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A RELAÇÃO ESTRESSE, DEPRESSÃO E ANSIEDADE NA OBESIDADE

APRESENTAÇÃO

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem
necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela
atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade
de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos


conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar
de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação
continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo
contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar
sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a
como instrumento para seu sucesso na carreira.

INTRODUÇÃO

A obesidade é considerada uma doença de etiologia multifatorial caracterizada pelo acúmulo


excessivo de tecido adiposo no organismo e é fator de risco para patologias graves como diabetes,
doenças cardiovasculares e hipertensão. Além disso, a obesidade com frequência pode gerar
sofrimento e comportamentos de esquiva social associados ao comprometimento da qualidade de
vida. Hoje é claro o papel essencial de fatores biológicos no desenvolvimento da obesidade, no
entanto, seus correlatos psicológicos tem sido relevantes na intervenção clínica desse problema.
Assim, pesquisadores e profissionais de diversas áreas têm-se interessado pelo estudo do perfil
psicológico de indivíduos obesos.

Embora o comprometimento da imagem corporal e da autoestima possam preceder o


desenvolvimento da obesidade, as alterações psicológicas são geralmente percebidas como
consequência da obesidade. A imagem corporal é por sua vez crucial no desenvolvimento de
transtornos alimentares como a anorexia e bulimia. No mesmo sentido, aspectos emocionais como
estresse, ansiedade e depressão são identificados como causas, consequências ou
retroalimentadores da condição de obesidade, tanto em adultos quanto em crianças. A terapia
cognitivo-comportamental para o tratamento dos transtornos alimentares e da obesidade é um
enfoque útil de intervenção psicológica que tem demostrado resultados favoráveis em indivíduos
que apresentam esses tipos de problemas.

A obesidade pode ter início em qualquer época da vida, mas seu aparecimento é comum na infância
e na adolescência. A obesidade, um dos problemas de saúde mais frequentes entre os transtornos
nutricionais infantis, é considerada um grave problema de saúde pública. Existe recentemente um
grande interesse de pesquisadores e clínicos nos aspectos psicológicos da obesidade,
especificamente, na forma como ela afeta crianças e adolescentes. Nesse sentido, este Caderno irá
abordar os principais aspectos psicológicos da obesidade, tanto em crianças quanto em adultos.

OBJETIVOS

» Compreender as alterações psicológicas e emocionais que estão associadas ao desenvolvimento


da obesidade.

» Exemplificar métodos de pesquisa e de intervenção psicológica em indivíduos com transtornos


alimentares e obesidade.

» Ampliar e aprofundar os conhecimentos teóricos sobre o tema.

» Estimular a reflexão crítica e a produção discente na área em questão.

ASPECTOS EMOCIONAIS DA OBESIDADE NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

O aumento do estresse percebido que experimentamos na sociedade moderna afeta o nosso


comportamento alimentar. De fato, um estudo recente mostrou que estados de tristeza favoreciam
o consumo de gordura, de doces e de comidas gratificantes, enquanto que estados de alegria
favoreciam a ingestão de frutas secas.

(DALLMAN, M. F. (2010). Stress-induced obesity and the emotional nervous system. Trends
Endocrinol. Metab. 21(3):159-165)
A participação em um tratamento para emagrecer pode ser um tipo de estresse psicológico,
enquanto que procedimentos para a redução de peso podem ocasionar níveis clínicos de depressão
provocados pelos esforços de resistir ao alimento.

(ADES, L.; KERBAUYK, R. R. (2002). Obesity: Reality and Questions. Psicologia USP, 13 (1), 197 -216)

Ser obeso ou mesmo estar acima do peso é uma condição altamente estigmatizada na sociedade.
As pessoas obesas que sofrem estigma pela sua condição lidam constantemente com reações de
hostilidade por parte dos outros. O estresse produzido por antecipação dessas reações adversas
pode levar à depressão.

(MacLean, L. et al. (2009) Obesity, stigma and public health planning. Health Promot Int. 24(1):88-
93).

ASPECTOS EMOCIONAIS DA OBESIDADE NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Em crianças obesas, o comportamento alimentar da família tem um papel importante no que diz
respeito ao aparecimento e à manutenção do excesso de peso e da obesidade. As crianças
aprendem por meio da observação e da imitação, bem como pela modelagem do comportamento
de seus pais.

Buzzo e Kerbauy (1995) procuraram esclarecer, em estudo com cinco mães de classe média, com
filhos de 6 a 8 anos, quais os fatores que influenciam a escolha e a instalação das regras alimentares
que a mãe ensina aos filhos. Observaram: (a) uma incoerência entre o que a mãe faz e o que diz em
relação a ela e a própria criança, (b) o conceito de obesidade é negativo, mas quanto ao bebê, há
menor ênfase no aspecto aversivo, (c) a história alimentar de uma mãe é repetida no filho e duas
mães a reformularam e corrigiram, (d) as orientações médicas quanto à alimentação infantil não
são seguidas por todos. Uma das crianças era obesa e as demais tinham peso normal. Concluiu-se
pela necessidade de programas preventivos com as mães para ensiná-las a lidar com a sua história
alimentar com ênfase na quantidade, na qualidade e no horário e aprender conceitos e
comportamentos relacionados à alimentação. Esses resultados podem ser referendados pelo
trabalho de Epstein, Valoski, Wing, e McCurley (1994) com crianças e suas famílias. Há risco de uma
criança obesa tornar-se um adulto obeso e este risco aumenta com a idade. Há também evidências
de que quando a perda de peso é na infância e adolescência esse ganho permanece.

(ADES, L., & KERBAUYK, R. R. (2002). Obesity: Reality and Questions. Psicologia USP, 13 (1), 197-
216).

Em crianças obesas entre 5 a 12 anos, observam-se características psicopatológicas como


ansiedade, depressão, hiperatividade, baixa autoestima e conflito entre pares. Novos estudos
revelam o valor preditivo de transtornos como depressão ou transtornos de conduta para o
desenvolvimento de sobrepeso e de obesidade. Crianças com um ganho de peso relativamente
rápido apresentam maior prevalência de problemas de aprendizagem e estresse. Assim, a inter-
relação entre ganho de peso e problemas psicológicos pode ser bidirecional. Ansiedade
clinicamente significativa pode promover ganho de peso e o rápido ganho de peso pode levar a
problemas psicossociais.

Entre os transtornos psicológicos estudados na infância e na adolescência, a depressão tem


suscitado crescente interesse, principalmente pela frequência com que este diagnóstico tem sido
feito. Sentimentos de tristeza, irritabilidade e agressividade, dependendo da intensidade e da
frequência, podem ser indícios de quadros depressivos em crianças. As súbitas mudanças de
comportamentos nas crianças, não justificadas por fatores estressantes, são de extrema
importância para justificar um diagnóstico de transtornos depressivos. Os sintomas depressivos
podem interferir na vida da criança de maneira intensa, prejudicando seu rendimento escolar e seu
relacionamento familiar e social.

Entre tais grupos vulneráveis para o desenvolvimento da depressão infantil, encontra-se também o
das crianças obesas. A obesidade muitas vezes acarreta dificuldades comportamentais, interferindo,
assim, no relacionamento social, familiar e acadêmico da criança. Para avaliar a depressão infantil,
são utilizados instrumentos para se quantificar a intensidade e frequência dos sintomas depressivos.
Um instrumento de autorrelato muito utilizado é o Inventário de Depressão Infantil (Children’s
Depression Inventory – CDI), constituído por uma escala abordando vários itens que avaliam sinais
cognitivos, afetivos e comportamentais de depressão em crianças, como tristeza, perda de
interesse, choro frequente, desesperança, culpa, baixa autoestima, entre outros.

Nota-se a necessidade e a importância de estudos com a população infantil brasileira que verifiquem
a presença de sintomas depressivos entre crianças obesas e da elaboração de instrumentos
específicos para a cultura brasileira, que avaliem adequadamente tais sintomas. Faz-se necessário
ainda salientar que os transtornos depressivos constituem uma série de alterações
comportamentais, biológicas, cognitivas, emocionais e somáticas, que geralmente associam-se a
outras queixas, como, por exemplo, a ansiedade.

LUIZ, G. A. M. A. et al. (2005) Depressão, ansiedade, competência social e problemas


comportamentais em crianças obesas. Estud. Psicol. v. 10, n. 3; p. 371-375.

ASPECTOS EMOCIONAIS DA OBESIDADE EM ADULTOS

As pessoas costumam mudar seus comportamentos alimentares quando se percebem estressados


ou sob uma dificuldade financeira e interpessoal constante. Embora aproximadamente 20% das
pessoas não mudem o comportamento de alimentação durante períodos de estresse, a maioria o
faz. Quando estressadas, 40% das pessoas incrementa o consumo de calorias e 40% reduzem a
ingestão calórica. Estudos prospectivos parecem indicar que indivíduos acima do peso tendem a
aumentar de peso quando estressados, enquanto que aqueles que estão no peso normal, ou abaixo
dele, não parecem ganhar peso.
Pessoas e animais escolhem alimentos com alto conteúdo de açúcar e de gordura durante situações
de estresse. Sob circunstancias controladas de laboratório, a exposição a eventos de estresse físico
ou emocional induz a ingestão de alimentos gratificantes, mesmo sem fome e sem necessidade
homeostática de calorias. Aliviar um sentimento ocasional intenso de estresse comendo algo
prazeroso não causa obesidade, no entanto, alívio de desconfortos habituais da vida usando essa
estratégia pode levar à obesidade.

A alimentação induzida pelo estresse também é observada em mulheres com peso normal que
realizam regime alimentar. Como tal restrição requer um grande esforço emocional, torna-se por si
só um tipo de estresse crônico. Alguns indivíduos parecem destinados a enfrentar uma batalha para
emagrecer. Esse processo de luta pode produzir excessiva preocupação com alimentação, peso,
autocondenação, ansiedade e depressão, bem como repetidos ciclos de perda e recuperação de
peso.

O estresse pode ser definido como (1) a soma de respostas físicas e mentais causadas por
determinados estímulos externos (estressores) e que permitem ao indivíduo (humano ou animal)
superar determinadas exigências do meio-ambiente e (2) o desgaste físico e mental causado por
esse processo. O estresse pode ser causado pela mudança brusca no estilo de vida e pela exposição
a um determinado ambiente, que leva a pessoa a sentir um determinado tipo de angústia. A
síndrome geral de adaptação, uma teoria inicial de estresse proposta por Seyle (1936), diz que o
organismo reage à percepção de um estressor com uma reação de adaptação. Esse processo
atravessa as três fases a seguir.

» Reação de alarme: a glândula hipófise secreta maior quantidade do hormônio


adrenocorticotrófico que age sobre as glândulas suprarrenais. Estas passam a secretar mais
hormônios glicocorticoides, como o cortisol. Este por sua vez inibe a síntese proteica e aumenta a
quebra de proteínas nos músculos, nos ossos e nos tecidos linfáticos. Todo esse processo provoca
um aumento do nível de aminoácidos no sangue, que servem ao fígado para a produção de glicose,
aumentando assim o nível de açúcar no sangue. Outra consequência da inibição da síntese de
proteínas é a inibição do sistema imunológico.

» Estágio de resistência: caracterizado pela secreção de somatotrofina e de corticoides. Gera, com


o tempo, um aumento das reações infecciosas.

» Estágio de esgotamento: não cessando a fonte de estresse, as glândulas suprarrenais se


deformam. Doenças de adaptação podem aparecer.

(Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: . Acesso em 15/8/2008).

As bases para comportamentos que levam à obesidade estão sendo entendidas. Elas incluem
circuitos cerebrais relacionados à aprendizagem e à memória de recompensa, bem como à
formação de hábitos e à diminuição do controle cognitivo.
Situações percebidas como ameaça desencadeiam a resposta do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal,
que regula o fator de liberação de corticotropina e a liberação de cortisol, um hormônio do estresse
importante. O cortisol aumenta os níveis de adiposidade central e níveis de leptina. A leptina está
envolvida na regulação da saciedade, sugerindo que os níveis elevados de cortisol podem perturbar
o sistema de leptina e, assim, aumentar o risco de obesidade. Essas reações a estressores têm sido
associadas ao ganho de peso por meio de alterações metabólicas e de comportamentos adaptativos
de enfrentamento, como a falta de exercício e o excesso de ingestão.

