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Um Mundo antes da Ciência

Uma nova forma efetiva e sem precedentes de conhecimento e de maneiras de fazer as coisas
apareceu repentinamente na Europa há cerca de 400 anos.

Isso é o que hoje conhecemos como ciência.

Bryan Appleyard

Ciência não é senso comum. Seus olhos dizem que uma cadeira é um objeto sólido no
qual você pode se sentar, mas a ciência diz que o material da cadeira é feito de muitas
pequenas partículas com espaços entre elas. Você poderia cair por entre esses espaços! Ainda
assim, você senta-se na cadeira e ela lhe parece tão sólida quanto parecia ser; mas você ainda
acredita no cientista que explica que ela é, na maior parte, espaço vazio semeado de átomos,
mesmo que esses átomos sejam muito pequenos para poderem ser vistos.

Se você estiver em uma praia pedregosa, atirando pedras ao mar, espera ver seus
mísseis caírem em curva em pouca distância, mergulhando entre sondas. Você não espera que
as pedras voem em uma linha reta sem-fim e desapareçam no horizonte. Mas a ciência diz que
qualquer objeto continua a mover-se em uma linha reta sem mudança de velocidade, a menos
que alguma força atue sobre ele. A menos que você seja um astronauta, nunca viu isso
acontecer e mesmo assim ainda acredita que isso seja verdade.

Se você fosse parado em uma rua por um estranho oferecendo transformar todos os
seus metais em ouro, suspeitaria e pensaria estar sendo enganado. Ainda assim, quando a
British Nuclear Fuels converte porções de urânio em armas de plutônio, você aceita o milagre
como um evento natural.

Em cada um desses três exemplos, estamos preparados para acreditar em coisas bem
diferentes daquelas que vemos acontecer ao nosso redor. Fazemos isso porque fomos criados
em uma sociedade que aceita explicações científicas do mundo.

Ciência é uma forma de pensar que não apenas explica eventos já observados, mas
também prediz fatos com os quais nunca se sonhou. Em 1687, sir Isaac Newton apresentou
uma nova teoria para a gravidade. Essa teoria ainda é usada hoje, por exemplo, no trabalho da
fixação das órbitas dos satélites que nos trazem os sinais de TV. Mas, quando publicou pela
primeira vez suas ideias, Newton contradisse duas das teorias correntes a respeito dos
cometas. A mais popular dizia que os cometas eram um sinal de um deus zangado alertando
que atingiria os pecadores e mandaria desastres. Uma ideia menos popular e menos dramática
foi apresentada por Johannes Kepler. Ele disse que os cometas eram corpos celestiais que se
moviam em linha reta pelos céus. Agora, de acordo com a teoria de Newton, alguns cometas
movem-se em hipérboles ou parábolas, não retornando nunca, e outros movem-se em elipses
normais e aparecem de tempos em tempos. Naquela época, isso era uma ideia incrível.
Entretanto, o astrônomo real, Edmund Halley, usou a teoria de Newton para observar um
cometa no céu e predisse com precisão de minutos quando ele voltaria, 72 anos de- pois.
Exatamente no horário, ele de fato retornou e o Cometa Halley tem sido muito observado por
gerações sucessivas desde então. A previsão bem- sucedida de Halley encorajou o uso da
ciência como uma maneira de pensar sobre o mundo.

Até o século XVI o povo acreditava que a magia era a maneira de explicar como o
mundo trabalhava. A rainha Elizabeth I tinha um mago na corte chamado John Dee, o qual veio
a ser conhecida da irmã mais velha de Elizabeth, a rainha Mary, quando ele tentou enfeitiçá-la,
e por isso foi aprisionado por ela. Quando Dee foi solto, associou-se com outro alquimista de
nome Edward Kelly. Eles viajaram pela Europa, buscando o elixir da vida eterna. Dee
finalmente anunciou que o inventara logo depois que voltou à Inglaterra em estado de
pobreza.

