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Participação

Rev da FamíliaDesenvolvimento
Bras Crescimento no Trabalho... Hum. 2008; 18(3): Rev
229-239
Bras Crescimento Desenvolvimento Hum.
PESQUISA
2008; 18(3):
ORIGINAL
229-239
ORIGINAL RESEARCH

PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA NO TRABALHO FISIOTERAPÊUTICO EM


CRIANÇAS COM PARALISIA CEREBRAL

PARTICIPATION OF THE FAMILY IN PHYSICAL THERAPY TREATMENT OF


CHILDREN WITH CEREBRAL PALSY

Franciele Leiliane Sari *


Sonia Silva Marcon **

Sari FL, Marcon SS. Participação da Família no Trabalho Fisioterapêutico em Crianças com
Paralisia Cerebral. Rev Bras Crescimento Desenvolvimento Hum. 2008; 18(3): 229-239

Resumo:
Estudo descritivo exploratório realizado com mães de crianças menores de cinco anos,
com diagnóstico de Paralisia Cerebral, com o objetivo de verificar a participação dos pais
no processo de reabilitação das crianças e suas expectativas em relação a este tratamento.
Os dados foram coletados no mês de outubro de 2006 por meio de entrevistas semi-
estruturadas junto a 28 mães de crianças matriculadas em uma escola de reabilitação. As
mães individualmente (39%) ou em conjunto com os pais (32%) ou outros familiares são
as principais responsáveis pelo desenvolvimento de atividades fisioterapêuticas no domicílio.
Estas são realizadas diariamente (36%) ou duas a três vezes por semana (39%), normalmente
à noite e utilizando estímulos diferenciados (96%). A maioria (79%) refere conseguir realizar
todas as atividades propostas, sendo as principais dificuldades relacionadas à não aceitação
por parte da criança (54%) e à falta de tempo (21%). As expectativas são que a criança
consiga andar sem apoio (46%) e que tenha independência motora (25%). Embora em
graus variados, na maioria das vezes, os profissionais podem contar com a ajuda da família
na oferta de estímulos às crianças. As mães que já passaram por várias sessões de orientação,
se mostram mais seguras para a realização das atividades fisioterapêuticas no domicílio,
revelando a importância da interação com a família. Ao profissional cabe esclarecer a
família sobre a importância dos exercícios mesmo quando o prognóstico é limitado, pois a
evolução da criança pode surpreender e, além disso, esta é uma oportunidade para
desenvolver/fortalecer o vínculo entre a família e a criança.
Palavras-chave: Fisioterapia; paralisia cerebral; relações profissional-família.

* Fisioterapeuta da Associação Norte Paranaense de Reabilitação - ANPR, Escola de Educação Especial “Albert-Sabin”.
** Enfermeira. Doutora em Filosofia da Enfermagem. Coordenadora do Mestrado em Enfermagem da UEM. Coordenadora do
NEPAAF.
Correspondência para: Sonia Silva Marcon. Rua Jailton Saraiva, 526. Jardim América. Maringá – PR. CEP: 87045-300.
E-mail: soniasilva.marcon@gmail.com

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Abstract:
This is a descriptive and exploratory study carried out with mothers of children aged five years or
less, with diagnosis of Cerebral Palsy. It aims to investigate parents’ participation in the process
of children’s rehabilitation and their expectation regarding the treatment. Data were collected in
the month of October 2006 through semi-structured interviews conducted with 28 mothers of
children enrolled in a rehabilitation school. The mothers, individually (39%) or together with the
fathers (32%) or other family members, are responsible for the development of physiotherapy
activities at home. These are performed on a daily basis (36%) or two to three times a week
(39%), usually at night and using differentiated stimuli (96%). Most mothers (79%) stated they
are able to conduct all the proposed activities, and the main difficulties are related to non-acceptance
on the part of the child (54%) and lack of time (21%). The expectation is that the child becomes
able to walk without support (46%) and that he/she has motor independence (25%). Although in
varied degrees, most of the time the professionals can count on the family’s help concerning the
offer of stimuli to the children. The mothers who already had several orientation sessions feel
more prepared to conduct the physiotherapy activities at home. This reveals the importance of the
interaction with the family. The professional needs to explain to the family the importance of the
exercises even when the prognostic is limited, because the child’s evolution can be surprising
and, besides, this is an opportunity to develop/strengthen the bond between the family and child.
Key words: Physiotherapy; cerebral palsy; professional-family relationship.

