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KERSTENETZKY, Celia; O estado do bem-estar social na idade da razão.

Rio de Janeiro:
Elsevier Editora Ltda, 2012.

A autora defende o estado do bem-estar e o classifica como uma invenção política, que
surge na Alemanha, ganha destaque na Inglaterra e desenvolve-se no período pós-guerra –
que se estenderá a outros países de outras formas como “estado do bem-estar social” ou
“welfare state” – visando a proteção social, principalmente aos trabalhadores e aos riscos
enfretados pelos mesmos no mercado de trabalho. Na Alemanha essa securidade social se
desenvolve através de políticas de proteção a acidentes que possivelmente causariam a perda
da geração de renda, enquanto que na Inglaterra isso se dar pela criação de um modelo de
padrão de vida a ser assegurado a todos, vistos respectivamente como modelo do contrato e
modelo do status.
Com a análise das intervenções inglesas, temos mostrada a clássica ideologia também
apresentada por Jessé de Souza (2022) acerca de que a parcela pobre da população era vista
como própria responsável por sua condição, essa que não era considerada uma questão não só
individual como também social. Assim as intervenções associadas para a resolução dessas
condições eram coercitivas e condicionadas, resultando na agravação da pobreza com a
estigmatização dos pobres, mas ainda, abrindo espaço para a discussão sobre a simples
garantia de direitos sociais.
Outra grande questão das medidas de securidade social, foi o fato de que essas antes
realizadas por espécies de organizações para ajudar essas pessoas necessitadas passou a ser
uma questão ligada ao mercado e ao Estado, porém através de medidas que afetavam parte
dos necessitados individualmente e não universalmente. Além de que, essas provisões
somente atingiam indivíduos do sexo masculino, seguindo a premissa de que os mesmos eram
os chefes de todas as famílias carecidas, responsáveis pelo sustento das mesmas.
O debate sobre o bem-estar abriu as portas para a criação de medidas sociais, mas que
se desenvolveram lentamente em países dianteiros nessa discussão. Os passo iniciais foram a
criações dos seguros de proteção contra acidentes, seguidos por aposentadorias, pensões e
seguro-desemprego, até finalmente a terceira onda que foi a criação dos benefícios familiares.
Os beneficiados também seguiram a ordem de primeiramente os trabalhadores industriais,
agrícolas, dependentes, assegurados, autônomos e por fim a população em geral. Sua
ampliação ocorreu pelos critérios de elegibilidade, bons benefícios, relaxamento dos critérios
de elegibilidade, adoção de benefícios ligados ao mercado, até progamas de provisão
compulsória.
Em síntese, não se detectou um padrão originário único. A pluralidade de teorias
parece ter valor mais morfológico – é especialmente útil para iluminar as diferenças
entre os países – do que genealógico. Vale ressalvar que em todos os casos, na
origem desses arranjos, se nota o elemento comum de voluntarismo político, no
contexto de uma agenda reformista mobilizada por um evento crucial, seja ele crise,
guerra, construção do Estado nacional ou subdesenvolvimento. (p. 14)

A autora ressalta a velha questão de que essas medidas pretentivas adotadas, apesar de
não possuírem um fator de origem comum, estão marcadas pelo fato de que em todos os
diferentes casos e de diferentes localidades todas essas medidas tiveram em comum o fator de
gatilho do ocorrido por meio de algum fator histórico de grandes proporções para a sociedade.
Observamos esse caso recentemente, exemplificando a implementação do Auxílio
Emergencial brasileiro devido a ocorrência da pandemia mundial de Covid-19.
Um fator importante é que os primeiros beneficiários dos progamas sociais não tinham
o direito ao voto, apenas ganham esse direito após a primeira fase do estado do bem-estar que
durou até 1914. Com os anos dourados do welfare state temos o aumento do orçamento social
que contribuiu para a expansão do estado do bem-estar para além dos pobres e participantes
dos progamas de seguro social, alcançando assim a classe média, beneficiando os gastos do
movimento em questão, esse que possivelmente contribuiu para com o aumento da classe
média, com a geração de empregos, sobretudo para as mulheres (ainda refererindo-se
principalmente aos países europeus).
A1 respeito das duas definições do estado do bem-estar no período de seu surgimento e
desenvolvimento temos uma que está ligada estritamente ao fator da resolução do problema
dos pobres, condicionando esse movimento a algo individual da classe menos favorecida e
não como algo universal, que garantisse políticas que atingissem não somente essa fração da
população.
Segundo a autora “necessidades sociais são necessidades oriundas da interdependência
social: elas são definidas pela vida em sociedade, como o padrão de vida corrente, e têm sua
origem em dependências que são nela criadas” (p.22), ou seja, a difinição do bem-estar social
está atrelada as necessidades de cada sociedade e em sua relação do social com o individual e
vice-versa, criando-se dependências entre ambos (infância, velhice, doença, incapacidade,
cultural e social).