Os hormônios produzidos pelo estresse, como glicocorticoides, e a ingestão de alimentos saborosos


podem funcionar como sinais de retroalimentação que reduzem o valor aversivo da situação difícil,
reforçando assim o comportamento de procurar comida durante lapsos de tempo iconfortáveis ou
de angústia.

Não é surpreendente que as redes neurais subjacentes à alimentação e as respostas ao estresse


tenham aparecido em formas de vida primitivas. Reservas de energia são requeridas para encontrar
alimentos e para os processos cognitivos que permitam planejar como escapar, ou viajar para locais
com mais comida, ou lutar por alimentos. Durante a evolução humana, a comida era escassa e os
riscos de vida eram frequentes. Em nossas condições atuais de fácil acesso a abundantes alimentos
saborosos, juntamente com a proliferação de estressores sociais, é evidente a elevada tendência à
obesidade.

Os transtornos de ansiedade e de depressão são sintomas comuns em indivíduos obesos. Existem


duas dimensões distintas da ansiedade. A primeira é o estado de ansiedade, conceitualizado como
um estado emocional transitório, que varia em intensidade e flutua com o decorrer do tempo,
caracterizado por sentimentos desagradáveis de tensão e apreensão, conscientemente percebidos.
A segunda dimensão é o traço de ansiedade que se refere a diferenças no estilo como o indivíduo
reage a situações percebidas como ameaçadoras. Entre pessoas obesas que procuram tratamento,
vários estudos relataram índices significativamente elevados de depressão e índices mais modestos
de transtornos de ansiedade, bulimia, tabagismo e transtorno de personalidade borderline.

Além disso, tem-se constatado que a realização de dietas e programas de redução de peso podem
levar ao aumento de ansiedade e, em longo prazo, à depressão em indivíduos obesos. Assim,
ansiedade, depressão e estresse são aspectos emocionais identificados como causadores ou como
consequências da condição de obesidade.

Sugerimos que conheça a série de vídeos do Programa Globo Repórter, onde são abordadas diversas
dimensões da obesidade, incluindo aspectos emocionais.

Parte 1. Epidemia de Obesidade. Disponível em:< http://www.youtube.com/


watch?v=vtxEtew05nk>. Acesso em 15 ago. 2011.
Parte 2. Epidemia de Obesidade. Disponível em:. Acesso em 15 ago. 2011

marcoa131952@hotmail.com

IMAGEM CORPORAL, AUTOESTIMA E OBESIDADE NA INFÂNCIA, ADOLESCÊNCIA E FASE ADULTA

O ser gordo ou magro na sociedade atual é veiculado pela mídia, na maior parte das vezes, sem
relação com a saúde. O ideal é o corpo magro, sem que se levem em conta diferenças genéticas. O
ser gordo pode também significar falta de controle de impulsos, preguiça, ser relaxado. Com a
transmissão desses conceitos é evidente que o sobrepeso pode ser um fator de sofrimento para
aqueles que não alcançaram um corpo perfeito.

(ADES, L.; KERBAUYK, R. R. (2002). Obesity: Reality and Questions. Psicologia USP, 13 (1), 197 -216).

A cultura ocidental divulga uma imagem de corpo inatingível para a maioria dos indivíduos, e muitos
passam a viver uma grande discrepância entre o corpo real e o corpo ideal. Tal discrepância vem
sendo associada a (1) um decréscimo na autoestima, (2) a distorções na imagem corporal e (3) a
depressão. A experiência de “sentir-se gordo” mesmo quando o peso corporal real não corresponde
a tal sentimento, parece ser um sentimento compartilhado socialmente.

A imagem corporal, não é unicamente a forma como os outros nos veem, porém, é a concepção que
nós temos sobre nossa imagem. A autopercepção corporal, as atitudes, as crenças, as práticas, as
representações, os sentimentos, as sensações e os comportamentos relativos ao corpo são apenas
alguns dos aspectos envolvidos no fenômeno da imagem corporal.

Os transtornos da imagem corporal são um efeito da cultura moderna. O culto ao corpo e o


consumismo são algumas das razões para essa crescente insatisfação com a imagem. Por exemplo,
o fato de as mulheres não corresponderem a um ideal de corpo associado à magreza provoca
sentimentos de inadequação e de vergonha com relação ao próprio corpo.

Nesta unidade, iremos discutir a relação entre imagem corporal, autoestima e obesidade em
diferentes estágios do desenvolvimento.

A imagem visual é um processo que envolve não apenas representações visuais, mas também outros
elementos subjetivos. Toda vez que uma imagem é lembrada, pensamentos e sentimentos
relacionados podem afetar a imagem resultante.

A imagem corporal é um componente importante em todo o mecanismo de identidade pessoal. A


imagem que uma pessoa tem de si mesma é formada pela relação entre três informações distintas:
a imagem objetiva, a imagem representada pela opinião de terceiros e a imagem idealizada. A
imagem corporal integra a representação que temos da medida, dos contornos e da forma de nosso
corpo, bem como as emoções concernentes a essas características. Assim, a construção e a
formação da imagem corporal é o resultado de componentes subjetivos como a satisfação da pessoa
com suas dimensões físicas ou partes específicas de seu corpo e os comentários, opiniões e
expectativas dos outros. Dessa forma, a pressão social para cumprir exigências com respeito ao
corpo exerce forte influência sobre o desenvolvimento da imagem corporal.

Depoimentos

Sueli (16 anos) acha que a imagem sem dúvida é um princípio de inclusão ou de exclusão. Para ser
bem-aceita nos relacionamentos, é fundamental cuidar tão bem do corpo quanto se cuida da alma:

– Eu li numa revista sobre anorexia e fiquei com vontade de ter para ser muito magra... li aquela
reportagem e acho que inconscientemente eu desenvolvi a anorexia. Eu lia muito Boa Forma, e, se
você for ver no armário quanta Boa Forma tem aí... E isso é muito ruim sabe? As revistas fazem
muito mal... Eu acho que comecei a me sentir mais feia depois que comecei a ler...(Sueli)

– Mas você não é feia... (respondo)

– Ahhhh... mas vai ver uma Daniela Cicarelli, sei lá, uma dessas modelos aí, todo mundo baba e você
vai se sentir pior. Na verdade se você tem cinquenta e oito quilos pensa “nossa sou uma baleia!”.
Nossa eu acho revista uma coisa ridícula, parece que fazem pensando para deixar a pessoa mal! E
eu acho que a imagem que você passa para os outros importa muito!” (Sueli).

Dinora (26 anos), que tem uma história de sobrepeso anterior à anorexia, conta que sentia-se
socialmente discriminada pelo excesso de peso. Seu depoimento é marcadamente entoado por
grande sofrimento subjetivo, e, várias vezes, atribui como causa de sua doença o fato do sobrepeso
ter se constituído uma marca social, um tipo de atributo depreciativo imputado à sua pessoa.

Quando eu passei do meu peso, eles começaram a me chamar de gorda... então eu tentei abaixar o
meu peso e fui deixando de comer... Sempre me lembrava do tempo que me chamavam de gorda,
isso não saía da minha cabeça... Isso me levou a... Quando as pessoas me chamavam de gorda eu
pensava que tinha que fazer regime... todo mundo tirava sarro... parecia que todo mundo olhava
pra mim e me achava gorda (chora e faz um grande silêncio).

É exatamente o valor que o atributo físico adquire na vida social do indivíduo que pode estigmatizá-
lo. Dinora, em algum momento, assumiu como sua imagem real, essa imagem disforme e
desvalorizada de indivíduo, e simbolicamente parece ser exatamente dessa “gordura” que ela tenta
se livrar.

(GIORDANI, R. C. F. A autoimagem corporal na anorexia nervosa: uma abordagem sociológica.


Psicologia & Sociedade; 18 (2): 81-88; 2006).

Em homens, e mais ainda em mulheres, a imagem corporal é um tema relevante associado ao peso
corporal, ao estresse e, por sua vez, ao comprometimento da qualidade de vida. Diversos estudos
relacionam as desordens alimentares à percepção da imagem corporal, à autoestima e à satisfação
com a própria aparência física. Os estudos sobre distorção e insatisfação com a imagem corporal
focalizam-se principalmente em populações portadoras de transtornos alimentares como anorexia
nervosa e bulimia, sendo recente a observação desse tipo de distúrbio em populações isentas desses
transtornos, mas que têm desenvolvido hábitos alimentares que colocam em risco sua saúde. Na
unidade III serão discutidos, de forma mais detalhada, os principais aspectos dos transtornos
alimentares.

Pessoas anoréxicas experimentam uma excessiva inquietação com algum aspecto de sua aparência,
que pode ser irreal ou real (no caso de ser real, é desproporcional), e que gera grande sofrimento.
O pensamento constante do medo de engordar não é aliviado pelo emagrecimento, mas, ao
contrário, frequentemente, na medida em que o sujeito diminui o peso, aumenta o seu medo de
engordar. Esses indivíduos apresentam uma distorção da sua imagem corporal de tal forma que,
mesmo extremamente magros, podem avaliar-se “gordos”, ou ainda, sentirem-se magros, mas
permanecendo preocupados com partes “gordas” de seu corpo.

Tô me sentindo gorda, mas eu já emagreço! – “Minha barriga tá grande!”; nunca tive barriga,
imagine se naquela época minha barriga ia estar grande! Daí eu via pelanca aqui (mostra os dedos),
via pelanca na mão, era uma coisa absurda assim, tudo tinha gordura... E nada era o suficiente...
Mas eu me olhava muito no espelho, muito, todo dia, toda hora, né; então tinha aquela obsessão:
qualquer coisa que parecesse fora do lugar, eu já me sentia gorda, né, falava: – “Ai, que que é isso?”,
tipo “Uma gordurinha, vou emagrecer mais!”, entendeu, “Vô emagrecer pra tirar isso aqui!”. Tinha
o prazer físico de se tocar, entendeu? De sentir as costelinhas aparecendo, de ver os buracos do
corpo aparecendo, afundando mais, então essa era uma sensação corporal que era agradável sim.
Por mim eu emagreceria em uma semana, emagreceria cinco quilos na outra semana, mais cinco na
outra, mais cinco na outra, mais cinco... até zerar, entendeu, virar uma formiguinha! (Depoimento
de Kely, 23 anos, sobre o período em que esteve doente).

(GIORDANI, R. C. F. A autoimagem corporal na anorexia nervosa: uma abordagem sociológica.


Psicologia & Sociedade; 18 (2): 81-88; 2006)

Os estudos sobre obesidade e autoestima mostram algumas inconsistências, possivelmente


relacionadas às faixas etárias da população avaliada. Em uma revisão que considerava estudos tanto
em crianças quanto em adultos, Miller e Downey (1999) observaram que, em adultos, a relação
entre aumento de peso e baixa autoestima era mais evidente quando comparada com crianças e
adolescentes. Em outra revisão, French, Story e Perry (1995) observaram que unicamente em 13
estudos, dos 25 analisados, os jovens obesos apresentavam baixa autoestima. O efeito mais claro
da obesidade sobre a autoestima foi observado em adolescente com idades entre os 13 -18 anos,
mas não em crianças de menor idade.

Para avaliar o efeito da obesidade sobre a autoestima e o autoconceito de crianças e adolescentes,


Cornette (2008) realizou uma revisão dos artigos publicados de 1995 a 2005 sobre o assunto. Foram
considerados os estudos com mais de 50 participantes que incluíam medidas obtidas por meio de
instrumentos de avaliação psicológica e do índice de massa corporal. Os principais achados dessa
revisão mostraram que um índice de massa corporal alto estava correlacionado com baixa
autoestima, mas uma autoestima elevada não estava necessariamente associada a baixos índices
de massa corporal. Observou-se também que, quando comparados com as meninas, os meninos
reportavam menos consequências emocionais da sua condição de sobrepeso.

