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Um Mundo Antes Da Ciência
Um Mundo Antes Da Ciência
Uma nova forma efetiva e sem precedentes de conhecimento e de maneiras de fazer as coisas
apareceu repentinamente na Europa há cerca de 400 anos.
Bryan Appleyard
Ciência não é senso comum. Seus olhos dizem que uma cadeira é um objeto sólido no
qual você pode se sentar, mas a ciência diz que o material da cadeira é feito de muitas
pequenas partículas com espaços entre elas. Você poderia cair por entre esses espaços! Ainda
assim, você senta-se na cadeira e ela lhe parece tão sólida quanto parecia ser; mas você ainda
acredita no cientista que explica que ela é, na maior parte, espaço vazio semeado de átomos,
mesmo que esses átomos sejam muito pequenos para poderem ser vistos.
Se você estiver em uma praia pedregosa, atirando pedras ao mar, espera ver seus
mísseis caírem em curva em pouca distância, mergulhando entre sondas. Você não espera que
as pedras voem em uma linha reta sem-fim e desapareçam no horizonte. Mas a ciência diz que
qualquer objeto continua a mover-se em uma linha reta sem mudança de velocidade, a menos
que alguma força atue sobre ele. A menos que você seja um astronauta, nunca viu isso
acontecer e mesmo assim ainda acredita que isso seja verdade.
Se você fosse parado em uma rua por um estranho oferecendo transformar todos os
seus metais em ouro, suspeitaria e pensaria estar sendo enganado. Ainda assim, quando a
British Nuclear Fuels converte porções de urânio em armas de plutônio, você aceita o milagre
como um evento natural.
Em cada um desses três exemplos, estamos preparados para acreditar em coisas bem
diferentes daquelas que vemos acontecer ao nosso redor. Fazemos isso porque fomos criados
em uma sociedade que aceita explicações científicas do mundo.
Ciência é uma forma de pensar que não apenas explica eventos já observados, mas
também prediz fatos com os quais nunca se sonhou. Em 1687, sir Isaac Newton apresentou
uma nova teoria para a gravidade. Essa teoria ainda é usada hoje, por exemplo, no trabalho da
fixação das órbitas dos satélites que nos trazem os sinais de TV. Mas, quando publicou pela
primeira vez suas ideias, Newton contradisse duas das teorias correntes a respeito dos
cometas. A mais popular dizia que os cometas eram um sinal de um deus zangado alertando
que atingiria os pecadores e mandaria desastres. Uma ideia menos popular e menos dramática
foi apresentada por Johannes Kepler. Ele disse que os cometas eram corpos celestiais que se
moviam em linha reta pelos céus. Agora, de acordo com a teoria de Newton, alguns cometas
movem-se em hipérboles ou parábolas, não retornando nunca, e outros movem-se em elipses
normais e aparecem de tempos em tempos. Naquela época, isso era uma ideia incrível.
Entretanto, o astrônomo real, Edmund Halley, usou a teoria de Newton para observar um
cometa no céu e predisse com precisão de minutos quando ele voltaria, 72 anos de- pois.
Exatamente no horário, ele de fato retornou e o Cometa Halley tem sido muito observado por
gerações sucessivas desde então. A previsão bem- sucedida de Halley encorajou o uso da
ciência como uma maneira de pensar sobre o mundo.
Até o século XVI o povo acreditava que a magia era a maneira de explicar como o
mundo trabalhava. A rainha Elizabeth I tinha um mago na corte chamado John Dee, o qual veio
a ser conhecida da irmã mais velha de Elizabeth, a rainha Mary, quando ele tentou enfeitiçá-la,
e por isso foi aprisionado por ela. Quando Dee foi solto, associou-se com outro alquimista de
nome Edward Kelly. Eles viajaram pela Europa, buscando o elixir da vida eterna. Dee
finalmente anunciou que o inventara logo depois que voltou à Inglaterra em estado de
pobreza.
Seu método de desenvolver o liquido mágico era muito diferente da maneira como
trabalha um farmacologista moderno. Dee afirmava trabalhar com um anjo chamado Uriel,
que estava inteirado de todo o conhecimento de Deus do mundo. Como tal responsabilidade
não é normalmente dada a qualquer um, Dee tinha de persuadir o anjo a compartilhar de sua
sabedoria. Ele usava o seguinte encantamento para invocar o anjo. (Sugiro que não tentem
recitar em casa, pois talvez funcione!)
