagração de direitos fundamentais individuais,
organização racional da sociedade e do Estado e, também, através da separação do exercício
das funções estatais, de modo a impedir sua concentração em um único agente. 8
Sabemos que o constitucionalismo evoluiu e outros desdobramentos jurídicos foram
surgindo no correr dos séculos. No entanto, sua essência de limitação do poder ainda se
preserva. 9 Faz-se mister, como nos recorda Dalmo de Abreu Dallari, “limitar juridicamente
todos os poderes que ameacem ou possam vir a ameaçar a liberdade efetiva e a igualdade de
possibilidade dos indivíduos.”10
Deste modo, não obstante seu nascimento tenha ocorrido há tantos anos, a correta
compreensão do Direito Público em um país que tenha adotado o modelo do constitucionalismo
exige a internalização da premissa de que, em um Estado Constitucional, o poder político estatal
deve encontrar limites jurídicos, sob pena de violação da ideia nuclear deste modelo de Estado.

6 Sobre o modelo do constitucionalismo, o Professor Ricardo Marcondes Martins faz a seguinte síntese: “O
modelo pode ser assim sintetizado: o poder estatal deve ser disciplinado por um conjunto de normas fixadas num
teto escrito, produzido em determinado momento histórico e por um órgão designado para tanto – o texto foi
chamado de Constituição e o órgão de poder constituinte. Esse texto possui duas características essenciais que o
distinguem de todos os demais textos normativos: só pode ser alterado por um procedimento específico, diverso
do procedimento previsto para elaboração das leis (Constituição rígida), e as normas dele extraída são consideradas
superiores a todas as demais normas (supremacia da Constituição). Essas normas, chamadas de constitucionais,
são identificadas não pela matéria, mas pela forma: constam, expressa ou implicitamente, desse texto (Constituição
formal). A Constituição consubstancia um e apenas um texto escrito (Constituição escrita e codificada), elaborada
num momento histórico certo, determinado, pontual (Constituição dogmática). Ainda que acrescido de emendas
ou adendos posteriores. Não se atribui total liberdade ao constituinte: o modelo do constitucionalismo pressupõe
a positivação de direitos fundamentais e o estabelecimento da separação dos poderes.” MARTINS, Ricardo
Marcondes. Regulação administrativa à luz da Constituição Federal. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 28-29.
7 A propósito, ressaltando a relação entre o constitucionalismo e a limitação do poder estatal, o consagrado jurista
José Joaquim Gomes Canotilho pontua que: “Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio
do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social
de uma comunidade. Nesse sentido, o constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de
limitação do poder com fins garantísticos.” CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria
da Constituição. 7ª ed. Coimbra, Edições Almedina, 2003, p. 51.
8 DALLARI, Dalmo de Abreu. Constituição e constituinte, op. cit., p. 12. A limitação do poder estatal, conforme
as lições de Luís Roberto Barroso, é realizada através de: (i) limitações materiais; (ii) limites relacionados a
organização da estrutura do Estado; e, por fim, (iii) limitações processuais. BARROSO, Luís Roberto. Curso de
direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo, op. cit., p. 12.
9 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, op. cit., p. 29.
10 DALLARI, Dalmo de Abreu. Constituição e constituinte, op. cit., p. 14.
15

2.2. O conceito de Poder Constituinte

Fixadas as noções elementares do constitucionalismo, as quais penetram, por


consequência lógica, as ideias centrais das Constituições, é mister delimitarmos os principais
conceitos e características do Poder Constituinte, o que é fundamental para a compreensão do
tema objeto deste trabalho. Nesse sentido, surgem duas indagações que estão associadas: como
nasce uma Constituição? Qual a relação entre o chamado “Poder Constituinte” e o surgimento
de uma Lei Fundamental?
Uma Constituição não deixa de ser, em última instância, uma Lei, isto é, uma norma
jurídica, portanto. É evidente que se trata de uma Lei que goza de atributos especiais e com
características específicas. No entanto, isso não contraria a afirmação da Constituição ser uma
norma jurídica. Deste modo, é indispensável que este conjunto especial de textos normativos,
dotados de supremacia e que funcionam como fundamento de validade de o restante do
ordenamento jurídico, sejam elaborados por um poder específico. Em outros termos, é
imprescindível a existência de um poder competente para a elaboração de uma Constituição.
E qual seria o poder que detém essa competência para editar uma Constituição?
Resposta: o Poder Constituinte. A propósito, José Afonso da Silva, precisamente, aponta que:
“Poder constituinte, pois, é o poder que cabe ao povo de dar-se uma constituição. É a mais alta
expressão do poder político, porque é aquela ‘energia’ capaz de organizar política e
juridicamente a Nação.” 11 Nelson Saldanha, em sentido semelhante, pontua que: “Poder
Constituinte, pode-se dizer, é a aptidão ou a oportunidade de estabelecer uma Constituição.”12
A questão concernente ao fundamento do Poder Constituinte, a qual versa, igualmente,
sobre o fundamento da Constituição, já foi alvo de grande discussão na Teoria Geral do
Direito.13 Ao nosso sentir, contudo, o Poder Constituinte e a Constituição, esta enquanto fruto
daquele, se alicerçam na vontade constituinte, é dizer, na vontade e política de uma determinada
sociedade no sentido de criar um corpo de regras jurídicas com a finalidade de disciplinar as

11 SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 226.
12 SALDANHA, Nelson. Poder Constituinte. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1986, p. 65.
13 Basta recordarmos que a conhecida formulação da “norma hipotética fundamental” de Hans Kelsen diz respeito
justamente sobre esse tema. Sobre esta teoria: KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 8ª ed. São Paulo: Editora
WMF Martins Fontes, 2009, p. 215-246.; COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen. 7ª ed. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 26-30.
16

relações sociais e organizar seu funcionamento. Trata-se da manifestação do poder político14


de uma dada comunidade, sendo este é o fundamento de uma Constituição.
Nesta toada, tendo em vista que o Poder Constituinte institucionaliza juridicamente a
nação e cria, outrossim, o próprio Estado, de modo a editar as normas jurídicas originárias de
uma determinada sociedade, este poder de elaborar uma Constituição é, na verdade, a primeira
etapa de manifestação do poder político. Vale dizer, o Poder Constituinte é a primeira faceta
jurídica do poder político.15
Com efeito, haja vista essas elucidações, bem como as considerações que serão tratadas
a seguir, o Poder Constituinte pode ser conceituado como: é o poder titularizado pelo povo que
representa a manifestação primária do poder político de uma comunidade, a qual, imbuída de
vontade constituinte, decide elaborar uma Constituição com o fim de produzir normas
originárias acerca de sua organização política e jurídica.

2.3 Espécies

Tradicionalmente, a doutrina costuma apontar a existência de duas espécies de Poder


Constituinte, quais sejam: (i) Poder Constituinte Originário; e (ii) Poder Constituinte
Derivado. 16 Aquele possui a função de elaborar uma Constituição, sendo, portanto, o
responsável pela criação originária do ordenamento jurídico e, por consequência, do próprio
Estado, pelo menos em termos jurídicos. É a partir do exercício do Poder Constituinte
Originário que surge a norma jurídica inaugural do sistema normativo, isto é, a Constituição.
Por outro lado, no âmbito das Constituições rígidas, 17 verifica-se a existência do Poder
Constituinte Derivado, o qual diz respeito ao poder competente para proceder a reforma do
texto constitucional em vigência e, além disso, engloba o chamado Poder Constituinte

14 O brilhante constitucionalista José Horácio Meirelles Teixeira adota a seguinte definição: “Poderíamos definir,
afinal, o poder político como a possibilidade concreta, que assiste a uma comunidade, de determinar o seu próprio
modo de ser, os fins e os limites de sua atuação, impondo-os, se necessário, a seus próprios membros, para a
consecução do Bem Comum.” TEIXEIRA, José Horácio Meirelles. Curso de direito constitucional. 2ª ed.
Florianópolis: Conceito Editorial, 2011, p. 199.
15 Nessa linha: Idem, p. 195-201.
16 Nesse sentido: BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p.
29-31; TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 34-37;
SILVA, Virgílio Afonso da. Direito constitucional brasileiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
2021, p. 45-46; ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional.
22ª ed. São Paulo: Editora Verbatim, 2018, p. 47-50.
17 De acordo com a precisa lição de Paulo Bonavides: “Rígidas, as que não podem ser modificadas da mesma
maneira que as leis ordinárias. Demandam um processo mais complicado e solene.” BONAVIDES, Paulo. Curso
de direito constitucional. 34ª ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 83.
17

Decorrente, conferido aos Estados-membros para estruturarem sua organização política e


administrativa, verificando-se nos Estados federais.18
Malgrado se trate de classificação consolidada no âmbito doutrinário, é necessário
fazermos uma leitura crítica acerca das nomenclaturas utilizadas.
Vale dizer, não obstante o chamado Poder Constituinte Derivado verse sobre a
competência que o Poder Legislativo, nos moldes do art. 60 da Constituição Federal, possui
para editar Emendas à Constituição e, com efeito, produza normas de altiplano constitucional,
a verdade é que não se trata de poder constituinte, mas, sim, de poder constituído.19
Ora, o Poder de Reforma Constitucional, como adequadamente sugere José Afonso da
Silva,20 por mais que edite normas constitucionais, é exercido por um órgão constituído pela
Constituição e, inclusive, subordinado a diversas limitações de cunho jurídico, previstas no
dispositivo supramencionado. Aliás, as Emendas Constitucionais, como bem destaca Celso
Antônio Bandeira de Mello, “não são originárias, não são inaugurais em sentido absoluto, não
são a fonte primária de juridicidade, não são o primeiro e incontendível termo de referência de
toda ordem jurídica”, 21 diferentemente das normas constitucionais editadas pelo chamado
Poder Constituinte Originário.
Sendo assim, tendo em vista que as Emendas à Constituição não são, propriamente,
normas inauguradoras do ordenamento jurídico, bem como são emanadas por poder constituído
juridicamente pela Constituição, a qual estabelece claramente limitações jurídicas ao exercício
desta “competência reformadora”22, adotamos a sugestão de José Afonso da Silva e, em vez de
utilizarmos a expressão “Poder Constituinte Derivado”, parece-nos mais adequado o termo
Poder de Reforma Constitucional. 23

18 Frisa-se que o Poder Constituinte Decorrente é considerado como sendo uma espécie do Poder Constituinte
Derivado. Nessa linha: ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito
constitucional, op. cit., p. 50-52.
19 SILVA, Virgílio Afonso da. Direito constitucional brasileiro, op. cit., p. 46.
20 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 42ª ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 67.
21 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2021,
p. 272.
22 Trata-se da nomenclatura sugerida pioneiramente por Michel Temer, vide: TEMER, Michel. Elementos de
direito constitucional, op. cit., p. 37.
23 O tema da reforma constitucional é extremamente instigante e de supina importância, sobretudo no Brasil, os
o texto constitucional atualmente em vigor, infelizmente, foi costurado diversas vezes pelas sobreditas emendas
constitucionais, as quais, muitas vezes, mostraram-se incompatíveis com a identidade material da Constituição.
Sobre o tema: BRITTO, Carlos Ayres. A Constituição e o monitoramento de suas emendas. In: MENDONÇA,
Oscar; MODESTO, Paulo (coords). Direito do Estado: novos rumos. Tomo 1. São Paulo: Editora Max Limonad,
2001.
18

Ainda no que tange o Poder Constituinte Originário, acreditamos ser necessário fazer
uma adequação. Não se nega a qualidade verdadeiramente inovadora da produção normativa
deste poder, no entanto, haja vista as considerações traçadas nos parágrafos anteriores,
acreditamos que acrescentar o termo “originário” ao Poder Constituinte é desnecessário, visto
que “todo poder constituinte é, por definição, originário.”24 Em outras palavras, tão somente o
Poder Constituinte é capaz de editar as normas inaugurais e originárias de uma determinada
ordem jurídica, de tal sorte que qualificá-lo como “originário” apenas repete a ideia que já está
subjacente no próprio conceito de Poder Constituinte e, assim, sua utilização implica um
pleonasmo que, ao nosso juízo, deve ser evitado.

2.4 Titularidade e exercício

A questão concernente a identificação do titular do Poder Constituinte já ensejou grande


discussão e reflexão entre os primeiros estudiosos sobre o tema 25 e a resposta a tal indagação
varia de acordo com o momento histórico analisado. É dizer, ao estudarmos a evolução política
das comunidades, podemos verificar que “a titularidade vem atribuída ora a Deus, ora a um
príncipe ou monarca, bem como ao Povo, à Nação, a um Parlamento ou a uma Classe.” 26
Enquanto teórico responsável pelo desenvolvimento inicial de uma teoria do Poder Constituinte,
Sieyes, de longa data, defendeu que a nação é a verdadeira titular deste poder, o que, na linha
de seu pensamento, abrange apenas os membros do Terceiro Estado, isto é, os membros
componentes da classe burguesa. 27
Hodiernamente, contudo, como desdobramento da consagração do princípio
democrático, consagrou-se a ideia de que o Poder Constituinte é de titularidade do povo.28 Neste
ponto, aliás, o Direito Positivo pátrio não diverge desta tendência democrática, porquanto o
próprio preâmbulo da Constituição de 1988 indica que a Assembleia Nacional Constituinte
exerceu suas atribuições de modo a representar o povo brasileiro, sendo possível inferir o

24 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, op. cit., p. 272.
25 Basta recordarmos, a título de exemplo, que o tema se encontra presente no consagrado pensamento de Sieyés,
o qual apontava a nação como a titular do Poder Constituinte, como bem destacado por Manoel Gonçalves Ferreira
Filho, vide: FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Poder Constituinte. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 42-
44.
26 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, op. cit., p. 160.
27 SILVA, José Afonso da. Poder Constituinte e poder popular. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 83-84.
28 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional, op. cit., p.
46.
19

verdadeiro titular deste poder. 29 Não devemos nos olvidar, ainda, que o conhecido art. 1º,
parágrafo único, da Constituição estabelece que “todo poder emana do povo, que o exerce por
meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
Esse último dispositivo constitucional citado, por um lado, positiva o regime político
adotado pela Constituição Federal, quer dizer, um modelo de democracia participativa, em que
a participação popular se dá pela via representativa e, também, de maneira direta,30 assim como,
por outro lado, fortifica o princípio republicano, no qual as funções políticas são exercidas por
representantes do povo. 31
Além disso, ainda com fundamento no texto normativo
supramencionado, podemos concluir que o próprio Poder Constituinte se reconheceu como
sendo um poder titularizado pelo povo, de modo a se aproximar do princípio do poder popular. 32
Firmada a premissa sobre o titular do Poder Constituinte, é mister, agora, analisarmos
como este poder é exercitado, isto é, por quais meios é possível verificar a expressão desse
poder capaz de criar uma Constituição e, assim, fundar o ordenamento jurídico.
Ao nosso juízo, o Poder Constituinte pode ser exercido de duas formas, é dizer, por duas
vias diferentes, quais sejam: (i) a democrática; e (ii) a revolucionária. 33 Passamos, então, as
considerações sobre cada uma dessas formas de expressão do poder em comento.
O exercício democrático do Poder Constituinte se refere aos procedimentos de caráter
nitidamente popular que se podem colher da histórica constitucional. O exemplo mais marcante
é, certamente, é a manifestação deste poder através de uma Assembleia Constituinte, órgão
composto por representantes de povo e investidos na função de representar os interesses
populares. Trata-se, portanto, do exercício do Poder Constituinte de maneira aliada, na maior
medida do possível, aos preceitos do regime democrático.

