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Copyright © 2022 by Ana França

TÍTULO: Medusa
AUTORIA: Ana França

Arte da capa: Verônica Caus Barreto


Revisão: Hanna Câmara
Leitura Crítica: Alina Bass
Leitura Sensível: Lara E. da Silva
Diagramação: A.F. Teixeira

PROIBIDA A REPRODUÇÃO DE PARTE OU TODO DESTA OBRA,


EM QUAISQUER MEIOS, SEM AUTORIZAÇÃO DA AUTORA.
PASSÍVEL DE PUNIÇÃO PELA JUSTIÇA.
notas da autora
capítulo 1
capítulo 2
capítulo 3
capítulo 4
capítulo 5
capítulo 6
capítulo 7
capítulo 8
capítulo 9
capítulo 10
capítulo 11
capítulo 12
capítulo 13
capítulo 14
capítulo 15
capítulo 16
capítulo 17
capítulo 18
capítulo 19
capítulo 20
capítulo 21
capítulo 22
capítulo 23
capítulo 24
capítulo 25
capítulo 26
capítulo 27
capítulo 28
capítulo 29
capítulo 30
capítulo 31
capítulo 32
capítulo 33
capítulo 34
capítulo 35
capítulo 36
agradecimentos
sobre a autora
outras obras da autora
próximos lançamentos
Olá, leitor!
Seja bem-vindo à Medusa.
Este livro tem classificação indicativa de 18 anos. Contém consumo
de álcool e menor de idade consumindo álcool (considerando que a
idade permitida para beber qualquer bebida alcoólica nos EUA é 21
anos); contém cenas de sexo sáfico (entre duas mulheres),
situações de crime de ameaça constante e luto.
A história é narrada por ambas as protagonistas: Scarlet e Hannah,
sendo os capítulos ímpares de Scar e pares da Han.
Medusa é meu segundo livro sáfico de protagonismo bissexual (por
parte de ambas as personagens). O primeiro é uma coleção de
quatro contos chamado Garotas Púrpura, lançado em 23 de
setembro (2021), dia da visibilidade bissexual. Caso queira conferi-
lo ele está disponível na Amazon por apenas R$1,99.
Medusa foi uma história que ganhou meu coração e eu espero que
ganhe o coração de vocês também. Scarlet e Hannah são muito
incríveis e eu tenho muito orgulho de ter dado vida a elas.
Fique à vontade para postar sua leitura do livro nas redes sociais e
pode me marcar!
@anafrancaft - para Instagram e Twitter
@anaffranca - para Tiktok
Após a leitura, por favor, não esqueça de deixar as estrelinhas, e se
quiser, uma avaliação por escrito.
Agora, sem mais delongas: boa leitura!
Para E. V.
Você e a sua tatuagem de Medusa foram
fundamentais para este livro.
“Eu tenho fé no que vejo
Agora sei que conheci um anjo em pessoa
E ela está perfeita”
— Perfect, Ed Sheeran

O céu ali parecia mais azul, mas as pessoas pareciam clones


do Donald Trump de tão laranjas. Era quente, mesmo no fim do
verão. Abafado e levemente seco. Não imaginei que me mudar para
a outra costa do país pudesse ser tão difícil, mas era. Por sorte
meus pais compreenderam que eu queria recomeçar a vida longe
de Nova York e, mesmo com receio de eu ficar nessa distância
geográfica, permitiram que eu viesse para a Wolfsview.
A cidade era pequena e basicamente dominada por
universitários. Imagino que tivesse lugares divertidos, mas ainda
tinha minhas dúvidas se algo superaria as noitadas em Nova Iorque,
provavelmente não.
Meus olhos estavam cobertos pelos meus óculos de sol
enquanto eu analisava por um instante o grande prédio dos
dormitórios logo à minha frente. O campus era grande até, mas
nada demais. Por um instante me perguntei se tinha tomado a
decisão certa, mas a verdade é que estava tarde demais para voltar
atrás.
Segundo a psicóloga seria bom eu ter uma colega de quarto,
convívio social e essas merdas. Eu discordava, a última coisa que
eu queria era lidar com pessoas, mesmo assim, aqui estava eu me
preparando para morar em um dormitório com uma pessoa que
nunca tinha visto na vida. Depois de tudo o que passei desde os
meus 15 anos, estar com uma terapeuta acabou sendo essencial.
Antes de vir para a Califórnia decidi me dar alta, depois de
conversar com a psicóloga, claro. Queria estar sob as minhas
próprias pernas, enfrentar as coisas sozinha - ou ao menos tentar.
Pelo menos sabia onde ficava o prédio de saúde da universidade,
poderia ir até lá caso quisesse.
Precisava de um recomeço e Wolfsview estava me
proporcionando isso.
Suspirei e apertei minha única caixa contra meus braços. Ali
estavam meus livros favoritos e alguns pertences que eu
simplesmente não abriria mão. Enquanto na mochila e na bolsa de
rodinhas estavam as minhas roupas. Fui minimalista ao escolher o
que levar, o que preocupou minha mãe, mas com o cartão sem
limites do papai na carteira, tinha certeza de que não haveria
grandes problemas.
Dei meu primeiro passo para dentro do dormitório e continuei
assim tentando enxergar por onde andava enquanto também
conferia o número do meu quarto.
Algo completamente não recomendado, já que o que rolou foi
só eu indo de encontro ao chão de mármore branco do piso do hall
depois de esbarrar em alguém.
— Ai! — reclamei sentindo minha bunda dolorida enquanto
meu braço também doía pela posição toda torta a qual eu caí.
— Merda, foi mal! Desculpa. — Ouvi uma voz masculina.
Senti seus dedos precisos e de aperto forte ao redor do meu braço
enquanto ele se agachava. — Você está bem?
Não!, minha mente gritou irritada, mas isso foi antes de eu
encontrar seus olhos azuis cristal e braços absurdamente torneados
sem cobertura alguma da blusa regata. Atleta, constatei.
— Estou bem… — respondi com um suspiro.
Ele sorriu, e que sorriso!
— Já assustando as garotas, John? — Outra voz surgiu.
Dessa vez feminina, ácida e absurdamente sexy. Virei-me para a
dona e o que meus olhos encontraram foi além do que alguém
poderia descrever como belo. Não havia vocabulário para descrever
alguém tão perfeito. — Você é péssimo, maninho.
— Ah cala a boca, Han! — ele replicou me ajudando a
levantar. — Sou John, a propósito.
— Scarlet…
— E eu sou Hannah — declarou a dona dos cabelos escuros
como a noite e lábios cobertos pelo batom vermelho sangue. Me
perdi encarando-a por um instante. Ela era uma mistura de Mortícia
Addams e Dua Lipa. Sexy pra caralho, se é que isso faz sentido. —
É caloura?
— Hm, sim. Vim fazer literatura.
Um sorriso alargou-se em seu rosto.
— Então você não é apenas uma caloura, você é minha
caloura.
Ela poderia usar mais esse pronome para se referir a mim,
né?! Não ligaria. Já tinha ouvido falar que faculdade era cheia de
gente bonita, mas olha, as expectativas estavam sendo muito
extrapoladas com essa menina. Sempre achei que os Jonas
Brothers tivessem cara de quem apanha de mulher bonita, mas eu
estava prestes a constatar que no fundo eu também gostaria que
aquela mulher ali me batesse. E eu agradeceria o ato.
Era isso que chamavam de amor à primeira vista? Tá, ok,
exagerei. Amor é uma palavra muito forte, mas atração à primeira
vista sim, né?!
— Uau… Que legal! — Senti minhas bochechas
esquentando. O calor ali parecia ainda maior do que no sol do lado
de fora, mesmo que dentro do prédio houvesse ar-condicionado.
Tentei manter um sorriso não afetado no rosto, mas não tinha
plena certeza se aquilo funcionaria. O que me salvou foi uma ruiva
que chegou saltitante entre os irmãos e agarrou-se ao pescoço de
John.
— Oi, lindo! — Com toda a animação ela depositou um beijo
nos lábios do rapaz enquanto Hannah fazia uma careta e fingia
sentir ânsia.
— Deus, eu nunca vou me acostumar com minha melhor
amiga transando com o meu irmão caçula.
Sua língua solta e sem pudor me causou ainda mais fascínio.
A sua feição fazia mais sentido agora. E eu precisei rir.
O prédio tinha cada vez mais pessoas passando de lá pra cá
com malas e caixas. Famílias vindo deixar seus filhos para a sua
semana de adaptações enquanto eu estava ali sozinha porque
meus pais não poderiam largar suas vidas. Não os culpava, eu
sabia que eles eram realmente muito ocupados, mas naquele
instante repensei sobre quando disse que não fazia questão que
eles viessem junto. Deveria ter feito.
— E então, qual seu quarto? — Hannah questionou curiosa,
tirando os olhos do irmão e da ruiva. — Já que meu irmãozinho te
jogou no chão, o mínimo que ele pode fazer é usar essa montanha
de músculos dele e levar suas coisas para o seu dormitório.
Abri a boca pensando em negar. Mas só a ideia de ficar mais
alguns instantes na sua companhia me fez aceitar.
— Hm. — Procurei pelo meu celular e o encontrei no chão ao
lado da minha caixa de pertences. Peguei-o e conferi que estava
inteiro, sem nenhum arranhão, o que era ótimo. — Quarto... 302.
As duas garotas se olharam e riram em seguida.
— Uau, quanta coincidência — comentou a ruiva. — É o
quarto de Luka.
Antes que eu pudesse perguntar quem era Luka, Hannah
respondeu:
— Ela é nossa amiga, estávamos lá até agora pouco.
Anui calmamente.
Mais e mais alunos passavam por ali. Enquanto eu desviava
os olhos de Hannah para pegar minhas coisas e auxiliar John com o
que pegar. Essa parte foi tranquila, mesmo que sentisse seus olhos
em mim o tempo todo.
Com toda a simpatia, Hannah e a ruiva - a qual eu ainda não
sabia o nome - me levaram até o quarto 302. Apresentaram-me a
Luka Jones, minha colega de quarto. A garota de pele preta e
cabelos longos trançados era pura animação.
— Ah! — ela berrou jogando seus braços ao redor do meu
corpo, puxando-me para um abraço. — Estava ansiosa para você
chegar.
Correspondi ao abraço esperando que aquela ação
transmitisse a minha animação. O que estava um pouco afetada
depois de mais de 14h de voo com escala em Dallas.
— Estava ansiosa para vir pra cá também.
Hannah riu, enquanto jogava-se na cama de Luka de forma
despojada. Bem à vontade, como se fosse dona do lugar. Seu
espírito me transmitia isso, ela dominava cada instante, cada
espaço, cada olhar. Bem, ao menos o meu olhar.
— Não seja hipócrita, querida… — declarou. — O programa
da Wolfsview é bom para literatura, mas qualquer pessoa que queira
estudar literatura na Califórnia quer ir pra Barkley.
Humor ácido.
Adorei.
Abri um sorriso largo.
— É, mas quem não tem cão caça com gato, linda.
Seus olhos negros como a noite me captaram. Sua pele
pálida como a lua tomou um leve e sutil tom avermelhado e ela
sorriu.
— Tem razão.
Virei-me para Luka, que continuava empolgada comigo ali,
mesmo que meus olhos quisessem permanecer em Hannah.
Luka começou a falar, tagarelar na verdade, e eu me esforcei
verdadeiramente para prestar atenção nela, mas minha mente
parecia nublada enquanto Hannah estava ali deitada na cama da
amiga.
Parecia uma garotinha apaixonada mesmo prestes a fazer
vinte anos. Eu era uma piada.
— Ai, seja bem vinda! — Luka concluiu animada mais uma
vez me puxando para um abraço o qual eu correspondi. Quando nos
afastamos ela pediu meu celular e o entreguei, ela deixou seu
número registrado ali. — Bem, vamos deixar você se instalar…
E com essas palavras, ela e Hannah se despediram e saíram
do quarto avisando que iriam passear para me dar espaço.
Agradeci. Quando a porta de madeira fechou-se, senti que poderia
respirar novamente, mesmo que sentisse que no fundo, Hannah
havia me roubado tudo em apenas um olhar e uma frase sarcástica.
O local tinha sua personalidade em apenas um lado do
quarto. O lado que cabia a mim, ainda estava impessoal demais. Eu
arrumaria isso logo.
Largando a minha bolsa preta em cima da cama vazia,
caminhei até perto da janela, observando o exato momento em que
eles saíram do prédio. A ruiva e John foram correndo com suas
roupas de exercício físico para um lado, enquanto Luka e Hannah
foram caminhando lentamente para o outro.
Meus olhos a captaram e por um instante pensei que eu não
deveria estar fazendo isso. Chega de escândalos, Scar!, foi o que
papai pediu. E eu teria que ser a filha que ele merecia. Sem caos ou
confusões.
“Há algo acontecendo aqui
Espero que sinta o que estou sentindo também”
— Girl Almighty, One Direction

Os cabelos castanhos com tons dourados e os olhos


esverdeados combinavam. As bochechas rosadas do sol eram
fofas, mas nem ela era tão pálida quanto eu. Enquanto caminhava
de volta para a fraternidade, a única coisa que tomava meus
pensamentos era a nova colega de quarto de Luka: Scarlet.
Não queria pensar muito sobre isso, porque geralmente
acabava quebrando a cara, como no ano letivo anterior com Mia.
Mas agora nada disso importava porque ela estava longe e eu só
queria seguir em frente. Era um novo ano e eu faria ele ser melhor
que o anterior.
Sem confusões!, lembrei-me mentalmente.
Subi a pequena escadaria da frente da fraternidade na qual
eu morava. Abri a porta sentindo o cansaço do dia em meu corpo,
mesmo que não tivesse feito muito, a viagem por dentro do estado
dourado¹ era cansativa por si só.
O ar condicionado de dentro da casa me atingiu com tudo e
eu agradeci por ali estar mais fresco, quase morria em Wolfsview
por conta do deserto. Era seco. Horrível. Preferia muito mais a praia,
mas esta estava a quilômetros e mais quilômetros de distância.
Fechei a porta atrás de mim, sorrindo para Rivera e Paula,
duas das outras garotas da fraternidade, que desciam as escadas
rumo à cozinha. O cheiro que vinha lá de dentro era delicioso e pelo
jeito o jantar de hoje seria massa, o que me deixava muito feliz. A
noite de massas era a minha favorita. Passei por ali vendo meia
dúzia de garotas animadas com música alta tocando enquanto
preparavam tudo.
— Oi, precisam de ajuda? — questionei enfiando-me ali
vendo o molho de tomate borbulhando na panela. Evelin, que era
quem comandava a cozinha naquelas noites, negou.
— Não, se quiser tem vinho mas, no mais, já está tudo
encaminhado, Han.
Assenti. Pensei em ceder a taça de vinho, mas preferi não.
Talvez precisasse de um banho antes de beber até dormir.
Fiz meu caminho até o meu quarto no segundo andar, mas
antes que pudesse alcançar a maçaneta, ouvi meu nome sendo
chamado.
— Hannah, querida!
Um sorriso preencheu meus lábios com certo esforço. Ela era
sempre tão controladora que chegava a ser irritante vez ou outra,
mas não pagar aluguel de apartamento nenhum e nem disputar a
tapa uma vaga nos dormitórios vinha com algum custo: aguentar a
líder das Zeta Beta Zeta, Tessa Hard. Ela não era a pior, mas
definitivamente havia um esforço da minha parte para manter a
nossa convivência pacífica, já que a loira insistia em tomar conta da
vida de todas as irmãs da fraternidade com a desculpa de manter as
coisas no eixo. Às vezes esse controle era necessário, eu sabia,
regras eram feitas para serem seguidas e haveria sempre alguém
para garantir isso, mas também era irritante.
— Oi, Tess… No que posso ajudar?
— Querida, é semana de recebermos novas alunas, seria
bom que usasse as cores da fraternidade. — Rosa e marrom, no
caso. — Se não quiser o rosa, pelo menos considere o marrom, por
gentileza.
Assenti, tentando não pensar muito sobre.
Tessa estava no último ano como eu, então há dois anos
morávamos na mesma casa. E todo começo de ano, era a mesma
conversa. O que preciso admitir: era um empenho da porra da parte
dela. Eu já deveria estar acostumada a isso, mas enfim, rosa não
era muito a minha cor.
— Sua camiseta nova, deste ano, está sobre a sua cama
com um kit de produtos que a mãe da Rivera conseguiu de uma
grande marca de cosméticos — declarou enquanto balançava um
pouco seus braços, com suas pulseiras fazendo barulho entre os
pingentes. — E bem, seja bem vinda de volta! Nosso último ano! —
Sua animação misturada com nostalgia era palpável. — Jantar será
servido às 18h30, pontualmente, e peça para Cheryl parar de
transar com o seu irmão aqui dentro da fraternidade, porque na
próxima vou dar uma advertência a ela.
Suspirei.
Tessa gostava de falar, e de organização. Ela parecia sempre
alegre, mas tinha quase certeza que essa menina vivia numa crise
constante com o seu senso de perfeccionismo. Ela era sempre uma
figura cheia de felicidade absoluta mesmo quando claramente
estava cansada, como nesse exato momento.
Não a odiava, na verdade tinha certa pena dela.
— Tudo bem, obrigada pelos recados, Tess.
Ela anuiu e seguiu pelo corredor com sua legging apertando
cada centímetro das suas coxas magras e a bunda de silicone
enquanto sua blusa do ano anterior, da fraternidade, estava
amarrada, deixando um pedaço de pele seu exposto.
Voltei para a minha porta e a abri, me deparando com Cheryl
e John trocando beijos de despedidas na janela, por onde ele
sempre descia pela trepadeira. Era engraçado porque ele sempre as
usava para trepar, então era meio pleonasmo.
Deus, eu estava falando do meu irmão, que nojo!
— Oi, Han! Tchau, Han!
Sorri e lhe mostrei o dedo do meio.
— Tchau, John…
Não era como se eu odiasse realmente John e Cheryl juntos,
ela era minha melhor amiga e ele era meu irmão, eram realmente o
casal perfeito. Eu os amava incondicionalmente, mas sempre que
haviam brigas, o que eram raras, mas aconteciam, sobrava para
mim e essa parte eu odiava. Não tinha como ficar do lado de alguém
sem ferir o outro. No começo do relacionamento foi um parto, até
que eles me contassem, eu fiquei magoada, porque descobri e os
dois nem me falaram nada. Quando contaram, briguei com os dois,
mas no fim as coisas se resolveram. Agora era a maior apoiadora
deste casal.
Durante a vida nunca fui boa em ter muitas amigas, mas
Cheryl era uma das mais antigas. Luka conheci na faculdade, sem
querer e de forma quase desastrosa. Agora não conseguia viver
sem ela.
Cheryl conferiu o namorado durante toda a sua descida e
depois acenou para ele, fechando a janela em seguida.
Um suspiro divertido deixou seus lábios enquanto ela fechava
a cortina.
— Dois anos e vocês não passaram da fase de lua de mel,
isso é irracional! — comentei jogando-me contra meu colchão,
observando a sacola com as coisas que Tessa tinha comentado.
— Você deveria achar isso mágico, você é a que faz literatura
e eu sou a racional que faz biomedicina, miga — Cheryl disparou,
jogando-se ao meu lado e esparramando seu corpo na minha cama,
deixando suas pernas expostas, já que usava só uma camiseta
larga e absurdamente grande para o seu corpo.
— Eu acho isso único, e fico feliz por vocês, Cher. — Estava
sendo sincera. — Mas isso é irracional!
— Chama-se amor, e ele tende a nos fazer sermos
irracionais.
Eu ri.
— Não, isso se chama paixão e tem prazo de validade, por
isso não entendo vocês.
Minha amiga rolou seus olhos verdes e deixou seu corpo
apoiado em seu cotovelo.
— Você tá precisando transar. — Encarei-a curiosa, ela
nunca falava isso pra mim. — Não, você está precisando gozar. —
Arremessei a minha nova camiseta, ainda dobrada em seu rosto.
Ela riu, mas continuou: — Precisa de alguém para te comer, é isso!
Se colocasse para dentro a quantidade de endorfina que tenho com
John, iria entender como nossa relação é maravilhosa.
— Achei que a única coisa que ele colocasse dentro de você
fosse o pau dele. — Mas logo fiz uma careta tendo essa imagem na
minha mente, eca!
Minha amiga revirou os olhos e se levantou. Meu senso de
humor às vezes era pesado e eu vivia com receio de ser demais
para que as pessoas me suportassem, mas Cher e Luka sempre
gostaram e compactuaram com ele.
— Você é impossível às vezes, Hannah Young.
Dei de ombros, com um sorriso ladino nos lábios.
— E você me ama do mesmo jeito.
Cher deitou-se na sua cama bagunçada e cobriu-se
minimamente. Aninhando-se sonolenta com seu travesseiro.
— Droga, você tem razão.
Soprei a fumaça para fora dos meus lábios, vendo ela se
dissipar no ar enquanto esperava Cheryl comprar seu latte orgânico,
na cafeteria mais cara do campus. Tinha mandado uma mensagem
para Luka avisando que estávamos ali, mas ela não havia
respondido ainda.
— Ah, finalmente! — declarou a ruiva parando ao meu lado
com seu blusão rosa e calça preta.
Naquela manhã em particular, eu me esforçava minimamente
para não ser expulsa da fraternidade e usava uma tiara rosa e um
protetor labial apenas, ao invés das minhas costumeiras cores fortes
nos lábios. Mas claro, a roupa escura não poderia faltar, por isso
aceitei a blusa longa magenta escura de Cheryl emprestada, caso
contrário acho que Tessa me mataria.
— Eu é quem digo, finalmente!
Ela riu e enganchou seu braço no meu.
Dei uma última tragada no meu cigarro antes de jogá-lo no
lugar apropriado que havia por ali. Contudo, antes de começarmos a
caminhar, Luka chamou nossa atenção, aproximando-se com
Scarlet.
— Bom dia! — Luka sempre estava animada.
Ela estava fabulosa naquela manhã, como boa aluna de
moda, ela fazia seu próprio look fashion e atemporal. Com o bucket
hat jeans escuro, um vestido branco e um casaco amarelo para
completar. Aquilo gritava bom gosto. E eu não era a maior fã de
cores. Algo que minhas duas amigas sabiam, por isso o primeiro
comentário de Luka foi sobre a minha roupa.
— Tessa te vestiu hoje?
Eu ri.
— É quase…
Meus olhos foram até Scarlet, que naquela manhã tinha um
cheiro de baunilha misturado com morango, mas deduzi que o
morango vinha mais da bebida em suas mãos do que dela. Depois
disso, meu pensamento só conseguiu ser: quem não bebe café de
manhã?
— E aí, Scarlet, pronta para o primeiro dia de aula? — Cheryl
foi quem perguntou.
A garota sorriu.
— É, não sei se pronta seria a palavra… Seria mais algo
como apavorada.
Nós rimos.
— Você vai se sair bem — declarei e tomei um gole do meu
café preto.
Ela sorriu e eu poderia me perder naquele sorriso. Ou até
mesmo naquela floresta tropical que ela carregava nos olhos. Era
intenso e leve ao mesmo tempo.
— Bem, eu vou indo porque meu prédio de saúde fica do
outro lado do campus! — avisou Cheryl me soltando. Ela depositou
um beijo na minha bochecha e outra na de Luka, lançando um
aceno para Scarlet.
— E sobraram três… — soprei.
O próximo som foi um grito de Luka enquanto North
McQueen, chegava a abraçando por trás, depositando um beijo em
seu pescoço. North era o affair atual de Luka. Eles tinham se
conhecido antes das últimas férias e, até onde soube, ficaram o
verão todo de papo. Não o conhecia muito bem, mas parecia ser
simpático. Rolei meus olhos e caminhei até Scarlet. Passei pelo seu
lado e segurei em seu cotovelo coberto por uma blusa cinza e a
virando para o outro lado.
— North! — Luka reclamou, mas não era bem uma
reclamação e eu sabia. Ela merecia um tempinho com ele depois de
não se verem as férias inteiras, por isso deixei que eles ficassem
sozinhos.
— E sobraram duas… — falei mais uma vez caminhando em
direção ao prédio da ciência da linguagem.
— Agatha Christie.
Meus olhos correram rapidamente até Scarlet. Sorri. Gostava
dela saber do que eu estava falando.
— Prefiro A Morte No Nilo — comentei.
— Bom, E Não Sobrou Nenhum é meu favorito da rainha do
crime.
Assenti.
— Tem bom gosto.
— É, ao que tudo indica, você também. — Meus olhos
acompanharam enquanto essas palavras deixavam seus lábios
carnudos e precisei lembrar que nem eram oito horas da manhã, e
eu já estava com pensamentos cretinos. — E então, vai me levar até
a minha sala? — Seu tom foi provocativo.
— É, como eu disse, você é minha caloura né — comentei.
— Ossos do ofício de uma veterana.
Ela assentiu.
O silêncio perdurou pelo caminho, eu gostava dele. Ele
sempre foi meu amigo. Era ele que me permitia olhar para a garota
ao meu lado e ver seus sorrisos discretos e o olhar de entusiasmo
misturado com tédio.
— Roupas caras, mas sem bronze… Você não é de Los
Angeles — comentei puxando conversa.
Scarlet riu.
— Definitivamente não, sou de Nova Iorque.
— Ah, muita coisa se explica assim.
Seu sorriso teve uma leve mudança, da encantado para
provocador. E algo no meu interior gostou disso.
— E você?
— Nascida e criada em San Francisco — declarei parando
em frente ao prédio de linguística. Era o segundo maior prédio da
universidade, só perdia para o de saúde por conta dos laboratórios
de defuntos no subsolo.
— Hm, por isso a cara de boa moça.
Meu olhar recaiu sob suas belas esmeraldas com curiosidade
pura. Eu? Cara de boa moça? Minhas roupas pretas não diziam
nada sobre mim?
— Como assim? — Foi a pergunta que escapou dos meus
lábios sedentos de curiosidade.
— Você tem cara de quem é boa, mas finge ser má. Talvez
seja um escudo seu. — Scarlet desceu seus olhos pelo meu rosto,
até meus lábios e então sorriu. — Mas gosto disso, você é uma boa
pessoa. — Seu olhar curioso de criança levada se encontrou ao
meu e o seu sorriso se alargou. — Vamos?
Anui, finalizando meu café e descartando o copo na lixeira
mais próxima. Meus passos nos coturnos pesados pretos
ressoavam pelo corredor. Eram seis andares de prédio. E a saída
dos fundos era o caminho mais curto até a biblioteca do campus.
Com paredes revestidas de tons creme e laranja e piso de cerâmica,
excelente para se escorregar e quebrar um membro.
— É bonito aqui. — Sua voz doce quase me fez virar em sua
direção, mas preferi continuar caminhando. Scarlet era tentação e a
última coisa que eu queria era ceder.
— Bem, primeira aula, Latim, suponho — declarei parando
em frente a porta e apontando para dentro, vendo alguns calouros já
sentados com cara de desespero.
— Sim… — Seu sorriso não vacilou. Seu olhar foi intenso e,
até que ela desviasse, senti como se o ar do mundo fosse roubado
de mim. — Obrigada.
Sorri fraco e lhe dei as costas, dando um passo atrás do
outro, pensando em como faria para ignorá-la. Ela era linda, gentil e
sagaz. Ela seria o meu maior sonho de consumo, mas depois de
tudo o que havia acontecido na minha vida, tudo o que eu não
precisava era de alguém novo na minha vida. Nem para amizades e
muito menos para amores.
“Porque quando você olha assim
Eu jamais quis ser tão mau, oh
Isso me deixa louco
Você me deixa selvagem”
— WILD, Troye Sivan

Há coisas que simplesmente não podemos prometer. E por


mais que eu tenha prometido aos meus pais que não viria para a
Califórnia atrás de confusão, estava tornando-se impossível de não
ficar cada vez mais encantada com Hannah Young - inclusive, havia
descoberto seu sobrenome na última noite.
Três dias de convívio e eu começava a me preocupar, e se eu
fosse uma louca obsessiva estilo Joe Goldberg? Não que eu
chegasse aos pés do maluco psicopata, mas todos os meus
pensamentos me levavam a Hannah. Sempre que possível tentava
encontrá-la, seja no café da manhã ou no almoço.
E a pior — ou melhor — coisa é que a conversa fluía
naturalmente, e os meus flertes, por vezes discretos, e outros nem
tanto, eram correspondidos. O que eu não sabia bem ainda é se ela
é aquela pessoa que só flerta e fica por isso mesmo ou se em algum
dia chegaria a experimentar seus lábios.
Qual seria o gosto dela?
— Srta. McKee, qual a resposta? — o professor de História
da Literatura questionou, me fazendo retornar a realidade: a minha
aula.
— Hm, A Odisséia, Homero — respondi sem pensar muito,
afinal pelo o que consegui prestar atenção, era sobre isso que ele
estava falando. E pela sua cara, eu tinha acertado.
— Certo, agora vê se permanece no planeta Terra, por favor.
Sorri sem graça e peguei uma nova caneta para anotar as
coisas. Era melhor eu começar a prestar atenção nessas aulas. Eu
tinha conseguido apenas duas matérias específicas do meu curso
naquele primeiro semestre, então não era bom eu arruinar tudo
justamente nessas. O restante eram conteúdos básicos de
exigência da faculdade como economia, informática e filosofia.
Essas matérias tomavam dois anos, já as específicas poderiam ser
feitas em paralelo e, ao todo, tomariam quatro anos da minha
formação. Por sorte, tinha conseguido começar a adiantar as coisas
logo no meu primeiro semestre.
Três aulas depois, lá estava eu saindo para o sol da
Califórnia, que começava a ficar mais fraco com a aproximação do
outono. As árvores começavam a querer perder as folhas pelo
campus, mas ainda estavam tímidas.
Luka havia me mandado uma mensagem avisando que ela e
as meninas almoçariam numa pizzaria perto do campus. Era um
aviso, não um convite, então decidi apenas seguir até os
dormitórios. Poderia deixar minha bolsa pesada e depois ir pegar
um sushi em uma das praças de alimentação que haviam pelo
campus.
O clima estava gostoso, nem tão quente, nem tão frio. Mas
definitivamente era um clima mais seco, algo que fugia do que
estava acostumada. Passando pelo caminho cimentado entre o
gramado, fui aproveitando a vista.
Estar ali era quase surreal.
Por tanto tempo eu esperei para poder fugir da vida cheia de
assédio da imprensa e agora eu tenho isso. E queria essa paz, pelo
menos por enquanto. Não queria ser conhecida por ser filha de
Joselyn Carter e Donatello McKee, queria ser conhecida apenas
como Scarlet.
Ser filha de uma artista plástica e do diretor de uma das
maiores revistas de moda do mundo não era fácil: tinha-se muito
dinheiro, é verdade, o suficiente para que meus pais me largassem
com babás e depois me entupissem de atividades extracurriculares.
Não poderia reclamar do privilégio, mas com toda certeza as coisas
vinham a um custo e o meu era a solidão.
Boa parte das amizades vinham com falta de sinceridade. As
únicas amigas que considerei verdadeiras foram Claire Rudd e
Quinn Morris, nos conhecemos no ensino médio e desde que minha
ex-melhor amiga, Francesca Guardini, me traiu com o meu
namorado, Claire e Quinn foram minha fortaleza. Mamãe adorava as
meninas e eu também, mas depois que Quinn partiu para Harvard e
Claire acabou indo para Londres morar com a mãe, não vi porque
permanecer na Big Apple. Precisava de novos ares, como as
minhas amigas.
Meus namoros? Por conveniência. Eles estavam lá loucos
para me usarem e eu disposta a usá-los também. Era bom poder ir
jantar no Plazza quando quisesse, graças a Trevor, ou todos os
presentes que Theo me dava por pura carência. Também adorava o
frio na barriga que Talles me proporcionava quando andávamos na
sua moto, ou quando passei três meses com Tristan, um rapaz
ótimo que era atendente do meu café preferido, mas que não tinha
perspectiva de futuro porque ele dava em cima de todas as garotas
bonitas que apareciam no maldito café.
Por mais que meus pais nunca me forçassem a nada, eles
também foram péssimos em me dar limites. E quando resolveram
dar era tarde, porque eu acumulava uma sequência de merdas
infindáveis. Adolescente faz cagada. Lembro-me até hoje de quando
o padrasto de Claire teve que nos tirar da cadeia por termos
arranjado confusão com uns babacas enquanto estávamos bebendo
de forma ilegal. Aquele foi o ápice para nós três na época e depois
disso resolvemos tentar sermos melhores, menos rebeldes. Mas a
verdade é que o espírito livre que habita em mim não conseguia
descansar, ele caçava uma aventura e Hannah Young simplesmente
parecia ser a minha nova aventura perfeita.
Abri a porta do quarto pensando na garota dos cabelos
ébanos, mas logo algo se tornou mais importante na minha cabeça:
as minhas leituras da faculdade. Não poderia, de jeito nenhum,
deixar elas se acumularem, se não, não daria conta.
Depois de almoçar, deitar na cama pra ler, foi a pior decisão
que eu consegui tomar. Não resisti ao sono e acabei dormindo.
Ainda estava meio ferrada com o fuso horário tão diferente, andava
trocando o dia pela noite e quanto mais protelava a minha própria
organização de horários internos, pior ficava.
Quando voltei a abrir meus olhos já era noite.
O quarto estava escuro em parte, mas do outro lado Luka
tinha seu abajur ligado em cima da sua escrivaninha. Ela parecia
concentrada com seus headphones na orelha.
Me mexi na cama, esticando meu corpo antes de sentar-me.
Luka não me deu nem um pingo de atenção. Ela estava realmente
concentrada no que estava fazendo, imersa em seu mundinho
particular. E eu achava isso incrível.
Passei os dedos sobre os cabelos, puxando alguns os fios
castanhos e reparei nos nós. Puxei a escova que estava sob a
mesinha de cabeceira e passei na cabeça, penteando-me. Entre
caretas e muita preguiça, concluí a tarefa. Só então levantei-me da
cama e caminhei até Luka, tocando em seu ombro, fazendo-a quase
saltar e cair da cadeira.
— Deus, Scarlet! Me assustou! — ela disse levando a mão ao
peito que subia e descia de forma ansiosa.
— Desculpa, não tive a intenção. — Ela riu. — O que você
está fazendo tão imersa aí?
Seus olhos castanhos correram até o papel, que tinha o
desenho de um croqui na sua frente e depois voltaram-se aos meus.
— Ah, nada demais, só um rascunho.
Semicerrei meus olhos. Aquilo não era um rascunho. Aquilo
era obra prima pura. O desenho de um vestido de gala em tons de
azul e branco no estilo sereia brilhava sob meus olhos. Luka era
muito talentosa.
Eu não era a rainha fashion, mas meu pai era. E desde
sempre seu assunto favorito foi moda, então era impossível eu não
saber nada sobre. Observando o que tinha nas mãos de Luka, eu
realmente sabia que aquilo estava excelente, mesmo que ela
chamasse aquilo de “rascunho”.
— Está lindo.
Um sorriso tímido tomou seus lábios, enquanto eu me virava
para o meu lado do quarto novamente.
— Obrigada, Scar.
Ainda não tínhamos tanta intimidade para mais, esperava que
logo isso acontecesse. Gostava de Luka, ela era uma pessoa
tranquila e na dela.
No fim, busquei por minha toalha e minha necessair, me
preparando para ir tomar um banho.

Na manhã seguinte eu despertei com o barulho do celular de


Luka gritando alto o suficiente para acordar o prédio todo. Abri meus
olhos e encarei o teto branco e sem graça.
Essa era a famosa vida universitária? Porque, por mim, ela já
poderia acabar. Ouvi minha colega de quarto se movimentando,
começando a se arrumar, mas preferi ficar na cama mais alguns
instantes. Estava cansada e se pudesse passaria a manhã na cama,
contudo, isso seria impossível. Tinha enfiado na minha grade horária
aulas até as 18h em alguns dias, como naquele e, portanto, o plano
era me manter ocupada. Claro que a minha empolgação para aulas
de economia e gestão pessoal, era zero, mas eu precisava passar
por isso.
Vinte minutos depois, quando Luka voltou do seu banho, eu
resolvi sair da cama.
Sorri para ela, a cumprimentando.
— Bom dia.
Com um roupão cobrindo seu corpo e uma toalha envolta dos
cabelos, ela sorriu de volta, acendendo a luz do seu abajur.
— Bom dia, Scar.
Gostava do apelido e gostava mais ainda de que ele me foi
dado de forma tão espontânea.
Troquei de roupa, me livrando do pijama curto de malha e
colocando um vestido azul escuro com um casaco preto por cima.
Meia calça fina e coturnos confortáveis. Assim poderia aguentar
todo o dia.
Penteei os cabelos e passei a chapinha rapidamente pelos
fios, sem muita pretensão de realmente deixá-los escorridos.
Apliquei um gloss nos lábios e passei os dedos pelos meus cílios
com extensão. Teria que arranjar um salão estético por Wolfsview
para manter o cuidado com eles, mas isso era um problema para
dali umas boas duas semanas.
Peguei minha mochila e desci com Luka rumo ao nosso café
da manhã.
Na saída do prédio do dormitório, ela questionou:
— Por que não foi almoçar com a gente ontem?
Uma careta formou-se genuinamente na minha cara.
— Hm, porque você não me convidou?! — repliquei com uma
carga de sarcasmo matinal.
— Ah… Desculpa, achei que tinha entendido a mensagem!
— Luka começou falando. — Nossa, eu to tão acostumada com as
meninas, só aviso e isso já é basicamente um “estou te esperando,
vamos!”. Desculpa, desculpa, desculpa! — Com um de seus braços
enganchados aos meus, ela deixou a expressão mais fofa do mundo
tomar seu rosto castanho-dourado.
Foi impossível não rir.
— Ok, tá tudo bem. Dá próxima eu já sei e te pergunto onde
eu encontro vocês. — Sua cabeça balançou em concordância.
Nós duas seguimos nosso caminho até a cafeteria e
compramos as nossas bebidas matinais: o meu era uma batida de
morango e o dela um cappuccino gelado com canela. E então fomos
ao encontro com Hannah e Cheryl.
Naquela manhã, Hannah estava diferente. Vestia suas roupas
de costume, mas não era só sobre a roupa, era sobre a vibe.
Porque mesmo recoberta de preto, ainda havia alegria nela e
parecia apenas um ser infernal prestes a cuspir fogo em quem
cruzasse o seu caminho.
Ela estava perigosa e eu era uma fodida que adorava perigo.
“Você me traiu
E eu sei que você nunca vai se arrepender
Pelo jeito que me machucou”
— Traitor, Olivia Rodrigo

Mia Perry era a pior pessoa que eu havia conhecido na face


da terra!
Eu teria ficado na minha cama se não fosse por Cheryl.
Minha amiga poderia cometer um assassinato naquela manhã
quando eu abri o celular e vi aquela maldita notificação de e-mail.
Eu berrei contra o travesseiro, mas me recusei a chorar por ela ou
as merdas que ela vinha fazendo. Ela estava transformando a minha
vida num inferno. Ela me traiu da pior forma. Um beijo ou uma
transa nos magoam quando somos adolescentes, agora a traição de
Mia era algo em outro nível. Eu confiei nela e expus todos os meus
lados. Em troca ganhei essa cretina me extorquindo para ficar de
boca fechada.
A manhã passou como um borrão. Minhas aulas foram
desperdiçadas e na hora do almoço já não aguentava mais estar
com pessoas por perto. Decidi voltar para a fraternidade e passar o
resto do dia lá, trancada com a minha decepção.
Durante horas todos os momentos com Mia vieram à minha
mente. Cada conversa, cada risada, cada toque, cada beijo… Tudo.
Ela veio dos confins da minha memória como uma maldita tormenta.
E o pior é que eu sabia que aquela tempestade não iria embora tão
cedo.
Quando começou a anoitecer, a porta do quarto foi aberta e
Cheryl entrou com o cansaço estampado em seu rosto de aluna de
biomedicina.
— Você passou o dia aqui? — a ruiva perguntou como se
precisasse apenas da minha confirmação para algo que ela já sabia.
Me limitei a assentir. — Ótimo, agora quero matar essa vadia ainda
mais. Como ela foi capaz de fazer isso com você, Han? — Dei de
ombros. Não queria conversar sobre os meus problemas.
Olhei para a prateleira na frente da minha cama. Os livros na
estante mais alta e o nome da autora. O selo na lombada. E os
títulos que eu conhecia de trás pra frente. Levantei-me da cama
apenas indo até o banheiro e fechando a porta.
— A festa é hoje, anda logo que ela começa em duas horas
— avisou Cheryl do quarto.
— Ótimo, mais isso… — resmunguei sozinha.
Era o fim da primeira semana de aula, ou seja, festa da
recepção da fraternidade e como participante da fraternidade eu era
obrigada a comparecer.
Luzes coloridas, bebidas à vontade e o calor californiano
dominando o ambiente mesmo com o ar condicionado funcionando
tanto quanto o som alto. Com a minha falta de paciência coloquei
um vestido preto mesmo e deixei que Cheryl fizesse minha
maquiagem, principalmente depois de errar duas vezes o mesmo
delineado. Com os olhos esfumaçados e meus coturnos pretos com
brilho, eu estava parada ao lado de Cheryl com um copo de cerveja
nas mãos enquanto minha amiga tinha uma bebida absurdamente
doce de cereja em seu copo.
A casa da nossa fraternidade tinha um pé direito alto e a
cozinha ficava um pouco mais elevada que a sala principal. A lógica
do arquiteto? Não sei, só sei que era assim. Por conta dessa
disposição, nós conseguíamos enxergar exatamente quem chegava
na festa. Isso facilitou para que meus olhos captassem Luka
chegando de mãos dadas com North e sendo seguida por Scarlet
que estava absurda de linda em um vestido vermelho escarlate junto
com um batom alguns tons mais escuros.
Os três se aproximaram de nós duas e, por um instante, eu
esqueci até que a música tocava tão alto a ponto de quase estourar
meu tímpano.
— Oi, lindas! — Luka chegou perto gritando sobre a música.
Primeiro ela abraçou Cheryl e depois a mim. Cumprimentei North
com simpatia e, então, a definição de perfeição parou na minha
frente.
Ok, talvez eu estivesse a elogiando grande demais e muito
rápido, mas Scarlet era absurdamente exuberante. Encantadora e
tentadora. E, a cada segundo perto dela, eu tinha que lembrar que
eu simplesmente não deveria deixar ela se aproximar demais.
— Oi, Hannah. — E meu nome ficava tão bom na sua boca.
Foco, Hannah! Sem envolvimento emocional esse ano, isso
evita dor de cabeça!, minha mente gritava. Scarlet tinha que estar
fora de alcance, ela era a colega de quarto de Luka, ou seja, nos
veríamos muito. Eu simplesmente não poderia.
— Oi, Scarlet.
Ela sorriu e depositou um beijo suave em minha bochecha.
Um beijo casto e simples, mas minha pele reagiu e foi incontrolável.
Resolvi culpar a minha carência de cinco meses sem beijar na boca
ao invés de ficar pensando que isso pudesse ser culpa exclusiva de
Scarlet.
Não queria sequer lhe dar o benefício da dúvida.
Levei meu copo aos lábios tomando um bom gole da minha
cerveja, acabando com a bebida do meu copo. Desencostei meu
corpo do balcão da cozinha e decidi ir até o barril pegar mais. Com a
ajuda de John, que me serviu, peguei mais álcool. Aliás, aquela
noite precisava ser regada de álcool para que eu mantivesse a
minha sanidade.
Meu coração batia dentro do meu peito quase no ritmo do
remix da música da Halsey que tocava na festa.
— Ei, Han! — Cheryl chamou-me, tocando levemente em
meu braço, deixando os dedos pela tatuagem de rosa no meu pulso.
— Odeio te ver assim…
Sorri lembrando-me de voltar à realidade.
— Podemos não falar disso, Cher? Quero aproveitar a festa,
me distrair… — comentei recebendo um sorriso compreensivo da
minha amiga.
— Poderia ao menos se distrair com alguém. — A sugestão
não me surpreendeu, na verdade, até que não era tão ruim a ideia.
Os olhos cor de mel dela correram até Luka, aproximando-se
da minha outra amiga sussurrando algo para ela apenas.
Encarei-as intrigada, elas iriam aprontar.
—Ok, John! — Luka começou. — Encontre um rapaz lindo e
bacana para tirar essa linda jovem para dançar… — Ela apontou
para Scarlet que fez uma cara de surpresa. — E North, você
encontra alguém com coragem o suficiente para levar a Hannah
para a pista.
Foi impossível segurar a minha gargalhada enquanto Scarlet
apenas bebia sua bebida doce, como a de Cheryl. Troquei o peso
da perna e encarei as pessoas dentro da casa, evitando a todo
custo que meu olhar recaísse sobre ela, mesmo sabendo que ela,
como doce tentação, tinha suas duas esmeraldas em mim.
Meu irmão e North saíram por alguns minutos, e logo
voltaram com dois rapazes, um loiro de olhos azuis e bronzeado e
outro preto com dreads na altura dos ombros.
— Hannah, esse é o Kassian — North apresentou-me o
garoto de dreads. Sorri para ele de forma gentil e deixei que meu
corpo inclinasse para cumprimentá-lo com um beijo na bochecha.
Evitei deixar o gloss labial ali, mas algo que não foi evitado foi o seu
sorriso largo e gentil.
— É um prazer, Hannah.
De canto vi meu irmão rolando seus olhos, com impaciência.
Ele era meio ciumento e muito protetor, desde a morte dos nossos
pais, mas eu era a irmã mais velha e ele já tinha a sua transa - e
provavelmente casamento - garantidos com Cheryl.
Não ouvi o nome do garoto que John apresentou a Scarlet,
mas também não fiquei muito ali para ligar demais para a existência
dele. Queria me divertir. Por isso, com poucas palavras trocadas, o
que eu fiz foi puxar Kassian até a pista de dança. Precisava sair do
alcance do cheiro de baunilha de Scarlet, aquilo estava se tornando
inebriante demais.
Na pista tocava mais um remix de um pop qualquer, enquanto
meus braços circulavam o pescoço da minha companhia. Seus
olhos escuros estavam nos meus e o sorriso iluminado me fazia
sorrir também.
Com a cintura solta em suas mãos grandes, eu tentava
relaxar. Estar ali era tentar algo diferente, talvez assim conseguisse
um resultado que não a decepção. Seu toque era firme e eu
gostava, mas simplesmente não tinha certeza se era isso que eu
queria.
— Me conte algo interessante, Hannah — Kassian pediu com
os lábios perto do meu lóbulo deixando que eu ficasse contra o seu
peitoral rígido de esportista dedicado.
— Faço literatura e me formo no fim do ano letivo — soprei.
— Sua vez, Kassian.
— Faço direito e só me formo no outro ano ainda.
Ah, ótimo direito… A galera de direito era sempre muito igual:
muito radical. Ou a pessoa era 100% democrata ou 200%
republicano. Nunca existia bom senso no dicionário deles.
Me limitei a sorrir e deixar que ele me puxasse mais para si.
Nós tínhamos quase a mesma altura, por isso não foi difícil que sua
cabeça ficasse ao lado da minha, deixando que seu maxilar de
barba recém feita tocasse o meu rosto.
Suas mãos me apertaram mais uma vez e eu suspirei, mas
não pelo seu toque por si só, mas pela cena que meus olhos
captaram. Scarlet estava há alguns metros com o garoto loiro. Ela
estava de costas para ele, deixando que os lábios dele tocassem a
sua pele enquanto seus olhos estavam cravados em mim.
As mãos dele passeavam pelo corpo dela, mas eram as
próprias mãos dela que me chamaram atenção. Scarlet passava
elas pelo seu corpo, me obrigando e colar ainda mais meu corpo ao
da minha companhia apenas para vê-la melhor.
Seus olhos… Intensos.
Sedutores.
Cheios de luxúria.
Sentia minha pele formigando enquanto a observava por
cima dos ombros de Kassian, deixando as mãos dele me
conduzirem enquanto ela me incendiava.
Porra, minha calcinha se arruinaria assim em poucos
instantes.
Eu gostava da sua intensidade, mas ela estava simplesmente
longe das minhas possibilidades. Eu não podia. Não podia.
A pista estava lotada, vários casais dançando, e meninas se
divertindo com as amigas, mas nada fazia eu desviar meu olhar.
Senti os lábios de Kassian em minha pele, depositando um
beijo suave em meus ombros desnudos, enquanto observava o loiro
apertando a cintura de Scarlet. Por um instante os olhos dela se
fecharam e os meus também.
Estávamos jogando algo perigoso ali, mas ao mesmo tempo
viciante. Meu corpo já respondia ao álcool me deixando mais leve,
me fazendo esquecer o meu dia de merda. Mas o quão deturpado
era eu estar queimando por uma garota enquanto outro cara me
tocava?
Que vagabunda!, pensei sobre mim mesma segurando-me
para não rir.
Mordi meu lábio inferior deixando minhas unhas apertarem os
ombros largos do garoto subindo para seu pescoço. Ele me apertou
contra si, deixando que eu sentisse o começo da sua excitação,
enquanto Scarlet mordia o lábio inferior e o loiro mordiscava a sua
pele exposta no pescoço.
Queria ser eu ali, a mordendo. Sentindo sua pele salgada sob
minha língua.
Um gemido baixo escapou-me e provavelmente Kassian
pensou que fosse sua culpa. Não era. Infelizmente não era.
Garota endiabrada.
No calor da Califórnia ela me faria queimar apenas com seu
olhar.
Desisti de encará-la procurando por algum alívio das minhas
vontades nos lábios de Kassian. Lábios macios e habilidosos, mas
que nem assim tiraram a imagem de Scarlet mordendo os próprios
lábios da minha mente.
Qual seria o sabor dos seus lábios?
Aprofundei meu beijo com Kassian. Precisava exorcizar
aquela vontade, mas nada daquilo estava adiantando. Minha pele
fervia, quente como o inferno, mas não eram os seus toques firmes
e determinados que eu queria, eram os toques leves e delicados
que tinha certeza que ela teria. Um misto de frustração e desejo me
dominava.
Eu era uma imbecil. Eu a queria, queria ela me beijando, me
tocando, tocando meus seios. Porra, queria ela sentada na minha
cara.
Kassian encerrou o beijo mordendo meu lábio inferior, o
puxando para si. Sorri ao encará-lo novamente.
— Por que não nos conhecemos antes? — ele questionou de
forma retórica com uma animação palpável. Literalmente.
— Não sei, mas talvez… — Inclinei-me para perto dele
novamente, deixando meu rosto ao lado do seu, apenas para vê-la
beijando o seu par. Bem, não era como se eu não esperasse por
isso. Apertei minhas pernas e voltei a minha atenção a Kassian. —
você possa subir uns minutinhos comigo para o meu quarto —
sugeri.
Seus dedos subiram pelas minhas costas e depois desceram
pelos meus braços, tocando minha pele até que seus dedos se
entrelaçaram aos meus.
— Vou adorar subir contigo.
Sorri e virei-me de costas para ele, ainda com sua mão na
minha, fui caminhando na frente até as escadas. Comecei a subir os
degraus vendo que haviam poucas pessoas naquela região da
mansão da fraternidade. Por um instante procurei por seus olhos,
mas só a encontrei perdida no beijo. Continuei meu caminho até
parar na porta do meu quarto, tirei a chave do bolso pronta para
destrancá-la, afinal a casa estava lotada, eu e Cheryl sempre
trancávamos a porta nessas ocasiões. Era o recomendado.
Contudo, para a minha surpresa a porta estava destrancada.
Estranhei, mas a abri sentindo os braços de Kassian circundando a
minha cintura enquanto seus dedos puxavam meus cabelos para o
lado. Infelizmente a possível animação recebeu um balde de água
gelada quando vi seus cabelos loiros curtos parados na frente da
minha estante de livros, analisando justamente aqueles livros.
— Mia?
Tirei as mãos de Kassian de mim e logo os olhos azuis-safira
dela capturaram meu rosto. Um sorriso com toque de perversidade
dominou seu rosto angelical.
— Ah, Hannah… Quanto tempo! — Sua voz doce parecia
agora uma maldição em minha mente.
— O que está fazendo aqui? Você não pode estar aqui.
Seu sorriso cretino só aumentou.
— Ah, eu preciso falar com você. Não sabia mais como fazer
isso já que não respondeu os meus e-mails desde semana passada.
Virei-me para Kassian por um instante e forcei um sorriso
quase débil.
— Você pode, por favor, pedir a Cheryl ou Luka virem aqui?
Prometo que só vou me livrar dela e já voltamos para onde
estávamos — soprei baixo, para que Mia não ouvisse.
Ele me encarou levemente desconfiado, mas fez o que eu
pedi, partindo pelo corredor e pela escadaria em seguida.
Entrei no quarto e fechei a porta, voltando a encarar a garota
que quebrou o meu coração e vinha transformando a minha vida
num inferno particular.
O sorriso em seu rosto se alargou e ela se aproximou. Seu
corpo estava lindo no vestido rosa e delicado, mas ela não me
enganava mais. Mesmo assim, chegou o perto o suficiente para
segurar meu rosto em sua mão e deixar seus lábios tocarem os
meus, como um maldito beijo de Judas.
Com o delay que a bebida causou em mim, levei alguns
segundos para afastá-la e quando a fiz, seu olhar mudou de desafio
para algo que lembrava o Gato de Botas da Dreamworks.
— Senti falta do beijo — ela declarou.
Seu corpo ainda estava próximo e mesmo sendo menor do
que eu, não era muito. Ela sorriu fraco e tocou meu rosto como se
fosse fazer um carinho, mas apenas desviei de seu toque e dei um
passo para longe. Sentia asco dela. Se um dia achei que a amava,
com certeza era porque estava cega demais para enxergar a
verdade que estava na minha cara.
— Você é impossível. O que quer? — questionei irritada. —
Entra na minha vida, me fode de todas as formas possíveis e agora
vem aqui… — Eu estava perdida. Ela me deixava assim e com ódio.
— O que você quer? — repeti a pergunta me sentando na minha
própria cama, exausta.
— Meu dinheiro?!
Eu ri. Era claro que era só isso que ela queria.
— Você atrasou o pagamento, Han, aí me obrigou a vir até
aqui…
Senti meu maxilar ficar mais rígido. Estava tão cansada, nos
últimos meses era sempre assim, parte do que eu ganhava eu
mandava pra essa cretina. Deus, como eu a odiava.
— A não ser que queira o mundo sabendo o seu segredinho.
Neguei com a cabeça sentindo meus olhos já querendo
marejar. Eu poderia parecer durona, mas a verdade é que era uma
grande covarde. Qualquer conflito que surgisse eu só queria
resolver o mais breve possível, mesmo que isso significasse me
humilhar, como era aquele caso.
Mia estava me ameaçando e isso era errado, mas eu só
queria fazer o que amava em segredo. E isso era um problema
desde que ela descobriu tudo.
Peguei o celular e rapidamente abri o aplicativo do banco,
mas antes que pudesse realizar a transação, a porta do quarto foi
aberta com vontade por Cheryl sendo seguida de uma Luka tão
enfurecida quanto.
— Não sabia que cobras poderiam entrar em festas de
fraternidade — declarou Cheryl despejando ódio em Mia. — O que
tá fazendo aqui, Mia? Cai fora, vai procurar outra pessoa para
incomodar.
A loira riu fraco.
— Ela está me devendo dinheiro — declarou a garota não
convidada apontando para mim. — Ou melhor, Medusa está me
devendo dinheiro.
— Cala a boca! — rugi. — Você está sendo cruel além das
possibilidades, Mia.
— Eu só quero a porra do dinheiro, Hannah.
Senti os dedos de Luka em meu braço tocando-me com
cuidado, procurando me acalmar, mas nem o carinho das minhas
amigas seria capaz de me acalmar ou de consertar todas as merdas
que eu acumulava dentro do meu coração por conta da traição da
cretina da Mia Perry.
— Não! — repliquei. — Há meses você vem me extorquindo,
me ameaçando, tornando a minha vida num inferno Mia, chega.
Você não vai ver mais um centavo que seja do meu dinheiro ou do
dinheiro de Medusa Wheeler. Agora saia daqui antes que eu seja
capaz de cometer um crime maior que o seu e te jogue por essa
janela.
Minha voz saiu firme por um milagre.
Mia me machucou tanto que, por todos esses últimos meses,
eu não fui capaz de me impor, mas precisava dar um basta. Ela
estava acabando com a minha vida. Me dando pesadelos e
arrancando-me o dinheiro que eu precisava. Se ela queria ir a
público e revelar meu maior segredo, não poderia mais fazer nada
para impedir. Estava farta.
— Sai daqui! — berrei e Cheryl fez questão de puxá-la pelo
braço e empurrá-la até que seus cabelos loiros deixassem o nosso
quarto.
Quando a porta se fechou, eu me larguei na cama e deixei
que as lágrimas viessem.
Como doía a decepção. Como doía a traição.
Ela distorceu o amor e me fez acreditar numa mentira. E
agora eu estava ali, aos vinte e quatro anos sendo patética e
chorando por um coração partido e cheio de mágoas.
“Eu sou o pior no que faço de melhor
E por essa dádiva eu me sinto abençoado”
— Smell Like Teen Spirit, Nirvana

Nunca mais eu vou beber, esse é o primeiro pensamento da


minha manhã de sábado. Só queria ficar deitada na cama o dia
todo, mas a noite passada voltou a minha mente me fazendo
lembrar não só do álcool, mas de Thierre e Hannah.
Seu par de obsidiana em mim, fazendo meu corpo flamejar
enquanto o garoto me apertava. Quando ela beijou o garoto com
quem estava foi como pegar todas as minhas expectativas, amassá-
las e tacar fogo. Sei que talvez estivesse pensando demais e
criando as coisas apenas na minha mente, mas me sentia atraída
por ela. Queria beijá-la. E tudo isso tornou uma noite que poderia
ser uma chance, em um desastre total . Eu não queria mais sequer
estar naquela maldita festa, mas deixei que Thierre me beijasse
para ver se a minha frustração diminuía, não adiantou. Por isso mais
alguns minutos eu resolvi ir embora. Não foi muito inteligente voltar
andando sozinha para o dormitório, mas nada aconteceu. Cheguei
sã e salva e agora estava de ressaca.
Meus olhos ainda estavam meio pesados, mas haviam duas
coisas importantes a se fazer após a última noite: a primeira era
evitar caras com a inicial T, porque aparentemente tenho um
problema com isso; segunda: um banho!
Meu estômago parecia solto dentro do meu corpo, enquanto
eu me sentava na cama, mas com calma fui fazendo tudo. Luka
ainda dormia, por isso procurei não fazer barulho para sair do
quarto.
Peguei a necessaire e a toalha, caminhando pelo corredor
quase vazio do prédio do dormitório feminino. Ainda estava cedo,
afinal. O sol estava tímido no horizonte e eu me xinguei por ser a
pessoa que bebe e acorda junto com as galinhas no dia seguinte.
O banheiro estava vazio, para meu deleite.
Entrei em uma das cabines e deixei meus pertences no
gancho da parede e no banquinho que havia ali. Entrei de baixo do
chuveiro que era separado por uma cortina. Liguei o registro e deixei
que a água morna caísse em mim, mas cada vez que fechava os
olhos, ela me vinha à mente.
Eu tinha que decidir o que iria fazer.
Estava a fim de Hannah, não iria mentir pra mim mesma
dessa forma, mas até onde eu poderia ir? Qual seria o limite das
nossas provocações? Eu estava me divertindo, mas com certeza me
divertiria bem mais com ela de outra forma.
Um suspiro deixou meus lábios e decidi lavar logo meu
cabelo para voltar para cama. O que não aconteceu, estava tão
lenta que me enrolei debaixo d’água. Perdi a noção do tempo e
deixei que meus dedos enrugassem ali. Só saí quando outra menina
do nosso andar entrou ali e eu não estava afim de muita gente
vendo a minha cara de acabada naquela manhã.
Com a toalha enrolada no meu corpo ainda, abri a porta do
quarto e me deparei com uma Luka arrumada.
Encarei o relógio de parede de gatinho que ela tinha do seu
lado do quarto, os ponteiros marcavam oito e meia da manhã.
Estava absurdamente cedo para um sábado.
— Bom dia.
Ela sorriu.
— Bom dia, Scar. Eu to saindo, vou ver a Hannah, ela não
passou muito bem no fim da festa ontem, então acho que vou
passar o dia lá com ela e Cheryl na fraternidade — avisou a minha
colega de quarto. — Mais tarde passe lá, será bem vinda.
Concordei com a cabeça indo até o meu armário.
— Ok, passarei.
Alguns instantes depois, Luka saiu pela porta com suas
roupas absurdamente estilosas, me deixando sozinha no quarto.
Coloquei uma roupa confortável e peguei uma garrafa de água no
frigobar do quarto. Precisava me hidratar primeiro, dormir mais um
par de horas e então quem sabe eu pudesse ir ver Hannah.

