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A Vida em Loop - Lynn Painter
A Vida em Loop - Lynn Painter
pt
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© 2024
Todos os direitos relativos à chancela Marcador encontram-se reservados para
a Editorial Presença, S.A.
Estrada das Palmeiras, 59
Queluz de Baixo
2730-132 Barcarena
Texto © 2022 por Lynn Painter
Edição portuguesa publicada com o acordo de Simon & Schuster Books For
Young Readers, uma chancela de Simon & Schuster Children’s Publishing
Division.
Todos os direitos reservados.
Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida em qualquer
forma ou meio, eletrónico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação, ou
por qualquer sistema de armazenamento e recuperação de informações, sem o
consentimento prévio, por escrito, do proprietário legal.
Título: A Vida em Loop
Título original: The Do-Over
Autora: Lynn Painter
Tradução: Alexandra Cardoso
Revisão: Maria João Fonseca/Editorial Presença
Fotografia da autora: Jackson Okun
Ilustrações da capa: © 2022 por Liz Casal
Design da capa: © 2022 Simon & Schuster, Inc. (por Sarah Creech)
Arranjo da capa: Carlota Flieg
Composição: Fotocompográfica, Lda.
Impressão e acabamento: Multitipo — Artes Gráficas, Lda.
1.ª edição em papel, Lisboa, fevereiro, 2024
Para
Os Solitários,
Os Sonhadores,
Aqueles que encontram os seus amigos nas páginas dos livros…
TU IMPORTAS, e o teu final feliz VAI acontecer.
Às vezes, a espera é mais longa na vida real do que na ficção.
PRÓLOGO
VÉSPERA DO DIA DOS NAMORADOS
Quando o Dia dos Namorados estica a sua cabecinha açucarada e em
forma de coração, existem dois tipos de pessoas que o recebem.
Primeiro, há aqueles que adoram completamente o dia, os românticos
incuráveis obcecados com a ideia do próprio amor. Essas pessoas acreditam
no destino e em almas gémeas e na noção de que o universo envia bebés
alados, praticamente nus, para atirarem flechas contra pessoas solteiras
específicas, infetando-as, assim, com um amor verdadeiro que pode causar
entorpecimento e um extraordinário «felizes para sempre».
Depois, temos os cínicos, aquelas almas rabugentas que lhe chamam o «dia
dos cartões-postais» e que se queixam de que, se o amor verdadeiro existe, as
suas declarações deviam ser expressas espontaneamente num qualquer dia
aleatório e sem a expectativa de presentes.
Bem, eu não sou nenhuma dessas pessoas — e, ao mesmo tempo, sou
ambas.
Acho, de facto, que o Dia dos Namorados é um dia de cartões-postais
supercomercial, mas também acho que não há mal nenhum em desfrutarmos
dos efeitos secundários materialistas da celebração. Tragam os chocolates e as
flores e, já agora, juntem um cheque-prenda da livraria local.
E, sim, acredito na existência do amor verdadeiro. No entanto, tenho fortes
suspeitas de que o destino, as almas gémeas e o amor à primeira vista são
conceitos criados pelas mesmas pessoas que ainda esperam que o Pai Natal
lhes traga aquele cachorrinho que pediram quando tinham sete anos.
Por outras palavras, espero sem qualquer dúvida ter amor na minha vida, mas
nem pensem que vou ficar sentada à espera de que o destino faça com que isso
aconteça.
O destino é para os palermas.
O amor é para os que planeiam.
Os meus pais casaram-se no Dia dos Namorados ao fim de um mês de
namoro. Apaixonaram-se de imediato, louca e ardorosamente, quando tinham
dezoito anos, sem levarem em consideração os factos do mundo real, como a
compatibilidade e a diferença de temperamentos.
Embora o comportamento tolo deles tenha resultado em… bem, em mim…
também levou a anos de desentendimentos e discussões aos gritos, os quais
foram a banda sonora da minha infância antes de o relacionamento deles
acabar numa separação declarada aos berros ao lado da pequena fonte de
querubins do nosso relvado.
Contudo, a sua incapacidade de usarem a lógica perante os sentimentos
deu-me o dom da clareza, de aprender com os erros deles. Em vez de namorar
com rapazes que me deixavam a sonhar, mas eram totalmente errados para
mim, só namoro com rapazes que cumprem os requisitos da minha folha de
prós e contras. Só saio com rapazes que no papel (ou numa folha de Excel)
têm pelo menos cinco interesses em comum comigo, têm um esboço geral do
seu plano de vida a dez anos e não se vestem como se estivessem prestes a
jogar basquetebol a qualquer momento.
E era por isso que o Josh era o namorado perfeito.
Ele cumpria cada ponto da minha lista de avaliação de pré-namorados
quando nos conhecemos e foi-se superando sempre, todos os dias, durante os
três meses em que estivemos juntos.
Portanto, quando me encontrava diante do meu closet naquela véspera do
Dia dos Namorados, a escolher a roupa perfeita para o dia seguinte, sentia-me
entusiasmada. Não em relação a bebés nus armados ou surpresas cósmicas
épicas, mas em relação aos meus planos. Tinha o dia inteiro planeado — o
presente, as palavras que diria, o momento apropriado para ambos — e seria
exatamente como eu queria que fosse.
Perfeito.
Porque é que eu iria esperar que o destino me desse uma mãozinha quando
eu tinha duas mãos perfeitamente capazes?
CONFISSÃO N.º 1
Quando eu tinha dez anos, comecei a colocar papelinhos com
confissões numa caixa no meu closet, para que, se alguma
coisa me acontecesse, as pessoas soubessem que eu era mais
do que apenas a miúda sossegada e certinha.
O PRIMEIRO DIA DOS NAMORADOS
Quando o meu alarme tocou no Dia dos Namorados, eu estava a sorrir.
Para começar, tinha de facto um namorado e, além disso, ele não era um
namorado qualquer. O Josh era inteligente e bonito e, sem dúvida, o aluno da
Secundária de Hazelwood com mais probabilidades de alcançar grande
sucesso. Sempre que estudávamos juntos e ele punha os seus óculos de aros de
tartaruga da Ivy League1, juro que o meu coração se contraía todinho,
causando a doce sensação de beliscão que disparava calor através de cada uma
das minhas terminações nervosas.
Em retrospetiva, esse sentimento era provavelmente algum tipo de defeito
atrial causado pela minha alimentação à base de café e bebidas energéticas.
Mas eu ainda não sabia disso.
Afastei as cobertas e saí da cama, ignorando o som da respiração do Logan,
que dormia de boca aberta do outro lado do colchão. O meu meio-irmão de
três anos gostava de entrar à socapa no meu quarto e dormir comigo porque
achava que eu era incrível.
E tinha razão. Porque enquanto me dirigia à minha secretária, onde a minha
agenda se encontrava aberta, eu sentia-me incrível. Cantarolei «Lover»
enquanto punha os óculos e consultava a lista do dia.
Lista de Tarefas — 14 de fevereiro
Reorganizar dossiê de planeamento para bolsa de estudo
Estudar para teste de Literatura
Lembrar mãe de enviar cópia do cartão do seguro por e-mail para gabinete
escolar
Lembrar pai das reuniões de pais e confirmar que ele as põe no calendário
Enviar e-mail para orientador de estágio
Trocar presentes com o Josh
Dizer «amo-te» ao Josh!!!!!!!!!!
Demorei-me na última, pegando na minha caneta e rabiscando corações em
redor. Nunca tinha dito aquela palavra de modo romântico antes e, dado que o
nosso aniversário de três meses caía NESTE dia, era quase como se o universo
tivesse agendado isto para mim.
Absolutamente entusiasmada, fui até à casa de banho e pus a água a correr
no chuveiro. Assim que pus a mão debaixo do fluxo de água para testar a
temperatura, ouvi:
— Em, estás quase despachada?
Irra. Revirei os olhos e pus-me debaixo do jato de água.
— Acabei de entrar.
— O Joel precisa de ir à casa de banho. — A Lisa, a mulher do meu pai,
soava como se tivesse a boca encostada à porta. — Com urgência.
— Ele não pode ir lá acima? — Deitei champô na mão e espalhei-o pela
cabeça. Eu adorava os gémeos, mas morar com crianças pequenas às vezes era
uma seca.
— O teu pai está lá.
— Dá-me dois minutos — respondi, suspirando.
Apressei-me a tomar banho, recusando-me a deixar que aquela interrupção
arruinasse o meu bom humor. Depois de me enxugar e vestir o roupão, passei
a correr pela Lisa e por um Joel todo contorcido, de volta ao meu quarto na
cave. Sequei rapidamente o cabelo demasiado encaracolado — ainda a
cantarolar canções de amor — antes de ligar o ferro e vaporizar o vinco
irritante na manga direita do meu vestido. Eu sabia que o Chris, o meu melhor
amigo, reviraria os olhos e diria que eu estava a ser hiperobcecada, mas porquê
deixar um vinco quando demorava apenas dois minutos para o eliminar?
Vesti-me e corri escada acima para comer uma barra de proteínas antes de
sair para a escola. Enquanto rasgava o invólucro, os meus olhos ficaram presos
na travessa de tarte que estava ao lado do micro-ondas, como a encarnação da
tentação. Sim, o pedaço que restava da tarte de mousse de chocolate teria um
sabor incrível, pensei enquanto dava uma grande dentada na barra de manteiga
de amendoim e soro de leite, mas uma fatia de açúcar e hidratos de carbono
não era uma boa forma de começar o dia.