29 O preâmbulo da Constituição, ao qual reconhecemos sua força normativa, prescreve que: “Nós, representantes
do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático,
destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução
pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL.”
30 Sobre o modelo democrático albergado pela Constituição de 1988, vide: SILVA, José Afonso da. Curso de
direito constitucional positivo, op. cit., p. 147-148.
31 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 15.
32 SILVA, José Afonso da. Poder Constituinte e poder popular, op. cit., p. 86.
33 Entre os autores que adotam essa classificação ou classificações com rótulos distintos, porém com a mesma
essência substancial, v.: MEIRELLES, José Horácio Teixeira. Curso de direito constitucional, op. cit., p. 210-213;
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional, op. cit., p. 46;
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de direito constitucional.
10ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 47-50; TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional, op.
cit., p. 33.
20

Nesta toada, José Afonso da Silva aponta que a experiência revela 04 formas de
exercício democrático do Poder Constituinte, quais sejam: (i) exercício direito, no qual um
projeto de Constituição é elaborado previamente e, em seguida, submetido ao referendo popular,
de modo que a participação popular se revela mais acentuada; (ii) exercício indireto, hipótese
em que é constituída uma Assembleia Constituinte, composta por membros que representam a
sociedade e, em seu nome, elaboram a Constituição; (iii) exercício por forma mista, sendo esta
a conjunção dos dois modelos já apresentados, ou seja, é formada democraticamente uma
Assembleia Constituinte, que atua de maneira representativa, e, assim, produz-se a Constituição,
a qual, todavia, deve ser submetida ao referendo do povo, de modo que a obra da Assembleia
só será definitivamente promulgada se houver aprovação do titular
do Poder Constituinte; e o (iv) exercício consensual, no qual a Constituição é fruto de
um consenso, isto é, um pacto entre os Estados-membros ou províncias componentes do futuro
Estado e ser criado pelo texto constitucional, é o que se teve, por exemplo, nos Estados Unidos
em 1787, de tal sorte que o órgão incumbido na função constituinte é composto por
representantes dos Estados-membros ou províncias.34
Ao nosso entendimento, parece-nos que o exercício por forma mista é o mais adequado,
uma vez que alia o já tradicional exercício do Poder Constituinte através das Assembleias
Constituintes à exigência de refendo popular, o que, inclusive, fortifica a legitimidade da
Constituição aprovada. Contudo, reconhecemos que a real importância não é o modelo adotado,
mas, sim, a participação popular, noção que deve servir de verdadeira diretriz quando se
pretende o exercício do Poder Constituinte de maneira democrática. A vontade popular clama
por atenção e respeito no procedimento de manifestação deste poder.35
Em certas ocasiões, todavia, verifica-se que o Poder Constituinte pode ser exercido à
luz de um contexto político diferente dos processos democráticos. É o caso em que seu exercício
se dá no bojo de um processo de Revolução. Segue-se daí o chamado poder constituinte
revolucionário, o qual opera em circunstâncias sociais e políticas completamente diversas em
comparação ao exercício democrático deste mesmo poder, o que, aliás, acaba por refletir nas
limitações jurídicas que contornam seu exercício, conforme será abordado com maior detença
nos tópicos seguintes do presente trabalho.

34 SILVA, José Afonso da. Poder constituinte e poder popular, op. cit., p. 70-72.
35 Não se deve esquecer, inclusive, que o advento da tecnologia e o inegável processo de digitalização da
sociedade pode servir como ferramenta de acentuação da participação do povo nas decisões estatais, tendo em
vista que, agora, os populares não precisam mais se reunir em praça pública para a discussão de um tema de
interesse geral, basta um acesso à internet.
21

Existem certos assuntos que, a despeito de possuírem facetas jurídicas, extrapolam os


limites de análise da ciência do Direito e, por consequência, sua compreensão é viável através
de diferentes perspectivas. Em síntese, um mesmo fenômeno pode ser estudado por múltiplas
áreas do conhecimento científico, cada qual com suas premissas próprias. O tema da Revolução,
certamente, se insere nessa categoria, uma vez que sua análise pode ser realizada por distintas
searas do saber, como o Direito, a Ciência Política, a Sociologia e a Filosofia Política. Não
obstante a importância de um conhecimento interdisciplinar, a Revolução, aqui, será tratada sob
uma perspectiva majoritariamente jurídica, haja vista o objeto do presente estudo, o que,
contudo, não significa a desconsideração de contribuições advindas das outras ciências
supramencionadas.
A propósito, o proeminente jurista Ingo Wolfgang Sarlet, após traçar considerações
sobre a distinção entre a perspectiva jurídica e sociológica da Revolução, pontua que “no
sentido jurídico, a revolução consiste na ruptura de um ordenamento jurídico e a instauração de
um novo, mediante processo não regulado pelo ordenamento anterior.” 36 Não há, portanto,
qualquer referência quanto a legitimidade e aos propósitos do processo revolucionário para que
possa assim ser classificado, de tal sorte que um golpe de Estado, como ocorrido em 1964 no
Brasil, faz jus ao rótulo de “Revolução”.
Neste ponto, ousamos discordar do mencionado autor, visto que endossamos,
novamente, os ensinamentos de José Afonso da Silva que, em primorosa obra de Direito
Constitucional, exprime uma noção de Revolução com maior completude, tornando possível
diferenciá-la de fenômenos como o golpe de Estado e a guerra civil. 37
De acordo com o referido autor, que se pauta, principalmente, nos ensinamentos de
Hannah Arent, “a revolução política é, pois, um movimento coletivo dirigido contra um regime
político-constitucional opressor e injusto, visando à sua destruição, em favor da construção de
novo regime.”38 Destarte, ainda que neste sentido empregado o termo em análise represente um
rompimento contra um ordem jurídica de maneira ilícita – em consonância, portanto, com a
visão anteriormente exposta – este rompimento se apresenta como uma reação dos
revolucionários em face de um status quo opressivo e injusto, de tal sorte que os membros da

36 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de direito
constitucional, op. cit., p. 49.
37 SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional, op. cit., p. 311-328.
38 Idem, p. 316.
22

Revolução, movidos por um ideal político, buscam, justamente, alterar radicalmente a ordem
política e jurídica então vigente.39
Não se trata, aqui, de negar o fato desse movimento social ser despido de previsão legal,
o que se busca, contudo, é evidenciar o caráter legítimo da Revolução, uma vez que fundada
em valores de justiça, liberdade e igualdade. Inclusive, é especialmente este traço que lhe é
característico – a legitimidade – que diferencia um movimento revolucionário de um mero
golpe de Estado, porquanto além de inconstitucional, este, também, é ilegítimo. 40
Como apontamos, a Revolução, por um lado, importa em um rompimento com a ordem
jurídica anterior, ou, nas palavras de Georges Burdeau: “uma revolução é a substituição de uma
ideia de Direito por outra, enquanto princípio diretor da atividade social.”41 Faz-se mister, por
outro lado, a instauração de uma nova ordem jurídica, a qual irá contrapor o sistema normativo
anterior, o que é feito, na maioria dos casos, através de uma nova Constituição, fruto do Poder
Constituinte exercido, desta vez, de maneira revolucionária. Trata-se da dinâmica apontada por
Ingo Wolfgang Sarlet como “ciclo revolucionário.”42
Em termos históricos, podemos notar certa teorização do exercício do Poder
Constituinte revolucionário no preâmbulo do Ato Institucional nº 1, editado no dia 09 de abril
de 1964, o qual formalizou, pelo menos em termos jurídicos, o golpe de Estado contra o então
legítimo Presidente João Goulart e, através de alterações à Constituição de 1946, instaurou uma
série de medidas autoritárias que marcaram a Ditadura Militar no Brasil (1964-1985).43 O AI
nº 1 foi obra de dois juristas, Carlos Medeiros Silva e Francisco Campos, sendo este último o
responsável pelo preâmbulo do ato jurídico em comento, o qual dizia que:

A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta


pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical
do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se
legitima por si mesma. Ela destitui o governo anterior e tem a capacidade de constituir
o novo governo. Nela se contém a força normativa, inerente ao Poder Constituinte.

39 “A mudança, a transformação, a busca de uma nova concepção de Estado, de sociedade e do Direito é que
constitui o elemento essencial do conceito de revolução. A proclamação da República no Brasil é um bom
exemplo; foi certamente uma revolução porque implicou a mudança radical da forma de governo e, com ela, a
transformação do Direito existente, das relações políticas e, consequentemente, das relações sociais, foi um fato
violente, porque importou confranger os detentores do poder, em sua base estava o ideal republicano que se se
vinha cultivando, desde há uns 30 anos.” Idem, p. 317.
40 Idem, p. 325-326.
41 BURDEAU, Georges. Traité de Science Politique. 2ª ed. Tomo IV. Paris: LGDJ, 1969, p. 595-596, apud
SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional, op. cit., p. 320.
42 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de direito
constitucional, op. cit., p. 49.
43 GASPARI, Elio. A Ditadura envergonhada. 2ª ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014, p. 123-136
23

Ela edita normas jurídicas sem que nisto seja limitada pela normatividade anterior à
sua vitória.

Ainda que se trate de ato jurídico de conteúdo notadamente autoritário e que marcou,
juridicamente, o início de tempos sombrios que assolaram o Brasil, é de se reconhecer que o
preâmbulo supratranscrito sintetiza bem a noção do exercício do Poder Constituinte pela via
revolucionária, não obstante o AI nº 1 se referisse a um contexto de golpe de Estado.
Nota-se, com efeito, que nas revoluções, o Poder Constituinte tende a ser exercido por
um grupo seleto de indivíduos, sendo, provavelmente, os líderes do movimento revolucionário.
É possível, nesse sentido, questionar a legitimidade de uma Constituição elaborada desta
maneira, inobstante tenha sido fruto, por exemplo, de um movimento legítimo contra a ordem
jurídica derrubada pela Revolução. De todo modo, uma Constituição elaborada nestes termos
“em realidade constitui um meio de institucionalização do poder revolucionário, estabelecendo-
lhe disciplina, regramentos e limites, assim como lhe conferindo legitimidade, com o que se
transforma a titularidade do soberano”,44 como bem aponta, novamente, José Afonso da Silva.
Portanto, à guisa de conclusão deste tópico, ressaltamos a importância de se atentar ao
contexto social e político em que o Poder Constituinte é exercido, uma vez que este poder
poderá se manifestar após a eclosão de uma Revolução ou, então, dentro de um contexto
democrático. Não obstante, ainda que tal diferenciação possua relevância para o presente estudo,
não se deve olvidar que, em essência, são dois caminhos diversos que levam ao mesmo destino:
uma nova Constituição.

2.5 Atributos

Compreendidas, ainda que a partir desta breve exposição, as noções gerais que
permeiam o Poder Constituinte, passamos a destacar quais são seus atributos, isto é, suas
qualidades e características específicas, a partir das quais é possível evidenciar as diferenças
com os poderes constituídos. Trata-se de ponto que é de supina relevância para o presente
trabalho, visto que seu propósito repousa, justamente, na análise crítica de alguns destes
atributos à luz dos direitos humanos.
De plano, verificamos que não há consenso acerca de quais sejam as características do
Poder Constituinte, malgrado existam, de fato, certos atributos que são reconhecidos pela

44 SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional, op. cit., p. 323.
24

maioria dos estudiosos, mesmo que o façam a partir de nomes distintos. 45 De todo modo,
Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento destacam, acertadamente ao nosso sentir, que
a formulação tradicional dos atributos do Poder Constituinte aponta que este poder se
caracteriza por ser (i) inicial, (ii) ilimitado juridicamente, (iii) incondicionado, (iv) indivisível
e (v) permanente.46
a) Inicial: o Poder Constituinte é caracterizado pela inicialidade, uma vez que, como já
pontuamos durante a abordagem de suas espécies, é a partir de sua manifestação que se inaugura
o ordenamento jurídico, isto é, seu exercício funda uma nova ordem constitucional e,
igualmente, constitui um novo Estado, de modo a ocupar o novo fundamento de validade do
sistema normativo. Em outras palavras, é mediante a atuação do Poder Constituinte que se inicia
o direito positivo em determinada ordem estatal, porquanto “ele constitui a primeira e suprema
oportunidade da manifestação da soberania.”47
É que, partindo de uma perspectiva positivista normativista, o sistema jurídico, como
bem abordado por Norberto Bobbio, 48
é construído de maneira escalonada, é dizer,
hierarquizada, onde a Constituição ocupa o grau máximo desta hierarquia e, portanto, todo
raciocínio jurídico-positivo deve se iniciar, necessariamente, no texto constitucional, visto que
são as disposições constitucionais que inauguram a ordem jurídica.
b) Ilimitado juridicamente: ou, então, a ausência de vinculação jurídica, significa que o
Poder Constituinte não encontra obstáculos jurídicos que, de alguma forma, venham a limitar
o campo de sua atuação. Ora, justamente por ser considerado um poder inicial e romper com a
ordem constitucional anterior, grande parte da doutrina defende que este poder não encontra
nenhuma limitação de ordem normativa em sua manifestação. Deste modo, ele não está sujeito
a observância de outras normas jurídicas, uma vez que o ordenamento positivo está, em rigor,
sendo iniciado pelo Poder Constituinte.
Com efeito, entende-se que a ordem positiva anterior, ou qualquer outra fonte normativa,
não possui o condão de impor restrições à obra do Poder Constituinte, o qual ostenta, portanto,
total liberdade para editar a nova Constituição, assim como ostenta, por consequência lógica, a

45 Sobre as diferentes visões no que se refere aos atributos do Poder Constituinte, vide: TAVARES, André Ramos.
Curso de direito constitucional. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 132-134.
46 SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Direito constitucional: teoria, história e métodos
de trabalho. 2ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 252-262. Em sentido semelhante, v.: MORAES, Alexandre
de. Direito constitucional. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 58.
47 TEIXEIRA, José Horácio Meirelles. Curso de direito constitucional, op. cit., p. 208.
48 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 2ª ed. São Paulo: EDIPRO, 2014, p. 58-62.
25

capacidade de delimitar o conteúdo das normas constitucionais que entrarão em vigor sem a
necessidade de respeitar qualquer diretriz normativa. 49
Dentre as características do Poder Constituinte comumente apontadas, talvez esta seja a
mais controversa. É que tal característica nos causa estranheza, sobretudo se estivermos
imbuídos da finalidade primordial do constitucionalismo: a limitação do poder político pelo
Direito. No entanto, ainda que não se trate de posicionamento majoritário, urge salientar que,
de longa data, existem aqueles que defendem a existência de limites extrajurídicos. 50
c) Incondicionado: esta característica se refere ao traço de que o Poder Constituinte “não
se submete a nenhum processo predeterminado para sua elaboração.”51 Este poder é assim
caracterizado pois “ele próprio pode estabelecer a sua forma de manifestação, não devendo
obediência a nenhum procedimento previamente estabelecido.” 52 O atributo em análise,
portanto, é concernente ao processo de elaboração de uma Constituição. Enquanto a
característica tratada no tópico anterior é voltada, predominantemente, à ausência de limites
materiais, a presente característica versa sobre a inexistência de limites de ordem processual.
Ainda que, no geral, exista alguma normatividade, prévia ao exercício do Poder
Constituinte, que busque definir o procedimento a ser observado por aqueles incumbidos na
função constituinte – é o caso, por exemplo, da Emenda Constitucional nº 26/85, a qual
convocou a Assembleia Nacional Constituinte que deu fruto à Constituição Federal de 1988 e,
além disso, estabeleceu certos ritos procedimentais a serem seguidos em sua produção. Nada
impede, contudo, que, tendo em vista o fato do Poder Constituinte ser incondicionado, a
Assembleia Constituinte não acate as regras procedimentais para seu funcionamento e, assim,
defina, ela própria, o rito a ser observado no curso de seu trabalho.