INTRODUÇÃO devido, também, à influência que tal lesão exer-


ce na maturação neurológica”.1
A atuação e colaboração familiar é Em países em desenvolvimento, a inci-
extremamente importante para qualquer pro- dência desta doença é maior do que nos países
fissional que trabalhe com crianças que apre- desenvolvidos, observando-se índices de
sentam algum tipo de alteração no desenvolvi- 7:1000. No Brasil, estima-se uma prevalência
mento motor e, em especial, quando se trata de de 30000 a 40000 casos novos por ano.2
crianças com Paralisia Cerebral. Nesse senti- Com base no modelo de classificação
do, tem-se observado respostas positivas quan- proposto pela Organização Mundial de Saúde,
do os familiares atuam de forma a promover esta enfermidade pode apresentar consequên-
uma melhor evolução da criança. cias variadas. No que se refere à função de ór-
A expressão Paralisia Cerebral gãos e sistemas, a paralisia cerebral geralmen-
(doravante PC) é definida como “seqüela de te interfere no funcionamento do sistema
uma agressão encefálica, que se caracteriza, músculo-esquelético. Neste nível, as caracte-
primordialmente, por um transtorno persisten- rísticas associadas a esta patologia incluem
te, mas não invariável, do tono, da postura e distúrbios de tônus muscular, postura e movi-
do movimento, que aparece na primeira infân- mentação voluntária.2
cia e que não só é diretamente secundário a O comprometimento neuromotor desta
esta lesão não evolutiva do encéfalo, senão doença pode envolver partes distintas do cor-

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po, resultando em classificações topográficas A intervenção fisioterapêutica em neu-


específicas (quadriplegia, hemiplegia e rologia infantil é frequentemente conduzida a
diplegia). Também pode ser classificada com partir da relação entre a postura e o movimen-
base nas alterações clínicas do tono muscular to da criança. O controle postural é responsá-
e no tipo de desordem do movimento podendo vel pela resistência à ação da gravidade e pela
produzir o tipo espástico, discinético ou manutenção do equilíbrio do corpo durante os
atetóide, atáxico, hipotônico e misto. A gravi- movimentos voluntários que exigem estabili-
dade do comprometimento neuromotor de uma dade de membros, tronco e corpo.4
criança com paralisia cerebral pode ser carac- O atendimento fisioterapêutico sempre
terizada como leve, moderada ou severa, base- deve levar em consideração as etapas do de-
ada no meio de locomoção da criança.3 senvolvimento motor normal, utilizando vári-
Estas classificações servem a um pro- os tipos de estimulação sensitiva e sensorial,
pósito de descrição e caracterização da lesão, haja vista que este tipo de desenvolvimento
não fornecendo informação sobre as conse- depende da tarefa e das exigências do ambien-
quências desta enfermidade na rotina diária da te, havendo, portanto, a necessidade de manter
criança.2,3 Esta doença ocorre no período em estreitas relações com o desenvolvimento vi-
que a criança apresenta ritmo acelerado de de- sual, cognitivo e da fala. Dessa forma, o com-
senvolvimento, podendo comprometer o pro- portamento da criança se modifica, tornando-
cesso de aquisição de habilidades. Tal compro- se mais intencional à medida que se processa a
metimento pode interferir na função, maturação do seu sistema nervoso.5
dificultando o desempenho de atividades fre- Como já foi ressaltado anteriormente, a
quentemente realizadas por crianças com de- paralisia cerebral é uma patologia que implica
senvolvimento normal.2 em limitações motoras graves para a criança,
Os pacientes com PC devem ser tratados tornando-a muito dependente. Sabe-se que ape-
por uma equipe multidisciplinar, na qual o prin- nas as sessões de fisioterapia realizadas em
cipal enfoque terapêutico é, sem dúvida, o fisi- ambulatório são insuficientes para os estímu-
oterápico e, nestes casos, diferentes métodos los de desenvolvimento necessários a essa
utilizados em fisioterapia são empregados de criança. Tal fato torna fundamental o papel da
acordo com o quadro clínico. Dentre eles, utili- família no processo de reabilitação.
zam-se, principalmente, três métodos: o de Mediante a rotina dos atendimentos
Bobath, que se baseia na inibição dos reflexos fisioterapêuticos a crianças com paralisia ce-
primitivos e dos padrões patológicos de movi- rebral, foi possível observar que os pais têm
mentos; o de Phelps, que se baseia na habilita- dificuldades para realizar as orientações pro-
ção por etapas, dos grupos musculares, até che- postas em seu domicílio, não interagindo de
gar à independência motora e a praxias maneira completa com o tratamento do seu fi-
complexas e o de Kabat, que se baseia na utili- lho. Questiona-se, assim, se tal comportamen-
zação de estímulos proprioceptivos facilitadores to está relacionado com a aceitação da patolo-
das respostas motoras, partindo de respostas re- gia da criança, com a interação em relação ao
flexas, e chegando à motricidade voluntária.1 trabalho do profissional, ou simplesmente pela