Dois litros de água, duas aspirinas e algumas horas depois,


eu finalmente consegui sair do quarto. Era perto do meia dia, então
estava faminta. Caminhei até o refeitório principal e peguei o que
tinha no dia por pura preguiça.
Não era a pior coisa que eu havia comido, mas estava longe
de ser bom. Sentei-me sozinha mesmo e comi bem pouco, meu
estômago estava meio sensível. Nunca fui boa para beber, era muito
fraca.
As pessoas ainda pareciam todas se recuperarem de uma
sexta-feira muito louca, todos meio desnorteados e aceitando que
agora o ano letivo estava começando.
Sentia o cansaço no meu corpo, mas passaria para ver
Hannah com as garotas. Luka disse que ela não estava muito bem,
mas não tinha a menor ideia do que poderia estar acontecendo além
de uma ressaca filha da puta como a minha. Peguei meu celular e
procurei pelo número de Luka, pensei em ligar perguntando se
poderia ir até lá, mas ao mesmo tempo considerei que não queria
ouvir um não. Desisti da ligação.
Levantei-me da mesa do refeitório levando a bandeja para o
local indicado e depois caminhei com tranquilidade até a cafeteria
que ficava perto da fraternidade das meninas. Pedi alguns donuts e
resolvi levá-los.
Minhas mãos suavam um pouco por eu estar fazendo aquilo,
mas segui as minhas vontades mesmo assim.
Bati na grande porta branca da mansão das Zeta Beta Zeta.
O vento mostrava que outubro vinha se aproximando junto com a
baixa de temperatura, mas ainda era algo bem tolerável com uma
simples camiseta e uma calça de moletom. Em Nova York eu nunca
sairia tão despojada assim. Céus, o que estava acontecendo? Será
que isso era resultado de não conhecer ninguém direito por ali? É a
única resposta possível.
— Oi, posso ajudar? — Uma garota de cabelos dourados e
pele bronzeada questionou abrindo a porta da fraternidade.
— Ah, vim ver a Hannah, ela tá aí?
Ela deu uma olhada para trás e abriu melhor a porta.
— Segundo andar, terceira porta à direita. — Deu as
coordenadas. — A propósito, sou Tessa, a líder da fraternidade.
— Scarlet. Sou colega de quarto da Luka.
Ela sorriu um pouco mais tranquila. Com simpatia ela me
conduziu até a escadaria e acabou subindo comigo e parou comigo
na frente da porta do quarto de Hannah. Sua mão foi sutilmente até
a porta dando três toques leves. De dentro do quarto pude ouvir
alguns resmungos e passos. A porta abriu-se nos dando a visão de
Cheryl em sua glória com um shorts de malha e um top apenas.
— Oi, Scarlet. Oi, Tess.
Sorri para a ruiva sentindo a mão de Tessa no meu ombro por
um instante.
— Só trouxe para que não se perdesse.
E saiu. Não consegui conter a minha careta, mas Cheryl nem
ligou para o comportamento da colega de fraternidade. Abrindo mais
a porta a ruiva me deu espaço para entrar. Seu sorriso era cansado,
assim como seu cabelo que estava levemente desarrumado. Entrei
no quarto e me deparei com Hannah deitada com a cabeça sob um
travesseiro que estava nas pernas de Luka enquanto as duas
camas das meninas estavam grudadas e alguns móveis puxados
para os lados.
— Oi, trouxe doce pra animar — comentei levantando a
embalagem em minhas mãos.
Os olhos de negros de Hannah me encontraram e um sorriso
singelo preencheu seus lábios sem cores dessa vez.
— Scar… eu tava louca por um doce.
Abri a boca ainda pensando no que responder enquanto
aquela mulher me roubava o simples raciocínio lógico sem
maquiagem e com o cabelo desorganizado.
— Hm, acertei em cheio então — brinquei limpando a
garganta entregando a caixa em suas mãos. Ela a abriu e o sorriso
alegre só se estendeu. Eu não sabia o que tinha acontecido para as
duas amigas estarem tão preocupadas com ela, mas ficava feliz em
saber que eu ajudei a deixá-la mais animada. — Eu pensei em ligar
antes de vir, mas acabei parando para comprar os donuts e acabei
vindo direto, espero que não seja um problema.
Cheryl riu fraco.
— Não é problema nenhum, lindinha — respondeu a ruiva,
pegando uma rosquinha recheada de chocolate e nozes. — Você foi
perfeita! Era isso que a gente estava precisando.
— Vem, deita aqui! Estamos fazendo sessão de filmes de
terror. — Hannah bateu na cama ao seu lado.
Tirei meus tênis e sentei-me na cama, ao lado de Luka, que
estava curiosamente quietinha. Cheryl, ao contrário do que eu
pensei, sentou-se em uma poltrona enorme ao lado da cama e
puxou uma coberta para cima de si. Foi ela que pegou o controle e
deu play na televisão para que continuássemos a ver Halloween, o
clássico de 1978.
Adorava esse filme, ele era a dose perfeita de tensão e
slasher.
Peguei um dos donuts simples e dei uma mordida enquanto
observava sutilmente Hannah sentando-se entre eu e Luka para
comer sem sujar-se muito.
Enquanto Michael Myers perseguia a Laurie Strode, meus
olhos se dividiam entre a comida, o filme e Hannah. Olhava
discretamente, sem me virar muito. Só pra admirar um pouquinho.
Quando o filme encerrou, engatamos no próximo: Pânico.
Com a melhor Final Girl dos filmes de terror. O clima agradável,
acabou me fazendo relaxar e logo estava deitada com Hannah ao
meu lado. Até Luka acabou deitando. E assim ficamos, comendo,
vendo filme de terror e nos recuperando de uma festa e tanto. Em
algum momento, meus dedos escorregaram até os de Hannah,
apertando sua mão com um susto bobo. Pensei em soltá-la e pedir
desculpas pelo meu susto, mas ela não me soltou. Nossos dedos
estavam entrelaçados e vez ou outra eu apertava a sua mão a
fazendo sorrir com sarcasmo.
Ela estava se divertindo com o meu susto.
Que cretina. Mas eu não ligava.
Deixei a mão ali, deixei que vez ou outra seu polegar
tentasse me acalmar em um carinho sutil e continuei a ver o filme
como se aquele contato não me afetasse.
Quando o terceiro filme do dia, A Morte Te Dá Parabéns,
terminou, Cheryl e Luka estavam dormindo já. O sono me dominava
também enquanto o sol começava a baixar.
Hannah sentou-se na cama e observou as duas amigas. Só
então me soltando.
— Eu vou fumar um cigarro e depois podemos ver mais um
filme, o que acha? — sugeriu e eu apenas concordei.
Virei-me para o lado e sentei-me também, jogando meus pés
para fora da cama. Deixando meus dedos tocarem o tapete felpudo
e rosa, que era a cara de Cheryl. Fiquei em pé e vi Hannah
colocando um casaco sobre suas roupas enquanto pegava a sua
carteira de cigarro.
Ela caminhou pelo quarto e pegou um chinelo preto e me
estendeu.
— Pode usar se quiser, pra não colocar o tênis.
— Obrigada.
Meus pés rapidamente se enfiaram no calçado e eu segui
Hannah para fora do quarto. Nós descemos as escadas em silêncio,
vendo apenas algumas poucas meninas pelo caminho. Com as
luzes acesas, a mansão da fraternidade parecia muito mais bonita.
E toda a bagunça da festa já tinha sumido de lá. Não tinha ideia de
como elas tinham feito, porque todas pareciam ainda se recuperar
das suas ressacas particulares.
Segui Hannah pela grande sala, passando pela cozinha
espaçosa, que tinha algumas garotas jantando, e chegamos a uma
porta estilo italiana de vidro. Ela a abriu, dando acesso a um jardim
que levava um deque com piscina. Nós saímos pisando na grama e
ela fechou a porta, indo em direção a uma mesinha que havia perto
da cerca da parte de trás da fraternidade. O vento da noite era
gelado, mas suportável. O silêncio do campus era raro e
reconfortante. Não sabia quanto tempo não tinha esse tipo de coisa
na minha vida, Nova Iorque era sempre tão barulhenta, nunca havia
silêncio.
Sentamos nas cadeiras disponíveis e observei enquanto ela
tirava um tubinho de tabaco e nicotina da caixa e levava à boca, o
acendendo. Fiquei presa na cena dela dando uma primeira tragada
na droga. Seus lábios perfeitamente abertos de maneira sutil,
deixando a fumaça sair para fora de seu pulmão e manchar a noite
com seu tom branco suave.
— E aí, o que está achando da faculdade até agora? — Sua
voz me fez sair do meu leve devaneio.
— Estou gostando, apesar de me bater um pouco de
desespero vez ou outra. Mas foi só uma semana.
Hannah riu.
— É normal o desespero. Seis anos depois eu estou aqui
desesperada desde o primeiro dia — comentou com deboche e uma
pitada de sinceridade.
— É, mas você vai se formar no próximo semestre, eu to só
começando.
Seus olhos castanhos me encontraram com uma inspeção
divertida.
— Você sobrevive, linda. Eu te garanto.
Sorri e desviei meu olhar do seu, caso contrário, logo estaria
hipnotizada por sua intensidade e provavelmente acabaria
petrificada. Seu olhar era encantador tal qual uma Medusa, ao
mesmo tempo que era mortal. Aquela garota com certeza quebraria
o meu coração, mas eu estava disposta a deixar isso acontecer só
para poder tê-la só para mim por alguns instantes.
— Espero que esteja certa.
— Eu sempre estou certa — replicou em deboche, me
fazendo sorrir.
— Uau, que ego grande, linda.
— É pra compensar as pernas cumpridas. — E talvez tivesse
razão, porque Hannah era uma mulher alta. — Mas você não
parece ser do tipo que tem autopiedade, Scarlet.
— Ah eu não tenho. Só estou tentando não enlouquecer com
a quantidade absurda de mudanças que estão rolando — disse com
sinceridade. Era muita coisa. Em uma semana eu sentia que tinha
vivido quase um ano. Era tudo tão intenso. Achei que essas coisas
tinham ficado na adolescência, mas aparentemente aos vinte anos
elas continuavam ali. — Você fica bonita sem maquiagem… —
declarei, mas sem segundas intenções, apenas pelo fato de elogiá-
la. Ela parecia realmente chateada e cansada demais quando
cheguei ao quarto, então um agrado desses pudesse lhe fazer bem.
— Obrigada, Scar.
Sorri com sinceridade. Sua atenção voltou-se ao seu cigarro,
mas foi perceptível o leve tom rosa que tomou suas bochechas. Era
fofo.
“Por que a solidão é tão barulhenta?
Eu sinto falta de casa
Mas as palavras não vão sair da minha boca
Talvez eu seja orgulhosa demais
Para admitir que preciso de você”
— Remind me, Zolita

Existiam quatro pessoas que sabiam o que eu fiz no verão


passado; John - meu irmão -, Luka e Cheryl - minhas melhores
amigas -, e Mia, alguém que eu achei que conhecia e por
conseguinte, confiei cegamente.
Não havia nenhum corpo ou esqueletos no meu armário, mas
haviam coisas que eu queria manter como estavam. Medusa
Wheeler era uma delas. Ela era um segredo e deveria permanecer
assim. Era como eu queria as coisas. Não havia grandes motivos,
só havia o desejo por privacidade. Além da vontade desesperadora
de não ser uma decepção para a minha avó.
Encarei meu reflexo no espelho enquanto a água escorria
pela minha pele. Estava jogando um pouco do líquido gelado no
rosto após um pesadelo, tentando acreditar que era apenas um
sonho e que esse tipo de coisa nunca aconteceria.
Mia não revelaria o meu segredo.
Não sem ganhar nada em troca, por isso ela ainda não havia
feito, ela queria algo grande, que chamasse a atenção para si. Ela
era fanática por atenção. Chegava a ser doentio, mas naquele
momento era uma vantagem para mim, porque atenção era a única
coisa que ela gostava além de dinheiro.
Saí do banheiro da suíte do meu quarto e voltei para a minha
cama. Luka estava dormindo na minha cama com Cheryl enquanto
Scarlet dormia na cama de Cheryl comigo. Não lembro como
chegamos a essa configuração, mas era assim que estávamos
passando a noite.
O horário do meu celular dizia que eram 3h40. Madrugada. E
eu tendo pesadelos, ótimo, mais uma noite mal dormida para a
conta.
Deitei-me novamente observando os cabelos castanhos
iluminados jogados no travesseiro. Meus dedos quase coçaram para
tocá-la, mas os controlei, deixando apenas meus olhos a encarando.
Absorvendo cada pedaço do seu rosto delicado, do seu nariz com
uma ponta levemente mais arredondada, mas que eu achava um
charme. Inalei seu cheiro de morango com baunilha, absurdamente
doce e viciante. Sorri e fechei os olhos, procurando pelo meu sono
novamente, o encontrando na paz que exalava de Scarlet naquele
momento.
Cheryl acordou cedo, como de costume, ela e Luka faziam
uma boa dupla para sair da cama cedo e essa era uma das partes
que eu não gostava das minhas amigas. Eu as amava, mas porra,
era domingo e as duas acordaram e não calaram mais a boca.
Obviamente elas não eram loucas de falarem alto, mas o tom era o
suficiente para me incomodar.
Abri os olhos e observei apenas os cabelos de Scarlet. Não
sabia se estava dormindo ou se já estava acordada como as outras
duas, mas ao me concentrar para ouvi-la respirando, tive certeza
que ainda dormia.
Virei-me para o outro lado e encarei as outras duas.
— Vocês falam demais… — resmunguei, com a voz um
pouco mais rouca.
Dois pares de olhos me encararam e sorriram.
— Você que dorme demais — replicou Luka divertida. —
Vocês duas, meu Deus, a dupla perfeita. Nunca vi gostarem tanto de
uma cama.
Fui obrigada a rir.
E então senti uma movimentação ao meu lado na cama e
virei-me para ver Scarlet bocejando e sentando-se na cama.
Ela virou-se para nós três e sorriu.
— Bom dia.
A voz dela estava mais grave, com uma rouquidão agradável.
Aquilo era simplesmente música para mim.
Todas a respondemos com um bom dia.
— Ok, o que querem fazer hoje, meninas? — Luka
questionou com uma animação que eu nem sabia de onde ela tinha
tirado.
— Dormir? — sugeri.
— Eu vou ver o John — comentou a ruiva e eu revirei os
olhos. Era isso que eu ganhava por ter minha melhor amiga e meu
irmão juntos.
— Eu tenho que ler uns textos para segunda-feira. — Foi a
vez de Scarlet dizer, acabando com as esperanças de Luka de ter
companhia.
— Vocês são péssimas, vou ligar para o North.
Eu ri e levantei-me da cama, me sentindo bem, apesar da
noite de sono horrorosa. A aura dentro do quarto estava ótima.
Observei Luka levantava-se também enquanto Cheryl parecia
distraída com o seu próprio celular. Encarei a garota de tranças e a
sua expressão de decepção. Luka era muito faladeira e adorava
companhia, nem sabia como ela tinha aguentado ficar sem uma
colega de quarto no último semestre. Ela era a melhor, mas quando
se chateava com algo, ficava quieta. E eu sabia disso. Ela se
fechava no seu mundinho, até que alguém fosse lá tirá-la de lá e
voltar a recarregar a sua animação.
— Hm, o que acham de um café da manhã nosso? — sugeri,
chamando a atenção das três. — Nós todas temos coisas para
fazer, mas podemos pelo menos tomar um café juntas, o que
acham? — questionei tentando tirar o sorriso do rosto da minha
amiga. O que funcionou.
O sorriso largo e branco de Luka fazia o contraste perfeito
com a sua pele castanha-dourada.
— Acho uma excelente ideia! — declarou ela.
Encarei a ruiva, que assentiu e depois meus olhos caíram em
Scarlet.
— E aí, vai com a gente?
Um sorriso sonolento preencheu seu rosto antes dela
assentir.
E então começou a disputa pelo banheiro entre eu e Luka,
afinal não precisávamos dar o ar da nossa graça no campus com
caras amassadas.
Meia hora depois, nós quatro estávamos sentadas e com
nossos cafés e comidas em uma mesa no café caro que Cheryl
adorava. Eu estava com o meu típico café puro, a única diferença é
que eu normalmente pagava 0,70 dólares no meu café e ali ele era
2,50 dólares. Um absurdo, mas não estava no humor de questionar
isso. Também não iria a falência por ir a esse café uma vez na vida.
Cheryl estava comendo um muffin e tomando seu latte, Luka estava
com seu cappuccino e um pedaço de torta de amora e Scarlet com
seu suco de morango e essência de baunilha além de um bolinho de
chocolate. Eu era a única que não estava comendo algo.
Era o meu costume: café puro e nada mais até a hora do
almoço.
— E aí, o que tem que estudar hoje? — questionei a Scarlet,
aproveitando que ela estava ao meu lado.
— Shakespeare, tenho que ler A Megera Domada.
— Adoro esse texto — confessei.
E lá veio uma gracinha de Cheryl.
— Ela gosta porque é uma megera, não caia nessa conversa,
Scarlet.
Peguei um sachê de açúcar e joguei na minha amiga,
fechado, claro. Ela riu e eu lhe mostrei o dedo do meio.
— Sua otária, não é assim… — repliquei sentindo um
nervosismo súbito. Não queria que Scarlet pensasse algo ruim
sobre mim.
— Tá, tá, ela só não gosta de pessoas em geral — corrigiu-se
Cher.
Rolei meus olhos. Ela até tinha razão, mas não admitiria isso
em voz alta.
— Bem, já que se encaixa tanto no papel, poderia me ajudar
com o livro… — comentou Scarlet entrando na brincadeira. —
Preciso fazer um resumo e só li 30% do livro até agora. — Ela
reteve a sua atenção em mim, com um par de olhos esmeraldas me
encarando com curiosidade e um misto de pedido. — Não quero
que faça o trabalho por mim, mas uma companhia para consultar
seria bom, talvez.
Semicerrei meus olhos e encarei as outras duas. Eu me
enfiaria numa confusão assim, eu sabia. Ficar com Scarlet fazendo
um trabalho era a definição de perigo no meu dicionário atual, mas
um lado sádico meu simplesmente não conseguia negar.
Ela despertava a minha curiosidade.
E eu estava disposta a arriscar a minha vida para saciar essa
curiosidade.
— Ok, eu te ajudo. Podemos fazer lá na fraternidade isso.
— Beleza.
— Lá é mais espaçoso e tem comida sempre… — Luka
adicionou dando um gole em sua bebida. — Muito melhor que nosso
dormitório, garanto.
E nós quatro rimos, mais uma vez. Um café da manhã assim
era tudo o que eu precisava para esvaziar a cabeça. Esquecer Mia e
toda a dor de cabeça que ela vinha me causando.
Nós comemos com Luka e Cheryl falando feito dois
papagaios e depois cada uma seguiu seu caminho. Cher foi ver meu
irmão na fraternidade dele, eu fui com Luka e Scarlet até o quarto
delas. Luka foi quem abriu a porta. Scar logo jogou-se para dentro e
foi até a sua escrivaninha, pegou o material que precisaria, o que se
resumiu em seu notebook, um caderno, canetas e o seu aparelho
Kindle. Ela encarou ao redor e depois nós duas.
— Eu vou tomar um banho rapidinho, pode ser? —
questionou mais para mim do que para Luka e eu assenti,
caminhando até a cama dela e deixando que meu corpo caísse ali
sentada.
Minha amiga, e a outra dona do quarto, caminhou até a
própria cama e deitou-se ali, pegando o celular rapidamente.
Scar saiu do local e Luka não se aguentou, me encarando
com duas orbes inquisidoras.
— O que foi?
— Você está sendo legal demais com ela, está estranha —
comentou, mas eu dei de ombros.
— Em menos de uma hora vocês me chamaram de megera e
disseram que é estranho eu ser legal com alguém. Tô tentando
entender o que querem que eu faça — repliquei com humor.
— Você não está só sendo legal, Han, você sabe disso. Ela
te olha diferente e você gosta disso. — Luka joga suas verdades na
minha cara. — Acho isso ótimo, mas toma cuidado.
O clima não era mais tão animado e colorido depois daquilo.
Foi automático minha feição mudar para algo mais carrancudo. Não
gostava quando tiravam conclusões sobre a minha vida, minhas
vontades e principalmente, sobre coisas que nem sequer tinham
acontecido.
— Não posso viver com medo de cada pessoa que eu
conheça seja uma nova Mia, Luka — declarei aborrecida.
Deixei meu corpo cair melhor na cama de Scarlet e o seu
maldito cheiro me inebriou por um instante. Eu gostava do seu jeito
provocador e sensível. E eu começava a não me incomodar tanto
em me deixar encantar por ela.
— Concordo, e acho ótimo que queira se dar uma chance
novamente, você merece, só tome cuidado. — Repetiu as últimas
palavras.
— Eu não sou tão ingênua assim, tá?! Não vou deixar a
história se repetir, além do mais, não sabemos ainda se ela quer
algo comigo, ela pode só ficar me tentando e é isso.
Luka riu.
— Ah, tá. — Minha amiga sentou-se na sua cama e me
encarou. — Ela tem cara de quem sabe exatamente o que quer e tá
óbvio pra mim que ela quer você, Hannah Young.
Rolei meus olhos.
Não queria acreditar completamente nas palavras da minha
amiga, porque não queria me frustrar de forma alguma, mas não era
capaz de mentir para mim mesma, queria conhecer melhor Scarlet.
Queria senti-la perto, grudada em mim. E isso me assustava. A
intensidade da determinação que pairava no olhar dela era
levemente aterrorizante. Mas não parecia ser do tipo que não aceita
um não, pelo contrário, parecia ser do tipo que nunca tinha sequer
levado um não. E a pior parte era que eu, honestamente, não estava
considerando ser essa pessoa que lhe diria um não.
Se ela conseguisse roubar meu coração, além da minha
atenção e desejo, eu a daria o mundo.
Suspirei e vi Luka voltar a atenção ao celular. Alguns
instantes passaram até que a porta do quarto fosse aberta por uma
Scarlet de vestido e cabelos molhados. Ela os secou na toalha e os
penteou. Seus fios não eram tão longos, iam apenas até depois do
seu ombro em um corte reto e tinham uma leve ondulação, ao
contrário do meu que era basicamente liso, longo e repicado.
Ela colocou uma meia calça e uma bota, declarando que
estava pronta.
— Não quer secar esse cabelo? — questionei olhando lá
para fora, vendo o vento tornar-se mais forte. — Tá meio frio.
Os olhos de Scarlet me observaram, analisando a minha
preocupação expressa nas palavras. Só que essa seria uma
preocupação que eu teria com Cheryl ou Luka também, mas talvez
ela não precisasse saber disso.
— Ah, pode ser.
Ela caminhou até o seu lado do armário e pegou um secador,
ligando-o na tomada ao lado da escrivaninha e começou a jogar o
vento quente em seus fios, deixando-os dançando no ar.
E naquele instante me dei conta de algo bem importante: eu
não poderia mais confiar em mim mesma perto dela, porque eu
estava reparando em cada detalhe que a compunha e isso era o
próprio caos.
Desviei o meu olhar para a janela e respirei fundo.
Era melhor não encará-la tanto assim.
Em cinco minutos ela finalizou com o cabelo e nós fomos
para a fraternidade, encontrando North já na entrada do prédio do
dormitório. O cumprimentamos e saímos rindo, era impossível não
rir naquela situação. Esperava que ele e Luka tivessem um bom
domingo porque o sorriso que pairava no rosto dele dizia que ele
estava disposto a ter um domingo espetacular.
Nós duas seguimos até a fraternidade apenas contemplando
a companhia e o nosso habitat natural universitário. O campus era
grande e ficava há uns vinte minutos do centro de Wolfsview.
Mesmo assim não era tão grande como das principais universidades
do país, o que era bom, havia um conforto naquilo. Chegamos à
ZBZ e seguimos direto para o meu quarto, nos trancando lá.
— Bem, fique à vontade, se quiser sentar na escrivaninha ou
na cama, tanto faz — avisei apontando para os dois locais. Ela
considerou por um momento.
— Vou ficar com a cama, vou tentar ler mais um pouco antes
de começar a escrever — declarou e eu apenas assenti.
Nós duas deitamos na minha cama e enquanto Scar lia em
seu kindle, eu peguei o meu para ler algo também. Não estava
lendo muita coisa ultimamente, meu ritmo de leitura estava péssimo,
mas decidi prosseguir com a leitura da série de Robert Bryndza da
detetive Erika Foster. Estava no quarto livro já.
O silêncio pairou pelo quarto.
Scarlet parecia concentrada na sua leitura enquanto eu
sequer conseguia ler uma página direito porque a presença dela me
distraía. Esse era o nível de patética que eu me encontrava.
Em algum momento nossas pernas começaram a se
enroscar uma na outra, mas eu não me incomodei, apenas deixei
que acontecesse. Qualquer um que olhasse aquela cena pensaria
que tínhamos uma intimidade de anos, mas a verdade é que eram
apenas alguns dias. Mas pouco me importava.
Os minutos se transformaram em horas e eu sequer senti.
Vez ou outra nossas mãos tocavam e nossas pernas se apertavam
uma na outra, mas estava tudo certo. Era como um flerte silencioso
que naquele momento nenhuma de nós queria negar ou confirmar.
Quando vimos, precisamos acender a luz, pois o sol já tinha nos
abandonado, deixando o espaço no céu para a lua brilhar sozinha
em toda a sua glória.
— Estou com fome… — comentei a encarando, depois de
deixar o quarto mais claro.
— Podemos ir comer algo ou pedir, tanto faz — sugeriu.
Considerei por um instante até que me joguei por cima da
cama novamente, fazendo-a rir e alcancei meu celular.
— A gente vai pedir, estou com preguiça de dirigir até a
pizzaria — constatei.
Scar parecia se divertir com a situação.
— Não sabia que dirigia
— Eu não costumo dirigir, mas tenho meu carro.
Ela anuiu e voltou-se a sua leitura. Seus dedos com unhas
pintadas de vermelho agarravam-se ao Kindle enquanto ela se
ajeitava na cama, sentando-se com as costas grudadas na parede.
— Está terminando já? — questionei curiosa.
— Quase, falta uma hora segundo o Kindle.
— Beleza, aí te ajudo a fazer a resenha.
Abri o aplicativo da pizzaria perto do campus e fiz o pedido
para uma tradicional grande e uma Coca-Cola de 2 litros para
acompanhar.
Nós não tínhamos almoçado e a verdade é que não tinha
sentido fome também, mas agora começava a ficar faminta.
— Ok, pedi — avisei. — Vou lá fora fumar um pouco e já
volto.
— Ok, e eu vou terminar esse livro.
Saí da cama e procurei pela minha bota Ugg preta, não
costumava usá-la fora de casa, mas precisava admitir que aquilo ali
era quentinho e absurdamente confortável. Coloquei um casaco
preto por cima da roupa também e busquei pela minha carteira de
cigarros. Dei uma revirada na minha mesinha de cabeceira até que
me lembrasse que tinha guardado ela na gaveta. A peguei e saí,
dando uma última olhada para Scarlet, quieta, na minha cama,
lendo.
Era uma imagem e tanto.
E pior, acelerava meu coração.
Desci as escadas e fui para o lado de fora da mansão da
fraternidade. Fumei mais rápido do que o normal. Queria colocar a
culpa só no frio, mas a verdade é que estava ansiosa para voltar
para o quarto.
Voltei para dentro da fraternidade encontrando Tessa rindo
com Fiona. As duas bebiam um suco que tinha cara de ser super
saudável e não ser nada gostoso, era verde afinal. Sorri para elas e
segui meu caminho, parando na porta principal para pegar a minha
pizza e a minha Coca-Cola. Enfiei a carteira de cigarro no bolso e
levei tudo pelas escadas da mansão até o meu quarto.
Com a mão que carregava a bebida numa sacola, girei a
maçaneta e entrei no quarto. Fechei a porta e então encarei Scarlet
folheando os livros dela.
“Bruxas da rua Sunny Bishop” era o que estava em suas
mãos. O primeiro livro de Medusa Wheeler.
Deixei a bebida no chão e a pizza na mesinha de cabeceira.
— O que está fazendo? — questionei, chamando sua
atenção.
Até então, ela não tinha me notado. Suas duas esmeraldas
me encararam com susto e divertimento.
— Vi os livros na sua estante e fiquei impressionada. Eu
sempre quis comprar os livros da Medusa, mas eles são muito
limitados e nunca consegui, mas já li todos pelo Kindle, sou fã do
trabalho dela! — constatou e eu senti meu coração esmurrando a
minha caixa toráxica. Parecia que ele ia sair pela minha boca.
Ela era fã da Medusa. Ela era fã do trabalho dela.
Ela era minha fã.
— É, eu gosto muito do que ela escreve também — menti.
Não que eu não gostasse, mas venhamos e convenhamos, não há
como ser tão crítico assim com o próprio trabalho.
— Ela escreve romances sáficos de uma forma tão delicada
— comentou Scarlet demonstrando todo o seu carinho pela minha
escrita. — Ela foi alguém que me ajudou a me entender como
bissexual, sabe? Os livros dela são realmente bem importantes para
mim.
Sorri. Não tive como não sorrir.
Ela estava falando do meu trabalho, algo que vinha se
tornando meu pesadelo desde Mia e que agora, Scarlet, me
relembrava o quão incrível era.
— Acho que posso dizer o mesmo, mas acho que mais
importante do que Medusa, é a nossa pizza! — declarei apontando
para a comida.
Scarlet sorriu largamente, fechando o livro e o colocando no
mesmo local que o encontrou na estante e veio até a minha cama.
Estendi uma toalha ali para evitar que sujássemos as minhas
cobertas e comemos na cama mesmo.
— Terminou o livro? — Resolvi questionar.
— Sim, é divertido, mas é um inglês arcaico.
— É Shakespeare, Scar, não sei como estava esperando
algo diferente.
— É você tá certa…
— Eu sempre estou certa!
E ela riu, anuindo em deboche.
Suas bochechas coraram um pouco e seu nariz crispou. Era
uma careta suave e fofa. Eu gostava.
— E quantas palavras tem que ter a resenha crítica?
— Até mil palavras. Quero ver resumir tudo só nisso.
— Será um desafio, sorte a sua ter uma veterana pra te
ajudar.
— É aparentemente eu tenho uma veterana pra chamar de
minha.
Foi a minha vez de sentir as bochechas quentes, mas eu
adorei o seu tom. E adorei como o minha saiu dos seus lábios.
“Então me olhe nos olhos
Diga-me o que você vê
Paraíso perfeito
Se desfazendo”
— Bad Liar, Imagine Dragons

Minha resenha ficou incrível! Hannah me auxiliou a escrever,


e uau!, aquela garota tinha um talento secreto para a escrita, eu
tinha certeza, porque a minha nota tinha sido 10.
Uma semana tinha se passado desde que dividimos uma
pizza em sua cama. E eu não poderia estar mais animada com a
nossa aproximação. Gostava da sua companhia e de provocá-la vez
ou outra, mas a verdade é que estava ficando cada segundo mais
extasiada com a sua presença constante. Mesmo no silêncio.
Mesmo quando decidimos ler juntas apenas, cada uma com seu
livro - ou Kindle - é… perfeito!
Seu cheiro de café e nicotina começaram a pairar no meu ar
mesmo quando ela não estava por perto.
Isso era perigoso. Mas como diria Simba, no clássico do Rei
Leão, “eu rio na cara do perigo”.
Pensando em Rei Leão, lembrei do meu próximo trabalho: a
comparação do clássico desenho com Hamlet. Uma nova resenha.
Para antes do Halloween.
Saí do prédio onde estava tendo aula e resolvi pegar meu
celular, tinha um horário vago e decidi ver minhas redes sociais que
estavam basicamente abandonadas desde que pisei em Wolfsview.
Precisava procurar um salão para arrumar meus cílios logo também,
ou os arrancaria todos da minha cara.
Abri o aplicativo do Instagram e a primeira foto que apareceu
foi de Claire com o namorado. Fazia um ano que não via a minha
amiga, sentia a sua falta. Ela mudou-se para a Inglaterra e isso
dificultou um pouco a nossa comunicação, mas agora comigo na
Califórnia as coisas estavam ainda mais impossíveis por conta do
fuso horário.
Rodei o feed mais um pouco, me deparando com uma foto de
Quinn numa confeitaria famosa próxima à Harvard. Essa era outra
pessoa que eu sentia falta. Sentia falta de todos os nossos
momentos juntas no colégio. Éramos impossíveis, como diria
Georgia, a mãe solo de Quinn. Mas éramos felizes.
Rodei mais um pouco e não vi mais nada de interessante.
Travei a tela e coloquei o celular dentro do bolso da minha
jardineira jeans que usava. Decidi ir buscar algo para comer, talvez
um doce, para aguentar mais duas aulas até a hora do almoço.
As árvores, ao redor do caminho pavimentado por onde eu
andava, balançavam conforme o sutil vento batia nelas. O dia
estava mais quentinho, mas segundo o aplicativo do meu celular,
logo viriam chuvas e uma temperatura baixa. Só esperava que isso
não fosse no fim de semana, porque Cheryl e Luka nos
convenceram a ir ao jogo de futebol americano para vermos John e
North. Seria Wolfsview contra a UK, a Universidade de Kardama.
Segundo elas, isso era quase um clássico do estado, e eu confiava.
Quase chegando a cafeteria encontrei Hannah sentada num
banco com um cigarro em uma mão e com um livro físico em outra.
Ela parecia concentrada e por mais tentada que ficasse para ir falar
com ela, preferi não atrapalhá-la ainda. Segui até a loja e comprei
meu suco de morango, quatro donuts simples e um café puro
entupido de cafeína. Peguei dois sachês de açúcar, porque não
lembrava se ela tomava com ou sem, e levei junto.
A passos lentos e com todo o cuidado do mundo para não ser
uma desastrada e jogar as bebidas em mim mesma, me aproximei.
Quando cheguei perto o suficiente, só reparei no sorriso nos lábios
dela antes mesmo de seus olhos encontrarem os meus.
Quando os encontraram, quase me perdi na sua imensidão
negra.
— Você está me deixando mal acostumada me trazendo
comida assim — ela comentou enquanto eu sentava ao seu lado,
deixando ela pegar o copo de café.
— Dizem que o primeiro passo para a conquista é agradar o
estômago — declarei e a vi sorrir um pouco sem graça. Coloquei
minha bolsa ao meu lado e deixei a caixinha com a comida no meu
colo.
— Então está realmente tentando me conquistar?
— Não fui direta o suficiente? — debochei. — Ah não espera,
deixa eu dizer com todas as letras: Sim, estou tentando te
conquistar. Está funcionando?
Ela me encarou com a diversão esculpida em seu rosto.
— Talvez, continue me trazendo comida mais alguns dias e
saberei te responder.
— Que interesseira… — brinquei tomando um gole do meu
suco.
— Foi você quem começou. — Seu argumento era válido,
mas não admitiria isso. — Mas e aí, além da comida e claro, da
ótima companhia que eu posso ser, o que te traz aqui?
— Foi só pela companhia mesmo, linda. Gosto da sua
companhia. — O que não era nenhuma mentira, mas talvez
faltassem algumas informaçõeszinhas.
— Você é realmente determinada — ela soprou antes de dar
o primeiro gole no seu café puro mesmo, sem nem um pingo de
açúcar.
— É o que dizem. Mas sei respeitar o espaço dos outros,
então se quiser, posso cair fora… — sugeri tentando não invadir
nada e nem ultrapassar os limites.
— Não, gosto da companhia.
Ela parecia de bom humor e bem a vontade. E eu gostava
disso.
Nós comemos e bebemos. Hannah parecia uma boa
apreciadora do silêncio e eu gostava disso. Assim que terminamos
os donuts, ela acendeu um cigarro. Tragando a droga.
— Tirei nota máxima na minha resenha, preciso agradecê-la
pela ajuda — comentei a encarando.
Suas íris obsidiana me encararam e ela sorriu.
— De nada, sempre que precisar pode falar comigo sobre os
trabalhos da faculdade.
Concordei e encarei o relógio no meu celular, minha próxima
aula começaria em dez minutos. Era melhor eu começar a me
encaminhar de volta para o prédio de linguagens.
— Preciso ir…
Ela anuiu enquanto eu me levantava, peguei as embalagens
vazias para levá-las até o lixo. Hannah apenas me observou
caminhando para longe.
As aulas seguiram até o horário do almoço, o qual combinei
de comer com as meninas: Hannah, Luka e Cheryl. Nas duas
primeiras semanas de aula tudo o que eu tinha conseguido eram
pessoas insuportáveis das minhas classes, simplesmente não
conseguia fazer uma amizade ali, o que era bem frustrante. Porém
ao menos tinha as três. E mesmo que elas sejam mais amigas entre
elas, não acho que me viam como um problema. Elas
definitivamente não estavam sendo simpáticas por obrigação, então
ficava mais tranquila. Gostava da companhia delas.
Luka tinha seus momentos de tagarela e de silêncio, e eu
gostava disso. Hannah, bem, não preciso nem começar, aquela lá
me roubava o sono e eu sequer tinha a beijado ainda. E Cher era
quem eu menos via, mas sempre estava disposta a me fazer ser
uma pessoa bem-quista.
Cheguei ao refeitório e peguei minha bandeja, procurando
por Luka, a única que estava ali já. Quando a encontrei ela desatou
a falar:
— Se tiver chovendo no jogo eu vou ter um surto! — Luka
começou. — Sério, nunca mais vou torcer em um evento esportivo
se isso acontecer.
Eu a encarava com diversão. Ela tinha passado os últimos
três dias preocupada com isso, mas a verdade é que a previsão
dizia que na sexta-feira, dia do jogo, as coisas estariam tranquilas,
não haveria chuva. Nem em Wolfsview e muito menos em Kardama,
a cidade que ficava a quarenta minutos para o sul e onde seria o
jogo.
— Tenho certeza que tudo vai ocorrer bem, Luka. — Tentei,
inútilmente, tranquilizá-la. Ela parecia uma pilha de nervos, e algo,
no meu íntimo, me dizia que não era só um receio pela chuva.
Cheryl juntou-se a nós, colocando sua bandeja com um
sanduíche saudável sobre a mesa. A ruiva parecia mais cansada
que o normal, seus cabelos estavam presos de qualquer jeito com
uma caneta e seu jaleco branco foi só jogado com a bolsa ao seu
lado. Seus olhos azuis nos encararam e ela sorriu.
— Falta muito para o feriado?
Luka esticou sua mão e tocou o pulso da amiga.
— É, falta… Não chegamos nem no Halloween ainda.
Os ombros da ruiva murcharam.
— Esse último ano está sendo caótico além das minhas
possibilidades. Não aguento mais as aulas. — Sua voz transparecia
todo o seu cansaço, mas a verdade é que mal tínhamos chegado
em outubro. Faltava mais de um mês para o feriado de Ação de
Graças e, até lá, teríamos muitas aulas e muitos trabalhos para
serem entregues.
Continuei a devorar o meu macarrão com almôndegas
quando finalmente Hannah chegou à mesa. Ela vinha com uma
bandeja cheia de batatas fritas com cheddar e bacon.
— Por que a gente precisa de um diploma? — Han
questionou jogando seu corpo ao meu lado. Adorava esses
questionamentos filosóficos universitários.
— Dizem que ele é o início pra gente tentar garantir um futuro
minimamente decente — comentou Luka. — Você vai nos levar para
Kardama na sexta?
A mudança de assunto brusca fez com que Hannah
encarasse a amiga.
— Ah, vou. Já que meu irmãozinho virou capitão do time,
minha pseudo obrigação é ir torcer por ele, né?! — O sarcasmo
estava intrínseco ali. — Mas nós vamos e voltamos no mesmo dia,
nada de querer ir nas baladas de Kardama.
Aquilo era um aviso para as suas duas amigas. E ambas
concordaram.
— Só não vou reclamar disso porque estou realmente
cansada, não sei se suporto balada — declarou Cheryl. — Mas se
eles ganharem, vai ter festa na fraternidade. Você sabe disso.
Eu apenas observava as três conversando, em silêncio.
— Sei, mas pelo menos minha cama não vai estar a uma
estrada de distância caso eu queira ela — comentou a garota de
cabelos negros e lisos. — Tá, vamos sair às 17h daqui, o jogo é às
19h30 lá, então estejam prontas no horário. — E seus olhos vieram
a mim. — Você vai também, certo?
Sentindo o molho de tomate tomando meus lábios enquanto
tinha a boca cheia de macarrão e bolinhas de carne, só anui com a
cabeça. Engoli minha comida e tomei um gole do meu suco de
maçã para ajudar.
— Eu não preciso usar uma camiseta do time, né?! —
questionei honestamente curiosa quanto a essa questão.
As três riram.
— Claro que não, mas, por favor, não use azul, essa é a cor
do time de Kardama — Luka respondeu-me.

Virei-me na cama tentando encontrar uma nova posição


depois de ter passado três horas deitada em uma única lendo. Puxei
os travesseiros e os coloquei embaixo das minhas pernas, deixando
minha cabeça encostada apenas no colchão. Levei o Kindle para a
minha cara e continuei a minha leitura.
Já era noite e Luka tinha saído para jantar com North,
portanto estava sozinha, no santo silêncio, para conseguir ler em
paz. Minha colega de quarto e amiga não tinha me dito quando
voltaria, então estava aproveitando os momentos que eu tinha para
ler o máximo que conseguia as coisas da faculdade. Já tinha
passado pela matéria de filosofia, a qual odiava e agora pelo menos
estava lidando com as matérias de literatura.
Contudo, minha concentração vacilou quando meu celular
vibrou ao meu lado, chamando a minha atenção.
Encarei o aparelho e vi um nome que há muito não via me
chamando: Claire.
Sorri fraco, travei a tela do Kindle e atendi a ligação.
— Quem é vivo sempre aparece, não é mesmo, Claire
Rudd?! — debochei.
Minha amiga riu do outro lado da linha.
— Não seja uma megera má, eu estou ocupada estudando
literatura, como você. Deveria saber como é puxado — replicou
minha amiga de longa data.
— É, eu entendo… Mas isso não impede que sinta a sua
falta. — Fiz uma leve pausa antes de soltar: — Sabe que megera
má é pleonasmo certo?
— Ah, vá a merda, Scarlet! É cedo demais por aqui para eu
pensar sobre isso. Mas o que importa: também sinto a sua falta,
Scary. Por isso tô ligando. Em algumas semanas eu devo ir à
Califórnia, vou ver meu pai em Los Angeles e pensei em passar aí
na sua Universidade para conversarmos e nos atualizarmos uma
com a outra.
Sentei-me imediatamente na cama.
— Você vai ver seu pai? Uau.
— Bom, uma hora tenho que conhecer meus irmãos, né?! —
debochou.
Os pais de Claire não estavam juntos há longos anos e
ambos tinham novas famílias, mas como Henry mudou-se para a
Califórnia, Claire acabou nunca conhecendo os novos irmãos por
parte de pai. Já por parte de mãe, ela sempre conviveu.
— É uma ideia.
— Sim, mas e aí, posso passar aí em Wolfsview quando for?
— Claro que pode! Estarei aguardando ansiosa, Clay.
E eu juro que pude ouvi-la me xingando mentalmente por
usar esse apelido. Ela o odiava!

O meu casaco vermelho me protegia do clima que começava


a ficar mais gelado por ali, mas ainda não era nada absurdo. Uma
bota e um casaco confortável resolviam o problema. Encarei meu
reflexo, avaliando a roupa e dando o veredito final: seria aquela.
Virei-me para pegar minha bolsa e reparei em Luka
colocando um cachecol, o que considerei um exagero.
— Pronta? — ela questionou me encarando no reflexo do seu
espelho.
— Sim, quando quiser, já podemos ir.
Ela assentiu e passou um batom vermelho nos lábios antes
de pegar sua própria bolsa e abrir a porta do quarto.
Estávamos maravilhosas e prontas para enfrentarmos uma
estrada para vermos um jogo de futebol americano por John e
North. Deus, onde foi que eu errei? Como vim parar numa situação
assim?, ri com meus pensamentos.
Luka estava visivelmente nervosa. Era o primeiro jogo que
ela estaria indo, e era a primeira noite que estaria com North como
namorada dele oficialmente, o que eu achava absurdamente fofo.
Sua ansiedade com a situação toda era tanta que ela não
caminhava até a fraternidade, ela corria basicamente.
Sem reclamar, apenas a acompanhei, mas pensei em sugerir
que tomasse algum tipo de remédio que a relaxasse, só um pouco,
antes que tivesse um troço, porém, não o fiz. Chegamos a grande
mansão e já encontramos Hannah e Cheryl do lado de fora. Hannah
fumava, como sempre, enquanto Cheryl parecia bem melhor do que
no restante da semana. Ela estava até mais corada. Ambas com
roupas em tons de vermelho, mas Hannah ainda mantinha um
casaco preto por cima do seu suéter no tom do time.
Nós duas nos aproximamos e Han jogou seu cigarro no local
apropriado.
— Vamos? — questionou a dona do carro sem muita
animação. Todas concordamos e seguimos ela até o seu Fiat 2016
preto. Não era nenhum modelo de luxo, mas era um carro bem
cuidado.
Cheryl e Luka entraram no banco de trás, então entrei no
banco do carona. Hannah encarou todas nós, mas seus olhos
repousaram em mim enquanto ela dava partida no motor. Um
sonzinho chato começou a soar, e ela sorriu pra mim.
— O cinto, Scar.
Senti as bochechas esquentando.
— Ah, sim. Claro.
Puxei o cinto e o afivelei, fazendo o barulho cessar.
Hannah ligou o rádio e partiu para a estrada que nos levaria a
Kardama. O caminho foi animado pela cantoria de Luka e Cheryl.
Elas se divertiam berrando as músicas antigas da Avril Lavigne, vez
ou outra Hannah a acompanhava, mas eu confesso que estava um
pouco tímida com isso.
Só me soltei quando Luka agarrou-se ao meu banco me
balançando sutilmente me fazendo cantar Skater Boy. Foi uma
viagem rápida apesar de tudo. Chegamos lá, mesmo com o trânsito
antes do jogo. Ao sairmos do carro só pude constatar uma coisa:
estava muito quente.
Kardama estava quente mesmo a noite!
O estádio da universidade deles era maior que o nosso e
todo o lugar cheirava a muito dinheiro e tradicionalismo. Observei
Hannah caminhando na frente com Luka e era divertido a diferença
de altura das duas. Hannah era bem mais alta e, claro, seus
coturnos ajudavam. Já Luka era poucos centímetros maior que eu.
Aliás, as três ali eram maiores que eu, Cheryl era alta como
Hannah, como uma modelo de passarela alta. Já Luka era uma
maneira de alta mais comum, digamos. Enquanto isso, eu nem um
1,65 tinha. Aliás, nem altura e nem o corpo delas, mas não queria
pensar muito sobre isso, porque eu aceitava meu corpo como ele
era, não iria arranjar paranoia a essa altura do campeonato.
Nós caminhávamos pelo estacionamento vendo a maior parte
dos torcedores dos tubarões de Kardama. Éramos os visitantes,
então obviamente estaríamos em menor número, mas considerando
todo o buchicho dentro da universidade, uma galera viria para o
jogo. Porém a maioria de ônibus, assim como os jogadores.
— Ei, não fiquem para trás! — pediu Luka parando e nos
puxando para que ficássemos basicamente grudadas. — Tem muita
gente aqui.
— Tem mesmo, mas é normal, principalmente porque eles
estão disputando as regionais, é começo de campeonato, a galera
ainda tá com todo o gás — contou Cheryl, nos dando o ar do seu
conhecimento sobre o assunto.
Meus pés batiam nos cascalhos do estacionamento e a brisa
batia no meu rosto, fazendo meus cabelos esvoaçarem um pouco.
Contudo, o que aquele vento mais trazia era o perfume de Hannah
até as minhas narinas.
— Vou comprar pipoca. — A garota de cabelos pretos nos
encarou. — Alguém mais quer?
— Eu! — Luka levantou a mão.
Hannah apontou para ela e depois para mim e Cheryl. Nós
duas negamos.
— Nós vamos ver o lugar para sentar — adiantou-se a ruiva.
— Nos vemos dentro do estádio?
Todas assentiram e eu segui com Cheryl.
Por sorte encontramos lugares na quinta fileira e já jogamos
nossas bolsas nas cadeiras ao lado para guardar para Han e Luka.
Uma das regras novas do campeonato era que as torcidas
não eram divididas, assim teriam que aprender a conviver
pacificamente. Em parte funcionava, mas sempre tinha um infeliz
para estragar tudo.
Olhei no meu celular vendo o relógio apontar 19h25. Faltam
apenas cinco minutos para o jogo ter início. Cheryl sorria largamente
e até estava tirando o seu cachecol branco, deixando a sua
camiseta do time de Wolfsview aparecer por debaixo do casaco.
Encarei o campo vendo as líderes de torcida de ambos os
times unidas para levantar a plateia.
O clima estava pacífico.
Estava.
Hannah e Luka chegaram com suas pipocas e os times
entraram em campo. E foi aí que uma louca simplesmente derrubou
o seu balde de pipoca em mim e em Hannah. Estávamos lado a
lado então o banho foi duplo.
Nós duas olhamos para trás e demos de cara com uma
garota baixinha e de características latinas. Os cabelos castanhos
com iluminação loira e os olhos cor de mel intensos denunciavam
isso. Sua roupa azul dizia também que ela pertencia aos estudantes
de Kardama.
— Ei, não olha por onde anda? — Hannah reclamou batendo
em seu próprio ombro, fazendo as pipocas caírem no chão.
— Desculpa, eu tropecei.
O jogo estava rolando, mas meus olhos não desviavam de
Hannah e da garota.
— Preste mais atenção, da próxima — declarei tirando pipoca
do meu cabelo.
— Ela já pediu desculpas! — Uma segunda voz entrou na
conversa, levando meus olhos a uma garota de cabelos pretos
curtos e olhos azuis.
Hannah segurou meu ombro quando virei-me completamente
para as duas garotas que estavam na sexta fileira.
— Tá, mas ela jogou um balde de pipoca na gente, só
estamos falando pra ela ficar mais atenta — repliquei.
— Vocês são visitantes, então se fosse vocês, baixava a bola
— a garota dos cabelos curtos declarou com uma carga de
sarcasmo. Quis socar a cara dela. E não fui a única. Hannah virou-
se completamente e as duas trocaram olhares ferozes. A tensão
dominou meu corpo. Era completamente contra a violência, mas
aquela ali era bem abusada.
— Gente, vamos ver o jogo! — pediu Cheryl, finalmente
intervindo. — Aconteceu, já passou.
Desci minha mão, tocando na mão fechada de Hannah. A
abri com cuidado e deixei que meus dedos escorregassem entre os
seus, mantendo-a firme ali para virá-la em direção ao campo.
Aquela garota não seria párea para Hannah, a diferença delas era
brutal, mas não precisávamos pagar para ver.
Assim que Han estava encarando o campo novamente,
soltei-a. Nós duas nos sentamos, mas ela ainda parecia irritada pela
situação.
Enquanto o jogo acontecia e nós ganhávamos.
O fim do primeiro quarto de jogo, fez os times retornarem aos
seus bancos enquanto nós aguardávamos.
— Garota babaca — Hannah resmungou e eu inclinei-me o
suficiente para que seus olhos recaíssem em mim.
— Foi só pipoca, sério. Não foi nada demais, mas que a
garota de cabelos curtos é esquentadinha, não tenho nem dúvidas.
Han riu um pouco mais relaxada e anuiu.