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Aqui se inicia o Capítulo II.
Uma consequência problemática é que esforços individuais de independência
econômica são frequentemente insuficientes para obter independência. De modo
geral, as instabilidades introduzidas pelas mudanças contínuas multiplicam as
chances de ocorrência de estados de pobreza, em decorrência de condições como
desemprego, subemprego, entrada tardia no mercado de trabalho, credenciais que
conferem status diferenciados [...] (p.23)

Enfatiza-se que as contantes transformações na sociedade e mercado de trabalho,


principalmente, acentuam as instabilidades sociais, essas que como vimos não estão ligadas
apenas a situação financeira de cada cidadão. Os estigmas sociais impostos pelas próprias
políticas elaboradas demonstram que as mesmas acabam tornando-se ineficientes, como
também, causando um grande impacto nas pessoas atingidas e desestimulando o uso dessas
políticas.

A conclusão a respeito das “necessidades sociais” que um estado do bem-estar


deveria satisfazer é que não se trata exclusivamente de prover necessidades
materiais, mas de provê-las por meio de serviços universais que evitem o estigma e
contribuam para a construção da identidade das pessoas tendo por referência a
comunidade política da qual são membros. (TITMUSS apud KERSTENETZKY
p.24)

Com isso, entedemos a importância da criação de políticas públicas que respeitem seus
beneficiários e incentivem a integração social, progresso e desalienação. Ainda referenciado
TITMUSS a autora se atém ao fato de que as população deveria ter acesso a recursos que os
protegessem e que os assegurassem diante das incertezas econômicas, além de que fossem
universais devido a impossibilidade da identificação particular da fonte de desserviço. Mas
ainda assim, seriam necessárias políticas a parte que realizassem o processo de equidade
baseados nas necessidades de grupos específicos da população.
Em outra análise da autora voltada para as teorias de Marshall destaca-se as questões
que compõe os direitos sociais, que significam um certo padrão de vida a ser mantido como
direito de todos os cidadãos, entre eles o direito univesal a uma renda retirada da riqueza
social, causando a igualdade material que alteraria a desigualdade na sociedade, mantendo a
linha de igualdade exigida a todos os que fazem parte dessa sociedade como cidadãos.
Outros fatores que implicam a necessidade de políticas além da renda universal estão
ligadas as condições e recursos que essas pessoas dispõem que interferem na autônomia de
suas escolhas. Também há a relação individual e do indivíduo com determinado grupo, suas
capacidades individuais a depender de diversos fatores (nutrição, abrigo, mobilidade, etc),
além de suas características particulares (idade, raça, sexo, etc), que possivelvemente iram
condicionar essas pessoas em determinados estigmas sociais, reduzindo ainda mais a sua
capacitação, como é dito:

Condições sociais e culturais, como normas e práticas estigmatizadoras,


segregadoras ou diretamente discriminatórias, compartilhadas socialmente ou
incorporadas em instituições públicas, podem impedir o acesso de certos grupos
sociais a recursos disponíveis ou dar acesso apenas a recursos de baixa qualidade, ou
ainda minorar a fruição potencial destes – sejam estes grupos definidos, por
exemplo, em termos de classe, cor, etnia, sexo, idade, residência ou recebimento de
benefícios públicos. Podem debilitar a vontade, as expectativas, a motivação e a
agência, reforçar e perpetuar crenças arruinadoras de identidades ou promotoras de
resignação e desalento. (p. 31)

Outro ponto a ser comentado seria a qualidade dos serviços ofertados, seja educação,
saúde, lazer, etc., que implicam igualmente na capacitação de um cidadão e para a melhoria
dessas áreas são importantes as ações políticas para a mudança social, por meio da ampliação
das das opções ofertadas a população, significando o aumento da oportunidade de escolhas e
poder de barganha.
Há2 dois pontos vistos como os contras da implementação do estado do bem-estar:
apenas países desenvolvidos estariam habilitados para a adoção deste movimento, como
também, a adoção do mesmo significaria a negatividade do crescimento econômico (ambos
tornaram-se argumentos inválidos. Seguindo essas teorias contra a adoção do bem-estar temos
a teoria do “Balde furado de Okun” recorrente nos progamas sociais, no qual a transferência
de renda dos ricos para os pobres acabaria como um desestímulo, o que em termos gerais
significaria que os beneficiários transformariam-se em “preguiçosos”, a longo prazo afetando
a origem do benefício e por fim a economia. Porém essa teoria também não ganhou forças
devido a novos estudos que favoreceram o método de redistribuição de renda, em que
acredita-se na ineficiência do mercado graças as suas imperfeições, principalmente em seu
acesso.
Por muitos países as políticas sociais foram usadas para axiliar o desenvolvimento
econômico, por meio de dois tipos de desenvolvimento: o bem-estar seletivo e o bem-estar
inclusivo. O que esses dois meios teriveram em comum seria o fator do aumento da

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Aqui se inicia o Capítulo III
produtividade e crescimento econômico e o que as diferenciam seria o foco em grupos
específicos (funções economicamente importamente sem integração social), como na Coreia
do Sul e no Brasil ou universalmente (crescimento e interação social), como nos países
escandinavos.