49 Por todos, Roberto B. Dias da Silva afirma que: “O poder constituinte originário é ilimitado juridicamente,
visto que tem a função e a liberdade de gerar novas regras constitucionais da maneira que bem entender, com o
conteúdo que decidir mais conveniente, sem nenhum condicionamento jurídico. Em outras palavras, não há
nenhuma regra jurídico-formal que diga qual será o conteúdo da nova Constituição a ser criada em razão da
manifestação do poder constituinte originário.” SILVA, Roberto B. Dias da. Manual de direito constitucional.
Barueri: Editora Manole, 2007, p. 06
50 José Horácio Teixeira Meirelles, de longa data, defende que: “Mas esta ausência de vinculação, note-se bem, é
apenas de caráter jurídico-positivo, significando apenas que o Poder Constituinte não está ligado, em seu exercício,
por normas jurídicas anteriores. Não significa, porém, e nem poderia significar, que o Poder Constituinte seja um
poder arbitrário, absoluto, que não conheça quaisquer limitações. Ao contrário, tanto quanto a soberania nacional,
da qual é apenas expressão máxima e primeira, está o Poder Constituinte limitado pelos grandes princípios do Bem
Comum, do Direito Natural, da Moral e da Razão.” TEIXEIRA, José Horácio Meirelles. Curso de direito
constitucional, op. cit., p. 209.
51 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional, op. cit., p.
46.
52 SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Direito constitucional: teoria, história e métodos
de trabalho, op. cit., p. 258.
26

d) Indivisível: tal atributo decorre, diretamente, da noção de soberania, uma vez que o
Poder Constituinte “materializa a soberania do Estado.”53 Desta maneira, esta peculiaridade da
soberania é compartilhada com o Poder Constituinte, o que significa dizer que sua manifestação
não deve ocorrer de maneira fragmentada ou, de alguma forma, fracionada. Sua atuação, em
resumo, deve ser realizada de maneira unitária, não obstante as intermináveis divergências que
existem entre os titulares do Poder Constituinte, de tal sorte que não se deve atribuir sua
titularidade a este ou aquele grupo, de modo a promover sua divisão.
Por força de sua indivisibilidade, portanto, o Poder Constituinte deve ser compreendido
e exercido de maneira unitária, isto é, fruto da vontade de todo o povo, inobstante as diferenças
radicais que possam existir entre os membros de uma coletividade. Em razão disso, ao nosso
sentir, destaca-se a importância de a Constituição ser produzida a partir do amplo debate dos
mais variados grupos ideológicos e sociais, de modo a viabilizar, na maior medida do possível,
sua legitimidade, o que, por consequência, pode ser determinante para lhe conferir estabilidade
e, assim, evitar sucessivas e intermináveis reformas do texto constitucional.
e) Permanente: o Poder Constituinte é caracterizado pela permanência, isto é, seu
exercício não culmina em sua extinção, bem como significa dizer que sua manifestação poderá
eclodir a qualquer tempo, o que fica a critério, por óbvio, dos titulares do poder. Ou seja, após
o cumprimento de sua função primordial, o Poder Constituinte não deixa, simplesmente, de
existir, visto que permanece à disposição do povo para ser exercitado novamente. 54
Sendo assim, tendo em vista o atributo da permanência, é possível concluir que a força
constituinte está sempre disponível ao povo, porquanto se trata de um poder que sempre poderá
ser exercido. Em outros termos: o povo, a qualquer tempo, poderá provocar o exercício do
Poder Constituinte e, com efeito, editar uma nova Constituição que esteja mais alinhada às
aspirações e aos valores sociais de determinada sociedade.
Pois bem, agora que foram apresentados os principais pontos acerca do Poder
Constituinte, se faz necessário nos debruçarmos sobre os direitos humanos, para que, em
seguida, seja possível compreendermos ambos os temas de forma conjunta, de modo a nos
permitir, à guisa de conclusão, uma visão crítica sobre a ausência de limites jurídicos ao Poder
Constituinte a partir da noção de direitos humanos.

53 MOTTA, Sylvio. Direito constitucional: teoria, jurisprudência e questões. 29ª. Rio de Janeiro: Forense;
MÉTODO, 2021, p. 169.
54 Por todos: TEIXEIRA, José Horácio Meirelles. Curso de direito constitucional, op. cit., p. 210.
27

3. A TUTELA INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

3.1 A construção histórica dos direitos

Em obra que, certamente, está na estante dos clássicos da literatura jurídica, Rudolf Von
Ihering sustentou que os direitos não são meras concessões daqueles que ocupam o Poder, como
se fossem benesses de certos agentes políticos, visto que, como bem asseverou o jurista citado,
“todos os direitos da humanidade foram conquistados na luta”55, de tal sorte que a positivação
dessas conquistas em documentos jurídicos derivam de um processo histórico de luta e
reivindicações populares para que isso ocorresse.
Como se sabe, o Direito é um fenômeno social 56 e, sobretudo numa sociedade
democrática, é necessário que seu conteúdo seja o reflexo do interesse geral, isto é, fruto do
consenso coletivo, e, assim, deverá disciplinar as relações humanas, com o intuito de assegurar
ordem e estabilidade no convívio social. De todo modo, ainda que o fenômeno jurídico se apoie
em valores relacionados à previsibilidade e à estabilidade, 57 seria errôneo, ao nosso sentir, negar
sua dinâmica altamente suscetível de transformações.
Ora, a sociedade vive constantes transformações culturais, políticas e econômicas, o que,
por óbvio, reflete nas normas jurídicas, posto que, como dissemos, o Direito deve ser o espelho
da vontade popular. Torna-se, com isso, compreensível as mudanças legislativas que marcam a
histórica da humanidade, as quais, na maioria das vezes, são desdobramentos de processos
históricos de lutas travadas por certos segmentos da sociedade, que diante de um cenário de
opressão e insatisfação, organizam-se e exteriorizam suas reivindicações, com a finalidade de
transmutar o status quo e, na mesma tacada, efetivar a garantia de direitos que tutelem,
finalmente, os seus interesses.58
A propósito, como novamente bem apontado por Ihering, as grandes conquistas da
histórica do Direito, tais como a abolição da escravatura, a conquista de liberdades individuais,
de direitos sociais e tantos outros direitos que se encontram plasmados nas Constituições e,
também, assegurados em Tratados Internacionais, foram conquistados “à custa de lutas ardentes,
na maior parte das vezes continuadas através de séculos.” 59 Sendo assim, se hoje estão

55 IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 01.
56 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 02-03.
57 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 181-183.
58 Como escreveu Ihering: “O direito no seu movimento histórico apresenta-nos pois um quadro de lucubrações,
de combates, de lutas, numa palavra, de penosos esforços.” IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito, op. cit., p.
08.
59 Idem, p. 07.
28

assegurados, pelo menos no plano abstrato, de direitos e garantias para sua realização e proteção,
isso se deve graças ao sangue derramado pelas gerações passadas.
Essas pontuações gerais acerca do processo de formação do fenômeno jurídico são
verdadeiramente elucidativas para a compreensão da construção histórica dos direitos
fundamentais e, igualmente, dos direitos humanos, 60 conforme será analisado.
É que, como precisamente notado por Norberto Bobbio, os direitos do homem não
surgem do dia para noite, tampouco emergem todos de uma só vez. Na verdade, os direitos
humanos e os direitos fundamentais são direitos históricos, isto é, nascem à luz de um contexto
histórico marcado por certas demandas sociais, as quais, na busca por liberdades, 61 insurgem-
se contra as opressões cometidas pelos detentores do poder. 62 Conforme as palavras do
consagrado jurista italiano, os direitos do homem “emergem gradualmente das lutas que o
homem trava por sua própria emancipação e das transformações das condições de vida que
essas lutas produzem.”63
Cabe frisar que, os direitos do homem se apresentam como uma forma de defesa dos
indivíduos diante de toda e qualquer forma de Poder – seja ele político, econômico, religioso
ou científico – capaz vulnerar, em algum grau, a dignidade da pessoa humana. 64 Diante de um
cenário de opressão de uma parcela da sociedade ou, então, de algum valor socialmente
relevante, é natural que os membros da comunidade não permaneçam estáticos e, assim,
organizem movimentos sociais para demonstrarem sua insatisfação com o status quo. Ora, é
especialmente dentro desse contexto de embate entre diversas forças sociais que as

60 Para uma diferenciação entre os direitos humanos e os direitos fundamentais, v.: LUÑO, Antônio E. Perez. Los
derechos fundamentales. 9ª ed. Madrid: Editoria Tecnos, 2007, p. 43-47.
61 Destaca-se que, neste ponto, emprega-se o termo “liberdade” de maneira ampla, de maneira a considerar não
apenas a tradicional liberdade negativa, mas, também, a liberdade política, social e econômica. Sobre o tema, v:
MARTINS, Ricardo Marcondes. Teoria jurídica da liberdade. São Paulo: Editora Contracorrente, 2015.
62 “Do ponto de vista teórico, sempre defendi – e continuo a defender, fortalecido de novos argumentos – que os
direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas
circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesas de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo
gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.” BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2004, p. 05.
63 Idem, p. 31. Em sentido semelhante: LIMA, Carolina Alves de Souza. Declarações históricas de direitos
humanos. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André
Luiz Freire (coords.). Tomo: Direitos Humanos. Wagner Balera, Carolina Alves de Souza Lima (coord. de tomo).
1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível
em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/530/edicao-1/declaracoes-historicas-de-direitos-humanos.
Acesso em: 18/09/2022.
64 A respeito da dignidade da pessoa humana: MIRANDA, Jorge. A dignidade da pessoa humana e a unidade
valorativa do sistema de direitos fundamentais. In: Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. 2ª ed. São Paulo:
Quartier Latin, 2009; SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia.
Revista de Direito Administrativo. Abr./jun. Rio de Janeiro, 212, 1998.
29

reivindicações populares são positivadas, de modo a adquirirem força normativa, e as


aspirações políticas, finalmente, se convertem em direitos.65
Ainda que seja extremamente difícil definir todos os acontecimentos históricos que se
enquadram nos termos expostos e, portanto, representam a construção histórica dos direitos,
entendemos que a conhecida dicotomia entre os direitos da liberdade e os direitos da igualdade,
isto é, como tais direitos se consagraram, bem como a noção contemporânea de direitos
humanos, são de extrema utilidade didática para ilustramos a evolução histórica dos direitos do
homem, conforme os assinalados anteriormente.
Inicialmente, como um dos grandes marcos da construção histórica dos direitos, temos
a Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia (1776) e a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão (1789), as quais se deram no contexto das Revoluções Burguesas, na
Revolução Americana e Francesa, respectivamente. Ambas declarações de direitos se pautaram,
principalmente, em ideais iluministas, liberais e contratualistas, tendo como base filosófica o
pensamento de Jean-Jaques Rousseau, John Locke e Montesquieu. 66
Além disso, os
movimentos revolucionários mencionados se inserem no momento de surgimento do
constitucionalismo, de modo que, como afirmamos quando tratamos do tema, sua principal
finalidade era a limitação do poder político do Estado. Naquele momento histórico, o
movimento liderado pela classe burguesa buscava impor limites à atuação abusiva e desmedia
do Estado Absoluto, que acabava, fatalmente, violando a liberdade dos indivíduos.67
Emergem, destarte, os chamados “direitos de liberdade”, ou, direitos de primeira
geração. 68 Tratam-se de direitos relacionados às liberdades negativa, 69 uma vez que sua
finalidade precípua é a de garantir que o Estado não intervirá em determinados campos da vida
dos indivíduos, de maneira que a liberdade, aqui, significa abstenção do Estado em certos
assuntos. Segue-se daí o nascimento dos direitos individuais, tais como o direito de propriedade,
de liberdade de expressão, de pensamento e tantos outros que se realizam a partir da não atuação

65 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, op. cit., p.209.