Fim do terceiro quarto de jogo. Estávamos empatados.


Sentia um nervoso absurdo vendo aquilo. Era quase como
um teste cardíaco ver aquela porra. Ninguém me alertou sobre isso.
Inconscientemente a gente já sai gritando e torcendo
fervorosamente. Só por estar ali cercado de energia de jogo.
— Isso é legal demais! — comentei animada, vendo as outras
três sorrirem para mim.
— To entediada.
Hannah e sua habilidade de não gostar de esportes. Ela já
tinha deixado bem claro que só veio pelo irmão ser o capitão, então
acho que era comum estar entediada.
— Acho que vou fumar.
— Não vai sozinha! — Luka interveio.
— O quê? Por quê?
Nós ainda estávamos sentadas. E o jogo logo continuaria.
Luka estava do outro lado de Hannah, então não conseguia vê-la
muito bem.
— Porque não, por favor.
Deixei que um suspiro escapasse dos meus lábios e toquei o
braço de Han, levantando em seguida.
— Eu vou com você, mas tem que me prometer que voltamos
antes do fim do quarto tempo.
Um sorriso moldou os lábios vermelhos dela.
— Tudo bem, prometo.
Ela segurou minha mão esquerda e eu puxei minha bolsa,
caminhando até as escadas. Nós duas ficamos de mãos dadas o
caminho todo até chegarmos ao lado de fora do estádio esportivo,
onde Han encostou-se em uma parede e puxou sua carteira de
cigarros da própria bolsa.
Com o cigarro aceso em seus lábios, ela riu.
— Lembrei porque não vejo os jogos, eles me deixam
nervosa demais — ela confessou, soprando a fumaça para longe.
— Você parece bem calma para mim — provoquei.
— Não estou. Fico preocupada que John se quebre —
declarou dando mais uma tragada. — Já viu o dano que esses
encontros entre os jogadores podem causar no cérebro? Pode dar
um puta dano irreversível.
Já tinha ouvido falar algo sobre, mas a verdade é que nunca
fui de me preocupar com esporte nenhum.
— Eu fico preocupada — admitiu. — Ele é maior que eu, mas
ainda é meu irmãozinho mais novo.
Sorri com suas palavras.
Hannah era claramente a pessoa que se preocupava demais
com quem tinha em volta de si, por isso também acreditava que ela
não fazia questão nenhuma de ter muitas pessoas.
— Ele vai ficar bem. Tenho certeza.
Ela não respondeu, apenas tragou o seu cigarro em silêncio.
Deixamos que o barulho da torcida fosse nossa trilha sonora.
Pela minha mente passavam algumas coisas, mas a principal
era que eu estava adorando conhecer cada dia mais de Hannah. Ela
era uma mulher com várias facetas e eu estava disposta a descobrir
todas. Inclusive as que ela queria mascarar a todo custo. Queria
conhecê-la por completo, porque isso significaria que ela me
permitiu conhecê-la e por consequência isso seria prova o suficiente
de que ela iria querer que eu permanecesse por ali.
Deus, eu estava tão na dela que chegava a ser absurdo.
— Eu sei que sou bonita, mas do jeito que tá me olhando, tá
me fazendo achar que sou uma obra de arte… — brincou e eu rolei
os olhos. Ela sabia que eu estava afim, até porque não queria
esconder isso, mas parecia complicado demais ela ceder.
Havia a questão de que eu era a colega de quarto de uma
das suas melhores amigas. Contudo, não achava que fosse isso,
mas também, seja lá o que fosse, Hannah não falaria com tanta
facilidade. Ela era reservada e mantinha um muro de metros e mais
metros ao seu redor, e isso complicava minha vida. Ainda bem que
eu não era do tipo que desiste fácil.
— Você é uma obra de arte, linda — repliquei com uma
confiança absurda. — Você tem alguma regra sobre não ficar com
calouras? — declarei indo direto ao ponto. Dane-se, já que
estávamos nesse assunto, ela que aguentasse.
— Scarlet… — Seu tom era de alerta. — Tão direta,
coração… — Ela riu e soprou a fumaça para longe. Seus olhos me
capturaram e ela abriu a boca para falar mais, entretanto não o fez.
Uma gritaria generalizada surgiu, nos roubando a atenção.
Alguém tinha marcado ponto. A voz do locutor reverberou em
seguida avisando que o ponto era de Wolfsview e tinha sido
marcado por seu capitão: John Young.
Hannah sorriu e finalizou o cigarro.
— Vem, vamos terminar de ver o jogo, sua diaba.
Sorri com o apelido, queria ver ela cedendo à tentação, mas
ainda teria tempo.
Seus dedos gelados tocaram minha pele e nós corremos de
volta para a arquibancada.
“Cale a boca, amor, e mostre a que veio
Mãos santas, elas me tornarão uma pecadora?
Como um rio, como um rio
Cale a boca e me percorra como um rio
Sufoque esse amor até as veias começarem a estremecer”
— River, Bishop Briggs

Vitória de Wolfsview e o cérebro do meu irmão parece ainda


estar funcionando normalmente. Perfeito! Agora era só sobreviver à
festa na fraternidade masculina, Omega Chi Delta.
Um copo de bourbon com Coca-Cola em uma mão e um
cigarro na outra enquanto eu observava todo mundo gritando com a
chegada do meu irmão no local. Era isso que dava ser familiar de
astro do esporte local.
Sorri orgulhosa dele. Ele merecia.
Depois que nossos pais morreram, John passou um bom
tempo só fazendo merda, mas por sorte a fase rebelde passou e ele
redirecionou toda a sua energia mal gasta no esporte. E isso vem
tendo um bom resultado, incluindo a bolsa que ele usufruía para
estar em Wolfsview.
Luka e Cheryl tinham ido para o meio dos alucinados que
iriam cumprimentar os jogadores. Eu preferi ficar quieta do lado de
fora, perto da piscina, sentada numa das cadeiras de sol junto com
Scarlet, que bebia o drink de cereja.
— Eles foram ótimos hoje! — comentou a caloura.
— Foram mesmo, tenho que avisar minha avó inclusive. Ela
adora saber dos jogos dele.
Coloquei a bebida e o cigarro na mesma mão e comecei a
puxar o celular do bolso do casaco.
— E seus pais?
Sua pergunta me pegou desprevenida. Não costumava falar
sobre e preferia assim. Segurei o celular entre meus dedos sentindo
a palma da minha mão dar indícios de que suaria.
— Hm, eles… Eles morreram, há alguns bons anos. Acidente
de carro. — E foquei no meu celular, abri a câmera e tirei uma foto
dos companheiros de time levantando meu irmão. Abri em seguida o
aplicativo de mensagens e encaminhei a foto para minha avó. Ela
era super tecnológica e eu achava isso o máximo. Eu e John
tínhamos sorte em ter a dona Madlyn nos cuidando após tudo. Ela
era uma avó incrível!
— Sinto muito, Hannah.
Voltei meus olhos a Scar e sorri.
— Não se preocupe, faz muito tempo.
Ela assentiu um pouco pensativa. Voltei a atenção ao celular
por um instante até ela avisar:
— Ah, vou pegar um refil! — Scar levantou da cadeira.
Assenti e guardei o celular no bolso.
Ela caminhou para dentro da mansão e eu encostei-me na
espreguiçadeira.
Minha mente traíra me levou automaticamente para o jogo.
Para as mãos dela na minha. Para a sensação que isso me causou.
Senti meu corpo arrepiar-se quando isso aconteceu e era algo que
eu simplesmente não conseguia controlar.
Um instante depois ela voltou. Com mais bebida.
A noite engolia a cidade, mas o calor humano e a animação
de todos não deixava parecer que todos tínhamos enfrentado aulas
hoje pela manhã.
Encarei Scar observando apenas as suas próprias unhas
curtas e pintadas de rosa. No seu pulso era possível ver uma
pequena tatuagem de escrito, mas não consegui identificar o que
era.
Durante o jogo nos aproximamos tanto, não queria perder
isso.
— E os seus pais? Como eles são? — perguntei, tentando
não parecer uma completa estranha do nada.
— Ah, minha mãe é artista plástica e meu pai é editor chefe
de uma revista de moda, moram em Manhattan. — Ela deu de
ombros, dando um gole na sua bebida.
— Artista, hm?! Isso deve ser legal.
Seus olhos verdes me encararam e um sorriso sarcástico
surgiu.
— Como qualquer bom artista, ela tem suas manias —
comentou. — Tem um ego enorme e adora atenção. Aprendi tudo
isso com ela, mas também aprendi a lidar com pessoas assim
desde cedo. Por isso quero ser editora, lidar com escritores com
síndrome de super estrela.
Engasguei-me com a bebida. Sua mão veio até as minhas
costas, mas não foi preciso me dar tapas.
Pigarreei, limpando a garganta.
— Tenho certeza que vai se sair bem no trabalho.
A minha vontade depois disso era de rir, porque ela tinha
razão em algum grau. Mas ao mesmo tempo eu só temia que
achasse que eu fosse autocentrada demais.
— Espero que sim.
Dei mais uma tragada no meu cigarro e joguei o resto da
bituca fora.
Olhei meu copo já vazio e o levantei.
— Minha vez de pegar um refil.
Levantei-me sem esperar uma afirmativa dela e caminhei
rapidamente até a cozinha da mansão dos garotos. Ela era bem
parecida com a que eu vivia, mas era um pouco mais
desorganizada.
Sobre o balcão de granizo vi uma garrafa de tequila e era
aquilo que eu precisava. A agarrei e tirei a tampa, virando o gargalo
direto na boca. Tomei dois goles caprichados e abaixei o recipiente
de volta no balcão.
Passei a manga do meu casaco nos meus lábios e recebi
dois olhares principais: o de John e o de Cheryl.
— Quê?
Minha amiga afastou-se do meu irmão e veio até mim,
parando ao meu lado. Sutilmente ela se inclinou e tomou meu copo
das minhas mãos colocando mais bourbon e Coca-Cola. Só que
numa proporção muito maior do refrigerante.
— Você deveria beijar ela e parar de beber assim.
Virei-me de costas para o balcão, encostando a minha cintura
ali.
— Não sei do que tá falando.
E cruzei meus braços.
— Nem todas as pessoas são filhas da puta natas como a
Mia — complementou a ruiva. — A Scarlet parece ser uma boa
garota, que gosta de um desafio e está na sua. Beija ela e para de
ter medo do que vai vir depois disso. Você fica aí sofrendo por
antecipação e nem sequer deu o primeiro passo.
Encarei-a, pegando meu copo de volta, já com mais bebida.
Um suspiro escapou de mim.
— Ela é colega de quarto da Luka.
— E eu namoro a porra do seu irmão. Para de tentar arranjar
desculpas idiotas.
Rolei meus olhos. Ela tinha razão e eu sabia disso, mas era
mais complicado do que isso. Beijar Scarlet significava me deixar
vulnerável para o que viria depois e eu não sabia se estava disposta
a isso.
— Além do mais, não sei porque fica pensando no depois, o
beijo de vocês pode ser um horror, sem química nenhuma. Precisa
ao menos tentar.
Não consegui segurar o meu riso.
— Eu duvido.
— Vai lá beijar essa garota, se não vai ter que arranjar um
quarto pra dormir hoje — declarou Cheryl.
— Você não teria coragem!
Encarei-a com desdém, enquanto sua expressão tornava-se
um divertido desafio.
— Quer apostar?
— Não, vai se foder.
Dei um gole no meu corpo e fiz uma careta.
— Isso aqui nem tem álcool!
Minha amiga veio para a minha frente e colocou as mãos nos
meus ombros. Ela me puxou do balcão e me empurrou sutilmente
pelas pessoas até a porta com acesso ao jardim de trás da mansão.
— Vai lá beijar e não enche.
Encarei-a uma última vez e desci os três degraus até voltar
onde Scarlet estava. Dessa vez ela parecia distraída com seu
celular, mexia nele e sorria fraco. Se ela soubesse o quão linda ela
ficava quando estava assim. Parecia aquela música do One
Direction: “Mas quando você sorri para o chão, não é difícil
adivinhar… Você não sabe que você é linda”. Ok, meu nível de
cafonices estava aumentando significativamente cada vez que eu
olhava para ela. Além do mais, os detalhes estavam cada vez mais
iluminados para mim, precisava parar urgentemente com isso.
— Ei, o que acha da gente ir dançar? — questionei colocando
meu copo numa mesinha que havia ali. Não iria beber aquilo.
Suas duas esmeraldas me encararam. Seu sorriso se
alargou.
— Acho uma ótima ideia.
Estendi minha mão e sem hesitar ela agarrou-a. Nós
caminhamos assim até a parte de dentro. Suas mãos na minha e
seus olhos cravados em mim. Mesmo não conferindo a cada
segundo, sabia que estavam. Porque essa era Scarlet: teimosa e
determinada. E Cheryl tinha razão, estava claro para qualquer um
que ela me queria e porra, eu a queria também, só não tinha certeza
do que aconteceria após o primeiro beijo. Não poderia dar a ela
todas as minhas verdades e talvez isso a afastasse, talvez isso a
machucasse. E a última opção era a última coisa que eu queria.
Chegamos à pista de dança e ela segurou minha outra mão.
Seus quadris soltos como os meus. Seus olhos nos meus. E
nem mesmo a nossa diferença de altura foi capaz de tirar minha
atenção do seu rosto.
As luzes coloridas da pista improvisada e as pessoas ao
redor quase não faziam diferença, porque Scarlet fazia tudo se
tornar sobre ela.
Seus movimentos sutis.
Seu olhar intenso.
Sua maldita boca tentadora.
Seu corpo esculpido por uma deusa.
Seus dedos nos meus.
Seu desejo palpável.
Ela aproximou-se e deixou que seu toque subisse pelo meu
braço, levando os dedos até o meu pescoço. Instintivamente
repousei minha mão em sua cintura. Grudando nossos corpos.
Ela sorriu.
E eu quase tremi em expectativa.
Nós duas sabíamos que aquilo era muito mais do que só uma
dança, era o começo de algo pelo qual estávamos ansiosas desde o
primeiro momento que nos vimos.
Nunca fui de acreditar muito em religiões, apesar de ter uma
fé razoável nas coisas, mas Scarlet fazia tudo isso cair por terra,
porque aquela diaba de olhos verdes me faria pecar. E não só num
sentido cristão da coisa. Ela me faria pecar em todos os sentidos
possíveis. E eu ficaria feliz em me deliciar a cada segundo impuro
ao seu lado.
Ela inclinou-se mais para frente. Meu coração bateu com
mais força em meu peito, ansioso. O que me fez apertá-la entre
meus dedos.
Scarlet sorriu ainda mais.
Minha boca secou por um instante, mas no segundo seguinte
só faltava salivar por ela. A pressão entre minhas pernas era
considerável e isso era apenas a admissão de que o meu desejo por
ela era igual ao seu desejo por mim.
Eu a queria.
Ela inclinou-se para frente ao mesmo tempo que levantava-
se, ficando na ponta dos pés.
— Por que você não me mostra o quarto do seu irmão?
Não era uma sugestão.
— Não preciso levar você lá pra te beijar — confessei.
Sentindo-a arrepiar entre meus dedos.
— Mas eu não quero só beijar você, Hannah Young.
Filha da pu… mãe.
— Ah, entendi. Você é apressada.
— Determinada, linda.
Uma risada suave me escapou. O que aquela garota estava
fazendo comigo?
Era tesão? Sim. Atração física? Com certeza. Mas era tudo
isso de uma maneira muito intensa, e que me deixava meio
inebriada e fora de órbita.
Agarrei suas mãos e abri o nosso caminho. Sentia seus
dedos me fazendo um carinho sutil enquanto subíamos as escadas.
Só rezava para John não estar trancado no próprio quarto com
Cheryl, porque essa era uma imagem que eu nunca queria ter que
ver. Há cinco anos eu a evitava e vinha sendo bem sucedida nisso.
Passamos pelas pessoas com pouca dificuldade e logo
estávamos no segundo andar. Minha mente estava nublada, mas
era uma boa sensação. Algo que eu não sentia há alguns longos
meses.
Girei a maçaneta da porta de John e abri a porta de olhos
fechados. Esperei alguns segundos. Não tinha gritaria nenhuma.
Abri os olhos constatando que estava vazio.
Entramos e eu tranquei-o por dentro, deixando a música alta
e as falácias lá fora. Virei-me para Scarlet.
Ela ria divertida. Endiabrada. Aquela garota iria me fazer
perder completamente o autocontrole. Ela pressionou os lábios um
no outro e projetou sua língua para fora para lamber o inferior.
Encarava aquilo perto demais, tornando toda a situação perigosa.
Seus dedos foram esticados e ela tocou uma das minhas
tranças que eu tinha feito naquela noite. Senti meu coração batendo
forte em meu peito, como uma maldita bateria em uma música de
rock metálico. Forte. Barulhento. Alto demais.
— Você tem cheiro de nicotina e café, aposto que seu gosto é
tão viciante quanto… — ela soprou aproximando-se um pouco,
deixando meu corpo contra a porta.
O álcool em nossos corpos tinha algum efeito sob nossas
ações, mas eu tinha plena certeza que o que quer que estivesse
prestes acontecer não poderia ficar por culpa do álcool. Nós
queríamos. Eu queria e isso era assustador.
Odiava perder o controle sobre o que estava sentindo, mas
Scarlet vinha me roubando tudo. Risos, cigarros, livros, momentos,
fôlegos… Tudo. Era uma fodida estrela brilhando no céu e
iluminando tudo. Atraindo toda a minha atenção e o meu desejo.
— Você tem cheiro de baunilha, dá vontade de morder —
respondi já embebida em desejo.
Ela sorriu e aproximou lentamente seu rosto do meu.
— Me morde então para provar.
E minha sanidade foi por água abaixo. Meus dedos
agarraram seu rosto e selei meus lábios cobertos pelo batom preto,
aos seus, cobertos apenas pelo gloss com gosto da maldita
baunilha.
Seu corpo grudou-se de vez ao meu, enquanto minhas mãos
iam até seus cabelos ondulados, enfiando-se ali.
De forma suave, ela abriu a boca e eu dei passagem com a
minha língua, sentindo o gosto da bebida de cereja ali. Não havia
mais frio ou vento gelado do outono, só o calor infernal que ela
causava no meu corpo.
Fora daquele quarto, nada mais importava. Só precisava
senti-la.
Minha língua desceu para o seu lábio inferior, raspando meus
dentes ali, ouvindo-a soltar um leve gemido, baixo, delicado. E
completamente enlouquecedor.
Ela tinha acabado de arruinar a minha calcinha com aquilo.
Com ela afastando-se e tirando seu casaco mais grosso e
aproveitei para fazer o mesmo, voltando quase instantaneamente a
beijá-la. Os casacos foram para qualquer lugar no chão enquanto
nós fomos para a cama perfeitamente esticada do meu irmão.
Eu caí primeiro e Scarlet ficou por cima.
— Acho que posso chamar isso de visão do paraíso — Scar
soprou e eu ri agarrando seus cabelos e afundo meu rosto em seu
pescoço, deixando meus lábios percorrerem a sua pele. Seus seios
contra os meus me lembravam da delicadeza que nos banhava.
— Além de determinada também é mandona o suficiente
para querer ficar por cima? — questionei contra sua pele, subindo a
boca até mordiscar seu lóbulo.
Ela pressionou-se contra mim.
— Depende, no momento tô achando que quero você
mandando em mim.
Meus lábios inclinaram-se em um sorriso enquanto meus
dedos escorregaram para dentro da sua saia vermelha. Queria
aliviar a pressão em seu ventre, porque tinha certeza que seu
estado estava igual ou pior que o meu. Lentamente, a provocando
com arranhões leves, cheguei a calcinha, constando que o tecido
estava transbordando excitação.
— Ah, Scar.
Seu nome escapou como uma súplica. Precisava senti-la por
completo. Tirei minhas mãos dali e subi elas até encontrar o zíper
para abrir o seu vestido.
Contudo, antes que pudesse descê-lo, uma gritaria
generalizada começou e eu só captei o que era quando vi as
sirenes.
Scarlet também percebeu e pulou da cama.
Coloquei-me de pé em instantes também e peguei nossos
casacos.
— Vamos pra minha fraternidade — determinei agarrando a
sua mão.
A polícia ali era sinal de duas coisas: música muito alta e
muito menor de idade bebendo. E Scarlet era uma delas, ela não
tinha vinte e um, portanto não deveria estar ali.
Os calouros sempre se ferravam nessas horas.
“Eu amo cada segundo
É fantástico pra caralho
Coisas boas não são fáceis de conseguir
Sei que não vou me arrepender
Ela era doce como mel”
— Honey, Halsey

Correr feito uma desgraçada pra fugir da polícia não estava


nos meus planos para a noite, mas foi isso que aconteceu.
Chegamos à fraternidade feminina rindo e fugindo do vento gelado.
Hannah abriu a porta e logo estávamos correndo pelas escadarias
rumo ao quarto. Invadi a sua privacidade e joguei-me em sua cama,
sem pedir permissão ou esperá-la. Ela entrou em seguida e fechou
a porta, a trancando. Vi os casacos sendo arremessados na cama
de Cheryl enquanto ela deitava-se ao meu lado.
O silêncio era preenchido pelas nossas respirações
ofegantes.
Foi impossível não pensar nos últimos minutos. Hannah
estava prestes a tirar a minha roupa e nós tivemos que sair correndo
da porra da polícia. Que merda.
Virei apenas a cabeça encontrando seus olhos de pérola
negra em mim.
— Se eu perguntar onde nós paramos vou parecer um cara
hétero chato?
Seus lábios, já sem o batom preto, sopraram uma risada.
— Um pouco, mas eu sei relevar.
Seus dedos tocaram meus cabelos enquanto seus olhos
perscrutavam cada centímetro do meu rosto.
— Você vai querer voltar para o dormitório hoje? — a
pergunta saiu como uma dúvida cretina. Ela já sabia a resposta para
isso, mas fiz questão de confirmar.
— Nem fodendo.
E seus lábios tomaram os meus de forma ávida.
Empurrei meu próprio corpo entre as cobertas até que
conseguisse deixar minhas pernas entrelaçadas às suas. Meus
dedos procuraram as pontas das tranças dela, eu estava louca para
desfazê-las. Assim que encontrei os pequenos elásticos, os tirei e
separei meus lábios dos seus. Minhas pernas foram jogadas ao
redor da sua cintura e eu me sentei sobre ela, a puxando comigo
para que sentasse.
Com calma desfiz suas tranças enquanto um sorriso gentil
permanecia em seus lábios.
Estava ansiosa para o que iria acontecer, mas queria sentir
cada detalhe. Queria ela no ápice do conforto quando a desse
prazer e queria desesperadamente ver aqueles fios negros e longos
jogados sobre o travesseiro de novo.
Meus dedos soltavam primeiro o lado direito, dos fios longos
até o couro cabeludo dela, fazendo um carinho ali, algo que ela
pareceu apreciar. Suas tranças estavam lindas, mas eu tinha
certeza que sua cabeça precisava de um descanso. Fiz o mesmo
com o outro lado e joguei seus cabelos para trás dos seus ombros.
— Eu até pentearia o seu cabelo agora, mas tenho certeza
que vou embaraçar ele inteirinho em poucos segundos.
— Assim espero…
Suas mãos agarraram a minha cintura e eu me senti
minúscula enquanto ela aproximava seu rosto do meu. Sempre tive
um fraco por mulheres altas, mas Hannah ultrapassa qualquer
expectativa, porque ela o check em todos os meus pré requisitos, ao
menos até o momento.
Seus dedos reencontraram o caminho até o fecho do meu
vestido, mas eu fui um pouco mais rápida e puxei sua blusa para
fora da sua calça de cintura alta. Caçando por sua pele enquanto
apenas respirávamos ofegantes uma na cara da outra. Nos ouvindo.
Nos sentindo. E basicamente conhecendo melhor uma a outra.
Ela puxou o zíper para baixo enquanto meus dedos
apertavam a sua pele por baixo do suéter. Deixei meus lábios
caírem novamente sobre os seus, sentindo-a quente como um dia
de verão.
Um arrepio tomou conta do meu corpo quando meu vestido
começou a cair do meu corpo. Ela puxou as faixas dos ombros para
baixo, liberando os feixes de pele, deixando-me livre para que ela
tocasse.
Meu coração batia forte no meu peito. Fazia um bom tempo
que não ficava íntima dessa maneira com alguém, além de que esse
alguém era Hannah, a garota que simplesmente petrificou meu
mundo fodido e tornou meu coração seu só com um olhar. Um
arrepio me percorreu inteira quando seus dentes rasparam
sutilmente meu ombro, e foi impossível conter um gemido baixo e
sofrido. Precisa de mais dela.
Desesperadamente.
Puxei seu suéter para fora do seu corpo, revelando um sutiã
de bojo preto, simples, que não tive tempo de olhar, porque só o tirei
do meu caminho, deixando seus seios completamente livres.
Sustentando nossos olhares, me levantei. Deixei que o tecido
vermelho escorregasse pelo meu corpo e caísse no piso do seu
quarto.
E a amei por apenas manter seus olhos grudados nos meus.
Seus dedos alcançaram as minhas mãos, deixando que eu
entrasse entre suas pernas, que repousavam para fora da cama.
Minha pele estava em chamas e Hannah era gasolina, aumentando
ainda mais o fogo. Com muita calma, abri sua calça e esperei que
ela se levantasse para tirá-la. Me deparando com sua calcinha
vermelha de renda. Minha boca basicamente salivou com a visão
dela em roupas íntimas.
Não esperei que ela dissesse nada, só a empurrei de volta na
cama com certa força, recebendo um sorriso divertido dela.
Subi na cama e com as expectativas de ambas
transbordando, coloquei-me entre suas pernas, inclinando-me para
frente, senti seus mamilos rígidos rasparem meus seios, e os meus
fizeram o mesmo com ela, implorando por algum alívio. No entanto,
minha atenção voltou a sua boca, quando ela me tomou.
Constatei que tinha razão: ela era viciante. Uma fodida droga
que me fazia querer mais e mais. E, sinceramente, eu morreria de
overdose feliz se Hannah fosse a causa.
Sua intimidade foi empurrada contra a minha a procura de
algum alívio.
— Seja boazinha, Han… Não apresse as coisas — debochei,
sequer sabendo se seria capaz de manter a minha calma ao invés
de simplesmente me afogar nela.
— Eu querer você sentando na minha cara não é apressar
nada, linda.
Senti o meu calor duplicar. Triplicar. Enfim, ele multiplicou-se
por infinito, porque ela fazia com que eu me sentisse infinita. Seu
olhar de admiração me pegou desprevenida e tive certeza que
minha calcinha estava completamente ensopada.
— Você não parece esse tipo de garota, Hannah Young.
Uma risada divertida deixou seus lábios.
— E qual tipo de garota eu sou?
— O tipo que está ansiosa para o que vai acontecer, que
sabe o fim disso, mas que vai acompanhar cada segundo com olhos
bem abertos para se certificar que não vai perder nenhum detalhe.
Seu rosto converteu-se em deboche. Ela queria soltar um
comentário sacana e ácido, mas manteve-se em silêncio apenas
deixando que sua cabeça repousasse no travesseiro.
Passei a língua pelos meus próprios lábios, aproveitando a
cena diante de mim. Seu olhar era de desafio e eu sabia que ficaria
extasiada em cumprir cada uma das suas exigências, transformando
toda a sua curiosidade em prazer concreto.
Desci meus dedos passando sutilmente pelas suas
tatuagens. Observando curiosa a sua Medusa tatuada na costela, e
alguns escritos que haviam ali. Queria ter tempo de admirar cada
um daqueles traços, mas algo me dizia que eu poderia fazer isso em
algum outro momento.
Meus lábios depositaram um último beijo em seus lábios
antes de descer a minha boca para seus seios. Eles não eram muito
grandes, o que era ótimo para que eu os enfiasse na boca por
inteiro.
Deixei minha língua escorregar pela auréola rígida dela e a vi
arfar sôfrega. Seus dedos rapidamente tomaram meus cabelos, os
apertando com certa força, algo que foi só mais um incentivo para
que eu continuasse a dando prazer. Levantei meus olhos até ela,
enquanto minha mão apalpava seu outro seio e não desviei o olhar
até que enfiasse o outro na boca.
Seu corpo curvou-se um pouco. Seu quadril, desesperado,
inclinou-se para cima, tocando a barra da minha calcinha, deixando
que eu sentisse a sua renda realmente molhada.
Sorri com aquilo e deixei seus seios.
Segui meu caminho até alcançar o meu objetivo. Empurrei os
dedos para dentro da sua calcinha, observando ela contorcer-se em
desejo. Abrindo mais as pernas, ela alcançou meu rosto, chamando
a atenção para si.
Aquilo era a visão de um paraíso perdido.
Um lugar esquecido e só nosso.
Com puro desespero a beijei, sentindo sua língua quente na
minha. Sentindo seus gemidos. Sentindo sua intimidade úmida em
meus dedos, explorando o território e tendo como resultado um
puxão de cabelo nem tão forte, mas nem tão fraco. Na medida certa
para me excitar ainda mais.
Eu a faria escorrer em meus dedos e na minha boca como
uma cachoeira de mel.
Seu corpo moveu-se contra mim deixando um dos meus
dedos deslizando para dentro da sua boceta. Seus lábios abriram-se
em um suspiro que soou como música. Naquele instante eu sabia
que meu nome nunca mais soará tão bonito em outra boca.
— Scarlet…
Sorri contra sua boca e desci com a minha língua tocando a
sua pele até alcançar seu pescoço, sentindo o arrepio que a
percorreu. Era surreal a sensação deliciosa de dar prazer a ela, vê-
la daquela forma, com sua armadura fora da cama.
Deixei meu dedo afundasse ainda mais nela e mordisquei
sua pele. Seu quadril empurrou-se para cima, procurando por um
alívio que fiquei feliz em dar a ela com a mão. Enquanto a penetrava
com mais um dedo deixei que meu polegar fosse até o seu clitóris,
massageando a região, tendo seu corpo reagindo a cada ação.
A intensidade das minhas estocadas aumentou e seus
gemidos tornaram-se incontroláveis. Ela mordia o próprio lábio
tentando manter alguma coisa baixa, mas era impossível.
O prazer nublava-a.
E o prazer dela me deixava extasiada.
Minha excitação estava absurda, ao ponto de quase escorrer
pelas minhas pernas. Contudo o seu ápice me levou ao meu.
Toda a sua pele eriçada, a boca vermelha e os olhos nos
meus enquanto sua boceta apertava-se entre meus dedos, deixando
seu deleite escorrer na minha mão.
Sorri, vendo a satisfação em seu rosto. Seu corpo estava
com algumas gotículas de suor grudadas por toda a parte e seu
rosto estava corado, mesmo no escuro.
Tirei meus dedos de sua intimidade e os subi até tocar seus
seios, vendo sua mão se colocar sobre a minha.
— Minha vez, caloura. — Molhei meu lábio e a beijei,
deixando minha intimidade tocando a sua por um instante. Contudo,
Hannah agarrou minha cintura e afastou seu corpo do meu. —
Senta na minha cara, Scar.
Meu corpo queimou com sua voz manhosa. E apesar do tom,
não era um pedido, era uma ordem. Uma das quais eu concretizaria
feliz.
Afastei-me do seu corpo e ela sentou-se na cama comigo,
levando as mãos delicadamente até a barra da minha calcinha preta
de tecido da Calvin Klein. Ela a puxou para baixo deixando-me nua
diante de seus olhos.
— Você tem noção do quão linda é?
Sua voz era suave e por um instante aquilo aqueceu não só a
minha carne, como o meu coração.
— Han… Eu…
Seus lábios tocaram os meus, um beijo sutil que escorregou
pelo meu queixo e pescoço. Arfei.
Tudo em mim implorava por mais dela.
Ela nos deitou na cama novamente, deixando meu corpo
sobre o seu.
Mas logo suas mãos me conduziram para onde ela queria
que eu estivesse. Sentada na sua cara. Empurrei meus fios para
trás e deixei minhas mãos espalmadas na parede rosada do quarto
dela.
Seus dedos apertaram minhas coxas, me abrindo antes que
eu sentasse em sua boca. Meus olhos fecharam-se com força. Sua
língua era habilidosa, abrindo-me com uma facilidade absurda.
Ela me devorava.
Sabia que não aguentaria muito tempo assim. Não com a
intensidade de suas lambidas e investidas, tocando cada centímetro
meu.
— Hannah… Eu não…
Ela me calou subindo a boca até o meu clitóris, sugando-o.
E um som esganiçado escapou do meu interior.
Minhas coxas queriam fechar, tamanha a pressão no meu
ventre, mas ela agarrou as duas as mantendo aberta. Me deixando
exposta para si.
Intensificando os movimentos. Sinto a pressão atingindo o
limite. Sabia que tinha acabado de gozar na porra da boca dela,
mas ela não fez questão nenhuma de parar. E eu a agradeci por
isso.
E só quando me desfiz pela segunda vez, ela me soltou.
Minhas pernas deixaram de circulá-la, para eu apenas despencar na
cama, ao seu lado. Por um instante, ofegante, encarei o teto, mas
não resisti ao procurar suas esferas obsedianas.
— Você é má, Hannah… — soprei contra seus lábios. —
Como vou conseguir considerar outra pessoa na minha vida sendo
que você acabou de me fazer gozar duas vezes seguidas?
Um sorriso divertido tomou seu rosto. Ela virou-se de lado e
deixou seu corpo mais próximo ao meu. Tocando meu rosto por um
instante, avaliando cada parte minha.
— Quem sabe você não precise considerar — soprou e foi a
minha vez de sorrir.
Meus dedos tocaram a sua cintura, colando seu corpo no
meu. Deixando seus seios grudados aos meus, deixando nossos
rostos a centímetros um do outro, enquanto o sono nos agarrava
rapidamente.
— Talvez eu goste dessa ideia.
Seu nariz tocou o meu em um carinho. E ela falou baixinho,
como um segredo:
— Talvez eu também goste dessa ideia.
“Você disse que acabou
Mas suas roupas não dizem o mesmo no chão do meu quarto”
— Bedroom floor, Liam Payne

Costumo acordar com despertador ou sozinha,


principalmente aos fins de semana, mas naquela manhã acordei
sentindo um carinho delicado e um beijo cheio de ternura sendo
depositado no meio das minhas costas nuas.
Abri os olhos e vi a cama de Cheryl arrumada e com dois
casacos sobre as cobertas, sendo atingida em cheio pela noite
anterior. O chão estava coberto com as nossas roupas e eu só
consegui sorrir diante disso.
— Me diga que você não é do tipo que acorda cedo fins de
semana, por favor… — pedi dramaticamente.
Pude ouvir sua risada suave contra minha pele enquanto
mais um beijo marcava minha pele.
— Não, só depois que bebo.
Estava de bruços, com a cara enfiada no travesseiro fofinho.
E ela continuava a me mimar com carinhos, algo que por um bom
tempo eu estava precisando.
Desde que Mia me destruiu, eu não conseguia ter uma noite
divertida como a de ontem com alguém. Ela me roubou toda a
minha confiança, mas Scarlet tinha surgido com algo novo, diferente
de todas as outras pessoas as quais eu não fiz questão. Ainda não
sabia nominar bem o que era, mas gostava da sensação que tinha
quando ela estava por perto.
— Ótimo, sem álcool da próxima — basicamente resmunguei,
mas foi com humor.
Virei-me na cama e procurei seu par de olhos. Queria me
perder na floresta tropical que habitava ali. O verde vivo e cheio de
energia que me encarava, despertava coisas que achei que não
sentiria tão cedo.
Sorri.
— Bom dia — soprei.
O colchão era grande o suficiente para nós duas, mas nossos
corpos pareciam ímãs, grudados um no outro.
— Bom dia, Han…
Meus dedos tocaram a sua pele sentindo a maciez da região.
Vi seus lábios carnudos abrirem-se num sorriso tímido, sendo
impossível não corresponder de pronto àquilo.
— O que acha de um café da manhã? — questionei deixando
que um lado adormecido meu reaparecesse. Algo que achei que
tinha sumido, congelado com os últimos meses.
— Acho uma ótima ideia.
Seu nariz tocou o meu e seus lábios grudaram-se aos meus
rapidamente antes dela levantar da cama. Ela buscou por sua
calcinha, após vesti-la, virou-se pra mim. Encará-la sem roupa na
minha frente novamente me fazia relembrar toda a última noite. E só
de lembrar do seu gosto em minha boca, minhas pernas
espremiam-se uma contra a outra.
— Me empresta uma roupa? Não quero colocar o vestido de
novo.
A voz delicada dela me tirou do transe e eu apenas assenti.
Levantei-me da cama e coloquei a mesma blusa da noite
passada e a minha calcinha. Fui até o closet e peguei um moletom
não muito grosso e uma calça que provavelmente teria que dobrar a
barra para ela.
A entreguei, deixando seus dedos demorarem-se um instante
em minha pele e então ela vestiu a roupa. Como eu havia previsto, a
calça precisaria ser dobrada, mas não era muita coisa. Ela calçou
suas botas novamente enquanto eu ia ao banheiro.
Fiz a minha higiene matinal e voltei ao quarto.
— Vou buscar nossa comida, além do seu café preto, o que
você quer?
Encostei-me no batente e a encarei prendendo seus cabelos
em um coque mal ajeitado.
— Eu vou com você, espera aí…
— Não, eu vou, não tem problema.
Meus olhos encararam-na e bocejei, talvez eu não quisesse
mesmo sair do meu quarto.
— Ok, quero um café e um pedaço de torta salgada se tiver.
Ela assentiu e levantou-se, depositou um beijo nos meus
lábios e saiu pela porta. Um pouco perdida nos meus próprios
pensamentos, encarei a porta por um instante. Minha mente me
levava longe: da minha infância, a morte dos meus pais; do início da
faculdade, ao surgimento de Medusa; de Mia; a Scarlet. Tudo isso
antes de eu decidir que estava pensando demais.
Molhei meus lábios observando o caos que estava a minha
cama e sorri.
Seria bom ter aquele caos com alguma constância.
Voltei ao quarto após uma ducha, com os cabelos ainda
molhados, mas escovados. O clima só esfriava cada dia mais.
Naquela manhã o sol não tinha dado as caras, o que era um
milagre. O estado dourado estava prata, o que era uma piada bem
ruim, mas uma boa metáfora.
Decidi ajeitar a cama enquanto Scarlet ainda não tinha
voltado. Tirei minhas roupas do dia anterior e as joguei no cesto com
roupas sujas no banheiro. Depois teria que lembrar de descer ao
porão da mansão para lavar tudo isso, afinal estava quase
transbordando.
Estiquei as cobertas e os lençóis. Ajeitei os travesseiros e
quando sentei, a porta se abriu, revelando uma Scarlet com dois
copos de bebidas e uma sacola parda que com certeza tinha as
comidas. Todos com a logomarca do café caro que Cheryl tanto
amava.
— Foi longe, Scar… — o comentário me escapou junto com o
apelido.
— Queria o melhor café da manhã do campus, então valeu a
pena.
Sorri com a sua determinação.
Ela colocou as coisas sobre minha mesinha de cabeceira e
sentou-se comigo na cama. Sua mão se sobrepôs a minha e uma
corrente elétrica me atravessou chegando nela. Mas não do tipo que
causa choque de corpos. Não, era algo maior. Mais profundo.
—Tem planos para hoje? — ela questionou envolvendo meus
dedos nos seus e os levando até seus lábios.
— Até onde eu sei, não… — repliquei encarando-a olho com
olho. Sem desviar. — E você?
— Hm, que coincidência, também não tenho.
Nós rimos. Estávamos nos divertindo e nem nos
esforçávamos para isso. Inclinei-me depositando um beijo em sua
bochecha, enquanto meus dedos seguravam a sua nuca.
Escorreguei a boca até perto do ouvido dela, disparando a coisa
mais cretina que eu poderia falar:
— Que bom, porque depois do café acho que você vai ser a
minha sobremesa.
Sua pele arrepiou-se no meu toque enquanto depositava um
beijo em seu pescoço. Ela achava que eu seria viciante, porque não
tinha ideia do que era o próprio corpo, o próprio gosto. Scarlet era
pura perdição.
Ela gemeu baixo e senti minha excitação preencher meu
corpo.
— Você vai me foder como na noite passada? — A pergunta
escapou dela de forma sôfrega. Completamente extasiada e
procurando por algo que apartasse a sua própria excitação.
Ri contra a sua pele.
— Não, dessa vez vou fazer muito pior… — soprei sentindo
seu corpo inteiro liberar um espasmo.
Estava satisfeita com a situação.
Voltei a beijar seu rosto até encontrar os seus lábios macios,
que já estavam com aquele gosto doce de morango.
Sua língua gelada escorregou para dentro da minha,
acalentando cada pedaço meu. Segurei com firmeza seu rosto e
apartei o beijo, encarando suas pupilas cheias de um desejo que eu
compartilhava, mas não satisfaria naquele instante.
Sorri e levantei-me indo pegar meu copo de café.
Ela respirou fundo e me encarou realizando a minha ação
usando apenas um blusão azul escuro e uma calcinha.
— Além de transar de novo, tem outros planos para hoje? —
perguntou pegando o seu copo de bebida de morango. Ela tomou
um longo gole e eu parei para pensar por um instante.
— Pretendo ler a noite.
— Ah sim… Equilíbrio é tudo na vida, né linda.
Encarei-a e tomei um gole do meu café, sentindo o líquido me
despertar melhor.
— Você usa muito deboche pra me chamar de linda —
comentei analisando e lembrando de toda vez que ela fez isso.
— Quer que eu te chame de amor da minha vida? Porque
posso fazer isso também.
Quase engasguei com a bebida. Scarlet era muito cara de
pau. Ela não tinha filtro, o que era algo que eu gostava, afinal a sua
sinceridade era deliciosa. Ela era muito transparente e eu admirava
isso. Algo bem ao contrário de mim, que vivia construindo
empecilhos para que as pessoas se aproximassem demais. O meu
sarcasmo era a minha maior arma, o humor ácido sempre me caiu
bem, e isso tinha o resultado que eu queria: afastar as pessoas. O
que no caso de Scarlet parecia ser um ímã. Ela parecia adorar todas
as minhas palavras indecentes que saíam com tanta facilidade.
— Não, coração, pode me chamar só de Hannah, ou Han,
ou…
— Medusa.
Meu coração parou em um solavanco. Tenho certeza que
fiquei pálida.
Como ela sabia?
— Porque, sabe como é, você meio que me deixou
petrificada quando nos vimos desde a primeira vez.
Espera, ela não sabia?!
— D-do quê tá falando?
Ela riu, divertida.
— Ah sei lá, fiquei interessada em você desde o primeiro
instante… — admitiu. — Você meio que me petrificou, e eu gostei.
Além do mais, a tatuagem é bem bonita.
Engoli seco e dei mais um gole no meu café, desviando os
nossos olhares.
— Você costuma se declarar assim toda manhã depois de um
sexo casual? — questionei, mas sem o intuito de magoá-la, só fiquei
desesperada por mudar de assunto.
— Não, só aos sábados após jogos de futebol.
E nós rimos, ela não parecia ofendida. Não queria afastá-la,
mesmo que no meu inconsciente pudesse já fazer isso.

Após o nosso café da manhã decidi ir com Scar até o


dormitório dela, ela insistiu que precisava trocar de roupa e de um
banho e por mais que oferecesse o banheiro do meu quarto,
entendia completamente a sua situação. Até pensei que gostaria de
ir sozinha, mas ela pediu que eu fosse junto, então decidi
acompanhar.
Nós fomos caminhando fugindo da ventania violenta que
passava pelo campus naquela manhã. Dei graças a Deus quando
chegamos ao prédio e pudemos entrar em um ambiente mais
quentinho.
Fechei a porta atrás de mim e segui Scar pelas escadarias
até o quarto que ela dividia com Luka. Meus coturnos faziam um
certo barulho ao tocarem no chão, mas não ligava. Chegamos em
frente à porta do quarto delas e Scar o destrancou, entrando, me
deixando para entrar atrás. Com certa pressa ela agarrou-se a
necessaire, roupa limpa e toalha.
Caminhei pelo local e me sentei na cadeira da sua
escrivaninha. Era íntimo estar ali.
— Já volto, fica à vontade — declarou ela dando uma última
olhada na minha direção antes de sair pela porta.
Voltei a encarar a escrivaninha e reparei em dois porta
retratos ali: um com uma foto dela pequena com quem julguei serem
seus pais, duas figuras muito sorridentes junto com uma garotinha
de cabelos castanhos claro, no topo do Empire State, em Nova
York.
Já a outra foto parecia ter sido tirada há pouco tempo, cerca
de dois ou três anos. Tinha ela com os cabelos absurdamente
longos junto com uma garota de cabelos pretos e olhos azuis e uma
garota preta de cabelo afro solto e cheio de volume. Devem ser
amigas, pensei.
Soltei o porta retrato e vi seu Kindle. Algo no meu interior
ficou tentado a mexer no aparelho e ver o que ela lia por ali, mas
decidi não mexer. Apenas peguei meu celular do bolso e conferi
algumas redes sociais de Medusa. Fazia algum tempo que não
mexia nelas. O principal motivo era a falta de vontade, mas as
confusões também ajudavam. Eu tinha me afastado brutalmente do
que mais amava fazer porque amei uma farsa. E cada vez que
pensava sobre isso, doía. Era uma ferida aberta ainda e eu sabia.
Meus olhos escorregaram até a foto de Scarlet.
Talvez eu esteja indo muito rápido com ela. Pisar no freio às
vezes era necessário.
Suspirei, irritada comigo mesma.
Mexi nas redes sociais de Medusa Wheeler atualizando com
um aviso simples para que meus leitores soubessem que eu não
estava escrevendo bosta nenhuma de novo. E por mais frustrante
que isso fosse, porque era, eu não teria previsão de voltar a criar
algo novo. Quis escrever também que era tudo culpa de uma fulana
chamada Mia Perry, mas não poderia fazer isso. Não a daria tanta
importância assim, ao menos não publicamente.
Saí das redes sociais do meu pseudônimo e encarei ao redor.
Os quartos dos dormitórios eram absurdamente menores do
que o da fraternidade. E eu agradecia pela tradição que minha mãe
tinha me deixado. Eu estava bem longe de ser a líder de torcida
exemplar que um dia ela foi, mas eu gostava da fraternidade.
Estiquei as pernas e decidi que meu corpo precisava de mais
conforto, fui até a cama de Scarlet e deitei ali, deixando meus olhos
descansarem por um instante, até que ela voltasse ao quarto.
O que não levou muitos minutos. Foram cerca de 5 minutos e
ela chegou com os cabelos molhados e com um conjunto de
moletom. Seus dedos passaram pelos cabelos e ela foi secá-los
enquanto eu estava ali deitada, deixando minhas pálpebras
fechadas por mais alguns minutos.
Abri os olhos novamente apenas quando senti o colchão da
cama, afundando-se sutilmente. Encontrei suas duas esmeraldas
me encarando em expectativa, mas com um cansaço o qual eu
compartilhava.
— Que tal descansarmos umas duas horas e depois
pedirmos comida para o almoço? — Sua voz doce e atenciosa me
levou a uma nova dimensão quase.
— Acho ótimo.
Remexi meu corpo na cama e grudei na parede, deixando
que meu corpo entrasse embaixo da coberta, Scarlet me
acompanhou. Sentindo não só a coberta, mas também o seu corpo
quente grudado ao meu, simplesmente cedi ao sono.
Um barulho me tirou do meu sono. Senti o corpo de Scarlet
grudado ao meu, suas costas tocando os meus peitos. Abri os olhos
encontrando Luka e North entrando no quarto aos beijos enquanto o
fim de tarde nos presenteava com um pôr do sol espetacular,
deixando o quarto em tons de laranja.
— Ops, tem gente… — Ouvi a voz de Luka e vi Scar se
remexer. Sentei-me na cama e observei o par de esmeraldas da
dona da cama me encarando e depois recaindo sobre Luka e North.
— Oi, meninas! — North cumprimentou um pouco eufórico.
Scar espreguiçou-se.
— Oi… — ela o respondeu e eu apenas sorri na direção dos
dois. — O que fazem aqui?
— A-a-a gen-ente v-veio…
Luka enrolou-se.
E eu sabia o que isso significava.
Ela tinha vindo transar.
— Estudar biologia.
North vinha com a piada pronta. Não consegui controlar
minha risada. Scar me acompanhou e Luka parecia um pouco sem
graça.
— Eu não vou me dar ao trabalho de zoar isso, você já fez
isso por mim — declarei com a voz meio grogue por ter acordado há
pouco tempo. — Mas você não mora sozinho, North?
— Sim, mas estávamos pelo campus, então o dormitório era
mais perto — ele deu de ombros.
— Sorte de vocês que estou morrendo de fome — declarei e
repousei uma mão nos cabelos de Scar, passando os dedos pelos
seus fios. — Quer ir comer?
Ela piscou vagarosamente e assentiu.
— Bom jantar meninas, fiquem longe o máximo que
conseguirem.
North era muito abusado, mas eu estava gostando de como
Luka ficava feliz com ele por perto.
Precisamos de cinco minutos para nos ajeitarmos e sairmos
do quarto. Daquela vez, quando pisamos no corredor, ainda
sonolenta, Scar agarrou a minha mão e eu gostei da sua ação,
principalmente porque ela não soltou o caminho todo.
“Mas agora eu vi a sua essência
E agora eu sei a verdade
Que tudo pode acontecer
Tudo pode acontecer”
—Anything Could Happen, Ellie Goulding

Domingo acordei sozinha na minha cama. Mesmo que não


quisesse largar de Hannah, achei bom nós darmos um espaço uma
à outra. Ela foi para a sua fraternidade e eu voltei ao meu dormitório
após a nossa refeição ontem. Com as aulas chegando em
momentos cruciais de provas e entregas dos primeiros trabalhos, o
que me restou no domingo foi estudar e adiantar o máximo que
consegui.
Lá pelas 14h Hannah mandou uma mensagem.
HANNAH: “Oi, quer almoçar?”

SCARLET: “Oi, adoraria! Só estou finalizando um dos meus


trabalhos, acho que vai mais uns vinte minutos aqui”

HANNAH: “Ok, sem problemas. Eu vou me arrumar e quando sair


da fraternidade aviso.”
HANNAH: “Passo aí de carro.”

SCARLET: “Ok, linda”

Soltei o celular ao lado das minhas coisas e foquei em


terminar de escrever o maldito trabalho de latim que eu estava
fazendo. Meus dedos batiam nas teclas do computador enquanto eu
revia sempre a aba do artigo científico que estava aberto. Levei
mais alguns longos minutos, mas finalizei tudo.
Salvei o trabalho e abaixei a tela do notebook. Procurei por
um casaco mais confortável para suportar o frio que fazia lá fora e
calcei um par de tênis.
Busquei por uma bolsa razoável dentro do armário e enfiei
minhas coisas ali dentro de qualquer jeito. Encarei meu reflexo no
espelho e reparei que pela primeira vez desde que cheguei a
Califórnia estava com os meus óculos de grau. Eu sempre usava
lente, sempre, por isso estava um pouco desacostumada com as
armações, mas não iria trocar elas agora. Até porque meus olhos
precisavam de um descanso.
Passei um pouco de pó compacto e um rímel incolor apenas
para levantar os cílios que me restavam, porque definitivamente os
meus postiços estavam um horror. Não estava com muita vontade
de me ajeitar. Em Nova Iorque tinha sempre que estar impecável
para ir a qualquer lugar e por mais que gostasse disso, porque
estando impecável eu tinha atenção de todos, naquele momento
simplesmente não tinha forças para isso.
A vibração na mesa chamou a minha atenção. Meu celular
recebeu uma nova mensagem.