Desviei o olhar da sobremesa de chocolate e concentrei-me em mastigar a
barra de proteínas seca.
— Deus do Céu, mais devagar. — O meu pai estava sentado à mesa a ler o
jornal e a tomar café, tal como fizera todos os dias da minha vida. A cor do
seu cabelo era vermelho-fogo, o original potente da minha desmaiada versão
castanho-acobreada. Fez-me um sorriso malandro e disse: — Ninguém aqui
sabe fazer a manobra de Heimlich.
— Isso não é, tipo, um requisito para os pais ou algo do género? Como é
que tu e a Lisa têm filhos e não sabem fazer a manobra de Heimlich?
Ele olhou diretamente para a minha boca demasiado cheia.
— Fomos tolos e ousámos pensar que a nossa prole não iria sorver a
comida como porcos.
— Sabes o que acontece quando se perde muito tempo a pensar, certo?
— Sim. — Ele piscou-me o olho e voltou para o jornal. — Morre um
burro.
— Oh, vá lá, vocês os dois. — A Lisa entrou na cozinha com o Logan
numa anca e o Joel na outra. — Podemos, por favor, não ser ofensivos diante
dos bebés?
— Eles não estavam aqui — argumentei eu com a boca cheia — durante a
conversa.
— E, tecnicamente — acrescentou o meu pai, piscando-me de novo o olho
—, «burro» não é ofensivo. É um animal.
Esbocei um sorriso enquanto a Lisa olhava para mim como se desejasse
que eu desaparecesse.
Eu dividia o tempo entre a casa da minha mãe e a do meu pai desde que
eles se tinham divorciado quando eu estava no ensino básico, mas ainda era
apenas um empecilho nómada. Em ambas as casas. Para ser justa, a Lisa não
era o estereótipo da madrasta má. Era educadora de infância, fazia o meu pai
feliz e era uma mãe muito boa para os rapazes. Eu é que me sentia sempre
como se a estivesse a atrapalhar.
Agarrei na minha mochila e nas chaves do carro, disse-lhes adeus e corri
para a porta.
O sol estava luminoso, embora o ar fosse gelado e tivesse caído um pouco
de neve durante a noite, mas, ao que parecia, o meu pai já tinha raspado as
janelas do carro. Ouvi o meu telemóvel a tocar no fundo da mochila e tirei-o
mesmo a tempo de ver que o Chris me estava a ligar através do FaceTime.
Atendi e ali estavam os meus dois amigos mais próximos, a sorrir para mim
diante dos cacifos vermelhos do corredor do 11.º ano. Sorri para o ecrã
estalado do meu telemóvel ao ver os meus rostos favoritos no mundo inteiro.
A Roxane tinha tez castanho-escura, maçãs do rosto bem definidas e o tipo
de pestanas que as mães suburbanas tentam imitar com extensões, enquanto o
Chris tinha olhos castanhos com pálpebras pesadas, uma pele de porcelana
impecável e uma cabeleira preta encaracolada absolutamente perfeita. Se não
fossem seres humanos genuinamente incríveis, seria difícil não os odiar pela
sua beleza.
— Já estão na escola? — perguntei.
— Sim, e adivinha o que acabámos de ver — disse o Chris, agitando as
sobrancelhas.
— Quero ser eu a contar — pediu a Rox, colocando-se diante dele no ecrã.
— Fui eu que vi, portanto conto eu. — O Chris empurrou-a para a tirar da
sua frente. — O Josh já chegou e eu vi-o a meter um presente no cacifo dele.
Soltei um gritinho e bati palmas antes de entrar na velha furgoneta Astro,
que o meu pai insistia que «tinha personalidade».
— Grande ou pequeno?
— Médio — disse o Chris.
— O que é bom, porque muito grande significa apenas um animal de
peluche da treta, e muito pequeno significa um cupão para abraços grátis.
Médio é bom. Médio é o sonho — acrescentou a Rox.
Ri-me. O entusiasmo deles deixava-me feliz porque, até há pouco tempo,
eles eram anti-Josh. Diziam que ele agia como se fosse melhor do que todos os
outros, mas eu sabia que era apenas porque não o conheciam bem. Ele era tão
inteligente e confiante que às vezes isso era mal interpretado como arrogância.
Provavelmente, isto significava que eles estavam a reconsiderar as suas
opiniões.
O namorado da Rox, o Trey, apareceu atrás deles e acenou. Acenei em
resposta antes de desligar, pousei o telemóvel, pus a furgoneta a trabalhar e
acelerei para a escola. A voz do Finneas soava docemente pelas colunas e eu
cantei a plenos pulmões cada palavra de «Let’s Fall in Love for the Night».
Mal podia esperar para ver o Josh. Ele recusara-se a dar-me qualquer pista
do que o meu presente era, portanto eu não fazia ideia do que esperar. Flores?
Joias? Embora me tivesse custado dois salários inteiros do café, eu comprara-
lhe a bracelete Coach que ele queria para o relógio. Sim, agora eu estava sem
dinheiro, mas ver o rosto dele a iluminar-se quando abrisse o presente faria
com que valesse a pena.
O meu telemóvel vibrou no banco do passageiro e, no primeiro sinal
vermelho, dei-lhe uma olhadela.
Josh: Feliz DN. Já chegaste? O que queres primeiro: poema ou
presente?
Poema, sem dúvida.
Sorri, e o semáforo ficou verde. Enquanto eu atravessava o nosso bairro
suburbano, a música no rádio (a minha furgoneta antiquada nem sequer tinha
ligação Bluetooth) mudou para algo com muitos gritos e metal, por isso comecei
a procurar uma música digna daquele dia importante.
Billy Joel? Não.
Green Day? Negativo.
Adele? Hum… é capaz de funcionar…
Olhei para o painel de instrumentos para aumentar o volume e depois ergui
os olhos mesmo a tempo de ver que a carrinha à minha frente tinha parado de
repente. Pisei no travão, mas, em vez de parar, os meus pneus bloquearam e
comecei a derrapar. Merda, merda, merda!
Não havia nada que eu pudesse fazer. Bati na traseira da carrinha. Com
força. Preparei-me para o carro atrás de mim me bater, mas, felizmente, ele
parou a tempo.
Quase sem respirar, olhei pelo para-brisas e vi que o meu capô estava
totalmente amolgado. A pessoa que conduzia a carrinha estava a sair para a
rua, o que, com sorte, significava que estava bem. Peguei no telemóvel, abri a
porta e saí para ver os estragos.
— Estavas a mandar mensagens, não estavas?
— O quê? — Olhei para cima e ali estava o Nick Stark, o meu parceiro de
laboratório de Química. — Claro que não!
Baixando os olhos para a minha mão que segurava o telemóvel, ele ergueu
uma sobrancelha.
Quais eram as hipóteses de eu ter batido em alguém que conhecia? E não
só alguém que conhecia, mas alguém que nunca parecera gostar muito de mim.
Quero dizer, tecnicamente ele nunca fora uma besta comigo, mas também
nunca fora simpático.
No primeiro dia de Química, quando me apresentei, em vez de dizer
«Muito prazer» ou «Sou o Nick», limitou-se a fitar-me durante alguns segundos
antes de dizer «Está bem» e voltar a olhar para o telemóvel. Quando entornei
acidentalmente a minha bebida energética na nossa mesa de laboratório, há
alguns meses, em vez de dizer «Não há problema», como um ser humano
normal, quando me desculpei, o Nick Stark olhou fixamente para mim e, sem
sorrir, disse: «Talvez devesses deixar a cafeína.»
O tipo era uma espécie de enigma. Eu nunca o tinha visto fora da escola e,
que eu soubesse, ele não tinha nenhum grupo de amigos. Embora
estivéssemos no 11.º ano, eu ainda não tinha informações suficientes para
saber como o classificar.
E detestava isso.
— Tu é que paraste no meio de uma rua movimentada — disse eu.
— Havia um esquilo a atravessar a estrada — respondeu ele quase a rosnar.
— Ouve, Nick. — Respirei fundo, encontrei o meu mantra mental, Tu tens o
controlo, tu tens o controlo, e consegui dizer: — Não culpes…
Os olhos dele semicerraram-se.
— Desculpa. Tu és?…
Cruzei os braços e franzi os meus olhos.
— Estás a falar a sério?
— Andas em Hazelwood?
— Sou a tua parceira de laboratório. — Ele estava a gozar comigo? Era
verdade que o tipo nunca dizia nada além da ocasional resposta monossilábica,
mas ainda assim. — Partilhámos uma mesa em Química o ano inteiro?… Isso
diz-te alguma coisa?
— És tu? — Os olhos dele percorreram o meu rosto como se não tivesse a
certeza se acreditava em mim ou não.
— Sim, sou eu! — Eu estava a perder a calma porque tinha grandes planos
para o dia e este gajo mal-humorado estava a impedir-me de fazer com que o
meu Dia dos Namorados perfeito acontecesse.
E, além disso, não se lembrar de mim… A sério?
— Tens seguro, certo? — disse ele.
— Isto é incrível — murmurei, olhando para a velha carrinha vermelha
dele, que não parecia estar pior na parte de trás do que em todo o resto da
carroçaria. — Não parece haver nenhum dano. Deste lado, pelo menos.
— As informações do seguro, por favor. — Ele estendeu a palma da mão e
esperou. Apeteceu-me empurrá-lo pela sua atitude de superioridade como
condutor, mas ele era muito mais alto do que eu e tinha ombros largos que
pareciam não ceder facilmente.