Seu método de desenvolver o liquido mágico era muito diferente da maneira como
trabalha um farmacologista moderno. Dee afirmava trabalhar com um anjo chamado Uriel,
que estava inteirado de todo o conhecimento de Deus do mundo. Como tal responsabilidade
não é normalmente dada a qualquer um, Dee tinha de persuadir o anjo a compartilhar de sua
sabedoria. Ele usava o seguinte encantamento para invocar o anjo. (Sugiro que não tentem
recitar em casa, pois talvez funcione!)

O anjo falava sua própria linguagem, a qual ensinou Dee ler e escrever. Além de dar a
ele a receita do elixir da vida eterna, o anjo também previu que a Grā-Bretanha teria um vasto
império. Dee registrou essas conversações em vários manuscritos.

Dee também conduzia demonstrações de levitações mágicas usando uma rocha


obsidiana vinda da América do Sul e uma tábua de conjurações gravada com o alfabeto
enoquiano, usado pelos anjos. Esses artefatos estão hoje no British Museum, mas infelizmente
parecem ter perdido seus poderes mágicos!

Apesar de sua estranha escolha pelos companheiros de pesquisa e sua predileção por
conjurações, Dee também era um competente matemático. Ele assegurou sua posição como
filósofo da corte de Elizabeth quando se revelou à nova rainha como mestre em Astrologia.
Usando o conhecimento de magia que tinha adquirido com suas conversas com os anjos, ele
convenceu a princesa de que poderia calcular a data mais favorável para sua coroação, uma
data em que as estrelas favoreceriam seu reinado. Mais tarde, alertou a rainha contra a
adoção do calendário gregoriano, com base em cálculos complexos.

Os métodos matemáticos e as observações astronômicas de Dee estavam nos limites


da tecnologia elisabetana, até porque ele era um absoluto crente da magia. Entretanto, Dee
sobreviveu a Elizabeth, e então, obviamente, seu elixir não funcionou para ela. Elizabeth, a
Rainha Virgem, não deixou herdeiros diretos e sua coroa passou para a linha dos Stuart. O
novo rei, James I, dispensou Dee. Ele morreu logo depois, e permanece morto até hoje,
mostrando ser outra vítima do fracasso de seu elixir da vida eterna!

Mas, durante os reinados dos reis Stuart, também morreu a magia e a ciência tomou
seu lugar.

Winston Churchill disse o seguinte a respeito do primeiro rei Stuart da Inglaterra:


Ele veio para a Inglaterra com uma mente fechada e uma fraqueza por
preleções. A Inglaterra era segura, livre para atender às suas próprias preocupações, e
uma classe pode- rosa estava pronta para tomar pulso em sua administração. Quem
tinha a última palavra em assuntos de taxação? O rei estava sujeito à lei, ou não? E
quem estava apto a dizer qual era a lei? A maior parte do século XVII foi gasta
tentando encontrar respostas a essas perguntas.

Esse processo de questionamento envolveu a guerra civil e o assassinato de um rei


antes que respostas fossem encontradas, mas, no meio das batalhas entre o rei e o
Parlamento, temos a impressão que surgiu repentinamente a ciência moderna. Não há motivo
para isso ter acontecido. Nunca foi questionado por que uma nação que queimou vivas no
mínimo cem velhas senhoras em um ano, por suspeita de que estivessem causando doenças
lançando o "olho do diabo", desenvolveria espontaneamente uma massa critica de cientistas
conscientes.

A velha crença em forças mágicas não morreu instantaneamente, nem mesmo entre
os fundadores da Real Sociedade; nós a encontramos ainda viva e ativa durante a Guerra Civil.
Em 1657, quando Christopher Wren, mais tarde um fundador da Sociedade, apresentou sua
conferência inaugural como professor de Astronomia no Gresham College, falou de como
Londres era particularmente favorecida pelas "várias influências celestiais dos diferentes
planetas; tornando-se sede do comércio, artes mecânicas e ciências liberais". Nenhum
astrônomo moderno sonharia em insinuar que os planetas fossem capazes de influências
celestiais, sugerindo que eles pudessem determinar as perspectivas futuras de uma cidade e
suas ciências.