HANNAH: “Saindo daqui agora, 5 min chego aí”

SCARLET: “Ok! Vou esperar na frente do prédio”

Coloquei o celular dentro da bolsa e dei uma borrifada de


perfume antes de sair pela porta. Desci pelas escadas e saí do
prédio. O dia de hoje estava particularmente bonito, mas o calor
californiano estava abalado pelos ventos e folhas tomando cada vez
mais tons alaranjadas.
O sol no céu até esquentava, mas na sombra o frio gelava
ossos.
Vi o carro de Hannah dobrando as esquina e caminhei até a
beirada da rua. Ela parou e eu pulei para dentro do veículo. Fechei a
porta e coloquei o cinto para que o seu alarme parasse de disparar.
— Oi, caloura.
Encarei-a com uma expressão de deboche.
— Oi, Hannah.
Inclinei-me e depositei um selinho em seus lábios, me dando
conta do quanto eu tinha gostado deles e do quanto nas últimas
horas eles tinham me feito falta. Seus lábios estavam em um tom
vermelho sangue, mas não me importei. Nos afastamos e ela sorriu
me analisando por um instante.
— Adorei os óculos, eles ficam bem em você, Scar. — Minha
pele formigou com um pouco de vergonha e eu assenti.
— Obrigada, Han.
Ela acelerou o carro voltando ao estacionamento principal e
saindo do campus em seguida para a pequena estrada que levava
ao centro da cidade de Wolfsview.
— E aí, o que quer almoçar?
— Não tenho nem ideia — respondi sincera encarando-a com
diversão.
Ela acelerou o carro ainda mais quando entramos na estrada,
seguindo o fluxo de carros.
— Preciso te perguntar uma coisa — Hannah começou. —
Por que eu?
Meus olhos correram até ela, mas a sua atenção estava
completamente voltada para a estrada.
— Como assim? — Não era burra, imaginei do que ela
estivesse falando, mas queria que ela me confirmasse.
— Entre tantas pessoas dentro do campus, porque resolveu
que queria me beijar, dormir comigo e agora estar no meu carro.
Deixei um suspiro escapar dos meus lábios e empurrei meus
óculos de volta para o meu rosto, já que ele escorregava um pouco
até a ponta do meu nariz.
— Atração física que vem evoluindo a cada dia que te
conheço melhor?! — declarei como se fosse óbvio, porque de fato,
pra mim, era. — Não é assim que basicamente todas as relações
começam?
Um sorriso surgiu em seus lábios. Ela sabia que eu tinha
razão.
— É, isso me parece justo.
O som do carro começou a tocar Halsey e a voz da cantora
nos aconchegou no silêncio das nossas palavras.
O restaurante italiano era simples, rústico e tinha um aroma
de deixar a minha boca cheia d’água. Entrei na frente e segurei a
porta para Hannah entrar atrás de mim. Sua mão envolveu-se na
minha e nós seguimos até uma mesa que a recepcionista indicou.
As luzes baixas transformavam o ambiente algo aconchegante.
Nos sentamos e um garçom nos trouxe os cardápios. Abri o
caderno revestido de couro sintético e toquei as páginas,
observando os nomes dos pratos. Não tinha certeza do que queria,
mas ao encontrar queijo e camarão no mesmo prato decidi que
aquele ali seria o escolhido.
— Qual vinho você sugere para acompanhar o conchiglione
de camarão?
O homem que nos atendia tinha cara de ter a nossa idade,
provavelmente era um dos tantos alunos da universidade também.
— Hm, um vinho do Porto é uma boa opção, é tão forte
quanto o camarão, faz uma boa combinação — respondeu ele
mostrando a opção no cardápio.
Sorri e o agradeci.
— E você, o que quer, Han?
Os olhos escuros dela ainda analisavam as opções, ela levou
mais um par de segundos antes de desviar o olhar de lá e encarar o
garçom.
— Um spaghetti com salmão grelhado e molho de maracujá,
por favor — declarou a minha companhia, fechando o cardápio e o
devolvendo ao garçom. — E água com gás pra mim.
Ela estava dirigindo, me lembrei.
— Certo! — o rapaz anotou nossos pedidos e virou de costas
pronto para levá-lo a cozinha, mas parou no lugar apontando para
mim. — Vou precisar da sua identidade.
Encarei-o e forcei um sorriso.
— Acho melhor cancelar o vinho e me trazer o mesmo que
ela, a água com gás.
Ele riu e assentiu.
Sozinhas em nossa mesa, encarei Han.
Ela estava tão linda naquela tarde, era incrível como ela
nunca conseguia ficar nem perto de feia. Ela era simplesmente
esplêndida.
— Estou faminta… — ela soprou e encarei ao redor por um
instante. — Sempre venho aqui com John ou com as meninas,
espero que goste.
— O ambiente e a companhia me fazem ser tendenciosa na
minha decisão final.
Reparei em sua bochecha aquecendo-se por um instante e
ela deslizou a mão sobre a mesa, alcançando a minha. Aquela
mulher com as bochechas em tons rosados seria a minha perdição
completa.
Seus dedos enroscaram-se nos meus.
— Ok, qual a sua cor favorita? — questionei tentando soar
casual. Queria conhecê-la completamente.
Seu rosto contorceu-se em uma careta divertida, mas ela
respondeu:
— Roxo.
— Uau, estou surpresa com isso. — Deixei que meu polegar
fizesse um carinho em sua mão. — Achei que a resposta seria preto
ou vermelho.
— Posso ser surpreendente.
— Eu percebi isso na sexta-feira, linda.
Ela deslizou seus dedos para longe dos meus e ficou reta na
sua cadeira.
— A gente precisa ir com calma.
— Droga, já estava pensando em te pedir em casamento —
debochei. — Vegas não é tão longe, tenho certeza que no próximo
fim de semana poderia ser perfeito.
Seus olhos escuros como a noite me encararam em desafio.
Ela sabia que eu estava brincando, mas havia um fundo de verdade.
Não me casaria com ela na próxima semana, óbvio, mas uma parte
de mim sempre pensa “nunca diga nunca”.
— Princípio básico do casamento é a gente brigar feio e ver
se sobrevivemos a isso, coração. — Seu sorriso se alargou ao falar
aquilo.
Ela estava me testando, vendo até onde manteria a minha
palavra.
— Posso fazer isso agora, à noite transamos mais e no fim
de semana nos casamos.
Nem eu consegui manter a pose séria com o que acabara de
falar, nós duas caímos na gargalhada.
Nossos pedidos de bebida chegaram rápido junto com uma
entrada de pãezinhos de batata e manteiga. Os quais eram uma
delícia. Aquilo simplesmente derretia na boca e me fazia quase
gemer.
— Nunca comi uma entrada tão gostosa e olha que já fui em
vários bons restaurantes em Nova Iorque.
Hannah apenas me observava, em silêncio.
— Eu adoro aqui, trabalhei aqui no meu primeiro ano de
faculdade e é simplesmente incrível.
Aquilo era algo. Hannah era difícil de se ler, por isso gostei
quando ela falou um fato aleatório sobre si.
— Nunca trabalhei na vida… — admiti, sentindo um pouco de
vergonha disso em seguida. — Problemas de uma garota rica e
mimada.
— Oh céus, que vida difícil. — Seu sarcasmo foi preciso.
Rolei meus olhos.
— Todos temos defeitos né.
Ela riu.
— É, mas acho que agora estou considerando melhor nosso
casamento no fim de semana.
Forcei meus olhos, deixando-os menos abertos.
— Interesseira!
Seus olhos cor de chocolate reviraram-se. Gostava quando
podíamos brincar uma com a outra dessa forma. Seu humor era
uma das coisas que eu mais gostava nela.

O carro parou na frente do meu dormitório e eu encarei a


motorista.
— Adorei nosso almoço, Hannah Young. — Seu nome saia
tão gostoso da minha boca, poderia repeti-lo a cada minuto pelo
resto da minha vida.
Deus, estava indo longe na fanfic. Mas a verdade é que
nunca senti nada como senti com Hannah e começava a achar que
não era só atração física.
— Também adorei, fiquei feliz que foi comigo.
Sorri e toquei sua mão, um leve aperto entre nossos dedos,
chamando a atenção das duas para a ação. Quando nossos olhos
voltaram a se encontrar, eu via o seu muro erguido. Hannah era um
fodido enigma, cheio de particularidades que ela mantinha no seu
interior trancados a sete chaves.
Já eu era transparente, como um vidro fino que separavam o
interior do exterior. Sempre fui assim. Muito fácil de se ler.
— Preciso ir — soprei e soltei seus dedos, levando minha
mão até seu rosto, puxei uma mecha dos seus cabelos ébano para
trás da sua orelha reparando nos piercings brilhando ali.
— Obrigada por ter ido.
— Disponha, Han.
Inclinei-me sentindo seus lábios nos meus por um instante.
Fechei meus olhos sabendo que meus óculos ficariam embaçados
com aquilo, mas não liguei. Sua língua quente e com sabor de
tabaco misturado ao gosto do sorvete de limão siciliano que ela
tomou preencheu minha boca.
Hannah estava cítrica, ácida como ela costumava ser.
Seus dedos tocavam meu rosto, escorregando pela minha
nuca, puxando-me mais para si.
Eu poderia ficar presa naquele instante.
Ela encerrou o beijo com um selinho delicado em meus
lábios.
— Até amanhã, Scar.
— Até amanhã, Han.
Sorri uma última vez e abri a porta, saindo do carro. Caminhei
tentada a olhar para trás, mas não o fiz. Entrei no prédio e só então
observei pelo vidro da porta o carro acelerando e indo embora.
Deixei que um suspiro me escapasse.
Eu estava fodida. Aquela mulher roubaria toda a minha
sanidade apenas com um olhar. Mordi o lábio ainda sentindo a sua
mistura na minha boca e decidi subir para o quarto de uma vez.
Seis lances de escada depois, além de morta, eu estava na
porta do meu quarto. A destranquei e encontrei Luka lá em sua
mesinha de cabeceira, perdida em seu mundo particular com
croquis e desenhos incríveis.
Aproximei-me e toquei seu ombro, porque, como sempre, ela
sequer tinha notado. Seus olhos vieram até mim e ela tirou os fones
da orelha.
— Oi, querida! Onde estava?
Eu ri.
— Fui almoçar com a Hannah.
Sua expressão mudou, era puro divertimento. Ela parecia
animada pelo que estava acontecendo.
— Ah sim, tô vendo… Ainda tem uma baba escorrendo pelo
seu queixo.
Lhe dei o dedo do meio e sentei-me na ponta da sua cama,
observando o que estava por cima, seu último desenho. Era um
croqui perfeito de um vestido preto extremamente elegante. Os
tecidos desciam em um caimento de sereia e com as costas
completamente abertas.
E como um insight poderoso, vi minha mãe num modelo
parecido certa vez. Em uma de suas diversas exposições. Encarei o
desenho por mais um instante até que meu celular informou uma
nova mensagem. Peguei o aparelho e vi o nome do meu pai ali.
— Luka! — gritei me levantando abruptamente. — Quantos
modelos desses que você desenha, você tem? Digo, a roupa pronta
para vestir.
A garota de pele preta me encarava como se eu fosse louca.
— Nenhum?! — respondeu como se fosse o óbvio.
— Precisamos mudar isso!
Seus dedos alcançaram o desenho que estava em minhas
mãos e o tiraram do meu alcance.
— Scar, sossega. Nem sou tão boa assim para conseguir que
alguém me note dessa forma, nem vale a pena gastar com isso.
Uni meu cenho.
— Sua autoconfiança precisa de um extreme makeover,
querida. — Não queria ser debochada, mas não suportava
autopiedade, não tinha paciência. Luka era talentosa. Muito
talentosa! E merecia ao menos tentar conquistar o mundo. — Olha,
meu pai é editor de uma revista conceituada de moda, uma tal de
Galey. — Luka abriu a boca em um grande “O”, completamente
chocada. — Tenho certeza que se eu pedir, você pode ter algumas
páginas na edição de Dezembro ou Janeiro.
Por alguns segundos, minha colega de quarto pareceu estar
em choque ainda. Depois disso, desacreditou tudo o que eu havia
dito.
— Você tá blefando…
Fui obrigada a gargalhar.
— Não, eu não tô! Juro.
Seus olhos castanhos escuros me encararam com dúvidas
ainda, mas ela foi cedendo aos poucos. Eu sabia que era difícil de
acreditar que meu pai era o editor chefe da Galey. Ele tinha o
completo senso de moda enquanto eu me esforçava para caber no
que eles queriam que eu vestisse, mesmo que preferisse só roupas
básicas. Deixava que eles me vestissem, que eles me moldassem.
Não queria decepcioná-los mais do que eu já havia feito nessa vida.
Afinal, que pai gostaria de ver uma filha na cadeia, não é mesmo?!
Os meus odiaram quando isso aconteceu.
— Se você quiser, podemos fazer isso. Você é talentosa, e
ninguém disse que não se dá pra tirar vantagem das redes de apoio
que temos — comentei já me levantando da cama. — Na verdade é
para isso que elas servem.
Um sorriso tímido tomou o rosto de Luka.
— Scar, eu não posso…
— Pode sim! — repliquei. — Vai, Luka, diz que sim! Ou pelo
menos diga que vai pensar. — Virei-me encarando-a enquanto
sentava na minha cama, empurrando meus sapatos para fora dos
meus pés. — Por favorzinho.
Seus olhos castanhos quase viraram para encarar seu
próprio cérebro antes dela finalmente dizer:
— Tudo bem, vou pensar sobre a sua proposta.
— Oba!

Naquela manhã acordei empolgada. E apesar do frio, parecia


que meu corpo estava agitado demais para sentir algum tipo de
temperatura baixa.
Meus cabelos estavam metade presos em um coque
enquanto um casaco cor de caramelo cobria o meu corpo,
combinando perfeitamente com as botas de salto marrons escuras.
Estava me sentindo adorável. Já estava com Luka e Cheryl na
frente da cafeteria cara que Cheryl tanto gostava. Faltava apenas
uma pessoa chegar.
— Ela acordou de mal humor, levantou da cama e se trancou
no banheiro, foi tomar um banho e ficou um tempão lá — Cheryl
comentou quando a perguntei sobre Hannah. — Não sei o que foi
que aconteceu, mas ela parecia bem mal.
Fiquei levemente preocupada. Hannah tinha cara de quem
não era bem humorada nas manhãs, mas da forma como a sua
amiga disse ela parecia simplesmente arrasada.
Estava prestes a me despedir das duas garotas, quando
Hannah finalmente chegou. Sua expressão era pura seriedade e em
seus lábios tinha um cigarro que estava quase no fim.
— Bom dia — soprei.
Ela sorriu fraco e entrou na cafeteria. Ela literalmente só
jogou o cigarro fora lá dentro, na lixeira de dentro do
estabelecimento.
Cheryl deu um gole na sua bebida observando a cena e
depois encarou Luka. A minha colega de quarto suspirou e se
despediu de nós. A ruiva continuou e esperou que Hannah saísse,
mas ela simplesmente passou reto por nós, seguindo seu caminho
até o prédio de linguística. Encarei Cheryl que deu de ombro e se
despediu seguindo seu próprio caminho.
Algo não tão bom surgiu dentro de mim. Queria entender o
que estava acontecendo, mas ela não parecia disposta a falar.
Tomei mais um gole do meu café e comecei a minha caminhada até
a aula.
Que bela maneira de começar a semana!
“Eu tenho perguntas para você
Número um, me diga quem você acha que é?
Você teve coragem, tentando destruir a minha fé
Número dois, por que você tentaria me enganar?
Eu nunca, jamais, deveriam ter confiado em você”
— I Have Questions, Camila Cabello

Já tinha chorado, gritado e fumado quase uma carteira inteira


de cigarro. Tinha sido seca com minhas amigas e com Scarlet. O
problema é que não queria ter que lidar com elas. Não queria me
explicar.
Minhas aulas estavam passando como um grande borrão e
eu odiei isso. Eu estava prestes a me formar, queria me especializar
e tudo o que eu deveria fazer era focar naquilo, mas Mia não
deixava. Ela simplesmente não me deixava em paz.
No fim da segunda aula decidi pular a terceira e ir fumar na
frente do prédio. Estava elétrica, cheia de ansiedade e emputecida
além da conta.
Queria falar com Cheryl ou Luka, mas ao mesmo tempo não
queria desabafar de novo nos ouvidos das minhas amigas. E meu
irmão não podia nem sonhar com tudo o que estava acontecendo,
de novo. Caso soubesse, acho que ele seria capaz de uma loucura.
Se eu pudesse sairia no soco com Mia, só pra extravasar
toda a raiva contida por tudo o que ela vinha destruindo na minha
vida: meus sonhos, minha felicidade, minha autoconfiança, meu
trabalho, minha confiança nos outros, minha saúde mental… Ela
basicamente destruiu tudo nos últimos meses. Ela me destruiu.
Eu queria só chorar e ficar isolada do mundo, porque doía
demais entregar seu coração a uma pessoa e ela te estilhaçar
dessa forma. Mas no fim Shakespeare é que estava certo: o mundo
não para pra reconstruírmos nossos corações, por mais terrível que
tenha sido o estrago.
E claramente esse mesmo mundo não tem noção de tempo,
porque eu nem havia superado tanta decepção quando o universo
achou por bem colocar a Scarlet na minha vida.
Ela era absolutamente encantadora. E eu gostava dela saber
exatamente o que queria. Eu gostava dela me querer. E de não
esconder isso.
Encostei-me na parede e puxei um cigarro da carteira,
acendendo com o isqueiro. Dei uma tragada, sentindo toda a
nicotina adentrar minha garganta e chegar no meu pulmão. Aquela
merda ainda iria me matar, mas era uma morte lenta e prazerosa.
Pelo menos me daria tempo para pensar em como faria para
proibir que Mia saísse por aí pirateando meus livros e ainda tirando
os originais do ar. Meus livros, pensei ironicamente, os livros de
Medusa na verdade.
Não sabia como faria. Não tinha a menor ideia na real, mas
sabia que ela era a responsável. Ela queria que eu continuasse a
lhe pagar, mas estava farta das suas ameaças. E agora ela tinha
concretizado as suas palavras.
PDFs dos meus livros eram mais comuns do que eu gostaria,
mas em momento nenhum eu poderia sonhar que aquela cretina
conseguiria tirar os livros da plataforma original. Já tinha enviado e-
mail, ligado e tentado resolver a solução, mas nada parecia resolver.
A má vontade dos atendentes era ímpar também.
Bufei, empurrando toda a fumaça para fora do meu pulmão.
Precisava de uma solução para os meus problemas, ao
mesmo tempo que não poderia contar a ninguém que eu era a maior
prejudicada. Como faria isso? Sem ideias.
— Segunda-feira é realmente um dia horrível, mas esquecer
a educação na cama não parece uma coisa sua. — Uma voz
abusada ressoou pelos meus ouvidos. Foi impossível não sorrir
enquanto ela encostava na parede ao meu lado. — Posso entender
uma pessoa querendo espaço, mas dado ao último fim de semana,
não acho que o problema seja eu.
Dei mais uma tragada no meu cigarro e então a encarei.
Encontrei seus olhos vidrados em mim, esperando por uma
resposta.
— O problema não é você — admiti. — São coisas minhas,
só isso. Preciso ficar sozinha um pouco.
Sua cabeça apenas anuiu.
— Ok, quando quiser companhia, me avisa.
E ela começou a se afastar enquanto eu me sentia péssima
por tudo aquilo. Queria pedir para ela ficar, para que sua boca me
distraísse, mas isso seria egoísta e muito injusto. Scarlet merecia
que todos os momentos que eu estivesse com ela, eu realmente
estivesse ali. Por isso deixei ela se afastar, enquanto minha agonia
só aumentava em meu peito.
A garrafa de tequila estava pela metade e eu tinha noção de
que a minha ressaca seria horrível, mas eu simplesmente queria
esquecer tudo. Queria parar de sentir dor.
Não sabia quanto tempo tinha passado.
Só sabia que a noite tinha chegado e eu continuava bebendo
no quarto. Tessa me mataria se soubesse que eu estava fazendo
isso, mas por sorte só fingi que estava dormindo quando uma das
meninas veio me chamar para jantar e todas acabaram me deixando
em paz. Cheryl ainda não tinha voltado, então eu ficava apenas
observando a noite pela janela.
As lágrimas tinham secado e eu tinha resolvido o problema,
meus livros voltaram à plataforma principal, mas o grande motivo da
minha dor de cabeça era que Mia tinha conseguido fazer isso. Eu
sabia que ela era boa em tecnologia, computação e essas merdas,
mas não achei que fosse tão ousada assim. Claramente pensei
errado.
Com as mãos meio trêmulas levei mais um gole da garrafa
aos lábios e a coloquei no parapeito da janela, vendo-a escorregar e
se espatifar no caminho de pedras da lateral da fraternidade.
— Merda! — Fechei a janela e a cortina. — Se ninguém ver
até amanhã, tô salva.
Suspirei e olhei para dentro do quarto.
— Banho e cama! — declarei sozinha, como se precisasse
mandar em mim mesma para que fizesse as tarefas.
Caminhei pelo quarto tirando a roupa, abri a porta do
banheiro e acendi a luz. Minha retina doeu até se acostumar com a
claridade. Liguei o chuveiro e voltei ao quarto para pegar uma
calcinha limpa e a minha toalha.
Quando finalmente me enfiei embaixo do chuveiro meus
olhos imploravam para fechar, mas os mantive abertos para que não
caísse mergulhando nas memórias. Não as queria mais. Não queria
de jeito nenhum!

Senti a coberta ser arrancada do meu corpo e virei-me


bruscamente sentindo a cabeça latejando com força. Abri os olhos e
senti mais dor. Os fechei sabendo que era culpa da ressaca.
— Não vai passar o dia na cama, pode levantar! — A voz de
Cheryl ressoou e quis estrangulá-la.
Minha cabeça parecia uma rave particular com o T-Rex
pulando por todos os cantos. O que é horrível!
— Me deixa quieta, Cher! — resmunguei enfiando a cara no
travesseiro, fugindo da luz.
— De jeito nenhum! Você tá um lixo desde ontem e nem me
contou o motivo. — Nem estava a encarando, mas sabia que seus
braços estavam cruzados e a sua pose era dura. De nós três, Cheryl
era a mais durona, eu era uma dramática complexa e Luka era
insegura demais para o próprio bem. — Anda, Hannah. Eu deixo
você fazer uma palhaçada dessas por semana só, não vou deixar
você largada nessa cama em pleno último ano.
Gritei, com a cara enfiada no travesseiro abafando o som.
Jogando todo o meu ódio para fora. Senti a cama afundando, sabia
que ela tinha sentado, mas não consegui tirar a cara do travesseiro.
— Fala logo, não tenho a manhã inteira pra te ouvir.
Bufei e me virei para cima, jogando meus braços sob o rosto,
ainda bloqueando a luz de entrar em contato com os meus olhos.
— Mia, de novo — respondi sem paciência. — Mas não
quero falar sobre, se não falar não é tão real assim o quão bem ela
ta fodendo a minha vida.
Cheryl se remexeu na cama.
— Sabe… Se Medusa não fosse tão real, talvez o problema
também não seria.
Com essa frase ela me obrigou a encará-la com a maior
expressão de confusão.
— Do que tá falando, Cher?
Por um instante ela parecia receosa do que falaria, mas sabia
que não ficaria sem falar. Foram longos segundos com seu olhar
fugindo de mim até que ela soltou:
— Você é Medusa Wheeler, assuma isso publicamente e
esse pesadelo acabou — minha amiga soprou como um segredo. —
Você arranca de Mia todo o poder que ela acha que tem. É como a
Bella Thorne publicar suas fotos na internet para não ter hackers a
ameaçando e exigindo dinheiro como a cretina da Mia tá fazendo
contigo.
— Eu não estou errada em querer privacidade! —
resmunguei levantando da cama.
— Não estou dizendo que está, mas é o que você ama fazer.
E você é tão boa nisso, não deveria permanecer com medo das
pessoas enxergarem quem é a pessoa incrível por trás daquele
pseudônimo.
Ela não entendia. Nunca entenderia.
— Não vou discutir isso com você, não vou assumir
publicamente que sou Medusa e esse é o fim dessa conversa!
Sabia que ela queria responder, mas não dei a chance a ela,
apenas me tranquei no banheiro e tentei me preparar da melhor
maneira possível para ir ver minhas aulas.
Eu não tinha que assumir nada.
Eu tinha que dar um jeito de parar Mia.
Medusa era meu sonho sendo realidade e nada tiraria isso de
mim. Porque eu amava escrever, amava ver tantas pessoas se
inspirando nos meus livros e amando quem são, mas eu amava a
minha privacidade. Eu era Medusa, mas o mundo não precisava
saber disso.
Joguei um punhado de água no rosto e ao menos tentei não
ser inútil durante aquele dia. Porque por mais que estivesse um
pouco irritada com Cher, ela tinha um pingo de razão: era meu
último ano na faculdade, precisava me concentrar naquilo.
Me arrumei, tomei café, fui um pouco simpática com as
garotas e segui para a aula.
Três aulas seguidas que eu consegui prestar atenção? Uau,
aquilo era um milagre naquela semana infernal. Minha última aula
da manhã era latim avançado. Comecei a caminhar pelos
corredores sentindo meus longos cabelos presos em um rabo-de-
cavalo balançavam com meus passos e meus coturnos batiam no
piso fazendo um barulho rítmico.
Virei o corredor, e estava prestes a descer as escadas
quando algo chamou a minha atenção pela janela.
Scarlet estava sentada com uma garota em um dos bancos
da faculdade. As duas riam, se divertiam. Os cabelos negros da
garota eram longos, como os meus.
Nunca tinha a visto por ali, mas sei que ver aquela cena foi
algo que senti no meu interior. As duas pareciam muito íntimas.
Talvez eu estivesse enganada. Talvez Scarlet soubesse sim o que
queria, mas ela era o tipo que conseguia e partia. Como Mia, mas
com muito mais caráter até conseguia dizer.
Fiquei presa na cena, observando as duas conversando por
alguns instantes até que o sinal chamou a minha atenção, me
fazendo voltar a caminhar até a minha aula.
Porra, quem era aquela menina?
Suspirei, não tinha cabeça para entrar em paranóia naquele
momento.
Parei no meio do corredor, ignorando completamente que
minha aula provavelmente já tinha começado, e mandei uma
mensagem para Scarlet.

HANNAH: “Oi, podemos nos ver hoje? Acho que uma companhia
seria bom”
“Garota de jeans azul, dama de Los Angeles
Costureira da banda
Olhos bonitos
Sorriso de pirata”
— Tiny Dancer, Elton John

— E como é viver com a enteada da sua mãe? — questionei


curiosa. Fazia muito tempo que eu e Claire não conversávamos, a
vida adulta e a distância por um oceano atrapalhava um pouquinho.
— Ah é bom, mas ela é bailarina, e tem um quarto no nosso
apartamento onde ela pratica, então às vezes acaba sendo
barulhento. — Minha amiga encarava o campus enquanto tinha um
cigarro pendurado nos dedos. — E com Phineas as coisas têm sido
mais fáceis de aceitar na Inglaterra.
— E quando vai me contar mais sobre ele? — questionei
curiosa para saber mais. Claire estava em um relacionamento com
esse garoto há meses e eu sequer o conhecia. Parecia boa gente
na foto, mas poxa, ela era uma das minhas melhores amigas, eu
merecia saber se o cara era realmente tão bom assim.
— To apaixonada por ele, mas nosso começo foi conturbado
— ela declarou com sinceridade. Deixei meus olhos nela esperando
que ela entendesse que deveria continuar. Ela suspirou e rolou suas
íris azuis. — Não foi fácil, nossos pais, a faculdade, meus problemas
pessoais, foi tudo um caos. Até mesmo a ex dele, mas o importante
é que estamos bem e muito felizes, sério.
Sorri e joguei meus braços ao redor da minha amiga.
— Fico feliz que esteja feliz.
Ela me apertou contra si.
— Obrigada, Scary.
Nos afastamos e eu continuei sorrindo. Era tão bom ver
Claire feliz, queria poder dizer a ela que também estava muito feliz,
mas era uma mentira. Estava confusa, tendo a garota que gosto me
afastando de si por dois dias depois de um fim de semana incrível.
— E você, qual o nome dele? — minha amiga questionou
dando mais uma tragada em seu cigarro.
Eu ri em sua cara.
— É ela e o nome é Hannah.
Os olhos azuis claros como um céu límpido da minha amiga,
me encararam com total curiosidade.
— Desde quando…?
— Desde que me mudei, desde a primeira hora na verdade.
Olhei pra ela e quase caí de quatro.
Lembrei-me que eu realmente caí quando a conheci, mas
ignorei o comentário engraçadinho.
— E… ? — Fiquei confusa. — O resto dos detalhes Scarlet,
pelo amor de Deus.
Ri e joguei meu corpo para trás, sentindo o peso do meu
corpo encostando-se no banco de madeira. O vento gelado me
atingiu na cara, mas não liguei muito.
— Ela é incrível, bonita, inteligente… É minha veterana
também e sei lá… Não sei se é aquela coisa de filme do tipo “a
pessoa certa”, mas definitivamente é a pessoa certa de agora,
sabe? — Eu ri. — Se é que isso faz algum sentido.
Minha amiga sorriu.
— Faz total sentido!
Suspirei pensando na imensidão dos olhos castanhos de
Hannah, e como por mágica, senti meu celular vibrando no bolso do
meu casaco. Puxei-o e vi a mensagem dela. Meus dentes foram
automaticamente para os meus lábios inferiores, os mordendo,
tentando disfarçar o sorriso enorme que queria despontar em meu
rosto.
— E quando volta pra Inglaterra? — questionei a minha
amiga, enquanto começava a digitar a resposta.

SCARLET: “Oi, claro! Podemos jantar juntas? A tarde ficarei com


uma amiga que está me visitando”

Bloqueei a tela e voltei-me a Claire, que me observava com


um sorriso sacana em seus rosto, mostrando inclusive seus dentes
frontais levemente separados. Eu achava aquilo um charme
particular dela.
— Ah, daqui dois dias, vou até Los Angeles ver meu pai e
assinar alguns papéis. Desde o ano passado ele tem tentado que eu
fique por perto, mas é difícil sair de Briget Evans, atravessar o
oceano e depois o país para vê-lo. — As palavras saíam como um
desabafo dos seus lábios, fazia um ano que não nos víamos, estava
sendo ótimo poder conversar com alguém que me conhecia tão bem
e tinha quase certeza que a sensação para ela era a mesma. — De
qualquer forma estou amando estudar literatura lá. E você, como
está aqui com o curso?
Suspirei.
— Está incrível, estou completamente apaixonada. Inclusive
louca para poder me formar e me tornar editora.
Nós rimos. Desde os 16 anos falávamos sobre isso. Claire
dizia que queria ser editora também, mas a verdade é que ela tinha
um talento particular para a escrita, mas ainda não tinha coragem de
mostrar isso ao mundo. Uma vez ela me confessou que, se
pudesse, publicaria sob um pseudônimo, mas que mesmo assim
morria de medo. O que era engraçado para uma garota tão
destemida como ela.
— Tenho certeza que algum dia vamos abrir uma editora!
— Assim espero, esse era o plano, Srta. Rudd.
E assim a minha tarde tinha sido toda tomada por Claire
Elizabeth Rudd. Muita conversa e muitas risadas.
Após levar minha amiga ao seu carro, me despedi
prometendo que no próximo dia poderíamos ir ao shopping
experimentar um tal de sorvete de maconha, já que no estado
dourado tal droga era liberada tanto para uso medicinal quanto
recreativo, me despedi e segui o meu caminho até o meu dormitório.
Estava cansada. Muito cansada. Mesmo assim, uma fagulha em
mim tinha uma animação contida para ver Hannah.
Entrei no prédio e subi até o meu quarto. Estava louca por um
banho e depois mandaria mensagem para Hannah. Abri a porta do
quarto e me deparei com um North sem camisa enquanto estava
sob o corpo de Luka na cama dela.
— Porra! — gritei e fechei a porta com tudo. Ouvi os dois
falando lá dentro e fechei os olhos com força. Não tinha visto nada
demais, mas Luka poderia ter mandado mensagem e avisado, eu
nem tinha voltado ao quarto.
Encostei-me ao lado da porta e respirei fundo tentando não
rir. Eu achava que essas coisas de pegar a colega de quarto numa
transa casual era algo exclusivo dos filmes que exageravam a
realidade, mas pelo jeito, aquilo era mais real do que se aparentava.
De repente a porta foi aberta e um North sorridente me
encarou.
— Scarlet, querida, não tem nada melhor pra fazer?
Eu ri.
— North, não seja um babaca! — Ouvi a voz de Luka ecoar
mais atrás dele.
— Eu quero tomar um banho e depois juro que vou sair, mas
preciso muito entrar, tomar um banho pra só depois sair — comentei
passando por ele. Joguei minha bolsa na minha cama e peguei
minhas coisas. — Que tal vocês irem comer e juro que daqui uns 40
minutos o quarto vai ser só de vocês? — sugeri sem a menor
vergonha.
Os dois trocaram olhares e ele sorriu para mim.
— Ok, vou levar minha gata para comer e depois vamos para
o meu apartamento.
Estreitei meus olhos para ele.
— Não vou perguntar porque sempre ficam aqui se você
mora sozinho….
— Porque não tenho carro, e é fora do campus o
apartamento — Luka fez questão de responder enquanto colocava
um casaco. — Mas não tem problema, vamos para lá e passaremos
a noite. Me recuso a voltar para cá depois de sair.
North sorriu quase vitorioso.
— É um sacrifício que ela concorde com isso… — ele soprou
para mim. Eu ri e logo eles saíram.
Ajeitei minhas coisas e escolhi uma roupa limpa e bem
quentinha, porque os termômetros apontavam que a temperatura
despencaria naquela noite. Levei uma hora para me ajeitar de forma
decente, mas pelo menos consegui.
Peguei o celular e mandei mensagem para Hannah.

SCARLET: “Ok, onde quer ir jantar?”

Durante a tarde trocamos poucas mensagens, mas fiquei feliz


de não deixarmos de conversar. Agora, pronta para sair novamente,
queria saber como faríamos.

HANNAH: “Ah, podemos comer comida chinesa? Eu to sedenta por


isso”

Eu ri. Peguei minha bolsa e passei um gloss nos lábios antes


de passar os dedos pelos cabelos uma última vez. Com os meus
óculos na cara, resolvi que gostava de deixá-la me ver assim.
E isso era algo grande. Acredite.

SCARLET: “Ótimo, adoro comida chinesa!”

HANNAH: “Beleza, passo aí para te pegar e podemos comer no


carro”

Sorri e saí do quarto rumo ao hall de entrada do dormitório.


Foram só cinco minutos de espera até que eu pudesse ver o carro
de Hannah parando ali na frente.
Saí no vento gelado, mas foi um frio passageiro, assim que
me joguei no banco e fechei a porta, o calor do ar condicionado me
atingiu. Sorri só por isso, mas ao encarar a garota de cabelos
negros, sorri ainda mais.
— Oi… — soprei virando-me em sua direção.
— Oi, Scar.
Nos encaramos por um instante antes dela inclinar-se na
minha direção e eu tomei atitude de me aproximar mais ainda dela,
sentindo seus lábios nos meus. Sentindo o leve sabor do tabaco e
tocando sua pele macia. Esse simples ato fez os pelos do meu
corpo eriçarem. Minha língua escorregou para dentro da boca dela,
me lembrando que aquele beijo era bom e absurdamente viciante.
Sentindo seus dedos na minha nuca subindo até os meus cabelos e
os segurando levemente, fiquei quase com as pernas moles.
Nos afastamos apenas por um instante, encarando uma a
outra.
— Tá com muita fome? — ela questionou e eu neguei com a
cabeça. Minha fome poderia ser traduzida por outra coisa. Deus,
como eu queria aquela mulher. Ela sorriu e empurrou o próprio
corpo para o banco novamente. Respirando fundo. — Você me
entorpece.
— É como se tivéssemos quinze anos e nossos pais não
pudessem nem sonhar com algo desse tipo acontecendo —
comentei.
Ela riu.
— É, meus pais morreram antes de eu ter quinze anos, então
não sei bem o que é isso… — ela replicou e eu me senti péssima
por ter esquecido disso. — Mas acho que morreria se minha avó
sonhasse com algo do tipo.
Sorri e toquei sua mão.
— Vamos comprar a comida, aí podemos ir no cinema drive-
in… — Escorreguei os dedos para a perna dela. — Podemos pegar
uma vaga escura… — Subi até o meio das suas pernas, deixando
meus dedos deslizarem por ali. — Aposto que vai ser ótima toda a
adrenalina.
— O perigo de sermos pegas é grande.
— Casais héteros fazem isso o tempo todo — retruquei.
Ela riu e me beijou novamente, enquanto eu deixava minha
mão a provocando mais um pouco, por cima dos jeans, até que ela
acelerasse o carro, nos levando até o restaurante chinês na cidade.
Fizemos nossos pedidos no balcão e aguardamos alguns
poucos minutos entre abraços e conversas banais. Contei a ela
sobre Claire, que éramos amigas de longa data e que na tarde
seguinte também estaria com ela e ela pareceu quase aliviada. Não
sabia se era por Claire ser minha amiga ou se era porque estaria
ocupada, mas preferi acreditar que era pela primeira opção.
Pegamos nossos pedidos e voltamos para o carro. Para não
corrermos risco de derrubar a comida no carro de Hannah, algo que
tenho certeza que faria ela me assassinar, nós comemos no
estacionamento do restaurante.
— Eu tô louca para acabar esses dois anos iniciais, sério,
odeio economia — comecei falando enquanto Ariana Grande tocava
ao fundo da nossa conversa.
— Coração, depois só piora!
— Uau, que fala motivacional, obrigada, linda.
Ela levou o hashi com yakisoba à boca novamente. Aproveitei
o silêncio e dei um gole na minha Coca-Cola, sentindo a bebida
gelada descendo a minha garganta enquanto o ar do carro nos
mantinha aquecidas.
O termômetro da rua apontava 13 graus. E Outubro mal tinha
começado.
— E a sua amiga, é de Nova Iorque? — ela questionou sem
me encarar.
Estranhei um pouco a pergunta, mas respondi.
— Sim, nós fizemos ensino médio juntas. Ela mora na
Inglaterra agora, veio falar com o pai em Los Angeles e resolveu
passar por aqui. Fazia um ano que não nos encontrávamos
pessoalmente — comentei. — Temos uma outra amiga também,
mas essa faz direito em Harvard, é quase impossível de ver.
Hannah riu.
— Aparentemente alguém tem que se formar em algo que dê
futuro — debochou se referindo a nós duas.
— Existem pessoas que acham que faculdade dá futuro.
— Pois é, que loucura.
E nós rimos.
— Credo, acabou com o date, linda — comentei esticando as
minhas pernas e colocando a minha embalagem vazia numa
sacolinha que tínhamos trazido nossos pedidos. — Já sabe que
filme quer ver? — questionei pegando meu celular para procurar o
site do drive-in da cidade e conferir o que tinha na programação
daquele dia.
— O que tiver passando, tanto faz.
Encarei-a de soslaio e mordi a minha bochecha para não
sorrir demais.
— A gente vai mesmo transar no carro?
— Não foi essa a sua proposta indecente?! — replicou e
meus olhos ficaram estalados. Fiquei um pouco em choque.
— Foi, mas você parece muito boazinha para tal coisa.
Ela jogou suas coisas na sacola também e a amarrou. Sem
cinto, ela inclinou-se levemente pra frente e deixou seus lábios
próximos o suficiente para eu sentir sua respiração perto do meu
rosto.
— Eu realmente sou uma boa garota, apesar do casulo de
menina má, Scar. Mas é essa boa garota que te fez gozar duas
vezes, coração, então não vamos por esse caminho porque se não
é capaz de nem chegarmos ao filme. — Sua voz saiu baixinha e eu
senti algo incendiando dentro de mim.
Eu queimava por ela, pegava fogo em todos os sentidos
possíveis.
— Vamos para a fraternidade? — pedi, quase em uma
súplica.
Ela afastou-se para me ver, encarar meus olhos e eu tinha
certeza que todo o meu rosto deveria estar vermelho como um
tomate. Ela procurava por uma confirmação e não demorou a
encontrá-la.
— Se é o que você quer…
Assenti, deixando que ela dirigisse até o destino final. Dane-
se o filme ou toda a possível adrenalina, queria nós duas na sua
cama.
Poderia tocar Ariana Grande, Halsey ou até mesmo Lauren
Jauregui, eu estava completamente longe daquilo, pensando
apenas em mim e em Hannah juntas.
A ansiedade que me dominava era deliciosa.

Acordei sentindo um vento gelado atingindo-me. Abri os olhos


e encontrei Hannah saindo do banheiro com um camisão rosa
apenas e vindo em direção a cama.
— Bom dia… — ela disse deitando-se atrás de mim,
envolvendo-me em seus braços. Eu estava com uma blusa dela de
dormir também e calcinha apenas embaixo de uma boa quantidade
de cobertas. Me encolhi em seus braços e bocejei.
— Bom dia, Han.
Ela depositou um beijo na minha bochecha e enfiou-se
debaixo das cobertas comigo. Virei-me para ela encarando os dois
universos virgens que ela tinha nos olhos. Antes do big beng,
escuro, como algo puro e intocável, mas infinito em sua existência.
— Que horas são? — perguntei curiosa.
— Seis e meia, temos tempo até a primeira aula.
Sorri satisfeita, porque queria aproveitar cada segundo
sentindo sua pele grudada na minha. Afundei meu rosto em seu
pescoço.
— Ótimo, porque quero ficar assim pelo máximo de tempo.
Seus braços me apertaram contra si.
— Virou bicho preguiça?
— Talvez…
Depositei um beijo em sua pele, sentindo ela estremecer
inteira, algo que eu adorei.
Meus dedos procuraram pelos seus e os entrelacei,
observando-a sorrir.
— A gente tá muito gay — ela soprou.
— A gente é meio gay.
— Não porque bissexualidade não 50% de gay e 50% de
hétero — ela replicou enquanto eu estava me divertindo com a
nossa conversa matutina.
— Graças a Deus, só 100% bissexual.
Levantei nossas mãos, olhando os poucos feixes de luz que
passavam pela cortina naquele momento, tocando nossas peles. E
aquilo era brilhante.
— E 100% na sua, também é considerado sexualidade?
Hannah revirou os olhos. E me beijou.
— Você é impossível, Scalet…
Eu ri e deixei que sua boca tomasse a minha.
Depois de um banho maravilhoso com Hannah e estar
usando um suéter seu extremamente grande no meu corpo, saí com
ela para tomarmos café. Mesmo dentro da fraternidade Han segurou
em minha mão e eu gostei disso. Tinha receio que ela pudesse ter
medo de nós duas juntas, mas aparentemente ela não tinha.
Nós fomos até o café encontrar Cheryl e Luka. E eu
simplesmente adorava tê-las por perto. Curiosamente dessa vez
John também estava lá.
— Bom dia… — O rapaz tão alto quanto a irmã nos
cumprimentou com um sorriso no rosto enquanto tinha apenas um
casaco não muito grosso sobre a camiseta. — Eu deveria saber de
alguma coisa?
Seus olhos castanhos passearam entre nós duas enquanto
Cheryl abraçava-o pelo braço.
— Faça essa pergunta daqui algumas semanas, talvez eu
tenha uma resposta concreta.
Eu ri e depositei um beijo na bochecha dela, sentindo sua
pele esquentando-se.
— Vamos comprar nosso café, já voltamos — declarei, a
puxando comigo.
Com meu shake de morango e o café puro de Hannah em
mãos, voltamos a falar com nossos amigos e por um instante algo
no meu interior me incomodou: eles eram amigos dela. Elas eram
melhores amigas dela, ele era irmão dela. Foi um incômodo
estúpido, mas que me fez pensar que talvez eu devesse arranjar
mais amizades. Talvez alguém do curso, alguém legal.
Suspirei e continuei ali rindo com eles até que desse o
horário de irmos para aula.
Três horas depois, fechei meu caderno observando boa parte
da turma fechar o notebook. Mesmo tendo o meu, preferi continuar
com caneta e papel para anotar as coisas das aulas, era mais
efetivo para mim, principalmente por conseguir usar várias cores de
forma mais fácil.
Olhei o celular e vi uma mensagem de Claire, nós
combinamos de nos encontrarmos no estacionamento do campus,
ao lado do bloco de linguística. Ela já estava me esperando.
Peguei minhas coisas e saí da sala.
A ideia de fazer novos amigos foi péssima, tentei puxar
assunto com uma garota e tudo o que consegui foi um “quieta, a
aula vai começar”. Sério! Por isso, por ora, tinha desistido. Eu era
horrível com isso. Não era atoa que só tinha Claire e Quinn como
pessoas importantes na minha vida.
E falando no diabo, encontrei-a exatamente onde ela tinha
dito que estaria.
— Olá, bela… — a cumprimentei, tirando a sua atenção do
próprio celular. — Respondendo o namorado?
— A irmã.
Sorri pra ela e entrei no banco do passageiro da sua BMW
alugada.
O rádio ligou em Abba e eu só poderia agradecer à Claire
pelo seu bom gosto musical.
— Ok, shopping e fofoca. O que mais uma garota poderia
querer, não é mesmo?! — ela debochou dando a ré no carro para
tirá-lo da vaga no estacionamento do campus.
— Um amor pra vida toda…
— Deus, Scarlet, nós temos vinte anos, a vida toda é muito
tempo.
Senti o sorriso preenchendo meus lábios.
— Você tem razão, mas ao mesmo tempo não quer dizer que
não podemos encontrar essa pessoa, certo?!
Seus olhos desviaram do caminho por um instante e me
encararam com deboche.
— Nunca achei que diria isso, mas sim, você tem razão. — O
carro foi preenchido com um suspiro da minha amiga. — Conhecer
Phineas foi atração em cima de tesão e vontade de estar perto,
grudados… E eventualmente foi impossível dizer qual foi o exato
momento que ele simplesmente reivindicou todo o meu coração.
Sorri achando completamente fofo o que ela estava dizendo.
Entramos na estrada principal.
— Não sabe mesmo que momento foi esse?
Suas bochechas começaram a esquentar um pouco, mas
nada que ela não soubesse disfarçar.
— Talvez eu saiba…
— E como a gente sabe?
Claire riu um pouco nervosa. Ela falaria, eu sabia, porque no
fim nós não tínhamos segredos, mas entre todas nós, ela era a mais
quieta e reservada. Eu era uma porra louca e Quinn era a
responsável. Não por um acaso Quinn foi a única que entrou direto
em uma universidade após o fim do ensino médio. E não qualquer
universidade, ela entrou em Harvard. Na porra de Harvard! Isso era
um feito e tanto na vida de qualquer pessoa.
— Eu soube quando tive que deixá-lo ir — ela começou
dizendo. —, por um período curto de tempo, ele precisava resolver
umas coisas pessoais e então simplesmente soube, meu coração
era dele. Eu amava cada pedaço dele, todas as qualidades. E
conhecia cada defeito o suficiente para ter clareza de que eu estava
disposta a enfrentá-los todos os dias se fosse preciso.
Senti uma calmaria com suas palavras. E também senti um
pouco da sua dor, mas era uma dor que estava na memória e que
tava tudo bem ser sentida, porque ela fazia parte da vida.
— E quando contou pra ele sobre isso?
Claire riu.
— Não vim até a Califórnia só falar de mim, sabe?!
Rolei meus olhos.
— Chegue ao shopping e então conversaremos sobre a
minha vida fodida.
Minha amiga acelerou seu carro e em dez minutos
estávamos saindo do carro e entregando a um dos valetes mesmo
para o estacionasse.
Entramos no shopping e fomos até a tal sorveteria que Claire
tanto viu na internet sobre. Minha amiga estava realmente ansiosa
para comer o tal sorvete de maconha. Por um instante pensei
quando tínhamos voltado a ter dezesseis anos pra querer fazer esse
tipo de merda?, mas desisti de tentar achar sentido. Só estávamos
curiosas, essa seria a minha desculpa para mim mesma.
Pedimos o dito cujo do sorvete e sentamos dentro da
sorveteria. Todas as pessoas que entravam ali assinavam uma
papelada e tinham que permanecer na área por duas horas. E sem
direção por duas horas após o consumo.
Sério que liberação de droga era isso? Você me
decepcionou, Califórnia.
— Ok, quero saber mais sobre Hannah — declarou Claire,
levando uma colherada do tal sorvete à boca. — Gente, isso é bom!
— comentou completamente aleatoriamente após a primeira
degustação.
Soltei uma risada divertida, colocando a minha colher com
sorvete na boca também e me deliciando com aquilo.
— Meu Deus, quem inventou isso vai ficar rico!
— Acho que essa pessoa já é rica — Claire retrucou.
Deixei minhas costas encostarem relaxadas no banco
acolchoado.
— Enfim, já que abriu a boca, pode continuar, Scary.
Suspirei pensando bem o que falaria.
— Gosto da Hannah, estamos nos conhecendo e o sexo é
simplesmente espetacular… Mas ao mesmo tempo tenho medo que
seja só isso, algo casual e que vai passar. Sei que talvez esteja
fazendo drama, mas desde que a vi pela primeira vez ela
simplesmente roubou tudo de mim.
— E dizem que amor à primeira vista não existe — Claire
debochou ao meu lado. — Olha, ninguém disse que se apaixonar
era tranquilo, mas vale a pena. E conhecendo você, do jeito que eu
conheço, sei que a sua determinação é singular. Se você está
gostando mesmo dessa Hannah, então lute por ela. — Os olhos da
minha amiga me encontraram e ela sorriu. — No fim, se apaixonar é
se entregar e rezar para que haja mais dias de sol do que de chuva,
porque inevitavelmente vão haver os dois.
Sorri e encostei a cabeça em seu ombro.
— Você vai ser uma escritora de sucesso quando resolver
publicar seus textos, porque se só falando já é lindo, imagine o que
escreve.
Minha amiga soltou uma risada divertida e nós continuamos
com nosso sorvete, me lembrando momentaneamente das nossas
tardes no Central Parque com nossos vapes deitadas na grama.
Sentia falta dessa época.
“Uma mulher crescida nunca deveria se apaixonar tão facilmente
Sinto um certo medo
Quando você não está por perto
Descontente, passo por cima do meu orgulho
E imploro a você querida
Não desperdice suas emoções
Deixe todo o seu amor comigo”
— Lay All Your Love On Me, Abba

Estava faminta e na fraternidade havia acabado os iogurtes


que eu gostava, só tinha de manga e blueberry agora e eu odiava os
dois. Por isso resolvi fazer meu lanche da tarde fora.
Sabia que Scar estava com sua amiga, então nem mandei
mensagem para não atrapalhar. Cheryl estava com meu irmão e
Luka estava ocupada com as coisas da faculdade de moda dela.
Eu deveria estar mais focada na faculdade, mas
simplesmente não conseguia tirar certas pessoas da minha cabeça.
E dessa vez era num bom sentido. Mesmo que isso me assustasse
pra caralho, eu sabia que era inevitável e quanto mais eu tentasse
evitar, pior seria.
Scarlet estava transformando meu mundo preto e branco, ela
dava cor pra cada momento novamente e eu era grata por isso.
Gostava de como me sentia perto dela. Ela me deixava em
completa adoração por si e isso era muito perigoso. Porque ao
mesmo tempo que queria simplesmente pular de cabeça e me
entregar aos meus sentimentos, sabia que talvez isso não fosse a
melhor coisa. Nunca fui muito racional, sempre, sempre mesmo, fui
mais emocional, mas depois de tudo, eu só tinha receio de tudo.
Será que ela pensava em mim da mesma forma?
Será que ela seria capaz de sentir o mesmo que eu?
Será que estávamos na mesma sintonia?
Eram dúvidas demais para causar insegurança demais.
Cheguei ao café e pedi um smoothie de banana, um café
preto e um pedaço de croissant de queijo. Esperei o pedido na mesa
mesmo, estava com preguiça de ficar em pé e me sentia inchada.
Tinha certeza que minha menstruação viria logo. E a desgraça me
deixaria feito uma gata manhosa, rolando de cólicas na cama e
reclamando de tudo.
Tinha um pouco de matéria acumulada que precisava
resolver até o próximo fim de semana e ainda teria que pensar
numa fantasia de Halloween para daqui quinze dias.
— Hannah?! — a atendente chamou. Caminhei até o balcão
e peguei meus pedidos numa bandeja.
— Obrigada.
Voltei à mesa e comi, com os pensamentos longe demais do
meu corpo.
Não tive noção do tempo, mas terminei tudo e continuei ali
alguns minutos ainda com a mente cheia de coisas. Saí da cafeteria
perto das sete da noite, já estava escuro, a lua brilhava no céu e a
temperatura tinha caído. Puxei um cigarro e o coloquei nos lábios,
olhando ao redor. Logo meus olhos captaram Scar se despedindo
da sua amiga, na frente do carro dela. As duas se abraçaram e logo
ela saiu sem sequer notar que eu estava há alguns metros dali. Pela
direção ela estava indo para os dormitórios.
Soprei a fumaça para fora do meu corpo e caminhei em
direção a fraternidade. Não estava num humor muito bom, e não
queria arruinar o resto do dia dela.

Eram nove horas da noite quando Cheryl chegou ao quarto


com uma expressão péssima.
— Oi… Tá tudo bem? — questionei encarando minha amiga
quase se arrastando pelo cômodo.
— Sim, só muito trabalho no laboratório — comentou jogando
sua bolsa ao lado da cama, pegou a sua toalha e uma muda de
roupa. — Vou para o banho e acho que vou capotar.
Assenti. Ela entrou no banheiro e eu continuei a finalizar as
minhas coisas. Faltava apenas uma leitura, mas meus olhos já
ardiam diante do computador, por isso decidi deixar para o dia
seguinte.
Saí da minha escrivaninha e encarei os livros na prateleira
acima da mesinha. Isolados dos meus outros livros, brilhando ali
com orgulho. Sorri fraco com aquilo e joguei-me na cama.
Estava exausta. Definitivamente conseguia sentir todos os
músculos do meu corpo doendo pelas horas seguidas sentada na
cadeira. Precisava criar vergonha na minha cara e fazer algum tipo
de exercício físico. Além de transar com Scarlet, minha mente
completou.
Rolei na cama e alcancei meu celular.
Tirei ele do carregador e desbloqueei a tela, procurando
pelas minhas conversas de texto com ela.