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falta de esclarecimento em relação à importân- cerebral, matriculadas na Escola de Educação


cia do seu papel para a reabilitação da criança. Especial Albert Sabin, vinculada à Associação
De fato, essas crianças necessitam de um Norte Paranaense de Reabilitação (ANPR).
cuidado especial devido a todos os comprome- O estudo foi realizado junto ao serviço
timentos, mas a família também necessita de de fisioterapia da entidade, que presta atendi-
atenção e deve ser incluída no plano mento a 220 crianças e jovens na faixa etária
terapêutico, uma vez que, em muitos casos, ela de 0 a 29 anos, que possuem as mais variadas
demonstra significativa falta de informação patologias. Dentre essas patologias, a parali-
relacionada com a condição da criança e deso- sia cerebral é a mais frequente.
rientação sobre a forma como pode e deve agir Os dados foram coletados durante o mês
para melhor ajudar o filho. de outubro e novembro de 2006 por meio de
Esta condição é particularmente acen- entrevistas semi-estruturadas com os familia-
tuada nos primeiros tempos após o diagnósti- res. O instrumento utilizado para a coleta de
co, ocasião em que se torna imprescindível a dados foi um questionário semi-estruturado,
intervenção do profissional, a fim de oferecer elaborado pela própria pesquisadora a partir
suporte e permitir que a família participe ati- dos objetivos do estudo. Este instrumento foi
vamente das decisões relacionadas com o tra- submetido à avaliação aparente e de conteúdo
tamento de seu filho.6 por dois profissionais, um da área de fisiotera-
Este, por sua vez, deve ser iniciado o pia e outro que trabalha com famílias.
mais precocemente possível – devido à maior Os informantes foram os pais e/ou res-
plasticidade neuromotora, já que o propósito é ponsáveis pelas crianças selecionadas para o
contribuir positivamente para o melhor desen- estudo. Os critérios de inclusão adotados na
volvimento motor da criança.6 seleção das crianças que fizeram parte do es-
O profissional deve sempre fundamentar tudo foram: a criança ter idade igual ou menor
o seu papel, qual seja, oferecer suporte e orien- que cinco anos, ter sido diagnosticada com o
tação para os pais, de forma que estes possam quadro clínico de paralisia cerebral em fase de
ajudar no tratamento e não se utilizar das orien- desenvolvimento das habilidades motoras, es-
tações com o intuito de torná-los terapeutas ex- tar sendo atendida pelo serviço de fisioterapia
perientes ou substitutos deste profissional.6 da instituição e cujos pais ou responsáveis ti-
Assim, o objetivo do estudo é verificar vessem sido orientados pelo profissional fisi-
a participação dos pais no processo de reabili- oterapeuta no primeiro semestre de 2006. A
tação de crianças com paralisia cerebral e suas localização das crianças que atendiam a estes
expectativas em relação a este tratamento. critérios foi realizada através de consulta ao
arquivo do setor de fisioterapia da instituição.
No total foram identificadas 31 crian-
MÉTODO ças que atendiam aos critérios estabelecidos,
mas três mães não aceitaram participar do es-
Estudo descritivo exploratório realiza- tudo, de forma que a população efetivamente
do junto a famílias de crianças com paralisia estudada está constituída 28 familiares de