Mesmo o rei, que em seu tempo vago tinha se tornado patrono da ciência moderna,
pensava ser perfeitamente normal pagar a um astrólogo para fazer horóscopos a fim de
descobrir o melhor momento para lançar a pedra fundamental da nova catedral de São Paulo,
depois do incêndio de Londres! Ainda assim, foi nessa época que começou a ciência.

O Céu Eterno, Religião e Conhecimento.

A palavra ciência veio da palavra latina para conhecimento, scientia. A ciência


moderna tem duas funções principais, ela nos capacita a saber coisas e nos permite fazer
coisas. O sucesso da ciência, como meio de buscar a verdade, é julgado pelo quão bem ela nos
capacita a lidar com nosso meio ambiente, e a ciência moderna foi muito bem-sucedida no
aprimoramento de nossos padrões de vida. Agora, julgamos a ciência por quão bem ela resolve
nossos problemas, por causa das regras básicas desenvolvidas no século XV. Entretanto, antes
que a Real Sociedade mudasse nossa visão do mundo, os filósofos pensavam que uma
declaração representava conhecimento real se um bom número de pessoas mantivesse uma
crença forte o suficiente nela.

Em 1589, quando Galileu desenvolveu seu famoso experimento para ver se objetos
pesados caíam mais rápido do que os mais leves, percebeu que ambos caíam com a mesma
velocidade. Esses resultados, entretanto, foram denunciados pela Inquisição com base nos
dogmas, sem nenhuma evidência que os apoiasse. O sistema de crenças que permitiu que isso
acontecesse teve origem em uma aliança profana entre a sabedoria de Aristóteles e a asserção
da Igreja de que ela possuía a grande verdade da salvação. A verdade da Igreja dizia que Deus
tinha feito o mundo para o beneficio do homem e que tinha mandado Seu próprio Filho para
assegurar que os homens entendessem Sua mensagem.

Mas o que Aristóteles, que havia morrido centenas de anos antes de Jesus, tinha a ver
com a verdade crista? Essa questão intrigou-me tanto que decidi investigá-la, estudando a
maneira como essa visão mundial, mantida por muitas pessoas no século XVI, havia se
desenvolvido.

Antes do século XVII, as pessoas acreditavam que a Terra era o centro do Universo;
que o Sol, as estrelas e os planetas se moviam em círculos em torno dela; que as estrelas eram,
feitas de um fogo celestial imperecível; que elas eram arranjadas pelo Universo em grandes
esferas de cristal transparente; e que o mundo foi criado precisamente às 16h30 de 22 de
outubro de 4004 a.C., uma quinta-feira.

Mesmo tendo morrido em 332 a.C., Aristóteles entra nessa história parcialmente
porque era um escritor popular e prolífico. Muitas cópias de seus escritos sobreviveram ao
colapso do império grego e foram coletadas em Alexandria por Ptolomeu. Esses escritos
tiveram um importante papel na cultura árabe e depois foram trazidos para a Europa pelos
cruzados. Assim, os escritos de Aristóteles tornaram-se a base de uma redescoberta medieval
do ensinamento clássico.

Aristóteles apresentou suas visões a respeito da ciência em dois li- Vios, Physics e On
the Heavens. Suas idéias estavam baseadas em dois importantes fenômenos: o movimento
dos animais e o movimento dos corpos celestes. Coisas vivas moviam-se, coisas mortas não.
Portanto, seguia-se que todo movimento é resultado da ação da vontade, tanto animal quanto
divina. Isso o levou a uma visão dominada por causas e propósitos. Todas as coisas acima da
Lua são incorruptíveis e eternas; enquanto que todas as coisas abaixo estão sujeitas à geração
e queda. A Terra é o centro do Universo, que é feito de quatro elementos: fogo, terra, ar e
água. As estrelas, rodando em puros círculos em suas esferas de cristal, eram feitas de um
quinto elemento celestial. Tudo tinha um propósito e era tarefa do filósofo descobri-lo."