HANNAH: “Oi, Scar. Tá ocupada?”

Ela não estava online.


Bloqueei a tela do celular e o deixei sobre a cama.
Queria comer, mas ao mesmo tempo não queria descer até a
cozinha. E no momento tomar um banho estava fora de cogitação.
Meus olhos voaram até a janela, a noite era brilhante lá fora, o que
me fez sorrir fraco.
Alguns anos atrás, quando meus pais eram vivos, John e eu
costumávamos ter uma barraca no jardim, onde passávamos
algumas noites de verão enquanto os dois dormiam na sala. Ainda
me lembrava dos olhos azuis da minha mãe, assim como os do meu
irmão. Eram olhos tão doces e gentis.
Ela sabia ler as pessoas, por isso se dava bem com meu pai.
Eles eram complementares, mas não eram perfeitos.
Quando eles morreram eu tinha treze e John onze. Éramos
pré-adolescentes na sua pior fase. Nossa avó fez o possível, para
que tivéssemos futuro, mas aos quinze tive que começar a trabalhar,
caso contrário sabia que não teria muito para chamar de meu. E
tudo isso funcionou, porque eu tinha uma vida aos 24 e gostava
dela, só não alugava um apartamento por custo. Pra que me
incomodar com o aluguel de um apartamento se poderia morar de
graça na fraternidade, não é mesmo?
Já fazia mais de dez anos.
E claro, a dor diminuiu, mas eventualmente eu pensava sobre
eles. Sentia saudade. Principalmente quando as memórias
aleatórias vinham à mente.
O toque do meu celular me despertou.

SCARLET: “Oi, linda. Não, acabei de terminar de secar os cabelos.


O que você está fazendo?”

HANNAH: “Pensando em você… Luka está no seu quarto?”

SCARLET: “Hm, não… Ela mandou mensagem dizendo que iria


passar a noite fora. Quer vir aqui?”

HANNAH: “Quero. Eu posso?”

SCARLET: “É claro que pode, estou esperando”

Levantei-me da cama e vi Cheryl apenas jogando-se em sua


cama e apagando seu abajur. Peguei minhas coisas e fui para um
banho.

Scarlet abriu a porta sorrindo.


— Oi… Entra!
Ela me deu espaço e eu passei para o lado de dentro do
quarto. Ouvi a porta sendo fechada e agradeci o ar quente que
vinha do aquecedor. O vento lá fora estava castigando. E eu ainda
tinha decidido vir andando para fumar no caminho, então estava me
sentindo bem gelada.
Virei-me encarando ela e logo senti seus lábios nos meus,
em beijo casto e delicado. Seus olhos encontraram os meus e ela
sorriu.
— O que acha de hambúrguer e filme?
— Acho uma boa ideia.
Scar anuiu e pegou o próprio celular digitando no aplicativo
de comidas, provavelmente. Observei ela com um blusão longo e de
mangas longas que alcançava as suas coxas. Sentei-me em sua
cama e tirei os sapatos, deitando ao lado da parede, esperando ela
se juntar a mim. O que ela fez em poucos instantes. Nos deitamos
uma de frente pra outra e pude encarar seu rosto pertinho.
— Oi… — ela soprou.
— Oi…
Meus dedos gelados tocaram a sua pele quente e ela
arrepiou-se inteira.
— Já pedi a comi… — Seu comentário se perdeu no meio do
caminho quando a beijei. Honestamente não estava preocupada
com a comida.
Scarlet estava me tornando uma viciada em seu corpo. Tudo
o que eu queria era ver aquela mulher sentindo prazer.
Suas pernas envolveram a minha cintura. Sentindo todo o
seu corpo quente, agradeci por ela não usar calça nenhuma. Não
sabia até onde ela estaria disposta a ir naquela noite, mas eu
definitivamente a queria poder senti-la por completo.
Com calma ela tirou meu casaco o jogando para trás de si e
depois minha blusa de manga longa.
— Tem noção do quanto eu pensei em você hoje? — ela
sussurrou, como um segredo. — Muito — respondeu sem esperar
que eu respondesse.
Sorri contra seus lábios e voltei a beijá-la, sentindo sua
calcinha tocando o meu jeans claro.
Minha língua sentia ela, mas eu queria mais. Por isso
comecei a descer os beijos para a sua pele. O cheiro de baunilha
estava ainda maior vindo do seu corpo e eu estava simplesmente
me deliciando naquilo.
Mordisquei a sua pele sensível do pescoço e joguei meu
corpo contra o seu, mas não consegui me colocar por cima, ela não
deixou, mantendo-me deitada.
Seus olhos me encararam por um instante, antes dela se
levantar e tirar a camiseta, puxei minha blusa para fora do meu
corpo também e ela logo veio tirar a minha calça.
A cada peça de roupa fora, mais o contato da sua pele com a
minha me deixava louca. Precisava de mais e mais. Voltamos para a
cama e a virei de costas para mim, deixando meus seios tocando
suas costas. Puxei sua perna para cima da minha e tirei sua
calcinha.
Agora completamente nua, a ouvi arfando.
— O que vai fazer, linda? — ela questionou transbordando
luxúria.
Sorri contra ela, levando meus lábios até sua orelha.
— Eu vou foder você.
Depositei um beijo em seu ombro antes de descer meus
dedos pela lateral do seu corpo, percorrendo cada curva sua,
sentindo sua pele e sua reação a mim.
— Hannah… Olha a boca — ela queria me provocar, mas
naquela posição estava completamente em desvantagem.
— Com a boca? Pode ser também — debochei.
Houve uma risada curta sua, mas que acabou quando meus
dedos, ainda um pouco gelados, tocaram sua intimidade quente
como o inferno. Ela estava molhada, completamente excitada e
pronta pra mim.
Deixei que meu dedo do meio tocasse seu clitóris, fazendo
ela empurrar seu corpo contra o meu.
— Hannah… — Meu nome soava tão lindo em seus lábios.
Aumentei um pouco a intensidade da fricção do meu dedo
contra a sua intimidade, fazendo o tom do seu gemido também
aumentar.
Mordisquei seu ombro e sorri contra sua pele toda arrepiada,
cada pelo levantado era a comprovação da sua reação a mim. E eu
adorei isso.
Empurrando-se cada vez mais contra mim, ela acabou
encontrando a posição perfeita onde a minha intimidade tocasse a
sua bunda. Causando o atrito da sua pele na minha.
Meu corpo também reagiu a ela.
E era incrível reagir a ela.
Desci um pouco meus dedos encontrando a sua entrada
ainda mais encharcada e gemi baixo em seu ouvido.
— Han… Eu… Oh Deus.
Seu corpo se contraiu com certa violência, e senti seus
dentes sendo cravados contra a pele do meu braço. Apertei seu
seio, que estava em minha mão e seu corpo relaxou em meus
braços.
Sorri e beijei seu ombro mais uma vez antes de soltar sua
perna, deixando que ela as fechasse.
— Eu to com a garganta seca… — soprou virando-se para
mim, selando seus lábios aos meus. Sua língua invadiu a minha
boca sem muita gentileza. Aquela garota era impossível, não havia
nada que apagasse o fogo que ela insistia em ter e jogar em mim
para me queimar junto de si.
Meus seios tocaram os seus, sentindo a sua excitação
batendo de frente com a minha.
Contudo um som nos atrapalhou. Era uma ligação.
Scar resmungou e pegou seu celular sob a mesinha de
cabeceira.
— Alô? Ah, certo, já vou descer para buscar, obrigada. — E
desligou. — Nossa comida.
Mais um beijo foi depositado em meus lábios antes dela se
levantar e buscar por sua calcinha e sua blusa. Ela colocou também
uma legging e chinelos.
— Posso buscar se quiser… — comentei, sendo gentil.
— Não, você fica aí quieta porque o que acabou de acontecer
vai ter volta — ela replicou com um sorriso cheio de malícia nos
lábios. Ela puxou seus cabelos para fora da blusa e abriu a porta.
— Estou esperando que tenha volta mesmo — comentei e
recebi um último olhar, dessa vez só vi fogo. E por Deus, eu
queimaria tudo com ela, porque ela estava cada vez mais
impregnada na minha mente e no meu coração. E sabia disso.
“Por que não posso dizer que estou apaixonada?
Eu quero gritar dos telhados
Eu queria que pudesse ser assim
Por que não pode ser assim?
Porque eu sou sua
É óbvio que você está destinado para mim
Cada pedaço seu se encaixa perfeitamente
Cada segundo, cada pensamento, eu estou tão envolvida”
— Secret Love Song (part II), Little Mix

Meus dedos brincavam com seus fios de cabelo enquanto


observava ela dormindo.
Nada mais importava naquele instante a não ser eu e ela,
deitadas na minha cama. O sol já despontava no horizonte,
invadindo as cortinas, mas eu só queria permanecer ali com ela.
Sabia que ainda faltavam alguns bons minutos para o despertador
tocar e eu queria aproveitar.
O silêncio da manhã remixado com o som da sua respiração
era quase música para os meus ouvidos. Seu rosto relaxado me
deixava sorrindo sozinha.
Fiquei perdida um pouco no espaço tempo, só retornei a
realidade quando meu telefone começou a gritar por conta do
despertador.
Virei-me na cama e o desliguei.
— Bom dia… — ouvi a voz rouca de Hannah ressoando atrás
de mim.
Deixei que um sorriso calmo brotasse nos meus lábios e
voltei a encará-la. Dessa vez ela estava com os olhos abertos, me
olhando de volta.
— Bom dia, linda.
Ela sorriu e roubou-me um selinho.
Nossos corpos grudados e apertados um contra o outro me
traziam paz. E eu não tinha certeza do que tudo isso estava
significando para as duas a mesma coisa, mas tinha certeza do que
eu estava sentindo. E era algo absurdamente bom e assustador. E
também crescia mais a cada dia.
— Temos aula — soprei, mas sem real vontade de sair
daquela cama.
— Eu sei, mas queria te admirar mais um pouco.
E foi naquele instante. Quando seus olhos obsidiana estavam
grudados aos meus. Quando a paz da manhã nos engolia. Quando
eu conheci o suficiente dela para saber que ela não vivia sem café,
que tinha perdido seus pais muito nova e que era uma pessoa
reservada. Quando estava em seus braços e não queria sair mais
dali. Quando, depois de pouco mais de um mês que coloquei meus
olhos nela… Nesse fatídico momento eu soube: eu já não me
pertencia. Eu era dela. Da sua doçura e de todo o seu sarcasmo.
Meu coração era de Hannah Young e isso era assustador pra
caralho.
Por que ninguém nunca fez um manual de como sobreviver a
paixões? Porque eu sabia que simplesmente não sobreviveria.
Tomei seus lábios com avidez, tive medo da intensidade dos
meus sentimentos ficarem todos expostos ali, mas ao mesmo tempo
esperava que ela pudesse sentir tudo o que eu queria entregar com
aquilo. Era uma confusão de sentimentos tão grande, que a única
coisa que eu sabia era que Hannah era meu recomeço, aquele que
tanto esperei quando decidi sair de Nova Iorque; e que ela seria
meu fim.
Sua língua pediu passagem enquanto seu corpo inclinava-se
sobre o meu, deixando parte do seu peso empurrar-me contra o
colchão, deixando com que apenas a pressão do seu corpo contra o
meu me fizesse sentir vontade de simplesmente ignorar todas as
nossas obrigações. Poderia facilmente passar o dia na cama com
ela daquele jeito.
Hannah afastou-se e sorriu.
— Precisamos nos arrumar.
Olhei para o relógio mais uma vez: 6h50.
— Poderíamos nos atrasar um pouquinho… — sugeri
manhosa.
Minha resposta foi um selinho e um não.
— Anda, Scar. Depois da aula podemos usar o horário de
almoço pra isso.
Levantei o cenho, divertida.
— Deus, ainda bem que a gente não corre o risco de
engravidar transando, porque se não esse seria todo o plot da nossa
história do jeito que a gente anda transando feito duas coelhas.
Um sorriso sujo preencheu seu rosto ainda com uma leve
feição de sono.
— Você é uma pervertida, Scarlet.
— Eu? — Quis rir. — Eu sou uma romântica incurável, linda.
O único problema é que as pessoas esquecem que sexo também
faz parte do romance. — Dei de ombros. — Ao menos na minha
concepção.
— Ai coração, anda! — Suas mãos agarraram a minha, me
puxando para fora da cama.

Meus cabelos já estavam presos e meus óculos eram


ajustados de tempos em tempos no meu rosto. Estava cansada das
minhas três primeiras aulas, mas ainda teria mais duas à tarde. No
fim do dia estaria morta de cansaço, mas não poderia imaginar um
momento melhor na minha vida do que o que estava vivendo.
Estava tão feliz que considerei até atualizar as redes sociais.
E desde que saí de Nova Iorque, raramente fazia isso. Andava
tentando ser mais reservada, o que estava funcionando na prática e
com certeza deixava meus pais mais tranquilos. Principalmente
depois de todos os escândalos.
Terminei de enfiar minhas coisas na bolsa e saí da sala de
aula, caindo no corredor lotado de universitários.
Caminhei em direção à saída do prédio esperando ver um
pouco de sol e céu limpo, apesar do vento gelado da época. Na
porta do prédio, de longe, enxerguei Cheryl e John em um dos
bancos. Eles eram absurdamente fofos. Todos os clichês do mundo
estavam presos a história deles, ao menos o que eu sabia dela, e
era tão bonito de vê-los juntos. Saí para a luz do sol e peguei meu
celular no bolso.
Faltava uma hora para o almoço.
Encarei ao redor e decidi que seria uma boa ideia atualizar as
minhas redes com uma foto do campus. Tirei uma foto e coloquei
um filtro, postando no meu Instagram com a legenda de um livrinho
e uma carinha com óculos. Postei marcando a minha localização.
Nem um minuto depois já tinha comentários de várias
pessoas as quais eu não ligava para a existência. Eu tinha cerca de
35 mil seguidores, não era muito, mas aparentemente a vida de
pessoas que frequentam eventos importantes é legal de
acompanhar.
Contudo, um comentário chamou a minha atenção.

@quinnmorris99: olha quem voltou às redes, por favor, não


suma mais!

E em seguida outro comentário.

@claireerudd: garota, não quero ver paisagem, quero ver o


seu rostinho bonito, por favor.

Resolvi responder as duas.

@scarletmckee: achei que estivesse ocupada demais em


Harvard para sequer lembrar que tem redes sociais.
@scarletmckee: você acha que sou só um rostinho bonito?
me senti ofendida.
Os dois eram em tons de provocação. Sorri e bloqueei a tela,
mas não sem ver mais uma curtida especial em minha foto, seguido
de um comentário.

@hanyoung curtiu a sua foto.


@hanyoung: *emoji com olhinhos de coração* - foto

Até esse simples fato fazia meu coração palpitar por ela. Que
ódio. Isso era tão bobo, não entendia como era possível eu me
sentir assim com uma simples curtida de foto, mas eu me sentia.
Talvez esse fosse o poder de Hannah sobre mim. E pior é que eu
gostava.
Fui até a biblioteca para aproveitar o tempo livre e dei uma
olhada em alguns livros teóricos, emprestando dois que precisava
para algumas matérias.
Durante a hora do almoço fui encontrar Hannah na frente do
refeitório com o restante do pessoal. Luka estava estressada com
alguns trabalhos e Cheryl parecia cada dia mais cansada,
visivelmente cansada.
Dessa vez nem John e nem North estavam ali.
Decidimos comer ali no refeitório mesmo. Pegamos nossa
comida e depois encontramos uma mesa para nos sentarmos.
Toda a refeição foi tranquila, tirando Luka tagarelando, mas
era bom que ela falasse. Era o seu normal. Ficaria muito mais
preocupada se ela estivesse quieta.
— Não entendo como pode ser tão complicado essas coisas
— reclamou minha colega de quarto. — Está no papel as medidas,
só tenho que fazer, mas nunca saí como imagino.
Ela parecia frustrada.
Hannah deu um gole na sua Coca-Cola e encarou a amiga.
— Nem sempre as coisas saem como imaginamos, mas às
vezes elas podem sair muito melhores — ela comentou, tentando
incentivar Luka.
— Minhas roupas não são seus livros… — Luka replicou e eu
a encarei confusa, mas decidi não perguntar. Mesmo assim fiquei
tentando ligar o que os livros que Han lia com o que estava se
desenrolando na minha frente.
— Não mesmo, eu não produzo livros, só leio eles… — Han
debochou, claramente não entendendo nada do que Luka estava
falando assim como eu. — De qualquer forma, acho que deveria
continuar tentando produzir as roupas.
— Vou continuar tentando…
Os olhos pretos-violeta de Luka rolaram e ela soltou seu
ombro, em claro desânimo. E então lembrei do que tinha comentado
com ela algumas semanas atrás.
— Ei, e se você levar os croquis para tentarmos fazê-las em
Nova Iorque? Aposto que meu pai conhece algum lugar para
produzi-las como está em sua cabeça — declarei com animação,
esperando que isso fosse o suficiente para animá-la também.
Luka suspirou.
— Vou pensar, Scar… Prometo! Até o dia de Ação de Graças
te dou uma resposta sobre isso.
Anui.
“Desde o começo, você chamou minha atenção
E algo dentro de mim ganhou vida
Oh eu tenho uma sensação
Por acaso você me conhece
Algum dia
Isso pode ser, pode ser algo comum
Algum dia
Nós poderemos ser algo extraordinário”
— Someday, Milo Maheim & Meg Donnelly

Uma animação incomum dominava o meu ser naquela


manhã de sábado. A minha semana tinha sido simplesmente
perfeita ao lado de Scarlet. Nós nos divertimos muito juntas,
aproveitamos a companhia uma da outra, seja no silêncio, seja com
Cheryl, Luka e os garotos por perto ou seja na intimidade. Gostava
de tê-la por perto assim.
E tê-la por perto me fez ter ânimo o suficiente para acordar
cedo em pleno sábado. Tinha acordado, pego meu computador e
ido para o lado de fora da fraternidade. Coloquei casaco o suficiente
para não ficar completamente gelada, muito café e deixei que meus
dedos assolassem as teclas do meu computador enquanto eu
digitava a organização de um novo livro. Algo que há meses não
fazia.
Minha cabeça não parava, eu escrevia e escrevia. E cada
palavra que saia eu ficava mais animada com o que estava
começando a construir. Perdi as contas de quantas canecas de café
tinha ingerido, mas também só via o documento aumentando de
tamanho e isso por si só me dava ainda mais animação. Só olhei
para o relógio na tela quando Tessa se aproximou. Eram onze horas
da manhã.
— Oi, Han… — ela jogou-se na cadeira à minha frente, me
obrigando a tirar meu fone de ouvido.
— Oi, Tess… No que posso ajudar? — O olhar de Tessa era
indecifrável. — Ou o que eu fiz de errado e não sei?
Ela riu.
— Você não fez nada de errado, dessa vez pelo menos. Não
posso reclamar, tem usado mais as cores da fraternidade e
agradeço muito por isso — ela respondeu sendo simpática e
atenciosa. — Na verdade queria conversar com você sobre uma
coisa, a formatura. No próximo verão nem eu e nem você estaremos
mais aqui. Na verdade, nem pelo menos 30% das garotas estarão,
vamos terminar a faculdade em junho e acabou a vida na
fraternidade. — Prestava atenção em suas palavras, mesmo que
meu cérebro inquieto e entupido de cafeína quisesse me levar para
longe. Graças ao bom Deus, Tessa não era de enrolar e sempre
acabava indo direto ao ponto. — Preciso escolher a próxima líder da
fraternidade e quero que me ajude a fazer isso.
— Eu?
— Sim, você. Quero que as pessoas saibam que por mais
que a fraternidade seja feminina apenas, há espaço para todas as
mulheres.
Semicerrei meus olhos.
— Tá, acho que entendi.
Ela inclinou-se para frente e sorriu mais largamente.
— Você tem noção de quantas meninas nesse campus
beijam mulheres? — Ela não esperou minha resposta. — Muitas! E
eu quero que todas saibam que podem morar aqui se quiserem e
forem aceitas. E que elas serão aceitas se tentarem, porque a
verdade é que não tentam. Você está aqui porque sua mãe foi uma
das fundadoras da fraternidade, se não, conhecendo você, não
acredito que sequer teria tentado entrar. — Ela suspirou. — Preciso
de ajuda e você é a única pessoa que confio para isso.
Meus lábios rasgaram em um sorriso largo. Era incrível Tessa
se preocupar com isso e eu adorei o fato de querer que eu a
ajudasse.
— Claro, ajudo. Acho que estar na Califórnia colabora, mas
nós precisamos ser mais inclusivos sempre.
Minha líder assentiu e nós rimos. Uau, Tessa me pedindo
ajuda… nunca imaginaria isso acontecendo.

Abri a porta do meu quarto perto da uma hora da tarde. Eu e


Tess conversamos mais alguns minutos e ela partiu para resolver
mais um zilhão de coisas da sua lista de afazeres. Dentro do quarto
encontrei Cheryl se preparando para sair numa corrida.
— Oi, bom dia! — a cumprimentei.
— Oi, você acordando cedo é um milagre… O que te tirou da
cama? — minha amiga parecia animada e curiosa. Deixei meu
notebook na minha escrivaninha e o sorriso de Cheryl começou a
esvair-se. — Algo com Mia?
—Ah, não! — respondi rapidamente, fazendo o sorriso dela
retomar forma. — Estava animada escrevendo na verdade. — Seu
olhar tomou um leve tom de sacanagem. — O quê?
— Depois de quase oito meses você voltou a escrever… Até
onde o fato de estar apaixonada por Scarlet tem influência sobre
isso?
Abri a boca algumas vezes e senti meu rosto esquentando.
Não tinha admitido nada, mas também começava a ficar difícil de
negar. Ela estava tomando meu coração para si a cada dia mais e
eu estava começando a permitir que isso acontecesse. Ela cuidaria
bem dele, eu tinha certeza. Eu a queria em minha vida e a cada dia
queria mais. Mais horas do seu dia para eu poder admirar mais
sorrisos no seu rosto. Mais minutos das suas noites para me
encantar mais com sua respiração tranquila enquanto dormia. Mais
segundos da sua manhã para poder me deleitar em seu olhar
recebendo a luz dos primeiros raios de sol, encontrando ali toda a
sua verdade.
— Não tenho resposta pra essa pergunta — respondi com
certa sinceridade.
Os olhos de Cheryl ficaram preenchidos por deboche, mas
ela não falou mais nada sobre isso.
— Estou feliz que esteja escrevendo. Posso ler algo já?
Neguei com veemência.
— Não! Mas te garanto que ficará de longe um dos melhores
livros de Medusa Wheeler.
E ficaria mesmo, principalmente porque cada detalhe dela
estava em minha mente escorrendo pelos meus dedos e chegando
às teclas do computador. Porque desde o primeiro instante que a vi,
ela roubou a minha atenção. Mas acima disso tudo, porque eu
estava apaixonada por Scarlet e aquela era a única maneira que eu
sabia de dizer isso.
“Eu nunca vou olhar para trás
Woah, nunca vou desistir
Não, por favor, não me acorde agora
Este vai ser o melhor dia da minha vida”
— The Best Day Of My Life, American Authors

Hannah estava sentada na minha escrivaninha fazendo um


texto base para a sua aula de literatura clássica. Honestamente não
lembro de ter visto alguém tão animado fazendo um trabalho
acadêmico como ela naquele instante, mas não questionei sobre.
Eu estava largada na cama lendo no meu Kindle o último
lançamento de Casey McQuiston. A leitura me deixava empolgada,
mas nem tanto. Tinha algumas ressalvas com os livros da autora.
Entre ela e Medusa, preferia mil vezes Medusa, mas a minha autora
favorita não publicava nada novo há um bom tempo.
Os minutos se passaram e eu percebi que olhar Hannah
digitando poderia se tornar facilmente um passatempo. Era incrível
ver ela fazendo qualquer coisa, porque só a sua presença me trazia
paz.
Algo que Luka era craque em destruir, principalmente quando
chegava afobada, o que acontecia todas as vezes.
— Vocês ainda não estão prontas? — minha amiga e colega
de quarto questionou.
Suspirei me levantando da cama.
— Só preciso colocar os sapatos, não se preocupe. E
Hannah tá submersa ali fazendo um trabalho, mas também está
pronta.
Luka respirou mais aliviada com a minha constatação.
Terminei de calçar minhas botas e peguei um casaco, me
colocando atrás de Hannah. Toquei seu ombro, a fazendo
finalmente sair da sua concentração constante e arrancar os fones
do ouvido, virando-se quase que abruptamente para mim.
— Oi, linda. — Sorri divertida com a situação. Ela abaixou a
tela do notebook e sorriu de volta. — Vamos? Temos que comprar
as fantasias.
— John e North vão encontrar a gente na cidade — avisou
Luka.
Assentimos.
Hannah levantou-se e entrelaçou seus dedos com os meus,
pegando seu próprio casaco e sua bolsa. Caminhamos pelos
corredores e do lado de fora encontramos Cheryl dentro do carro
nos esperando.
A ruiva estava no volante do carro de Hannah, que pareceu
não se incomodar com a amiga dirigindo.
Nós entramos no carro e Luka foi no banco do carona. Já nós
duas fomos atrás mesmo.
— Já sabem as fantasias que vão usar? — Cher perguntou.
Meus olhos correram até Hannah, eu tinha pensado em algo,
mas não sei se ela concordaria.
— Não tenho ideia, mas vale uma roupa preta só, né?! —
Han questionou e eu rolei meus olhos.
— Não, você não vai ser a minha acompanhante e ser tão
sem graça assim — respondi, a fazendo rir enquanto me puxava
para si. — Vamos encontrar algo durante as compras. E vocês, já
sabem?
— Eu vou de Barbie! — Luka respondeu animada. — Já sei
até onde comprar o modelito.
— E eu vou de Cher, das patricinhas de Barvely Hills — disse
Cher.
— Básica e óbvia, amiga — Han declarou fazendo Cher a
mostrar o dedo do meio pelo meio dos bancos.
O caminho foi composto por cantorias aleatórias até que
começasse a tocar Harry Styles. Hannah fez uma careta digna de
meme viral na internet.
— Ah pare, vai me dizer que não gosta de Harry Styles?! —
debochei.
— Não gosto de pessoas que se aproveitam do pink money.
— Ela parecia convencida disso. Foi a minha vez de fazer uma
careta. Seus olhos castanhos recaíram sobre mim e ela respirou
fundo antes de argumentar seu ponto de vista: — Veja bem, quando
você é LBGT+ e entende a sua própria sexualidade, você entende o
quão importante é falar sobre. Ainda mais quando você tem uma
influência tão grande como ele tem. Claro, ninguém deve arrancar
os outros do armário ou colocar um rótulo em terceiros, mas porra…
Na minha opinião: puro queerbaiting.
— Hannah e suas opiniões polêmicas… — Luka cantarolou
mudando a música para uma do Ed Sheeran.
— Tenho direito a tê-las, certo?
— Com certeza, linda — respondi deixando que meus dedos
se entrelaçassem aos seus. Adorava ela e suas opiniões fortes
sobre temas importantes. Talvez eu não concordasse
completamente com sua fala, mas gostava de ouvi-la dizendo essas
coisas.
A determinação da sua opinião quanto às coisas era
encantadora.
— Ia pedir para colocar Girls da Rita Ora, mas deixa quieto,
Hannah deve ter uma opinião polêmica sobre isso também — a
provoquei e seus olhos me fuzilaram, mas em seus lábios havia um
sorriso.
— Claro que tenho, bissexualidade não é, nem nunca será,
sobre 50% e 50%, que coisa! Haja cagada desses famosos, pelo
amor.
— Parem de fazer pessoas estúpidas famosas! — Cheryl
gritou brincando. Todas rimos.
Chegamos ao centro de Wolfsview e fomos direto à rua das
fantasias, que na verdade se chamava Rua das Flores.
Encontramos os garotos e os dois pareciam meio
apressados.
— Temos treino em duas horas, não podemos passar a tarde
toda fazendo compras — explicou North dando as mãos para Luka.
— Ok, vamos fazer isso nesse tempo — Luka o respondeu.
— Não, gata, menos de duas horas. Tipo, uma hora.
Minha colega de quarto rolou os olhos e puxou North consigo.
— Beleza, vamos resolver isso. — Todos seguimos Luka.
Walk On The Sunshine poderia tocar naquele instante e
vários cortes frenéticos poderiam ser feitos se a minha vida fosse
um filme. Seria algo bem cafona e batido dos anos 2000, mas seria
divertido.
Entramos primeiro na maior loja de fantasias que havia na
rua. Parecia um Walmart apenas para Halloween e cosplays.
Luka parecia no paraíso enquanto Cher ia com John procurar
algo para ele vestir, já que ela dizia que já tinha a sua fantasia em
casa. Já eu, fui com Hannah para a sessão das roupas que
pareciam mais comuns.
— Já sabe o que vai usar, coração?
Procurei seu rosto pelas araras cheias de roupas.
— Estava pensando em uma fantasia de casal… —
confessei. — Se você não achar isso cafona demais, claro.
Ela sorriu e negou.
— Podemos experimentar — ela respondeu com suas
bochechas tomando um tom um pouco mais avermelhado. Fiquei
muito feliz com o efeito.
Depois de muito procurarmos e de os garotos terem feito
bagunça o suficiente para sermos expulsos de uma loja, acabamos
conseguindo comprar tudo o que precisávamos.
Depois das compras fomos jantar num restaurante mexicano
no centro. Os dois voltaram a nos encontrar após o treino, e
pudemos ter a refeição todos juntos. Naquela noite descobri que
North era muito engraçado e absurdamente inteligente, sendo o
aluno com maiores notas do seu curso e segundo na linha de
comando do time de futebol americano, já que John era o capitão e
que North não queria ser capitão por conta do tempo que teria que
se dedicar. Falando em John, descobri que ele poderia ser tão
reservado quanto a irmã, mas que ao mesmo tempo era o carisma
em forma de gente.
De volta ao campus, fomos para a fraternidade de Hannah.
Luka e North ficaram no apartamento dele e Cheryl foi dormir
com John.
Eu poderia ir dormir no meu quarto, mas a cama de Hannah
era mil vezes mais confortável. Por isso optamos por irmos juntas à
fraternidade dela.
Nós chegamos à mansão e cumprimentei a líder, Tessa, que
estava na sala com outras garotas e todas pareceram muito
simpáticas, mas Han logo me puxou consigo escada a cima.
Entramos no quarto e eu deixei minha bolsa, que tinha
colocado alguns pertences sobre a sua cadeira da escrivaninha.
Como uma bolsa para dormir fora mesmo. Não iria ficar só usando
as coisas de Hannah. Por isso passamos no dormitório antes de
seguirmos ao nosso destino final.
— E aí, o que vamos fazer hoje considerando que temos aula
amanhã cedo? — questionei levemente cansada.
— Tomar um banho e ver um filme? Ou posso ler para você.
Sorri com sua oferta.
Aproximei-me com calma e selei nossos lábios.
— Banho e leitura parecem perfeitos para mim.
Seus dedos compridos tocaram meu rosto e puxaram uma
mecha de cabelo para trás. Sabia que meu coração estava
acelerado, mas tentei não transparecer, deixei apenas que ela me
fizesse um carinho antes de irmos para dentro do banheiro.
O clima esfriava cada dia mais. Outubro era o prelúdio do
inverno, mas o aquecedor era muito funcional por ali. Despi-me e
entrei debaixo do chuveiro vendo Hannah se unir a mim alguns
instantes depois.
Trocamos carícias e beijos, mas nada demais. O dia já tinha
sido muito longo e ambas estávamos precisando apenas de
cuidado, eu acho. Depois do banho, ela deixou que eu secasse seus
longos cabelos, algo que me diverti fazendo. Os cabelos de Hannah
eram absurdamente longos então era legal fazer isso. Quando as
duas estavam de pijamas e deitadas, Han pegou seu Kindle.
— O que quer que eu leia?
— Hm, não sei…
Ela sugeriu alguns nomes de livros, mas nenhum me gerou
interesse o suficiente. Acabamos ficando com O Grande Gatsby, de
Fitzgerald. Ela selecionou o livro enquanto eu me aconchegava
melhor entre seus braços.
— “Quando eu era mais jovem e mais vulnerável, meu pai me
deu um conselho sobre o qual sigo matutando até hoje…” — A
leitura começou. E a voz de Hannah ressoava calma e tranquila,
deixando que as palavras lhe escorressem pelos lábios,
acalentando meus ouvidos e meu coração. Uma de suas mãos
estava entrelaçada a minha e a outra servia de apoio ao aparelho de
leitura.
E de repente aquele momento era precioso. Não pela leitura
espetacular ou pela boa dicção de Hannah, mas pela sua sutileza,
simplicidade e mesmo assim, me trazendo tantos sentimentos
incríveis. Perdi a noção do tempo porque nada além do aqui e agora
estava me importando. Meu passado, meus pais, meu curso… Nada
era mais importante do que estar nos braços de Hannah enquanto
ela lia um livro para nós.
— Capítulo 3: “Naquele verão, ouvia-se música vinda da casa
do meu vizinho todas as noites…”
Sorri sozinha e encarei seu rosto concentrado por um
instante antes de puxar seus dedos até os meus dedos e depositar
um beijo ali. Deixando que ela prosseguisse com a leitura.

No dia seguinte, parecia que todas as minhas energias


haviam sido renovadas.
A luz do dia já despontava no horizonte enquanto sentia o
rosto de Hannah enfiado no meu pescoço. Um sorriso sincero
dominou meus lábios. Não queria ter que me mexer, não queria
acordá-la, mas o seu despertador fez isso por mim. Senti sua mão
me deixando enquanto ela esticava seu corpo alcançando o celular.
O barulho cessou e a voz sonolenta de Hannah foi soprada contra
minha pele.
— Bom dia, coração.
Um sorriso rasgou meu rosto.
— Bom dia, linda.
Seus lábios depositaram um beijo estalado na minha
bochecha e ela soltou-me virando-se para o outro lado, colocando
seus pés para fora da cama. Eu ainda relutei para levantar. A
preguiça era grande, mas não era como se tivesse muita opção.
Enquanto Han fazia sua higiene matinal eu encarei a sacola com a
sua compra da roupa de Halloween. Aquilo seria muito divertido.
Não haveria casal para ter uma fantasia melhor que a nossa, disso
eu tinha certeza.
Saí da cama e vesti minha roupa, indo para o banheiro
depois que Han saiu de lá. Fiz minha higiene matinal e passei o
rímel junto com um corretivo para esconder um pouco as olheiras.
Encarei meu reflexo, meus olhos verdes pareciam mais
brilhantes, com mais vida. Até meus cabelos pareciam mais bonitos.
Ou seria só a minha percepção? Independente disso, eu me sentia
tão bem que era incrível. Se o nome disso fosse amor, eu só sabia
que fazia bem para a pele.
Abaixei o rosto para escovar os dentes e senti a presença de
Han na porta, ela me observava em silêncio. Terminei a atividade e
enxuguei minha boca na toalha, voltando-me a ela.
— Pronta? — questionei reparando em seu delineado que
estava sempre perfeito e os lábios em um tom escarlate faziam a
composição perfeita.
— Sim, estou louca por um café.
Claro que ela estava.
Saímos da fraternidade e fomos caminhando juntas até
encontrarmos Luka na frente do café onde comprávamos nossas
bebidas, depois fomos encontrar Cheryl na frente do café de
costume da ruiva. No caminho Han acendeu um cigarro e nós
caminhamos lado a lado com Luka quieta. O que era de longe um
problema.
Um grande problema.
O clima estava ficando cada vez mais gelado, nos obrigando
a usar meia calça com saia ou shorts e casacos sobre as camisetas
de mangas curtas. Os trabalhos estavam se intensificando e os
prazos de entrega estavam se aproximando. Até o fim de novembro,
entregaríamos muita coisa para os professores e, depois do feriado
de Ação de Graças, viriam as provas mais importantes. Seriam
semanas cheias de confusão se eu não organizasse os meus
horários e tivesse mais disciplina.
Na frente da cafeteria próxima ao prédio de biomedicina,
encontramos Cher e finalmente minha colega de quarto desatinou
em falar.
— Preciso entregar uma coleção de roupa pronta. Eu vou
enlouquecer! — Luka começou. — Não consigo fazer isso, não
tenho nem desenhos de croquis bons o suficiente para isso. Vou
reprovar no meu último ano, certeza. Meu Deus, meus pais vão ficar
tão desapontados. Serei a vergonha da família. Minha avó vai
comentar no feriado sobre como meu primo que está na NASA tem
um futuro brilhante e não vai calar a boca sobre isso enquanto me
torno ainda mais a ovelha negra que não seguiu nenhuma carreira
tradicional ou espetacular. Meu Deus, meu Deus, meu Deus.
— Luka! — Hannah segurou seus dois ombros e a fez virar-
se para si, chamando os dois olhos castanhos para que prestassem
atenção nela. — Você precisa deixar sua insegurança de lado,
amiga. Você é absurdamente talentosa, por favor, não duvide disso.
— E- eu… — Os olhos de Luka encararam Han acalmando-
se. — Eu não consigo…
— Consegue sim! — intervi. — Me deixa te ajudar, deixa eu
enviar os desenhos para o meu pai, tenho certeza que ele vai ficar
mais do que feliz em te ajudar, Luka.
— Todas nós acreditamos no seu talento, Luka, por favor, não
duvide dele — completou Cher, colocando a mão no ombro da
amiga. — Há quantos anos eu e Hannah te conhecemos e dizemos
isso pra você?
— Muitos… — Luka respondeu deixando sua postura mais
relaxada. — Hm, tá bom. Vou escolher alguns desenhos até a noite
para nós mandarmos para o pai da Scar.
— Oba! — Dei um saltinho animada.
E um abraço coletivo, e muito cuidadoso, para não derramar
as nossas bebidas, surgiu.
Até o fim da tarde, Luka escolheu as 15 peças que queria que
fossem confeccionadas, escaneamos todas para documentos,
digitalizamos tudo e eu encaminhei para o email do meu pai, além
de ligar para ele para avisar e explicar tudo. Ele me prometeu ver
tudo e me retornar.
A noite se iniciou e nós duas resolvemos ficar pelo nosso
quarto. Hannah disse que estava ocupada de qualquer forma e eu
tinha coisas para estudar. Eu e Luka pedimos uma comida mais
leve, para desintoxicar um pouco nosso corpo da quantidade diária
de merdas que ingerimos normalmente.
Às dez da noite estava acabada já. Só queria a minha cama.
Tomei um banho e dei boa noite a Luka, caindo no colchão e
apagando.
Eu estava sonhando? Que barulho era aquele?
Mesmo com os olhos pesados, os abri observando a tela do
meu celular brilhando enquanto o aparelho tremelicava sobre a
mesinha de cabeceira. Alcancei o aparelho, eram 5h50 da manhã, o
sol ainda não tinha começado a despontar no horizonte. O nome
que brilhava era o de meu pai. Donatello.
Limpei a garganta antes de atender a ligação.
— Alô?!
— Oi, filha. Te acordei? Que horas são aí?
— Hm, 5h50 da manhã ainda, meu despertador só toca daqui
a uma hora — respondi com sinceridade.
— Oh, me perdoe, querida.
— Tá tudo bem… — Sentei-me na cama, observando Luka
ainda dormindo. Liguei meu abajur, deixando que o quarto ficasse
mais iluminado. — O que foi? Viu o e-mail que te mandei? —
Bocejei, ainda tentando ligar meu cérebro para prestar atenção
completamente no que ele dizia.
— Então é exatamente sobre isso, filha. Eu vi o e-mail e
adorei os croquis, conheço alguns lugares que podem confeccionar
tudo sem nenhum custo absurdo, mas seria interessante que a
designer visse os tecidos — respondeu meu pai.
Pulei da cama e quase me joguei sobre Luka a acordando.
Minha amiga me encarou como se eu fosse louca e com um puta
mau humor. Fiz sinal de silêncio para ela, levando o dedo indicador
até os lábios.
— Então quando acha que pode começar a produção das
roupas? — perguntei animada.
Os olhos castanhos escuros de Luka me encararam com
curiosidade, mesmo que banhados de sono ainda.
— Consigo começar hoje, mas preciso que sejam decididos
todos os tecidos faltantes.
Foi quando o primeiro gritinho saiu dos meus lábios.
— Um segundo, pai.
Dei mute no aparelho e encarei Luka.
— Precisa decidir o restante dos tecidos, meu pai amou os
seus croquis e disse que consegue iniciar a produção de tudo hoje
mesmo — declarei em pura animação.
— Ah, ok, ok!
Sorri animada e voltei ao telefone.
— Ok, pai, vou encaminhar tudo pra você nas próximas
horas! — Luka assentiu em silêncio, mas a sua animação começava
a explodir o seu ser, sabia que era só uma questão de desligar a
ligação para que isso acontecesse. Mais uma meia dúzia de
palavras foram trocadas, eu estava eufórica já, e quando desliguei,
Luka gritou em pura animação.
— Meu Deus, eu não acredito que isso está acontecendo!
— Eu falei que isso seria incrível! E aposto tudo o que quiser
que quando essas roupas estiverem prontas, eu o convenço de te
dar umas páginas na revista.
Minha amiga saltou da cama e nós pulamos juntas enquanto
gritinhos nos deixavam em pura animação pela situação.
Claro que naquele horário não demorou para as meninas do
andar de baixo gritarem e nos xingarem pelo barulho excessivo. O
que só nos fez dar mais risada, mesmo que tentássemos contê-las
para não incomodar as demais pessoas.
“Todos se lembrarão de você quando partir
E o seu coração, ele é uma pedra
Enterrado debaixo dessas suas roupas bonitinhas
Você não sabia que as pessoas escrevem músicas sobre garotas
como você?”
— Girls Like You, The Naked And Famous

A verdade por trás de O Morro dos Ventos Uivantes era muito


mais cruel do que se poderia imaginar. Não sabia como Stephenie
Meyer tinha popularizado tanto o livro como um romance com um
triângulo amoroso, sendo que aquilo era um circo dos horrores de
misoginia e preconceito racial. Duas horas de aula sobre o livro não
foram o suficiente para expressar toda a minha revolta, por mim
poderia passar horas e horas falando daquele assunto.
Infelizmente a aula era finita.
Já ajeitava o meu material, quando a professora Silveira me
chamou para que fosse até a sua mesa, onde ela repousava com
alguns papéis em mãos. Seus dedos longos com unhas stiletto
pintadas de vermelho destacavam-se na pele bronzeada
artificialmente.
O meu último ano estava sendo bem puxado, mas nem de
longe foi o ano mais complicado no quesito estudos. O pior foi o
primeiro, sem sombra de dúvidas. Adaptar-se à faculdade é para os
fortes, crescer e encarar a vida adulta exige um bocado da gente.
— Srta. Young, a sua discussão na sala foi polvorosa hoje —
comentou e eu já senti o meu rosto esquentando. Às vezes eu
exagerava. — Eu adorei. Gostei como defendeu seu ponto de vista
com maestria e determinação, além de excelentes argumentos a
respeito da obra.
Não contive o sorriso orgulhoso que projetou-se em meu
rosto.
— Obrigada, Professora Silveira.
— Obrigada, você! Sem seu ponto de vista seria obrigada a
ouvir que Catherine ficou dividida entre Heathcliff e Edward quando
nós sabemos que isso não é a verdade — comentou a professora
deixando algumas rugas aparecerem em volta dos seus olhos e eu
fui obrigada a concordar. — Queria saber quais seus planos após a
formatura.
— Ah, não pensei muito sobre.
Mentirosa, minha mente completou.
Eu havia pensado, queria fazer uma pós em paralelo a tentar
encontrar um mestrado. Conciliando tudo isso com a escrita. Porém
não tinha corrido atrás de nada ainda, estava ocupada demais nas
férias lidando com Mia e agora estava aproveitando o meu surto de
criatividade e Scarlet.
— Pois pense que há uma vaga para o meu grupo de
estudos com bolsa e, sendo professora substituta da Universidade,
adoraria que se aplicasse a vaga.
Foi impossível sequer disfarçar a minha animação com as
palavras da professora Silveira. Estava um pouco extasiada com a
proposta.
As bolsas para o grupo da professora eram sempre
comentadas pelo campus de Wolfsview. Eram altamente
concorridas pelos alunos de literatura, principalmente pela
possibilidade de se tornar professor contratado em definitivo pela
Universidade. O último que conseguiu esse feito era professor de
literatura franco-hispânica e latina.
Se eu conseguisse isso, Deus, seria perfeito!
— Ah… Claro! Nossa, sim! — respondi voltando a realidade.
— As inscrições serão em Dezembro, por favor, não perca os
prazos, Srta. Young. — Anuiu completamente tomada por uma
animação surreal.
Um sorriso orgulhoso a dominou e eu me despedi um pouco
atordoada com a ideia, mas muito animada. Saí da sua sala, vendo
outra turma entrando e enchendo o local. E minha mente não parou
nem por um instante de pensar nessa possibilidade.
Será que eu seria boa o suficiente para dar aula?
Se conseguisse isso, por pelo menos por um tempo seria
ótimo, não sabia se o magistério era para mim, mas tendo essa
parte tranquila talvez pudesse me dedicar ainda mais a Medusa.
Uma vida confortável como professora universitária não seria nada
mal. E não precisaria parar de escrever, o que seria ótimo, porque
mesmo com todos os problemas recentes, era algo que eu amava
infinitamente.
Meus passos estavam distraídos, porque minha mente estava
nas nuvens com as palavras da professora Silveira. Não conseguia
sequer pensar direito a respeito de outra coisa se não começar a
separar os documentos para a seleção.
Saí para o vento forte e inspirei todo o ar gelado que
consegui antes de me encolher em meu próprio casaco.
Aquele estava sendo um dia incrível!
Meus pés só faltavam saltitar pelo campus, mas me contive.
Seria esquisito demais eu fazendo isso. O sorriso largo e bobo
grudado no meu rosto já era estranho o suficiente para qualquer um
que me olhasse de longe diariamente.
O grande relógio que ficava no meio do gramado apontava
onze horas da manhã. A maioria das pessoas ainda teriam uma aula
pela manhã e isso inclui Scarlet. Por isso nem cogitei mandar uma
mensagem.
Apenas segui meu caminho até a fraternidade. Tinha um livro
para escrever e se tudo desse certo, no começo do próximo ano
estaria sendo publicado. Medusa precisava de um livro novo
urgentemente.

Meus dedos assolavam as coitadas das teclas do notebook


enquanto Paramore tocava no último volume. Gostava da música
deles para escrever, me deixava frenética e isolada do resto do
mundo.
Pelo o que aparecia no canto inferior esquerdo já tinha mais
de 100 páginas do novo livro. Estava escrevendo ele muito rápido.
Estava animada, mesmo escrevendo sobre algo doloroso. Porque
se Scar foi o motivo de eu voltar a escrever, ela definitivamente não
era a minha dor. Eu não amava colocar o que sentia para fora dessa
forma, mas naquele momento era necessário. Precisava contar
sobre Mia Perry e tudo o que ela fez. Era horrível ver o quão tola fui
em seu jogo, mas aquela era a verdade. Mia mentiu pra mim, me
enganou, me ameaçou e quase arruinou a minha vida.
Se ela tinha me dado tanta dor de cabeça, pelo menos eu
faria dinheiro com isso.
Eu não, Medusa.
Quer dizer, eu era Medusa.
Deus, eu preciso parar com essa crise de identidade, pensei.

“Enquanto seus lábios doces e viciantes percorriam minha


pele, a única coisa que consegui pensar foi o quão sortuda eu era
em ter uma garota como ela me amando. Minha autoestima nem
sempre foi das melhores, mas Megan sempre me colocava pra
cima.
Tudo poderia ter começado com uma amizade, mas
definitivamente houve atração desde o primeiro momento.
Nós estávamos tão bem. Eram todos momentos tão bons,
mas eu sentia uma pequena fagulha de que as coisas poderiam ruir.
Tínhamos algo juntas e não estava falando apenas do sexo,
tínhamos uma conexão sem igual. Adorava como ela falava das
pinturas e da arte que nos rodeava todos os dias. Megan entendia
aquilo tudo, assim como eu, e era bonito ver o brilho em seus olhos
quando conversávamos sobre.”

Meus dedos batiam rapidamente contra os teclados, cada vez


deixando mais e mais palavras fluírem para fora de mim.
Com os olhos grudados na tela, nem notei que alguém tinha
entrado no quarto, só notei quando a minha caneca de café vazia foi
trocada por uma nova cheia. Observei a mão de unhas pintadas de
rosa claro por um instante e virei-me, encontrando Cheryl me
encarando com um sorrisinho sugestivo.
— O quê? — Tirei os fones e a encarei.
— Nada, não queria atrapalhar a artista. — Rolei meus olhos.
— To feliz em te ver tão focada de novo.
— Também estou… — Ela riu de forma animada.
— Ok, eu tenho que voltar ao laboratório e depois vou jantar
com John. — A ruiva avisou pegando sua bolsa. — Não esqueça de
ligar para a sua avó, por favor. Ela chegou a ligar pra mim pra pedir
isso, Han.
Anui. Fazia um bom tempo que não falava com a dona
Madlyn. Precisava ligar mesmo.
— Obrigada pelo café! — declarei quando Cher estava na
porta já, enquanto colocava os fones.
— De nada, depois quero ler o livro.
Eu sorri sozinha.

Meu pescoço começava a sentir os efeitos das horas


sentadas na frente do computador. Minhas costas também sentiam.
Na verdade, meu corpo todo.
Naquele dia resolvi colocar para fora todas as minhas dores.
No dia seguinte colocaria toda a minha alegria.
Mas por ora, poderia só aproveitar e ver se Scar queria
comer algo e dormir junto comigo. Alcancei o celular e abri o
aplicativo de mensagens e teclei.

HANNAH: “Oi, coração. Está com fome? Podemos jantar


juntas”

Ela não estava online.


Suspirei e me joguei na minha cama, sentindo o alívio do
meu corpo por sentir algo mais macio que a minha cadeira.
Bocejei e pisquei de forma longa. Estava muito cansada, mas
a proposta da professora Silveira voltou a minha mente. Precisava
compartilhar isso com John logo, porque se decidisse fazer isso,
precisaríamos cuidar de como dona Madlyn ficaria.
Era muito para pensar na verdade.
E com a cabeça cheia - e sem uma resposta de Scar -, caí no
sono.

“Existiam mais sete bilhões de pessoas no planeta Terra e o meu


destino colidiu justamente com o de Megan Thompson. Meu
coração escolheu amá-la e por isso fui completamente destruída.
Há dias que não quero sair da cama.
Há dias que minha irmã, Cassie, mal consegue me fazer beber
água. Esse era o tamanho da decepção. Eu simplesmente não
queria mais viver, porque ela me tirou tudo. Ela levou embora o que
eu mais prezava: a minha arte. Ela roubou todos os quadros.
Ela me fez explicar todos os detalhes de todas elas.
Entre segredos contados na cama, ela me domou. Me levou pelos
seus lábios e suas doces mentiras. Deixando-me agora numa
mansão enorme, cheia de mentiras e sem vida.
Eu não sab…”

— Oi, bom dia! — Levantei os olhos da tela do notebook e


salvei o texto com um atalho do teclado, abaixando a tela em
seguida.
— Bom dia, Scar.
Eu estava no último capítulo do livro e geralmente odiaria ser
atrapalhada nisso, mas não reclamaria com Scarlet sobre. Sua
companhia era um alívio gostoso naquele momento de tanta
angústia em meu coração. Colocar as coisas em palavras, por
vezes, poderia ser doloroso demais.
Seus olhos esverdeados pareciam ainda mais lindos naquele
dia em particular. Eu adorava vê-los atrás dos óculos, achava um
charme, mas era legal quando ela usava a lente de contato,
deixando seu rosto completamente exposto. Exalando sua beleza
por aí.
— Mais trabalhos?
Anui, pegando meu copo e dando um gole no café que
começava a esfriar já.
— Esse meio de semestre é cheio de coisas… — comentei,
mesmo que todos os meus trabalhos estivessem em dia e sem me
dar dor de cabeça.
— Sim, mas espero que tenha um tempinho pra mim hoje.
Assim compenso não ter te respondido ontem. — Ela suspirou. —
Estava muito cansada, acabei dormindo e nem vi a mensagem, só
hoje de manhã, linda.
Rolei meus olhos. Honestamente não estava preocupada
com aquilo, eu imaginei que era aquilo que tinha acontecido, mas
não reclamaria de Scar querendo passar um tempo comigo,
principalmente porque eu adorava passar um tempo com ela.
— Sempre tenho tempo para você!
Seus dedos escorregaram pela mesa, roubando-me um
pouco de atenção até que sua mão estivesse sobre a minha.
— Ansiosa para o Halloween na fraternidade? — questionei,
deixando meus dedos fazendo um carinho sobre sua pele.
Queria ouvi-la, ao mesmo tempo que só queria me isolar e
finalizar o maldito livro. Era um sentimento dúbio, mas não abriria
mão da companhia de Scar.
— Muito! Só espero que não tenha que sair correndo como
da última vez.
Meus lábios, preenchidos por um brilho sutil de gloss,
abriram-se num sorriso divertido. Ela tomou um gole do seu suco de
morango e relaxou na cadeira à minha frente.
— Isso não vai acontecer. Tessa vai garantir que não
aconteça. E caso a polícia chegue lá, ela sabe lidar com tudo.
Scar anuiu com a cabeça sutilmente antes de ver o horário no
seu celular. Precisávamos ir andando já.
As aulas foram quase uma tortura, não me concentrei direito
em nada. Mas como também não me concentraria na escrita caso
tentasse fazer isso naquele momento, nem tentei. Esperei os
minutos passarem lentamente até que pudesse me isolar do mundo
novamente para poder finalizar aquilo.
Acabei pulando o almoço com as garotas dando uma
desculpa de dor de cabeça e só peguei um copo de macarrão
instantâneo e me enfiei no meu quarto, voltando a teclar o
documento.

“Eu não sabia o que faria dali pra frente.