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crianiniciada após a avaliação e a aprovação a microcefalia está presente em três crian-


do projeto pelo comitê de ética da instituição ças (11%). Uma criança apresenta apnéia e
signatária. outra catarata, ambos os casos associados a
outros comprometimentos já citados anteri-
ormente.
RESULTADOS Ao se investigar as concepções das mães
sobre a etiologia da paralisia cerebral, obser-
Características das crianças vou-se que a maioria delas (68%) acredita que
Das 28 crianças em estudo, a maioria o problema é decorrente de intercorrências
(61%) encontra-se na faixa etária de um a três durante o parto ou no período peri-natal, sen-
anos e as demais, tem entre três a cinco anos; do que todas referiram a presença de anóxia
mais da metade é do sexo masculino (54%) e neonatal. É interessante observar que dez mães
procedentes do próprio município (54%). As (36%) acreditam que a PC tem relação com
demais crianças são procedentes de cidades problemas vivenciados ainda na gestação, tais
vizinhas e que fazem parte da região metropo- como prematuridade (quatro casos), infecções
litana de Maringá, sendo seis crianças de e pré-eclampsia (dois casos cada) e diabetes
Paiçandu (21%), três de Sarandi (11%) e uma melitus e sangramento (um caso cada).
das cidades de Ourizona, Marialva, Além disso, nove crianças (32%) apre-
Mandaguaçu e Iguatemi. A maioria (68%) nas- sentaram problemas após o nascimento, sendo
ceu de parto cesárea. que seis tiveram infecção e outras três, inter-
A maioria das crianças (68%) apresenta venções cirúrgicas com complicações.
algum tipo de problema associado à patologia
de base. Observou-se que o comprometimento O trabalho fisioterapêutico
mais freqüente é a epilepsia, com 12 casos Em relação ao tempo que realiza fisio-
(43%), sendo que desses apenas dois não tem terapia, constatou-se que três crianças (11%)
associação com outros acometimentos, tais realizam fisioterapia há menos de um ano e
como: déficit visual, hidrocefalia, microcefalia, correspondem àquelas com idade inferior a um
estrabismo e déficit auditivo. ano e seis meses. Onze crianças (39%) reali-
O estrabismo aparece em quatro casos zam fisioterapia entre um e três anos e 14 crian-
(14%) e, entre estes casos, dois também es- ças (50%) de três a cinco anos. Portanto, con-
tão associados a outros acometimentos como siderando a idade das crianças em estudo,
hidrocefalia. Os déficits visuais comprome- observa-se que a maioria delas iniciou o trata-
tem oito crianças (29%) e estão associados à mento fisioterapêutico precocemente.
epilepsia, microcefalia e hidrocefalia. Duas Ao se investigar quem na família rece-
crianças apresentam comprometimento audi- beu orientações fisioterapêuticas, observou-se
tivo, sendo que uma delas não tem outros pro- que em 96% dos casos foram as mães. Em qua-
blemas associados. A hidrocefalia está pre- tro casos outros membros também receberam.
sente em cinco crianças (18%) e apenas uma Apenas em um caso o pai foi o único a receber
não apresenta outros comprometimentos. Já orientações.

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A realização de atividades fisioterapêu- foram: “a criança não deixa” (três casos) e “a