66 Aliás, vale salientar que as teorias contratualistas, o jusnaturalismo e o advento do Estado Liberal, o qual se
contrapõe ao Estado Absoluto, são assuntos que guardam estreita relação entre si, de tal sorte que cada instituto
deve ser analisado em consideração aos outros. Nessa linha: BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. São
Paulo: Edipro, 2017, p. 41-45.
67 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 16ª ed. São Paulo: Saraiva,
2016, p. 223-224.
68 Sobre o tema, v.: BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, op. cit., p. 576-578.
69 Conforme leciona, novamente, Norberto Bobbio, a liberdade negativa deve ser compreendida como “a esfera
de ação em que o indivíduo não está obrigado por quem detém o poder coativo a fazer aquilo que não deseja ou
não impedido de fazer aquilo que deseja.” BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia, op. cit., p. 48.
30

estatal, o que impede o Poder Público de intervir indevidamente em aspectos notadamente


particulares.
Todavia, ainda que as Revoluções Burguesas retromencionadas tenham sido de supina
importância para a consagração dos direitos individuais, não se deve olvidar que, tendo em vista
a realidade da classe que liderou o movimento – a burguesia – as reivindicações do movimento
revolucionária se voltavam tão somente contra a opressão política, de modo a ignorar eventuais
abusos oriundos do poder econômico. No âmbito do Estado Liberal, vale destacar, o indivíduo
era considerado de modo abstrato, isto é, a despeito de suas peculiaridades sociais. 70
Contudo, haja vista, especialmente, as transformações econômicas provocadas pela
Revolução Industrial e a consagração do regime capitalista, acentuaram-se as desigualdades
sociais e, principalmente, as péssimas condições de labor em que os trabalhadores exerciam
suas funções. Emergiram, com efeito, sobretudo no século XIX e início do século XX,
movimentos sociais exigindo melhores condições trabalhistas, bem como a consagração de
direitos sociais, tais como o direito à grave, a melhores condições de labor, à saúde, educação
e tantos outros que demandavam uma atuação positiva do Estado.71
Ao lado de importantes movimentos sociais, as críticas ao Estado Liberal também eram
advindas da filosofia política, especialmente por pensadores socialistas, os quais criticavam
duramente os ideais liberais, a partir do cenário de injustiças e desigualdades na repartição das
riquezas, assim como o desemprego e a miséria da classe trabalhadora,72 tendo como grande
documento político representativo desse pensamento a obra “O Manifesto do Partido
Comunista”, dos autores Karl Marx e Friedrich Engels.73
A partir desse contexto histórico, surgiram, sobretudo no começo do século XX, os
primeiros documentos jurídicos que previam direitos sociais, é o caso da Constituição do
México (1917), a Constituição de Weimar (1919) e a Declaração dos Direitos do Povo
Trabalhador e Explorado.74 Consagrou-se, assim, a transição do Estado Liberal para o Estado
Social. 75 Neste novo modelo de Estado, o Poder Público não estava adstrito ao respeito das

70 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, op. cit., p. 161.
71 ZOCKUN, Carolina Zancaner. Da intervenção do Estado no domínio social. São Paulo: Malheiros, 2009, p.
18-21.
72 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, op. cit., p. 161-162.
73 ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. Manifesto do partido comunista. 3ª ed. São Paulo: Sundermann, 2017.
74 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, op. cit., p. 162-163.
75 A respeito dessa transição: PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas: ação direta de
inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003,
p. 29-40.
31

liberdades negativas dos indivíduos, pois, a partir da positivação dos direitos sociais, passou-se
a impor o dever de atuações positivas do Estado, tendo como valor norteador a igualdade no
plano material, 76 de modo a proporcionar a liberdade efetiva dos particulares. 77
Por fim, é indispensável falarmos de um movimento que, com toda certeza, é um marco
histórico desse processo de construção dos direitos, porquanto alterou radicalmente o âmbito
de proteção dos direitos do homem. Falamos do processo de internacionalização dos direitos
humanos, verdadeiro divisor de águas na história do Direito.
Vale dizer, o Direito Internacional, tradicionalmente, se limitava ao trato das relações
entre os Estados Soberanos, de modo a estabelecer regras e princípios a serem observados
nessas relações travadas entre os Estados. Aos poucos, contudo, desenvolveu-se a concepção
de o indivíduo, também, ser sujeito de Direito Internacional, de maneira a representar o início
deste processo de internacionalização dos direitos humanos, marcadamente a partir da
Organização Internacional do Trabalho, da Liga das Nações e do Direito Humanitário. 78
Entretanto, a consolidação do Direito Internacional dos direitos humanos se deu no século XX,
principalmente no contexto do pós 2ª Guerra Mundial. 79
Como se sabe, esse conflito internacional é lembrado pelas incontáveis atrocidades
cometidas durante o Nazismo, onde a dignidade daqueles que não pertenciam a raça pura ariana
foi, completamente, desrespeitada e violada em todos os seus níveis de dimensão pelo Estado
Nazista. Esse período sombrio da história da humanidade ficou marcado pelo Holocausto, que
escancarou a violação massiva e sistemática de qualquer noção de direito humanos, bem como
total desprezo ao valor da dignidade da pessoa humana, promovido por um Estado Soberano,
de modo que este se apresentou como o principal ator nesse processo de violação dos direitos.
É nesse contexto histórico que restou demonstrada a necessidade de fortificação e ampliação
dos direitos humanos e, outrossim, a proteção dos indivíduos frente aos Estados Soberanos,
uma vez que a tutela dos direitos do homem passou a ser considerada questão de interesse
internacional, e não, portanto, como um assunto meramente de interesse doméstico 80.

76 Nesse sentido: SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, op. cit., p. 288-289;
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, op. cit., p. 578-579.
77 Sobre o tema relativo a liberdade efetiva, bem como sua relação com o Estado Social, v.: MARTINS, Ricardo
Marcondes. Teoria jurídica da liberdade, op. cit., p. 145-157.
78 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional, op. cit., p. 181-189.
79 “Contudo, a criação do Direito Internacional dos Direitos Humanos está relacionada à nova organização da
sociedade internacional no pós-Segunda Guerra Mundial.” RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos
humanos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 46.
80Nesse contexto, desenha-se o esforço de reconstrução dos direitos humanos, como paradigma e referencial ético
a orientar a ordem internacional contemporânea. Se a Segunda Guerra Significou a ruptura com os direitos
32

Verificou-se, com efeito, a relevância da atuação internacional na proteção dos direitos


humanos, de modo a exigir a elaboração de um sistema normativo de âmbito internacional que
assegurasse esses direitos aos indivíduos, independentemente da proteção que lhes é garantida
no plano do Direito Interno, o que impulsionou o supramencionado processo de
Internacionalização dos direitos humanos.81 Nessa esteira, inclusive, além do surgimento de um
Direito Internacional comprometido com a tutela destes direitos, o Direito Constitucional
ocidental também sofreu transformações, consagrando valores no plano normativo e elevando
a dignidade da pessoa humana enquanto valor central do texto constitucional. 82
Sobrevieram, nesta toada, dois importantíssimos documentos internacionais, quais
sejam: (i) a Carta das Nações Unidas, de 1945; e (ii) a Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Este último texto, especialmente, fixou as bases gerais acerca do que se entende por
direitos humanos no mundo contemporâneo e, além disso, é caracterizada por lhes conferir os
atributos da universalidade e indivisibilidade.83
Destarte, consagra-se a proteção dos indivíduos no plano internacional, isto é, os
particulares passam a ser titulares de direitos no âmbito global, direitos estes que são oponíveis
aos Estados Soberanos. Desta maneira, a proteção jurídica não se encontra mais limitada ao
Direito Interno, porquanto, agora, o Direito Internacional estipula uma série de direitos, de todas
as ordens, em benefício de todos os seres humanos, o que surge como exigência do respeito à
dignidade da pessoa humana.
Diante do exposto, é interessante notar as diferentes fases pelas quais passaram os
Direitos do Homem ao longo da história, o que foi registrado com maestria pelo brilhante jurista
Norberto Bobbio, ao destacar que os direitos, inicialmente, nascem enquanto direitos naturais

humanos, o pós-guerra deveria significar a sua reconstrução. Nasce ainda a certeza de que a proteção dos direitos
humanos não deve se reduzir ao âmbito reservado de um Estado, porque revela tema de legítimo interesse
internacional. Sob esse prisma, a violação dos direitos humanos não pode ser concebida como uma questão
doméstica do Estado, e sim como problema de relevância internacional, como legítima preocupação da
comunidade internacional.
81 Idem, p. 191.
82 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 38-39.
83 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional, op. cit., p. 209-216. A respeito
da universalidade dos Direitos Humanos, é possível extrair esta característica a partir de diversos dispositivos
estampados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, notadamente no art. 2º, in verbis: Artigo 2
1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem
distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem
nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou
território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio,
quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.
33

universais, tornam-se direitos positivos específicos de cada Estado e, com o atual estágio de
evolução dos direitos humanos, consagraram-se enquanto direitos positivos e universais. 84
Toda essa exposição não buscou esgotar o tema concernente a evolução dos Direitos do
Homem, o que demandaria um aprofundamento que extrapola os fins do presente trabalho.
O que se pretendeu foi chamar atenção para um fato: os direitos são frutos de uma
construção histórica, de modo que não são inerentes à natureza humana ou, então, são meras
concessões dos governantes. Como dissemos, os direitos surgem como desdobramentos das
lutas sociais travadas contra as opressões oriundas de alguma espécie de poder, o que é, muitas
vezes, conquistado de forma lenta e sofrida. Aliás, como o saudoso Professor Pedro Serrano
costuma dizer em aulas e palestras: os direitos não são tinta no papel, são sangue na calçada.
Os direitos que desfrutamos atualmente, portanto, são o legado da luta das gerações
passadas. E, diante disso, o que nos cabe? Indubitavelmente, nosso dever é lutar não só pela
manutenção desses direitos historicamente conquistados, mas, principalmente, por sua
ampliação, com o espírito de garantir a proteção da dignidade da pessoa humana contra as novas
formas de opressão que todos os dias se reinventam. 85 Trata-se, inclusive, de um dever
assumido, implicitamente, para com as futuras gerações.

3.2. A cidadania internacional

Ao nos debruçarmos sobre o texto constitucional, verificamos que, logo no Título I,


precisamente no art. 1º, inciso II, a Constituição elava a cidadania ao patamar de fundamento
da República Federativa do Brasil. 86 Ora, nota-se o tamanho da importância que a Lei
Fundamental conferiu à cidadania. Mas, então, qual seria o sentido e alcance desta expressão?

84 Conforme os termos do mestre italiano: “Somos tentados a descrever o processo de desenvolvimento que
culmina da Declaração Universal também de outro modo, servindo-nos das categoriais tradicionais do direito
natural e do direito positivo: os direitos do homem nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se
como direitos positivos particulares, para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos positivos
universais. A Declaração Universal contém em germe a síntese de um movimento dialético, que começa pela
universalidade abstrata dos direitos naturais, transfigura-se na particularidade concreta dos direitos positivos, e
termina na universalidade não mais abstrata, mas também ela concreta, dos direitos positivos universais.”
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, op. cit., p. 30. Em sentido semelhante: WEIS, Carlos. Direitos humanos
contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 22-23.
85 A título de provocação, parece-nos que a partir das intermináveis transformações tecnológicas das últimas
décadas, que se intensificaram com o advento da pandemia da COVID-19, faz-se necessário voltarmos os olhos
para as implicações do poder tecnológico em nossas vidas, sendo necessário a regulamentação deste poder, sob
pena de vulneração da dignidade da pessoa humana, principalmente quando tratamos de assuntos relacionados ao
direito à privacidade e seus correlatos.
86 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
34

Malgrado o termo “cidadão” já fosse presente no vocabulário da Roma Antiga, foi a


partir da Revolução Francesa que a expressão alçou a conotação que ainda hoje é amplamente
difundida, isto é, refere-se ao grupo de particulares com direito de participação política. É dizer,
cidadãos são os titulares dos direitos de cidadania, compreendidos como sendo “os direitos que
permitem participar do governo ou influir sobre ele, o direito de votar e ser votado, bem como
o direito de ocupar os cargos públicos considerados mais importantes.”87
Esse foi o entendimento que se consolidou especialmente com a Constituição francesa
de 1791, a qual considerou como cidadãos apenas franceses do sexo masculino e dotados de
rendimentos elevados, o que acabou por excluir as mulheres e homens de baixa renda dos
negócios políticos da res publica, de maneira a evidenciar que a “igualdade”, valor que, ao lado
da liberdade e fraternidade, era preconizado pelos revolucionários franceses, não se estendia
quando o assunto era a participação política dos indivíduos. 88
Sendo assim, conclui-se que, tradicionalmente, a noção de cidadania está atrelada ao
conjunto de indivíduos que se encontram no gozo de seus direitos políticos e, com efeito,
possuem a capacidade de participar das decisões políticas da sociedade. Os cidadãos, portanto,
são aqueles que estão aptos ao exercício dos direitos políticos, 89 o que deve ser verificado à luz
dos arts. 14 e 15 da Constituição Federal. No entanto, com o desenvolvimento da doutrina dos
direitos humanos e com seu processo de internacionalização, conforme expusemos no tópico
anterior, desenvolveu-se outra noção de cidadania, cujo conteúdo não exclui a concepção ligada
ao exercício dos direitos políticos, pois surge, na verdade, de maneira complementar.
Vale dizer, a cidadania no plano internacional deve ser compreendida enquanto o direito
a ter direitos, noção desenvolvida por Hannah Arendt 90 no campo filosófico, de maneira que a

I – a cidadania;
87 DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos humanos e cidadania. 2ª ed. São Paulo: Moderna, 2004, p. 21.
88 Idem, p. 21.
89 Vale transcrever, nesse ponto, os ensinamentos de Dalmo de Abreu Dallari: “A cidadania expressa um conjunto
de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. (...). Por
extensão, a cidadania pode designar o conjunto de pessoas que gozam daqueles direitos. Assim, por exemplo,
pode-se dizer que todo brasileiro, no exercício de sua cidadania, tem o direito de influir sobre as decisões do
governo. Mas também se pode aplicar isso ao conjunto dos brasileiros, dizendo-se que a cidadania brasileira exige
que seja respeitado seu direito de influir nas decisões do governo. Neste caso se entende que a exigência não é de
um cidadão, mas do conjunto de cidadãos.” DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos humanos e cidadania, op. cit.,
p. 22-23.
90 “Só conseguimos perceber a existência de um direito a ter direitos (e isto significa viver numa estrutura onde
se é julgado pelas ações e opiniões) e de um direito a pertencer a algum tipo de comunidade organizada, quando
surgiram milhões de pessoas que haviam perdido esses direitos e não podiam recuperá-los devido à nova situação
política global. O problema não é que essa calamidade tenha surgido não de alguma falta de civilização, atraso ou
simples tirania, mas sim que ela não pudesse ser reparada, porque já não há um lugar ‘incivilizado’ na terra, pois,
queiramos ou não, já começas realmente a viver num Mundo Único. Só com uma humanidade completamente
35

titularidade de direitos não se encontra mais adstrita à proteção estipulada no plano doméstico
ou, então, a condição de desfrutar desta ou daquela nacionalidade. Destarte, entende-se que os
particulares gozam de direitos como decorrência de sua condição de pessoas humana e, portanto,
dotadas de dignidade, o que não será alcançado sem a promoção dos direitos humanos. Os seres
humanos, portanto, por serem considerados cidadãos na órbita mundial, possuem o direito a ter
direitos, inobstante o tratamento que lhes seja reservado em seus respectivos Estados Nacionais.
Como bem destacou, a propósito, a Professora Carolina Alves de Souza Lima:
“Cidadania, da perspectiva do Direito Internacional dos Direitos Humanos, consubstancia-se
no direito a ter direitos, e pressupõe para tanto exclusivamente os atributos da pessoa
humana.”91
Percebe-se, assim, que o fundamento para a proteção jurídica dos indivíduos não está
mais condicionado em razão da nacionalidade, porquanto o simples fato de “ser pessoa” já é
suficiente para lhes conferir direitos humanos. Por consequência, todas pessoas são
consideradas pertencentes da comunidade internacional e a integram enquanto cidadãs e, por
isso, possuem o direito a ter direitos.
Esse entendimento está intimamente ligado ao atributo da universalidade dos direitos
humanos, o qual traz consigo, em essência, a importância de os particulares serem protegidos
internacionalmente, visto que o respeito aos Direitos do Homem passou a ser considerado
assunto de interesse internacional, e não, portanto, tema reservado ao domínio dos Estados.
Essas novas compreensões oriundas do processo de internacionalização dos direitos
humanos, como aponta Flávia Piovesan, provocaram duas consequências, quais sejam: (i)
mitigação da noção de soberania, posto que, a título de proteger os direitos humanos, passou-
se a admitir intervenções internacionais no âmbito nacional; e (ii) consagrou-se a ideia de que
os indivíduos possuem direitos internacionalmente reconhecidos. 92

organizada, a perda do lar e da condição política de um homem pode equivaler à sua expulsão da humanidade.”
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 330.
91 LIMA, Carolina Alves de Souza. A relação intrínseca entre direitos humanos, cidadania e dignidade da pessoa
humana na contemporaneidade. Revista APMP. São Paulo, Ano XV, nº 55, Abril a Dezembro, 2011, p. 87. .”91 A
referida autora, nesse sentido, recorda, com a devida precisão, acerca do previsto no preâmbulo da Convenção
Americana de Direitos Humanos, a saber: Reconhecendo que os direitos essenciais do homem não derivam do fato
de ser ele nacional de determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana,
razão por que justificam uma proteção internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da
que oferece o direito interno dos Estados americanos;

92 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional: um estudo comparativo dos sistemas regionais
europeus, interamericano e africano. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 12.
36

É justamente pelas razões expostas que são totalmente infundados argumentos que
buscam condicionar a titularidade dos direitos humanos, uma vez que, como vimos, a
construção histórica desses direitos, bem como as noções teóricas que permeiam este ramo da
ciência jurídica, conferem proteção de cunho normativo a todos aqueles que integram a
comunidade humana, tendo em vista que o fundamento para tanto são os atributos decorrentes
da dignidade da pessoa humana, e não a satisfação de certos requisitos impostos arbitrariamente
por um grupo político.
A titularidade dos direitos humanos é um fator comum que liga os mais diversos
membros da sociedade. São conferidos aos civis e aos militares, aos pobres e aos ricos, ao
incorruptível e ao mais vil dos criminosos e tantas outras subdivisões que existem. É que todos
os indivíduos são membros da comunidade internacional, isto é, são cidadãos internacionais e,
com isso, possuem o direito a usufruírem de direitos humanos.