Então, em vez disso, inclinei-me para dentro da furgoneta e peguei na
minha mochila, que estava no assento, antes de abrir o porta-luvas e retirar o
pequeno dossiê que montara no dia em que recebera a furgoneta. Abri a
divisória amarela — a secção «Em Caso de Acidente» — e tirei o cartão do
seguro da sua capa protetora.
Ele pegou nele e os seus olhos estreitaram-se.
— Tu guardas isto num caderno?
— Não é um caderno, é um dossiê de emergência.
— E a diferença é?…
— É apenas uma forma de manter tudo protegido e organizado.
— Tudo? — Ele olhou para o dossiê e perguntou: — Tens mais o quê aí?
— Uma lista de mecânicos, empresas de reboques, instruções de primeiros
socorros… — Revirei os olhos e disse: — Queres mesmo que eu continue?
O Nick fitou-me por uns bons cinco segundos, antes de murmurar algo que
soou como «Porra, não». Depois, pegou no telemóvel e tirou uma foto do
cartão do seguro. A seguir, insistiu em chamar a polícia quando a minha
furgoneta começou a deitar fumo. Tentei convencê-lo de que dava para
conduzir — eu precisava de chegar à escola para ouvir o meu poema, caramba
— até o motor começar a arder e os bombeiros terem de o apagar.
Irra, o meu pai ia matar-me.
E depois a minha mãe ia desfazer o meu cadáver até não sobrar nada.
E eu não ia ter tempo para ouvir o poema do Josh até ao intervalo.
— Toma. — O Nick aproximou-se de mim, vindo da sua carrinha, e
estendeu-me um casaco. — Sei que não combina com a tua roupa, mas é
quente.
Quis recusar, porque o culpava por este desastre, mas estava com frio. O
meu vestido Ralph Lauren clássico em tecido Oxford cor-de-rosa era
demasiado bonito para ser coberto por um casaco, mas isso fora antes de eu
estar parada ao frio, a ver o meu veículo a transformar-se numa fogueira.
— Obrigada — respondi, vestindo o blusão verde-tropa que quase me
chegava aos joelhos.
O Nick cruzou os braços e examinou o cenário em que os bombeiros
limpavam os destroços.
— Pelo menos já tinhas uma lata velha.
— Acho que queres dizer um «clássico» — retorqui, embora detestasse a
minha furgoneta esquisita. Havia algo na atitude do Nick e no facto de ele não
me ter reconhecido que me fazia querer discutir com ele.
Ele cruzou os braços e perguntou:
— Estás bem?
Ofereci-lhe um sorriso falso e respondi:
— Maravilhosa.
Olhei para o meu telemóvel. Nenhuma notificação. Nenhum dos meus pais
tinha atendido quando lhes tentei ligar, o que não era surpresa nenhuma. Eu
queria desesperadamente mandar uma mensagem ao Josh, mas a última coisa
de que precisava era de lembrar ao Nick que era capaz de ter estado distraída
quando lhe batera.
O agente da polícia chegou com alguma rapidez a seguir aos bombeiros e
foi relativamente simpático enquanto me passava uma multa que ia de certeza
deixar-me de castigo.
Bolas.
O Nick olhou para mim no momento em que o camião de reboque se
afastava com a minha furgoneta.
— Queres boleia? Quero dizer, vamos para o mesmo sítio e tu estás vestida
assim.
Olhei para as minhas pernas nuas e para as minhas botas de couro
castanho, cerrando os dentes para os impedir de baterem.
— Assim como?
— De modo ridículo.
— Ei.
Ele sorriu perante a minha expressão.
— Não estava a contestar as tuas escolhas de moda, não te preocupes. Tens
todo o ar de uma… hum… namorada de um jogador de polo. Estava apenas a
referir-me às tuas pernas nuas e ao facto de estarem cerca de sete graus
negativos na rua. Boleia? Sim?
Engoli em seco e enfiei o meu nariz congelado na gola do casaco. Cheirava
a frio e a óleo de motor.
— Hum… acho que sim.
— Estás a querer dizer «obrigada»?
Aquilo fez-me sorrir levemente.
— Muito obrigada, meu incrível salvador.
— Assim está melhor.
Subi para a carrinha dele, bati com a pesada porta e prendi o cinto de
segurança. O motor começou a trabalhar ruidosamente, ele desligou os piscas
e depois dirigiu-se para a escola. A banda furiosa que ele tinha a tocar naquele
sistema de som antiquado era horrível e o volume da música estava demasiado
alto.
— O que é isso? — Baixei a música horrível e ergui os meus dedos
congelados diante das aberturas que sopravam ar quente.
— Se te estás a referir à música, são os Metallica. Como é que não sabes
isso?
— Porque tenho bom gosto e não tenho cem anos?
Aquilo fez com que a boca dele formasse um pequeno sorriso.
— Então, qual é o teu álbum preferido quando conduzes, parceira de
laboratório?
Ultimamente, eu andava louca pelo álbum Rumours dos Fleetwood Mac, mas
encolhi os ombros e disse:
— Eu só ouço rádio.
— Pobre miúda faminta por música de qualidade.
— Neste caso seria uma pobre miúda faminta por berros ininteligíveis.
— Vá, ouve. — Ele aumentou novamente o som e sorriu para mim. — A
raiva deles faz-nos sentir bem, não achas? Sente-a, Bico de Bunsen, inspira-a.
— Estou bem assim. — Bico de Bunsen. Abanei a cabeça, mas não consegui
conter um sorriso quando a palavra «enegrecido»2 foi grunhida pelos Metallica,
enchendo toda a carrinha. — Vou apenas soprar a minha raiva, obrigada.
Ao fim de um minuto, ele baixou o volume da música e ligou o pisca
quando a escola apareceu. Moveu a mudança ao lado do volante, pondo-a em
segunda para fazer a curva, e acho que soei um pouco entusiasmada de mais
quando disse:
Será que pintei os teus céus azuis do mais escuro dos cinzentos?7
O trânsito estava a fluir bastante bem, apesar da neve, e comecei a
descontrair assim que passei pelo cruzamento onde tinha batido no dia
anterior. A primeira etapa do meu plano — não destruir o carro — estava
concluída. Quase podia sentir a tensão a deixar-me quando, de repente, um
enorme semirreboque me passou pela direita, enchendo o meu para-brisas de
lama.
Tirando-me completamente a visão.
— Raios!
Travei enquanto ligava os limpa-para-brisas, mas os meus pneus
bloquearam na neve acumulada e não consegui parar. Num instante, vi tudo à
medida que o vidro ia ficando desobstruído. O meu carro a deslizar para a
faixa da direita porque tive de virar o volante para evitar o trânsito vindo da
direção oposta.
A deslizar diretamente para a carrinha na outra faixa.
— Merda, merda, merda!
Esmaguei o pé contra o pedal dos travões, mas não adiantou. Bati naquele
veículo — com mais força do que no dia anterior —, chegando mesmo a
movê-lo ao chocar contra a lateral da caixa da carrinha.
— Não, não, não, não! — Quando a minha furgoneta parou com um
solavanco, fiquei a olhar para uma carrinha que era exatamente igual à carrinha
do Nick Stark. Mas que raio, universo?
O meu capô parecia estar tão amolgado como no dia anterior, talvez mais.
Soltei o cinto de segurança, embora as minhas mãos trémulas tornassem a
tarefa mais complicada do que o habitual. Estava a agarrar a maçaneta da porta
quando ela foi aberta pelo outro lado.
— Ei, estás bem? — O Nick olhou para mim, mas, em vez de ser um
idiota, parecia preocupado. — Bateste com muita força.
— Acho que sim. — Assenti com a cabeça e ele deu um passo atrás para eu
poder sair. Conseguia sentir o cheiro do sabonete ou do champô dele
enquanto me punha de pé e fechava a porta. — Oh, não, está a deitar fumo.
Olhámos ambos para o meu capô amolgado enquanto o fumo começava a
sair.
— Provavelmente, devíamos sair da estrada — disse o Nick.
A voz dele soava rouca de sono. Ele tirou o telemóvel do bolso e caminhou
em direção à berma. Eu segui-o, um pouco abalada com a violência do
acidente e também pelo facto inegável de não ter conseguido evitar a colisão
com o Nick.
Achara que o meu plano era infalível, mas o universo tinha, aparentemente,
outras ideias.
O Nick ligou para o número de emergência e deve ter sido posto em espera
porque olhou para mim e sussurrou:
— Não estás com frio só com isso?
Disse «isso» enquanto olhava para as minhas pernas da mesma forma que
teria olhado se eu estivesse vestida como um Teletubby.
E, sinceramente, eu estava a gelar. Parecia que o ar era gelo, a esfaquear-me
as pernas através das meias e também as faces.
— Nã, estou bem — respondi, no entanto.
Ao mesmo tempo fantasiei com o casaco que sabia que estava no banco de
trás do carro dele.
Mas não o podia deixar vencer.
Ele fez um sorrisinho que indicava que sabia que eu estava a mentir, antes
de voltar a falar ao telemóvel. Cerrei os dentes para os impedir de baterem e
perguntei-me — mais uma vez — como é que ele parecia tão adulto. Quero
dizer, ele tinha a minha idade, mas havia algo tão… maior de vinte e um anos
neste rapaz.
— Estão a caminho — disse ele, enfiando o telemóvel de novo no bolso
das calças de ganga.