O anjo falava sua própria linguagem, a qual ensinou Dee ler e escrever. Além de dar a
ele a receita do elixir da vida eterna, o anjo também previu que a Grā-Bretanha teria um vasto
império. Dee registrou essas conversações em vários manuscritos.
Apesar de sua estranha escolha pelos companheiros de pesquisa e sua predileção por
conjurações, Dee também era um competente matemático. Ele assegurou sua posição como
filósofo da corte de Elizabeth quando se revelou à nova rainha como mestre em Astrologia.
Usando o conhecimento de magia que tinha adquirido com suas conversas com os anjos, ele
convenceu a princesa de que poderia calcular a data mais favorável para sua coroação, uma
data em que as estrelas favoreceriam seu reinado. Mais tarde, alertou a rainha contra a
adoção do calendário gregoriano, com base em cálculos complexos.
Mas, durante os reinados dos reis Stuart, também morreu a magia e a ciência tomou
seu lugar.
A velha crença em forças mágicas não morreu instantaneamente, nem mesmo entre
os fundadores da Real Sociedade; nós a encontramos ainda viva e ativa durante a Guerra Civil.
Em 1657, quando Christopher Wren, mais tarde um fundador da Sociedade, apresentou sua
conferência inaugural como professor de Astronomia no Gresham College, falou de como
Londres era particularmente favorecida pelas "várias influências celestiais dos diferentes
planetas; tornando-se sede do comércio, artes mecânicas e ciências liberais". Nenhum
astrônomo moderno sonharia em insinuar que os planetas fossem capazes de influências
celestiais, sugerindo que eles pudessem determinar as perspectivas futuras de uma cidade e
suas ciências.
Mesmo o rei, que em seu tempo vago tinha se tornado patrono da ciência moderna,
pensava ser perfeitamente normal pagar a um astrólogo para fazer horóscopos a fim de
descobrir o melhor momento para lançar a pedra fundamental da nova catedral de São Paulo,
depois do incêndio de Londres! Ainda assim, foi nessa época que começou a ciência.
Em 1589, quando Galileu desenvolveu seu famoso experimento para ver se objetos
pesados caíam mais rápido do que os mais leves, percebeu que ambos caíam com a mesma
velocidade. Esses resultados, entretanto, foram denunciados pela Inquisição com base nos
dogmas, sem nenhuma evidência que os apoiasse. O sistema de crenças que permitiu que isso
acontecesse teve origem em uma aliança profana entre a sabedoria de Aristóteles e a asserção
da Igreja de que ela possuía a grande verdade da salvação. A verdade da Igreja dizia que Deus
tinha feito o mundo para o beneficio do homem e que tinha mandado Seu próprio Filho para
assegurar que os homens entendessem Sua mensagem.
Mas o que Aristóteles, que havia morrido centenas de anos antes de Jesus, tinha a ver
com a verdade crista? Essa questão intrigou-me tanto que decidi investigá-la, estudando a
maneira como essa visão mundial, mantida por muitas pessoas no século XVI, havia se
desenvolvido.
Antes do século XVII, as pessoas acreditavam que a Terra era o centro do Universo;
que o Sol, as estrelas e os planetas se moviam em círculos em torno dela; que as estrelas eram,
feitas de um fogo celestial imperecível; que elas eram arranjadas pelo Universo em grandes
esferas de cristal transparente; e que o mundo foi criado precisamente às 16h30 de 22 de
outubro de 4004 a.C., uma quinta-feira.
Mesmo tendo morrido em 332 a.C., Aristóteles entra nessa história parcialmente
porque era um escritor popular e prolífico. Muitas cópias de seus escritos sobreviveram ao
colapso do império grego e foram coletadas em Alexandria por Ptolomeu. Esses escritos
tiveram um importante papel na cultura árabe e depois foram trazidos para a Europa pelos
cruzados. Assim, os escritos de Aristóteles tornaram-se a base de uma redescoberta medieval
do ensinamento clássico.
Aristóteles apresentou suas visões a respeito da ciência em dois li- Vios, Physics e On
the Heavens. Suas idéias estavam baseadas em dois importantes fenômenos: o movimento
dos animais e o movimento dos corpos celestes. Coisas vivas moviam-se, coisas mortas não.