3.3. O Direito Internacional dos Direitos Humanos enquanto parâmetro objetivo de uma
ética universal

Com o desenvolvimento da Comunidade Internacional, consequentemente,


aperfeiçoou-se o próprio Direito Internacional, de tal modo que o Direito Ordinário de cada
Estado Soberano não é mais o único regramento que regulamenta as relações entre os indivíduos,
entre os Estados e, entre estes e aqueles.
Intensificou-se o processo de edição de normas internacionais e, com isso, passou a se
verificar a existência de fontes do direito estranhas aos mecanismos tradicionalmente
conhecidos. No cenário atual, os Tratados e as Convenções internacionais são fontes normativas
tanto quanto os atos normativos previstos no ordenamento interno de cada país. Nota-se, nesta
toada, um pluralismo jurídico, isto é, uma pluralidade de fontes normativas capazes de editar
normas válidas e, com isso, proibir, obrigar ou permitir certos comportamentos. À luz dessa
dinâmica legislativa contemporânea, fala-se num processo de internacionalização do Direito
Constitucional. 93
Cada vez mais essas instâncias normativas se tangenciam, de maneira que contato, sua
comunicação e seu diálogo, são fenômenos inevitáveis. Juridicamente, portanto, as normas
jurídicas estatais não se encontram mais sozinhas no cenário, uma vez que, agora, convivem

93 Sobre esse instigante tema, especificamente acerca das relações entre o Direito Constitucional e o Direito
Internacional, v.: FIGUEIREDO, Marcelo. O direito constitucional transnacional e algumas de suas dimensões.
Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2019, p. 23-34.
37

com as normas oriundas de fontes internacionais. Passa a existir uma relação necessária entre
o Direito Constitucional e o Direito Internacional, sendo certo, aliás, que os Estados assumem
diversos compromissos na ordem internacional e, assim, submetem-se aos seus comandos e
diretrizes, bem como se verifica que os objetivos impostos pelas Constituições contemporâneas
não poderiam ser atingidos sem a participação dos Estados na Comunidade Internacional. 94
Sem dúvida alguma, o supramencionado processo de internacionalização dos Direitos
Humanos intensificou as proximidades entre o Direito Internacional e o Direito Nacional.
Carlos Weis defende, nessa linha, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos pode ser
considerado como sendo “o traço inicial de um sistema jurídico universal” que se destina a
regulamentar as relações entre os Estados e as relações destes para com os indivíduos. 95
De todo modo, essas transformações jurídicas se desdobram em diversos
questionamentos, principalmente no que se refere ao relacionamento entre a ordem jurídica
interna e a internacional, isto ocorre de maneira harmônica e complementar ou, então, verifica-
se a ocorrência de conflitos? Cada ordenamento deve ser entendido e interpretado de maneira
integrada ou segmentada? De que maneira o Direito Internacional é capaz de influenciar o
Direito Constitucional? Quais as consequências da adoção, pelas Constituições nacionais,
desses padrões sedimentados no plano internacional? As respostas a estas indagações não são
fácies e demandam certo aprofundamento. Isso não nos impede, contudo, de abordarmos os
temas com o objetivo de fazer relações com o objeto do presente estudo.
Ainda que o Direito Internacional e o Direito Ordinário pareçam, a princípio, ordens
jurídicas completamente distintas e, de certa forma, antitéticas, não é esta a leitura que, a nosso
ver, deve ser feita sobre esse fenômeno de pluralismo jurídico. O plano internacional e o
doméstico, na verdade, não estão, na esmagadora maioria dos casos, em confronto, mas, sim,
em cooperação. Vale dizer, ambos setores tendem a interagir mutuamente, de tal sorte que se
verifica a incorporação, pelo Direito Nacional, de perspectivas estipuladas no Direito

94 Como pontua o saudoso Professor Marcelo Figueiredo: “O sistema jurídico internacional e o sistema jurídico
interno, por outro lado, não constituem unidades separadas, mas integradas. Em rigor, podemos dizer que hoje em
dia o direito internacional integra-se de tal maneira ao Direito Nacional por intermédio das mais variadas formas
que os próprios objetivos do Direito Constitucional Nacional não poderiam ser atingidos sem a participação do
Estado nas organizações internacionais mais reconhecidas. Trata-se de um movimento bi ou multilateral. Os
Estados comprometem- se, internacionalmente, perante várias organizações, como a ONU, a FAO, a OIT, a OMS,
por exemplo. Ao fazê-lo, em larga medida, passam a incorporar, quer por força da própria Constituição, quer por
força de vinculação a tratados internacionais, quer pela mera adesão a tais organizações, direitos e deveres
oponíveis por seus cidadãos em variadas perspectivas.” Idem, p. 23.
95 WEIS, Carlos. Direitos humanos contemporâneos, op. cit., p. 21.
38

Internacional e vice-versa. Trata-se do fenômeno conhecido como “cooperação funcional” entre


a ordem normativa internacional e a nacional. 96
É evidente que, dentro de um quadro de pluralismo jurídico, há possibilidade de
surgirem eventuais antinomias entre as diversas ordens jurídicas. Inobstante, não há que se
buscar traçar, na relação entre o Direito Internacional e o Direito Nacional, uma situação de
supremacia entre uma ordem normativa em relação à outra, porquanto ambos sistemas devem
interagir de maneira cooperativa, isto é, harmônica na maior medida do possível. Devemos,
portanto, interpretar esse fenômeno, imbuídos dessas noções. A propósito, bem destaca o
Professor Marcelo Figueiredo a respeito do tema:

Os sistemas interagem, não são “auto-suficientes” ou “auto-exclusivos”. Cada um


constitui o seu próprio contexto e, independentemente da variedade relevante de
tópicos, de per si consubstancia uma fonte ou um processo autônomo de criação
jurídica. Ou seja, não há supremacia ou superioridade de um sistema sobre o outro.
Ambos os sistemas constituem “ordens jurídicas distintas” e “parcialmente
independentes”, mas também “parcialmente sobrepostas”, que interagem
reciprocamente. Nem o Direito Internacional nem o Direito Interno dos Estados
podem estritamente reclamar a sua “supremacia” perante as outras ordens jurídicas.
Ao raciocinar na linha de “duas” ordens jurídicas independentes, ainda que
parcialmente sobrepostas, as relações que intercedem entre o Direito Internacional e
o Direito Interno dos Estados terão forçosamente de ser qualificadas de “coordenação
funcional”, mais do que de hierarquia no quadro do Direito Internacional. O Estado
Constitucional nacional transformou-se, no novo contexto internacional, também em
um Estado Constitucional cooperativo.97

É praticamente inegável, entretanto, que se constata maior influência exercida pelo


Direito Internacional sobre o Direito Ordinário dos Estados Nacionais, ao passo em que estes
incorporam, na legislação nacional, diversos parâmetros, padrões e tendências que vigoram no
âmbito internacional, o que, ao nosso sentir, é de todo salutar, posto que acaba por fortificar a
força normativa dos comandos legais, sendo algo extremamente relevante, sobretudo em
matéria de direitos humanos.
Nessa tocada, aliás, o jurista alemão Matthias Herdegen chama atenção ao processo de
adoção, por parte das Constituições contemporâneas, de princípios jurídicos consagrados no
Direito Internacional. É dizer, nota-se que as próprias Constituições começam a positivar e,
assim, consagrar no plano doméstico, normas internacionais – o que evidencia, aliás, a relação

96 Idem, p. 28.
97 Idem, p. 31.
39

de cooperação entre estes diferentes âmbitos normativos. Em outras palavras, percebe-se que
os standards internacionais passam a exercer forte influências sobre o Direito Interno.98
Em sentido análogo, Celso Antônio Bandeira de Mello, de longa data, pontuou a
tendência dos legisladores constituintes, no momento de editarem uma nova Constituição,
buscarem inspiração nos textos constitucionais mais avançados de sua época, especialmente
dos centros culturais considerados como sendo mais “evoluídos”.99
Malgrado o brilhante administrativista não faça referência expressa ao Direito
Internacional, acreditamos que fazer esta extensão é plenamente cabível. É dizer, pode-se
sustentar que as Constituições contemporâneas se inspiram e se apoiam nos diplomas
internacionais, de modo a incorporar em seus textos certos standards vigentes no plano global.
Não é preciso irmos muito longe para constatarmos a ocorrência desse fenômeno de
influência do Direito Internacional sobre o Direito Constitucional. A Constituição da República
de 1988 prestigia expressamente os direitos humanos em diversas passagens. Cumpre dizer,
estabelece que, em suas relações internacionais, o Estado brasileiro deve observar a prevalência
dos Direitos Humanos (art. 4º, inciso II, da Carta Magna). Ao prosseguirmos na leitura do texto
constitucional, notaremos que, logo após o extenso e admirável rol de direitos fundamentais, a
Constituição dispõe que “os direitos e garantas expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em
que a República Federativa do Brasil seja parte” (art. 5º, §2º, da Lei Fundamental).
Com efeito, é notória a forte influência que os padrões a as tendências previstas no
sistema normativo internacional exercem sobre os ordenamentos pátrios, o que demonstra um
processo de incorporação, pelas Constituições, dos regramentos internacionais, especialmente

98 Conforme as palavras do autor mencionado: “Em las últimas décadas se há manifestado una tendencia de
adopción de princípios del ordenamento de derecho internacional en las próprias constituciones, o al menos uma
tendencia a vincular de modo más flerte el derecho nacional com los estándares internacionales. Muchas
constituciones modernas han incorporado reglas del derecho internacional em el orden jurídico interno”.
HERDEGEN, Matthias. La internacionalización del orden constitucional. Anuário de Derecho Constitucional
Latino Americano, Konrad Adenauer Stiftung, Programa Estado de Derecho para Latinoamerica, Uruguay: 2010.
99 “Em cada período histórico os legisladores constituintes, de regra, incorporam nas Leis Fundamentais aquilo
que no período correspondente se consagrou como a mais generosa expressão do ideário da época. Fazem-no,
muitas vezes, com simples propósito retórico ou porque não se podem lavar de consigná-los. Mas, animados de
reta intenção ou servindo-se disto como blandicioso meio de atrair sustentação política ou de esquivar-se à coima
de retrógradas, o certo é que geralmente as Cartas Constitucionais estampam versículos prestigiadores dos mais
nobres objetivos sociais e humanitários que integram o ideário civilizatório avalizado pela cultura da época.
Acresce que o paradigma em que se espelham é o dos centros culturais mais evoluídos. Daí a razão pela qual estes
supremos documentos políticos, mesmo quando gestados de forma autoritária, impopular ou antidemocrática,
exibem também, em seu bojo, preceptivos iluminados por fulgurações progressistas, humanitárias, deferentes para
com a Justiça Social”. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Eficácia das normas constitucionais e direitos
sociais. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 09-10.
40

quando tratamos de direitos humanos. Todo o exposto ressalta o processo de cooperação e


harmonia entre essas ordens jurídicas diversas, as quais acabam se encontrando no decorrer do
caminho, haja vista sua finalidade comum: a proteção da dignidade da pessoa humana.
Ante esse contexto, no que tange os Direitos Humanos, podemos constatar que, ao lado
de sua internacionalização e prestígio no âmbito internacional, é difícil encontrarmos
Constituições editadas após a 2ª Guerra Mundial que, igualmente, não reconheçam a tutela
desses direitos, também, na órbita nacional. Destarte, o compromisso e a promoção dos Direitos
Humanos não está, isoladamente, garantido pelo Direito Internacional, visto que, tendo em vista
a abertura das Constituições aos padrões globais, esses direitos passam a ser tutelados pelo
Direito Constitucional.
Assim sendo, é possível concluir que os Direitos Humanos, tendo como documento
jurídico fundamental a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, podem ser
considerados um parâmetro objetivo de valores compartilhados por toda a humanidade.
Explica-se: tendo em vista a livre participação dos Estados na elaboração da citada Declaração
e, também, da Carta da ONU de 1945, bem como o processo de incorporação dessas noções
internacionais nos textos das Constituições contemporâneas, é possível aferir que há um
consenso acerca da validade dos valores concernentes aos Direitos Humanos.
Norberto Bobbio, inclusive, pontua que a Declaração Universal dos Direitos do Homem
de 1948 “representa a manifestação da única prova através da qual um sistema de valores pode
ser considerado humanamente fundado e, portanto, reconhecido: e essa prova é o consenso
acerca de sua validade.”100
Ora, se a grande crítica ao movimento do jusnaturalismo era a ausência de critérios
objetivos para se determinar quais eram, de fato, os direitos naturais dos homens capazes de
justificar a universalização de certos valores, este problema, ao nosso sentir, foi superado pela
Declaração Universal dos Direitos do Homem, posto que, agora, esses valores encontram
parâmetros objetivos, haja vista sua positivação. Com isso, é a partir da referida Declaração que