— Obrigada. — Tive de me forçar a não parecer gelada quando
acrescentei: — Sou a Emilie Hornby, a propósito. Estamos na mesma mesa na
aula do professor Bong.
As sobrancelhas dele enrugaram-se unindo-se.
— Estamos?
Sim, era igualmente irritante na repetição.
— Sim, estamos. Desde o início do ano.
— Hum… — Ele olhou para mim. — Tens a certeza?
— Sim — disse eu com um grunhido e revirando os olhos.
— Bom… — começou ele, observando-me como se eu fosse maluca. —
Estás bem?
— Estou. Maravilhosa. — As sirenes apareceram nesse momento e repetiu-
se tudo. O meu carro incendiou-se, fui multada, o Nick ofereceu-me o seu
casaco, que aceitei a contragosto, e ele deu-me boleia para a escola.
Percebi, enquanto prendia o cinto de segurança, que tinha de ser mais
flexível durante este dia de conserto das coisas, porque não tinha a receita
exata do que precisava exatamente de ser consertado. Podia não ter
conseguido evitar o acidente, mas talvez o objetivo fosse reparar a nossa
interação.
Eu não sabia exatamente o quê, portanto precisava de tentar emendar cada
coisinha.
— Muito obrigada pela boleia — disse eu educadamente, movendo os
lábios no que esperava que fosse um sorriso agradável. — É muito simpático
da tua parte.
— Não é uma questão de ser simpático — respondeu ele, colocando o
carro em primeira e soltando o travão de mão —, é mais de ser prático. Se eu
te deixasse ir a pé para a escola e tu morresses de frio, de certeza que isso iria
prejudicar o meu carma. No entanto, ao dar-te uma boleia para um sítio para
onde eu já ia de qualquer maneira, sem nenhum sacrifício da minha parte,
estou a ganhar um bom carma.
Suspirei.
— Maravilhoso.
Ele sorriu, mas não olhou para mim.
— Sim, é maravilhoso.
Olhei pela janela e tentei novamente.
— Adoro esta música, a propósito. Os Metallica são incríveis.
Isso fê-lo olhar-me de soslaio.
— Tu gostas de Metallica?
Assenti com a cabeça e franzi os lábios.
— Claro.
Ele semicerrou os olhos.
— Diz-me três músicas deles.
Cruzei os braços e franzi os olhos para ele enquanto me fitava como se eu
fosse mentirosa. Porque é que ele estava a insistir em me sabotar?
— Não preciso de dizer três músicas para provar que gosto deles.
— Então, vou assumir que estás a fingir. — Os olhos dele estavam outra
vez atentos à estrada.
— A fingir o quê, exatamente? Ser alguém que gosta do som de uns velhos
zangados a gritar palavras?
Aquilo fê-lo mover os lábios num verdadeiro sorriso e ele lançou-me um
olhar.
— Vês? Eu sabia que não gostavas deles.
Revirei os olhos, o que o fez rir, e disse a mim mesma que não importava. A
minha interação com o Nick Stark era, sem dúvida, irrelevante em todo o
plano de consertar o dia. Então, disse o que estava realmente a pensar.
— Atacas sempre as pessoas quando elas estão apenas a fazer conversa de
circunstância?
— Eu não lhe chamaria «atacar as pessoas». Só acho que, se a tua conversa de
circunstância é sobre uma banda, provavelmente devias conhecer a dita banda.
Respondi em tom de troça:
— Eu estava a ser educada, já ouviste falar disso?
— Eu não consideraria dizer mentiras inúteis ser «educado».
— Vá lá, eu não estava a mentir. — Abanei a cabeça. — Só disse aquilo
para fazer conversa. É o que estranhos fazem quando estão a tentar ser
simpáticos.
— Mas nós não somos estranhos. — Ele olhou para mim com um
sorrisinho. Outra vez. — Tu disseste que és a minha parceira de laboratório.
— E sou a tua parceira de laboratório!
O sorrisinho cresceu.
— Então, porque é que disseste que somos estranhos?
Suspirei.
— Não faço ideia.
Instalou-se um silêncio péssimo durante alguns minutos, enquanto a velha
carrinha dele seguia em direção à nossa escola. Era estranho e desconfortável,
mas melhor do que quando ele estava a falar. Então, é claro, ele estragou tudo
quando disse:
— Espera lá, já sei onde te vi. Tu não és a miúda…
— Que se senta ao teu lado em Química? Sim — interrompi.
— …que se engasgou no refeitório?
Raios, eu nunca iria ultrapassar aquilo.
— Eu não me engasguei — respondi, pigarreando. — Apenas fiquei com
qualquer coisa presa na garganta.
Aquilo fê-lo desviar os olhos da estrada para me apresentar uma
sobrancelha erguida.
— E não será isso a definição literal de alguém a engasgar-se?
— Não, não é — retorqui, ofegando, sabendo que estava a ofegar, mas
incapaz de o evitar. — Alguém engasgar-se é quando a comida fica presa na
traqueia e não conseguimos respirar. Eu conseguia respirar; tinha era a comida
presa no esófago.
Ele mordeu os lábios e semicerrou os olhos.
— Tens a certeza de que é assim?
— Claro que tenho a certeza, aconteceu comigo.
Ele fez um ruído.
— Nunca ouvi falar disso… Não sei se existe.
— Estou a dizer-te que aconteceu, portanto ficas a saber que existe. — Eu
conseguia ouvir a minha voz a ficar estridente, mas aquele rapaz era para lá de
frustrante. — Algumas pessoas têm um problema de saúde que faz com que a
comida às vezes fique presa na garganta. Tenho de tomar Omeprazol todas as
manhãs para que isso não volte a acontecer. Portanto, é uma coisa que existe,
sim.
Ele aproximou-se de um semáforo e, quando a carrinha parou
completamente, virou a cabeça e olhou para mim.
A boca dele não estava a sorrir, mas havia algo de brincalhão nos seus olhos
quando disse:
— Tens a certeza de que és a minha parceira de laboratório?
Grunhi.
— Claro que tenho a certeza.
— Aquela miúda é supercalada, enquanto tu pareces ser muito tagarela.
— Eu não sou tagarela.
— Na verdade, pareces ser excessivamente tagarela.
— Bem, não sou. — Na verdade, eu era uma pessoa calada. Raios.
— Pois, está bem.
Não voltámos a falar até chegarmos à escola, onde lhe agradeci a boleia e
quase lhe atirei com o casaco. Ele apanhou-o com destreza e, quando dei meia-
volta, podia jurar que ele estava a sorrir.
Tive de me forçar a respirar fundo e concentrar-me. Não importava que o
Nick Stark estivesse decidido a arruinar as minhas hipóteses de consertar este
dia — eu tinha um trabalho a fazer.
Quando o gabinete escolar me enviou a autorização de saída da aula, peguei
na minha mochila e segui nessa direção. Mas, em vez de virar para a área
administrativa, continuei em frente até à casa de banho mais distante do
edifício, a que ficava depois da biblioteca.
Na realidade, não tinha um bom plano para manter a minha vaga no
programa de verão, mas parte de mim interrogava-se: Se não me conseguissem
encontrar, será que poderiam considerar deixar-me entrar para nos pouparem a todos o
embaraço desagradável do erro deles?
Afinal, qual era, na verdade, o problema de mais uma vaga?
Era o melhor em que conseguia pensar naquele momento, portanto o que
ia fazer era esconder-me na casa de banho. Olhei para trás antes de empurrar a
porta dos lavabos e entrar. Cheirava a cereja — uma lembrança aromática dos
vapeadores nos intervalos —, mas não estava ali ninguém.
Ufa.
Pousei a mochila ao lado do lavatório e tirei a minha bolsa de maquilhagem.
Passei alguns minutos a retocar as minhas faces e lábios. Tinha sentimentos
complicados em relação ao Josh depois de o ver a beijar a Macy — ainda que
não tivesse sido na vida real —, mas estava a forçar-me a esquecer isso.
Ela beijara-o a ele, afinal, e, se eu tivesse ficado lá, será que o teria visto a
afastá-la? Ia acreditar que sim.
Presentes, poesia e «amo-te» — esses pontos iam ficar cumpridos. Eu tinha
total confiança nas minhas teorias sobre os relacionamentos e o amor e não ia
deixar que um beijinho estragasse tudo. O dia de hoje ia ser perfeito e amanhã
seria 15 de fevereiro.
Infelizmente, o retocar da maquilhagem não demorou muito e, depois
disso, eu não sabia o que fazer. Podia olhar para o telemóvel para passar o
tempo, mas uma sensação de desconforto nervoso estava a deixar-me tensa
enquanto permanecia ali, ao lado do lavatório.
Será que tinha ouvido alguém a vir aí? Quem seria? Uma professora ou uma
aluna? Simpática ou mesquinha? Será que eu devia fingir estar a retocar a
maquilhagem se alguém entrasse ou… o quê? Os minutos passavam como se
estivessem em câmara lenta.
Por fim, decidi entrar num cubículo. Parecia nojento sentar-me numa sanita
completamente vestida — mais uma vez —, mas pelo menos podia
descontrair. Levei a mochila para o primeiro cubículo, tranquei a porta e
comecei a estender uma cobertura de duas camadas de papel higiénico sobre o
assento. Quando ficou finalmente espesso o suficiente para eu já não conseguir
ver o assento preto, sentei-me.