Meu coração destroçado e tudo ruindo à minha volta. Meu amor era
verdadeiro, mas o dela era falso e agora eu conseguia ver tamanha
façanha.
Escorada em uma das paredes brancas, eu só soube deixar as
lágrimas escorrendo.
Nem todas as histórias de amor eram bonitas, disso eu já sabia, só
não imaginava viver tamanha tragédia e depois chamá-la
covardemente de história de amor. Talvez realmente tivesse sido
amor em um piscar de olhos, em um toque ou em um beijo. Mas
definitivamente nunca foi algo mais do que um pequeno segundo de
amor, principalmente porque Morgana nunca seria capaz de me dar
mais do que isso, míseros instantes passageiros.
E agora, o que me restava era dor, ódio e vazio.
Morgana foi minha ascensão e minha queda. Ela fingiu me dar o
mundo, enquanto eu pintava uma imagem que não existia. Seu
corpo escultural era o maior escudo para esconder que ali, na
verdade, nunca existiu um coração, apenas segundas intenções
cruéis demais.
Talvez em outra vida eu fosse capaz de encontrar algo belo
novamente, mas agora a única coisa que eu conseguia ver era O
Pesadelo, o único quadro deixado para trás, de Johann Fussli.”

Uma respiração longa deixou meu ser, declarando que


aquele era o fim de algo. No caso de mais um livro. Duas semanas
e a primeira versão estava pronta. Eu tinha batido um recorde com
aquilo.
Sorri satisfeita.
Com a embalagem do macarrão vazia, decidi ir à cozinha
pegar água e me esticar um pouco. Pelo caminho vi Tessa
mandando e desmandando em alguns entregadores que traziam
para dentro da mansão alguns enfeites para a festa. Observei aquilo
por um momento, tirando os olhos ardidos da tela do notebook.
Aproveitando o breve momento de descanso, mas logo voltei aos
meus afazeres. Peguei a água e voltei ao quarto.
Tinha mais um livro para terminar, e dessa vez tinha quase
certeza que não seria tão doloroso.
“ Está tudo bem, está tudo bem, está tudo bem, porque vou te levar
para casa
Eu quero ver o jeito que você mexe pra mim, querida”
— Little Black Dress, One Direction

Observei o delineado que Han tinha feito sob minhas


pálpebras e sorri para o espelho. O destaque dos meus olhos
esverdeados com aquela maquiagem era singular e eu adorava
saber do talento secreto de Han com maquiagens diferentes.
— Gostou? — O seu corpo se escorava na soleira da porta,
enquanto seu vestido preto e longo cobria boa parte do seu corpo,
mesmo que o modelasse e exibisse a melhor parte.
— Sim, está perfeito, linda.
Nossa fantasia era uma piada, mas era algo que consegui
convencê-la a usar, pelo menos era preto, algo que eu sei que ela
ficou feliz. Mortícia e Gomez Addams. Não tinha colocado um
bigodinho safado no rosto, mas os cabelos presos em um rabo-de-
cavalo baixo, completamente puxado por trás, o terno e a rosa de
plástico no bolso do blazer, davam uma boa ideia para quem olharia
de fora. Além de que o vestido de Hannah casou completamente
com a personagem. E, óbvio, a nossa diferença de altura era
essencial.
Um sorriso orgulhoso surgiu nos lábios vermelhos dela.
— Ok, então estamos prontas.
Meneei a cabeça em concordância e aceitei a sua mão. Para
a minha surpresa, Hannah usava um salto alto, o que a deixava
ainda maior do que eu, então a foto da noite seria perfeita.
Saímos do quarto de Hannah e ela trancou a porta para que
nenhum casal desavisado resolvesse invadir o local no meio da
noite. Com meus dedos engatados aos seus, nós descemos a
escadaria da mansão. A festa já rolava no andar de baixo, a música
de DJ Khaled tocava alto e as falácias também preenchiam o local.
Meus pés cobertos por um oxford preto pisaram no andar
principal com Han ao meu lado. Foi inevitável que as pessoas mais
próximas nos encarassem. Olhares curiosos surgiram,
questionando-se se estavam vendo realmente o que estava diante
de si. Estava acostumada em reter atenção, mas aquela era uma
espécie diferente de atenção. Algo no meu íntimo foi despertado
como uma pitada de insegurança e deixei que meus dedos
pressionassem a mão de Hannah com um pouco mais de força.
Seus olhos castanhos me alcançaram. E nada mais no
mundo importava.
— Achei que tivessem morrido no quarto! — Cheryl
aproximou-se como um furacão com John vestido de Zorro atrás
dela.
— Só estávamos terminando as maquiagens… — me
adiantei em responder, retornando a realidade. — E aí, o que tem de
bom pra beber?
— A bebida de cereja que você gosta e a cerveja da Hannah
estão na geladeira.
Sorri com satisfação. Era legal Cheryl já saber exatamente o
que eu gostava.
— Nenhum elogio a minha fantasia? — Han questionou com
tédio. — Eu estou de salto alto, então por favor, me elogiem!
Nós três rimos, mas John e Cher foram só elogios para a
minha garota. Minha garota… Deus, nem acreditava que estávamos
realmente nesse nível. Quando sentiu que estava satisfeita, a dona
dos olhos escuros como carvão, declarou que iríamos buscar bebida
e encontrávamos os dois depois. Cher nos fez prometer que
tiraríamos uma foto com todos e com as fantasias ainda inteiras e só
assim pudemos ir atrás de álcool.
Passamos pela sala principal da mansão rumo à cozinha.
Han foi na frente com os dedos ainda entrelaçados aos meus,
deixando que uma paz crescesse em meu peito por conta do nosso
simples toque.
Ao mesmo tempo que ela me preenchia com luxúria, ela me
dava paz. E aquilo parecia uma poesia singular demais para se
explicar. Claire tinha razão, nós sabíamos o momento em que nos
apaixonamos. Eu estava apaixonada por Hannah Young, mas ainda
precisava colocar isso em palavras e reverberar para todo o mundo.
Inclusive para meus pais, mas principalmente para ela. Hannah
merecia saber o quão fundo eu estava naquilo, só esperava que ela
estivesse na mesma sintonia que eu.
Essa era a minha maior pergunta nos últimos dias. Nós
estávamos na mesma página? Porque se não estivéssemos, eu
ficaria arrasada. Hannah me daria meu primeiro coração quebrado e
eu não sabia se estava pronta pra isso.
Chegando à cozinha, Han cumprimentou algumas meninas
da fraternidade e depois pegou nossas bebidas. Tomei meu copo da
sua mão e a agradeci por ter me servido.
— Está quietinha demais… — Han observou tomando um
gole da sua cerveja, deixando seus braços repousarem em meus
ombros.
— Estou animada, mas a semana foi puxada, linda. Acho que
o álcool vai ajudar a me animar.
Deixei que minhas mãos repousassem em sua cintura e
levantei um pouco o meu rosto, já que Hannah estava
absurdamente mais alta naquela noite. Ousaria dizer que os 2
metros de altura foram atingidos com sucesso.
— Podemos voltar para o quarto, caso queira — sugeriu com
calma e honestidade,
— Não, quero participar da festa, além do mais é a sua
fraternidade que está dando a festa, aposto que tem suas
obrigações.
Han balançou a cabeça deixando uma careta contorcer suas
belas feições.
— Todas temos, mas Tessa toma conta de tudo.
— Coitada de Tessa, meu Deus.
— Ela é quem manda e desmanda por aqui, sério, não há
nada que ninguém possa fazer sem essa mulher ver e ela
geralmente gosta de fazer do jeito dela, então não interferimos
muito.
— Que mandona… — soprei inclinando-me para cima e
roubando um selinho de Han.
— Não mais do que você na cama… — ela respondeu
baixinho, para que apenas eu escutasse.
— Eu? Mandona? Aham, sei.
Hannah sorriu e tomou mais longo gole da sua cerveja, eu
aproveitei para finalizar a bebida do meu copo também. Deixei o
copo vazio sobre o balcão e virei-me para o outro lado observando a
pista. Luka estava lá com North dançando em seu look de Barbie
que estava espetacular junto com ele, que estava de Ken, mas
parecia também o Fred de Scooby-Doo.
— Você é mandona sim, coração. — A voz de Han ressoou
atrás de mim, baixo novamente e dessa vez com os lábios quase
grudados nos meus ouvidos.
— Você é mandona, linda. Eu sou só a sua maior súdita que
fico mais do que feliz em cumprir todas as suas exigências —
respondi voltando a encará-la. Inclinei-me e deixei meu rosto a
centímetros do seu. — Até onde me lembro foi você que me
mandou sentar na sua cara, amor.
Ela estava sedenta, seus olhos me diziam isso. E eu gostava.
— Vamos dançar… amor. — Sua voz saiu levemente mais
fraca enquanto ela agarrava a minha mão e me arrastava até a pista
montada no meio da sala.
O apelido saiu tão natural de mim que só notei quando ela o
repetiu. Aquilo me atordoou um pouco, me deixando avoada, mas
seu toque me lembrava que tudo aquilo era real.
Meus passos a acompanhavam, animada para onde ela nos
levaria. No meio do caminho encontramos Cheryl nos chamando,
assim como chamava Luka e North. Nós nos aproximamos e a ruiva
fez questão de parar o fotógrafo oficial da festa. Com toda a
tranquilidade, ela pediu que o homem tirasse uma foto nossa. Os
seis juntos. E eu amei infinitamente. Por sorte, logo na primeira
todos aprovaram o retrato e o fotógrafo avisou que mandaria aquela
foto junto com todas as outras para Tessa na próxima semana.
— Ok, uma rodada de tequila! — A ruiva declarou animada,
agarrando as mãos de Han e de Luka. — Vamos, todos.
Ninguém ousou contra argumentar com ela. Segui as
meninas e vi John e North atrás de mim. Chegamos à cozinha da
mansão e Cher estava já empolgadíssima servindo os copos.
— Não acredito que seja nosso último ano… — resmungou a
ruiva, esticando os copos para todos. — Estou emotiva, me
perdoem.
Todos sorrimos diante daquilo. Era estranha aquela fase em
que Hannah, Cher, Luka e North estavam. Eu estava no começo da
faculdade, era caloura e, até onde sabia, John também levaria mais
uns dois anos para se formar, então pra nós toda a nostalgia de
Cher não fazia tanto sentido, mas era compreensível.
— E essa emotividade toda quer brindar o quê? — perguntou
North abraçando Luka.
— As amizades… — Os olhos da ruiva nos perscrutiram. —
E os amores.
Luka já tinha lágrimas nos olhos e John havia tirado sua
máscara momentâneamente.
— Um brinde a todos nós! — John completou e todos
batemos sutilmente nossos copinhos de shot, ouvindo o tilintar do
vidro. Em seguida, viramos a bebida.
O amargor preencheu minha boca e uma leve quentura
queimou minha garganta enquanto descia a bebida. Tentei conter a
careta, mas foi difícil. O copo vazio foi depositado sobre o balcão e
encarei Han, que fazia a mesma feição de estranhamento por conta
da tequila.
— Bom… — minha garota começou dizendo. — Já tiramos a
foto, então posso tirar os saltos. — A animação em sua frase era
palpável. Hannah não era a garota que gostava de saltos,
principalmente porque ela já era muito alta.
Todos rimos e John a ajudou a manter-se equilibrada
enquanto ela tirava os sapatos.
— Vou levar no quarto, já volto — ela avisou, depositando um
beijo na minha bochecha e saiu, antes que falasse algo.
Luka parecia animada, mas quieta. Contida. Enquanto Cheryl
apenas roubou um beijo e tanto de John, nos fazendo desviar a
atenção deles. Encarei Luka, avaliando melhor sua fantasia
impecável de Barbie. Ela parecia realmente uma boneca em formato
real e era absurdamente linda. E North parecia notar tudo isso.
— E então, animada para receber as roupas prontas? —
questionei a minha colega de quarto.
Fazia alguns dias que não falávamos sobre isso,
principalmente por cada uma estar ocupada com suas próprias
coisas. Adorava ser colega de Luka porque ela era quietinha e vivia
no seu mundinho particular. Não era nada conturbado, muito pelo
contrário. Mesmo quando ela estava no seu humor tagarela.
— Muito! Elas chegam em quinze dias, né?!
— Isso, pelo menos esse foi o prazo que meu pai encontrou
com tudo. Vamos precisar ir a San Bernardino, provavelmente, por
conta do aeroporto.
— Sim, estava pensando sobre isso, vamos precisar ir com
tempo até lá, porque são três horas de carro de ida, e mais três de
volta.
Concordei. A cidade não era lá muito perto, mas era a que
tinha o aeroporto mais próximo. Caso contrário, teríamos que ir até
Fresno ou Los Angeles, que são cidades maiores, mas um pouco
mais longe.
— Vamos nos programar, assim que for despachados, vemos
como iremos buscar tudo.
Minha amiga anuiu e tomou um gole do seu copo, o qual eu
não tinha ideia de qual era o conteúdo. North continuava ali
abraçado a ela, enquanto Cher e John afastavam-se um do outro,
voltando a nos dar atenção.
— Buscar o quê? — A voz de Han ressoou atrás de mim, e
eu me virei um pouco assustada.
— As minhas roupas, que o pai de Scar está produzindo. —
Han assentiu, lembrando-se que já tínhamos conversado com ela
sobre isso. — Estou animada por isso.
— E nós todos estamos animados por você, Luk — North
comentou, depositando um beijo na lateral da cabeça da minha
amiga.
Pude jurar que ela havia corado com aquela atitude de North.
Os dedos de Han desceram até a minha mão e entrelaçaram-
se aos meus. Ela me ofereceu mais uma dose de tequila e eu
acabei aceitando. Dessa vez só nós duas bebemos.
O álcool de fato me animou, o que foi um alívio, pois não
queria ser a estraga prazeres que quer ir dormir enquanto a festa
está rolando. Eu e Han ficamos um tempo conversando ainda com
Luka e North, mas logo eles se retiraram para dançar. John e Cher
sumiram poucos minutos depois.
Nós bebemos, conversamos com outras garotas da
fraternidade. Conheci Tessa de fato, que deixou seu lado
controlador transparecer um pouquinho quando não permaneceu
muito tempo ali, já saindo para manter a festa rolando como deveria.
Então, finalmente fomos para a pista de dança.
No meio da multidão, Han virou-se de frente para mim.
— Assim fica mais fácil te beijar — ela soprou contra meus
lábios.
Sem esperar por uma resposta, suas mãos repousaram dos
dois lados do meu rosto e um beijo rápido foi depositado em meu
rosto. Minhas mãos tomaram sua cintura. Senti-la em meus dedos
dessa forma era gostoso, mas ouvi-la suspirando baixo com isso,
era delicioso.
Nossos corpos começaram a se mover de acordo com o
ritmo da música, deixando com que o resto do mundo parecesse
não existir.
Mesmo com o blazer, parecia que eu conseguia sentir a sua
pele na minha e só de pensar nessa sensação, era absurdo.
Seus olhos nos meus.
Seu corpo grudado no meu.
E o mundo era nosso. Só nosso.
— Estou começando a achar que a gente deveria voltar para
o quarto… — ela soprou e eu não poderia concordar mais.
Meus olhos observaram ao nosso redor por um instante.
Cheryl estava aos beijos com John em um canto enquanto North e
Luka se beijavam no meio da pista mesmo. Nossos amigos estavam
ocupados e completamente nem aí para nós duas. Cada casal
preso na sua própria bolha de amor particular, então por que nós
não aproveitaríamos a nossa?!
— Acho que deveríamos mesmo.
Meus lábios tomaram os seus.
Ela sorriu no processo, mas não ousou fazer nada diferente
do que corresponder ao meu beijo. A nossa química queimou dentro
de mim, nossos seios tocando um no outro, seus dedos no meu
rosto, enquanto eu só conseguia puxar mais o corpo para o meu
pela cintura.
Um selinho rápido separou seus lábios dos meus, mas sua
boca voltou a me atacar de outra forma, deixando seus lábios,
língua e dentes saboreando a pele do meu pescoço e atrás da
minha orelha, causando um arrepio absurdo, que foi impossível de
disfarçar.
Meu corpo tremeu. Inteiro.
— Gostou disso? — sua pergunta cretina me fez sorrir.
E agarrar seus cabelos, deixando-os em meus dedos, a
fazendo gemer baixo.
— A gente precisa sair daqui… — soprei, encarando-a.
Ela riu e negou.
Suas mãos me guiaram para que eu me virasse, deixando
minhas costas grudadas nela.
— Achei que fosse uma boa garota, Hannah… Boas garotas
não querem ser pegas quase transando no meio da pista de dança.
Queria provocá-la, mesmo sabendo que não tinha como
ganhar do que quer que ela tivesse em sua mente. O que ela
quisesse fazer, ela faria. E eu, de forma receptiva, aceitaria.
Principalmente se a sua vontade fosse de me fazer chegar ao ápice
em plena pista de dança.
— Me diz, qual a pior cena de sexo que você já leu em um
livro — ela pediu.
Tentei recordar-me de alguma ruim. Várias passaram pela
minha cabeça, a maioria eram os sexos de tiazona de 40 anos, tipo
50 tons de cinza, com descrição, mas sem sensação. Porém existia
uma insuperável.
— Uma com um cintaralho — comentei, baixo, deixando
minha cabeça quase pendendo em seu ombro, enquanto minha
bunda estava grudada nela. — Nada delicado, muito menos sutil.
Odiei, não queria ver duas mulheres transando com um pau.
Ela gargalhou no meu pescoço.
— Meu Deus, nada contra os brinquedinhos, mas eu sei me
garantir sem eles.
Virei o rosto sutilmente, encarando-a bem pertinho.
— E como se garante…
Seu olhar obsidiano cheio de luxúria me atingiu.
— E qual a melhor cena que já leu? — Ela ainda se referia ao
sexo.
Me coloquei para pensar, mas uma resposta cheia de graça
ardeu na ponta da minha língua: — Não li essa cena ainda, ninguém
descreveu a gente transando, então fica meio difícil.
Suas mãos me apertaram sem dó enquanto deixava minha
calça grudada na sua virilha.
— Espertinha — soprou beijando meu pescoço.
— Ok, agora podemos ir para o quarto?
— Que apressada.
Soltei-me dela e deixei que minhas mãos agarrassem as
suas.
— Han, meu amor, eu tô cansada, mas ainda quero chegar à
exaustão hoje, e pra isso preciso de você.
Seus lábios, tomados pelo vermelho, desenharam um sorriso.
Queria que ela cedesse, porque eu precisava muito dela. Estava
pouco me lixando para a festa, não queria saber de todas aquelas
pessoas, só queria saber de Hannah.
Queria passar a noite adorando o corpo dela.
Queria ouvir meu nome em sua boca junto com palavrões
sujos.
Queria dormir agarrada nela.
— Ok, vamos.
Nossos passos para fora da pista não foram tão apressados
quanto eu achei que seriam, mas subimos as escadas correndo.
Paramos na frente da porta do quarto, e Han hesitou em colocar a
mão no trinco. Seus ouvidos foram para a porta e logo ela fechou os
olhos, afastando-se de lá o mais rápido possível.
— Cheryl e John estão ocupados no quarto — declarou
desgostosa. — Não mereço ouvir meu irmão transando com minha
melhor amiga, credo.
Sua feição era quase uma caricatura de tão exagerada.
Eu ri baixo e a puxei para o outro lado do corredor. A parte de
cima estava vazia. Então uns amassos no corredor não teriam
problema.
Bati minhas costas na parede e puxei Han para ficar na
minha frente.
— A gente ainda pode se divertir…
“Garota,
Estou torcendo e girando
Este quarto aqui está queimando
Tem fumaça no ar
E você tinha muita coisa em mente agora”
— You?, Two Feet

Seus lábios estavam sedentos. Assim como os meus.


Como eu queria aquela mulher.
Meu corpo projetou-se para frente, empurrando Scar ainda
mais contra a parede. O silêncio do corredor foi tomado por um
suspiro uníssono nosso.
Queria sentir ela escorrendo entre meus dedos, mas
simplesmente não podia enfiar a mão dentro da sua calça. Não ali.
E a porra do meu quarto estava sendo usado já por Cher e meu
irmão. Xinguei-os mentalmente por isso, mas tentei não pensar
muito sobre também.
Senti seus dedos agarrando meus cabelos, enquanto eu
procurava pelo elástico que prendia o seu, puxando-o e deixando
suas madeixas caírem feito cascatas de chocolate por parte das
suas costas.
— Tem dois banheiros aqui no corredor… — declarei
pensando em como e onde iríamos. — Podemos ir para o meu carro
também, se quiser.
— O banheiro tá ótimo — soprou afobada.
Sorri contra seus lábios e agarrei sua mão, a puxando
comigo. Os banheiros do corredor eram para questões
emergenciais, então eram menores, como lavabos. Empurrei a porta
do primeiro que, por sorte, estava desocupado. O piso e paredes
brancas de azulejo eram completamente ignorados naquele
instante. Scar entrou atrás e bateu a porta, trancando-a.
Instintivamente meus lábios foram aos seus, sentindo
resquícios da bebida de cereja ali. Suas costas bateram na madeira,
o que fez um barulho que poderia ter sido ouvido do corredor, mas
não estávamos preocupadas. Não depois dela ter me chamado de
amor. Aliás, depois daquilo nada me importava. Não sabia se queria
ceder tão fácil ao amor novamente, mas era estúpido fingir que não
estava sentindo o mesmo que ela. Nós duas estávamos em sintonia.
E eu tinha certeza que Scar não me decepcionaria. Eu a conhecia o
suficiente para saber que era muito melhor do que o meu último
relacionamento.
Com um pouco de pressa, desabotoei sua camisa e a
arranquei junto ao blazer, deixando-a apenas com o sutiã preto. As
peças foram ao chão, enquanto observava os seus seios subindo e
descendo de forma pesada. Ofegante.
Levei minhas mãos até a parte de trás do meu vestido, o
abrindo. Dei um passo para trás e deixei que o pedaço de pano
caísse do meu corpo, caindo no chão.
Mordi o interior da minha boca, só encarando os olhos de
Scar me admirando em cada segundo que passou. Meu rosto
esquentou e as borboletas do meu estômago voaram por todos os
lugares no meu interior e isso era culpa dela. Meu mundo monótono
e entristecido dos últimos meses tomou cor novamente quando ela
surgiu na minha vida. E eu amava como ela era capaz de me
enxergar. Amava todas as cores que eu tinha em seu olhar. Eu era
muito mais bonita na ótica dela, e queria um dia ser
verdadeiramente a minha melhor versão para atingir todas as
expectativas que ela pudesse ter sobre mim.
Por um instante o mundo parou, quando seus olhos estavam
presos aos meus.
Então isso era amor?
E como uma cena de filme, só consegui me atirar em seus
braços. Sentindo sua pele na minha. Seu toque em mim.
Havia pressa.
Havia amor.
E qualquer tolo leria isso nas nossas entrelinhas.
Sua língua escorregou pelos meus lábios, enquanto
cambaleávamos pelo banheiro, evitando ao máximo as paredes
frias.
Surpreendentemente, Scar me empurrou para o balcão da
pia e apenas com seus toques instruiu meu corpo a subir ali. Sentei-
me, sentindo o gelado do granizo que havia ali. Um suspiro e um
arrepio foram as respostas do meu corpo.
— Tenta não gemer muito alto, linda — ela declarou
agarrando minhas pernas, cravando seus dedos na minha pele. —
Não quero que todos ouçam a minha garota gemendo, sou meio
egoísta nesse sentido.
Sorri e deixei que seus lábios tomassem os meus.
Minha intimidade já denunciava o quanto eu queria aquela
mulher, mas não ligava que ela percebesse seu efeito sobre mim.
Queria mais que notasse logo inclusive. Precisava do seu toque.
Seu corpo curvou-se um pouco, tomando meu seio, que já
estava livre de qualquer proteção. Senti seus beijos delicados
espalhados pela minha pele até que encontrasse o bico dos meus
mamilos, o qual ela beijou também antes de deixar sua língua
escorregar por ali, deixando-o ainda mais intumescido.
Deixei que uma das minhas mãos agarrassem seus fios,
observando a cena. O que só conseguiu me deixar ainda mais
excitada. Escorrendo e molhando minha calcinha. Seus dedos
tocavam o outro seio, dando a devida atenção a ambos, enquanto
vez ou outra seus olhos alcançavam os meus, fazendo com que
meus gemidos ficassem um tanto mais alto nesses momentos.
Depois dos seios, ela desceu mais, até que seus joelhos
caíssem ao chão, tendo com primor conseguido deixar minhas
pernas moles com apenas isso.
— Scar…
— O quê? — Sua voz era provocativa, enquanto seus olhos
estavam nos meus e seus dedos puxavam a minha calcinha para o
lado, sem nem fazer menção de tirá-la.
— Preciso de você, coração.
Ela sorriu e enfiou o rosto entre minhas pernas.
Seus lábios quentes me tocaram, mas foi a sua língua fria
que me causou quase um orgasmo com apenas aquilo. Meus dedos
ainda agarravam seus cabelos e foi delicioso sentir a vibração do
seu gemido quando puxei de leve seus fios.
Seu nome, mais uma vez, escorregou dos meus lábios.
Clamei por ela como uma prece, para que me levasse aonde
quisesse, desde que passássemos por um orgasmo pelo caminho.
Com calma, sua boca me abriu, me umedeceu ainda mais e
me devorou. Ela chupava e lambia, com a língua mole, deixando
meu clitóris ainda mais rígido entre seus lábios. A sensação de tê-la
ali era surreal, e nem me esforçava para negar o quanto gostava
daquilo. Era como pequenas explosões das minhas melhores
experiências, superando todas elas. Meu corpo empurrava-se contra
ela e suas mãos tentavam manter-me parada, algo que estava
ficando difícil. Espasmos involuntários começaram a me dominar.
Queria mais dela. Queria que ela me fizesse chegar lá com aquela
boca que eu tanto adorava beijar.
Seu rosto foi de um lado para o outro, batendo nas minhas
coxas, fazendo minha pele se arrepiar inteira antes de voltar ao
ponto central e continuar a sua condução pelas reações do meu
corpo.
Foram só poucos minutos até que aquela pressão alcançasse
meu ventre, me obrigando a tapar a minha própria boca quando um
gemido alto me escapou de repente. Minhas pernas quiseram se
fechar, mas ela as manteve abertas ao seu bel prazer, enquanto
toda a minha satisfação caia em sua boca.
Cheguei a tremer e apertei as pálpebras dos meus olhos
umas nas outras enquanto sentia seus últimos movimentos entre
minhas pernas.
Fui surpreendida quando seus lábios tocaram os meus em
um selinho.
— Scar… Porra… — soprei contra seus lábios, ainda atônita.
— Gostou? — ela fez questão de perguntar.
Sorri e abri os olhos, fazendo questão de encará-la.
— Eu acabei de gozar na sua boca, coração. É claro que eu
gostei. Inclusive acho que é perigoso eu ficar viciada em você me
chupando desse jeito — declarei sem nenhum pudor.
Ela parecia em êxtase.
— A sua imagem gozando é linda, amor.
Meus dedos seguraram seu rosto, inclinei-me e deixei que
meu nariz tocasse o seu.
— Então na próxima tenho que te fazer gozar na frente de um
espelho pra ver o quão perfeita é a sua imagem nesse momento.
Ela riu e selou seus lábios aos meus.
“Eu tenho uma faísca em mim
E você é uma parte de mim
Agora até a eternidade
Faz tanto tempo e agora estamos finalmente livres”
— Finally Free, Madison Reyes, Charlie Gillespie, Owen Patrick
Joyner e Jeremy Shada

Seu rosto estava levemente amassado pelo travesseiro e


ainda sim ela era a criatura mais linda que eu já tinha visto na vida.
— Bom dia, coração — ela soprou abrindo seus olhos e me
encarando cheia de preguiça.
— Bom dia, linda.
Ela sorriu e esticou-se até seus lábios encostarem nos meus
em um selinho rápido.
— Quais os planos para hoje? — A pergunta surgiu dela, mas
eu não tinha ideia do que responder. Estava exausta e se pudesse
não sairia da cama. A ideia inclusive me agradava muito, mas a
fome já apertava meu estômago.
— Comer e ficar com você?!
Ela suspirou e virou-se na cama.
— Achei um ótimo plano.
Com muita preguiça, nós saímos da cama e fomos nos ajeitar
no banheiro. Como eu tinha me arrumado para a festa na noite
anterior na fraternidade, minhas roupas estavam ali. Nos vestimos
com calma e saímos no corredor da mansão. O sol estava mais
quentinho naquela manhã, mas não confiava que isso se
mantivesse durante o dia.
Novembro seria um mês longo do cão e as férias infelizmente
só viriam no dia 20 de dezembro, mas ao menos eram dias e mais
dias para aproveitar a companhia de Han.
Descemos as escadas e encontramos algumas garotas
curando a ressaca com muita água e doce. Cumprimentamos elas e
fomos tomar nosso café da manhã no campus mesmo. Mesmo
sendo domingo, haviam lugares abertos. Aproveitamos para
caminharmos e conversarmos sobre as matérias da faculdade.
Adorava quando Hannah me dava dicas sobre os professores e as
matérias.
— Por exemplo, o professor Topaz é um sádico que adora
reprovar os alunos e um machista cretino, então você vai ter que se
esforçar o dobro e rezar para não reprovar de qualquer forma —
Han dizia com puro sarcasmo. — A professora Khan é um ser
humano incrível, ativista e tudo mais, mas se enrola um pouco para
explicar as coisas. E claro Silveira é a melhor! Estou pensando no
programa de mestrado dela para o próximo ano, inclusive.
A sua confissão sobre os planos me fez sorrir.
— Uau, já tem planos para o próximo ano?! — questionei
retoricamente.
Seus olhos negros me captaram.
— Claro, eles envolvem o mestrado, um apartamento
alugado e você.
Minhas bochechas coraram. Eu geralmente não corava, mas
Hannah conseguiu alguns feitos inéditos.
— Gosto desses planos.
Ela levou minha mão aos lábios e depositou um pequeno
beijo ali.
Chegamos à cafeteria e uma parte de mim ficou feliz por
Hannah não ter fumado em nenhum momento até ali. Poderia ser
uma impressão minha, mas o seu vício parecia ficar em segundo
plano cada vez mais e eu gostava disso. Não precisava ser um
gênio para saber que cigarro fazia mal, e vê-la longe dele era bom.
Fizemos nossos pedidos e aproveitamos o clima agradável
para nos sentarmos do lado de fora. Cookies, café, um pedaço de
torta de maçã, omelete, bacon e meu suco de morango. Deus,
estávamos esfomeadas.
Olhando a disposição de tudo na mesa, acabei decidindo tirar
uma foto daquilo. E depois da minha garota, que insistiu em colocar
a mão na frente do rosto, toda tímida.
— Sem fotos… — brincou. — Estou de cara lavada, pelo
amor de Deus.
— E continua linda!
Nossos dedos se tocaram, enquanto Han levava seu copo de
café aos lábios.
— No próximo ano precisarei procurar um apartamento na
cidade para ficar. Acho que vou pedir a ajuda de North até para isso
— ela começou a falar, leve.
— Posso ajudar também…
Ela sorriu.
— É o que espero, coração. Até porque espero que
possamos morar juntas eventualmente. — A sua confissão fez meu
estômago encher-se de borboletas.
— Posso gostar dessa possibilidade. — Hannah sorriu.
Gostava de ela se abrindo comigo. Eram detalhes pequenos
que importavam, no fim. Estar ao seu lado escolhendo um
apartamento seria incrível, tão incrível como saber que ela queria
continuar a estudar em Wolfsview por mais dois anos, durante todo
o processo do seu mestrado.
Depois do nosso café, voltamos à fraternidade e passei a
tarde deitada com Hannah lendo para mim. Decidimos ler A
Redescoberta do Mundo, de uma autora indiana chamada Thrity
Umrigar. Era um livro incrível até a parte que tínhamos alcançado.
Eventualmente trocávamos carícias e a nossa bolha perfeita parecia
que nunca se desfaria.
Minha parte favorita foi quando Hannah leu:
— “O que importa é que… é que essas três mulheres me
deram uma coisa, a noção de fazer parte do mundo, mais do que
isso, aliás: a noção de que o mundo me pertencia, você entende? A
crença de que este era o meu mundo, o nosso mundo. Para moldar
como quiséssemos. A noção de que jamais teríamos que nos
conformar com o jeito como eram as coisas, sabe?”
Quando ela terminou aquele capítulo, eu suspirei e me sentei
na cama. Parecia que algo havia pesado e ficado mais leve ao
mesmo tempo. Era confuso.
— O que foi, Scar?
— Você ouviu o que leu? — perguntei retórica. — Foi lindo!
Ela anuiu, concordando e fechando o livro.
— É uma fala poderosa, dentro de um livro que fala sobre
amizade feminina — ela comentou e por um instante pareceu
perdida nos próprios pensamentos antes de sorrir. Não sabia o que
estava em sua mente, mas acho que ela sentiu todo o impacto que
eu senti naquele momento.
O mundo com Hannah não era só cor-de-rosa, ele tinha todas
as cores em versões muito mais brilhantes e bonitas. Além da
sensação de que finalmente eu estava sendo a Scarlet. Sem
sobrenomes importantes. Sem escândalos. Sem amizades falsas.
Sem relacionamentos problemáticos. Estava estudando o que eu
amava, pretendia construir uma carreira incrível e ser feliz nela e
pela primeira vez na minha vida não havia uma sombra de dúvida
sobre a minha felicidade, ela estava ali. Diante dos meus olhos. E
eu poderia realmente a agarrar.
Não só literalmente, claro. Mas de forma metafórica, porque
nunca me senti tão eu quando nos momentos em que Hannah
estava ao meu lado. Ela me lembrava que o mundo me pertencia e
eu poderia moldá-lo, recriá-lo e ser muito feliz nele.
Inclinei-me e a presenteei com um selinho rápido.
— Já te disse que você é incrível hoje?
Ela riu.
— Hoje, especificamente, ainda não, coração.
— Bom, você é incrível Hannah Young.
Seus olhos castanhos me encararam com curiosidade, sabia
que ela queria saber o que estava na minha mente, mas a verdade
é que não interessava, porque mostraria a ela todos os dias o quão
importante ela era para mim.
À noite, Han me deixou de carro no meu dormitório.
Abri a porta vendo o local vazio e ri sozinha. Tanto eu quanto
Luka passávamos mais tempo longe dali do que naquele espaço
que dividíamos.
Coloquei meu celular para carregar enquanto desfazia a
pequena bolsa que tinha feito para ficar na fraternidade. Quando o
celular ligou com o mínimo de carga, vi as mensagens começarem a
pipocarem. Era meu grupo com Claire e Quinn. Abri o aplicativo de
mensagem só para conferir o surto das suas sobre a virada do ano,
confirmando que ambas estariam em Nova Iorque na data e
exigindo a minha presença.

SCARLET: “É claro que estarei em NY, vadias!”


“Eu não vou negociar a minha paz
Sem problemas, confio
O mundo não gira em torno de mim
Mas, hoje, ele é meu”
— Free Hugs, Angel22

Finalmente o universo parecia estar conspirando a meu favor,


mas nada disso diminuía o meu nervosismo enquanto Cheryl lia
meu livro. Ela era sempre a primeira pessoa a ler e mesmo depois
de doze livros, ainda continuava com a ansiedade atacada enquanto
ela lia. Luka lia alguns também, mas minha outra amiga estava tão
ocupada e estressada com seus trabalhos finais que nem quis
incomodá-la daquela vez. Já estávamos no fim da segunda semana
de novembro e as entregas finais estavam muito próximas, depois
ainda viriam as provas e isso sim seria um inferno.
Estava tomando meu terceiro copo de café no dia e isso não
ajudava em nada a coitada da minha ansiedade. Aquela altura do
campeonato já estava me sentindo o esquilo dos Sem Floresta,
acelerado e doidinho das ideias.
Olhava para a tela do meu computador respondendo algumas
coisas dos leitores e conferindo algumas propostas quase
escravagistas de editoras. E claro, negando elas com educação.
Estava verdadeiramente distraída, quando um corpo
masculino cheio de músculos e com um perfume que eu conhecia
muito bem, sentou-se ao meu lado, na cadeira disponível dentro do
jardim de trás da fraternidade. Levantei os olhos encarando aqueles
olhos azuis e pidões.
Sorri e abaixei a tela do notebook.
— Oi, irmãozinho.
— Oi, irmã… Como você tá?
John não fazia esse tipo de pergunta. Eu era a irmã mais
velha, era eu que me preocupava em fazer esse tipo de pergunta.
— Bem, um pouco estressada, mas feliz. E você? Ainda sem
sequelas do futebol americano, o que me deixa bem feliz, então…
— Ele riu e cruzou os braços largos e duros de músculo, algo que
várias meninas desejavam secretamente terem circulando seus
corpos a noite. Mas a sortuda era a Cheryl há uns bons anos.
— Não vou ficar com sequelas, Han.
— É o que eu espero, todos os dias.
— Ok, maninha. Cheryl está preocupada e eu também — ele
declarou indo direto ao assunto.
Rolei meus olhos, aqueles dois eram os reis das
preocupações inúteis. Desde o lance das ameaças de Mia em expor
que eu era Medusa, eles viraram cães superprotetores. Enquanto
Luka era meu maior ombro para chorar, sempre me dizendo que
tudo ficaria bem.
— Com o quê exatamente vocês dois estão preocupados? —
Não estava gostando daquela conversa.
Meu irmão soltou seus braços e inclinou-se na minha direção,
falando em um tom mais baixo:
— Você escreveu um livro sobre a Mia.
Quis gritar, Cheryl era muito fofoqueira. Era para ela ler o livro
só e não ir comentar com John.
— Escrevi um livro sobre mim, sobre a minha dor. Não tem
nada de errado nisso — repliquei enfurecida. — Por favor, não
arranjem problema onde não tem. Estou bem, aquilo foi um
desabafo, foi como… superar.
John suspirou e jogou-se no encosto da cadeira novamente.
— Um livro sobre uma garota que rouba as artes de uma
casa onde a protagonista mora — ele comentou. — Os leitores de
Medusa vão amar. — Sorri, porque sabia que eles iriam amar aquilo.
Era diferente dos outros que eu tinha entregue até então, ele não
tinha um final feliz, mas eu precisava escrevê-lo e o fiz. Só poderia
esperar que eles, meus leitores, me apoiassem. mas não é só por
isso que vim. — Não falei nada, apenas o indiquei com o olhar que
continuasse. — Vovó, Hannah, precisa ligar para ela pelo menos
uma vez no mês.
Vovó Madlyn Young, a mulher que me criou junto ao meu
irmão depois do acidente dos nossos pais. Ela era ótima, estava no
auge dos seus setenta anos e com sua independência intacta ainda.
— Ok, vou ligar essa semana.
— Vamos passar a Ação de Graças lá — John avisou
levantando-se e eu apenas assenti. — E você vai dirigindo.
— São seis horas de carro, nem fodendo que eu vou
dirigindo, John Tobias Young!
Ele sorriu e depositou um beijo na minha cabeça.
— Ok, eu dirijo, mas Cheryl vai conosco. Os pais dela não
estão nos Estados Unidos.
Concordei. Os pais de Cheryl viviam na Europa de qualquer
forma, desde que éramos adolescentes. Também não era como se
fosse um sacrifício para mim ter uma das minhas melhores amigas
passando o feriado comigo.
“O mundo é meu, o mundo é nosso
Olhe pra mim agora, me sinto no topo do mundo com a minha
(moda!)”
— Fashion!, Lady Gaga

Entreguei meu trabalho de História da Arte me tremendo


inteira. Não tinha certeza se estava bom o suficiente, mas tinha
dado meu máximo. Joguei minhas costas para trás, encostando na
cadeira e me espreguiçando. Deus, minhas costas estavam fodidas.
— Terminou? — Luka questionou enquanto costurava um
botão que tinha caído de uma das suas camisas absurdamente
fashion, cheias de babados e tal.
— Sim, finalmente.
— Ótimo. — Ela cortou a linha com o dente e colocou a blusa
na frente do próprio corpo. — O que acha?
— Linda.
Luka sorriu satisfeita.
— Obrigada, eu que fiz.
— Achei que só tinha caído um botão. Em que momento você
fez uma camisa tão linda?
Minha colega de quarto rolou os olhos e jogou-se na minha
cama.
— Enquanto você estava ocupada com a minha melhor
amiga — debochou e jurava que minha bochecha tinha se
esquentado. Levantei meu óculos, nervosa.
— Hm, achei que nesses momentos estava ocupada com
North.
— É, às vezes, mas nós dois temos mais o que fazer
também. Além do mais, no apartamento dele é mais tranquilo de
ligar a máquina de costura. Não há quem reclame. Já aqui, eu pago
multa. — Foi impossível não rir. — Agora, vem, quero que
experimente a blusa.
Apontei para mim mesma e estranhei.
— Eu? Por quê?
— Porque sim, por favor.
— Ok…
E lá fui eu experimentar a blusa fashion da Luka. Não fiz
muita cena, apenas tirei minha blusa e coloquei a que Luka tinha
feito. Deixei que ela ajeitasse a gola e as mangas e quando se deu
por satisfeita, disse que teria que refazer a barra.
— Ok, estou faminta! — declarei voltando ao meu moletom.
— Vamos comer algo?
Minha amiga encarou a peça de roupa e depois a mim,
ponderando por um instante. Ela ficava fofa demais quando fazia
isso, eu achava uma graça.
— Tudo bem, vamos lá.
Feliz que ela tinha cedido, peguei apenas meu celular, tinha
um dos cartões cadastrados no aparelho, então nem me dei ao
trabalho de levar a carteira, já Luka pegou uma das suas bolsas
mais estilosas, uma jeans com pérolas.
Saímos do quarto e o trancamos, seguindo para a pequena
praça de alimentação que tinha mais perto do nosso dormitório, o
refeitório ficava ali junto com outras opções para quem quisesse,
mas entre a Pizza do Joe’s e a comida do refeitório, eu ficava com a
pizza.
Cada uma comprou algo para comermos, era um lanche do
meio da tarde basicamente, e uma ótima oportunidade para contar a
Luka que as roupas do seu trabalho chegariam no dia seguinte. Só
teríamos que buscá-las em Fresno, mas isso era um problema para
dali 24 horas. Muita coisa ainda poderia acontecer naquele dia.
Abri a minha garrafa de Coca-Cola e encarei a garota de
cabelos trançados na minha frente:
— Suas roupas chegam amanhã… — soprei como se não
fosse muita coisa, mesmo sabendo que era, apenas para ver sua
reação explosiva de alegria.
— Ah. Meu. Deus! — e ela gritou. — Nossa, nem acredito
que conseguimos, Scar, eu te devo uma, sério.
Rolei os olhos.
— Você não me deve nada, fiz porque queria ajudar. Estou
louca para ver seus modelos prontos — respondi com honestidade.
Luka era muito talentosa, merecia todo o sucesso que desejasse no
mundo da moda.
O seu sorriso foi sincero, assim como tudo em Luka.
Comemos com ela tagarelando sobre a sua animação com o
que iria acontecer.
— Precisamos falar com Hannah para irmos até Fresno,
certo?
— Sim — confirmei. — Vai ser uma viagem divertida.
— Com certeza! — Luka transbordava animação e preciso
ser honesta que eu também estava muito ansiosa. — Vou procurar
um lugar para descansarmos um pouco, porque são três horas para
ir e mais três para voltar.
Concordei mandando uma mensagem a Hannah, avisando
que precisaríamos ir a Fresno no dia seguinte.

SCARLET: “Oi, preparada para pegar a estrada?”

HANNAH: “Não… Deveria?”

SCARLET: “Precisamos ir a Fresno pegar as roupas da Luka. Por


favor, diga que não esqueceu.”

HANNAH: “Putz… Não esqueci, mas quase. Ok, vou ajeitar as


coisas por aqui e adiantar meus trabalhos. Saiba que vamos passar
o dia fora, lindinha.”

SCARLET: “Estou ciente, Han. Ansiosa!”

Bloqueei a tela do celular e encarei minha amiga. Seus olhos


brilhavam e me sentia feliz demais por ter participação em vê-la tão
fabulosa em sua alegria.
Encarei meu reflexo não muito feliz com o que eu via. Estava
inchada por conta da menstruação e sentia uma cólica chata, mas
nada me impediria de ir com as garotas pegar as roupas de Luka.
Hannah nos avisou que passaria de carro na frente do dormitório às
6h40, assim chegaríamos a Fresno perto das 10h.
Estava terminando de pegar minhas coisas quando Luka
voltou do banheiro pronta para sairmos.
— Cheryl não vai porque tem muito trabalho no laboratório
hoje. Não entendo o que essa menina tanto faz, mas enfim — Luka
reclamou um pouco, mas só pela falta que a amiga faria, não era
uma reclamação real.
Peguei minha bolsa com tudo o que precisaria para ficar
longe da universidade durante aquele dia e um casaco a mais. Nós
descemos as escadas e saímos para fora do prédio logo vendo o
carro de Hannah parando ali na frente.
Fomos até o seu carro, Luka entrou no banco de trás
enquanto me jogava no do carona. Encarei, Han e inclinei-me,
deixando um selinho em seus lábios antes de colocar meu cinto
enquanto a bolsa ficava nos meus pés.
— Bom dia, estão prontas para a estrada? — Han perguntou
dividindo os olhares entre nós duas.
— Eu estou uma pilha de nervos! — Luka admitiu. —
Podemos comprar café só antes de irmos?
Hannah riu, duvidava que aquela lá fosse sair de Wolfsview
sem um café.
— É óbvio, mas é pegar e beber no carro sem derrubar, pelo
amor de Deus.
— Ok, combinado! — concordamos em uníssono.
Han parou para pegarmos o café e depois seguimos pela
estrada, segundo ela já tínhamos nos enrolado demais.
Perderíamos aquele dia de aulas, mas não era a minha maior
preocupação. Na verdade, a única coisa que me incomodava era a
cólica fodida que eu estava sentindo. Tomei um comprimido de
Tylenol junto com o meu suco de morango e deixei meu casaco
mais grosso sob a minha barriga, tentando deixar a região aquecida.
Os minutos dentro do carro passaram rápido e três horas
num carro com música e companhia agradável tornou tudo mais
tolerável, inclusive a minha dor. Luka tagarelava mais que o normal,
nos contando que estava muito animada com tudo, principalmente
porque os modelos que os alunos entregassem seriam vestidos por
modelos da agência Loyta Fashion Show, uma das maiores
agências de modelo da Califórnia, com sedes em Londres, Nova
York e em Tóquio.
Reclinei meu banco em certo momento e o remédio começou
a fazer efeito. Admito que quase dormi, mas me mantive acordada,
virada para Hannah, a observando concentrada dirigindo enquanto
sorria e respondia a Luka vez ou outra.
Chegamos a Fresno perto das 11h por conta da estrada
movimentada e fomos direto até o aeroporto.
— Vocês duas vão descer, verificar tudo e eu vou esperar no
carro — avisou a minha garota procurando por uma vaga no
estacionamento.
Estava com muita preguiça e um pouco entorpecida pelo
remédio, mas Luka não conseguiria pegar as coisas sem mim, papai
tinha mandado para o meu nome para não ter erro. Han parou o
carro e nós duas saímos. Caminhamos para dentro do aeroporto
prontas para lidar com um pouco de burocracia, mas foi tudo muito
simples. Apresentei meus documentos e a moça do balcão da
empresa de transportes nos entregou quatro caixas enormes, que
fomos obrigadas a colocar num dos carrinhos para carregarmos até
o carro. Por sorte era roupa, então era grande e leve.
Hannah nos ajudou a organizar tudo no porta malas, então
estávamos livres da obrigação e prontas para comer.
— Podíamos ir em um Five Guy’s né?! — Luka sugeriu
teclando em seu celular. Eu bocejava, estava com muito sono e
cansada.
Não queria arruinar a viagem, mas a cólica estava voltando e
se tomasse mais um remédio antes de comer com certeza dormiria
sem previsão para acordar.
— Podemos sim… — Han confirmou. — Pegamos no drive-
thru e vamos para um motel comer.
A motorista esticou seus dedos até tocar meu rosto. Puxou
delicadamente alguns fios de cabelo para fora do meu rosto.
— Você está bem?
— Cólica — respondi monossilábica. Ela anuiu, mas seu ar
tornou-se de preocupação.
— Já tomou remédio? — Concordei com a cabeça.
— Estou bem, só com dor. Vamos fazer o que você falou, aí
aproveito e descanso um pouco, ok?!
Ainda desconfiada, Hannah concordou e nós seguimos para
o Five Guy’s mais próximo. Pedimos nossos hambúrgueres e
batatas fritas. Depois fomos a um motel que havia próximo da
estrada principal, fizemos um check-in de um quarto com duas
camas de casal.
Mesmo com a animação de Luka, Hannah disse que as
roupas ficariam no carro e que ela não iria tirá-las de lá.
— Você vê o resultado final em Wolfsview, não vamos ficar
tirando as caixas do carro nem fodendo — replicou Han, e Luka
ficou um pouquinho desapontada, mas nem tanto.
Nós entramos no quarto e eu me atirei na cama sem nem
pensar duas vezes. Enfiei-me embaixo de uma das cobertas e
procurei por uma posição confortável.
“E eu passei os últimos oito meses
Pensando que tudo o que o amor faz
É quebrar, queimar e acabar
Mas em uma quarta-feira, em um café
Eu o vi recomeçar”
— Begin Again, Taylor Swift

Encarei-a dormindo com várias cobertas sob o corpo,


encolhida, mas serena. Sabia que era só cólica, uma coisa
completamente comum no universo feminino, mas isso não diminuía
minha preocupação.
— É legal ver você parecendo uma garotinha apaixonada. —
O comentário de Luka captou minha atenção, fazendo eu largar meu
guardanapo em cima da pequena mesa do quarto e a encarar.
Minha amiga estava sentada na minha frente com um sorriso
sincero no rosto. — Só estou dizendo — defendeu-se.
— É deve ser… — respondi sentindo o meu rosto esquentar.
— Uau, Hannah Young está sem graça, isso é novidade —
ela zombou e lhe mostrei o dedo do meio. Nós rimos, enquanto
voltava a encarar Scarlet deitada. — Deveria contar a ela como se
sente, Han. Deveria se abrir mais, porque Scarlet é uma pessoa que
vale a pena.
Assenti.
— Não me sinto pronta ainda.
— Ela não é a Mia. Um relacionamento ruim não significa que
você vai passar o resto da vida sozinha — Luka argumentou. —
Você está radiante perto da Scar, fazia meses que não a via assim.
Não jogue isso fora, porque vocês duas merecem a felicidade.
Luka não entendia o meu medo. Nenhum deles entendia. A
última vez que me abri para um relacionamento me machuquei
demais, e por mais que, sim, estivesse apaixonada por Scarlet, não
tinha certeza se poderia me abrir completamente com ela. Ainda
não. Mesmo assim concordei com o que minha amiga falava. Não
iria discutir com ela ali, ainda mais correndo o risco de Luka falar
sobre Medusa e Scarlet poder escutar sem querer.
— Vou ligar para North, ele está insano querendo saber das
roupas — avisou minha amiga, levantando-se.
— E depois eu sou a apaixonada — debochei e Luka sorriu
divertida antes de cruzar a porta para o lado de fora.
Também saí da minha cadeira e joguei todo o lixo do fast-
food fora, encaminhando-me para a cama que Scar estava deitada.
Ela parecia um anjo dormindo de forma serena. E só de
encará-la sentia meu coração dar várias cambalhotas em meu peito.
Todos eles tinham razão, estava apaixonada por Scarlet McKee.
Aquilo não deveria doer, mas doía, porque eu estava quebrada,
ainda estava catando os caquinhos do que Mia deixou que restasse
mim. Estava cansada e desmotivada. Sabia que aquilo
provavelmente beirava uma depressão escondida em sarcasmo e
isolamento. Até ela chegar.
Scar fazia tudo ser curiosamente colorido. Seus sorrisos,
seus olhares, sua voz, seus toques. Tudo era ela, porque ela
dominava cada segundo, onde quer que estivesse. Era como se
uma bolha se colocasse ao nosso redor, tornando o mundo tão lindo
quanto ela. Tão inocente, mesmo com o toque de pura safadeza
que ela tinha.
Tapei minha boca, sentindo as lágrimas molhando o meu
rosto.
As últimas semanas ao seu lado foram as melhores semanas
em muito tempo, e as mais felizes em muito mais tempo.
Caminhei até o banheiro do quarto e fechei a porta com
cuidado, não queria acordá-la. E então deixei as lágrimas
escorrerem pelo meu rosto livremente. O aperto em meu coração
não diminuía, assim como a certeza que aquele maldito escolheu
Scarlet. E me dar conta disso era doloroso não só pelo meu
histórico, mas para o que o futuro poderia reservar. Scar adorava
Medusa, e eu era Medusa. Ela tinha que saber disso eventualmente,
mas há coisas que se conta na cama e que podemos nos
arrepender, como foi com Mia.
E porra, mesmo não querendo eu voltava para aquela
comparação.
Que ódio!
Alcancei a toalha disponível no banheiro e coloquei no meu
rosto, pressionando-a ali. Queria tanto gritar, mas não podia. Não
queria que ela me ouvisse, ela não merecia se preocupar comigo
estando com dor. Por isso permaneci ali, até que me acalmasse o
suficiente.
Lavei o rosto e tentei consertar com um pouco de pó
compacto, mas não ajudou efetivamente. Voltei ao quarto vendo que
Luka continuava lá fora enquanto o relógio no meu celular apontava
14h, daqui a pouco teríamos que voltar porque não queria pegar a
estrada à noite.
Contudo, antes eu poderia deitar um pouco ao lado dela e a
observar um pouco, em silêncio.
Tirei meus coturnos e me aconcheguei na cama.
Senti como se tivesse observando ela antes, depois da
primeira festa da fraternidade, algo que agora parecia uma vida lá
trás. Seu nariz arredondado, os fios castanhos avermelhados e as
pequenas sardas mais escondidas pelo bronzeado suave que ela
adquiriu nos últimos meses aqui na Califórnia.
Dessa vez não me contive, toquei seu rosto e depositei um
beijo na sua testa.
Calmamente, seus olhos se abriram e me encontraram.
— Oi… — ela soprou sonolenta.
— Oi…
— Já estamos voltando? — questionou voltando a fechar os
olhos. Ela estava muito cansada.
— Ainda não. Quer comer? — ela negou com a cabeça. —
Ainda está com muita dor? Posso ver se arranjo uma bolsa com
água quente para você — sugeri, a fazendo sorrir.
— Não precisa, amor. Obrigada — respondeu manhosa,
empurrando-se para mais perto de mim. Enfiei-me debaixo das
cobertas e deixei seu corpo envolver-se no meu como um coala. —
Você é tão perfeita, não consigo acreditar que fui tão sortuda assim
— ela soprou, com a sua sinceridade ímpar.
Sorri e depositei mais um beijo em sua testa.
— A sortuda sou eu, Scar… — mesmo que não mereça tanto
assim, minha mente completou.
Sua cabeça enfiou-se entre meu peito e pescoço, senti seu
rosto tocar as faixas expostas de pele que eu tinha por ali. A paz
que exalava daquele momento deixou meu coração aquecido e
tranquilo, envolvido por ela. Algo que foi completamente subvertido
em seguida, quando ele disparou por conta das suas palavras.
— Eu te amo. — Sua voz saiu baixinha, insegura, mas me
preencheu com tudo o que aquelas palavras significavam.
Meu coração pulsava forte. Violentamente.
Sentia que poderia até tremer meu corpo todo com aquele
impacto, mas isso não aconteceu.
Não estava esperando essas palavras, mas também não
poderia dizer que não as sentia tanto quanto ela.
— Eu também te amo, Scar.
Porra. Eu a amava. Eu realmente a amava. Aquilo era
assustadoramente lindo. Desci meus olhos até ela e a vi caindo no
sono novamente. Sorri e beijei sua testa mais uma vez.
Fechei os olhos e em algum momento entre pensar que a
amava e lembrar que admitir aquilo era algo grande, acabei
adormecendo.
Saímos de Fresno perto das 19h, foi inevitável pegar a
estrada à noite. E chegamos a Wolfsview de novo perto das 22h.
Deixei Luka e as suas caixas no dormitório e Scar disse que queria
ir dormir comigo na fraternidade. Nós fomos para a fraternidade e
dei de comer para aquela garota, que só estava com o café da
manhã no estômago até aquele momento.
Depois ela foi tomar um banho enquanto eu me sentia
confusa. Não quanto aos meus sentimentos, porque estes estavam
claros. Mas estava confusa sobre o que faria com aquilo. Scarlet
merecia cem por cento de mim e eu não sabia se conseguiria aquilo
naquele momento. Ela merecia saber a verdade sobre uma das
coisas que eu amava fazer: escrever.
Ela merecia o mundo.
Agora o que me restava era saber se eu conseguiria dar isso
a ela.
“Eu quero simplesmente me jogar
Em seu mundo
Olhe para mim, olhe para mim agora
Você está me queimando assim
Eu não posso fugir
Nosso amor é como brincar com fogo”
— Playing with fire, BlackPink