100 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, op. cit., p. 26. Em linha parecida, Flávia Piovesan defende que: “A
Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada em 10 de dezembro de 1948, pela aprovação de 48
Estados, com 8 abstenções. A inexistência de qualquer questionamento ou reserva feita pelos Estados aos
princípios da Declaração, bem como qualquer voto contrário às suas disposições, confere à Declaração Universal
o significado de um código e plataforma comum de ação. A Declaração consolida a afirmação de uma ética
universal ao consagrar um consenso sobre valores de cunho universal a serem seguidos pelos Estados.”
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Constitucional Internacional, op. cit., p. 209.
41

se pode diagnosticar com segurança que a humanidade compartilha de alguns valores


comuns.101
Podemos falar, portanto, que os direitos humanos representam a positivação de uma
ética universal e, por isso, a necessidade de sua observância por todos os membros que integram
a comunidade internacional. Os direitos humanos não são meras recomendações destituídas de
força normativa. Em hipótese alguma. Como dissemos, esses direitos consagram, pela primeira
vez na história, valores universalmente aceitos pelo Estado e pelos seres humanos através do
consenso. Valores estes que devem ser levados a sério, bem como devem, incansavelmente, ser
perseguidos, como verdadeiros objetivos políticos e sociais de qualquer Estado.
No atual estágio de evolução do Direito, não se admite mais qualquer atuação,
principalmente estatal, alheia aos direitos humanos. Seu grau de observância, inclusive, deve
servir como termômetro para se aferir a legitimidade de um governo. É necessário respeito
intransigente os valores universais concernentes aos Direitos Humanos.
Destacamos, por fim, que não basta o compromisso do Poder Público para com a
efetivação desses direitos, é de supina importância que tais valores sejam incorporados pelos
indivíduos, os quais, como vimos, também integram a comunidade internacional. Como bem
disse Carlos Ayres Britto: “não pode haver humanismo sem humanistas. República sem
republicanos. Como impossível é praticar a democracia sem democratas.”102 Deste modo, para

101 “O terceiro modo de justificar os valores consiste em mostrar que são apoiados no consenso, o que significa
que um valor é tanto mais fundado quanto é mais aceito. Com o argumento do consenso, substitui-se pela prova
da intersubjetividade a prova da objetividade, considerada impossível ou extremamente incerta. Trata-se,
certamente, de um fundamento histórico e, como tal, não absoluto: mas esse fundamento histórico do consenso é
o único que pode ser factualmente comprovado. A Declaração Universal dos Direitos do Homem pode ser acolhida
como a maior prova histórica até hoje dada do consensus omnium gentium sobre determinado sistema de valores.
Os velhos jusnaturalistas desconfiavam – e não estavam inteiramente errados – do consenso geral como
fundamento do direito, já que esse consenso era difícil de comprovar. Seria necessário buscar sua expressão
documental através da inquieta e obscura história das nações, como tentaria fazê-lo Giambattista Vico. Mas agora
esse documento existe: foi aprovado por 48 Estados, em 10 de dezembro de 1948, na Assembleia Geral das Nações
Unidas; e, a partir de então, foi acolhido como inspiração e orientação no processo de crescimento de toda a
comunidade internacional no sentido de uma comunidade não só de Estados, mas de indivíduos livres e iguais.
Não sei se se tem consciências de até que ponto a Declaração Universal representa um fato novo na história, na
medida em que, pela primeira vez, um sistema de princípios fundamentais da conduta humana foi livre e
expressamente aceito, através de seus respectivos governos, pela maioria dos homens que vive na Terra. Com essa
declaração, um sistema de valores é – pela primeira vez na história universal, não em princípio, mas de fato, na
medida em que o consenso sobre sua validade e sua capacidade para reger os destinos da comunidade futura de
todos os homens foi explicitamente declarado. (...). Somente depois da Declaração Universal é que podemos ter a
certeza histórica de que a humanidade – toda a humanidade – partilha de alguns valores comuns; e podemos,
finalmente, crer na universalidade dos valores, no único sentido em que tal crença é historicamente legítima, ou
seja, no sentido em que universal significa não algo dado objetivamente, mas algo subjetivamente acolhido pelo
universo dos homens.” BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, op. cit., p. 27-28.
102 BRITTO, Carlos Ayres. O humanismo como categoria constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 53-
54.
42

que a plena realização dos direitos humanos seja, finalmente, alcançada, não basta atribuirmos
essa missão tão somente às autoridades públicas e esperarmos os resultados emergirem de seus
esforços, é de imensurável relevância que os próprios particulares, em suas atividades privadas,
busquem implementar os valores decorrentes do Direitos Humanos.
43

4. O PODER CONSTITUINTE E A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS

4.1. As Teorias Tradicionais Acerca da Limitação do Poder Constituinte: jusnaturalismo


e positivismo jurídico

O fenômeno jurídico pode ser compreendido sobre perspectivas diversas e, cada qual,
entenderá o Direito de maneira específica, atribuindo-lhe características próprias, conferindo
finalidades a serem cumpridas e, até mesmo, apresentando conceitos originais sobre o que se
entende como sendo o Direito em si. Adentra-se, neste ponto, nos campos da Filosofia do
Direito e da Teoria do Geral do Direito, disciplinas que não recebem a importância devida pelos
operadores e estudiosos das ciências jurídicas.
Dentre as diversas formas de se pensar e compreender o Direito, existem duas que,
indubitavelmente, sobressaem-se em relação as demais, sobretudo por causa de seu prestígio
em termos históricos, a saber: (i) jusnaturalismo; e (ii) positivismo jurídico. Qualquer pessoa
minimamente instruída nas letras jurídicas sabe da relevância dessas duas correntes para a
formação atual do Direito, bem como de suas principais características.
A propósito, a partir dessas duas linhas de pensamento podemos verificar diferentes
respostas para o questionamento que diz respeito a existência, ou não, de limites ao exercício
do Poder Constituinte, de maneira que um jurista jusnaturalista adota um posicionamento,
enquanto um positivista, por sua vez, comporta-se de maneira distinta, frente à indagação
supramencionada. É que, em última instância, o primeiro entende pela existência de um direito
natural que está numa posição de superioridade em relação ao direito positivo, sendo que este,
por isso, retira sua legitimidade daquele. Já o adepto ao positivismo jurídico, por seu turno,
defende a exclusividade do direito positivo, de tal sorte que sequer reconhece a pertinência dos
chamados “direitos naturais”. 103

103 Sobre a distinção entre as duas correntes, são preciosas, novamente, as lições de Norberto Bobbio: “Por
jusnaturalismo entendo aquela corrente que admite a distinção entre o direito natural e o direito positivo e sustenta
a supremacia do primeiro sobre o segundo. Por positivismo jurídico, aquela corrente que não admite a distinção
entre direito natural e direito positivo e afirma que não existe outro além do positivo. Observa-se a assimetria das
duas definições. Enquanto o jusnaturalismo afirma a superioridade do direito natural sobre o positivo, o
positivismo não afirma a superioridade do direito positivo sobre o natural, mas a exclusividade do direito positivo.
Por outro lado, enquanto o positivismo jurídico afirma a exclusividade do primeiro, o jusnaturalismo declara não
que existe apenas o direito natural, mas que existe também o positivo, embora em posição de inferioridade em
relação àquele. De maneira mais breve: por jusnaturalismo entendo a teoria da superioridade do direito natural
sobre o positivo; por positivismo jurídico, a teoria da exclusividade do direito positivo. O jusnaturalismo é dualista,
o positivismo jurídico, monista.” BOBBIO, Norberto. Jusnaturalismo e positivismo jurídico. São Paulo: Editora
Unesp; Instituto Norberto Bobbio, 2016, p. 156.
44

Ora, tendo em vista que a doutrina do jusnaturalismo, no geral, reconhece a existência


de duas ordens normativas, a do direito natural e do direito positivo, e estabelece uma relação
de primazia da primeira em relação à segunda, é fácil perceber que um jurista jusnaturalista
não possui dificuldades para encontrar limites ao Poder Constituinte, visto que se este
representa a primeira manifestação do poder político de uma comunidade e, igualmente, traduz-
se na edição de uma Lei (Constituição) que inaugura o ordenamento jurídico positivo, o
conteúdo desta ordem positiva está limitado pelos direitos naturais. Nesta tocada, pode-se dizer,
de certa forma, que a legitimidade da obra do Poder Constituinte repousa no grau de harmonia
com os direitos considerados como sendo naturais. 104
Por outro lado, o positivismo jurídico defende a exclusividade do direito positivo, de
modo que sequer reconhece a existência do direito natural e, justamente por este motivo, não
se dá o trabalho de estabelecer uma relação de hierarquia entre ambas ordens normativas. O
tema do positivismo jurídico é profundamente instigante e, proporcionalmente, complexo,
especialmente em razão das diversas correntes de pensamento jurídico que surgiram a partir das
críticas deste modelo. Não obstante a dificuldade do tema, verificamos, ainda de acordo com
as lições de Norberto Bobbio, que o positivismo pode ser compreendido sobre três aspectos,
quais sejam: (i) como uma maneira de se aproximar do estudo do Direito; (ii) como uma Teoria
Geral do Direito; e, finalmente, (iii) como uma ideologia de justiça. 105
Ao que nos interessa para o presente trabalho, entender o positivismo jurídico enquanto
uma Teoria Geral do Direito significa fazer uma ligação entre o fenômeno jurídico e a formação
do Estado Moderno e, destarte, nota-se uma identificação com a Teoria Estatalista do Direito,
haja vista que o direito positivo – única ordem jurídica relevante para essa corrente – era
produzido exclusivamente por órgãos estatais. 106 Conforme as palavras de Norberto Bobbio:

104 A relação entre as leis da sociedade civil (direito positivo) e as leis naturais pode ser verificada de maneira
ilustrativa na obra do conhecido filósofo liberal John Locke, in verbis: “As obrigações do direito natural não
cessam na sociedade, mas, em muitos casos conhecidos, são reunidas e, pelas leis humanas, têm as correspondentes
penas previstas a elas, de forma a obrigar seu cumprimento. Desse modo, o direito natural vigora como uma regra
eterna a todos os homens, sejam eles legisladores ou não. As regras que eles fazem para nortear as ações dos outros
homens, bem como as suas próprias, devem estar em conformidade com o direito natural, ou seja, com a vontade
de Deus, da qual tal direito é uma declaração. E ‘sendo o direito natural de caráter fundamental para a preservação
da humanidade, nenhuma sanção contra ela pode ser boa ou válida’”. LOCKE, John. Segundo tratado sobre o
governo civil. São Paulo: EDIPRO, 2014, p. 109. Vale ressaltar, aqui, a crítica de Norberto Bobbio acerca da
inexistência de um consenso, entre os pensadores jusnaturalistas, sobre quais seriam, objetivamente, esses direitos
naturais, o que, sem dúvida, enfraquece a corrente do jusnaturalismo, porquanto não há precisão em delimitar quais
seriam os direitos naturais que devem, necessariamente, ser respeitados pela sociedade civil, v.: BOBBIO,
Norberto. Jusnaturalismo e positivismo jurídico, op. cit., p. 203-207.
105 Idem, p. 130-132.
106 Idem, p. 134-137.
45

“enquanto teoria geral do direito, o positivismo jurídico alimentou uma corrente particular do
pensamento jurídico, caracterizada pela redução do direito ao direito estatal, e deste ao produto
do legislador.”107
A partir dessas considerações, é perceptível por qual via o raciocínio positivista pode
reconhecer a inexistência de limites jurídicos ao Poder Constituinte. Se a única ordem positiva
existente é a de direito positivo e este, por sua vez, é produto da ação estatal, não haveria lógica
em defender que o poder responsável por inaugurar o ordenamento jurídico encontra, outrossim,
limites jurídicos. Tendo em vista que o Poder Constituinte funda a ordem jurídica de direito
positivo, sendo seu traço característico a inicialidade, bem como a concepção de que inexistem
os chamados direitos naturais ou qualquer outra fonte legítima de direito, não há como, pelo
menos a princípio, reconhecer a possibilidade de se impor limites à atuação do poder
responsável pela edição de uma Constituição dentro desse quadro positivista. 108
Reforçamos, então, um dos questionamentos centrais do presente trabalho: é possível
reconhecer a existência de limites jurídicos ao Poder Constituinte? Ou será que esta limitação
só é possível mediante a consideração de fatores extrajurídicos? Eis alguns pontos que serão
discutidos no tópico seguinte.

4.2. Os postulados normativos enquanto limites jurídicos ao Poder Constituinte

Tanto no meio acadêmico, quanto na pragmática jurídica, muito se fala sobre regras
jurídicas e princípios jurídicos, contudo, nem sempre estes termos são acompanhados por uma,
ainda que breve, explicação sobre o sentido em que estão sendo empregados. A falta de rigor
teórico não é nefasta apenas ao Direito enquanto ciência, porquanto a ausência de premissas
teóricas bem assentadas acarreta uma prática jurídica caótica.
É inegável, contudo, a existência de farta bibliografia sobre o tema, principalmente no
que tange os princípios jurídicos - o que não significa que haja consenso entre os estudiosos do

107 Idem, p. 163.


108 Ainda que não faça menção expressa aos conceitos concernentes ao positivismo jurídico, parece-nos que esse
raciocínio exposto pode ser bem verificado na obra de Celso Antônio Bandeira de Mello: “Em termos jurídicos, o
poder constituinte é ilimitado. Donde, o que for por ele decidido – não importa o quão chocante ou abstruso possa
ser – do ponto de vista do Direito Positivo é insuscetível de questionamento, já que a normatização por ele
instaurada tem, por definição, caráter inaugural em sentido absoluto. É a fonte de validade da ordem jurídica. É a
origem do Direito. É seu termo de referência, pois não se encarta nem precisa se reportar a qualquer norma anterior
que a sustenta ou a autorize. Sustenta-se em si própria. Logo, nenhuma pretensão jurídica lhe poderia ser oposta,
exatamente porque, para dizer-se jurídica, teria de estar referenciada direta ou indiretamente na própria
Constituição. Assim, é óbvio que nada se lhe pode contender, no plano do Direito Positivo.” BANDEIRA DE
MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, op. cit., p. 271-272.
46

tema. Virgílio Afonso da Silva, a propósito, bem destacou a expressão “princípio jurídico” é
plurívoca. 109
Consagrou-se, em resumo, o uso do termo enquanto “mandamento de
otimização”110 e, também, como sendo um “mandamento nuclear”, 111 isto é, uma viga mestra
do sistema normativo, sendo ambas acepções consideradas acertadas. 112 No âmbito das regras
jurídicas, por sua vez, é possível entendê-las como normas jurídicas que, de forma bem
delimitada, permitem, proíbem ou obrigam determinadas condutas, possuindo em sua estrutura
jurídica a característica de verdadeiras “determinações” e, portanto, com grau de satisfação
invariável. 113
No entanto, se existem, por um lado, múltiplos artigos e livros que abordam as
peculiaridades dos princípios e das regras, por outro, a doutrina pouco se dedicou ao tema dos
postulados normativos, o que tornou esta categoria normativa pouco conhecida e difundida
entre os cientistas e operadores do Direito. Na doutrina brasileira, o primeiro dedicar atenção
devida aos postulados normativos foi o consagrado constitucionalista Celso Riberio Bastos. 114
Esses postulados normativos estão direcionados, principalmente, às atividades
interpretativas e criativas do Direito. Eles são, em essência, verdadeiros pressupostos
epistemológicos de compreensão do fenômeno jurídico, de maneira que é impossível
compreender o Direito sem levá-los em consideração, uma vez que isto pressupõe a observância
dos postulados. Como bem aponta Humberto Ávila: “A interpretação de qualquer objeto
cultural submete-se a algumas condições essenciais, sem as quais o objeto não pode ser sequer
apreendido. A essas condições especiais dá-se o nome de postulados.”115 Eles são pressupostos
de toda e qualquer aplicação e interpretação do Direito, isto é, condicionam o exercício dessas
atividades, as quais, ressalta-se, não podem se distanciar das diretrizes oriundas dos postulados.