Tirei o telemóvel do bolso da frente e mandei uma mensagem ao Josh.
Eu: Não acredito que é DN e ainda não te vi hoje.
O Josh foi rápido a responder, com o meu telemóvel a fazer o som familiar
do relincho de um cavalo, que ele programara como seu toque pessoal.
É, não é?! O teu presente está a abrir um buraco no meu cacifo.
Onde estiveste esta manhã?
Aquilo fez-me relaxar um pouco. Sorri e escrevi: Bati com o carro a caminho da
escola. Depois conto-te.
— «WWJD13»?
— Muito engraçada. — Ele estendeu a mão e ajustou uma das saídas de
calor. — O que me veio à cabeça, sua espertinha, foi perceber que tu nunca
foste assim comigo.
— Assim como?
— Vibrante. — Ele abanou a cabeça com os olhos fixos na estrada e disse:
— Nervosa. Eu sempre soube que tu gostavas de mim, como pessoa, mas
nunca senti que estavas mesmo apaixonada por mim.
Contorci-me um pouco no meu lugar.
— O que é isto, terapia de casal? Vais queixar-te de que não fui atenciosa o
suficiente, portanto tiveste de ir procurar noutro lado?
— Não é nada disso que estou a dizer. — Ele virou para a minha rua e
continuou: — Foi mais eu ter tido um momento em que me perguntei se
alguma vez gostaste mesmo de mim.
— Isso não é justo — disse eu, ainda que duvidasse.
— Eu não estou a pôr isto nas tuas costas, Em. O meu ponto é que,
quando voltei para a aula, depois do quase-beijo com a Macy, e tentei perceber
o que raio tinha acontecido, perguntei-me porque é que nós estávamos sequer
a namorar.
Olhei para o meu colo; não conseguia encontrar os olhos dele. As palavras
«porque estavas na minha lista de coisas a fazer» pairaram nos meus lábios,
mas contive-as.
O Josh era o namorado perfeito para mim no papel: inteligente, motivado e
encantador. Mas, até o ver a beijar a Macy, eu não tinha percebido que o papel
nem sempre se traduzia na vida real.
O Josh era o rapaz que a rapariga que eu queria ser devia querer.
Senti um nó na garganta enquanto pensava em como estivera errada, em
como ainda estava errada. Se o planeamento não nos trazia o amor verdadeiro
e o destino também não, será que o amor era sequer algo tangível pelo qual
podíamos ansiar?
— Gostamos imenso um do outro. — Ele pigarreou e reduziu a mudança.
— Desde o início. Somos, tipo, a combinação perfeita. E divertimo-nos muito
juntos. Mas consegues dizer, com toda a sinceridade, que sentes algo mais
forte por mim?
O Josh estava a sorrir-me pacientemente quando ergui os olhos para o
rosto dele. Mas, então, o rosto do Nick apareceu na minha mente. O rosto que
deixava os meus joelhos fracos sempre que ele olhava para mim. O rapaz com
quem eu instigara um beijo no centro da cidade.
— Foi o que pensei. — O Josh olhou para mim e abanou lentamente a
cabeça, mas não de um modo mesquinho. Foi um pouco doce, como um olhar
de ternura. — Acho que a ideia de nós os dois juntos era tão boa que talvez
tenhamos forçado as coisas.
Percebi que o Josh soube como eu me sentia antes de eu mesma saber.
— Então, tu nunca…
— Eu acho-te sexy, Em. Não te preocupes. — Como sempre, ele percebia
como o meu cérebro funcionava. — Só acho que talvez devêssemos ser antes
grandes amigos.
— Para de dizer coisas que fazem com que pareça que estás a acabar
comigo. Lembra-te do intercomunicador.
— Oh, eu lembro-me. — Ele tossiu uma gargalhada e disse: — Quando
tiver noventa e cinco anos e estiver num lar, ainda me vou lembrar de ti a
dares-me uma coça e aos Bardos.
Aquilo fez-me rir.
— Não é estranho, isto? Sentirmo-nos tão confortáveis como sempre,
embora já não estejamos juntos?
Ele abanou a cabeça.
— Parece certo, acho.
— Posso torturar-te um pouco? — Cruzei os braços. — Assim, numa
espécie de meu adeus especial a nós?
Ele diminuiu a velocidade ao ver um carro a tentar estacionar pessimamente
em paralelo na rua.
— Já estou com medo, mas tudo bem.
Olhei pela janela, para o sol de inverno do fim do dia, e disse:
— Comprei-te a bracelete Coach para o Dia dos Namorados. Se não
tivéssemos acabado, terias uma bela bracelete de couro cor de chocolate no
pulso.
Ele tirou a mão da mudança para cobrir o coração, como se eu o tivesse
ferido mortalmente.
— Tu sabes mesmo dar o golpe de despedida.
— É, não é? — disse eu, sorrindo para ele enquanto ele sorria para mim.
— Eu sei que isto é absolutamente inédito na vida real, mas achas que
podemos continuar a passar tempo juntos? E isto não é apenas, tipo, dizer só
por dizer. — Ele engoliu em seco e acrescentou: — Não te quero realmente
perder.
— Vamos ver como corre. — Peguei no meu telemóvel e verifiquei as
mensagens. Nada. — Mas, em teoria, posso continuar a dar-te uma coça no
Scrabble se não me irritares.
— Ótimo. — Ele virou para a minha entrada. — Porque se tu me
abandonares, quem é que me vai chamar a atenção quando eu estiver só a ser
do contra?
— Uh, eu gosto de fazer isso.
Ele soltou uma risadinha.
— Obrigado por me ouvires, a propósito.
— Idem. — Abri a porta. — E obrigada pela boleia.
— Sempre que precisares. A sério.
Saí e fechei a porta, e estava quase na varanda quando ele gritou:
— Em, espera.
Olhei para trás e ele tinha a janela aberta. Estava a acenar para me chamar.
Larguei a mochila e corri até à janela dele.
— Não te vou dar um beijo de despedida, Sutton.
— Ah! Ah! — Ele colocou o carro em marcha-atrás e olhou para mim com
atenção. — Então… qual é a cena entre ti e o Nick Stark?
Senti o meu rosto a corar.
— «Cena»?
— Quando estava à espera de que saísses do gabinete, tivemos uma
pequena conversa.
Esperem lá.
— O quê? Tu falaste com o Nick?
Os olhos castanhos dele estavam cheios de humor quando respondeu:
— Assim que entraste no gabinete, ele aproximou-se de mim.
Sinceramente, estava com um ar zangado e é um tipo alto, portanto fiquei um
pouco intimidado.
Senti os lábios a formigar e fiquei sem fôlego.
— O que é que ele disse?
— Disse: «Não te conheço bem, Josh», mas pronunciou o meu nome como
se achasse que eu sou um idiota.
— Bem, eu talvez tenha…
— Foi o que pensei. — O Josh deitou-me um olhar e continuou: — Mas
depois ele disse: «A Emilie é demasiado boa para ti. Se ela te aceitar de volta,
não estragues tudo desta vez.»
Eu não podia acreditar no que estava a ouvir.
— O quê? Ele disse isso?
— A cena é, e não posso acreditar que te estou a dizer isto, o tipo parece
realmente gostar de ti. — O Josh apoiou o cotovelo na janela aberta e
continuou: — Portanto, se tu gostas dele…
— Não gosto. — Abanei a cabeça e senti-me maldisposta. O meu corpo
estava completamente agitado com a ideia de o Nick ansiar por mim ou sequer
se importar comigo, mas não era o suficiente. — Obrigada por me contares
tudo isso, mas o Nick gosta de mim o suficiente para não me querer contigo,
mas não o suficiente para fazer, de facto, alguma coisa em relação a isso.
— Oh. — Ele pareceu surpreendido. — Bem…
— Pois — disse eu, tentando forçar os meus lábios a formarem um sorriso,
enquanto sentia o meu coração a doer dentro do peito.
Aquilo fê-lo sair do carro.
— Anda cá.
O Josh colocou os braços à minha volta e puxou-me para ele. Não era um
abraço casual, mas um abraço apertado e abrangente que parecia um adeus a
nós, ao Josh e à Emilie. O cheiro do seu perfume familiar trouxe-me algum
conforto, mas como um amigo.
— Estás bem? — disse ele para o meu cabelo, e eu apenas assenti com a
cabeça e engoli em seco.
De alguma forma, ao longo de inúmeros dias 14 de fevereiro, um DSC e
vários dias de consequências, tudo mudara.
Eu estava outra vez emocionada quando entrei em casa. Como alguém que
raramente era emotiva, isto estava a começar a tornar-se ridículo. Atirei as
chaves para a mesa ao lado da porta, mas parei quando olhei para a esquerda e
vi que a minha mãe e o Todd já estavam em casa.
— Ei. — Tirei os sapatos. — Porque é que já estão em casa?
— Quero falar contigo — disse a minha mãe. — Senta-te, Em.
Entrei na sala e sentei-me no sofá de dois lugares diante deles.
— É altura para uma reunião familiar improvisada?
— De certa forma — disse o Todd.
— Eu e o teu pai almoçámos juntos hoje — disse a minha mãe, unindo os
dedos como se estivesse numa sala de reuniões e não numa sala de estar. —
Para discutir a nossa situação.
Olhei para o Todd e ele fez-me um sorriso tranquilizador de boca fechada.
— Ele vai aceitar o emprego em Houston, mas a empresa dele vai deixar
que trabalhe de modo remoto até agosto. Dessa forma, podes terminar o 11.º
ano aqui e depois decidir se te queres mudar com ele ou ficar cá.