Em um trabalho recente, Griffiths, Parsons e Hill (2010) realizaram uma revisão dos artigos
publicados a partir de 1994 que versavam sobre obesidade, autoestima e qualidade de vida em
crianças e adolescentes. Os autores concluíram que jovens obesos apresentam baixa autoestima e
comprometimento da qualidade de vida, especificamente na percepção da sua aparência física, da
sua competência atlética e do seu desempenho social.

Parte das inconsistências encontradas na literatura parece corresponder a limitações metodológicas


das pesquisas iniciais. Essas limitações incluem o tamanho da amostra, geralmente de poucos
indivíduos, uma definição inconsistente de sobrepeso e obesidade, bem como o tipo de medidas
utilizadas para determinar a autoestima.

Faça a leitura do artigo “Diferenças na percepção da imagem corporal, no comportamento alimentar


e no estado nutricional de universitárias das áreas de saúde e humanas”. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-81082009000300009&script=sci_arttex>.t>

O objetivo desse estudo foi avaliar a percepção da imagem corporal, o comportamento alimentar e
o estado nutricional de estudantes de cursos das áreas da saúde e humanas de uma universidade
de Ribeirão Preto, Brasil, para comparação entre estas.

A partir dos conceitos aprendidos nesta unidade, elabore um texto que discuta por que os adultos
obesos parecem ter maiores alterações psicológicas, relacionadas com imagem corporal e
autoestima, quando comparados com crianças obesas.

DIAGNÓSTICO

Anorexia e bulimia nervosa são duas das principais patologias que constituem os transtornos da
alimentação. Segundo o manual para o diagnóstico dos transtornos mentais DSM-IV-TR (APA, 2000),
essas duas patologias apresentaram um maior número de incidência durante as últimas décadas. A
tabela 1 ilustra a presença/ausência de critérios diagnósticos em transtornos alimentares.

Na anorexia nervosa se faz distinção entre:

anorexia de tipo restritivo, que descreve quadros clínicos nos quais se consegue a perda de peso
fazendo dieta, jejuando ou realizando exercícios intensos, e nunca por meio de purgantes;

anorexia de tipo compulsivo/purgativo, no qual o indivíduo recorre regularmente a ataques de gula


ou purgantes (ou ambos).

Existem quatro critérios decisivos para o diagnóstico de anorexia nervosa.

Existência de um baixo peso evidente, não devido a causas orgânicas.

Presença de um medo desmesurado de engordar, apesar de se encontrar abaixo do peso.


Supervaloração da imagem e da aparência, que costuma ser observada na maioria dos casos, a partir
de atitudes e de sentimentos negativos para com a própria imagem.

Presença de amenorreia ou ausência de menstruação durante os três últimos ciclos.

Três aspectos são fundamentais no diagnóstico de bulimia nervosa.

1. Existência de ataques de gula ou episódios de ingestão voraz, como característica principal dessa
patologia. Nesse tipo de episódio, diferentemente dos episódios de superingestão, presentes com
frequência em pacientes obesos, pacientes diabéticos e população normal, existe uma sensação de
perda de controle e de culpa após estes.

2. Atitudes negativas para com a própria imagem e peso. Essa opinião negativa estará influindo,
como no caso da anorexia nervosa, no comportamento alimentar e no estado de humor do
paciente.

3. Presença de comportamentos compensatórios, para evitar um presumível aumento de peso após


um episódio de ingestão voraz. Esses comportamentos irão desde vômito a uso de laxantes e
diuréticos, exercício físico excessivo e/ou uso de dietas. Com base no tipo de comportamento
compensatório, os pacientes com bulimia nervosa serão subdivididos em dois subtipos:

tipo purgativo:

provocam regularmente o vômito e/ou abusam de laxantes após o episódio bulímico;

tipo não purgativo:

empregam outras técnicas compensatórias inapropriadas, como jejuar ou praticar exercícios


intensos.

Tabela 1. Presença/ausência de critérios em transtornos da alimentação


Tabela adaptada de Fernandez-Aranda F. Tratamento passo a passo dos transtornos do
comportamento alimentar. In: Tratamento cognitivo-comportamental dos transtornos psicológicos
da atualidade, 2008.

Embora a obesidade não seja em si mesma um transtorno alimentar, um subgrupo de indivíduos


obesos, incluídos aqueles com o transtorno de compulsão alimentar periódica (TCAP) e com a
síndrome do comer noturno – SCN (night eating syndrome – NES), sofrem de transtornos
alimentares. Para aprofundamento nas discussões referentes a esse tema, sugerimos que realize a
leitura do artigo “Aspectos psiquiátricos da obesidade”. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462002000700014>. Acesso
em: 15 ago. 2011.

A IMAGEM CORPORAL NOS TRANSTORNOS ALIMENTARES

Recomendamos que assista ao vídeo Anorexia, Bulimia e Vigorexia. Disponível em:


<http://www.youtube.com/watch?v=F4GkCc9teik&feature=related>. Acesso em:15 ago 2011.
O video de 6 minutos apresenta alguns aspectos da imagem corporal relacionados aos transtornos
alimentares e pretende provocar reflexões sobre o tema.

Uma característica primordial da anorexia e da bulimia nervosas consiste no exceso de preocupação


pelo tamanho e pela forma do corpo. Estudos recentes focalizam o temor à gordura, as
preocupações e as perturbações da imagem corporal como fatores motivacionais que determinam
os comportamentos de comer pouco e uso de purgantes. Existem diferentes tipos de distorção da
imagem corporal nos transtornos alimentares.

Distorção do tipo perceptual:

consiste na autopercepção consciente das dimensões do corpo: postura, movimentos, forma e toda
a superfície corporal acessível aos sentidos. Caracteriza-se por superestimar (no caso da anorexia)
ou subestimar (no caso da obesidade) a superfície do corpo e suas dimensões.

Distorção do tipo cognitivo-emocional:

o paciente manifesta um mal-estar ou um desconforto com o próprio corpo, independentemente


da distorção autoperceptiva. Esse mal-estar se refere a questões mais subjetivas e de conteúdo.
Neste caso, o uso de adjetivos pejorativos é comum (gorda, feia, inchada, insuportável, asquerosa
etc.).

Distorção do tipo social:

refere-se a uma internalização de modelos de subjetivação e ideais de corpo prescritos pela cultura.
Estamos diante de uma distorção de tipo social quando existe uma expectativa de emagrecimento
irreal, quantitativa e qualitativamente. Esta é uma dimensão de difícil diagnóstico, tendo em vista o
desejo de emagrecimento irrealista culturalmente reforçado nos dias de hoje.

O peso e a forma do corpo influenciam fortemente a autoavaliação dos sujeitos acometidos por
anorexia nervosa e bulimia nervosa, ou seja, este é entendido e descrito como um critério
diagnóstico comum nos dois grupos clínicos. Porém, estudos recentes mostram que existem
diferenças significativas na distorção da imagem corporal se comparamos as duas entidades
nosológicas.

Na anorexia nervosa a distorção autoperceptiva sobre o peso e a forma do corpo é mais grave do
que no caso da bulimia nervosa e pode variar no que se refere ao conteúdo do conflito. O paciente
anoréxico pode tanto negar o baixo peso, ou seja, não perceber nenhum tipo de problema com a
forma do seu corpo, bem como superestimar a forma ou o peso corporal, como, por exemplo, julgar-
se ou perceber-se mais gordo do que de fato está.

Pacientes bulímicos apresentam maior motivação para tratamento, o que se deve, em parte, à
maior insatisfação com o peso e a forma do corpo mencionada anteriormente. Essa motivação está
influenciada pelos episódios de compulsão alimentar, pois estes têm consequências diretas na
forma como eles se percebem e avaliam sua imagem corporal. Outro aspecto importante, é que
esses pacientes estão em geral mais distantes do “peso ideal” fantasiosamente estabelecido por
eles. Por esta razão, sentem-se desmotivados com relação a suspender os episódios de compulsão
alimentar.

A experiência subjetiva com relação ao corpo pode ser bastante variável, como o curso da doença.
Sentir -se gordo depende muito do que o paciente conseguiu cumprir em termos de metas e de
rotina alimentar. Por isto, as avaliações sobre a imagem corporal revelam, em geral, a dinâmica da
doença naquele determinado momento. Avaliações sobre a imagem corporal devem ser realizadas
constantemente, pois a ênfase nesta ou naquela dimensão varia drasticamente durante o
tratamento e conforme a evolução do caso.

COMORBIDADE PSIQUIÁTRICA NOS TRANSTORNOS ALIMENTARES

Os pacientes com anorexia nervosa e bulimia nervosa frequentemente apresentam outros


transtornos psiquiátricos associados, especialmente transtornos do humor, de ansiedade, do
controle de impulsos, da personalidade e de abuso de substâncias.

O estudo das comorbidades dos transtornos alimentares (TA) tem aplicabilidade clínica, visto que a
presença de outros transtornos psiquiátricos pode influenciar o curso dos TA, camuflar a presença
de um TA subjacente, influencia a procura de assistência e ter um impacto no planejamento do
tratamento. Além disso, o estudo das comorbidades pode auxiliar nas pesquisas relacionadas à
etiologia dos transtornos alimentares, porque as comorbidades podem sugerir a presença de
mecanismos patológicos compartilhados.

Os pacientes portadores de mais de um transtorno psiquiátrico têm mais chance de ser


encaminhados para tratamento. Estudos que utilizam questionários e outras formas de avaliação
psicométrica fornecem mais informações sobre a gravidade de sintomas, embora, frequentemente,
não sejam indicados para gerar diagnósticos ou retratar todo o comprometimento no
funcionamento social dos pacientes.

Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), transtornos do humor, transtornos de ansiedade e abuso


de substâncias são os tipos de transtornos psiquiátricos mais comuns entre os portadores de
transtornos alimentares.

Transtorno obsessivo-compulsivo

Obsessões relacionadas à comida, ao peso e à forma corporal são aspectos psicopatológicos


importantes dos TA, e os portadores destes transtornos podem desenvolver compulsões.

Transtornos de ansiedade

Estão fortemente associados aos transtornos alimentares, sendo muito mais frequentes nestes
pacientes do que na população em geral, relação observada tanto em amostras clínicas quanto na
comunidade. Os transtornos de ansiedade mais frequentes são a fobia social e o transtorno de
ansiedade generalizada. Tanto na anorexia quanto na bulimia, há uma prevalência aumentada de
história de transtorno de ansiedade de separação em relação à população em geral. Tem-se
observado que a frequência de episódios de compulsão alimentar e comportamentos purgativos
em paciente bulímicos é diretamente proporcional à intensidade da sintomatologia ansiosa. Não se
pode afirmar que a diferença na época de surgimento dos sintomas se deva a uma relação causal
específica entre os dois tipos de transtornos, que ambos tenham a mesma base etiológica ou que
essa relação temporal se deva apenas ao curso e à idade de aparecimento de cada tipo de transtorno
separadamente.

Transtornos de humor

A associação entre transtornos alimentares e depressão está bem-estabelecida. Sintomas


depressivos são frequentes nos indivíduos com TA e sua prevalência pode chegar a 98% na anorexia.
Embora menos frequente que sintomas depressivos isolados, o diagnostico clínico de depressão
maior é significativamente maior na população com TA do que na população em geral.

O transtorno bipolar do humor está associado aos transtornos alimentares, especificamente à


bulimia. Há uma importante coagregação familiar entre os TA e os transtornos do humor, o que
aumenta as evidências reforçando a hipótese de que ambos os tipos de transtornos apresentam
fatores etiológicos genéticos em comum.

Enquanto há uma ideia geral de que a desnutrição e suas complicações clínicas é a maior causa de
morte no curso dos TA (notadamente na anorexia), uma metanálise recente mostra que o suicídio
é a causa mais frequente de morte entre pacientes anoréxicos, com prevalências variando de 1,8 a
7,3%. Os principais fatores de risco para tentativas de suicídio entre os pacientes com anorexia são:
anorexia de tipo purgativo, baixo índice de massa corporal (IMC), sintomas obsessivos, abuso de
drogas e depressão maior.

entes com anorexia são: anorexia de tipo purgativo, baixo índice de massa corporal (IMC), sintomas
obsessivos, abuso de drogas e depressão maior.