ticas em casa normalmente fica a cargo das mãe não consegue” (dois casos).
mães, sendo que em 11 casos (39%) elas são As dificuldades que os familiares ou
as únicas responsáveis por esta atividade, em responsáveis sentem em geral para realizar as
nove (32%) este encargo é dividido com o pai atividades com as crianças são: a criança não
e em seis (21%) com outro familiar. Em dois aceita as atividades (54%); falta de tempo dos
casos o pai é o único responsável pelo desen- pais (21%); necessidade de maior preparo (três
volvimento desta atividade no domicílio. casos); não apresentam dificuldades (três ca-
Na concepção da maioria das mães en- sos) e falta de paciência por não ver resulta-
trevistadas (92%) são elas que estão melhor dos (um caso).
preparadas para a realização das atividades fi- Referindo-se ao local da casa onde as
sioterapêuticas no domicílio em, um caso re- atividades fisioterapêuticas são realizadas,
fere ser a avó e em outro a tia. É relevante ob- constatou-se que com maior freqüência isto
servar que duas mães entrevistadas relataram ocorre na sala (46%), seguida de quarto (32%),
que o pai está melhor preparado, sendo ele o quintal ou varanda (14%) e cozinha (7%).
responsável por tal função. Quanto ao período do dia em que as ativida-
Quando questionado com quem a crian- des são realizadas, observou-se que ele está
ça mais gosta de fazer fisioterapia, obteve-se relacionado com a disponibilidade da mãe e o
maior freqüência de respostas indicando as horário em que a criança frequenta a escola,
mães (61%), seguido por mãe e/ou pai, (qua- de forma que a maioria das mães fez referên-
tro casos), apenas com o pai (um caso), outro cia ao período noturno (36%), seguido da ma-
familiar no caso avó e tia, (dois casos), e uma nhã (25%) e tarde (21%). Cinco mães (18%),
mãe referiu que a criança não se manifesta. por sua vez, mencionaram que realizam as ati-
Todas as entrevistadas já haviam sido vidades em qualquer período.
orientadas pela fisioterapeuta, sendo que 11 Em relação à frequência com que reali-
(39%) foram orientadas uma ou duas vezes, seis zam as atividades, uma parcela considerável
foram orientadas três ou quatro vezes, oito fo- de mães (36%) afirmou que elas são realiza-
ram orientadas cinco a sete vezes, e três foram das diariamente ou duas a três vezes na sema-
orientadas oito ou mais vezes. na (39%); algumas mães, no entanto (14%)
A maioria das entrevistadas (79%) afir- reconheceram que elas são realizadas só uma
mou que realizam todas as atividades propos- vez na semana e outras três mães fizeram refe-
tas nas orientações fisioterapêuticas, cinco des- rência aos finais de semana.
tacaram que conseguem executar algumas Durante as atividades familiares, tam-
orientações e outras não e uma entrevistada bém se observou que são aplicados estímu-
relatou não fazer as atividades propostas em los visuais, cognitivos, sonoros e motores.
casa, pois “não consigo ver resultados com meu Assim, 96% dos entrevistados relataram es-
filho” (Paciente 27). timular as crianças com conversas, músicas,
Os motivos apontados para não conse- DVD, TV, brincadeiras e brinquedos sono-
guir realizar algumas das atividades propostas ros e pedagógicos.

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Quando os entrevistados foram ques- “Em tudo, não segurava alimento para
tionados acerca dos motivos que os levari- comer, hoje anda de motoca arrasta e fica sen-
am a não realizar as atividades, foram desta- tado” (Paciente 25).
cadas a falta de tempo (79%) e o dó da “Era molinho, hoje firma o pescoço, sen-
criança (14%). Uma mãe revelou que não ta e engatinha” (Paciente 16).
realiza tais procedimentos por “não acredi- Apenas uma das entrevistadas não se
tar que dê resultado e por sentir-se mostrou muito otimista com os resultados:
despreparada para esta função” (Paciente “O resultado foi pouco, mas percebi al-
27); e outra asseverou que não deixaria de guma mudança” (Paciente 27).
fazer por nenhum motivo (Paciente 11). As expectativas dos entrevistados em
relação ao resultado da fisioterapia para a sua
Expectativas dos familiares e/ou responsáveis criança são variadas. Uma mãe espera que a
A maioria das entrevistadas (96%) criança consiga sentar, duas que a criança con-
afirmou perceber resultados positivos com siga se manter sentada, seis que a criança con-
o tratamento de fisioterapia. As manifes- siga andar com apoio, sete que ela tenha inde-
tações sobre estes resultados revelaram pendência e treze que ela consiga andar sem
que, na percepção das mães, a partir do apoio.
início das atividades fisioterapêuticas, os
filhos apresentaram melhoras representa-
das pela manifestação de alguns compor- DISCUSSÃO
tamentos não existentes anteriormente,
como: sentar (nove), rolar (três), ficar em Os resultados apontam que a realização
pé (cinco), engatinhar (quatro), andar das atividades fisioterapêuticas, com maior ou
(seis), andar com apoio (dois) e pegar ob- menor freqüência, ocorre no domicílio da maio-
jetos (três). É interessante observar que ria das crianças em estudo, revelando, assim,
seis mães referiram que com o tratamento que os familiares auxiliam na realização das
fisioterapêutico, “tudo mudou”. Além dis- atividades e na recuperação da criança com
so, também foram referidos outros desem- paralisia cerebral. Tais constatações ainda evi-
penhos, tais com: arrastar (três), controle denciam o reconhecimento da importância da
cervical (nove), atenção e interação (qua- participação efetiva da família a fim de que a
tro), maior movimentação dos membros criança seja submetida a uma carga maior de
(três), troca de passos (três), tônus (dois), estímulos por meio da realização de ativida-
equilíbrio (dois), e apoio dos braços em des fisioterápicas também no domicílio.
postura de prono (um). A interação fisioterapeuta/família deve
Ao se manifestarem a este respeito, as estar bem estabelecida para que ocorra a troca
mães apresentaram depoimentos como os ex- de informações pertinentes para a definição dos
postos abaixo: objetivos funcionais possíveis na realidade
“Melhorou bastante, era bem molinho, motora cognitiva e social em que a criança se
não sentava e hoje anda” (Paciente 26). encontra, contribuindo, assim, para a supera-