Aristóteles, independentemente dos dons clássicos que o auxiliaram na precisão das


observações, não é sempre confiável implicitamente. Ele Insistia que as mulheres tinham
menos dentes do que os homens. Ele se casou duas vezes, mas não lhe ocorreu olhar para a
boca delas para contar Os dentes. Talvez tenha tido medo de que elas o mordessem! Talvez
elas tivessem boas razões para fazer isso, pois ele também acreditava que as crianças seriam
mais saudáveis se concebidas quando o vento vinha do norte. (imaginemos essa imagem
extravagante dele mandando suas mulheres para fora do leito para observarem o tempo). Ou
talvez não confiasse nelas e ele mesmo fosse conferir. Algumas outras de suas bizarras
afirmações eram que a mordida de uma ratazana prenhe era perigosa para cavalos; que
elefantes insones podiam dormir esfregando seus ombros com sal, azeite e água quente; e que
um homem mordido por um cão raivoso não ficaria louco, mas qualquer outro animal sim.

Aristóteles tinha muitas falhas como observador imparcial, mas o Cristianismo não
tinha maneira melhor de explicar a natureza das estrelas. O mito cristão simplesmente não se
encaixava na moldura auto-consistente e lógica da esplêndida cosmologia de Aristóteles. Não
até 1266. Naquele ano, Tomás de Aquino escreveu sua 'Grande Teoria de Tudo' teológica.
Nessa Summa Theologiae, aceitava e aperfeiçoava as teorias de Aristóteles. Entretanto, Tomás
de Aquino insistiu que a causa do Universo é a intenção de Deus de que o homem pudesse ser
salvo do pecado e do Inferno. Deus conduziu sua intenção pela intervenção pessoal de Seu
Filho, Jesus Cristo. Tomás concluiu que o conhecimento do mundo só poderia ser uma
expressão do conhecimento do amor e da infinita sabedoria de Deus. Nenhum humano
poderia questionar essa vontade divina, já que sua verdade não estava baseada em
confirmação humana, mas na própria autoridade de Deus. Uma atitude como essa não
encoraja questões casuais, e quaisquer fatos inconvenientes que não se enquadrassem na
visão da Igreja deveriam ser descartados. Segue-se que, se os fatos não se enquadrassem
nessa teoria, então deveriam estar errados, pois Deus não poderia ser responsabilizado! Essa
foi a forma como a Igreja justificou seu tratamento a Galileu!

A Perseguição a Galileu

Em 1633, Galileu (discutivelmente o inventor do telescópio astronômico) caiu vítima


da teologia. Ele foi intimado a Roma e forçado pela Inquisição a fazer a seguinte declaração
pública:

Eu, Galileu, ajoelhado perante vós, mui Eminentes e Reverendos Senhores


Cardeais Inquisidores Gerais contra a depravação herética por toda a República Cristã,
tendo à frente de meus olhos e tocando com minhas mãos os Santos Evangelhos, juro
que sempre acreditei, acredito e com a ajuda de Deus acreditarei em tudo que é
mantido, pregado e ensinado pela Sagrada Igreja Católica e Apostólica. Mas,
considerando depois de uma injunção que me foi judicialmente intimada pelo Santo
Oficio para que eu abandonasse a falsa opinião de que o Sol é o centro do mundo e
imóvel, e que a Terra não é o centro do mundo e move-se, e que eu não devia manter,
defender ou ensinar de maneira alguma, verbalmente ou por escrito, a dita falsa
doutrina.

Os inquisidores gerais da Sagrada Igreja Católica e Apostólica compartilhavam de uma


fé cega total. Eles sabiam que a Terra ficava imóvel no centro do Universo deles; e essa fé
equivocada mantinha-se firme contra uma massa de evidências contrárias de seus próprios
observatórios.