Abuso de substâncias

É muito mais frequente nas amostras de pacientes que apresentam episódios de descontrole
alimentar (bulimia nervosa e anorexia nervosa do tipo bulímico) do que em pacientes com
comportamento alimentar puramente restritivo. O abuso e a dependência de álcool e outras drogas
psicoativas estão associados ao comportamento impulsivo.

A impulsividade é considerada um fator etiológico comum entre os TA e o abuso de substâncias,


reforçando a ideia de que existe um subgrupo de pacientes multi-impulsivos, que manteriam o
mesmo tipo de comportamento em relação ao álcool, às drogas e à comida, bem como a outros
aspectos do comportamento.
A comorbidade entre TA e abuso de substâncias é diferente entre homens e mulheres. As mulheres
que abusam de algum tipo de substância psicoativa são mais suscetíveis a apresentar comorbidade
com TA (28 a 41%) do que os homens que abusam de substâncias (3%) . Álcool e estimulantes são as
drogas de abuso mais frequentes em pacientes com bulimia nervosa do que em mulheres com
transtornos de ansiedade ou do humor e em mulheres sem qualquer transtorno psiquiátrico.

Estudos clínicos e biológicos sugerem que os transtornos alimentares são expressões fenotípicas de
outros transtornos psiquiátricos e parte de espectros de psicopatologia, em especial dos espectros
dos transtornos do humor e do transtorno obsessivo-compulsivo. Sugerimos que realize a leitura do
artigo “Transtornos alimentares e os espectro do humor e obsesivo-compulsivo”. Disponível em:
<Erro! A referência de hiperlink não é válida.>. Acesso em:15 ago. 2011.

TRATAMENTO DOS TRANSTORNOS ALIMENTARES

A obesidade e os transtornos alimentares são patologias difíceis de abordar devido às suas


complexas etiologias. Os aspectos multifatoriais requerem a integração de várias técnicas
psicoterápicas, como a psicoeducacional, a cognitivo-comportamental e as psicodinâmicas.

A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é uma intervenção semiestruturada, objetiva, orientada


para metas e voltada para o presente e o futuro. O desafio da psicoterapia cognitiva é compreender
como diversos fatores interagem entre si em cada caso ou situação e, associada e integrada a outras
terapias, favorecer a melhora no manejo do sintoma para que o paciente possa dispor de um
repertório comportamental qualitativamente mais amplo para responder às exigências da vida.

Neste capítulo serão abordados os tipo de intervenção psicológica para o tratamento da obesidade
e dos transtornos alimentares.

Anorexia Nervosa

Para descrever os diferentes tipos de tratamento existentes, independentemente do enfoque ou do


quadro teórico empregado (psicanalítico-psicoterápico, cognitivo-comportamental, sistêmico e/ou
familiar etc.), a maioria dos autores enfatiza a necessidade de atingir três objetivos essenciais em
pacientes com anorexia nervosa:

» normalização de peso, constantes nutricionais e hábitos alimentares;

» tratamento de fatores psicológicos mantenedores;


» prevenção de recaídas.

O tratamento deve centrar-se tanto nos aspectos relacionados com a sintomatologia e a


psicopatologia alimentar, como nos não sintomatológicos. Para determinar que quadro seria o mais
adequado para tratar esses pacientes, aconselha-se seguir uma árvore de decisões que permite
objetivar fatores como gravidade do transtorno e ineficácia de tratamentos prévios que
determinarão a necessidade de utilizar abordagens mais invasivas, enquanto os pacientes que se
encontrarem em fases iniciais e/ou apresentarem uma menor sintomatologia alimentar poderão
beneficiar-se de procedimentos ambulatoriais (ver Figura 2).

Modelos de intervenção psicológica aplicados em anorexia nervosa

1. Psicoterapia psicanalítica breve: foi escassamente descrita na literatura, com resultados


limitados. Trata-se de uma psicoterapia breve e limitada no tempo, semiestruturada, em que não
se tratam temas como aconselhamento sobre hábitos alimentares ou peso. Nesse tipo de
abordagem se faz ênfase em aspectos como:

» significado consciente e inconsciente do sintoma;

» efeitos do sintoma nas relações interpessoais do paciente.

2. Terapia familiar: os objetivos principais desse tipo de abordagem, semiestruturada e limitada no


tempo, serão os seguintes:

» esclarecimento do problema alimentar e da dinâmica familiar criada em torno deste;

» determinação de uma funcionalidade interpessoal da sintomatologia manifesta;

» identificação de uma possível hipótese etiopatogênica do sintoma, deduzida da dinâmica familiar


existente e das consequências produzidas no ambiente do paciente.
3. Tratamento psicoeducativo-comportamental: esse tipo de programa estruturado e limitado no
tempo baseia-se essencialmente na normalização e na regularidade de hábitos alimentares, tanto
em quantidade como em frequência, e no controle do peso.

4. Terapia cognitivo-comportamental: utiliza uma combinação de técnicas cognitivas e


comportamentais para modificar o comportamento e as cognições subjacentes dos pacientes, suas
atitudes em relação à imagem e ao peso, baixa autoestima e perfeccionismo. Essas técnicas serão
basicamente:

» monitoração de refeições;

» pautas comportamentais de exposição;

» reestruturação cognitiva;

» resolução de problemas;

» técnicas de autocontrole emocional e de aumento de habilidades.

Figura 2. Estratégias terapêuticas recomendadas em trastornos alimentares.


Tabela adaptada de Fernandez-Aranda F. Tratamento passo a passo dos transtornos do
comportamento alimentar. In: Tratamento cognitivo-comportamental dos transtornos
psicológicos da atualidade, 2008.

Modelos de intervenção psicológica aplicados em bulimia nervosa

Nutricional – psicoeducativo:

mostram-se muito úteis para conseguir uma redução inicial dos sintomas propriamente bulímicos
(ataques de gula e vômitos) e a normalização de uma regularidade em hábitos alimentares tanto
em quantidade quanto em frequência. Porém, mostra-se insuficiente para trabalhar aspectos
substanciais da patologia alimentar, como as cognições irracionais e a resolução inadequada de
problemas.

Terapia interpessoal:

nesta modalidade de tratamento serão trabalhados, de uma forma semidiretiva, as deficiências em


relações interpessoais dos pacientes e soluções especificas a estas, sem incidir especificamente nos
sintomas alimentares. Esse tratamento apresenta bons resultados, em médio-longo prazo, com
resultados comparáveis, embora inferiores, aos obtidos pela terapia cognitivo-comportamental.

Tratamento de exposição com prevenção de resposta:

este modelo de tratamento, baseado em técnicas de modificação do comportamento, consiste em


expor o paciente a estímulos discriminativos ou elicitadores do comportamento/problema, que
podem ser alimentos “proibidos” ou altamente calóricos, ou determinadas condutas, e impedir que
ocorra o comportamento/problema ou reações usuais (vômitos ou episódios bulímicos). Esse tipo
de tratamento mostra resultados claramente inferiores, em médio-longo prazo, aos mostrados pela
terapia cognitivo- -comportamental.

Tratamento cognitivo-comportamental:

este modelo entende que a pressão social por obter um ideal de beleza e de magreza, e os
correspondentes pensamentos e cognições irracionais em relação à própria imagem e alimentação
conduzirão o paciente a hábitos alimentares restritivos, podendo resultar em episódios bulímicos e,
na maioria dos casos, em vômitos. Por isso, tanto o comportamento alimentar quanto os
conseguintes episódios bulímicos e sua conduta compensatória serão vistos como consequências
negativas das cognições irracionais em relação à própria imagem e ao próprio peso.

Na terapia cognitivo-comportamental (TCC) dos transtornos da alimentação, o tratamento será


encaminhado conforme modelo a seguir.

» Esclarecimento dos objetivos e motivação do paciente.

› Nível sintomatológico: comportamental (restrição, ataques de gula, condutas compensatórias);


cognitivo (cognições irracionais, sensação de controle, pensamentos destrutivos); relacional-
interpessoal (comportamentos equívocos, discussões familiares).

› Nível não sintomatológico: comportamental (défice em habilidades sociais, padrões inadequados


de comportamento); cognitivo (sensação de controledescontrole, autoconceito, perfeccionismo);
relacional (introduzir padrões relacionais adequados, solucionar conflitos familiares subjacentes)

» Psicoeducação sobre a problemática alimentar e sobre os fatores que estão interagindo.

» Importância da recuperação de hábitos alimentares e do peso.

» Aumento da consciência do transtorno.

» Determinação de fatores mantenedores tanto individuais quanto familiares.

As técnicas geralmente utilizadas na Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) são as seguintes.

» Entrevista motivacional: consistirá em favorecer e facilitar a maior implicação do paciente, por


meio do aumento de sua consciência do transtorno e do favorecimento de um papel ativo.
» Psicoeducação e monitoração de hábitos alimentares.

» Pautas comportamentais de exposição-prevenção de resposta: consiste em expor o paciente a


estímulos discriminativos, ou elicitadores da conduta-problema, como alimentos “proibidos”,
altamente calóricos ou determinados comportamentos como vômitos ou episódios bulímicos.

Reestruturação cognitiva em TA:

» Cognições negativas com relação à alimentação e ao peso.

» Cognições e valorações negativas com relação à própria imagem e à aparência corporal.

» Baixa autoestima com relação a si mesmos:

› solução de problemas: aumentar a capacidade de enfrentamento de problemas é importante para


conseguir uma generalização adequada da melhoria alcançada inicialmente pelo paciente, evitando
que diante de problemas recorra à sintomatologia alimentar como frequente “solução” inadequada
de conflitos;

› treinamento em expressão emocional, habilidades sociais e assertividade: um treinamento


centrado nos seguintes aspectos será fundamental para reduzir a baixa capacidade para conviver
com determinadas emoções dos pacientes com TA: expressão adequada de sentimentos, –
habilidades em conversações, – treinamento assertivo comunicação não verbal e comunicação.

TRATAMENTO DA OBESIDADE

Atualmente, os tratamentos comportamentais da obesidade são pacotes terapêuticos que incluem


elementos de aprendizagem, bem como exercício físico, informação dietética, reestruturação
cognitiva e apoio social do companheiro. De todos esses elementos, o exercício físico tem mais
importância na manutenção das conquistas.

Os tratamentos cognitivo-comportamentais da obesidade são indicados para casos de excesso de


peso ou de obesidade leve e moderada, enquanto que, para obesidade severa, é necessário
combiná- los com dietas severas prescritas pelo médico, sendo mais eficaz essa combinação do que
os tratamentos separados.

A continuação, é apresentado um exemplo de aplicação, passo a passo, de um programa cognitivo-


-comportamental de controle do excesso de peso. O manual foi elaborado por Vera e Fernández
(1989) e é apresentado no capítulo 8 “Avaliação e tratamento da obesidade”, do livro de Vicente
Caballo (2008) Tratamento Cognitivo Comportamental dos Transtornos Psicológicos da Atualidade.

O programa está dirigido a pessoas que precisem perder menos de 20kg e que não apresentem
nenhuma patologia psicológica significativa nem outros problemas de alimentação relacionados
com a obesidade. Por isso é necessário fazer uma avaliação diferencial, realizada fundamentalmente
por meio de entrevistas clínicas individualizadas.

As sessões dividem-se em duas partes. A primeira parte é realizada pelos terapeutas com todo o
grupo e é estruturada da seguinte forma.

• Pesar todos os participantes e anotar seu peso em uma tabela elaborada para isso, onde
aparecerão recolhidos os nomes dos membros do grupo e o peso que cada um quer atingir
ao final do programa.

• Recolher as tarefas da semana anterior. Comentar em grupo os principais problemas


encontrados e as conquistas obtidas.

• Recordar o mais importante do conteúdo explicado na sessão anterior e ensinar novos


princípios para o controle do hábito de comer. Especificamente, trabalha-se com quatro
elementos: hábitos e estilos de comer inadequados, crenças irracionais que levam a “cair
em tentações” e que podem conduzir a recaídas, informação nutricional e exercício físico.

• Propor novas tarefas a realizar durante a semana seguinte.

Na segunda parte da sessão, divide-se o grupo em dois subgrupos, se houver dois terapeutas. Dessa
forma, é possível atender melhor aos problemas individuais, embora a metodologia de trabalho
continue sendo em grupo. Isto é, os membros do grupo são estimulados a apresentar soluções, eles
mesmos, aos diversos problemas propostos.