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ção de dificuldades vivenciadas diariamente no especial. Observando a faixa etária estabelecida


relacionamento dessa família com a criança. para este estudo (zero a cinco anos), pode-se
Contudo, esta interação só se torna possível perceber que 61% das crianças já realizam fi-
mediante a existência de confiança entre os sioterapia há mais de um ano. Neste sentido,
envolvidos nesse processo. Por esse motivo é os relatos apontaram que, possivelmente, des-
importante que desde o início do trabalho com de o nascimento estas crianças tenham recebi-
a criança, o terapeuta converse com a família do algum tipo de intervenção fisioterapêutica.
para reconhecer suas dificuldades e seus an- Isto é muito importante, pois o primeiro
seios.8 ano de vida da criança é caracterizado por gran-
A atuação conjunta profissional e famí- des mudanças, o termo desenvolvimento, quan-
lia, resulta em benefícios fundamentais para o do aplicado à evolução da criança significa
desenvolvimento da criança no que concerne constante observação no crescimento das es-
ao seu potencial de crescimento e desenvolvi- truturas somáticas e aumento das possibilida-
mento global. Neste âmbito, é relevante res- des de cada um em agir sobre o ambiente.11
saltar que os fatores psicoafetivos e um ambi- No caso da lesão cerebral que incide
ente familiar estimulante dão suporte para todo durante a vida intra-uterina, os circuitos
o processo de reabilitação, pois é inegável o corticais e sub-corticais do cérebro são capa-
fato de que a quantidade e qualidade de estí- zes de se reorganizar em sua grande maioria,
mulos recebidos pela criança em casa são ao passo que, na criança de idade pré-escolar,
insubstituíveis.9 os hemisférios cerebrais já assumiram sua fun-
As crianças com necessidades especiais ção definitiva.5
carecem da atuação de uma equipe de profis- A velocidade do desenvolvimento mo-
sionais, para otimizar o processo de recupera- tor é influenciada, principalmente durante os
ção e estimulação. No entanto, com freqüên- primeiros 12 e 18 meses de vida, pela maneira
cia, a queixa principal dos familiares das com que os pais manuseiam o lactente. Além
crianças com paralisia cerebral relaciona-se as disso, as condições socioeconômicas da famí-
questões de incapacidades e limitações funci- lia e a interação entre mãe e lactente são fato-
onais, além das desvantagens em relação aos res que podem influenciar o desenvolvimento
ganhos do desenvolvimento motor, trazendo motor.5,12,13
conseqüências nos diferentes contextos como Algumas considerações importantes re-
família, escola e sociedade.10 lacionadas ao papel do profissional junto às
Somente quando o atendimento é focado famílias devem ser destacadas neste aprendi-
para a relação mãe-filho, pai-mãe-filho, fami- zado cooperativo, tais como: estimular e refor-
liares, escola e comunidade, é que se pode atu- çar o vínculo pai-mãe e filho; desenvolver a
ar de maneira efetiva. Pois a criança especial compreensão e a aceitação da patologia; escla-
exige da família profunda modificação em seus recer os objetivos do tratamento fisiotera-
hábitos.9 pêutico; incentivar a participação na escolha e
A fisioterapia tem fundamental impor- utilização dos métodos de tratamento; cons-
tância no desenvolvimento motor da criança cientizar os pais da importância de sua partici-