Pestanejei. Será que ela estava a dizer…
— Depois de muita discussão, decidimos que, desde que as tuas notas
continuem altas e não te metas em problemas, podes decidir se queres
terminar o secundário com os teus amigos em Hazelwood ou recomeçar com
o teu pai no Texas. — Ela sorriu-me e disse: — Respeitaremos os teus desejos,
sem ressentimentos.
— Estás a falar a sério?
A minha mãe assentiu com a cabeça, mas tinha a testa enrugada, como se
não se sentisse confortável a demonstrar tanta amabilidade. Olhei para o Todd
e ele sorriu.
— Oh, obrigada! — exclamei. Levantei-me e corri para a minha mãe,
abraçando-a, embora não fizéssemos isso com muita frequência. Inspirei
Chanel e laca de cabelo enquanto dizia: — Muito obrigada!
A minha mãe sorriu quando a larguei e afastou-me o cabelo do rosto.
— Foi ideia do Todd e foi o teu pai quem teve de renegociar o emprego
novo.
— Ainda assim — disse eu com o coração quase a explodir de amor pela
mulher desconcertante que eu tanto amava e da qual tinha pavor. — Sei quão
difícil é para ti, hum…
— Ceder? — O Todd riu-se e disse: — Sim, ela está a crescer.
A minha mãe sorriu para ele como se ele fosse o mundo inteiro dela, e, pela
primeira vez, aquilo não me irritou. Então, abracei-o também, sentindo-me
culpada pelos milhares de pensamentos nada generosos que tivera sobre ele ao
longo dos anos.
Talvez ele não fosse assim tão mau, afinal.
13
Acrónimo referente à frase «What Would Jesus Do» (O Que Faria Jesus),
muito popular entre os cristãos nos Estados Unidos e frequentemente usada
em pulseiras tecidas. (N T )
CONFISSÃO N.º 21
Derrubei uma caixa de correio com o meu carro no mês
passado, e nem sequer parei.
— Vocês são ridículos. — Empurrei a pilha de balões para dentro do meu
cacifo antes de o fechar. — Isto é horrível.
— Horrivelmente fantástico. — O Chris riu-se e a Rox endireitou uma das
serpentinas do lado de fora do meu cacifo. Era 4 de março, o meu aniversário
e, em vez de serem subtis, eles tinham decorado o meu cacifo, enchendo-o de
balões.
Era simpático, tinha de admitir. Eu tinha andado em baixo nas últimas
semanas, mas agora conseguia passar uma aula inteira de Química sem olhar
para o Nick Stark uma única vez.
Era uma heroína do caraças.
As coisas estavam melhores, portanto esta celebração era como um
pequeno sinal de pontuação na atualização da minha vida. Eu estava a usar um
adorável vestido pontilhado a preto-e-branco, que me fazia sentir como a
Audrey Hepburn, e um casaco com folhos, que me fazia sentir um pouco
Taylor Swift também.
— Tenho de ir para a aula — disse eu, pondo a mochila ao ombro. —
Encontramo-nos aqui depois das aulas?
— Combinado — disse o Chris, sorrindo para a Rox como se fossem
ambos hilariantes, antes de se afastar com ela.
Tive Literatura e a seguir — raios — Química.
Fui direito ao meu banquinho, peguei no meu livro, abri-o na página correta
e comecei imediatamente a olhar para o meu telemóvel. Como tinha feito
todos os dias nas últimas semanas.
Tinha acabado de abrir o Instagram quando o Nick disse:
— Emilie.
Parei de mexer no telemóvel, mas não olhei para cima.
— Sim? — Será que ele precisava de uma caneta ou algo assim?
— Parabéns.
Ergui os olhos e disse:
— Ah, obrigada.
No entanto, naquele meio segundo antes de voltar a olhar para o telemóvel,
o meu cérebro registou os seus olhos azuis sérios, o maxilar cerrado, o hoodie
preto e a rouquidão na sua voz profunda.
— É…
— Por favor, não. — Pestanejei lentamente e consegui continuar: — Já
disseste tudo o que precisavas de dizer, está bem? Não há problema.
Ele não disse nada, apenas engoliu em seco e fez-me um aceno com a
cabeça.
O Bong entrou e começou a dar a aula e eu forcei-me a esquecer o Nick e a
pensar em como me iria divertir com o Chris, o Alex, a Rox e o Trey depois da
escola. Íamos para o centro da cidade para um jantar de aniversário no
Spaghetti Works — o meu restaurante favorito — seguido de gelados no Ted
and Wally’s.
Eu mal podia esperar.
Quando a aula acabou, juntei as minhas coisas e saí rapidamente, não fosse
o Nick tentar sentir-se melhor outra vez. O dia tinha-se arrastado muito
devagar — talvez porque eu estava demasiado entusiasmada para que
terminasse —, mas, por fim, tocou para a saída.
— Até que enfim — disse eu, sorrindo, quando os vi à minha espera junto
do meu cacifo. O Alex estava rapidamente a tornar-se parte do nosso
grupinho de amigos, principalmente porque ele e o Chris eram inseparáveis, e
senti-me sortuda por o termos encontrado.
— Vamos embora, Aniversariante.
Eles deixaram-me escolher todas as músicas no rádio enquanto seguíamos
pelas ruas, o que era a minha coisa favorita no mundo. Divertimo-nos imenso
a cantar a plenos pulmões, mas engoli em seco quando chegámos ao centro.
Porque o meu lugar favorito estava agora manchado com memórias dele.
Olhei pela janela e lá estava o edifício do banco, a pairar acima de nós com
as lembranças vívidas do Nick a dançar o terrível Cupid Shuffle, a levar-me às
cavalitas, quase me beijando no elevador e subindo as escadas a correr comigo.
Fora um dia absolutamente espetacular.
Forcei-me a expulsar esses acontecimentos da minha mente e foquei-me em
divertir-me com os meus amigos.
Vasculhámos lojas de antiguidades, lojas de vinil e butiques caras antes de
entrarmos finalmente no restaurante.
— Estou a morrer de fome — disse eu, inspirando profundamente quando
os meus cheiros favoritos me chegaram ao nariz.
— Tu estás sempre a morrer de fome quando há hidratos de carbono
envolvidos — disse o Chris, e não estava errado. Ele tentava alimentar-se de
forma saudável e ficava sempre repugnantemente divertido com a minha total
falta de preocupação.
— Já comeram as tiras de frango frito deles? — perguntou o Alex enquanto
seguíamos a empregada até uma mesa.
— Estás no Spaghetti Works — disse eu, revirando os olhos e franzindo o
sobrolho para ele. — Por favor, não me envergonhes pedindo frango.
— Eu não a contrariava — disse a Rox, que seguia de mãos dadas com o
Trey atrás de nós. — Ela é absurdamente leal a este sítio.
— Entendido — disse o Alex.
Quando a empregada nos levou até uma mesa grande com vista para o bufê
de saladas, o Chris perguntou:
— Desculpe, podemos sentar-nos à janela?
Olhei para ele, sorrindo, e ele atirou-me um sorriso de volta. Eu e o Chris
costumávamos jogar um jogo quando ficávamos à janela, no qual
adivinhávamos a história de cada pessoa que passava. Fiquei um pouco
emocionada por ele ainda se mostrar sentimental em relação a isso.
— Sem problema — disse a empregada e indicou a mesa em frente da
grande janela saliente que dava para a rua.
— Obrigada — disse eu, e sentámo-nos todos à mesa da janela.
Perdemo-nos em gargalhadas e conversas depois disso. A Rox, o Trey e o
Chris — e, como se veio a descobrir, o Alex também — eram as pessoas mais
engraçadas que eu conhecia. Não havia nada tão divertido como passar várias
horas com eles sem coisas como empregos, trabalhos de casa e namorados a
atrapalhar.
Eles gozaram comigo — e com razão — quando terminei a minha segunda
porção de esparguete antes de o Alex ter sequer terminado a primeira e fartei-
me de rir quando a Rox e o Chris se lançaram a sério no jogo das histórias dos
transeuntes.
— O casal que está a passear o cão está junto há quinze anos, mas só se
casou há um — disse o Chris. — Tem sido o pior ano deles e ambos sabem
que estragaram tudo ao assinarem aquele papel.
— Que negativo — comentei, rindo-me.
— É, não é? — disse o Alex.
— Ela acabou por ceder porque percebeu que as suas recusas anuais o
magoavam — disse a Rox —, mas agora é ela quem está a sofrer. Ambos
querem acabar, mas nenhum deles consegue reunir a coragem para o dizer.
— Ele trabalha sessenta horas por semana só para evitar ir para casa —
acrescentou o Trey.
— Na verdade — interveio o Chris, apontando para o cão —, aquele cão é
o que os mantém juntos neste momento. Nenhum deles consegue suportar a
ideia de desistir da custódia do…
— Almôndega.
— Sim, do Almôndega — disse o Chris, aceitando a sugestão do Alex com
um aceno de cabeça. — Nenhum deles suporta ficar sem o Almôndega,
portanto passeiam o cão juntos, todas as noites depois do jantar, enquanto
sonham que estão em qualquer outro lado menos aqui.
Bebi um gole do meu refrigerante e disse:
— Vocês pegaram no jogo e tornaram-no deprimente. Resolvam isso com
esta senhora.