A Igreja, seguindo a tradição judaica, define a Páscoa como o primeiro domingo depois
da primeira Lua cheia, após o equinócio da primavera. Para planejar seus calendários
eclesiásticos, os líderes da Igreja precisavam ser capazes de prever as datas das luas cheias
muitos anos à frente. O ciclo da Lua independe do calendário solar, o que faz com que a
Páscoa se torne uma festa móvel que pode variar de 21 de março a 23 de abril, dependendo
da fase da Lua e do dia exato do equinócio vernal.

No século XV, Cosimo de Médici, o governador de Florença, comissionou um jovem e


promissor desenhista chamado Egnatio Danti para construir um observatório solar para ajudar
a prever a data da Páscoa. Consistia em um buraco no teto de um domo que podia focar os
raios do Sol em uma escala desenhada no chão do edifício. Lendo a escala, seria possível saber
o dia exato do equinócio. Esses observatórios solares, conhecidos como meridana, foram
construídos em muitas igrejas, estando o mais famoso dentro do domo da Basílica de São
Pedro, em Roma.

Observações sistemáticas do caminho dos raios do Sol com essa meridana mostravam
que o Sol não se movia ao redor da Terra em uma orbita circular perfeita, como Aristóteles e
Aquino pensaram. Podia ser claramente visto que a forma da imagem solar mudava com as
estações, de um circulo para uma elipse. Durante os meses de inverno, quando o Sol estava
baixo no céu, a luz chegava ao buraco em um ângulo diferente daquele produzido pelos raios
no alto verão. O dogma da Igreja dizia que a Terra era fixa e que o Sol rodava em torno dela
em um círculo perfeito, já que Deus não poderia ter feito nada menos do que perfeito. Para
isso ser verdade, a forma da imagem do Sol projetada pela meridana eclesiástica deveria
permanecer um circulo perfeito. Não era isso que acontecia!

Mas não era tudo! Os padres mantenedores desses observatórios também


perceberam que o ângulo entre a Terra e o Sol mudava levemente com o tempo. (Chamamos a
esse fenômeno precessão e ele é causado por um leve desvio do eixo da Terra). Se seguirmos a
lógica da confissão força- da de Galileu, só há uma explicação aceitável para esse
comportamento. Para manter sua fé, a Igreja do século XVII e seus inquisidores gerais
publicamente professavam uma crença de que o Universo inteiro dançava pirava em torno do
trono imóvel do papa!

Giovanni Cassini era um astrônomo do século XVII. Ele encontrou diversas luas girando
em torno de Saturno enquanto trabalhava para o seu papa imóvel. Combinando os registros da
meridana de São Pedro com suas próprias observações telescópicas, ele foi capaz de prever
órbitas acuradas para Marte e Vênus. Ele tinha usado técnicas matemáticas que assumiam que
os planetas e a Terra estavam se movendo em órbitas elípticas ao redor do Sol. Mas ele nunca
ousou dar uma opinião a respeito da imobilidade da Terra. Talvez não quisesse fazer uma
confissão pública de seus erros! 12

Assim, quando a ciência moderna nasceu, o conhecimento mais relevante e poderoso


era aquele a respeito de Deus, do Diabo, do Céu e Inferno. Fazer um erro a respeito desses
assuntos de fé envolvia punição por danação eterna. Essa ameaça naturalmente fez com que
os teólogos tivessem cuidado. Não se podia permitir que o conhecimento teológico fosse
falível; devia estar além de qualquer dúvida. Nesse ambiente intelectual, a Real Sociedade
enraizou-se. De fato, não era o clima mais favorável para encorajar uma atitude aberta e
questionadora a respeito dos trabalhos da natureza!