1ª sessão

Objetivos a cumprir: conhecer os membros do grupo entre si, criar um bom relacionamento de
trabalho, motivar participantes, informar acerca do problema da obesidade e de que fatores podem
ser mais relevantes em cada caso específico, realizar autorregistros principais.

O primeiro a se discutir no grupo é o peso-meta que cada um quer adquirir; tanto o peso atual
quanto o peso a adquirir são anotados em uma cartolina grande, onde vai sendo registrado, semana
a semana, o peso marcado pela balança. O peso-meta é adaptado a um peso razoável depois de
discutido em grupo.

2ª sessão

Objetivos específicos: começar a avaliar a motivação para perder peso, introduzir em autorregistros
cognitivos, iniciar a análise funcional do problema, avaliar o companheiro.

É importante que os participantes analisem as razões que os levam a perder peso e estejam
motivados para trabalhar para consegui-lo. Se essa meta não é atingida durante o período de
avaliação, é preferível que não passem ao tratamento nesse momento.
Os pacientes aprendem a realizar um novo autorregistro, esse registro é realizado em dois níveis,
sobre as situações que os levam a comer e a beber em excesso e sobre esses comportamentos uma
vez realizados.

3ª sessão

Objetivos específicos: completar a análise motivacional, analisar os principais pensamentos


negativos recolhidos, completar a análise funcional do problema, realizar um contrato
comportamental.

São analisadas as diferentes motivações para entrar no programa, corrigindo rações incorretas,
como as de querer perder peso para agradar outra pessoa, evitar as críticas sociais ou chegar a ser
modelo. Ainda, são corrigidas as expectativas incorretas de custos do programa, como passar muita
fome, sacrificar-se ou, ao contrário, não se esforçar nada. A pessoa tem de querer perder peso por
si mesma, para se sentir melhor e prevenir uma obesidade maior.

4ª sessão

Objetivos específicos: começar o controle de estímulos e a educação nutricional, o questionamento


dos “devo” e aumentar a atividade física.

Dentro do controle de estímulos, começa-se com os objetivos de fixar um horário determinado para
comer, fazer de 3 a 4 refeições organizadas, mudar de posição habitual na mesa e comer sempre no
mesmo lugar sem realizar outras atividades. Gera-se motivação para aumentar a atividade física,
discutindo em grupo suas principais vantagens: é saudável para o organismo, aumenta o bem-estar
psíquico, incentiva o acompanhamento do programa aumentando o sentimento de autoeficácia,
diminui o apetite, ajuda a perder peso porque aumenta o gasto energético, aumenta a beleza
corporal fortalecendo a musculatura estriada e mantém as perdas de peso durante mais tempo. As
atividades físicas dessa sessão e das seguintes são registradas previamente como metas a conseguir
durante cada semana, anotando mais tarde, no mesmo formato de registro, se realmente são
realizadas.

Em educação nutricional, discute-se sobre o que são as calorias, o nível ótimo de calorias diário e a
relação que desempenha no aumento de peso.

5ª sessão

Objetivos específicos: alcançar progresso no controle de estímulos, modificar “Tudo ou Nada” e as


“autodepreciações”.

No controle, os sujeitos aprendem a discriminar entre fome e apetite, de forma que a ingestão de
alimentos seja controlada pela primeira. Chega-se ao acordo de fazer compras sempre com uma
lista já feita e com o estômago cheio. Também nessa condição devem ser preparados os alimentos,
evitando as frituras e os pré-cozidos. Aprendem a como guardar a comida, de maneira que o acesso
a ela não seja fácil. Ainda, ensina-se os participantes a se autorreforçarem quando conseguirem
atingir essas metas.

6ª sessão

Objetivos específicos: começar a controlar de maneira específica a quantidade de comida, aumentar


a atividade física de caminhar e modificar o “não posso suportar” e o “fatalismo”.

No controle de estímulos, ensinam-se “truques” para controlar a quantidade de comida: utilizar


pratos pequenos, servir-se uma única vez, não comer em refeitórios, deixar um pouco de comida
no prato, levantar-se e limpar a mesa assim que determinar de comer.

Aumenta-se o tempo de caminhada para uma hora, utilizando os meios necessários para tornar o
hábito agradável, não uma obrigação.

7ª sessão

Objetivos específicos: orientar a educação nutricional com a finalidade de mudar o estilo de se


alimentar e propor a mudança da vida sedentária por vida ativa.

Dedica-se grande parte da sessão à educação nutricional. Não se pretende implantar uma dieta
alimentar estrita, mas orientar os participantes em princípios nutritivos para que comam de forma
mais equilibrada. Não se deve perder mais de 1kg por semana. Recomenda-se comer de tudo, mas
de maneira equilibrada, reduzindo ao máximo o consumo de gordura, principalmente polissaturada,
que é a procedente de manteiga, maionese, leite integral, queijos gordurosos, embutidos etc.

Os sujeitos irão incorporar ao hábito de andar uma hora diária o resto dos hábitos da vida ativa
versus sedentária.

8ª sessão

Objetivos específicos: mudar o estilo de comer de rápido a lento e modificar as “desculpas” e


“generalizações”.

Comer rápido tem duas desvantagens: (1) os alimentos ingeridos levam mais tempo para ser
absorvidos e, portanto, a sensação de fome demora mais para desaparecer e (2) reduz o tempo de
saborear e desfrutar a comida. Os pequenos truques que se ensinam para isso são:

• colocar pedaços pequenos de comida na boca e não repetir a operação até que não tenha
mais nada nela;

• mastigar devagar, desfrutando a comida, comer acompanhado, conversando entre os


bocados. Ter um companheiro pode ser muito útil para isso.

É conveniente começar a refeição com uma salada, para diminuir o apetite.


Pela mesma razão, é conveniente beber antes de comer, e não durante as refeições, já que o
alimento seco colabora com a sensação de saciedade. É aconselhável beber cerca de dois litros de
água diários para o correto funcionamento do organismo.

9ª sessão

Objetivos específicos: modificar do “tremendismo”, aprendendo estratégias para quando comer


fora, e programar os exercícios físicos.

Aprenderão estratégias para: substituir a última inferência valorativa irracional, o “tremendismo”,


utilizando exemplos práticos que ilustrem que os acontecimentos podem ser maus, desagradáveis,
não desejados, mas o “horror” é criado por nós próprios; e desfrutar das refeições realizadas fora
de casa sem consumir, porém, muitas calorias nelas.

São incentivados a realizar algum exercício programado, além de continuar com os hábitos
cotidianos de vida ativa.

10ª sessão

Objetivo específico: aprender a romper cadeias comportamentais, utilizando, para isso, todas as
técnicas cognitivo-comportamentais aprendidas até o momento.

Os participantes aprendem o que é uma cadeia comportamental e a discriminar que


comportamentos e pensamentos vêm sendo usados como diferentes elos que conduzem a um
comportamento final determinado.

Pede-se aos sujeitos, como tarefa para casa, a realização de pré-registros e de registros de cadeias
comportamentais. Os registros não são feitos apenas quando ocorrem os comportamentos finais,
mas também como previsão deles. Assim, devem escrever possíveis situações de alto risco que
possam enfrentar em um determinado dia, comportamentos e pensamentos que podem levar ao
comportamento final de transgredir seus objetivos e possíveis estratégias para quebrar a cadeia o
quanto antes possível.

11ª sessão

Objetivo específico: aprender a evitar as quedas e a enfrentá-las quando acontecerem.

Tanto essa sessão como a seguinte são de preparação para que no seguimento não se percam as
conquistas adquiridas. Explica-se a diferença entre queda, recaída e perda total das conquistas.

Ensinam-se estratégias de “solução de problemas” para evitar possíveis quedas futuras. Dessa
maneira, os participantes identificam possíveis situações futuras de alto risco e as cadeias
comportamentais que levariam a uma queda. Uma vez posta em prática, avalia-se se o plano
funcionou e, se não, aplicam-se as estratégias ensinadas depois do enfrentamento das quedas para
evitar que se tornem recaídas.
As estratégias de enfrentamento das quedas podem ser resumidas em seis passos.

1. Distanciar-se da cena e avaliar objetivamente quais elementos falharam e o que fazer da


próxima vez.

2. Identificar as crenças irracionais e substituí-las por crenças racionais, como especial ênfase
naquelas que levem a sentimentos de culpa.

3. Recordar os progressos, não os fracassos.

4. Voltar a utilizar as técnicas de solução de problemas.

5. Partir para ação; uma vez decidido o que se vai fazer, pôr em prática o antes possível.

6. Pedir ajuda ao companheiro e ao grupo solicitando uma nova reunião.

12ª sessão

Objetivos específicos: iguais aos da sessão anterior. Preparar-se para terminar o programa e
trabalhar para que os hábitos adquiridos sejam permanentes.

Identificam-se possíveis medos de finalizar o programa e discutem-se, em grupo, as possíveis


crenças irracionais que os sustentem. Enfatizam-se quatro elementos-chave para que os hábitos
aprendidos sejam permanentes: continuar praticando o aprendido; estar alerta para as possíveis
situações de alto risco e utilizar nelas as técnicas de solução de problemas; fazer exercícios
regularmente, estabelecendo um tempo para isso; e aprender a não se punir nunca pelas quedas,
utilizando-as como boas oportunidades de aprendizagem.

Planejam-se sessões de seguimento a cada 20 ou 30 dias, inicialmente, distanciando-as,


posteriormente, segundo a evolução dos participantes.

Texto 1

Obesidade: Realidades e Indagações

(Ades, L., &– Kerbauy, R. R. (2002). Obesidade: Realidades e Indagações. Psicologia USP, 13 (1), 197-
216. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
65642002000100010> Acesso em: 14 ago 2011. Texto adaptado)

A obesidade é atualmente assunto de interesse universal. É considerada uma doença crônica,


multifatorial, caracterizada pelo acúmulo excessivo de tecido adiposo no organismo. É fator de risco
para patologias graves, como diabetes, doenças cardiovasculares, hipertensão, distúrbios
reprodutivos em mulheres, alguns tipos de câncer e problemas respiratórios. A obesidade pode ser
causa de sofrimento, de depressão e de comportamentos de esquiva social, que prejudicam a
qualidade de vida.

A denominação de obesidade é conhecida e remete a uma doença, mas coloca pouca ênfase na
análise do comportamento alimentar. Antes de empregar técnicas que podem ter sucesso em curto
prazo, é preciso descrever contingências conflitantes, que atuam em comportamentos complexos
como neste caso.

De fato, consideramos o comportamento alimentar como que transformado e com funções


diferentes em casos de excesso de peso. Estímulos do contexto têm história de reforço e de
propriedades que se desenvolveram e são difíceis de identificar em situação natural e clínica. É
frequente encontrar-se relatos de procura de alimento em grandes quantidades, após eventos
agradáveis ou desagradáveis, e a sequência de estímulos e comportamentos decorrem de história
pessoal construída muitas vezes desde tenra idade. É prematuro ainda, apesar das pesquisas
desenvolvidas em vários laboratórios, poder explicar o comportamento de alimentar-se em excesso,
seja em relação à quantidade e à qualidade, distribuição no tempo, sem descrever a história pessoal
em relação ao alimento.

Stuart (1980) conclui que para se obter resultados mais duradouros nos tratamentos
comportamentais para a perda de peso, deve-se levar em consideração quatro pontos no momento
de se proceder ao delineamento experimental de um programa: (1) a obesidade é uma doença
complexa de origem fisiológica, psicológica, social e situacional; (2) a obesidade é um distúrbio de
estilo de vida que implica investimento para ser corrigido; (3) a obesidade só pode ser combatida
por meio de alternativas para os problemas comportamentais que levem ao enfraquecimento da
motivação para a emissão de comportamentos problemáticos e à supressão de respostas-problema;
(4) para efetuar as mudanças necessárias os clientes deveriam ser ajudados a superar quatro
estágios do controle de peso: (a) a decisão de agir, (b) a manipulação da necessidade de comer
seguida da manipulação do comportamento alimentar em si ; (c) a manipulação do período
imediatamente anterior ao tratamento quando a não adesão é iminente; (d) a manipulação do
período após o tratamento, em médio e longo prazo, quando as dificuldades aparecem.