Olhámos todos pela janela, onde uma mulher alta de macacão e boina ia a
passar enquanto falava ao telemóvel.
— Esta é a Claire — disse o Chris. — Ela era modelo, mas deixou o seu
estilo de vida de jet-set para voltar para casa e cuidar do tio Billy.
— Que perdeu a memória num acidente com um micro-ondas. — O Alex
sorriu, entrando no jogo. — Agora, ele só consegue falar sobre a NASCAR e
as mulheres do The View.
Desatámos todos a rir.
— Ela cuida do tio durante o dia — continuou a Rox —, mas à noite gosta
de vestir as suas roupas de supermodelo e procurar no Mercado Velho por
homens que possam estar interessados em levá-la a dançar swing.
— Isso significa sexo?
— Claro que significa sexo. — O Trey revirou os olhos e acrescentou: —
Ela dança com eles e, quando eles adormecem, mata-os e vende os órgãos
deles no mercado negro.
— Terrível.
— Mas lucrativo.
Ri-me e peguei no pão de alho do Chris.
— OK, Alex, faz o próximo.
O Alex lançou-me um olhar rápido e depois olhou pela janela.
— Toda a gente que conhece este tipo acha que ele é uma besta porque
nunca sorri.
Levantei os olhos do meu pão e vi um tipo de blusão preto a passar com
uma caixa debaixo do braço.
— Mas, na verdade, ele é um tipo porreiro que se arrependeu de ter sido
um idiota com alguém de quem realmente gosta.
O tipo olhou para a nossa janela e…
Era o Nick.
— Ele teve um dia perfeito com a miúda perfeita — disse a Rox —, mas o
seu coração cínico recusou-se a acreditar que aquilo poderia durar, portanto
afastou-a.
Olhei para a Rox e mal consegui encontrar a minha voz para dizer:
— O que é que vocês estão a fazer?
— Foi só quando ele limpou a carrinha e viu que ainda conseguia sentir o
perfume dela no casaco do irmão — disse o Trey — que quase sufocou com a
falta que sentia dela.
— O que é isto? — Funguei e pestanejei rapidamente, enquanto o Nick
parava de andar e olhava diretamente para nós.
Para mim.
O Alex continuou como se eu não tivesse falado.
— Ele sabe que estragou a sua oportunidade, mas só lhe quer dar um
presente de aniversário. Depois, vai-se embora.
Olhei para o rosto dele, lindo e o único rosto no mundo que me dava
vontade de chorar. Enquanto eu o observava, ele engoliu em seco e lançou-me
um olhar intenso que consegui sentir do topo da minha cabeça até à ponta dos
pés.
Abanei a cabeça e desviei o olhar da janela para os rostos dos meus amigos.
— Acho que o meu coração não consegue aguentar mais este jogo.
— Vai lá e ouve-o — disse o Chris.
Respirei fundo. Depois, levantei-me e atravessei o restaurante até à porta da
frente, abrindo-a e saindo. Estava prestes a dirigir-me ao local onde o tínhamos
visto pela janela quando ouvi:
— Em.
Olhei para a direita e ali estava ele, parado ao lado da porta, à minha espera.
Não era justo quão bonito ele era. Ainda estava a usar o hoodie preto e eu
odiei o modo como o facto de o ver anulava toda a diversão que eu estava a ter
com os meus amigos. Olhar para o Nick só me fazia querer ir para casa e
chorar.
Cruzei os braços e disse:
— Estou a tentar jantar com os meus amigos. O que queres, Nick?
Ele fez um gesto com a cabeça para que eu o seguisse até uma das mesas na
esplanada, a qual estava vazia porque estava demasiado frio para se comer na
rua. Revirei os olhos e segui-o, irritada por ele estar, de alguma forma, a
conseguir ser mandão no meu aniversário.
— Abre-a. — Ele colocou a caixa em cima da mesa, olhou para mim com
aqueles olhos que me perseguiam nos meus devaneios e acrescentou: — Por
favor.
Ele parecia tão… intenso. Tinha o maxilar contraído e os olhos
completamente focados em mim. Respirei fundo e disse a mim mesma que
não sabia porque é que a minha barriga estava cheia de borboletas. Estendi a
mão e puxei a ponta da fita vermelha que estava atada num laço perfeito, mas
quando tirei a tampa da caixa branca e olhei lá para dentro não pude acreditar
no que estava a ver.
Olhei para ele e a única palavra que consegui proferir foi:
— Como?
Ele encolheu os ombros e eu enfiei as mãos na caixa e tirei o bolo.
O bolo do unicórnio roxo com a cobertura brilhante.
Aquele que eu queria no meu nono aniversário.
Não podia acreditar nos meus olhos enquanto o tirava completamente para
fora e o pousava em cima da mesa. O chifre dourado a luzir, o unicórnio
cintilante, o glacé roxo brilhante. Dizia «Feliz Aniversário, Em», tal como eu
queria desesperadamente quando estava no 4.º ano.
Mas… o Nick nunca tinha visto o bolo antes.
— Como é que fizeste isto, Nick?
Ele encolheu os ombros.
— Tive ajuda.
— Vais ter de fazer melhor do que isso — disse eu, colocando as minhas
mãos trémulas nas ancas, enquanto tentava perceber este rapaz que era capaz
de me ter dado o presente mais atencioso que eu já recebera.
— A Max conhece o dono da pastelaria — disse ele.
— A Max?
— A tua avó.
O meu cérebro não estava a funcionar com rapidez suficiente para eu
acompanhar. Franzi os olhos para ele e disse:
— A minha avó ajudou-te?
Ele assentiu com a cabeça.
— Tanto quanto sei, a única vez que a viste ela pediu para saíres da varanda
dela. — Observei o rosto dele em busca de uma resposta, mas ele moveu a
boca no seu sorrisinho típico, aquele que o fazia parecer satisfeito consigo
mesmo, embora não muito simpático. — Por favor, explica-te, Nick Stark.
— Fui até à casa da tua avó e perguntei-lhe o que é que ela sabia sobre o
bolo do unicórnio roxo. — Os olhos dele percorreram o meu rosto, fazendo
com que o meu coração batesse com força. Ele continuou: — Acontece que
ela tem um caso com o dono da pastelaria há anos, portanto ligou-lhe e pediu-
lhe que fizesse o bolo para ti.
Pestanejei.
— A minha avó namora com o velho Miller?
— Não sei se é tecnicamente um namoro, dado que ela disse que eles só
dormem em casa um do outro…
— Urgh…
— Mas são próximos.
Olhei para o bolo, incapaz de desacelerar os meus pensamentos. O Nick fora
a casa da minha avó só para ver se ela sabia do bolo?
— Não acredito que te lembraste do bolo — consegui dizer.
— Eu lembro-me de tudo sobre ti, Em.
A falha na voz dele fez-me voltar a fitar o seu rosto.
— A sério. — A voz dele estava rouca quando disse: — Lembro-me da
«Thong Song», do som ofegante da tua voz depois de eu te beijar e da maneira
como beijaste o meu nariz quando achaste que eu estava triste.
O apito de um comboio soou ao longe, um som quase fantasmagórico na
escuridão fria.
— Eu estraguei tudo — disse ele, olhando para mim — e arrependi-me em
cada minuto desde que te vi a ir embora naquele dia no parque de
estacionamento da escola.
Engoli em seco e os meus olhos viajaram por todo ele, bebendo a única
pessoa para quem eu não me tinha permitido olhar desde que ele me partira o
coração.
— Eu apaixonei-me por ti no Dia dos Namorados, Emilie, mas preciso de
mais do que apenas sete minutos.
— Precisas? — Uma sensação de calor começou a deslizar por cada
molécula dentro de mim. Eu queria estar mais perto dele, mas primeiro tinha
de perguntar: — Mas e tudo o que disseste depois do Dia dos Namorados? E
a miragem?
O Nick ergueu a mão como se me quisesse tocar no rosto, mas então
conteve-se e disse:
— Tu tinhas razão. Sobre eu estar a ser estúpido por causa do Eric.
Encolhi-me.
— Eu não disse isso.
— Insinuaste que eu me estava a conter por causa dele e, desde então,
comecei a pensar que talvez fosse verdade.
— Começaste? A sério?
— Sim. — Ele fez uma cara do tipo É tudo tão dramático e disse: — Ao que
parece, quando os teus pais fazem uma venda de garagem e tu te passas
completamente da cabeça porque eles estão a vender o boné de basebol do teu
irmão morto no dia a seguir a fazer um ano que ele morreu, é porque tens
problemas.
— Oh, não. — Dei um passo em direção a ele, estendendo a mão para lhe
tocar na manga da camisola. — Isso é péssimo. Lamento.
— Está tudo bem. — Ele pigarreou e disse: — Podes não acreditar, mas
estou contente. Até comecei a fazer terapia. Não sei, é muito esquisito
conversar com um estranho, mas também é uma espécie de alívio.
— Nick, isso é tão bom…
— Para. — Ele olhou para mim pelo canto do olho e disse com um sorriso
malicioso: — A última coisa que quero é que a miúda por quem estou
obcecado diga que está orgulhosa de mim por estar a fazer terapia. Tenho uma
mãe para isso, muito obrigado.
Aquilo fez-me rir.
— Eu sabia que tu estavas obcecado.
— Sim, Emilie Hornby, estou aqui para te dizer que estou um pouco
obcecado por ti. Por isto. — Ele levantou as mãos e envolveu-me o rosto. —
Por nós. — Os olhos dele enrugaram-se nos cantos e a sua boca formou um
sorriso rasgado que me deixou com os joelhos fracos.