Ideias Revolucionárias

A ciência cresceu à parte da superstição e da magia, mas, como deu origem a


tecnologias, assumiu uma importância política muito maior. A força dos monarcas, tudo estava
baseada na tecnologia da artilharia e no uso da pólvora. A invenção da bússola marítima
capacitou navios a navegar para o Novo Mundo das Américas. Dai em diante, o principal
interesse que muitos governantes dedicaram à ciência estava aliado a como ela poderia ser
usada para aumentar a força de suas armas de guerra ou promover o fortalecimento de suas
forças militares.
No ano em que nasceu a Real Sociedade, a religião ainda era um assunto importante
na Inglaterra. Uma das principais causas da amargura da Guerra Civil eram as diferenças
doutrinárias entre os dois lados. De fato, foi a desorganização de várias facções religiosas que
permitiu ao general Monck estabelecer a Restauração. Qualquer forma de fanatismo pode
levar a uma sociedade intolerante. Se você for um crente fanático de qualquer ideia religiosa,
deve estar preparado a encarar o martírio, você poderá viver uma vida feliz de grande privação
e até mesmo desejar uma morte feliz, se esta vier rapidamente. Você pode inspirar
conversões, criar exércitos, promover ódio a qualquer dogma que sua causa não aceite e ser
muito efetivo na promoção de suas crenças, bem como suprimir quaisquer outros pontos de
vista.

O cientista Richard Dawkins referiu-se à fé religiosa desta forma:

“humanos decentes. Imuniza-o até mesmo contra o medo, se acreditarem


honestamente que a morte de um mártir o mandará direto para o Céu. Que arma! A fé
religiosa merece um capitulo nos anais da tecnologia de guerra, desde o arco e flecha,
o cavalo, o tanque e a bomba de hidrogênio”.

Qualquer credo fanático fere. Isso fica óbvio quando um conjunto de fanáticos
enfrenta com ódio e comportamento exorbitante outro grupo. Bertrand Russell deu um
exemplo de um amigo seu que era apoiador fanático de uma linguagem internacional. Esse
homem preferia o ido ao esperanto e explicava ao espantado Russel quão depravado e
inimaginavelmente fraco eram os aficionados pelo esperanto em sua proposta de torná-lo uma
linguagem internacional.

Frequentemente esse ódio entre os competidores torna-se a característica mais


importante de uma crença fanática. Algumas pessoas, cujas crenças religiosas lhes dizem que
devem amar seus vizinhos como a eles mesmos, reservam-se o direito de odiar qualquer um
que se recuse a aceitar esse ponto de vista. Esse ódio surge de uma atitude que aceita sem
questionamentos uma crença, sem admitir qualquer questão de por que essa crença deve ser
mantida.

Em 1660, a Igreja Católica Romana já mantinha esse tipo de visão fanática do mundo
havia 400 anos. Foi demonstrado, por seu tratamento a Galileu, que não estava preparada
para tolerar qualquer desvio de sua verdade preferida. Os puritanos protestantes da Inglaterra
rejeitaram alguns dos dogmas extremados da Igreja Católica Romana e procuraram apoio na
Bíblia. Entretanto, os protestantes, tendo conquistado essa vitória, passaram a perseguir cada
um deles mesmos por pequenos desvios em suas Interpretações a respeito da vontade de
Deus.

Provavelmente o exemplo mais extremado dessa atitude possa ser visto na tentativa
abortada de Cromwell de estabelecer um "Parlamento de Santos" em 1653. Este foi conhecido
mais tarde como o "Parla- mento Esqueleto", depois que seu porta-voz mais influente louvou o
Deus Esqueleto. Após sua violenta dissolução do antigo Parlamento, Cromwell convocou as
igrejas independentes de cada condado para indicarem candidatos aceitáveis para agir como
membros do Parlamento. “Ele pediu pessoas tementes a Deus, de provada fidelidade e
honestidade”. 14 Das listas apresentadas, foram selecionados 150 membros e, em 4 de julho,
Intimados ao Whitehall.

Essa experiência de governo foi um desastre total. O Parlamento Esqueleto tentou até
mesmo abolir a Lei Comum, substituindo-a pela Lei de Moisés. Cromwell referiu-se assim a
esse Parlamento: "Ficaria feliz se meu objetivo fosse aceito por meus santos, se assim Deus
quisesse, mas não era para ser. Sendo de opiniões diferentes e cada um mais interessado em
suas próprias, aquele espírito de gentileza que é de todos não é aceito por qualquer um dos
outros". No fim, sobreveio a queda quando o Parla- mento tentou abolir a Igreja mantida pelo
Estado que Cromwell apoiava. O Parlamento Esqueleto foi forçado à dissolução e a turba de
religiosos fanáticos debandou.