Fisher Jr., Levenkron, Loue, Loro e Green (1985), sugerem que uma das falhas na manutenção do
peso perdido em pacientes submetidos a programas comportamentais deve-se ao fato de os
tratamentos serem muito estruturados, diretivos ou invasivos. Além disso, esses procedimentos são
aplicados uniformemente e ignoram as diferenças individuais, bem como a variação dos hábitos de
cada indivíduo. A fim de resolver esse problema, esses autores desenvolveram uma técnica para
mudança comportamental chamada auto-iniciação no treino de autocontrole. O objetivo dessa
técnica era desenvolver nos clientes estratégias de autocontrole adequadas às suas necessidades,
ou seja, promover um tratamento individualizado e ajudar os indivíduos a perceber as
consequências de suas ações.

Tentativas de soluções fisiológicas

Esgotados ou não os recursos comportamentais para perder peso, e tendo em vista o


reconhecimento das dificuldades envolvidas, soluções são procuradas via medicação ou outros
procedimentos.

Estudos mostram que o binge eating é um comportamento presente em um número significativo


de pessoas que se preparam para a cirurgia bariátrica, ou seja, para a cirurgia de diminuição do
estômago utilizada, sob diversas modalidades, no tratamento de obesos graves (KALARCHIAN,
WILSON, BROLIN, & BRADLEY, 1998; POWERS, PERES, BOYD, & ROSEMURGY, 1999; SAUNDERS,
1999). Dado que a manutenção da perda de peso após a cirurgia bariátrica é contingente à
modificação do comportamento alimentar, a identificação e o tratamento de transtornos
alimentares pode ser crítica para que se tenha bons resultados em longo prazo.

Os hábitos alimentares, em geral, e a relação que a pessoa estabelece com o alimento, em


particular, não se alteram apenas com o procedimento cirúrgico e com a diminuição do estômago.
Tanto para os pacientes obesos que seguem um tratamento de dieta e exercícios, quanto para
aqueles que passam pela cirurgia, o acompanhamento em longo prazo e a manutenção devem ser
considerados.

No ambulatório, o grupo de apoio/acompanhamento de pacientes com obesidade grave


submetidos à cirurgia bariátrica pode eventualmente contar com a colaboração de pacientes
candidatos a essa cirurgia. Nutricionista, cirurgião e endocrinologista são chamados a participar,
quando há muitas dúvidas e questões em relação a um determinado aspecto.

Uma das autoras deste estudo (Ades), em sua experiência com ambulatório, em Recife, relata que
uma questão essencial para M., uma paciente (e para os outros pacientes), é a nova relação com o
alimento que, após a cirurgia, precisou ser estabelecida. Percebe-se que há um grande prazer em
antecipar, na imaginação, a quantidade de comida, a ideia de “deliciar-se” comendo. Assim, a
frustração é experimentada pelos pacientes que reduziram o estômago e que não podem mais
comer em quantidade. M. diz logo de início que sente muita raiva diante de um bom prato de
comida, porque antes estava acostumada com muito, e podia comê-lo, e agora só aguenta um
pouquinho. Por exemplo: “Estou com muita vontade de cachorro-quente...”. Mas é a vontade de
um cachorroquente grande que vem à sua cabeça: “... aquele com purê, com molho, com tudo. Só
de pensar que só posso um tequinho... nem adianta comer. Fico com aquela raiva em mim”.

Pacientes que entram no programa de mudança comportamental e que iniciam a dieta antes da
cirurgia parecem estar mais prontos a aceitar a alimentação no período pós-operatório (líquidos,
papas etc.) e parecem ter mais consciência de que uma reeducação alimentar é necessária. O
prognóstico é bastante melhor.

A obesidade é uma condição complexa

É fato aceito hoje que múltiplos fatores de risco atuam, em diferentes combinações, para as
pessoas. Há: (1) riscos para a população (disponibilidade de alimento rico em gordura; dieta rica em
gordura; níveis decrescentes de atividade física; padrões alimentares que estimulam a obesidade);
(2) riscos para os indivíduos (fatores biológicos: genéticos, baixa taxa metabólica em repouso,
número elevado de células adiposas) e fatores comportamentais (como padrões alimentares,
negação do exercício e vida sedentária). Segundo Brownell e Neil (1993/1999), as controvérsias e
os modismos das dietas alimentares podem trazer riscos à saúde e inúmeras questões: a perda de
10% do peso corporal é suficiente para melhorar os fatores de risco? A dieta provoca alimentação
desordenada (compulsão, bulimia, anorexia)? Quem deveria perder peso? Quais as condições para
a dieta? Quanto uma pessoa deveria perder? Qual a melhor maneira?

Além da dieta, o outro ponto para o controle de peso é evitar a vida sedentária e efetuar exercício.
É um tópico específico bastante disseminado no mundo e no Brasil. Andar tornou-se fator relevante
e de fácil manutenção, pois pode ocorrer em qualquer situação. É recomendação nos programas
comportamentais, pois auxilia o balanceamento de energia envolvendo e energia ingerida e gasta,
apesar das controvérsias a respeito de qual a prescrição melhor.

Ensinar habilidades específicas para manutenção de peso

Geralmente os programas comportamentais de perda de peso, ao analisar o controle de estímulos


de pessoas, locais ou alimentos, já calculam uma prevenção da recaída. Marlatt e Gordon (1985),
no entanto, ao salientarem esse fato e instruírem e ensinarem a identificar situações para aumentos
pequenos de peso, destacam ser essencial evitar reações psicológicas que precipitam o padrão de
comportamento anterior. Há, no entanto, falta de estudos que mostrem a eficácia de programas de
prevenção da recaída em relação a pessoas que foram deixadas com a aprendizagem dos programas
e seus próprios meios.

O ponto básico para as pesquisas é, ainda, descobrir as diferenças individuais no valor reforçador
do alimento e verificar seu papel na manutenção de comportamentos alimentares novos. Será que
existem regras sobre alimentação que quando aprendidas dificilmente entram em desuso? É, no
entanto, interessante constatar que pré-adolescentes têm mais sucesso em manutenção de peso
que adultos. Será o processo biológico mais maleável em tenra idade ou será que novos
comportamentos quase incompatíveis com comer são aprendidos e mantidos pela gratificação
continuada?

texto 2

Aspectos psicobiológicos do comportamento alimentar


CAMBRAIA, Rosana Passos Beinner. Rev. Nutr., Campinas, 17(2):217-225, abr./jun., 2004

Introdução

Evidências sugerem que a ingestão de nutrientes, assim como o metabolismo destes nutrientes,
podem ser controlados ou modulados por estruturas neurais e por sistemas neuroquímicos e
neuroendócrinos específicos. Alterações nestes sistemas neurais podem estar associadas às
mudanças no comportamento alimentar.

Informações atualizadas sobre as relações entre algumas áreas específicas do Sistema Nervoso
Central, sistemas de neurotransmissão, processos sensoriais e a ingestão de alimentos nesta
revisão, abordando vários tópicos de interesse da psicobiologia sobre o comportamento alimentar.

Serão abordados aspectos psicobiológicos primordiais ao desencadeamento da alimentação,


evocando algumas estruturas neuroanatômicas, neurotransmissores, precursores, processos
sensoriais, apetite e saciedade. O objetivo é evidenciar a intensa relação entre os processos
psicobiológicos e a alimentação, constituindo a neurociência nutricional amplo campo de estudos
em comportamento alimentar.

Nível neurofisiológico

As informações científicas que vêm surgindo da neuroanatomia, da eletrofisiologia, das imagens


computadorizadas, da neurocitologia e da psicofísica têm tornado possível a compreensão da
modelagem global da dinâmica neural. O Sistema Nervoso Central, constituído por estruturas com
características citoarquitetônicas e neuroquímicas heterogêneas, encontra-se geralmente
fortemente interconectado.

O hipotálamo exerce influência na autosseleção de alimentos, nas respostas a dietas com alto
conteúdo proteico, no desbalanceamento de aminoácidos, na placentofagia, no estresse alimentar,
na textura dietética, na consistência e no paladar, na aprendizagem aversiva, no olfato e nos efeitos
de manipulações hormonais. O hipotálamo lateral está envolvido nos sistemas catecolaminérgico e
serotoninérgico, participa do controle circadiano da alimentação, de atividades espontâneas
devidas à excitabilidade de neurônios no Sistema Motor e de diferenças sexuais típicas na
alimentação.

O hipotálamo basomedial e a expressão gênica do neuropeptídeo Y estão diretamente relacionados


com o decréscimo proteico na dieta e com o aumento na ingestão de alimento. No estudo desses
autores, examinou-se o efeito de cinco dietas isoenergéticas que continham diferentes níveis de
proteína (5%, 10%, 15%, 20% e 35% de caseína) oferecidas para ratos de laboratório (Rattus
norvegicus), e observou -se que a média diária de ingestão aumentou em 20% nos animais
alimentados com dietas com 5% de caseína. A quantidade de energia derivada da proteína diminuiu
nas dietas hipoproteicas, ocorrendo um aumento na energia consumida derivada da gordura, uma
vez que se fixou a porcentagem de carboidrato contido nas dietas experimentais.
O eixo hipotálamo-pituitária-adrenal participa no controle da ingestão energética e também na
preferência pela gordura. Animais que exibem alta preferência por gordura podem apresentar
exagerada sensibilidade ao hormônio liberador da corticotropina. Estudo desenvolvido por Leal &
Moreira investigou em ratos o efeito da restrição de alimentos nos ritmos de diferentes níveis de
atividade do eixo hipotálamo -pituitária-adrenal e a variação diurna das respostas da pituitária e da
adrenal aos seus principais hormônios.

O hipocampo, além de exercer funções essenciais nos processos de aprendizagem e de memória,


também participa do controle da alimentação. Possui múltiplas funções na motivação para consumo
de alimentos, e pesquisadores começam a enfatizar o papel dos mecanismos de aprendizagem e de
memória no controle do comportamento alimentar. É reconhecido que o controle da ingestão de
alimento depende da habilidade dos animais em codificar e representar na memória uma variedade
de informações sobre suas experiências com os alimentos. Estudos farmacológicos de funções
serotoninérgicas e colinérgicas no hipocampo contribuem para o conhecimento dos mecanismos
envolvidos em alterações de longo prazo da memória e da aprendizagem.

É provável que a regulação gastrointestinal esteja compreendida entre o tronco cerebral caudal,
onde o sistema neural requerido para resposta metabólica parece estar mais largamente
distribuído. Ratos cerebelotomizados apresentam três aspectos de drásticas alterações: mudanças
qualitativas e quantitativas na ingestão de alimentos, diminuição no peso corporal e mudanças em
parâmetros bioquímicos relacionados à ingestão e à digestão de alimentos.

Apesar da ablação do bulbo olfatório não influenciar o total de alimento ingerido, afeta
profundamente o padrão alimentar de ratos e resulta em diminuição do tamanho da refeição com
aumento compensatório no número de refeições, além da atividade de cheirar durante e entre
refeições aumentadas.

Funções neuroquímicas

Entre diversas espécies, em várias condições experimentais, existe forte evidência de que o
aumento na atividade pós-sináptica dos receptores serotoninérgicos provoca, posteriormente,
redução na quantidade de alimento ingerido durante uma refeição e modifica o padrão de
alimentação. A mesma evidência existe para o papel anorético da serotonina, particularmente como
resposta às dietas com desbalanceamento de aminoácidos.

O balanço na ingestão de carboidrato parece envolver a ação do ácido gama aminobutírico (GABA),
da noradrenalina e do neuropeptídeo Y, em associação com corticosterona e glicose circulantes no
sangue. Um dos locais de ação destas substâncias no cérebro é a região medial do hipotálamo.
Experimentos nos quais ratos podem selecionar os três macronutrientes (proteína, carboidrato e
gordura), separadamente oferecidos, revelam que estes neuroquímicos especialmente
potencializam a ingestão de carboidrato e têm pequeno ou nenhum impacto no consumo de
proteína e de gordura.
No caso do neuropeptídeo Y, que participa no controle da ingestão e no metabolismo do
carboidrato, o nível varia no hipotálamo do nascimento à puberdade, e somente em ratas fêmeas
adultas há variação na concentração deste neuropeptídeo. Nas fêmeas, a baixa preferência por
gordura pode ser consequência do esteroide estrogênio, o qual tem sido associado à supressão de
ingestão de gordura.