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pação no tratamento e avaliação da evolução; Ademais, é comum que na maioria dos


e proporcionar a extensão do tratamento casos, os pais destas crianças se omitam da
fisioterapêutico em casa, ressaltando os bene- interação e dos cuidados, deixando a mãe en-
fícios.14 carregada pela criança. Isto gera sobrecarga, e
A intervenção fisioterapêutica e o manu- os pais dessas crianças também tendem ter uma
seio da criança em casa influenciam diretamen- auto-estima baixa e menos sentimentos de com-
te os processos de maturação e recuperação do petência pessoal.15
sistema nervoso, pois tudo o que a criança ex- Contudo, identificamos que a atitude
perimenta e treina provavelmente causa modi- protetora dos familiares, principalmente das
ficações no seu sistema neuromuscular, visto que mães e a sobrecarga de cuidados direcionados
ambos têm estreita relação. O processo de recu- à criança dificultam o processo de intervenção
peração deve ser precoce devido a maior familiar junto à reabilitação. Tal hipótese é
plasticidade neuromotora, objetivando melho- confirmada pelo elevado percentual de crian-
rar as capacidades funcionais que visam ças que não aceitam que o familiar realize as
estruturar o ambiente no sentido de favorecer a atividades em casa (54%), e a falta de tempo
exploração ativa, e estimular atos tais como con- dos pais (21%).
trolar a cabeça, rolar, passar para sentado, Observa-se ainda que as famílias fazem
engatinhar, ficar sobre os joelhos, colocar-se em uso de estímulos variados durante as ativida-
pé, andar, e apreender e manusear diferentes ob- des, demonstrando a dedicação com a criança
jetos. Dessa forma, a ênfase recai sobre a cria- e o compromisso com o processo de reabilita-
ção de um ambiente favorável para a reabilita- ção. Isto é fundamental, pois o ambiente ideal
ção, que permita maior interação ativa e para o bom desenvolvimento infantil é aquele
voluntária entre a criança, terapeuta/pais e o que inclui objetos variados para o bebê explo-
ambiente.5 rar, e adultos amorosos, responsivos e sensí-
Considera-se que a idade é um fator im- veis que conversam frequentemente com a
portante quando se trata de assumir uma fun- criança durante a realização das atividades.
ção anteriormente exercida por áreas cerebrais Entre outras contribuições, o ambiente enrique-
que sofreram lesão. Um ponto de vista larga- cido pode beneficiar o desenvolvimento e a
mente aceito, admitia que o cérebro jovem se retenção de uma rede mais elaborada e com-
recuperasse mais facilmente após lesão do que plexa de conexões neurais.15
o cérebro adulto, graças à maior plasticidade.5 As manifestações de expectativas da fa-
O fato de que, na maioria dos casos, fo- mília em relação ao tratamento fisioterapêutico
ram as mães que receberam orientações e que devem ser consideradas à luz do prognóstico
realizam as atividades fisioterapêuticas no do- da criança que, muitas vezes, não é aceito pela
micílio, revela por um lado que a mulher tem família devido à esperança e à fantasia do “fi-
uma participação mais efetiva na interação pro- lho sem deficiência”, da confiabilidade a to-
fissional/família durante o processo de reabi- dos os tratamentos indicados. O fato de a maio-
litação da criança. E por outro confirma o pa- ria das expectativas serem direcionadas à
pel cuidador da mulher na família. independência da criança pode estar relacio-

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nado com a condição de os familiares não te- fissional com a família. Constatamos que a
rem sido esclarecidos suficientemente pela maioria dos familiares não está totalmente
equipe de saúde quanto às limitações dessas esclarecida quanto às limitações da criança, ou
crianças, ou ainda ao fato de estarem emocio- apresenta-se em processo de aceitação e/ou
nalmente em processo de aceitação e negação negação da patologia da criança. Quaisquer das
da patologia da criança. duas situações constituem indicativos da ne-
Assim, os resultados identificam que as cessidade de uma atuação mais efetiva por parte
orientações fisioterapêuticas são realizadas dos profissionais junto às mesmas.
com freqüência em casa e que as respostas es- A família necessita do apoio profissio-
peradas pelos familiares nem sempre são nal, de orientação e também de ser ouvida em
satisfatórias, mas os mesmos conseguem iden- suas dúvidas e necessidades. E mesmo defron-
tificar os ganhos das crianças quando auxilia- te as incapacidades, se deve estimular e incen-
das em casa. tivar a família para a realização das atividades
As mães que receberam maior número no domicílio, pois o ambiente, o carinho e aten-
de orientações realizam as atividades com mais ção da família são benéficos para reforçar o
segurança, reforçando a importância desta ati- vínculo com a criança, o que por sua vez favo-
vidade no estabelecimento da interação do pro- rece o seu desenvolvimento global.

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Recebido em: 20/08/2008


Modificado em: 30/10/2008
Aceito em: 22/12/2008

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