Acordei sem sentir cólica, o que já foi ótimo. Isso melhorou


meu humor demais, mas acordar e ter a visão de Hannah ainda
dormindo foi espetacular. A luz da manhã entrava pelas cortinas,
mas a preguiça me dominava. Eventualmente precisaria levantar,
dali cinco ou dez minutos. Precisaria ver as minhas aulas. Mas no
momento só conseguia pensar sobre ter finalmente deixado Han
saber dos meus sentimentos.
Dizer eu te amo não precisa ser um drama, mas com certeza
é algo grandioso.
Eu amava minhas amigas, meus pais, mas definitivamente
nunca tinha sentido amor romântico por ninguém. E me dar conta de
que a amava foi um pouco chocante. Foi assustador, e libertador.
Não tive medo de expor o que sentia, mas acho que os
remédios ajudaram aquilo a sair mais fácil, estava meio entorpecida
afinal. E agora que todas as cartas estavam na mesa, esperava que
as coisas não mudassem entre nós.
A observei em silêncio, vendo sua respiração tranquila. Era
calmaria.
— Bom dia, Hannah! — A voz alta de Cheryl invadiu o quarto
assim que a ruiva saiu do banheiro com os cabelos úmidos após o
banho e de roupa de sair. — Se você não chamar, ela não vai
acordar — me avisou e eu sorri, porque na verdade tinha me
assustado. — Han, acorda — cantarolou sentando-se na sua cama
para colocar seus sapatos.
— Ok, acordada, chata! — Han resmungou sonolenta.
Eu sorri e me sentei na cama.
— Ótimo, as aulas logo encerram para o feriado e vocês já
perderam aula ontem, então por favor! — Cher parecia uma mãe
mandona às vezes.
— Ok, ok… Obrigada pela lembrança, amiga — Han replicou
sentando-se na cama também. Ela tocou meus ombros e sorriu
fraco. — Bom dia, coração.
— Bom dia, meu amor… — Inclinei-me e depositei um beijo
em seus lábios.
— E depois eu que estou no clima de lua de mel — debochou
a ruiva nos lançando uma piscadela. — Vou indo nessa, preciso
passar no laboratório antes da aula. Não voltem a dormir! —
Assentimos e ela saiu pela porta.
Saí da cama e me estiquei, me sentindo particularmente bem
naquela manhã.
Caminhei até a minha bolsa e peguei minha necessaire,
pronta para ir ao banheiro fazer minha higiene matinal enquanto
Han voltava a deitar e ignorar nossas obrigações.
Levamos mais tempo que o normal para nos arrumarmos
naquela manhã. Quase nos atrasamos, mas acabou dando tudo
certo no fim.
Estava completamente apaixonada pelas minhas aulas e
muito satisfeita em ter escolhido literatura, acredito que não seria
boa em mais nada, caso tentasse. Queria conseguir compartilhar
isso melhor com meus pais, mas meu pai não entenderia muito bem
e minha mãe vivia num mundo muito particular dela. Aliás, ela era
um dos motivos por eu não querer de jeito nenhum me envolver com
artistas. Eles são muito metódicos, Deus me livre desse caos
ambulante que eles são.
A manhã foi arrastada e entre uma aula e outra esbarrava
com Hannah roubando selinhos dela.
No fim da primeira parte das aulas, agradeci por haver o
almoço em seguida. Estava abarrotada ainda de afazeres até
finalmente poder ir para casa no feriado de Ação de Graças. E nem
sabia se estava animada para isso.
Rever meus pais depois de quase 3 meses longe seria no
mínimo interessante, mas nem era isso que mais me preocupava.
Na verdade, como eu contaria a Donatello e Joselyn que eu estava
gostando de uma garota? Não é como se isso tivesse acontecido
antes. Quer dizer, já tinha beijado outras garotas, mas não precisei
contar isso a eles.
Que situação complicada. Era isso que era sair do armário?
Bufei frustrada comigo mesma. Como se fazia isso? Queria
gritar, mas ao invés disso, resolvi mandar uma mensagem para
Hannah, entretanto, não precisei. No caminho a encontrei perto do
refeitório.
E ela estava furiosa.
Sua expressão era dura e séria. Pela leve inclinação dos
seus lábios, sabia que a irritação estava a tomando além das
possibilidades, mas não entendia o porquê.
Havia uma garota com ela. Loira de cabelos chanel. Ela
falava algo que Hannah não estava gostando de ouvir. E eu não
estava gostando de vê-la naquela situação, por isso decidi me
aproximar. Han estava de costas para mim, por isso não viu eu me
aproximar.
— Não pode fazer isso para sempre — Han replicou com a
voz dolorida.
— Você me deve o que tem, sem mim, você não seria nada,
Hannah — a garota replicou e eu odiei cada palavra daquela frase.
Deveria interrompê-las?, pensei por um instante, mas era
óbvio que deveria.
— Ei, Han! — disse me colocando ao lado do banco em que
elas estavam. Deixei que o melhor sorriso preenchesse meus lábios
e ao me encarar, Hannah empalideceu e levantou-se rapidamente.
— Oi, quem é você? — encarei a loira, curiosa.
— É uma ex-integrante da fraternidade, ela já está de saída
— Hannah replicou determinada. Ela depositou um beijo em minha
bochecha e parou ao meu lado. Estava nervosa e era claro em
todos os mínimos movimentos do seu corpo. — Tchau.
Os olhos castanhos de Han se prenderam à garota, que o
sustentou por um instante, ainda séria, até que levantou-se e saiu
sem mais nem uma palavra proferida. Não entendia o que estava
acontecendo, mas definitivamente não gostava.
A garota afastou-se alguns bons metros até que Hannah
soltasse o ar de seus pulmões e jogasse no banco novamente. Seus
pés batiam no chão e ela passava as mãos pelo rosto procurando
algum alívio para o que passava em sua mente.
O problema era que ela não era a única a ter coisas se
passando em sua mente.
— Quem é ela? — questionei curiosa, mas com uma
pontinha de desconfiança. Não da sua fidelidade, mas da própria
segurança de Hannah, minha mente trabalhou em várias
possibilidades em poucos segundos e eu não gostava de nenhum
resultado.
— Ah, Mia… Mia Perry, minha ex-namorada. Ficamos juntas
por um ano antes de terminarmos no último verão — ela declarou
com toda a honestidade, o que eu agradeci, mas não
necessariamente morri de amores em saber. — Nós terminamos na
primeira semana de junho, faz algum tempo e, sinceramente, não
achava que a veria por aqui. Mia pediu transferência para Kardama,
o curso de marketing e publicidade deles é melhor, por isso não
estuda mais aqui.
Hannah estava sendo sincera e eu estava odiando. Por que
eu estava odiando?
Caminhei até me sentar ao lado dela. Respirei fundo tentando
não deixar minha mente ser uma cobra traiçoeira e me levar para
lugares impróprios, mas era impossível. Só haviam pensamentos de
merda me dominando naquele instante.
— E… Hm, e o que ela… O que fa-fazia aqui? — questionei
com toda a insegurança deixando transparecer.
Han me encarou com pesar e sorriu fraco.
— Ela veio me contar sobre Kardama, mas simplesmente não
consigo gostar de lá. Nada demais, nós não terminamos bem então
não nos falamos muito — ela comentou segurando minha mão. —
Não quero mais falar dela, por favor.
Assenti, mesmo não concordando completamente.
— Que tal irmos almoçar, coração? — Han questionou
carinhosamente, levando meus dedos até os seus lábios,
depositando um beijinho ali.
Não contive o sorriso carinhoso que me dominou.
— Ok, vamos almoçar…
Nos levantamos e fomos ao refeitório para ter o almoço mais
esquisito até então. Hannah parecia aérea e eu queria entender
melhor aquela história. Sabia que faltavam peças, porque as falas
das duas tinham sido esquisitas e Hannah parecia transtornada
quando a encontrei. Não gostei nada daquilo. E foi com esse
pensamento que fiquei o resto do dia.
Tudo piorou a noite quando Han não me retornou as
mensagens e nem as ligações. Sentia-me confusa sobre tudo o que
se passava na minha mente e no meio de lágrimas emotivas e sem
algum sentido palpável, dormi.
No dia seguinte, o mundo parecia mais lento.
Uma sensação estranha me dominava e eu estava odiando
cada segundo dela.
Fiz tudo no automático, me arrumei e nem me forcei a colocar
um sorriso muito bom no rosto. Luka tinha me visto mal na noite
anterior, então não precisava fingir.
— Ei, vou ver o North antes da aula… — ela comentou
terminando de ajeitar seu cabelo para fora do seu casaco amarelo
mostarda. — Nos vemos no almoço?
— Sim, claro.
Ela sorriu e saiu.
Queria só voltar para a cama, mas não podia.
Caminhei pelo campus como um zumbi e estava nem aí.
Acho que todos estavam meio assim na última semana, mas eu me
sentia especialmente horrível. Hannah não estava me contando
alguma coisa e eu não estava gostando daquilo.
A manhã seguiu assim. Não a encontrei para tomar café e
segui para a aula sozinha. Não prestei atenção em uma palavra do
que estava sendo dita durante as aulas, só estava de corpo
presente. Contudo, em um dado momento minha cabeça começou a
doer muito e por isso fugi da minha última aula do dia para ler perto
de uma das árvores do jardim. Sentei-me no banco e peguei uma
barrinha de cereal em uma das máquinas do campus.
Eu deveria ir para o quarto dormir, mesmo sabendo que as
aulas não se assistiriam sozinhas e muito menos meus trabalhos
seriam feitos, mas era impossível raciocinar direito com a dor que eu
estava sentindo. Ela estava me gerando até mau humor.
— Oi, posso me sentar? — ela me pegou desprevenida e
fiquei ainda mais zonza de dor.
Era a tal Mia, com um sorriso tímido nos lábios.
— O lugar é público… — repliquei dando de ombros.
Não me importava com a sua presença, ao menos queria
acreditar que não.
— O campus é enorme, nem me lembrava que cansava tanto
andar de um lugar para o outro — comentou, como se eu quisesse
ouvi-la. — Você é a nova amiga da Hannah, certo?
Eu ri com escárnio. Amiga?
— É dá pra se dizer que sim, somos amigas… — menti já
irritada.
Tentei manter meu olhar longe dela, mas quando sua próxima
pergunta chegou, foi impossível.
— E ela já te contou sobre mim?
Meus olhos queimavam em suas íris azuis. Deus, como eu
estava irritada. E como parecia que minha cabeça explodiria. Que
ódio.
— Hm, não… Deveria?
Mia riu.
— É um namoro de um ano, talvez seja relevante, mas acho
que ela já superou então — comentou a loira desviando seu olhar
de mim.
Não responda, minha mente repetia como um maldito mantra.
Contudo, minha boca não estava muito afim de ficar fechada.
— É, ela superou… — repliquei levantando.
— Tenho pena da pobre coitada. — Fechei os olhos por um
instante. Ela não iria por esse caminho, iria? — Digo, ela
provavelmente usou alguém pra isso. Hannah tenta ser uma boa
pessoa, mas no fundo não é. Nenhum relacionamento deveria ser
construído sobre mentiras, mas parece que isso é impossível pra
ela, sempre foi. Ela mente, engana, manipula… Deus — Sua voz
vacilou. Ela estava chorando? Fui obrigada a encará-la para me
certificar, e sim, haviam lágrimas em seus olhos. —, e até mesmo as
amigas dela a defendem como se ela estivesse certa em fazer
alguém que se preocupou tanto com ela, que cuidou tanto dela,
sentir-se um lixo.
Hannah fazendo alguém se sentir um lixo? Improvável para
não dizer impossível. Eu confiava nela, eu a conhecia.
E precisava sair dali.
Mia parecia disposta a me falar qualquer coisa que me
fizesse duvidar de Hannah e eu não queria ouvi-la.
— Tchau, Mia… — soprei fraco, saindo desnorteada.

Senti dois dedos me tocando, com calma e cuidado.


Abri os olhos e a luminosidade fraca do abajur do outro lado
do quarto deixou o ambiente agradável. Não demorou muito para
meus olhos encontrarem Hannah e ela estava acabada.
Visivelmente cansada, com olheiras e mais pálida que o normal.
— Oi… — ela soprou.
— Oi… Achei que não queria falar comigo.
Após voltar para o quarto mandei uma mensagem para ela,
avisei que a tal Mia veio falar comigo e que não gostei do que ouvi.
Ainda disse que queria falar com ela, mas não obtive uma resposta.
Minha cabeça estava doendo tanto que fui obrigada a tomar dois
Tylenol, o que resultou em um sono profundo durante a tarde.
Sabia que era de noite, porque luz nenhuma passava da
cortina e estava escuro demais o ambiente.
— Precisava pensar no que falar pra você — admitiu
levantando-se da cama.
O seu calor foi junto.
— Ela me falou que você a tratou feito lixo e que fazia isso
com suas namoradas — Han riu sem graça e claramente
entristecida.
— Como se chega a isso? — ela resmungou antes de virar-
se para mim novamente. — Eu e Mia não demos certo por inúmeros
motivos, mas o principal foi que ela achou que tem responsabilidade
a respeito do que eu faço ou deixo de fazer na minha vida. Acha que
lhe devo algo por ter me auxiliado.
Sentei-me na cama, deixando as cobertas nas minhas pernas
ainda.
— Precisa ser mais específica — comentei, pedi e quase
implorei naquela frase. Precisava das cartas dela na mesa, mas a
sua resposta me quebrou.
— Não posso. Só preciso que saiba que ela está errada.
Sorri com tristeza e me levantei. Não queria sair da cama e
ainda no fundo da minha mente sentia dor, mesmo assim a encarei.
— Como vou confiar que me diz a verdade se você se mostra
tão pouco? Quero fazer parte do seu mundo, Hannah, mas primeiro
precisa me deixar entrar — soprei procurando por suas mãos. As
alcancei, mas ela me escapou.
— Eu amo você, e preciso que confie em mim.
Meus ombros murcharam e eu voltei para cama. Não queria
ter aquela conversa. Não queria confiar cegamente em ninguém,
não faria isso nunca mais na minha vida, uma vez já bastava e o
erro foi grande demais.
Deitei-me e lhe dei as costas.
— Quando resolver me contar as coisas, estarei aqui… —
declarei voltando a fechar meus olhos com força, tentando impedir
que as lágrimas caíssem.
As memórias dos meus erros do passado voltaram a me
assombrar, enquanto Hannah deixava o meu quarto.
“Eu queria poder acordar com amnésia
E esquecer sobre as pequenas coisas estúpidas
Como a sensação de adormecer ao seu lado
E as memórias que eu nunca consigo escapar
Porque eu não estou nem um pouco bem”
— Amnesia, 5 Seconds Of Summer

Mais uma vez Mia estava pelo campus me atormentando. E


dessa vez conseguiu invadir a mente de Scar e plantar uma
semente maldita. Eu não queria odiá-la, mas ela se esforçava para
tal. Não devia nada a Mia, mas sua chantagem queria me dizer que
sim.
As últimas noites haviam sido um tormento. Não dormi direito
e ainda sentia Scar se afastando por motivos óbvios. Só que eu
simplesmente não conseguia contá-la a verdade. Contei a verdade a
Mia, e olha o pesadelo que virou a minha vida. Não estava disposta
a isso de novo.
Meus olhos procuravam por algo no teto do quarto, mas a
verdade é que meus demônios insistiam em me infernizar a mente.
Estava vivendo como um zumbi. Levantei da cama porque
Cheryl foi muito insistente. Com os cabelos sujos e presos em um
rabo de cavalo, fui para a aula apenas para ter presença. Durante
todo o dia não vi Scar e isso estava acabando comigo.
Eu a amava, isso não era uma dúvida em mim.
Agora eu poderia contar tudo? Ela permaneceria depois que
eu a contasse tudo?
Provavelmente a resposta era não.
Isso me fazia recorrer mais vezes ao cigarro por dia. Odiava
isso.
Evitei Tessa e seus questionamentos, fugi do meu irmão,
Luka e Cheryl. Não queria falar com eles. Acabei indo para o único
lugar onde se tem silêncio na universidade: a biblioteca e permaneci
ali durante todo o dia, com o celular desligado.
Não me concentrei em uma palavra que fosse do livro que
tinha escolhido para ler, mas fingi que sim.
Na volta para a fraternidade, à noite já, vi de longe Scarlet,
ela estava atrás do prédio do dormitório. Estava ao telefone, e
chorava. Chorava copiosamente, com as lágrimas cristalinas
escorrendo e molhando todo o seu rosto. Seu nariz deveria estar
vermelho e meu coração se partia com aquilo.
Eu queria esquecer a mágoa que Mia deixou em meu
coração, talvez assim fosse mais fácil eu permitir que Scarlet
soubesse de tudo, mas não era fácil ser traída de uma forma tão
baixa e ainda acreditar que aquilo não se repetiria.
Principalmente porque Scar já gostava de Medusa, ela a
conhecia e morria de medo da sua reação à verdade.
Quando dei por mim, estava chorando, no meio do campus, a
observando de longe.
“É, você pode dizer que sente falta de tudo o que tínhamos
Mas eu realmente não me importo com o quanto dói
Quando você me quebrou primeiro”
— You Broke Me First, Tate McRae

— Você lembra do que aconteceu no verão de 2014, certo?


— pergunto no telefone a Claire. A ligação não era das melhores,
mas pelo menos estava acontecendo longe do quarto. Não queria
Luka me ouvindo falar, principalmente porque ela era mais amiga de
Hannah do que minha. E nem merecia ouvir o que eu estava falando
com a minha melhor amiga.
— Sim, eu lembro, a sex tape… — Claire declarou com certo
receio do outro lado da linha.
Tales era o nome do babaca. Estávamos saindo há dois
meses e concordei em deixá-lo gravar enquanto transávamos. De
todos os meus casos, o com Tales definitivamente tinha sido o mais
intenso até Hannah chegar a minha vida. Eu gostava muito dele e
confiava nele, mas quando descobri sobre ele e Francesca, minha
ex melhor amiga, acabou que fiquei furiosa demais. Passei do
razoável e o agredi em uma festa, em resposta, ele vazou a sex
tape.
Por sermos menores de idade, meus pais conseguiram
conter tudo rapidamente, mas todos no colégio souberam. E a
maioria tinha conseguido ver algo antes da justiça agir.
Eu confiei nele. E porra eu confiava na garota que chamava
de amiga.
Confiava neles cegamente.
E depois disso prometi a mim mesma que isso nunca mais
voltaria a acontecer. Nunca mesmo. E a fodida sex tape era um
assunto que eu odiava voltar. Não falava dela, não a citava e fingia
que tinha sido um delírio meu o acontecido. Contudo a minha última
conversa com Hannah me lembrou daquela bosta.
Não poderia confiar nela cegamente. Não poderia confiar em
ninguém dessa forma.
— Isso… — confirmei. — Fui tão burra em deixar aquilo
acontecer.
— Scary, não sei se burra é bem a palavra. Você foi
enganada, traída, não foi burra. Nunca podemos achar que a culpa
dessas merdas são só nossas — minha amiga dizia. — Ok, talvez
nudes e sex tapes não sejam coisas inteligentes a se fazer, mas não
cabe a você a culpa.
Ri entre o choro.
— É, talvez você tenha razão…
— Tales foi um babaca, não você. Além do mais, tínhamos
dezesseis anos, ninguém é esperto aos dezesseis. — Quis rir e
chorar ao mesmo tempo. — O que essa Hannah fez?
Claire era sempre direta.
— Nada, só pediu que eu confiasse nela enquanto não me
conta algo que parece importante — respondi manhosa. — É
estúpida a minha reação, eu sei…
— Ei, não é não! Você tem direito de sentir o que quiser,
como quiser. E não é obrigada a confiar em alguém que não quer te
contar algo importante… Se estão juntas nessa, ela deveria
entender que estão juntas para tudo. Para os dias de sol e para as
tempestades.
Concordei com a cabeça, sem dizer nada, deixando algumas
lágrimas molhando meu rosto. Sentia-me horrível por estar naquele
estado, mas meu coração estava tão pequenino dentro do meu peito
que sinceramente não sabia o que fazer.
Hannah não queria contar o que quer que fosse? Ok, era um
direito dela.
Eu só não queria estar sofrendo feito uma cadela com isso.
— Queria ir falar com ela, mas não sei se consigo. Ela não
me disse nada em dois dias. — A insegurança me dominava e eu
odiava isso. Não combinava com quem eu era. E claro: Claire sabia
disso.
— Desde quando Scarlet McKee tem medo de algo? Vocês
claramente precisam conversar, não tenha medo disso.
Eu ri.
— Desde quando você tem tanto juízo?
— Não tenho, mas finjo bem.
— Ok, é justo…
— Scary, já pensou em voltar para a psicóloga?
Não, eu não tinha pensado. Talvez fosse isso que me
faltasse, conversar com alguém completamente de fora, que me
ajudasse a colocar as coisas em perspectiva novamente.
— Não tinha considerado isso, Clair.
— Então, talvez isso ajude. Tem um centro de saúde aí, né?!
— Assenti, só depois me lembrei que ela não estava vendo, e daí
confirmei verbalmente. — Ótimo, marque uma consulta, amiga.
Acho que vai te fazer bem. Você passou por muitas mudanças nos
últimos meses, vai ser bom colocar tudo o que precisa pra fora.
— É, acho que você tem razão…
A conversa com minha amiga que estava a um oceano de
distância foi de muita ajuda. Ao menos consegui desabafar. Quando
voltei ao quarto encontrei Luka e North deitados na cama dela,
apertados um no braço do outro conversando. Claro que a conversa
cessou quando entrei, mas só lancei um sorriso simplório a eles.
Peguei um outro casaco e caminhei de volta em direção a porta,
poderia passear e esfriar a cabeça para dar privacidade para eles.
Voltei para o lado de fora do corredor e respirei fundo.
Não queria mais chorar. Não aguentava mais chorar na
verdade.
E foi só por esse motivo que decidi que para o bem ou para o
mal, precisava resolver aquela história. A terapia teria que esperar
até o dia seguinte de qualquer forma, uma conversa com Hannah
não.
Meus passos estavam vacilantes.
Meus olhos ainda ardiam um bocado.
E meu coração parecia que explodiria em meu peito.
Mesmo assim continuei, achei que entraria na fraternidade e
seguiria até o quarto de Hannah e Cheryl, mas para a minha
surpresa, encontrei Hannah no jardim da frente, sentada junto a
uma das mesas que haviam ali, fumando. Parei no caminho de
cimento. Não tinha escolhido minhas palavras ainda, mas sabia que
algo precisava sair da minha boca logo, porque os olhos negros dela
me encontraram rápido demais.
Respirei fundo, reunindo tudo o que tinha de coragem e
disparei:
— Precisamos conversar, linda.
O sorriso debochado e triste que brotou em seus lábios me
fizeram sentir como se meu peito explodisse. Ela me enchia de
alegria na mesma proporção que me quebraria.
— Já disse tudo o que podia te dizer… — argumentou, dando
mais uma tragada em seu tubo de nicotina.
— Mentirosa! — A palavra saiu quase como uma acusação,
mas ainda tentava manter o bom humor naquela conversa.
Caminhei até ela, mas não ousei sentar. — Achei que o “eu te amo”
já deixasse explícito que estamos juntas nessa. Que pode confiar
em mim para tudo.
Hannah me encarou com um olhar vazio, sem esperança.
— Eu confio em você, e eu amo você, mas existem coisas
que precisamos resolver sozinhos — ela respondeu apagando seu
cigarro no cinzeiro que havia ali. — Vai para o seu quarto, me deixa
resolver minhas merdas e depois conversamos.
— Não posso confiar cegamente em você do jeito que está
me pedindo. Quero confiar em você e por Deus, eu confio, mas
preciso que me conte o restante das coisas, Hannah. Quem é Mia?
Por que ela é tão cruel a ponto de inventar uma mentira pesada
sobre você? Preciso que me conte!
Hannah encarou o céu, deixando suas mãos na cintura.
Procurando por um pouco de tempo para processar tudo, mas não
era ela que precisava se preparar, porque quem teve o coração
arrancado do peito fui eu, com suas palavras:
— Não confie em mim, só vá embora… Quando eu puder, te
conto, mas agora eu não posso, Scar.
As lágrimas voltaram a inundar meus olhos, escorrendo pelo
meu rosto. A decepção que senti ficou clara e Hannah também
estava doída, seus olhos brilhavam, mesmo no escuro da noite.
— Não me pede isso — soprei quase manhosa.
Hannah era a melhor coisa que eu havia tido em anos, não
era justo seu pedido.
Ela soltou o ar com pesar, deixando a primeira lágrima
escorrendo pelo seu rosto. Seus passos venceram a distância entre
nós e ela me puxou para um abraço recheado de medo.
— Eu preciso estar sozinha agora, me desculpa — ela soprou
contra mim. — Não espero que entenda.
— Hannah…
— Por favor, eu preciso resolver as coisas e preciso fazer
isso sozinha.
Funguei encarando-a perto demais. Queria beijar ela, queria
beijá-la até esquecer todos esses sentimentos fodidos. Até
esquecermos dos nossos problemas, até que ela pudesse me
contar que merda estava acontecendo. Contudo, a única coisa que
eu fiz foi me afastar.
Dei um passo para trás e senti-me enfurecida por sequer ter
forças para insistir.
Não iria confiar cegamente, relacionamento não é sobre isso.
Mas confiaria que a distância momentânea era necessária e que
acabaria logo.
Com várias palavras emboladas no choro, deixei-a ali, no
gramado, saindo correndo de volta para o meu dormitório, sentindo
meu coração destroçado, porque desde o primeiro dia aquele
maldito não era mais meu. Ele só batia por ela e agora estava sendo
privado disso.
A ouvi chorando e só consegui chorar mais a cada passo
largo que dava para longe.
“Porque eu estou farta de perder almas gêmeas
Então, onde é que vamos começar?
Eu posso finalmente ver
Você é tão fodido quanto eu
Então, como vamos ganhar?”
— Sick Of Losing Soulmates, Dodie Clark

Eu estava certa, ela partiu o meu coração. E nem era a sua


culpa, era minha. Scarlet tinha acatado o que eu havia pedido,
afastou-se, me deu o espaço para que eu resolvesse os meus
problemas. Agora, a vida voltava a ser automática novamente. Sem
graça. Os dias sem ela por perto eram cinzas e feios.
E o pior era que eu, melhor do que qualquer pessoa, odiava o
drama, mesmo o escrevendo e sendo um pouco dramática. Eu
simplesmente odiava as problemáticas que surgiam por simples
falta de diálogo. E mesmo assim, eu criei uma fodida problemática
entre eu e a mulher que eu amo pela tal da falta de palavras.
Eu me sentia um lixo.
Um lixão.
Pior, um fodido lixo que nem pra reciclar servia.
Porra!
Enfiei o mesmo no travesseiro e gritei.
As lágrimas voltaram a escorrer, mas dessa vez com mais
ódio do que tristeza. Precisava me resolver com Mia, essa história
tinha passado de todos os limites porque eu tinha falhado e feio em
impor os mesmos num primeiro momento. Mia me ajudou? Sim, e
foi de bom grado, agora o que ela fazia era pura chantagem e isso
era horrível.
Sentei-me na cama e encarei Cheryl na porta do banheiro,
pronta para sair para as suas aulas, mas com a feição de
preocupação clara em seu rosto.
— Eu estou bem. — Aquilo era uma mentira e minha amiga
sabia. Meu rosto estava inchado e sentia meus olhos pequenos
demais. Tudo culpa do choro excessivo.
— Han, para… — minha amiga pediu aproximando-se da
cama. Não era como se eu tivesse forças para impedi-la, me sentia
uma gata manhosa e porra, o colo de Cher era sempre o melhor.
Ela sentou-se e eu deixei minha cabeça sobre o travesseiro
em cima de suas coxas. Ainda respirava ofegante e de forma
entrecortada.
— Você a ama e não pode prever o que vai acontecer, tem
que acreditar que ela fará o melhor com tudo o que entregar a ela…
— minha amiga dizia enquanto passava seus dedos em meus
cabelos, me fazendo um cafuné gentil.
— Preciso que Mia pare primeiro — declarei, quase
convencida do que eu estava falando, mas me arrependi no
momento seguinte porque a porta do nosso quarto foi aberta com
certa brutalidade, dando espaço para o meu irmão.
E John estava puto.
— O que Mia fez? — Ele praticamente rosnou.
Levantei-me da cama e o encarei. Cheryl também levantou-
se indo até o namorado e colocando as mãos em seu peitoral, na
tentativa de acalmá-lo. John em sua melhor versão de cão protetor,
se postou dentro do nosso quarto, mesmo sabendo que esse cão
latia ao mesmo tempo que chorava de medo.
— Nada de novo, mas preciso colocar um basta nessa
história — respondi cruzando meus braços. — Estou cansada de ter
medo.
— Medusa era para ser a porra do seu sonho, não um
pesadelo, tem noção disso?! — ele disparou, ainda irritadiço.
— Eu sei, John, não precisa me relembrar dessas merdas!
Ele não fazia por mal e eu sabia, meu irmãozinho só queria
me proteger, mas ele tinha um defeito horrível que era saber
exatamente como me machucar com as palavras quando queria me
fazer enxergar a razão. Quando nossos pais morreram, ele
desenvolveu isso. Vivia jogando na minha cara que não era sua
mãe e que a nossa estava morta. Quis socá-lo muitos dias durante
nossa adolescência. Depois se prostrou no papel de homem da
família e por Deus, essa fase foi insuportável. Quis matá-lo nessa
época. E no auge dos seus vinte e dois anos entendeu que era o
meu irmãozinho, mesmo tendo vários centímetros a mais de altura e
sendo uma montanha de músculos, sempre seria o meu irmão mais
novo. O meu caçulinha, e cabia a nós nos protegermos de forma
mútua.
— Tá sendo babaca — alertei-o.
Meu irmão tinha esse costume às vezes, mas tinha a
qualidade de me ouvir quando era importante, como naquele
momento. Ou eu achava isso.
— Não, Hannah, eu to sendo realista! — retrucou com ódio,
aumentando o tom de voz. — Ela tornou a sua vida nisso e você
nem consegue seguir em frente. Isso tá errado em tantos graus que
porra!
Esse era o maior problema de se ter irmãos. Eles te
conheciam como ninguém, por isso sabiam exatamente onde
cutucar na hora de machucar a ferida. E ele nem fazia por mal, era
automático.
— Deveria processar essa garota, já deu o circo que ela
armou — ele adicionou enquanto Cher pedia que ele se acalmasse.
— Eu sei me cuidar, John.
— Não, você claramente não sabe! — ele reclamou abrindo
seus braços, gesticulando nervoso. — Não aguento mais ver você
desse jeito, você não reage mais, Hannah. Só apanha e apanha.
Não sei o que ela fez dessa vez, mas Mia está errada. E você
merece viver sem medo do mundo ao seu redor.
— Eu estou tentando, John! — repliquei levantando o meu
tom de voz, deixando mais lágrimas enchendo meus olhos. — Eu
juro que estou tentando porra, mas é a merda do meu problema,
deixa que eu resolvo.
Ele tinha odiado a minha resposta e eu sabia. A fúria em seus
olhos estava contida, mas suas palavras seguintes não me
pouparam:
— Ok, faz o que quiser, mas ficar chorando pela Mia é a
maior cagada que você poderia fazer na sua vida. Isso é patético! —
Ele simplesmente me deu as costas e saiu. Cher, dividida, me
encarou em puro desespero.
Eu chorava copiosamente.
— E-eu v-v-vou fica b-bem… — soprei, nervosa. Cher me
encarou e veio na minha direção, mas neguei. — V-vai atrás d-de-
dele, sério, v-vai.
E com dúvida ainda presa ao seu olhar minha amiga seguiu
para fora do quarto, chamando por John no corredor.
Voltei a me jogar na cama. Agarrei o travesseiro e deixei que
as lágrimas o molhassem.
Respirei fundo algumas vezes, mas porra, precisava sair dali.
Minha cabeça estava doendo, mesmo assim sentia necessidade de
ir pra longe, ficar sozinha e pensar.
Um cigarro no meio do caminho seria bom.
Peguei minhas coisas e a chave do carro. Limpei meu rosto
como deu no banheiro e peguei o primeiro casaco que consegui. O
sol despontava no horizonte, logo anoiteceria, mas não estava
preocupada com isso. Saí para o corredor e passei pelas garotas,
atraindo seus olhares curiosos para mim.
— Hannah? — Tessa foi quem me chamou, mas ignorei. —
Hannah, eu to falando com você!
— Agora não, Tess! — respondi o mais determinada que
consegui.
Me enfiei dentro do carro e dei partida no motor vendo Tessa
vindo atrás de mim. Por Deus, ela poderia ser um pouquinho menos
controladora.
Manobrei o carro e saí da garagem cantando pneu. Aquilo
provavelmente deixaria marca no chão e Tessa ficaria muito irritada,
mas não ligava. Não naquele momento.
Meu coração estava despedaçado por ter que afastar Scarlet
e eu ainda tinha um ódio fodido de Mia.
Saí do campus caindo na pequena estrada até a parte
principal de Wolfsview. Estava nervosa ainda. Odiava brigar com
John, esse tipo de coisa estava no topo da lista de coisas que
odiava. Ele era meu irmão, então obviamente nos desentendemos,
relação de irmão nunca é só flores, mas mesmo sabendo disso, não
tornava a realidade melhor quando acontecia.
Acelerei na estrada principal, só para acompanhar o fluxo de
carro e ainda sim as lágrimas escorriam pelo meu rosto.

— Medusa Wheeler é a minha namorada? Uau, isso é sexy


em algum nível, Hanny — Mia soprou contra minha pele. — As
cenas de sexo que você escreve… gosto daquela em que elas
estão na sala de aula, e alguém pode chegar a qualquer momento.
Eu ri, encarando-a em puro desafio.
Era mais ou menos como estávamos naquele momento.
— Aquilo era um risco enorme, você sabe disso, e aqui é pior
ainda.
— Mas nada me impede de te dar uns pegas… — debochou
selando seus lábios aos meus.

Meu coração estava ensandecido dentro do meu peito e as


lágrimas embaçavam tudo. Minhas mãos tremiam no volante por
conta das fodidas memórias que voltavam a me atormentar. De
repente uma luz forte invadiu minha visão, me fazendo voltar a
realidade. Meus pais vieram à minha mente e a única reação que
tive foi jogar o carro para o acostamento enquanto uma longa buzina
ressoava do lado de fora.
Freei o carro com força, sentindo meu corpo já mole.
As lágrimas ainda escorriam, mas estava mais em choque do
que temerosa ou entristecida.
Meus braços caíram no banco e eu deixei o banco ser um
conforto por um instante.
Eu quase bati o carro.
Eu nem deveria estar na porra do carro.
Meu Deus.
Fechei os olhos com força e as quatro pessoas que vieram à
minha mente foram meus pais, meu irmão e minha avó.
John não se recuperaria de mais um acidente desses. Ele me
odiaria para além da morte, na eternidade da existência da sua
alma. Eu tinha certeza.
Meu coração apertou-se em meu peito e por um instante a
minha vida parecia não ter sentido nenhum porque eu deixei que os
outros a controlassem. Eu precisava retomar as rédeas das coisas
de maneira urgente.
Sentindo a raiva e a angústia preenchendo o meu ser, agarrei
a minha bolsa. Peguei meu celular e liguei para aquele maldito
número, esperando que, pela primeira vez, ela não tivesse mudado.
Para a minha sorte, continuava o mesmo.
— Alô?! — Seu tom era de deboche. Ela sabia quem era,
duvido que não tivesse meu número salvo.
— Oi, Mia. Precisamos conversar, agora.
— Hm, não sei se é uma boa ideia…
— Não estou com paciência e pior, quase sofri um acidente,
precisamos resolver nossas merdas, Mia — declarei sendo
extremamente honesta. — Não aguento mais implorar para ter a
minha vida de volta.
Recebi alguns longos segundos de silêncio, sabia que não
tinha desligado porque ainda respirava contra o telefone. Foram
segundos angustiantes.
— Ok, estou ficando no Torrence Hotel, vou te esperar no bar.
Desliguei a ligação.
Estava nervosa, irritada e exausta. Não era como se pudesse
escolher ficar assim ou não, simplesmente estava e não havia o que
fazer a respeito. Meu coração esmurrava minha caixa toráxica como
um boxeador em seu treino dando vários socos em sequência.
Pessoas com bom senso já deveriam ter buscado ajuda psicológica.
Principalmente diante de tudo o que tinha acontecido, mas eu preferi
não fazer isso. Não porque não acreditasse em terapia, muito pelo
contrário, foi isso que ajudou a mim e ao meu irmão a superarmos a
morte dos nossos pais, mas eu acreditava que alguns problemas
nós deveríamos tentar, ao menos, resolver sozinhos. Meu poço sem
fim de tristeza por conta de Mia era um exemplo. Claramente estava
falhando, e talvez realmente precisasse marcar uma consulta.
Precisava colocar tanta coisa para fora… Até porque a situação toda
em que me enfiei foi péssima.
Por ora, precisava me acalmar para pelo menos chegar até o
centro de Wolfsview, no Torrence Hotel.
Respirações profundas, procurando pela tranquilidade.
Retoque de maquiagem e só alguns minutos depois dei partida
novamente no carro.
Um pouco mais calma, consegui chegar ao meu destino.
Sentia o rosto quente e vermelho, meus olhos deveriam estar um
pouco inchados também, mas não poderia fazer milagres. Tinha
passado os últimos dias só chorando.
Deixei o carro com o chofer e entrei no grande hall. Segui até
o bar e meus olhos rapidamente captaram a dona dos cabelos loiros
sozinha sentada no bar.
Tirei meu casaco e o deixei na entrada, passando por
algumas pessoas que conversavam por mesas no meio do caminho.
Joguei meu corpo ao seu lado, sem encará-la tão de perto.
— Me veja um copo de água e outro de uísque com gelo —
pedi ao bartender.
— Você está dirigindo — Mia alertou-me, mas sem me
encarar.
Sorri com tristeza e ódio.
— Não enche — rosnei, finalmente a encarando. — Quero
minha vida de volta, como vamos resolver isso?
Seus olhos azuis desceram por mim e ela deu mais um gole
na sua cerveja.
— Medusa foi feita por nós duas… — Mia começou e eu já
quis socá-la.
— Uma merda que foi! — Bati no balcão, mas falei baixo. —
Eu sou Medusa, ponto final.
— E quem te ajudou a colocar os livros nos melhores
rankings? — ela questionou com algo que me pareceu ser mágoa.
— Eu fiz todo o plano de divulgação dos livros e coloquei seus livros
onde eles estão, no conhecimento completo do público.
Eu ri, sem graça.
— E eu já te paguei por isso, mas meu legado é algo
particular. Eu sou Medusa Wheeler, eu sou a autora e essa história
acaba aqui — declarei com uma calma que nem sabia que poderia
ter naquele momento. — Eu amei você, mas claramente não
poderíamos dar certo, Mia. Somos muito diferentes, eu acredito no
que é justo e você é egoísta o suficiente para sequer se importar
com os outros.
Ela tinha lágrimas presas nos olhos.
— Eu não sou assim…
Desde que terminamos, não via isso acontecendo.
— Não preciso que me diga quem é, Mia. Eu vejo isso nas
suas atitudes. O que você tem feito foi me ameaçar — repliquei.
A decisão partiu dela, ela disse para terminarmos depois de
uma briga muito séria, e eu concordei. Olhando para trás, acho que
ela nunca esperou que eu concordasse, por isso vieram todas as
outras merdas.
Nós duas estávamos feridas.
— Eu sinto muito que não tivemos um futuro, mas você é
brilhante no que faz.
— Claro que sou — ela replicou com a voz embargada. —
Você me machucou muito quando terminamos Hanny, eu…
— Nada estava certo, nenhuma de nós tem completa razão.
E essa era a mais pura verdade.
Eu não deveria ter deixado que ela me ajudasse tanto e nem
gritado quando terminamos, mas ela não deveria passar seis meses
ameaçando me expor e extorquindo meu dinheiro.
— Você tá feliz com a sua nova amiga? — Sua pergunta me
pegou desprevenida. — Vi como olha pra ela, está apaixonada.
Tomei um gole do uísque e senti-o me rasgando por dentro.
— Não vou falar sobre ela com você.
Mia sorriu, doída.
Magoada.
— Eu entendo.
O silêncio nos engoliu. Apenas as conversas das outras
mesas eram presentes, além do tilintar do vidro em nossas mãos.
Um pequeno filme passou pela minha mente. Mia estava
magoada e me traiu da pior maneira, ameaçando o meu maior
segredo. O meu maior sonho. Ela tinha direito de ficar irritada, mas
nunca de fazer o que fez.
E ela sabia.
Respirei fundo.
— Chega, preciso da minha vida…
Ela assentiu, com algumas lágrimas escorrendo sutilmente
pelo seu rosto.
— É sério!
— Eu sei! — ela respondeu me encarando com pesar. — Não
vou mais te ameaçar, ou te pedir dinheiro. Mas vai ter que confiar
em mim, porque não posso fazer uma lavagem cerebral e
simplesmente esquecer que é Medusa.
Odiava que ela tivesse razão.
E odiava ainda mais que aquela era a única opção.
— Estou em Kardama por agora, mas devo seguir para São
Francisco nas próximas semanas, não vai mais ouvir falar de mim
— ela comentou enquanto esperava que aquela informação me
tranquilizasse, mas não surtiu muito efeito.
Infelizmente, o que me restava era concordar.
Ela já tinha pego dinheiro o suficiente de Medusa, agora
poderia ficar longe pelo resto da minha vida.
— Ok. — Foi a única coisa que consegui responder. Dei um
longo gole no meu copo ouvindo sua respiração ao meu lado.
— Queria que as coisas tivessem sido diferentes.
— Eu também, Mia.
— Queria não ter sido uma bruxa má na sua vida, mas…
Bem, já está feito. Sei dos seus méritos e sei que de uma forma ou
outra nossas diferenças já foram resolvidas, mas ainda sim penso: a
gente poderia ter funcionado?
Virei-me e encarei-a.
Ela estava manhosa, chorosa.
— Não, infelizmente não. — Ela anuiu. Levantou-se, deixou
uma nota de cinquenta dólares no balcão e inclinou-se em minha
direção, depositando um beijo em minha bochecha. — Adeus,
Hanny.
Um suspiro pesaroso me deixou quando aquele apelido saiu
de seus lábios. Nem lembrava mais do que era ela me chamando
assim.
— Adeus, Mia.

Estava de madrugada e era dia de semana, levaria uma


bronca de Tessa se alguém me pegasse chegando aquela hora.
Dava passos lentos e os mais suaves possíveis.
Consegui chegar ao meu quarto e me surpreendi ao
encontrar Cher dormindo ali.
Meu celular estava desligado, sem bateria, mas tinha certeza
que haviam ligações perdidas da ruiva e de Luka. Coloquei-o no
carregador e sentei na cama para tirar meus sapatos.
Estava um pouco bêbada e extremamente cansada.
Tive que vir numa velocidade ridiculamente baixa para evitar
um acidente e mesmo assim, sabia plenamente que havia feito
errado, mas nem por um caralho que deixaria meu carro no hotel,
teria que pagar muito caro no estacionamento deles. Isso era
irresponsável? Sim, mas agora a cagada já estava feita.
Deitei na cama de roupa e tudo e só puxei uma manta da
ponta da cama, a colocando sobre meu corpo. O sono veio com
tudo, me apagando completamente, me dando uma noite de sono
sem pesadelos. A primeira em longos meses.
Acordei sentindo calor, mesmo sabendo que estava frio fora
das cobertas. O outono trazia não só muitas folhas no chão, mas o
clima mais gelado também, e isso vinha se estendendo a dias
nublados, mas naquele dia, notei o sol estampado no céu da
Califórnia.
Remexi meu corpo, sentindo-o dolorido. Tensão e estresse
causam isso.
— Acordou… — Cher cantarolou, só então notei ela sentada
em sua escrivaninha. — Fiquei preocupada, não atendeu a gente
ontem e simplesmente sumiu.
— Desculpa — resmunguei, me sentando, notando as
cobertas mais pesadas sobre o meu corpo. Cheryl era um anjo, eu
não merecia a amiga que eu tinha.
— E aí, onde foi? O que fez?
Ela não parecia com paciência ou feliz. Na verdade, minha
amiga parecia bem cansada e eu me odiei um instante por saber
que tinha culpa naquilo.
— Fui falar com Mia, resolvi os problemas.
Ela assentiu.
— Resolveu de fato?
— Sim, Cheryl! Jesus.
Virei-me na cama, enfiando a cara no travesseiro. Ela estava
puta, e não tirava a sua razão, mas não iria testar os limites naquele
momento. Não lidaria com isso. Minha ressaca e a dor de cabeça
infernal não me permitiriam isso. Precisava de mais boas horas de
sono para que o meu mau humor não ficasse tão escrachado.
Contudo, não tinha esse tempo, tinha que ir pra aula.
Fiquei quieta mais alguns poucos minutos até que Cher saiu
sem dizer uma única palavra, e só então levantei da minha cama
para tomar uma ducha antes de ir lidar com as minhas
responsabilidades.
Meus olhos ainda ardiam, mas já não sabia se era do sono
pelas poucas horas dormidas, ou pelo choro excessivo.
Provavelmente era a combinação perfeita das duas situações.
Saí do banheiro já pronta para enfrentar o dia, ou quase isso.
— Deveria acabar com o anonimato. — A voz de Luka me fez
dar um salto. Encarei-a com os olhos esbugalhados, mas não disse
nada, esperando que ela terminasse o raciocínio. — Medusa é seu
sonho, ok, todos sabemos disso, Han, mas sabe o que é um sonho
maior ainda? A felicidade, a paz e que você continue a escrever.
Sorri fraco.
— Não posso deixar de ser Medusa, mataria a minha avó do
coração — comentei sendo honesta. Acho que o mais honesta que
fui em anos em relação aquilo.
— Han, você nunca teve um namorado, nunca apresentou
um cara pra ela, mesmo gostando de caras pelo meio do caminho.
Você não acha que ela já não sabe? — A pergunta de Luka não era
explícita, mas eu sabia ao que ela se referia. Só não tinha certeza
se sabia mesmo a resposta. — Se tem uma coisa que você não é
Hannah Young, é covarde.
Eu ri fraco e sentei-me na cama, calçando os sapatos. Minha
amiga caminhou até mim e sentou-se ao meu lado.
Luka sempre gostou de cores vibrantes, mas naquele dia
tinha se superado no rosa. Se Tessa a visse, era capaz de convidá-
la para se juntar à fraternidade. Sorri sozinha com a possibilidade.
— Não sou covarde mesmo… — confirmei. — Mas esse tipo
de notícia nós damos pessoalmente.
Ela concordou.
Inclinei-me e depositei um beijo em sua bochecha.
— Obrigada.
— De nada, sua chata.
Foi impossível não abraçá-la. Luka e Cheryl eram as
melhores!
Falando na ruiva, precisaria me acertar com ela depois, mas
por ora, aceitei o convite de Luka para irmos pegar juntas um café
antes da aula.
Durante o caminho, não me aguentei e perguntei pela
Scarlet. Não queria ter mandado ela embora no outro dia, mas
estava um poço de bagunça, ela não merecia estar cercada disso.
Precisava me resolver e precisava decidir se contaria a ela o meu
maior segredo. Algo que entre meus minutos no carro, de volta para
a fraternidade, decidi que sim, a contaria tudo.
— Ela chorou muito esses últimos dias, quis matar você um
pouco por isso, porque Scar é incrível — Luka começou dizendo. —
Mas sou sua amiga, conheço a sua versão, vou estar do seu lado
sempre.
Assenti.
— Conserte as coisas com ela. Tenho certeza que quando
ela entender tudo, vai te perdoar.
Pensar nisso deixava meu coração pequeno e apertado em
meu peito. Tudo o que eu mais queria era ter Scar por perto. Estava
completamente rendida por aquela mulher. A amava demais. Ela era
doce e cítrica na mesma proporção que eu era, nossa sinergia era
única. Estava apaixonada e a queria na minha vida por muito tempo
ainda. Se duvidasse, a queria para sempre.
— Você me perdoaria? — perguntei a minha amiga,
buscando por uma resposta sincera.
— Não — ela respondeu. — Talvez se cantasse I Love You,
como Heath Leadger eu pensasse sobre, mas definitivamente você
penaria na minha mão, Han.
Meu riso divertido escapou. Há dias isso não acontecia.
— Oucth, você é ruim demais, Luka.
— Não guardo mágoas, mas não esqueço também, só isso
— ela declarou com calma, e fiquei puta de ter que concordar que
ela tinha razão. Pior que isso era saber que eu era igualzinha.
Depois do café, fomos obrigadas a seguirmos para as nossas
aulas. Eu dormi nas duas primeiras, mas durante a aula da
professora Silveira, me obriguei a não piscar de forma muito longa.
Precisava passar para o programa de mestrado daquela mulher e
não poderia nem cogitar tirar uma soneca na sua aula.
Quando a aula terminou, peguei meu caderno, que dessa
vez, não tinha nada anotado, e o enfiei na bolsa. Levantei-me e
estava caminhando para a porta, quando uma dúvida muito séria me
agarrou.
Voltei, indo até a professora.
Não sabia como abordar aquilo, mas a verdade é que as
palavras de Luka estavam em minha mente. Medusa talvez não
fosse o meu real sonho, ela foi a minha chance, mas o meu sonho
era outro.
— Srta. Young, vi que estava distraída hoje — a professora
comentou quando os outros alunos deixaram a sala, me puxando
para a realidade.
— Foram poucas horas de sono, mas prometo estar mais
atenta na próxima aula.
— Assim espero. — Ela sorriu de forma acolhedora. — No
que posso te ajudar, Hannah?
— Professora, veja, numa situação hipotética, alguém que
faça o que ama, mas as pessoas não sabem que é ela… Como lidar
com a vida acadêmica e essa outra coisa?
Os olhos castanhos de Silveira me miraram com uma dúvida
latente.
— Não tenho certeza se sei a resposta para essa sua
pergunta. Ela é muito vaga.
Respirei fundo, tentando reunir coragem para explicá-la
melhor.
— Veja, vamos supor que uma pessoa…
— Hannah — ela me interrompeu. — Veja — Suas mãos
foram para frente do seu corpo, gesticulando enquanto falava. —, se
uma pessoa faz o que ama, e faz bem feito, recebendo por isso,
porque, convenhamos, a idealização do trabalho não leva ninguém
a lugar nenhum… Mas se a pessoa paga as contas fazendo o que
ama, porque ela iria querer fazer outra coisa?
— Por que ela pode ter outros interesses também?! —
declarei de forma quase óbvia.
— Certo, e ela pode ter.
— Ok… Mas ser guru espiritual e advogado ao mesmo tempo
não é uma opção, as pessoas não vão te levar a sério o suficiente.
— Não tinha mais ideia do que eu estava falando, só não queria
contar sobre Medusa exatamente.
— Não há nada errado em fazer os dois, mas precisamos
entender que o mundo é cruel, porque as pessoas são cruéis.
Assenti.
— Se você quer a vida acadêmica, essa outra coisa que você
gosta, provavelmente ficará em segundo plano eventualmente. Isso
daqui exige muito de nós — disse apontando ao redor, para a sala.
— Você ainda tem algumas semanas para se inscrever no
programa, saiba onde seu coração está. É uma decisão importante,
mas não é uma decisão que não tem volta, sempre podemos tomar
novos rumos.
“Eu estou curiosa sobre você
Atraiu minha atenção
Eu beijei uma garota e gostei”
— I Kissed a Girl, Katy Perry