Portanto, seguia-se que todo movimento é resultado da ação da vontade, tanto animal quanto
divina. Isso o levou a uma visão dominada por causas e propósitos. Todas as coisas acima da
Lua são incorruptíveis e eternas; enquanto que todas as coisas abaixo estão sujeitas à geração
e queda. A Terra é o centro do Universo, que é feito de quatro elementos: fogo, terra, ar e
água. As estrelas, rodando em puros círculos em suas esferas de cristal, eram feitas de um
quinto elemento celestial. Tudo tinha um propósito e era tarefa do filósofo descobri-lo."
Aristóteles tinha muitas falhas como observador imparcial, mas o Cristianismo não
tinha maneira melhor de explicar a natureza das estrelas. O mito cristão simplesmente não se
encaixava na moldura auto-consistente e lógica da esplêndida cosmologia de Aristóteles. Não
até 1266. Naquele ano, Tomás de Aquino escreveu sua 'Grande Teoria de Tudo' teológica.
Nessa Summa Theologiae, aceitava e aperfeiçoava as teorias de Aristóteles. Entretanto, Tomás
de Aquino insistiu que a causa do Universo é a intenção de Deus de que o homem pudesse ser
salvo do pecado e do Inferno. Deus conduziu sua intenção pela intervenção pessoal de Seu
Filho, Jesus Cristo. Tomás concluiu que o conhecimento do mundo só poderia ser uma
expressão do conhecimento do amor e da infinita sabedoria de Deus. Nenhum humano
poderia questionar essa vontade divina, já que sua verdade não estava baseada em
confirmação humana, mas na própria autoridade de Deus. Uma atitude como essa não
encoraja questões casuais, e quaisquer fatos inconvenientes que não se enquadrassem na
visão da Igreja deveriam ser descartados. Segue-se que, se os fatos não se enquadrassem
nessa teoria, então deveriam estar errados, pois Deus não poderia ser responsabilizado! Essa
foi a forma como a Igreja justificou seu tratamento a Galileu!
A Perseguição a Galileu
A Igreja, seguindo a tradição judaica, define a Páscoa como o primeiro domingo depois
da primeira Lua cheia, após o equinócio da primavera. Para planejar seus calendários
eclesiásticos, os líderes da Igreja precisavam ser capazes de prever as datas das luas cheias
muitos anos à frente. O ciclo da Lua independe do calendário solar, o que faz com que a
Páscoa se torne uma festa móvel que pode variar de 21 de março a 23 de abril, dependendo
da fase da Lua e do dia exato do equinócio vernal.
Observações sistemáticas do caminho dos raios do Sol com essa meridana mostravam
que o Sol não se movia ao redor da Terra em uma orbita circular perfeita, como Aristóteles e
Aquino pensaram. Podia ser claramente visto que a forma da imagem solar mudava com as
estações, de um circulo para uma elipse. Durante os meses de inverno, quando o Sol estava
baixo no céu, a luz chegava ao buraco em um ângulo diferente daquele produzido pelos raios
no alto verão. O dogma da Igreja dizia que a Terra era fixa e que o Sol rodava em torno dela
em um círculo perfeito, já que Deus não poderia ter feito nada menos do que perfeito. Para
isso ser verdade, a forma da imagem do Sol projetada pela meridana eclesiástica deveria
permanecer um circulo perfeito. Não era isso que acontecia!
Giovanni Cassini era um astrônomo do século XVII. Ele encontrou diversas luas girando
em torno de Saturno enquanto trabalhava para o seu papa imóvel. Combinando os registros da
meridana de São Pedro com suas próprias observações telescópicas, ele foi capaz de prever
órbitas acuradas para Marte e Vênus. Ele tinha usado técnicas matemáticas que assumiam que
os planetas e a Terra estavam se movendo em órbitas elípticas ao redor do Sol. Mas ele nunca
ousou dar uma opinião a respeito da imobilidade da Terra. Talvez não quisesse fazer uma
confissão pública de seus erros! 12
Ideias Revolucionárias
Qualquer credo fanático fere. Isso fica óbvio quando um conjunto de fanáticos
enfrenta com ódio e comportamento exorbitante outro grupo. Bertrand Russell deu um
exemplo de um amigo seu que era apoiador fanático de uma linguagem internacional. Esse
homem preferia o ido ao esperanto e explicava ao espantado Russel quão depravado e
inimaginavelmente fraco eram os aficionados pelo esperanto em sua proposta de torná-lo uma
linguagem internacional.