Com uma visão perfeita do quadro, está claro que a regra mais inspirada que os
fundadores da Real Sociedade adotaram em suas reuniões foi banir a discussão de religião e
política. Assim, de um só golpe, removeram os dois principais assuntos que poderiam causar
rixas. Nas circunstâncias daquele tempo, deve ter parecido uma idéia estranha e pouco
natural. De onde eles a tiraram? Para descobrir, eu sabia que teria de observar com mais
atenção as circunstâncias detalhadas do início da Real Sociedade.

A História Tradicional da Real Sociedade

Como já mencionei, na introdução de sua história da Real Sociedade, sir Henry Lyons
não achava estranho que, em seis meses do retorno do exilio, o rei Carlos II já apoiasse
ativamente a formação de uma sociedade que na superfície poderia parecer de pouco
interesse para ele. Sir Henry também aceita o apoio real sem comentários, dizendo:

Em dezembro, seu projeto recebeu a aprovação do rei Carlos II e a promessa de


seu apoio, que foi seguida em poucos meses por sua permissão para o uso do título
"Real Sociedade". Desse pequeno inicio, surgiu a sociedade.

A Real Sociedade de Londres é o mais antigo e mais bem-sucedido clube de cientistas


experimentais do mundo. Desfrutamos de um alto padrão de vida hoje apenas porque a Real
Sociedade mudou a atitude pública em relação à ciência e à tecnologia.

Nos meses anteriores à formação da Sociedade, a Inglaterra vivia um período de


grande agitação. De fato, parecia que outra guerra civil começaria, e em sua primeira reunião
essa Sociedade juntou figuras de destaque de ambos os lados do conflito. Isso parecia ser um
enigma real, à medida que eu lutava para entender o que acontecia naquela época.

De forma surpreendentemente rápida, a Sociedade tinha atraído a atenção do rei


recém-restaurado, que deveria ter mais e maiores preocupações em sua cabeça. Mesmo
assim, na semana de sua primeira reunião, Carlos II ofereceu sua bênção à Sociedade, apesar
do fato de o cunhado de Cromwell a ter presidido; e, sabendo-se do ódio que o rei nutria pelo
falecido lorde protetor, que tinha assassinado seu pai.

A Real Sociedade nasceu de 12 homens diferentes e desarranjados, reunidos em uma


tarde fria de novembro nas salas do professor de Geometria no Gresham College, em Londres.
À primeira vista, não parecia que compartilhassem de alguma coisa além de uma certa riqueza
(que permitia pagar as taxas) e uma curiosidade a respeito dos trabalhos da Natureza. Mas, à
medida que comecei a investigar esses homens, descobri que formavam claramente dois
grupos que não tinham razão nem mesmo para mostrar alguma consideração pelo outro,
quanto mais para se encontrarem para reuniões regulares regadas a chá. Além disso, alguns
dos indivíduos envolvidos estavam longe da riqueza. Esses 12 fundadores diferiam em termos
de politica, experiência científica e nível social. De fato, formavam uma mistura politica muito
estranha.

Eu estava muito intrigado. O que poderia ter juntado esses inimigos para estabelecer
uma sociedade científica? E o que havia de tão interessante a respeito das ideias que eles
discutiam naqueles encontros que, mais de 300 anos depois, ainda inspiravam o mundo nos
debates científicos? Precisariam eles de distração? Seriam senhores desocupados com nada
melhor para fazer? Talvez não tivessem distrações à tarde, já que a televi- são ainda não tinha
sido inventada. Eu realmente queria saber o que os inspirava a mudar o mundo.