[...] as políticas sociais acabam afetando variáveis econômicas: ao proteger e


prevenir contra riscos, elas promovem estabilidade econômica (com a suavização do
consumo e a redução da incerteza); economizam capacidade produtiva que, na sua
ausência, seria perdida; liberam as empresas dos custos envolvidos em proteção e
prevenção; elas também contribuem para a valorização de capacidades, que podem
ser mobilizadas para o aumento de produtividade e da eficiência econômica e para o
crescimento, e o fazem liberando o setor privado dos custos e investimentos
envolvidos. (p. 44)

No trecho acima um fato é defendido, no que diz respeito de que as políticas


econômicas impactam na economia como na sociedade, igualmente acontece com as políticas
socias que também impactam economicamente além dos impactos socias, como na “proteção
social, prevenção contra riscos sociais, redução de desigualdades e pobreza, promoção de
justiça social, aumento de capacitações em geral” (p. 44).

[...] a função principal das políticas sociais é compensar agentes e grupos pelas
externalidades negativas geradas no processo; em um modelo de interação em que
são respeitadas as autonomias relativas de cada campo, a geração de externalidades é
minimizada e a função meramente compensatória da política social é mitigada em
favor de sua dimensão proativa. (p. 44)

Neste último trecho mais uma vez temos a conclusão de que políticas socias vistas
como perda de capital econômico e redutoras do desenvolvimente da economia, ao contrário
do que muitas correntes sugerem, são grandes contribuidoras para o desenvolvimento
econômico devido a seu caráter resolutório dos problemas da seguridade social. Promovendo
assim o desenvolvimento econômico e integração social.
Um exemplo importante de países que adotaram as políticas sociais universais com
grande obtenção de sucesso, como foi dito foram os países da Escandinávia, com políticas de
apoio a família, importantes para a mudança estrutural da família, diminuição da probreza
infantil e crescimento econômico. Outra medida foi a implantação dos serviços sociais,
exemplificando a reforma da educação com introdução de educação infantil pública, universal
e de qualidade equitativa, como também os serviços externos de cuidado que elevou a
participação feminina no mercado de trabalho, a redução dos problemas de informação,
mobiliade social, externalidades negativas entre outros benefícios adquiridos com a adoção
dessas medidas de redistribuição eficiente (aumento de salários com o aumento da
produtividade) e serviços sociais.
Devido a negligencia aos efeitos econômicos causados por meio das políticas sociais
temos a criação em sua defesa da tese de desenvolvimento social, que defende a necessidade
das políticas econômicas alcançar o bem-estar da população, além de que o bem-estar social
deve estar atrelado a políticas socias com efeito ampliador da produtividade. Isso por meio de
investimentos em capital humano, programas de emprego e subemprego, capital social,
remoção de barreiras à participação econômica e programas sociais que auxiliem nas despesas
incidentes nas operações de crédito. Essa teoria é estritamente classificada como produtivista,
tendo como consequência o condicionamento das políticas sociais como algo que torna o
indivíduo produtivo, ignorando a principal consequência esperada dessas políticas, o fato de
promover a justiça social e liberdade para os cidadãos inclusive de realizar atividades não
produtivas. Outra problemática observada nessa teoria é a devolução da responsabilidade do
bem-estar aos próprios cidadãos sem levar em conta o fato das desigualdades enfrentadas
pelos mesmos, nisso a obtenção dos direitos estaria atrelada ao mercado, quando deviriam ser
ofertados apesar dele.
A capacitação constantemente ligada a produtividade é definida por uma outra
pespectiva, a da liberdade de escolha incluindo a não participação do mercado em que o
desenvolvimento estaria ligado ao acesso das necessidade básicas de qualidade apesar da
produtividade individual e coletiva. A preocupação que permanece nesse sentido é a
comodidade da população no caso da concreção da ofetar de políticas sociais que garantissem
a capacitação integralmente.
Avançando3 um pouco na história da propagação do estado de bem-estar, a partir da
década de 80 ele passa a ser visto como uma fonte de segurança, uma poupaça ou até mesmo
um “cofrinho”, diante das incertezas advindas do mercado. O welfare state também é
apresentado uma uma via para o crescimento econômico por meio do “crescimento
sustentado” em que o estado de bem-estar é uma oportunidade de contribuição para a
produtividade. Com a globalização esperava-se a redução ou até mesmo a extinção do estado
de bem-estar, o que mostra-se improvável devido aos indicadores que revelam a estabilidade

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Aqui se inicia o Capítulo IV
do welfare state e na realidade reforça a continuidade do mesmo, porém agora com novas
adaptações e modificações, devido as novas necessidades de proteção social (mudanças
tecnológicas, mudanças demográficas, novos arranos familiares .

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