Em 1660, a Igreja Católica Romana já mantinha esse tipo de visão fanática do mundo
havia 400 anos. Foi demonstrado, por seu tratamento a Galileu, que não estava preparada
para tolerar qualquer desvio de sua verdade preferida. Os puritanos protestantes da Inglaterra
rejeitaram alguns dos dogmas extremados da Igreja Católica Romana e procuraram apoio na
Bíblia. Entretanto, os protestantes, tendo conquistado essa vitória, passaram a perseguir cada
um deles mesmos por pequenos desvios em suas Interpretações a respeito da vontade de
Deus.
Provavelmente o exemplo mais extremado dessa atitude possa ser visto na tentativa
abortada de Cromwell de estabelecer um "Parlamento de Santos" em 1653. Este foi conhecido
mais tarde como o "Parla- mento Esqueleto", depois que seu porta-voz mais influente louvou o
Deus Esqueleto. Após sua violenta dissolução do antigo Parlamento, Cromwell convocou as
igrejas independentes de cada condado para indicarem candidatos aceitáveis para agir como
membros do Parlamento. “Ele pediu pessoas tementes a Deus, de provada fidelidade e
honestidade”. 14 Das listas apresentadas, foram selecionados 150 membros e, em 4 de julho,
Intimados ao Whitehall.
Essa experiência de governo foi um desastre total. O Parlamento Esqueleto tentou até
mesmo abolir a Lei Comum, substituindo-a pela Lei de Moisés. Cromwell referiu-se assim a
esse Parlamento: "Ficaria feliz se meu objetivo fosse aceito por meus santos, se assim Deus
quisesse, mas não era para ser. Sendo de opiniões diferentes e cada um mais interessado em
suas próprias, aquele espírito de gentileza que é de todos não é aceito por qualquer um dos
outros". No fim, sobreveio a queda quando o Parla- mento tentou abolir a Igreja mantida pelo
Estado que Cromwell apoiava. O Parlamento Esqueleto foi forçado à dissolução e a turba de
religiosos fanáticos debandou.
Com uma visão perfeita do quadro, está claro que a regra mais inspirada que os
fundadores da Real Sociedade adotaram em suas reuniões foi banir a discussão de religião e
política. Assim, de um só golpe, removeram os dois principais assuntos que poderiam causar
rixas. Nas circunstâncias daquele tempo, deve ter parecido uma idéia estranha e pouco
natural. De onde eles a tiraram? Para descobrir, eu sabia que teria de observar com mais
atenção as circunstâncias detalhadas do início da Real Sociedade.
Como já mencionei, na introdução de sua história da Real Sociedade, sir Henry Lyons
não achava estranho que, em seis meses do retorno do exilio, o rei Carlos II já apoiasse
ativamente a formação de uma sociedade que na superfície poderia parecer de pouco
interesse para ele. Sir Henry também aceita o apoio real sem comentários, dizendo:
Eu estava muito intrigado. O que poderia ter juntado esses inimigos para estabelecer
uma sociedade científica? E o que havia de tão interessante a respeito das ideias que eles
discutiam naqueles encontros que, mais de 300 anos depois, ainda inspiravam o mundo nos
debates científicos? Precisariam eles de distração? Seriam senhores desocupados com nada
melhor para fazer? Talvez não tivessem distrações à tarde, já que a televi- são ainda não tinha
sido inventada. Eu realmente queria saber o que os inspirava a mudar o mundo.
Para isso, concordou-se que essa companhia continuaria com seus encontros
semanais às quartas-feiras, às três da tarde, na câmara do dr. Rooke no Gresham
College; na desocupação da câmara do sr. Ball no Templo, e em virtude de despe- sas
ocasionais, todos deveriam, em sua admissão, pagar taxa de dez shillings e ao mesmo
tempo comprometer-se a pagar um shilling semanalmente, mesmo que ausentes, se
quisessem manter-se filiados a essa companhia. Nessa reunião foi indicado o dr.
Wilkins como presidente, o sr. Ball como tesoureiro e o sr. Croome, apesar de ausente,
como secretário.
Conclusão
Quem eram essas pessoas? De onde tiraram suas ideias revolucionárias? Essas eram as
próximas questões sobre as quais eu precisava pensar. Assim, decidi começar coletando tanta
informação quanto pude a respeito de cada um desses 12 fundadores.