109 SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre
particulares. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 35-37.
110 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 90-91.
111 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, op. cit., p. 46-47.
112 Sobre as diferentes “fases” do conceito de princípio jurídico no âmbito da Teoria Geral do Direito, v.:
MARTINS, Ricardo Marcondes. Teoria dos princípios formais. Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 18, n.
98, p. 65-94, jul./ago. 2016, p. 65-68; MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso de direito e a constitucionalização
do direito privado. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 13-29.
113 Sobre as diferentes acepções do termo “princípio”, bem como a noção de regra jurídica adotada, v. nosso:
OLIVEIRA, Pedro Dadalto. Manutenção da supremacia do interesse público. Revista Internacional de Direito
Público – RIDP, Belo Horizonte, ano 5, n. 09, p. 171-212, jul./dez. 2020, p. 171-174.
114 BASTOS, Celso Ribeiro. Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 21/1997 | p. 40 - 53 | Out -
Dez / 1997; BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. 3ª ed. São Paulo: Celso Bastos
Editor, 2002, p. 165-179.
115 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 16ª São Paulo:
Malheiros, 2015, p. 164.
47

São os postulados normativos, em síntese, reflexos das noções mais elementares do


Direito e, por isso, representam elementos essenciais para sua compreensão. É nesta toada que
se defende os postulados enquanto pressupostos epistemológicos do conhecimento jurídico. 116
Percebe-se, destarte, o elevadíssimo grau de importância que os postulados normativos
possuem, sendo certo que sua violação implica, necessariamente, desrespeito aos elementos
mais essenciais de todo o Direito e, portanto, não devem ser toleradas interpretações e
aplicações normativas que estejam em descompasso com os postulados. 117
Diferentemente dos princípios, os postulados não possuem a estrutura de mandamentos
de otimização, tampouco representam um “dever-ser” ideal ou possuem grau de observância
variável de acordo com as circunstâncias fáticas e jurídicas. Também não se enquadram
enquanto regras jurídicas, posto que não prescrevem comportamentos específicos e, muito
menos, podem ser excluídos do ordenamento jurídico. 118 Eles são, em suma, diretrizes
metódicas para a correta interpretação e aplicação do Direito, de modo que não se confundem
com as regras ou princípios.
Ainda nesse sentido, os postulados não se encontram expressos no direito positivo. É
que eles “extraem-se mais da experiência, da lógica, da evolução histórica, do surgimento e
desenvolvimento do próprio constitucionalismo.” 119 Portanto, para identificá-los, não basta
abrirmos a Constituição ou qualquer outra Lei que integra o ordenamento jurídico, faz-se mister
perquirir os elementos essenciais do Direito, aqueles que, historicamente, foram descobertos e
passaram a fazer parte de sua essência, transformando-se, inclusive, em verdadeiros elementos
que lhe caracterizam.
Destaca-se, com o fim de ilustrar o pensamento, que podem ser considerados como
postulados normativos: (i) a supremacia da Constituição; (ii) a unidade da Constituição; (iii) a
maior efetividade possível das normas constitucionais; 120 (iv) a coerência do ordenamento

116 Nesse sentido, destaca Celso Ribeiro Bastos: “Postulado é um comando, uma ordem mesma, dirigida à todo
aquele que pretende exercer a atividade interpretativa. Os postulados precedem a própria interpretação, e se se
quiser, a própria Constituição. São, pois, parte de uma etapa anterior à natureza interpretativa, que tem de ser
considerada enquanto fornecedora de elementos que se aplicam à Constituição, e que significam, sinteticamente,
o seguinte: não poderás interpretar a Constituição devidamente sem antes atentares para esses elementos. Trata-se
de uma condição, repita-se, da interpretação. Não se terá verdadeira atividade interpretativa se não estiver o
intérprete bem imbuído dessas categorias. Concluindo, o intérprete fica diante de enunciados cogentes, dos quais
a sua atividade (interpretativo-constitucional) não pode descurar.” BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e
interpretação constitucional, op. cit., p. 165-166.
117 Idem, p. 170.
118 Sobre essas e outras diferenças entre os postulados, regras e princípios, v.: ÁVILA, Humberto. Teoria dos
princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, op. cit., p.164-165.
119 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional, op. cit., p. 171.
120 Idem, p. 172-177.
48

jurídico; (v) a estrutura hierárquica do sistema normativo; 121 (vi) a proporcionalidade; (vii)
razoabilidade; e (vii) a segurança jurídica. 122 Frisa-se que estes são os postulados normativos
normalmente versados pela doutrina, sem prejuízo de se reconhecer outros através do estudo
jurídico.
A única forma de identificar um postulado normativo é através do estudo do próprio
Direito, ocupando a argumentação e a fundamentação do jurista um papel central neste processo
de reconhecimento de um novo postulado.
Convém reforçar, ainda, que os postulados não estão, necessariamente, positivados no
texto da Constituição, sendo certo que por serem considerados como pressupostos
epistemológicos do Direito, eles lhe são inerentes, independentemente de positivação. Vale
dizer, os postulados acompanham o fenômeno jurídico onde quer que ele esteja, de modo que
não estão condicionados às variações do direito positivo. Pela mesma lógica, eles não podem
ser suprimidos através de alterações legislativas, que dizer, os postulados não podem ser,
simplesmente, revogados ou, então, retirados do sistema normativo. 123
Diante de todo o exposto a respeito dos postulados, portanto, é forçoso concluirmos que
toda e qualquer interpretação e produção do Direito está, implicitamente, obrigada a observar
as diretrizes decorrentes dos postulados normativos. Não importa, neste ponto, o que diz o
direito positivo, porquanto os postulados decorrem das características essenciais do próprio
Direito e da Constituição, funcionam, como dissemos, enquanto pressupostos para sua exata
compreensão. Negá-los significa atentar contra as bases da estrutura jurídica, o que, por óbvio,
não está autorizado ao legislador e ao intérprete fazê-lo. Assim, é possível concluir que: toda
atividade interpretativa e criativa do Direito, até mesmo aqueles que desfrutam do maior grau
de discricionariedade, devem observar o que dizem os postulados normativos.
É necessário registrar, nesse sentido, que nem mesmo o Poder Constituinte está isento
de respeitar os postulados. Dentro do modelo de um Estado Constitucional, o legislador
constituinte é aquele que goza da mais acentuada discricionariedade, lhe sendo possível
discorrer sobre os mais variados temas que interessam a sociedade e estabelecer a
regulamentação que entenda adequada. De todo modo, não se deve olvidar que o constituinte
exerce função pública e, com efeito, está adstrito às exigências do interesse público e,

121 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, op. cit., p. 166.
122 PIRES, Luís Manuel Fonseca; MARTINS, Ricardo Marcondes. Um diálogo sobre a justiça: a justiça
arquetípica e a justiça deôntica. Belo Horizonte, Fórum, 2012, p. 54.
123 PIRES, Luís Manuel Fonseca; MARTINS, Ricardo Marcondes. Um diálogo sobre a justiça: a justiça
arquetípica e a justiça deôntica. Belo Horizonte, Fórum, 2012, p. 54.
49

principalmente, não lhe é cabível editar uma Constituição que contrarie os pressupostos
epistemológicos à compreensão do fenômeno jurídico. O Poder Constituinte não pode,
simplesmente, desconsiderar os postulados normativos, isto é, aqueles elementos essenciais que
foram reconhecidos historicamente como integrantes da essência do Direito.
Imagine uma Constituição que estabelece a ausência de sua supremacia ou, então, que
atente diretamente contra a segurança jurídica, configurar-se-ia uma contradição jurídica
insuportável, uma vez que se violaria características que integram o âmago, o núcleo, daquilo
que se entende por Direito. A violação de um pressuposto epistemológico, de um postulado
normativo, acarreta uma contradição performativa,124 de tal sorte que não deve, em hipótese
alguma, ser tolerada, sob pena de se consagrar uma norma não respeita os elementos basilares
de toda uma construção histórica da dinâmica jurídica.
Sendo assim, como bem pontuou o Professor Ricardo Marcondes Martins: “os
postulados normativos são, nestes termos, autênticos limites ao poder constituinte
originário.”125 E essas limitações ao Poder Constituinte, conforme se procurou demonstrar, são
de ordem jurídica, pois não se fundamentam em questões extrajurídicas – como os direitos
naturais – mas, sim, baseiam-se em argumentos exclusivamente jurídicos, principalmente
naquelas noções construídas por estudiosos do Direito e consideradas como verdadeiros
pressupostos para se alcançar a sua exata compreensão, sendo, por isso, ferramentas
indispensáveis aos seus intérpretes e agentes normativos. Deste modo, complementando a
citação supratranscrita, podemos dizer que: os postulados normativos figuram enquanto
verdadeiros limites jurídicos ao Poder Constituinte.

4.3. O postulado da construção histórica do Direito

Assim como enfatizamos no tópico anterior, os postulados dificilmente podem ser


encontrados no direito positivo. Eles podem ser identificados mediante a análise da experiência
jurídica como um todo, bem como a partir de sua lógica e, também, de sua evolução histórica,
sendo certo que as visões empregadas pelos cientistas do Direito exercem papel fundamental
para o reconhecimento dos postulados, uma vez que é através da argumentação racional que se

124 Sobre o tema da contradição performativa, v.: MARTINS, Ricardo Marcondes. Estudos de direito
administrativo neoconstitucional. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 32-35.
125 MARTINS, Ricardo Marcondes. Teoria jurídica da liberdade, op. cit., p. 148.
50

pode considerar que certa característica do Direito é essencial para sua adequada compreensão
e, por isso, faz jus à categoria de postulado.126
O que pretendemos defender neste tópico é o reconhecimento de um novo postulado, o
qual versa sobre a necessidade dos agentes normativos e do intérprete Direito compreendê-lo
enquanto fruto de uma longa e contínua construção histórica, de tal modo que os direitos
conquistados historicamente devem ser, impreterivelmente, preservados e enaltecidos.
Já nos debruçamos suficientemente acerca da evolução histórica dos direitos
fundamentais e o ápice desta construção com a internacionalização dos direitos humanos.
(Capítulo 03). Ao nosso sentir, tais considerações auxiliam a visualizar o próprio
processo de construção do Direito em si, visto que seus institutos, seus princípios e, também,
seus postulados, não nascem da noite para o dia. Não abonamos a tese jusnaturalista que
reconhece a existência de direitos naturais. Como já defendemos, todas essas categoriais
jurídicas, em verdade, são construídas historicamente, a partir de lutas, reivindicações sociais,
críticas científicas e, até mesmo, políticas. A historicidade, portanto, é um traço marcante do
Direito.
Ora, tendo em vista todo o exposto a respeito do tema, entendemos que não é possível
apreender o fenômeno jurídico adequadamente se não for levado em consideração seu longo
processo de sedimentação histórica, o que, ao nosso sentir, deve ser reconhecido como um
pressuposto epistemológico do Direito. Aquele que se coloca na posição de interpretar o Direito,
assim como seus agentes normativos, devem considerar, no exercício de suas atividades, que
os direitos atualmente existentes são reflexos de um extenso processo histórico, o que é capaz,
inclusive, de auxiliá-los na delimitação do alcance e sentido das normas que compõem o sistema
jurídico. Em resumo: defendemos que olhar para o Direito enquanto resultado de uma
construção histórica é um elemento essencial para sua correta compreensão.
Faz-se mister que o fenômeno jurídico seja compreendido dentro de sua evolução
histórica, o que está intimamente ligado, na maioria dos casos, ao desenvolvimento histórico da

126 A propósito, vale transcrever as palavras de Celso Ribeiro Bastos: “Não são propriamente extraíveis da
Constituição. São uma série de regras que os autores que tratam do Direito Constitucional atualmente seguem.
Extraem-se mais da experiência, da lógica, da evolução histórica, do surgimento e desenvolvimento do próprio
constitucionalismo. São postulado, axiomas que se caracterizam pelo aspecto cogente com que se apresentam ao
intérprete. Nesses postulados, muitas vezes o que se coloca são não apenas visões do fenômeno constitucional
adquiridas ao longo do tempo, mas, em verdade, algo que esteve presente, ainda que até então não desvendado
cientificamente, desde que se promulgou a primeira Constituição, já que é a única forma pela qual se pode imaginar
a submissão a uma Constituição.” BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional, op. cit.,
p. 171.
51

comunidade internacional e, também, das comunidades nacionais. Destacando a importância


de se analisar uma Constituição a partir dos documentos constitucionais que lhe antecederam,
Nelson Saldanha aponta as Constituições que surgem sucessivamente emergem dentro de uma
perspectiva de continuidade do Estado, isto é, na esteira de uma sequência constitucional, de
tal sorte que o “novo” Poder Constituinte estaria, em certa medida, limitado pela ordem
constitucional anterior.127
Pois bem, o postulado da construção histórica do Direito significa que, em sua
interpretação e criação, o fenômeno jurídico deve ser considerado como obra de um processo
de formação histórica. E quais seriam, então, as implicações deste postulado?
Por força do aludido postulado normativo, aqueles que interpretam ou estão envolvidos
na atividade de produção do Direito, devem atuar com o objetivo a realçar a preservação dos
direitos humanos, fundamentais e dos institutos jurídicos que lhes sejam correlatos, o que
implica vedar interpretações e produções normativas as quais acarretem retrocessos à efetivação
e manutenção destas conquistas históricas. Em outros termos, reconhecer a construção histórica
do Direito significa, também, reconhecer a importância de todas as lutas e críticas que foram
travadas e feitas para se chegar em seu atual estágio de evolução, as quais não podem,
simplesmente, serem descartadas pelas gerações contemporâneas.
Ora, os direitos, como exaustivamente enfatizado, simbolizam vitórias históricas do
povo. Nossos antecessores dedicaram-se física e intelectualmente para combater as opressões
oriundas das mais diversas formas de poder, sendo certo que alguns até perderam suas vidas
nesses embates. Com efeito, pode-se considerar os direitos como valores que integram o
patrimônio cultural da comunidade e, tendo em vista sua importância e a forma pela qual foram
conquistados, é imperioso que os intérpretes e agentes normativos estejam conscientes de tudo
isso e, destarte, atuem no sentido de maximizar a proteção e o conteúdo normativo dos direitos

127 “’Originário’ devemos considerar, isto sim, a um poder que atue em ato ‘primeiro’, com inteira independência
de qualquer norma positiva; não é o caso de todo poder de estabelecer uma Constituição. ‘Instituído’ deve ser
chamado o poder de estabelecer Constituição que funcione dentro de uma sequência constitucional, de um
ordenamento jurídico-estatal já existente. (...). Na verdade este poder ‘originário’ (que podemos chamar bruto,
sendo o instituído, pelo desconto instrumental que sofre, por assim dizer líquido) possui um sentido de ponto de
partida: devemos situá-lo no momento de formação de todo Estado constitucional; a partir desta formação, toda
Constituição nova supõe um poder constituinte condicionado pela anterior e conseguintemente instituído. (...).
Dentro da continuidade do Estado, a sucessão das Constituições de um país não significa interrupções e recomeços,
a não ser que se dê uma transformação na própria situação internacional do Estado.” SALDANHA, Nelson. O
poder constituinte, op. cit., p. 78.
52

humanos, fundamentais e todas aquelas disposições normativas que guardam relações com
eles.128
Com isso, em decorrência do postulado da construção histórica do Direito, uma vez que
a comunidade avançou e conquistou certas garantias, não se admite o retrocesso, é dizer, não se
deve andar para trás. Como bem destacou, inclusive, Leomar Barros Amorim de Sousa:
Mas o que queremos logo deixar consignado é que os chamados Direitos Humanos
constituem um patrimônio do homem, alcançado com muito sacrifício e luta no
evolver da civilização. Esse trabalho lento e contínuo de conquista é um caminhar sem
retornos ou voltas, uma vez que as vantagens auferidas pelos homens, sobretudo
aquelas mais próximas e ligadas ao direito de liberdade, consubstanciam espaço
inalienável e imprescritível à penetração e violação pelo Estado. 129

Deste modo, defendemos, com fundamento no postulado em comento, que os direitos


humanos e os direitos fundamentais se encontram protegidos, preservados e imunes aos
intérpretes que, por alguma via, busquem amesquinhar seu prestígio e aos legisladores que
tendem fazer de toda essa construção histórica uma tábula rasa, porquanto referido postulado
normativo exige justamente o contrário, isto é, demandam a valorização deste processo de luta
que está cravado na história.