Um grupo de substâncias no hipotálamo controla especificamente a ingestão de gordura. Estas


substâncias incluem o peptídeo galanina, os peptídeos opioides e o mineralocorticoide aldosterona,
que agem no hipotálamo medial potencializando a ingestão de gordura. Esta ação é mais intensa
nas últimas horas do ciclo alimentar e pode ocorrer independentemente da ação da corticosterona.
A monoamina dopamina pode atenuar os efeitos da galanina e dos opioides na ingestão de gordura.

Os mecanismos regulatórios da ingestão de alimentos envolvem diversas interações morfológicas,


moleculares e funcionais, por exemplo: alguns receptores opioides participam no controle da
ingestão de alimentos, com o neuropeptídeo FF funcionando como um peptídeo anorexigênico com
função antiopioide. Diversas outras interações neurais específicas têm sido estudadas, tais como a
ação da corticosterona, serotonina e colecistoquinina.

Precursores alimentares

Numerosos peptídeos agem como neurotransmissores ou peptídeos hormonais, que aumentam ou


diminuem a ingestão de alimento. A alimentação está sob controle de um sistema central que é
regulado por um delicado balanço entre monoaminas e neuropeptídeos.

Os níveis e as possíveis funções de diversos neurotransmissores são influenciados pelo estoque de


seus precursores dietéticos. Os principais neurotransmissores incluem as aminas biogênicas
(serotonina, dopamina, noradrenalina, histamina) formadas a partir de triptofano, tirosina e
histidina, além de acetilcolina e glicina que podem constituir-se a partir de colina e treonina. Os
efeitos dos precursores podem ser suficientes para influenciar o humor e o comportamento em
algumas circunstâncias, sendo a administração de componentes dietéticos purificados um meio de
alterar parcialmente o metabolismo dos neurotransmissores, em experimentos ou procedimentos
terapêuticos com animais e humanos.

A serotonina é liberada de neurônios serotoninérgicos e age em receptores de neurônios


póssinápticos antes de ter significado funcional. O consumo de uma refeição altamente proteica
aumenta o nível sanguíneo de muitos aminoácidos, contribuindo com mais aminoácidos neutros
competindo com o triptofano, resultando em reduzida entrada de triptofano no cérebro, e reduzida
síntese de serotonina. A administração de triptofano pode aumentar a síntese de serotonina em até
duas vezes, mas não potencializa a liberação de serotonina apreciavelmente.

Uma questão relevante é determinar em que circunstância particular poderia o triptofano exibir
uma possível ação antidepressiva.

A serotonina tem efeito inibitório em agressão, e dados clínicos sugerem que seu baixo nível no
cérebro está associado à agressão direcionada a outros e à agressão por suicídio. Estudos animais
sugerem que a serotonina esteja também envolvida no controle da ingestão de alimento, com altos
níveis de serotonina diminuindo a ingestão energética total, ou seletivamente diminuindo a seleção
de carboidrato em relação à proteína.

A tirosina é a substância precursora das catecolaminas dopamina e noradrenalina; o uso


experimental e clínico de tirosina é similar ao de triptofano, a carga de tirosina não afeta
necessariamente a neuropsicologia relacionada ao baixo nível de catecolaminas. O efeito da tirosina
no humor tem sido estudado, revelando que o baixo nível de catecolaminas pode estar também
relacionado com a etiologia da depressão. L-fenilalanina é precursor direto da tirosina e também
um precursor das catecolaminas; no entanto, é ainda controverso o efeito deste precursor em
diversas circunstâncias de consumo de alimento.

A histamina tem sido implicada no controle do despertar, no metabolismo energético cerebral, na


atividade locomotora, na liberação de hormônios, no comportamento sexual, na percepção de dor,
na alimentação e na ingestão de água. É um dos neurotransmissores que suprimem o apetite, sendo
que a interação de neurônios histaminérgicos com outros neurônios em centros de saciedade ainda
não está clara. Estudo realizado por estes autores evidenciou que a histamina inibe a liberação de
noradrenalina no hipotálamo e suprime a ingestão alimentar, apresentando ação anorética.
Baseados em observação clínica, Morimoto et al. verificaram que alguns antidepressivos e
antipsicóticos com atividade anti-histamínica estimulam a ingestão de alimento e o aumento de
peso corporal.

A colina é precursora do neurotransmissor acetilcolina; como triptofano, tirosina, fenilalanina e


histidina, que são aminoácidos, a colina está presente na dieta como um constituinte da gordura
(fosfatidilcolina). Kopf et al. testaram os possíveis efeitos da administração combinada de glicose e
colina na memória e na aprendizagem de camundongos. Verificaram que baixas doses de colina
agem sinergicamente melhorando a memória, efeito possivelmente devido à liberação de
acetilcolina, reforçando o fato de as funções colinérgicas serem influenciadas por certas condições
da ingestão de precursores dietéticos.

Processos sensoriais

Um órgão sensorial é a parte especializada do corpo que é seletivamente sensível a alguns tipos de
mudanças no ambiente e não a outros. Paladar, olfato, visão e audição, agindo principalmente por
intermédio do hipotálamo, podem afetar o estado corporal e o comportamento; promovem
reflexos, liberação de hormônios e ajustamento visceral, assim como performance somática.

O sabor do alimento e o estado corporal podem não ser tão essenciais ou críticos no controle da
ingestão proteico-energética de animais de laboratório. Independentemente da fonte de
carboidrato (sucrose ou amido), animais adultos geralmente apresentam constante ingestão
energética, apesar de que animais que consomem sucrose apresentam maior peso corporal.

Algumas propriedades sensoriais do alimento ingerido recebem prioridade sobre os aspectos


fisiológicos internos no controle da ingestão. Mudança na densidade energética das dietas promove
efeito imediato no comportamento alimentar do rato; o padrão alimentar é claramente afetado por
algumas propriedades dos alimentos.

Os receptores do paladar possuem habilidades sensoriais peculiares, e participam ainda


sensorialmente no monitoramento da ingestão de alimento, juntamente com o olfato, o tato e a
temperatura, regulando o comportamento e a homeostase corporal. O senso do paladar ou a
gustação é um mecanismo quimiosensório primário que detecta e identifica muitos estímulos em
condições animais e humanas. O paladar define nossa ingestão de alimentos, bebidas e
medicamentos; deficiência no paladar para substâncias doce, azeda, ácida e salgada pode estar
associada a doenças e a desordens que vão desde obesidade, hipertensão, malnutrição e diabetes
até algumas doenças neurodegenerativas.

Os botões do paladar são encontrados principalmente na língua, variando em número e tipo, em


estruturas denominadas papilas. O processo quimiosensório apresenta um esquema de transdução
de sinal para substâncias. Íons eletricamente ativados podem passar pelas células através das
membranas celulares, via canais de íon. Sinais para doce e amargo são geralmente mais complexos
quimicamente do que para o sal e o azedo. Diferenças genéticas na sensação do paladar influenciam
o comportamento humano quanto à escolha de alimentos, e podem também afetar o peso corporal
e mesmo a susceptibilidade a certas doenças.

Diminuição na acuidade do paladar é uma característica de deficiência moderada de zinco. Estudos


realizados no Canadá e na Guatemala utilizaram o sal na classificação da acuidade do paladar em
crianças, e sugerem que acuidade diminuída do paladar ocorre por causa de deficiência de zinco em
crianças.

É aparente que todos os sensores podem afetar as atividades neuroendócrinas, autonômicas e


somáticas relacionadas à manutenção do balanço iônico da água, que deve ser mantido
relativamente constante enquanto o comportamento essencial é executado. O sistema olfatório
possui certo controle sobre a ingestão de água, apetite por sódio e secreção do hormônio
antidiurético.

A motivação para comer e o consumo de alimento podem ser afetados pelos sons associados à
alimentação e também à observação do processo mastigatório. Características do alimento podem
contribuir para o processo motivacional alimentar. Outros mecanismos, além da transmissão de
informação social e ambiental, afetam a preferência alimentar, e a exposição ao odor também
influencia a preferência pela dieta. Experimentalmente isto pode refletir em uma situação em que
o animal simplesmente prefere uma dieta com algum odor familiar em relação a uma dieta
completamente nova. Fatores sociais e estímulos sensoriais influenciam a preferência alimentar,
sendo que os fatores sociais são marcadamente importantes neste contexto.

Apetite e saciedade
Sob condições usuais, o alimento é ingerido após a percepção da fome e a ingestão termina quando
a sensação de saciedade é alcançada. Sistemas distintos são responsáveis pelo início e pelo término
do consumo de alimento; cada um é regulado por sinais de respostas oriundos do sistema central e
periférico, incluindo trato gastrintestinal, fígado, cérebro e sistemas sensoriais periféricos.
Alterações do apetite são observadas nas várias fases do ciclo reprodutivo e, nas fêmeas,
geralmente os períodos gestacional e lactacional ocorrem com maior consumo alimentar, tanto em
relação aos outros períodos quanto em relação ao consumo alimentar verificado em machos da
mesma espécie. As dietas afetam a secreção corporal de hormônios e estes influenciam o
comportamento. Variação na ingestão de nutrientes depende do sexo e pode estar relacionada, em
parte, com os hormônios circulantes, em particular os hormônios adrenais e esteroides gonadais.

Saciedade é o estado no qual a alimentação é inibida, e geralmente ocorre como consequência de


haver comido. Após o consumo de uma refeição, o trato gastrintestinal parece ter a maior
participação na saciedade, que resulta na cessação da refeição, assim como no controle da duração
da saciedade. A saciedade pode ser descrita pela duração e/ou tamanho da refeição. A intensidade
de resposta da saciedade é correspondente ao intervalo entre refeições ou ocasiões de alimentação
e/ou à quantidade de alimento consumido na próxima refeição.

Um regulador circadiano parece dominar a motivação alimentar durante o final da noite,


interagindo com os sinais que reportam a quantidade de calorias nos intestinos. Estudo com ratas,
conduzido por Strubbe & Gorissen, demonstrou a contribuição dos sinais de saciedade e de
regulação circadiana, no controle do comportamento alimentar. Estes sinais podem contribuir para
a saciedade durante outras partes do ciclo claro-escuro, quando a alimentação é dependente dos
requerimentos de energia mais imediatos. Muitos neuropeptídeos têm sido propostos como fatores
centrais da saciedade, mas poucos têm uma função fisiológica bem-definida. A diminuição na
ingestão de alimento provavelmente envolve também alguns dos processos reguladores da
saciedade na manifestação do comportamento alimentar em condições experimentais. A redução
na ingestão de dieta é o primeiro sinal comportamental de resposta à deficiência de aminoácidos,
induzida após a refeição com uma dieta desbalanceada quanto ao conteúdo destes. Estudos que
envolvem efeitos pós-ingestivos do desbalanceamento de aminoácidos têm mostrado que
respostas a estas dietas envolvem, primeiro, reconhecimento do desbalanceamento e, após,
rejeição da dieta.

Características do comportamento de forrageamento, seleção de dieta e fisiologia do controle


alimentar em ratos e camundongos sugerem que os esforços para aumentar o número e a precisão
de modelos animais para estudo do comportamento alimentar estejam culminando com o
desenvolvimento de roedores transgênicos. Verifica-se um recente interesse na aplicação de
medidas do apetite em roedores, em estudos que utilizam linhagens geneticamente obesas.

Considerações finais
Claramente muitos neurotransmissores e muitas estruturas do Sistema Nervoso Central participam
na regulação do comportamento alimentar. Metodologias comportamentais sofisticadas têm-nos
permitido compreender alguns dos parâmetros psicológicos que estão envolvidos nos processos
neurais; no entanto, há reduzida informação sobre as mudanças celulares e moleculares que estão
envolvidas na manifestação do comportamento e ação de eventos ambientais na modificação dos
processos fisiológicos básicos. A psicobiologia tem contribuído com um impressionante conjunto de
informações, que revela a plasticidade do Sistema Nervoso em todos os estágios de
desenvolvimento.