Quando comecei a estudar esses homens, imaginava se seria possível responder a


essas questões, depois de tanto tempo. Mas, afortunadamente, desde o primeiro encontro, a
Sociedade manteve um jornal e suas páginas iniciais eram capazes de dizer-me o que tinham
feito os fundadores, se não por que o fizeram:

As pessoas abaixo mencionadas, de acordo com seus costumes usuais,


encontraram-se no Gresham College para ouvir a conferência de sr. Wren, a saber. O
lorde Brouncker, sr. Boyle, sr. Bruce, sir Robert Moray, sir Paul Neile, dr. Wilkins, dr.
Goddard, dr. Petty, sr. Ball, sr. Rooke, sr. Wren, sr. Hill. E depois de a conferência
terminar, de acordo com a maneira usual, retiraram-se para conversar a respeito. Entre
outras matérias discutidas, ofereceu-se um projeto de fundação de um colégio para
promoção do aprendizado físico-matemático experimental. E porque tinham tido
encontros frequentes uns com os outros, foi proposto que pensassem em algum curso,
para melhorar a frequência e a maneira de debater coisas nesses encontros, conforme
o costume de outros países onde havia associações voluntárias de acadêmicos para o
avanço de várias partes do aprendizado, assim podendo eles fazer alguma coisa
respondível aqui para a promoção da filosofia experimental.

Para isso, concordou-se que essa companhia continuaria com seus encontros
semanais às quartas-feiras, às três da tarde, na câmara do dr. Rooke no Gresham
College; na desocupação da câmara do sr. Ball no Templo, e em virtude de despe- sas
ocasionais, todos deveriam, em sua admissão, pagar taxa de dez shillings e ao mesmo
tempo comprometer-se a pagar um shilling semanalmente, mesmo que ausentes, se
quisessem manter-se filiados a essa companhia. Nessa reunião foi indicado o dr.
Wilkins como presidente, o sr. Ball como tesoureiro e o sr. Croome, apesar de ausente,
como secretário.

E, para que se pudesse estabelecer melhor de quantos consistiriam essa


sociedade, estabeleceu-se a necessidade de fazer uma lista dos nomes das pessoas
conhecidas pelos presentes, julgadas merecedoras e desejosas de se associarem com
eles em seu projeto, e que, se quisessem, seriam admiti- das antes de qualquer outra.
Isso parecia suficientemente simples. Um grupo de senhores encontrou-se como que
por acidente quando ouviam conferências públicas em Londres. Gostaram tanto de conversar
sobre ciência que estabeleceram uma sociedade científica para se divertirem. Muitos deles
não padeciam de falta de dinheiro e assim fixaram uma taxa de admissão de dez shillings e
uma contribuição semanal de um shilling que pagariam pela diversão (essas quantias
equivalem aproximadamente a mil libras para admissão e cem libras semanais em valores
atuais). Não era uma diversão barata naquele tempo! E não se faz qualquer menção às
extremas diferenças políticas entre esses senhores.

Conclusão

Antes do estabelecimento da Real Sociedade, a ciência tinha estado completamente


dominada pela religião e contida por argumentos teológicos. Em geral, o clima era
supersticioso e a maior parte das pessoas acreditava em magia. A Igreja tinha um monopólio
do pensamento que não era sustentado por fatos, pois ela já conhecia a verdade de Deus.
Qualquer pesquisador que desafiasse as visões dos inquisidores gerais era um herege e era
punido de acordo.

Na metade do século XVII, essa atitude mudou completamente e daí em diante a


ciência moderna começou a crescer. A mudança ocorreu por volta do fim de um dos períodos
mais sangrentos da história britânica, dificilmente um período que encorajasse a
contemplação filosófica. As pessoas envolvidas foram tiradas de ambos os lados da Guerra Civil
e, à primeira vista, pareciam um estranho grupo de pessoas encontrando-se socialmente para
se divertirem com o estudo da ciência experimental. Mesmo assim, essas pessoas começaram
uma onda de mudança que surgiu para formar nossa sociedade científica moderna.

Quem eram essas pessoas? De onde tiraram suas ideias revolucionárias? Essas eram as
próximas questões sobre as quais eu precisava pensar. Assim, decidi começar coletando tanta
informação quanto pude a respeito de cada um desses 12 fundadores.

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