4.4. A relação entre o Poder Constituinte e os Direitos Humanos à luz do postulado da


construção histórica do Direito

Nesse cenário, tendo em mente as diversas premissas e conclusões assentadas ao longo


deste trabalho, não hesitamos em concluir que, com fundamento no postulado da construção
histórica do Direito, os direitos humanos devem ser reconhecidos enquanto uma conquista
mundial representativa da existência de um consenso global em volta de determinados valores
essenciais para se consagrar o respeito à dignidade da pessoa humana, sendo adequado pontuar
que sua internacionalização e adoção interna por diversos Estados impede a ocorrência de
retrocessos em sua tutela, de modo que, diante deste marco de avanço civilizatório que os
direitos humanos representam, não é autorizado aos Estados, sob o fundamento da não

128 É que não só os direitos humanos e fundamentais podem ser utilizados para representar esses avanços
históricos. O chamado, tradicionalmente, de “princípio da separação dos poderes”, por exemplo, não se enquadra
exatamente naquelas duas categorias supramencionadas, no entanto, está intimamente associada a elas, não só por
ter se consagrado juntamente com o advento do constitucionalismo e, portanto, dos direitos fundamentais, mas,
também, pelo motivo de que seria difícil imaginar um Estado em que não houvesse a tripartição dos poderes e, ao
mesmo tempo, fossem observados os direitos humanos e fundamentais. Destarte, é notória a existência de institutos
jurídicos, os quais também se consagraram a partir de um processo histórico, que guardam íntima relação com a
efetivação desses direitos mencionados.
129 SOUSA, Leomar Barros Amorim de. Os direitos humanos como limitação ao poder constituinte. Revista de
informação legislativa. Brasília, ano 28, nº 110, 69-86, abr./jun., p. 80.
53

vinculação jurídica do Poder Constituinte, negar esta evolução da comunidade internacional e


editar uma Constituição que desrespeite esses direitos citados, sobretudo à luz das
contemporâneas relações de cooperação entre o Direito Internacional e o Direito Nacional. 130
Percebe-se, com efeito, que do chamado postulado da construção histórica do Direito
emerge uma proibição ao retrocesso dos avanços jurídicos e políticos da sociedade. 131 É dizer,
uma vez consagrados nas Constituições um extenso rol de direitos fundamentais, bem como a
previsão, no âmbito internacional, de que os indivíduos são cidadãos internacionais e, por isso,
gozam de direitos humanos, não é dado aos representantes do povo – reunidos em uma
Assembleia Constituinte, por exemplo – abrirem mão dessas conquistas históricas, isto
é, dispensar todos os direitos decorrentes da dignidade da pessoa humana e que integram o
patrimônio cultural da sociedade. 132
Mesmo o Poder Constituinte, que é o órgão, dentro de um Estado Constitucional, com
grau mais acentuado de discricionariedade, não lhe é cabível retroceder nesse aspecto, de tal
modo que deverá, obrigatoriamente, observar os parâmetros estipulados nos direitos humanos
como verdadeira fonte de inspiração para sua obra. Em outros termos: não há como o Poder
Constituinte se afastar dos direitos humanos. As Constituições contemporâneas, portanto,
devem se adequar a esta nova concepção e se adequar às suas exigências. Aliás, conforme já
destacamos, o grau de observância dos direitos humanos pelas Constituições pode ser
considerado um parâmetro para aferição da legitimidade das Leis Fundamentais.
Além disso, é imperioso lembrarmos que o legislador constituinte, dentro de uma
perspectiva democrática, exerce função pública e, destarte, não pode agir arbitrariamente, visto

130 Registra-se, nessa linha, outros autores que, apesar de premissas diferentes, reconheceram, também, que os
direitos humanos operam enquanto limitações ao Poder Constituinte, v.: LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Poder
constituinte reformador: limites e possibilidades da revisão constitucional brasileira. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 1993, p. 104-110; SILVA, Paulo Thadeu Gomes da. Poder constituinte originário e sua limitação
material pelos direitos humanos. Campo Grande: Solivros, 1999; e SOUSA, Leomar Barros Amorim de. Os
direitos humanos como limitação ao poder constituinte. Revista de informação legislativa. Brasília, ano 28, nº 110,
69-86, abr./jun.
131 Por mais que ultrapasse os limites deste trabalho, parece-nos que do postulado da construção histórica do
Direito decorre o postulado da proibição do retrocesso, o qual é tratado, majoritariamente, como sendo um
princípio jurídico. Ao nosso sentir, na esteira da classificação apresentada por Humberto Ávila, enquanto o
primeiro pode ser considerado um postulado hermenêutico o segundo, por sua vez, enquadra-se como um
postulado normativo aplicativo. Sobre essas classificações, v.: ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da
definição à aplicação dos princípios jurídicos, op. cit., 184-224.
132 Como bem nota Leomar Barros Amorim de Sousa: “De qualquer forma, os direitos fundamentais,
conquistados no curso da evolução histórica da humanidade, consagrados na ordem jurídica de cada país, não
podem ser restringidos, diminuídos ou suprimidos à invocação da ilimitação do poder fundante do Estado. A
criação do Estado é uma maneira intermediária que os homens usam para ver garantidos e respeitados esses direitos
fundamentais e não para restringi-los ou diminuí-los, pois a tanto não chega o mandato constituinte.” SOUSA,
Leomar Barros Amorim de. Os direitos humanos como limitação ao poder constituinte, op. cit., p. 82-83.
54

que está adstrito ao cumprimento de seus deveres enquanto representante do povo. É que estes,
enquanto verdadeiros titulares do Poder Constituinte, não outorgam, aos agentes incumbidos
na tarefa de representá-los no ato de editar a Constituição, um cheque em branco capaz de levar
ao absurdo de se sustentar a possibilidade dos representantes atuarem em desacordo com os
interesses dos representados – o que aconteceria, por exemplo, se fosse dada a possibilidade
dos legisladores constituintes editarem uma Constituição notoriamente violadora dos direitos
fundamentais e dos direitos humanos. 133
Ao nosso sentir, existe uma única hipótese em que o Poder Constituinte poderá atuar à
margem do processo de construção histórica do Direito, a saber: quando exercido de maneira
revolucionária. Vale dizer, conforme mencionados no primeiro capítulo, a Revolução busca
romper radicalmente com toda estrutura política e social vigente em determinada sociedade, de
modo a fugir do cenário de sucessão constitucional e continuidade do Estado. O movimento
revolucionário, por conseguinte, provoca uma transformação da própria noção daquilo que se
entende por Direito, conforme as citadas palavras de Georges Burdeau: “uma revolução é a
substituição de uma ideia de Direito por outra, enquanto princípio diretor da atividade
social.”134 Ou seja, está no espírito do movimento revolucionário a busca por uma mudança
completa na estrutura da sociedade, bem como romper com os valores então vigentes, o que
não seria possível se eventual Constituição que surgisse a partir deste contexto estivesse
limitada às condicionantes históricas que, regularmente, operam.
No entanto, quando o Poder Constituinte é exercido de maneira democrática e dentro de
um ambiente de sucessão constitucional, sem que haja busca por romper de modo radical com
os parâmetros inerentes às noções jurídicas vigentes, o mencionado postulado da construção
histórica do Direito é inteiramente aplicável e, em razão disto, o Poder Constituinte não poderá
se distanciar dos direitos humanos.

133 “O mandante, no caso o povo, na qualidade de titular da soberania nacional, não outorga poderes que possam
aniquilar sua própria liberdade. Seria uma contradição inafastável aceitar que os homens outorgassem poderes a
uma assembleia ou grupo de pessoas, concedendo-lhes um cheque em branco, para saque sem limite nas provisões
da liberdade humana. Está implícito que na outorga de poderes constituintes, os homens não outorgam um mandato
ilimitado a uma Assembleia, posto que tal proceder implicaria na possibilidade até de uso desses poderes em
detrimento do próprio outorgante, o que seria inaceitável e sem validade alguma. (...). Ao receber a outorga para
criação do Estado, quer em processo revolucionário de ruptura da ordem vigente ou em revisão constitucional, não
podem os executores constituintes, no exercício precário da soberania, fazer tábula rasa dos direitos fundamentais
do homem. Primeiro, porque o mandato não contém tais poderes a serem exercidos em prejuízo do mandante;
segundo, porque explícita ou implicitamente o povo jamais abdicaria de direitos adquiridos no desenvolvimento
da civilização e que são verdadeiras cidadelas a plotar a atuação do soberano em balisas bem determinadas.” Idem,
p. 83.
134 BURDEAU, Georges. Traité de Science Politique. 2ª ed. Tomo IV. Paris: LGDJ, 1969, p. 595-596, apud
SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional, op. cit., p. 320.
55

Em abono, o atual nível de interação e cooperação entre o Direito Internacional e o


Direito Ordinário, inegavelmente, impõe limites jurídicos ao Poder Constituinte. Como
defendemos anteriormente, ambas ordens normativas devem ser interpretadas de maneira
harmônica e cooperativa, tendo em vista, principalmente, que as duas almejam, em tese, a
mesma finalidade: a promoção da dignidade da pessoa humana e a tutela dos direitos do homem.
Contudo, se, por um lado, essas relações no âmbito da comunidade internacional proporcionam
um alargamento das possibilidades e das relações internacionais, por outro lado, elas acarretam
a obrigação, ainda que implícita, do Poder Constituinte respeitar “uma porção de conveniências
jurídico-internacionais”,135 isto é, devem ser observados os standards internacionais, entre os
quais, como apontamos, encontram-se os direitos humanos.
Com base nesses argumentos, conclui-se que: os direitos humanos são verdadeiros
limites jurídicos ao Poder Constituinte e, por isso, são oponíveis aos Estados até mesmo no
momento de edição de suas respectivas Constituições. Deste modo, mesmo neste ato que
melhor representa a manifestação de sua soberania, os Estados estão compelidos a prestigiar a
construção histórica desses direitos que se consagraram enquanto direitos universais e
indispensáveis a uma existência digna.

135 São as palavras de Nelson Saldanha: SALDANHA, Nelson. O poder constituinte, op. cit., p. 91.
56

5. CONCLUSÃO

À guisa de conclusão, tendo em vista que o presente trabalho se baseou,


fundamentalmente, em três capítulos para defendermos nossa posição, podemos sintetizar
nossas conclusões da seguinte forma:
O Poder Constituinte é o responsável por editar uma Constituição, de maneira que se
traduz em verdadeira manifestação do poder político de determinada comunidade. Tendo em
vista seu caráter inaugural e sua característica de inicialidade, consagrou-se a tese segundo a
qual este poder seria despido de qualquer limitação de cunho jurídico, sendo inaceitáveis, numa
perspectiva fundamentalmente positivista, argumentos que imponham limites à atuação do
poder responsável pela produção da Constituição.
Os direitos humanos e os direitos fundamentais devem ser considerados enquanto
direitos históricos, sendo certo que o ápice desta construção se verifica na Declaração Universal
dos Direitos do Homem, de 1948, a qual, inclusive, pode ser considerada como um parâmetro
objetivo de uma ética universal. Os direitos humanos, assim, passaram a ser reconhecidos pelas
próprias Constituições dos Estados Nacionais, de maneira que se nota a influência exercida pelo
Direito Internacional dos Direitos Humanos sobre o Direito Constitucional. Nesta toada, o
Direito Ordinário e o Direito Internacional caminham de modo cooperativo na busca de
proteger a dignidade dos indivíduos, sendo este um compromisso de todos os Estados e
Organismos Internacionais.
Ainda que partindo de uma noção positivista, a princípio, não se conheça limites
jurídicos ao Poder Constituinte, faz-se mister realçar que a categoria dos postulados normativos,
enquanto autênticos pressupostos epistemológicos para a exata compreensão do fenômeno
jurídico, condicionam toda e qualquer atividade hermenêutica e criativa do Direito. Deste modo,
até mesmo o Poder Constituinte deve observância aos postulados normativos, sob pena de
acarretar uma contradição performativa. Tratam-se, inclusive, de limitações de ordem jurídica,
uma vez que não se socorrem de argumentos ou fundamentos extrajurídicos.
Nesse sentido, é imperioso o reconhecimento da existência do postulado da construção
histórica do Direito, segundo o qual arcabouço normativo protetor dos indivíduos deve ser
apreendido enquanto um desdobramento de combates políticos e reivindicações sociais
travados pelas sociedades no decorrer dos séculos. Com efeito, o Direito, necessariamente,
precisa ser compreendido a partir de sua historicidade, desdobrando-se daí a impossibilidade
57

de retrocessos em relação aos direitos historicamente conquistados pelos indivíduos, visto que
eles compõem o patrimônio cultural da sociedade.
Destarte, o Poder Constituinte não poderá abrir mão de todas essas conquistas jurídicas
da humanidade, porquanto, em essência, está incumbido na tarefa de preservar e ampliar todas
essas garantias jurídicas. Nesse cenário, considerando que os direitos humanos representam o
auge deste processo histórico de expansão dos direitos, eles não podem, simplesmente, ser
desconsiderados pelo Poder Constituinte, sob pena de violação do postulado da construção
histórica do Direito, de tal sorte os eventuais órgãos constituintes se encontram limitados, em
seu exercício, pela noção de direitos humanos.
Pelo exposto, relembrando aquelas indagações traçadas inicialmente, podemos
responder que: a partir da teoria dos postulados normativos, é possível reconhecer a existência
de limites jurídicos ao Poder Constituinte. Ainda nessa linha, por força do que chamamos de
postulado da construção histórica do Direito, o respeito aos direitos humanos, outrossim, pode
ser considerando como sendo um limite normativo ao referido poder responsável pela produção
de uma Lei Fundamental.
58

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