O comportamento alimentar, como outros comportamentos complexos, permite que os animais


mantenham a homeostase mesmo sob flutuações ambientais de curto prazo. Devido ao fato de a
alimentação ter um papel essencial na vida dos animais, o substrato fisiológico para a alimentação
tem gerado aspectos vantajosos para a aplicação da biologia molecular. A análise da ingestão pode
ser avançada usando-se as ferramentas da biologia molecular, sendo que a ingestão fornece
modelos informativos para a compreensão de como específicas expressões gênicas mediam
comportamentos complexos.

Os pesquisadores reconhecem que a dieta tem um profundo efeito no cérebro e no Sistema Nervoso
e, assim, nas condições mentais e emocionais. A aplicação da dieta no estudo das desordens
comportamentais representa uma nova fronteira no campo da Psicobiologia. Precauções devem ser
tomadas quanto ao uso dos conhecimentos gerados a partir de pesquisas com animais em assuntos
específicos de áreas do Sistema Nervoso, de neurotransmissão e de sistemas endócrinos.

No nível humano, devem ser levados em conta fatores como variáveis sociais, hábitos alimentares,
nível de informação ou educação. A pressão das indústrias de alimentos e da mídia leva a distorções
no consumo de alimentos, com aumento excessivo da ingestão de alimentos comerciais
desequilibrados (basicamente carboidratos e gorduras), com consequências preocupantes quanto
ao consumo alimentar da população. Entre os jovens, a alimentação desajustada tende a gerar
défices em mecanismos atencionais e reflexos na aprendizagem escolar, com eventual aquisição de
maus hábitos alimentares que podem resultar em obesidade e outras consequências para o
desenvolvimento e a saúde física e mental.

A interação entre os aspectos neurais anatômicos, fisiológicos, endócrinos e comportamentais no


processo de consumo de alimento promove a manifestação do comportamento alimentar. A
compreensão dos processos psicobiológicos ligados direta e indiretamente à alimentação favorece
o desenvolvimento da neurociência nutricional, que proporciona compreensão mais clara da
complexa relação sociobiológica dos seres vivos com o ambiente.

ANEXO

Avaliação psicológica de crianças acompanhadas em programa de atenção


multiprofissional à obesidade
(CARDOSO, Luceli Kelly de Oliveira; CARVALHO, Ana Maria Pimenta. Interface –
Comunic., Saúde, Educ., v. 11, n. 22, p. 297-312, 2007. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_artt ext&pid=S1414-32832007000200009>
Acesso em: 11 ago. de 2011. Texto adaptado).
O objetivo deste estudo foi descrever e analisar os resultados das avaliações
psicológicas de crianças atendidas no Programa de Atenção Multiprofissional à
Obesidade, da Universidade de São Paulo, nos anos de 2001 e 2002, ao iniciar o
atendimento proposto pelo programa e ao seu final. Também foram analisados peso,
altura e IMC (índice de massa corpórea) iniciais e finais das 19 crianças participantes
do programa. Essas possuíam percentil do IMC igual ou acima de 95 e idades entre
10 e 12 anos. Resultados indicam que a maioria das crianças investigadas encontram-
se dentro da média em relação aos aspectos de funcionamento psicológico. Não
houve alteração significativa desses aspectos após o trabalho realizado.
A obesidade tem aumentado de forma significativa em todo o mundo, atingindo todas
as faixas etárias, especialmente as crianças. Associam-se à obesidade problemas de
saúde, como diabetes tipo II, problemas de articulação de membros inferiores,
hipertensão, entre outros. O excesso de peso é uma das condições precursoras de
distúrbios alimentares, que se constituem em desordens mais severas que acometem
indivíduos jovens, a partir da adolescência.
Essa condição tem múltipla determinação: fatores genéticos, ambientais e
comportamentais concorrem para sua instalação e manutenção. No presente trabalho,
optou-se por abordar os aspectos psicológicos a ela associados. Em adultos, esse
tema tem sido bastante explorado, especialmente porque, nos casos de obesidade
grave, há sérios comprometimentos emocionais. Em crianças, o problema tem sido
focalizado com menos frequência, mas já existe um corpo de pesquisas sobre o tema.
É a insatisfação com a condição de peso excessivo que mobiliza pais a buscarem
ajuda para seus filhos. Aliam-se a essa insatisfação com a saúde física as
preocupações com a dinâmica emocional da criança. Justifica-se, assim, no contexto
de atenção multiprofissional, avaliar crianças quanto ao aspecto psicológico. Uma das
vertentes teóricas para essa abordagem é a psicanalítica, em que se investigam as
relações criança – mãe – família, mediadas pelo valor simbólico da alimentação
(MÜLLER, 1999). Outra vertente é a cognitivo-desenvolvimentista, que busca, a partir
da própria criança, acessar as percepções que ela tem de si mesma em diferentes
domínios da vida. A operacionalização dessas percepções é feita por meio de
instrumentos autoaplicáveis e de produção gráfica como medida cognitiva e
emocional.
A opção teórica deste trabalho é a segunda. Buscou -se operacionalizar as variáveis
do funcionamento psicológico, relatadas pelos pais das crianças que buscavam ajuda
– ansiedade, falta de controle sobre o ato de comer, autoestima e, para complementar,
elegeu-se a técnica do desenho da figura humana para avaliar as crianças quanto ao
desenvolvimento cognitivo e emocional. Essa operacionalização levou à escolha de
instrumentos padronizados disponíveis. A incursão bibliográfica mostrou trabalhos
realizados com adultos e, com base neste modelo, buscaram-se instrumentos de
avaliação infantil que permitissem avaliar os aspectos focalizados.
A obesidade está relacionada a fatores psicológicos (como o controle, a percepção de
si, a ansiedade, o desenvolvimento emocional de crianças e de adolescentes) e
demanda uma investigação sistemática, quando se propõe a construir conhecimentos
que possam subsidiar práticas de assistência.
Os dados da literatura não são conclusivos em relação aos aspectos emocionais
relacionados com a obesidade. Alguns discutem que nem todos os obesos têm
sentimentos negativos sobre o seu corpo; esses sentimentos seriam mais comuns em
pessoas com o início da obesidade na infância, cujos pais e amigos depreciam o seu
corpo (STUNKCARD & WADDEN, 1992). O distúrbio da imagem corporal, que se
desenvolveria na adolescência, representa uma internalização da censura dos pais e
pares e persiste com a contínua desvalorização.
O presente trabalho visou a descrever e a analisar os resultados das avaliações
psicológicas de crianças atendidas no Programa de Atenção Multiprofissional à
Obesidade. A intenção foi detectar os aspectos do funcionamento psicológico
presentes nas crianças, ao iniciar o atendimento proposto pelo programa e ao seu
final. O recorte desse funcionamento centrou-se em fatores de personalidade, como:
lócus de controle, ansiedade-traço e estado, maturidade emocional e cognitiva e
autoconceito.
Metodologia
Participantes
Os sujeitos do estudo foram 19 crianças com idades entre dez e 12 anos, no início do
atendimento, que chegaram até o final do programa em 2001 e 2002. Os critérios para
inclusão no programa foram: a criança estar no percentil igual ou maior que 95, que
corresponde à obesidade, segundo critérios da National Center of Health Statistics,
Height and Weight of Youth (MUST et al., 1991); e não apresentar problemas
orgânicos evidentes e/ou alterações no desenvolvimento, como retardo psicomotor e
défices sensoriais.
O programa contava com a participação de diferentes profissionais: nutricionistas,
psicólogos, enfermeiros e professor de educação física. Era composto por atividades
distribuídas em três dias da semana: exercícios físicos (três vezes por semana);
orientação nutricional (uma vez por semana); avaliação psicológica (ao início e ao final
do programa), com entrevistas com as crianças e seus pais.
Instrumentos utilizados para a avaliação psicológica
No teste do Desenho da Figura Humana, solicita-se aos sujeitos que desenhem,
inicialmente, apenas uma pessoa inteira. Posteriormente, entrega-se uma nova folha e
solicita-se que se desenhe somente uma pessoa do sexo oposto à do primeiro
desenho, sendo avaliado apenas o desenho do mesmo sexo da criança. A
padronização utilizada para esse teste foi a proposta por Hutz & Antoniazzi (1995),
com base no esquema de Koppitz (1968).
A Escala de Ansiedade “RCMAS” foi desenvolvida por Reynolds & Richmond (1978) e
padronizada por Gorayeb (1994), com o título “O que penso e sinto”. Compõe-se de
28 frases em que o sujeito deve escolher a resposta sim ou não. Este é um
instrumento que propõe medir a ansiedade enquanto traço de personalidade.
O IDATE-C (Inventário de Ansiedade Traço-Estado, forma C) é constituído de duas
escalas do tipo autoavaliação, que visam a medir dois conceitos distintos de
ansiedade: a ansiedade-estado (A-Estado) e a ansiedade-traço (ATraço). A escala A-
Estado pretende medir estados transitórios de ansiedade, isto é, sentimentos
subjetivos, conscientemente percebidos de apreensão, tensão e preocupação, que
variam em intensidade e flutuam no tempo. A escala A-Traço mede diferenças
individuais relativamente estáveis em susceptibilidade à ansiedade, isto é, diferenças,
entre crianças, de tendência a experimentar estados de ansiedade. A escala de A-
Estado do IDATE-C consiste de vinte afirmações que pedem que a criança indique
como se sente em um determinado momento no tempo. A escala A-Traço do IDATE-
C também consiste em vinte itens, mas nessa escala os sujeitos devem responder
como geralmente se sentem (SPIELBERGER, 1983).
A Escala de Lócus de Controle, construída por Milgram & Milgram (1975), e
padronizada por Feres (1981), é composta por 24 itens, que retratam situações de
sucesso ou fracasso, com alternativas que atribuem o sucesso ou o fracasso
totalmente ao outro e aquelas que os atribuem a si mesmo.
A Escala Infantil Piers-Harris de Autoconceito – “O que penso e sinto sobre mim
mesmo”, originalmente proposta por Piers & Harris (Piers, 1984), foi utilizada na forma
traduzida e adaptada por Jacob & Loureiro (1999). Esta escala não tem ainda
padronização brasileira e é composta por frases para as quais a criança deve
assinalar sim ou não.
Discussão
Nas análises das variáveis psicológicas avaliadas no presente estudo, verificou-se que
a maior parte das crianças obesas teve resultados dentro da média.
Com relação à autoestima, Strauss (2000) também não encontrou diferenças entre
obesos e não obesos na faixa etária de nove a dez anos. As diferenças em relação a
essa avaliação fizeram-se presentes em indivíduos de 13 e 14 anos. Parece haver
uma tendência evolutiva nesse aspecto, condizente com os dados de Harter (1993)
relativos a decréscimo na autoestima na adolescência devido a maior alerta quanto à
comparação social. Santos & Cardoso (1999/2000) apontam que, na fase da
adolescência, surgem outros interesses e expectativas. Os adolescentes obesos ficam
mais incomodados que quando crianças, com os problemas que ocorrem na compra
de roupas; mostram mais preocupação com a aparência e incomodam-se com os
apelidos que despertam sentimentos de mágoa e revolta. Sentem-se feios e
apresentam baixa auto-estima. Quanto à avaliação de crianças em tratamento, não
foram encontrados trabalhos que focalizassem as variáveis do presente estudo, com
medidas antes e depois. Há estudos mostrando que crianças que estão em
tratamento devido à obesidade apresentam maiores indícios de problemas
comportamentais, autoconceito mais baixo e são mais ansiosas (LUIZ, 2004; BRAET
et al., 1997).
Finalmente, é necessário apontar que a faixa etária das crianças abordadas no
presente estudo parece constituir-se em importante etapa de transição em que, de
modo geral, não há sofrimento psicológico instalado de forma evidente, mas seus
sinais se fazem presentes e emergem em etapas posteriores do desenvolvimento
(HERVA, 2006; STRAUSS, 2000). Dessa forma, acredita-se que a atenção a esse
período do ciclo vital constitua-se em prática de prevenção ao agravamento de
problemas emocionais.

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