— Não fiques todo meloso comigo agora, Stark — disse eu, mas o som do
«k» foi cortado quando a boca dele cobriu a minha. Eletricidade e calor líquido
percorreram o meu corpo quando o Nick me beijou como só ele era capaz.
Em algum lugar distante, ouvi os meus amigos a bater palmas, mas nada me
poderia afastar da única pessoa no mundo que sabia que era preciso um bolo
de unicórnio roxo brilhante para me conquistar.
O Nick ficou para a celebração, dando-me a mão enquanto passeávamos
todos juntos pelo Mercado Velho depois do jantar. E, quando chegou a hora
de darmos a noite por terminada, perguntou-me baixinho para que mais
ninguém pudesse ouvir:
— Posso levar-te a casa?
Claro que eu disse que sim.
Ele olhou para mim enquanto eu erguia as mãos diante das aberturas do
aquecimento da carrinha dele a caminho de casa.
— Alguma vez vestes roupa quente? — perguntou.
— Não gosto de tapar uma roupa boa com um casaco volumoso —
expliquei eu, sorrindo, enquanto ele olhava para mim como se eu fosse uma
criança tonta.
— Bem, toma — disse ele, esticando o braço para o banco de trás
enquanto conduzia —, podes usar o casaco do E outra vez. Ainda cheira ao
teu perfume do DSC.
Ele estendeu-me o casaco, e foi como olhar para um velho amigo.
— Não sabia que este casaco era do teu irmão. — Peguei-lhe com cuidado
e coloquei-o sobre o colo, passando as mãos pelo tecido.
— Isso é porque agiste como se te pertencesse — brincou ele.
— É verdade — concordei, pensando em todas as vezes que o tinha usado
e das quais ele nem sequer sabia. Tantos acidentes repetidos, tantos usos
daquele casaco.
Contudo…
Olhei para o casaco verde-tropa. Agora que estava a pensar nisso, eu usara-
o no primeiro Dia dos Namorados. Aquele que começara tudo.
O Dia dos Namorados.
O aniversário da morte do irmão dele.
Mas nunca adormecera com ele vestido — até ao DSC. O último Dia dos
Namorados.
Despertando-me dos meus pensamentos, o Nick encontrou a minha mão e
entrelaçou-a na dele. Deitou-me um olhar que enlouqueceu as borboletas
dentro de mim e depois disse:
— A propósito, nunca te agradeci por me teres feito concordar com o teu
dia DSC. Diverti-me imenso contigo…
— Claro que divertiste — provoquei-o, o que o fez dar-me um sorriso
engraçado.
— Mas as cenas à tarde? — Ele olhou para mim com uns olhos muito
sérios. — O E teria adorado.
— Sim? — Olhei para o casaco.
— Sim — disse ele, entrando na via rápida. — Não acredito em cenas hippie
maradas do universo e tal, mas, juro por Deus, se tu o conhecesses, ele teria
achado que era o dia perfeito.
Uau. Encostei-me no assento e enfiei as mãos nos bolsos do casaco. A ideia
do Eric de um dia perfeito — o dia em que me esquecera de devolver o casaco
— fora o dia em que o loop temporal terminara.
— Porque é que estás a sorrir assim?
Eu nem sequer me tinha apercebido de que estava a sorrir. Olhei para o
Nick e perguntei:
— Assim como?
Ele riu-se, enrugando os cantos dos olhos daquele modo feliz que eu
adorava.
— Estavas a sorrir de uma forma assustadora — disse.
— Eu não estava a sorrir de uma forma assustadora.
— Estavas sim. — Ele abanou a cabeça e disse com um grande sorriso: —
Como aqueles tarados que gostam de ver desfiles na televisão e vestem
camisolas aos gatos.
Ele estava a citar-se a si mesmo, de um dos Dias dos Namorados
esquecidos, e nem sequer fazia ideia. Juntei-me às gargalhadas provocantes
dele, o ressoar caloroso de felicidade que deveria ter sido sempre o seu som, e
senti-me incrivelmente grata.
Obrigada, Eric.
— Eu não sou tarada. — Aproximei-me dele no assento daquela velha
carrinha. — Sou apenas uma rapariga que está incandescentemente feliz neste
momento.
Os olhos dele encontraram os meus, com um sorriso travesso, e ele disse:
— Qualquer rapariga disposta a roubar uma frase de Austen para exprimir
a sua felicidade é completamente o meu tipo de tarada.
E eu era.
Eu era, sem qualquer dúvida, o tipo de tarada do Nick Stark.
Olhei para o meu braço e sorri. Não conseguia ver a tatuagem através da
camisola e do casaco, mas quase a podia sentir a zumbir. As palavras eram
como uma corrente elétrica a queimar na minha pele.
Tudo na minha vida tinha mudado e, no entanto, eu não tinha nenhum
arrependimento.
I had a marvelous time ruinin’ everything
PLAYLIST
1. Lover (Remix) [feat. Shawn Mendes] | Taylor Swift, Shawn Mendes
2. Let’s Fall in Love for the Night | FINNEAS
3. coney island (feat. The National) | Taylor Swift, The National
4. New Romantics | Taylor Swift
5. betty | Taylor Swift
6. Play with Fire (feat. Yacht Money) | Sam Tinnesz, Yacht Money
7. …Ready For It? | Taylor Swift
8. The Passenger | Volbeat
9. Street Lightning | The Summer Set
10. Sabotage | Beastie Boys
11. Nervous | Shawn Mendes
12. the last great american dynasty | Taylor Swift
13. Ghost of You | 5 Seconds of Summer
14. fuck, I’m lonely (com Anne-Marie) | Lauv, Anne-Marie
15. Lose Yourself | Eminem
16. Amnesia | 5 Seconds of Summer
17. fOol fOr YoU | ZAYN
18. So Damn into You | Vlad Holiday
19. I Don’t Miss You at All | FINNEAS
20. Forgot About Dre | Dr. Dre, Eminem
21. gold rush | Taylor Swift
22. Everything Has Changed (feat. Ed Sheeran) (versão da Taylor) |
Taylor Swift, Ed Sheeran
23. Driving in the City | Brandon Mig
24. The Joker and the Queen (feat. Taylor Swift) | Ed Sheeran, Taylor
Swift
https://open.spotify.com/playlist/4gex4YF0tYiPSuhID55dEY
AGRADECIMENTOS
Obrigada, leitores encantadores, por pegarem neste livro. Foram vocês que
afetaram a minha vida de uma maneira incrível, desempenhando um papel
fundamental na realização do meu sonho, e sinto-me eternamente grata.
Obrigada a Kim Lionetti, a minha incrível agente — por me dares a carreira
dos meus sonhos que estás sempre a tornar melhor. És mais do que eu alguma
vez soube que precisava.
Jessi Smith, a minha editora — a visão que tens para os livros é
simplesmente notável e tenho muita sorte em ter trabalhado contigo. Tu
tornas os meus pensamentos e palavras MUITO MELHORES e estou
EXTREMAMENTE agradecida pela tua experiência.
A todas as pessoas talentosas da SSBFYR e da S&S Canada — Marketing e
Marketing Digital, Publicidade, Vendas, Educação e Biblioteca, Direitos
Subsidiários, Produção, Distribuição —, muito obrigada pelo trabalho incrível
que fizeram neste livro. Liz Casal e Sarah Creech — obrigada por outra capa
de sonho que adoro. Morgan York e Sara Berko — obrigada por
supervisionarem os detalhes do processo e garantirem que a história se
tornasse um livro de verdade!
Obrigada aos meus amigos da Berklete por me deixarem entrar no vosso
grupo e estar com vocês o tempo todo (também conhecido como chat de
grupo). Vocês tornaram os altos mais altos e os baixos menos baixos e não sei
o que faria sem vocês.
Obrigada a todos os Bookstagrammers, TikTokkers, YouTubers e bloggers; vocês
fazem um trabalho incrível sem qualquer compensação e não sei o que
fizemos para vos merecer. São todos criadores talentosos e incríveis e não vos
posso agradecer o suficiente por tudo o que fazem em nome dos livros. Haley
Pham, adoro-te e aos teus encantadores seguidores.
Lori Anderjaska — és a rebelde mais fixe do sudoeste de Omaha; obrigada
por seres a minha editora do Nebrasca e por me emprestares os nomes dos
teus filhos.
Além disso, obrigada a Taylor Swift, por escrever músicas que parecem
livros.
E a família:
Mãe, és incrível e amo-te mais do que as palavras podem exprimir. Eu não
teria ISTO sem ti.
Pai, sinto a tua falta todos os dias.
Cass, Ty, Matt, Joey e Kate — obrigada por serem seres humanos incríveis
que me deixam orgulhosa e me fazem rir. Acho que são todos muito porreiros,
mas provavelmente isso é apenas porque fui eu que vos fiz.
E KEVIN:
Obrigada por aceitares que o meu lugar feliz é muitas vezes sozinha numa
sala com o meu computador. Obrigada por aceitares que sou péssima nas artes
domésticas e que só trouxe seis receitas para esta relação (ainda não consigo
acreditar nesse número). Todo o interesse amoroso que escrevo é inspirado em
ti, porque todo o interesse amoroso deve ser atencioso, respeitoso, sarcástico,
amável e totalmente hilariante. És, de longe, o meu ser humano favorito, e não
te mereço.