A sala da psicóloga era fria, mas saí de lá com a alma mais


tranquila. Precisava realmente falar com alguém e foi bom ter
acesso a isso na faculdade sem custo algum. Claro que uma
conversa não resolveria completamente o caos que eu sentia dentro
do meu peito, mas ajudou a aliviá-lo. O resto da semana se
arrastava para passar, sabia que no fim dela embarcaria para Nova
Iorque ver meus pais, mas nem isso me animava mais. Estava com
muita saudade deles, é verdade, contudo a briga com Hannah
estava me deixando frustrada comigo mesma. Já estava nervosa
por contar a eles que estava apaixonada por uma garota, agora
contar que estou apaixonada por uma garota com a qual nem estou
junto, seria o desastre perfeito. Não tinha ideia de como eles
poderiam reagir e isso me deixava angustiada também.
Luka estava lidando com as coisas da sua vida,
provavelmente estudando ou com North enquanto eu estava largada
na minha cama tentando me concentrar na leitura de um livro, mas
minha mente estava cheia demais. Era impossível não pensar em
Hannah e a maneira como tudo aconteceu. Não conseguia entender
como fomos do “eu te amo” até o “se afaste” em um período de
tempo tão curto.
Desisti até de contar a Claire como as coisas estavam,
porque simplesmente não queria ter que lidar com minha amiga
ficando irritada pela forma como Hannah tratou tudo.
Fechei o livro e levantei da cama.
Peguei meu celular, que até então estava deixando bem
longe de mim por uma questão de segurança mental e
automaticamente abri a conversa com Hannah. Não deveria, mas
meus dedos coçaram para enviá-la algo.
Escrevi e apaguei.
Olhei tempo demais para aquilo, que só parei quando a tela
me mostrou a foto da minha mãe. Ela estava me ligando.
Uma parte minha ficava feliz com isso e a outra surpresa por
ela ter arranjado tempo para isso.
— Alô?!
— Scarlet, querida, esqueceu de seus pais? Nem uma
ligação para mim em dois meses, que tipo de filha faz isso? — Seu
tom era bom humorado e suave.
Sorri fraco. Essa a minha mãe, a pessoa que estava sempre
com uma áurea calma.
— Desculpa, estava tudo uma loucura aqui na faculdade… —
comentei tentando acalmar o coração da Sra. Jocelyn Carter-McKee
— Não precisa pedir desculpas, mas até com seu pai você
falou e comigo não, quase me senti ofendida — brincou e ouvi um
rangido no fundo. Ela estava em seu estúdio, tinha certeza porque
só a sua cadeira velha que fazia aquele barulhinho irritante ao
fundo. — Como estão as coisas na Califórnia, querida?
Respirei fundo.
Como estavam as coisas? Uma merda!
Senti um bolo formando-se em minha garganta. Queria contá-
la tudo, ao mesmo tempo que não queria contar nada.
— Ah… corridas — respondi quase monosilábicas.
A boca do meu estômago apertou-se e senti os olhos sendo
tomados por lágrimas.
— Scary, filha… Você está chorando?
Sim, eu estava. Porra!
— É alergia, mãe.
— Você pode mentir para todo mundo, mas não pra mim —
ela replicou. — O que houve, Scarlet?
Havia jeito fácil de dizer essas coisas?
— Só quero ir para casa no feriado, mãe… — repliquei
deixando que algumas lágrimas escorressem. — Só isso.
Poderia imaginar a cara de desconfiança da minha mãe.
Seus cabelos loiros e os olhos castanhos encarando a parede. A
expressão séria, com uma pequena ruga no canto dos olhos e a
boca inclinada para baixo quase como um bulldog. Conseguia vê-la
assim na minha mente. Era sempre assim quando ela voltava ao
mundo real depois de criar suas artes, ela ficava desconfiada e
pensativa. Seu senso de proteção aflorava e o seu carinho se
tornava interminável comigo e com papai. Sempre que ela fazia isso
eram semanas de jantares sofisticados, viagens privadas dos dois e
demonstração de amor sem medida, tudo para compensar os dias
que ficava isolada em seu estúdio. Aqueles que mal trocava três ou
quatro palavras conosco.
Ela era excêntrica, não havia como negar, mas ainda era a
melhor mãe que eu poderia querer.
— Ok, então, vou marcar a passagem assim que
desligarmos. Tudo bem?
Anui, e depois confirmei em voz alta.
— Sim, tudo bem. Vou esperar…
Ela suspirou.
— Tem certeza que está bem, Scar? Fico preocupada com
você do outro lado do país, sozinha, filha. — Ela não se aguentava.
— Queria que tivesse escolhido uma universidade mais perto,
querida. Sinto tanto a sua falta, de ouvir você no seu quarto ou
quando almoçávamos juntas.
— Também sinto falta de vocês, mãe — fui sincera. — Mas
adoro Wolfsview, é sério. Eu só… São momentos difíceis. Muitas
mudanças juntas acho, não sei.
Minha mãe parou por um instante, antes de perguntar:
— Ok, e qual o nome dele?
Eu ri. Não queria falar sobre aquilo.
— Mãe, não…
— Conheço a minha filha, então pode começar a me dizer,
qual o nome dele? — insistiu. — Por favor, só me diga que não é
mais um garoto que tenha o nome que comece com T, se não juro
que te interno dessa vez, Scarlet Reed McKee.
Soltei uma risada anasalada. Minha mãe conseguia
transformar aquilo em algo leve e eu a amava por isso, mesmo
assim, me sentia insegura em dizer que era bissexual pelo celular.
Nós nunca tínhamos conversado sobre o assunto. E eu nunca
demonstrei nada na frente deles.
Quando se é adolescente e beija uma menina, o primeiro
pensamento é “ok, isso foi legal, mas eu ainda gosto de meninos,
certo?” e depois piora, porque você sabe que gosta de meninos,
mas gosta muito de meninas também. E porra, isso pode ser bem
confuso em um primeiro momento. “Será que eu não gosto só de
mulher e gosto de homens por uma construção social?”, foi uma das
minhas dúvidas durante a minha descoberta, até que eu entendi:
“Ok, eu gosto dos dois, isso é possível e eu não sou uma aberração
por isso. Tem até um nome para o que sou, olha que incrível!”. Mas
a verdade é que todo o conceito de sair do armário ainda me
apavorava quando se direcionava aos meus pais.
Eles tinham amigos LGBTs? Sim, mas eu não era amiga
deles, era filha deles e sabe Deus como eles poderiam reagir a isso.
As coisas sempre podem ser diferentes quando se é muito próximo.
— Hm, é… Podemos conversar quando chegar em Nova
Iorque?! — questionei insegura.
— Tem certeza? — mamãe insistiu com um tom claro de
preocupação.
— É que mãe… — Suspirei, frustrada. As palavras estavam
na ponta da minha língua. Pareciam que queimavam a minha boca,
mas não a deixavam. — Essa pessoa… É-é… É que…
— É ela? — minha mãe cortou a minha fala.
Deixei um sopro pesado me escapar e comecei a chorar
como uma criança.
— Scarlet, pelo amor de Deus, não chore assim, filha… —
Sua voz ainda era suave e tranquila, como sempre.
— Não queria contar isso pelo telefone.
— Bom, queria estar ao seu lado para te abraçar agora — ela
declarou, deixando o meu coração mais calmo. — Então, bem, você
não gosta de garotos?
Eu ri sentindo a minha cara inchando com as lágrimas.
— Não, eu gosto. Eu sou bissexual.
— Ah, ok. — A ouvi levantando-se da sua cadeira que rangia.
— Querida, venha para Nova Iorque no feriado, vou mandar a
passagem e aí poderemos conversar com calma, prometo.
Concordei sentindo um peso enorme deixando meus ombros.
— Eu te amo muito, Scary! — ela completou e mais lágrimas
me atingiram.
— Eu também te amo, mãe.
Ela estava prestes a desligar, quando decidi terminar de
dizer:
— Mãe?!
— Oi, querida.
— O que a gente faz quando ama uma pessoa e acabamos a
perdendo?
Sabia que meu choro se tornava claro no telefone agora, mas
não me importava.
— Oh, Scarlet, filha… — ela parecia ponderar suas palavras,
enquanto eu me jogava na cama novamente, enfiando-me embaixo
das cobertas. — Sabe que quando nos conhecemos, eu e seu pai
não conseguíamos nos acertar. Éramos muito imaturos apesar da
amizade, do carinho e da parceria que havia entre nós. Isso
acontece muito entre as pessoas, mas ele era o amor da minha vida
e eu sabia disso. Foram longos seis anos longe um do outro,
mantivemos o contato por gostarmos ainda muito um do outro, mas
não era um contato apaixonado. Até que fiz minha primeira
exposição em Manhattan e ele apareceu na galeria. Eu quis casar
com ele naquela noite, porque era uma das noites mais importantes
da minha vida e ele estava lá… — Sua voz vacilou, minha mãe
estava emocionada, eu tinha certeza. — Nunca vi um homem tão
bonito em uma jaqueta bomber vermelha. — Nós rimos. Meu pai
sempre teve estilo, por isso mandava numa revista de moda. — As
coisas acontecem no seu tempo. Se ela for o amor da sua vida,
vocês darão um jeito eventualmente.
Assenti, ela tinha razão. Eu esperava do fundo do meu
coração que ela tivesse razão.
“Bastou um olhar
E agora eu não sou mais a mesma
Sim, você disse: Oi
E desde aquele dia
Você roubou meu coração
E a culpa é toda sua (sim)
E é por isso que eu sorrio
Já faz um tempo
Desde que todos os dias e tudo
Pareceram tão certos”
— Smile, Avril Lavigne

A viagem de carro até San Francisco me fez sentir um vazio


enorme em meu peito. Eu tinha supostamente me acertado com
Mia, ela prometeu que iria deixar aquela história de lado. E eu
acreditava nela, mas era impossível não pensar que ainda faltava
Scarlet nessa narrativa. Ela merecia saber a verdade, e eu queria
contar a ela. Queria confiar todas as minhas partes àquela caloura
cheia de personalidade, mas tinha medo que ela não quisesse me
ver ou falar comigo.
Chegando ao norte da Califórnia, John estacionou na frente
do prédio onde vovó morava. Deus, eu deveria ter ligado para ela,
não fiz isso desde as aulas voltaram e aquela senhora de setenta
anos provavelmente iria querer me matar por isso.
Madlyn Young era muito fofa, tinha a cara de avó, mas sua
personalidade não era fácil. Ela sempre foi a avó que chamava a
nossa atenção e não hesitava em nos colocar de castigo quando
merecíamos.
Eu estava com saudade dela.
Saí do carro, seguindo meu irmão e Cheryl. Estava sem
energia para o fim de semana de Ação de Graças, principalmente,
por me dar conta de que não sabia pelo o que eu estava
agradecida. Fodi minha vida de uma maneira categoricamente
singular.
Estava levando uma mochila pequena com minhas roupas e
a caixa de torta de abóbora. Sabia que a vovó prepararia o peru e o
arroz grego, mas nós garantimos que levaríamos a torta de abóbora
e cookies para a sobremesa.
John levava os dois engradados de cerveja e Cheryl os
cookies junto com um buquê de flores simples. A gente disse que
não precisava, mas a ruiva insistiu em levar as flores para a Sra.
Madlyn.
O prédio tinha seis andares, mas por sorte, havia elevador.
Subimos até o quarto andar e seguimos até o pequeno espaço onde
vovó morava. Antes ela vivia numa casa enorme, que vovô tinha
deixado para ela e para o meu pai, que era seu único filho. Eu e
John passamos a adolescência naquela casa com ela, mas quando
vovó se recusou a mexer no dinheiro que nossos pais deixaram de
seguro para nós, começou a ficar difícil manter a propriedade. Eu
comecei a trabalhar e por um tempo as coisas se mantiveram ainda.
Porém, quando precisei partir para a universidade, eles tiveram que
abrir mão da casa no subúrbio e vieram morar no centro. John
passou mais dois anos aqui até que também partiu para a
faculdade. Por sorte, o apartamento era mais fácil de manter e a
aposentadoria de vovó conseguiu sustentar tudo.
Mas quando John também partiu para a universidade, o que
vovó fez questão que fosse a mesma que eu frequentava, ela ficou
sem necessidade um apartamento com dois quartos. Então agora
vovó morava em um apartamento pequeno, no centro de San
Francisco e de apenas um quarto. O que naqueles momentos não
era tão incrível, porque o fim de semana se resumiria a colchões no
chão da sala, mas era o melhor pra ela.
John apertou a campainha e logo os cabelos ruivos longos
apareceram, infelizmente nenhum de nós dois tínhamos puxado isso
dela. Nem mesmo nosso pai. Um sorriso enorme dominou seu rosto
e foi impossível não ser capturada pela blusa florida dela, toda
alegre.
— Ah, queridos, vocês chegaram!
Ela envolveu John em um abraço. Depois Cheryl. E por
último, eu.
— Ah, minha menina, você está cada dia mais linda.
A envolvi em um abraço gostoso enquanto John pegava a
torta das minhas mãos. Inalei seu perfume nem tão doce misturado
com o cheiro de farofa de ameixa. Como eu sentia falta dela, senti
meu coração pequenino naquele instante.
— Tem que aprender a ligar, dona Hannah Young — ela
brigou.
Eu ri fraco.
— Prometo que vou ligar mais.
— Até Cheryl me liga e você não… — ela debochou e eu
rolei meus olhos.
— Prometo, prometo, prometo!
— Ok, certo, entre que está frio aí fora.
O lado de dentro do apartamento parecia ter sido tirado de
uma revista. Vovó sempre teve bom gosto. O sofá cama bege, a
pequena mesa na frente do balcão da cozinha em conceito aberto,
tudo parecia ornar ali.
O cheiro da comida se fez presente, me lembrando que eu
estava apenas com um café que havia tomado na manhã, boas e
longas horas antes.
Tirei meu casaco mais grosso, o aquecimento da casa
deixava o ambiente razoável, isolando o frio do lado de fora. Tudo
continuava do mesmo jeitinho que eu me recordava, assim como a
sensação de aconchego. O ano estava acabando, os tumultos dele
me incomodaram muito, mas estava acabando e por isso eu poderia
ser grata.
Ajudei minha avó com as coisas assim como John enquanto
nós três mandávamos Cheryl ficar quieta no sofá, não que ela
obedecesse, mas a gente tentava. A refeição ocorreu tranquila e
estava tudo uma delícia. Depois do almoço, John e Cher foram para
o quarto da vovó dormir um pouco, afinal meu irmão tinha vindo
dirigindo e Cher manteve-se acordada junto com ele o caminho
todo. Enquanto isso eu ajeitei a cozinha, mandando dona Madlyn
ficar sentada quieta no sofá. Até porque se deixasse, a velha
limparia tudo, tive que quase amarrá-la sentada.
Com tudo resolvido, me aproximei e sentei-me ao seu lado
vendo a cara de Simon Cowell em um dos seus trezentos realitys
musicais.
Deixei meus ombros relaxarem enquanto afundava no
estofado.
— E então, querida, como anda a faculdade? — vovó
começou.
— Tudo bem, talvez engate num mestrado, então está tudo
ótimo. E por aqui?
Ela pegou seu celular e me mostrou uma foto.
— Arranjei um novo namorado, esses aplicativos são ótimos,
sabia?! — Eu ri, minha avó era esse tipo de pessoa.
O homem da foto era um senhor de cabelos brancos, mas
muito charmoso. Em resumo: a cara dela.
— Ele é bonito, quem é?
— Richard, seu nome. Ele é dono da rede de supermercados
local. É um partido e tanto, ein?! — contou vantagem.
— Com certeza, vovó. Espero que ele seja bonzinho, caso
contrário seu neto vai partir a cara dele no meio — avisei e minha
avó sabia que era verdade. John sempre foi protetor, principalmente
depois que papai e mamãe morreram.
— E você acha que eu não sei… Inclusive, quando seu irmão
e Cheryl vão casar?
A encaro surpresa. Casamento? É sério?
— Não sei, deveria saber? Ele nem a pediu em casamento e
sinceramente nem sabia que isso era uma possibilidade nesse
momento.
Os olhos castanhos da vovó me envolveram em dúvida.
— Ele… — ela aproximou-se, falando baixo. — Ele pegou o
anel há mais de um mês. Veio um fim de semana e o levou. Achei
que já tivesse sido feito o pedido.
Meus olhos ficaram estalados. Meu irmãozinho queria pedir
Cheryl em casamento, isso era algo grande. Muito grande. E eu
ficava extremamente feliz por eles, mas preocupada, Cher sempre
foi muito focada na sua carreira na biomedicina, ela iria querer se
formar primeiro. E John a conhecia o suficiente para saber isso.
— Não soube de nada, mas ele vai encontrar o momento
perfeito — a respondi e a Sra. Young anuiu animada.
— E você, Hanny? Alguém já arrebatou esse coração?
Desviei o olhar e senti minhas bochechas queimando no
mesmo instante.
Sim, alguém já arrebatou o meu coração, vovó, só não é um
homem, minha mente respondeu. Me sentia diminuída quando esse
assunto vinha à tona, porque nunca sabia como começá-lo, então o
evitava. Nunca havia dito nada, o que era patético porque aos vinte
e quatro anos eu deveria já ter tido alguma coisa, mas eu tinha um
medo fodido da minha avó me odiar para sempre. Já tinha sido
difícil contar a John, mas acho que no fundo meu irmão sempre
soube. Quando as palavras me escaparam, ele só deu de ombros e
disse “Tá, era para ser um segredo ou algo do tipo? Eu já sei.”. Meu
irmão me conhecia e a minha avó também, mas não sabia se ela
desconfiava de algo.
— É, sim, eu acho. — Suspirei. Já era hora, eu precisava
recuperar Scarlet e definitivamente queria que minha avó soubesse
sobre essa garota incrível. — Quer dizer, sim, com certeza alguém
fez isso.
— E o nome do felizardo?
Mordi minha bochecha e encarei a televisão na minha frente.
Estava cagando para o carinha que cantava ali com complexo de
novo membro da One Direction, mas ao menos olhá-lo evitava que
eu captasse algum desapontamento nos olhos da minha avó
quando finalmente disse:
— Hm, é Scarlet, o nome dela é Scarlet.
Ouvi sua risada anasalada, fraca.
— Oh, então finalmente resolveu me contar sobre elas… —
Seu tom era de deboche. — Fico feliz que tenha parado de mentir
para nós duas.
A encarei um pouco assustada.
Minha avó era uma mulher religiosa, ela ia à igreja todo
domingo. Então o meu pavor era real.
— V-você ainda… Sabe… ainda me ama? — questionei
insegura, sentindo as lágrimas querendo virem aos meus olhos.
Minha avó riu.
— Hannah, não há possibilidade nesse mundo de eu não
amar você — ela replicou colocando as duas mãos ao redor do meu
rosto, me fazendo encará-la. — Deus a fez perfeita, em todas as
suas formas, minha querida. Ele não comete erros, e você
definitivamente não passa nem perto da possibilidade de ser um.
Hanny, querida, sou velha, talvez não entenda muita coisa ou venha
a ter algo retrógrado dentro de mim, mas meu amor por você é
eterno. E eu sou a avó mais orgulhosa do mundo por ver a mulher
que você se tornou. — Minhas lágrimas já escorriam. — Se essa
Scarlet for cuidar do coração da minha menina, então… tá tudo
certo. Tá bom?
Assenti e a abracei forte. Porque no mundo haviam abraços e
abraços, mas o da minha avó era o meu maior conforto. Ela foi meu
maior porto seguro durante a vida e mesmo depois de adulta, ainda
continuava sendo. A amava infinitamente e estava feliz de esse
amor todo ser correspondido de forma tão extraordinária.
— Ah, mais uma coisa — comecei. — Escrevo uns romances
de garotas que gostam de garotas e publico online, e meio que
ganho dinheiro com isso — declarei ainda com a cara basicamente
enfiada nela.
Minha avó riu.
— Isso eu não desconfiava, mas fico feliz que tenha me
contado tudo.
A abracei ainda mais forte.
Os demais dias na casa da minha avó foram maravilhosos.
Em algum momento questionei John sobre seus planos e ele ficou
vermelho como um tomate enquanto me respondia que pretendia
pedi-la no Natal, mas que sabia que só se casariam provavelmente
por volta do outono do ano que vem.
Quando voltamos a Wolfsview no domingo à noite, encontrei
Tessa com uma cara de touro irritado na sala principal.
— Me diz que seu namorado não te deu um pé na bunda, se
não serei obrigada a matá-lo — brinquei chegando próximo dela,
sentando-me ao seu lado no sofá da sala principal. Ela parecia
entediada demais olhando para o seu celular.
— Não, Glen e eu estamos ótimos, mas recebi isso — ela me
estendeu um envelope. — Mia quem deixou aqui e eu já odiei por
isso, odiei ainda mais por estar endereçado a mim, mas tenho
certeza que você vai odiar ainda mais.
Peguei o envelope com certo desespero.
O rasguei e deixei que a folha da mensagem caísse no meu
colo, o agarrei e deixei meus olhos captarem as palavras ali.

“Medusa Wheeler é Hannah Young”


E as fotos das capas dos livros.

— Ela tá ameaçando você? Porque, tipo, eu faço direito, você


poderia confiar em mim e nós resolvemos essa merda.
— Ela prometeu que não falaria nada… — soprei exausta.
Minha felicidade parecia estar sendo arrancada de mim.
— Han, não é crime ser escritora e morar numa fraternidade
feminina, sabe?! — Tessa disparou segurando sua mão. — Somos
irmãs aqui e todas vamos apoiar você, sempre. E quem não apoiar
pode esperar pela carta de expulsão.
Fui obrigada a rir. Tessa era ótima, sempre. Controladora e
levemente doida às vezes, mas ótima.
— Ela estava me ameaçando, então não sei se quero
ameaçar alguém — pontuei e ela riu.
— Ok, Hannah, mas quero que saiba que todas vamos apoiar
você. Além do mais, por que diabos um anonimato?
— Porque quero terminar a faculdade em paz sem meus
colegas me julgando?! — repliquei como se fosse algo óbvio. —
Tem ideia do que é estar numa sala com várias pessoas com
aspiração a novos Jane Austen? As pessoas gostam de escrever
difícil e acham que literatura atual é um lixo. Não tenho paciência
para lidar com esse tipo de merda, principalmente porque meus
romances são todos sáficos. Além do mais, o que Mia tá fazendo é
basicamente me arrancar do armário e isso tá errado em tantos
níveis diferentes.
Tessa assentiu.
— Ok, mas ainda acho que deveria processar Mia, o que ela
fez foi um crime fodido. Ao menos conseguirá um distanciamento
judicial dela, sei lá.
— Não achei que as coisas chegariam a esse patamar —
admiti. — Você sabe o que precisamos fazer? Digo os passos
legais? — minha amiga concordou. — Ok, então vamos fazer, mas
vou ter que falar com John, ele vai querer estar a par de tudo.
Tessa concordou e eu liguei para o meu irmão. Minha noite,
que eu imaginei que seria tranquila, estava virando um fodido
pesadelo, de novo.
— Ei, vai dar tudo certo, ok?! — Tess sorriu em conforto.
— E se… Porra, odeio isso… mas, e se eu acabasse com
Medusa? Luka, Cheryl e John já tinham colocado essa possiblidade
na mesa, mas não queria considerá-la, porque só queria paz, mas
tudo o que eu não tenho desde que Mia soube foi paz, então, meio
que pensei que talvez fosse hora de considerar.
Tessa suspirou.
— É uma possibilidade e se você fizer isso, acima de tudo,
mantém a sua narrativa sobre os fatos, sabe? Se é o que quer,
estarei aqui em apoio.
Na minha mente eu via meus piores pesadelos se tornando
realidade, mas a verdade é que já tinha contado tudo a minha avó,
então nada mais importava em relação a isso, só Scarlet. Precisava
contar a ela antes de contar ao mundo.
“E então eu derramei meu sangue e minhas lágrimas
Não vou mostrar medo só pra sobreviver
Ela olhou diretamente pra mim
E eu virei uma pedra
Medusa, Medusa
Eu fiquei aqui sozinha”
— Medusa, Kailee Morgue

Não deveria, mas resolvi ficar em Nova Iorque até terça-feira.


Perdi dois dias de aula, mas recuperaria depois. Quando cheguei ao
dormitório, me sentia quase renovada, mas a verdade é que não
estava tão animada assim para voltar à Califórnia. Inclusive, a
possibilidade de pedir transferência para a NYU no próximo
semestre me pareceu razoável. Contei tudo a meus pais e eles me
apoiaram incondicionalmente. Me senti amada acima de tudo e isso
foi muito importante, porque em Wolfsview me sentia como se não
fosse mais bem vinda. Não que isso fosse verdade, porque Luka
ficou muito feliz em me ver, inclusive me chamou para almoçarmos
juntas, mas eu só queria deitar um pouco e descansar depois do
voo. Ela aceitou e acabou indo almoçar com as garotas - Cheryl e
Hannah.
Eu me larguei na cama e acabei ficando ali encarando o teto.
Não estava feliz, mas a tristeza também não parecia tão
grande naquele momento.
Fiquei ali, quieta e com preguiça de desfazer minhas malas
até o fim da tarde, quando meu celular me avisou sobre a chegada
de uma nova mensagem.

HANNAH: “Oi, precisamos conversar. Preciso te pedir desculpas,


posso passar no seu quarto?”

SCARLET: “Ok, venha, estou te esperando”

Não estava esperando receber uma mensagem dela tão


cedo. Aliás, tinha até ficado feliz em Luka nem ter mencionado seu
nome. Mas parecia que finalmente ela tinha decidido que era uma
boa ideia nós conversarmos.
Uma parte minha estava aliviada, não aguentava mais seu
silêncio, mas a outra se sentia ainda mais ansiosa e angustiada.
Levantei da cama e conferi meu semblante no espelho na
porta do armário. Passei os dedos pelos meus fios, os escovando
um pouco. Eu sabia o porquê do meu nervosismo, mas não admitiria
isso tão fácil assim.
Não queria terminar, seja lá o que tivemos.
Eu gostava da sua companhia, do seu sorriso e do seu humor
ácido.
Porra, eu amava aquela mulher, sem mais. Hannah havia se
tornado muito importante para mim, não era meu mundo, meu tudo,
mas se ela me pedisse, eu a daria o mundo. Queria estar ao seu
lado por muito tempo rindo, a ouvindo ler, sentindo seu corpo junto
ao meu.
Não sabia o que viria com tudo aquilo.
As batidas na porta me tiraram dos devaneios, obrigando-me
a abrir aquilo e me deparar com a realidade e não hipóteses. Uma
Hannah visivelmente abalada e cansada surgiu, mas esta também
projetava um sorriso suave e leve nos lábios. Não tinha ideia do que
aquilo significava, mas minha mente insistia em se agarrar às
possibilidades boas e positivas.
— Oi… — Minha voz saiu como um sopro, quase inaudível.
— Oi, achei que não voltaria mais.
Eu ri.
— Preciso terminar o semestre pelo menos — admiti. Ela
concordou, mas seu sorriso vacilou. Seus olhos correram pelo
corredor e depois para dentro do quarto. — Hm, podemos ir tomar
um café?
— Não, precisamos conversar em particular. Posso… posso
entrar?
— Hm, claro…
A dei entrada, e fechei a porta.
Ela caminhou até a cadeira da escrivaninha de Luka e
sentou-se ali enquanto eu me dirigia até a minha cama mesmo,
joguei-me ali e encostei as costas na parede. Ela parecia querer me
dar espaço, mas não era isso que eu queria. Porque mesmo tendo
pensado que a melhor possibilidade, talvez, fosse terminar e voltar a
Nova Iorque, agora, depois de estar em sua presença, no entanto,
minha mente descartava isso com força total. Não queria deixar
Hannah. Não queria perdê-la e definitivamente não queria essa
distância física que estávamos tendo naquele momento.
— Então… ?! — comecei, tentando iniciar aquele diálogo.
Estava ansiosa, nervosa e com medo do fim, mesmo assim,
achei que era melhor tirar o elefante da sala de uma vez.
Ela sorriu.
— Lembra quando foi ao meu quarto a primeira vez e viu os
livros de Medusa Wheeler? — Assenti, não tendo nem ideia do
porque ela estava citando aquele momento. — Fiquei feliz que entre
tantos livros que tenho, os que mais chamaram a sua atenção foram
o de Medusa, e mais feliz ainda de saber que você já os tinha lido.
Minha cara contorceu-se em uma careta.
— Por que está falando disso?
— Porque eu sou Medusa, Scarlet — ela disparou de uma
única vez.
Tenho certeza que a minha cara ficou em uma descrença
completa.
— O quê? — questionei projetando meu corpo para frente.
— É exatamente isso que você ouviu, eu sou Medusa
Wheeler. Criei o pseudônimo para não me incomodar, mas no
começo do ano, enquanto ainda estava com Mia, ela descobriu, me
ajudou com a divulgação e então veio o caos quando terminamos.
— Suas palavras pareciam inseguras demais. — Ela estava
ameaçando a contar para todos sobre quem eu era, e ela fez isso,
contou a Tessa, então decidi fazer algo. Medusa era para ser a
minha paz, meu sonho realizado, sabe? Mas se tornou um
pesadelo, então não vou deixar que isso fique assim. — Ela desviou
seus olhos castanhos de mim. — Vou narrar as coisas como quero,
processar Mia e queria muito que você… Bem, que você não me
odiasse seria um bom começo.
Eu ri e me levantei da cama, meus passos foram calmos até
Hannah, alcançando suas mãos enquanto simplesmente me
ajoelhava em sua frente.
— Han, eu não odeio você. Nunca odiei e acho que nunca
poderei odiar — admiti. — Queria que tivesse confiado em mim e
me dito antes, mas tá tudo bem, entendo que sentiu insegurança por
todo o lance de Mia.
— Me perdoa por me afastar de você, Scar.
— Perdoo, mas desde que entenda que não precisa
esconder nada de mim. Quero te amar por absolutamente todos os
seus tons, Medusa.
Ela riu fraco.
— Também quero te amar por todos os seus tons, coração.
Seus braços jogaram-se ao meu redor, puxando-me para um
abraço, que fiquei mais do que feliz em corresponder. Seu perfume
invadiu minhas narinas e só então me dei conta de que uma
semana longe de quem se ama, é quase uma tortura.
Nós nos levantamos e deixei que suas mãos segurassem
meu rosto antes de nossos lábios serem selados em ansiedade e
puro amor.
Suspirei em sua boca e afastei-nos um pouco.
— Espera, então quer dizer que estou vivendo uma fanfic? —
debochei e seu rosto virou-se em uma expressão de tédio.
— Não, a nossa história é muito mais do que isso.
Ela não sabia ainda, mas a nossa história estava só
começando. E eu a amaria em cada pedaço do caminho.
“Então não precisamos de permissão para nada
Toque como você quer ser tocado
Beije como você quer ser beijado
Oh, nós não precisamos de permissão para nada
Beba como se você quisesse ficar bêbado
Sinta como se você quisesse sentir algo”
— Persmission, New Hope Club

“Queridos leitores, precisamos conversar.


Não há palavras para descrever o quão profundamente chateada
estou em ter que vir aqui falar sobre isso, mas é importante. Há
cerca de seis meses eu estava terminando um relacionamento que
ficou insustentável. Beirando o tóxico. Não foi fácil, mas terminamos,
eu e a minha namorada na ocasião. O problema é que, como
imagino que a maioria saiba, Medusa Wheeler é um pseudônimo. E
ela sabia disso. Sou grata pela ajuda a qual ela me deu ao criar as
divulgações dos livros, mas todo o dinheiro devido a ela foi pago em
forma de extorsão e ameaças da revelação da minha identidade.
Medusa é meu sonho. É algo grande demais, maior do que eu, a
pobre mortal por trás desse nome.
E esse sonho se tornou um pesadelo por esses últimos meses. Por
isso não houveram livros novos e eu basicamente sumi, mas cansei
de me esconder. Isso não quer dizer necessariamente que eu vou
revelar meu nome, porque isso não é algo que eu me sinta à
vontade de fazer. Claro que em relação às ameaças já estou
tomando as providências legais. Contudo, mais importante do que
isso, é vocês saberem que Medusa Wheeler vai continuar a existir.
Eu sou grata a todos que puderem respeitar a minha decisão.
Tendo dito tudo de chato que precisava ser dito, vamos a parte boa
dessa história. Há quase quatro meses, eu conheci uma garota
incrível. Ela era absolutamente tudo o que eu esperava do amor da
minha vida. E ela estava disposta a brigar por mim. Na verdade ela
é teimosa, mas eu amo isso nela. Preciso admitir que demorei para
aceitar que eu a queria, mas foi inevitável. Ela foi moldada para
encaixar perfeitamente na minha vida.
Não posso contar seu nome, por razões óbvias, mas ela é uma alma
linda e enche meu mundo de flores mais lindas ainda. E espero que
respeitem sempre a nossa privacidade.
Por último, algo que vocês definitivamente mereciam saber: vem um
livro novo por aí! E serão dois, então preparem-se. Falaremos mais
sobre isso no começo do ano que vem.
Beijos de pedra,
Medusa.”

Apertei o botão de publicar e senti seus lábios estalarem em


minha bochecha. Foi impossível não sorrir.
— Estou muito orgulhoso de você, Han… — Ouvi meu irmão
dizer do outro lado da mesa.
Encarei Scar ao meu lado, John e Cheryl na minha frente e
Luka sentada do meu outro lado enquanto North estava na sua
frente. Era tão bom estar cercada de amor. Amor de amigos, de
irmão e esse tal de amor romântico que é o danado que faz com
que livros vendam ao redor do mundo.
“Então aqui vai meu juramento
De agora em diante
Nada fica entre nós”
— Between Us, Little Mix

Seus lábios nos meus eram um juramento naquela noite. Não


precisavámos de palavras, não precisávamos de nada além uma da
outra.
Cheryl tinha ido dormir com John, então o quarto era nosso.
Suas mãos me conduziram até a cama, havia a necessidade,
mas não pressa. Eu a queria desesperadamente, mas queria
aproveitar cada segundo enquanto me tornava devota a todas as
curvas do seu corpo.
Senti minhas costas batendo no colchão e seu sorriso
preencheu seus lábios enquanto se afastava.
— Ter você na minha vida é algo que eu espero agradecer no
próximo feriado de Ação de Graças… — ela soprou.
— Você me teve desde o primeiro momento, Hannah Young.
Você me congelou no seu olhar e roubou meu coração, como uma
medusa.
Ela riu e afundou seu rosto no meu pescoço deixando uma
mordiscada ali. A vibração do meu corpo como resposta foi
imediata.
— Eu te amo, Scar.
— Eu te amo, Han.
Empurrei meu corpo para trás, deixando minha cabeça
caindo no travesseiro. Ela tirou seu casaco e o deixou cair no chão.
Fiz o mesmo com a minha blusa de lã e depois com minha blusa
regata.
— Vou fazer amor com você, coração — Han avisou e a
pressão entre minhas pernas aumentou.
— Não estava esperando menos do que isso depois de tudo,
linda — repliquei, a fazendo rir fraco.
O colchão afundou-se enquanto ela engatinhava e colocava-
se sob mim. Sua boca na minha, sua intimidade pressionando-se
contra a minha enquanto minhas mãos agarravam seus longos fios
negros, os puxando para trás.
O silêncio do quarto começava a ser preenchido por nós duas
e nossas respirações, que ofegavam. Meus seios contra os seus,
meus mamilos intumescidos, implorando por atenção. E ela
carinhosamente deu. Descendo seus lábios ali. A sua língua fria em
contato com a minha pele fez com que arqueasse as costas.
Hannah tinha o poder de saber exatamente o que fazer com o meu
corpo para que o prazer fosse o máximo possível. Eu gemeria feito
uma cadela, mas não estava nem aí. Queria que o mundo soubesse
que eu era devota daquela mulher, que meu corpo era dela para que
fizesse o que quisesse e que, até o fim dos tempos, a amaria com
todo o meu coração.
Agarrei em seus cabelos, deixando nossos olhos vidrados um
no outro, sentindo tudo o que eu não conseguia dizer enquanto
chamava seu nome.
Minhas mãos em seu corpo recebiam o agrado de senti-la,
assim como eu, arrepiando-me a cada toque. Até que cheguei onde
eu queria enquanto ela fazia o mesmo comigo, sentia sua excitação
escorrendo pelos meus dedos, mas aquilo não tinha nada a ver com
desejo carnal. Quer dizer, um pouco, óbvio, mas era muito mais,
porque com seus olhos nos meus, seus lábios abertos roçando nos
meus e dois corações pulsando em conjunto, nós começamos a
fazer amor.
— Você tinha razão — ela soprou e meu cérebro fazia um
esforço para pensar no que diabos ela estava fazendo enquanto me
fazia gozar. — Ninguém nunca escreverá a melhor cena de sexo,
porque me recuso a compartilhar com o mundo algo tão belo quanto
isso.
Toquei seu rosto, depositando beijos delicados por ele.
— Ninguém precisa saber todos os detalhes, mas que daria
uma cena do caralho, isso eu não tenho dúvidas — repliquei, a
fazendo rir.
— Sou egoísta o suficiente para manter essas só nossas.
Eu me sentia uma idiota apaixonada. Ela não só escrevia
bonito como falava bonito. E agora poderia amar todas as suas
facetas.
Seus lábios voltaram aos meus.
E o mundo parecia parado, enquanto nosso amor de garotas
dominava cada canto do quarto.
“Quem pensaria que o amor tomaria o tempo necessário para ver
Que estaríamos melhores juntos, você e eu
Quem pensaria que o amor nos deixaria encontrar o caminho
Nunca encontrei nada melhor, não, amor”
— Who Would Think That Love?, Now United

Há algo sobre amores efêmeros que nos chamam atenção.


Mia havia sido um amor efêmero. Algo tão intenso e insano
que nunca teria um prazo longo. A indústria das histórias gostava
desse tipo de amor. Meu amor por Mia era dramático e doía de
formas absurdas. Esse amor nos joga no chão e, às vezes, rouba
toda a nossa esperança em relação ao amor em geral.
Mas há amores que são simples. Fáceis. Cúmplices.
Eles não exigem muito, só que você permaneça. Porque eles
são lar. Eles são um espelho de nós mesmos, com parceria e
devoção. Com duas pessoas que entendem que sempre vai existir o
eu e você, mas que o nós não é uma anulação de quem somos,
mas sim uma evolução do poderemos ser.
Esse era o amor que Scarlet me entregava todos os dias, eu
a amava por isso. E me esforçava para entregá-la tudo isso de volta.
— Está pensativa demais! — Tessa disparou, aproximando-
se.
Soltei a fumaça do cigarro.
— Depois de tudo o que passei, ainda tenho sorte de
conseguir pensar — brinquei apagando o tabaco no cinzeiro da
mesa.
O Natal estava chegando, o frio junto e mesmo assim,
estávamos do lado de fora da fraternidade. Pelo menos no sul da
Califórnia não havia neve.
— Bom, preciso vir aqui te avisar sobre algo… — Tess
começou. — Meus pais já deram entrada na papelada, John
conferiu tudo antes, não se preocupe e bem, você tem uma ordem
restritiva já.
Concordei.
Odiava chegar a isso, mas não era mais obrigada a aguentar
Mia. Se ela se arrependeu do que fez, mesmo depois do seu
discurso, suas ações mostraram ao contrário, a única coisa que eu
poderia fazer era cortá-la da minha vida em definitivo.
“Sim, eu nos vejo em preto e branco
Claro como cristal em uma noite iluminada por estrelas
Em todas as suas cores deslumbrantes
Eu prometo que vou te amar pelo resto da minha vida”
— Black and White, Niall Horan

Natal em Nova Iorque é algo animado. Ano novo com as


minhas amigas nem se fala. Durante minha estadia na minha cidade
natal pelos últimos dias me dei conta de que eu realmente queria
uma editora para chamar de minha, mas meu pai disse que eu
deveria me preocupar em arranjar um estágio em uma editora boa
primeiro. Ele tinha razão em certo ponto, mas minha ansiedade era
tanto que mal podia me conter. O nome seria Scarlet mesmo, afinal,
não sou obrigada a colocar outro nome que não o meu.
Adentrei no meu quarto no dormitório e sorri ao encontrar
Luka rindo enquanto North estava ali a abraçando e depositando
vários beijos pelo seu rosto e pescoço.
— Opa, parece que estou atrapalhando… — comentei
entrando no quarto.
— Jamais, Scar! — North respondeu e depositou um último
beijo nos lábios de Luka. — Só estou feliz porque a minha garota
sobreviveu ao fim de ano com a minha família e não me largou.
Concordei. Sabia que Luka tinha ido conhecer a família de
North, mas teria que questioná-la melhor sobre isso depois. Queria
todos os detalhes sobre aquilo. Quer dizer, não todos, mas o
suficiente.
North deu mais um beijo em Luka e passou por mim dando
tchauzinho com a mão. Luka tinha tirado a sorte grande com ele.
Além de bonito, atleta e inteligente, ainda era rendido por ela.
Caminhei até o meu lado do quarto e deixei minha bolsa ao
lado da escrivaninha.
Janeiro era um dos meses mais frios do ano, mas eu estava
animada para as aulas voltarem logo. Contudo, antes das aulas, a
única coisa que eu queria saber de fato era Hannah, que estava
meio estranha respondendo minhas mensagens.
Não tinha certeza do que estava acontecendo, mas Cheryl
disse que ela só estava meio distraída com algumas escritas.
Fato era, eu estava louca para revê-la depois de quase vinte
dias longe. Depois de tudo o que havia acontecido, só ficamos mais
fortes. Estava decidida a ter aquela mulher sempre ao meu lado,
inclusive estava ansiosa para poder apresentá-la aos meus pais.
Esse era o nível de breguice que eu me encontrava.
— E aí, ansiosa para concluir o primeiro ano? — Luka
questionou jogando-se ao meu lado.
— Muito, aí vou poder dizer que sobrevivi a isso.
Nós rimos.
Gostava da nossa amizade, era leve e divertida. E era algo
que eu gostaria de manter, mesmo ela sendo claramente mais
amiga de Hannah, gostava de tê-la por perto.
— E você, pronta para me contar sobre o fim de ano? —
Estava muito curiosa.
Ela rolou os olhos.
— Sabe aquelas comédias natalinas onde tudo é um
desastre, mas no fim dá certo?! Pois bem, esse foi o meu fim de ano
com a família do North. Tudo que tinha pra dar errado, deu!
E nos próximos minutos Luka passou os minutos me
contando tudo. E eu rindo da cara dela. Minha amiga tinha um
coração de ouro, mas era meio estabanada, isso resultou nela e na
irmã de North colocando fogo na cozinha da casa dos pais dele,
mas tudo foi controlado e os danos foram reparados.
No fim os pais dele adoraram ela e ela estava super feliz com
o próprio relacionamento.
— O que acha de irmos comer? — ela sugeriu. — Contar
tudo isso me deu fome.
— Colocar fogo na cozinha alheia dá fome?
— Vai se foder, Scarlet.
Eu ri e a puxei para fora da cama.
Fomos a passos rápidos até a cafeteria, afinal queríamos
fugir do frio. Fizemos nossos pedidos e sentamos à mesa. Era bom
estar de volta ali, a sensação era quase de se estar em casa.
E tudo ficou ainda mais com essa sensação após Han e Cher
se juntarem a nós, coincidentemente. E mesmo sendo só duas
semanas, parecia que tinha sido muito mais tempo sem vê-la. Meu
coração estava acelerado e tudo em mim correspondia ao sorriso
gentil em seu rosto.
Seus lábios tocaram os meus de uma forma delicada e nós
aproveitamos a companhia das meninas.
Fui informada que John pediu Cheryl em casamento e que
ela tinha aceitado, o que foi muito insano. Fiquei feliz por eles e
Hannah parecia animada também quanto a isso. Luka ficou chorosa
achando tudo incrível. No fim, as duas acabaram indo embora e eu
acompanhei Hannah, que iria fumar em um dos bancos do campus.
As aulas voltariam na segunda e eu estava animada, mas na
verdade estava mais animada em arranjar um tempinho a sós com
Han.
— E aí, pronta para o último semestre da sua faculdade? —
questionei curiosa.
— Não muito, mas estou em certo ponto aliviada que esteja
acabando. — Assenti. Ela deu uma tragada longa e me encarou. —
Não vou sair de Wolfsview, mas vou sair da fraternidade por razões
óbvias — ela adicionou. — Pensei em alugar um apartamento e até
dividiria com as meninas, mas Cher e meu irmão tem planos de
morarem em San Francisco depois do verão e Luka com certeza vai
conseguir o emprego fixo com a Loyta que ela tanto quer, então ela
vai para Los Angeles.
— Está insinuando que eu deveria morar com você para
poder acordar todo dia sentindo o cheiro do seu café puro e
fazermos sexo antes das minhas aulas? — provoquei e ela riu.
Seus dentes seguraram seu lábio inferior. Sua feição era de
diversão e eu gostava disso.
— Acordar e cair de boca em você todos os dias me parece
uma boa ideia — ela replicou com a mesma malícia.
Não era muito de sentir vergonha disso, mesmo assim senti
meu rosto esquentando e ela fez questão de exaltar o fato.
— Oh, está corada, coração! — debochou.
— Vai se foder.
— Não, vou foder você — disse firme inclinando-se deixando
um selinho em meus lábios. — Mas antes preciso que leia algo.
A confusão em meu rosto foi clara.
— Como?
— Preciso que leia algo, que eu escrevi. E se depois disso
ainda me amar, vou ficar agradecida.
Concordei e ela tirou um pen drive do bolso do seu casaco,
peguei o objeto o avaliando um pouco.
— Hm, poderia ter me enviado por e-mail… — comentei.
Ela rolou os olhos.
— Só leia o que está aí, Scar. Por favor, coração.
Concordei porque queria agradá-la e porque estava muito
curiosa. Não poderia esquecer que a minha garota era Medusa
Wheeler, então qualquer coisa que ela escrevesse seria insano de
bom, eu tinha certeza.
Ela terminou o cigarro e levantou-se.
— Vem, vou te acompanhar até o dormitório. — Sua mão foi
estendida para mim e eu a agarrei.
Em silêncio caminhamos até o prédio onde eu morava e seu
beijo foi estranho. Tinha gosto de despedida, e eu odiava aquilo.
Depois tudo não poderia deixar Hannah ir. Nossa história não era
um livro triste, eu tinha certeza. Na verdade ele era quente, jovem e
um pouco insano, mas era feliz. Precisava ser.
Han sorriu e começou a se virar, mas não queria um beijo
daqueles. A puxei pela mão e grudei nossos corpos, sentindo seu
seio batendo no meu e deixei que nossos lábios se encontrassem.
O gosto de cigarro misturado com café era algo que eu sentia nos
dias longe, mas seu perfume de suave de pêssego era ainda mais
singular.
Sua língua acariciou a minha em um beijo calmo, que
arrepiou o meu corpo todo. Obrigando-me a agarrar o seu pescoço
para me manter em pé.
Nos afastamos e ela sorriu sem nostalgia, mas com algo
genuíno em seu rosto. Uma felicidade que eu gostava de ver ali.
— Vou ler o que quer que seja e depois vou casar com você
— declarei determinada.
— Próximo feriado em Vegas então?! — provocou, voltando
para um tom que não me deixava feliz.
— É, quem sabe…
Suspirei e dei mais um selinho de despedida. Fui para dentro
do prédio e segui até chegar no meu quarto. Abri a porta me
deparando com o local vazio. O tom estranho que tudo aquilo trazia
me deixava irritada, por isso decidi só mergulhar naquilo de cabeça.
Não queria um mundo preto e branco. Não queria deixar de
ver todas as cores de Hannah nunca mais, porque elas eram
brilhantes demais. Todos mereciam vê-las. E se tudo desse certo,
nossas promessas secretas e que ainda não estavam verbalizadas,
seriam concretizadas.
Peguei o notebook e enfiei o pendrive ali.
Havia um único documento ali: Vermelho Escarlate.

“Linda e insanamente perigosa. Esta era Red Joker, a nova


garota que morava em meu prédio. Sua pinta de boa moça me dizia
que aquilo era só fachada, afinal, como diria os caras do 5 Seconds
Of Summer: ‘boas garotas, são garotas más que ainda não foram
contabilizadas’. E Red era assim…”
“E toda vez que olho para você é como se fosse a primeira vez
Eu me apaixonei pela filha cuidadosa de um homem descuidado
Ela é a melhor coisa que já foi minha”
— Mine, Taylor Swift

Era domingo e mesmo não tendo dormido nada, eu estava


uma pilha. Já tinha tomado dois banhos para tentar acalmar os
nervos e nada resolvia. Olhei para a tela do celular e vi que já eram
duas da tarde
— Vai abrir um buraco no assoalho, Hannah — Cheryl
reclamou enquanto estava agarrada ao meu irmão. Ele dormia e ela
lia qualquer coisa do seu curso. Ela era nerd demais.
E eu de fato parecia uma doida andando de um lado para o
outro do quarto.
— Ela não mandou nada ainda, estou nervosa —
resmunguei.
Só me distraía um pouco com o karaokê que rolava no andar
de baixo. Era um dos eventos da volta às aulas, mas daquela vez
não me sujeitaria àquilo. Nem que a Tessa me arrastasse pelos
cabelos.
Joguei-me na cama, na tentativa de ficar quieta. Não
aconteceu, minhas pernas estavam impacientes batucando o
colchão.
Minha cabeça teve um sobressalto quando Luka entrou ali
sorrindo.
— Oi, vim para o karaokê, o que estão fazendo aqui? —
perguntou levemente desapontada. Demos de ombros. Eu estava
nervosa demais e Cheryl estava sendo inteligente demais.
— Não estou no clima — repliquei voltando a deitar.
— Hm, uma pena, a Scar está lá embaixo te esperando
depois de virar a noite lendo o que quer que você tenha dado pra
ela ler — respondeu Luka dando de ombros, em puro deboche.
Quis socá-la por aquilo, mas levantei e a abracei com força.
— Obrigada por informar, você acha que ela me odeia?
Estava eufórica, quase me atropelando nas palavras.
Luka riu e foi até Cheryl e meu irmão.
— Acorda o príncipe aí! — pediu minha amiga, me ignorando
completamente. — Quero vocês no karaokê.
— Luka, me responde! — implorei deixando a ansiedade e
me dominar.
— Calma Hannah, meu Deus, vamos todos descer.
Rolei meus olhos. Agora estava irritada e não gostava disso.
John acordou não muito feliz também, mas todos nós descemos
para a festa mais reservada do karaokê.
Para a minha surpresa, a música parou quando estava no
meio da escada porque Scarlet estava no palco rindo com Tessa.
Encarei Luka e a safada indicou com o olhar para eu
continuar descendo. E assim eu fiz. Meus passos estavam
inseguros. Meu coração pulsava forte e tudo o que eu queria era
perguntá-la se ela me odiava.
Caminhei até parar na frente do palco improvisado. As duas
me enxergaram e Tess piscou para ela, deixando o palco. A batida
começou e eu poderia morrer. Quando foi que eu fui parar em uma
comédia romântica em que a minha garota cantaria para mim? Pior,
ela estava cantando Taylor Swift!
Eu não conseguia acreditar.
Me sentia numa versão LGBT de 10 Coisas Que Eu Odeio
Em Você, com exceção de que na verdade eu não odiava nada
sobre ela. Eu a amava com as qualidades e os defeitos.
Seus olhos não me deixaram nem um minuto.
Minha mente me levou até a nossa primeira vez.

— E qual tipo de garota eu sou?


— O tipo que está ansiosa para o que vai acontecer, que
sabe o fim disso, mas que vai acompanhar cada segundo com olhos
bem abertos para se certificar que não vai perder nenhum detalhe
— ela disse.

É, eu sabia o fim daquilo e não ousaria fechar os olhos.


— You are the best thing that's ever been mine.
Recitou no último verso, levando todos ali à loucura enquanto
eu tentava não deixar a visão tão embaçada com as minhas
lágrimas. Meu coração estava em paz, feliz e dali em diante eu
sabia, eu a daria o mundo.
Ela encerrou a música e desceu do palco, vindo na minha
direção. Queria ouvi-la, mas primeiro precisava de outra coisa.
Selei nossos lábios recebendo gritinhos animados de todos
os lados, mas nada mais importava além de nós duas. Ela apartou o
beijo e sorriu largamente.
— A serenata ainda não se compara com o fato de você ter
escrito um livro sobre nós de uma maneira tão linda, mas é alguma
coisa — ela debochou.
— Você é a melhor — soprei.
— Eu te amo, Han… E duvido que alguma coisa nesse
mundo mude isso.
Concordei feliz com sua constatação.
— Eu também te amo, Scar. Muito.
Seus dedos entrelaçaram-se aos meus e ela depositou um
beijo neles.
— Agora vamos falar sobre o fato de eu não ser tão
assanhada quanto está naquele livro — debochou e eu ri a
abraçando forte.
Agarrando-a com tudo de mim, esperando que no fim, ela me
agarrasse de volta com tudo de si. E se tivéssemos sorte, nosso
amor continuaria sem dramas exagerados e a cada nova etapa
encontraríamos um final feliz diferente.
Sinceramente, não sei por onde começar. Medusa foi um desafio e
tanto para escrever, porque queria algo simples, leve e divertido. E
tudo isso foge 200% da minha zona de conforto. Ainda sim, foi uma
jornada incrível.
Foi difícil começar esse livro por não haver referências do que eu
queria contar. Não tinha como me inspirar em algo, tinha só uma
vontade muito grande de ler um romance universitário entre garotas
e +18. Mais difícil ainda foi entender que esse livro era own voice,
porque essa era uma questão só minha. E é incrível poder me olhar
no espelho hoje e saber que eu fui capaz de escrever este livro e
que ele é um pedaço muito grande de quem eu sou. Eu sempre digo
que a gente precisa ser comercial e autoral, no sentido de que:
precisamos entender o mercado, mas não podemos deixar de fazer
o que nos deixa felizes e satisfeitos, se não, qual o propósito?! Me
sinto completa com este livro chegando ao mundo, é uma novela, é
curto, mas é um passo enorme na minha carreira e na minha vida
pessoal. É como sair do armário (de novo), só que bem mais
divertido.
Ainda sim, meu primeiro obrigada vai aos meus pais, por serem tão
incríveis por apenas me amarem. Sem o apoio deles, eu não sei o
que faria.
O segundo vai você, leitor. Que embarcou nesse livro, comprou
essa ideia que agora chega ao fim. Obrigada por acreditar em mim e
por se apaixonar pelas minhas meninas.
O terceiro agradecimento é a Sofia Neglia. Lá em 2020 eu não tinha
nem ideia do que era um romance sáfico e a Sofia me explicou. Eu
achei chique um romance entre garotas ter um nome próprio assim.
Então obrigada, amiga! Sem você, por mais que você nem saiba,
nada disso seria possível.
O próximo agradecimento é para Ísis Andressa, Tatiane Brandão e
Thais Kawka, que foram betas incríveis. Sem vocês esse livro não
poderia ficar tão bom. — Queria deixar um agradecimento maior a
Tati que moveu montanhas quase por esse livro. Além do incentivo
singular (ou pentelhação, chamem do que quiser) para saber mais
sobre Luka e North, Cheryl e John. Se haverão contos desses
casais no futuro, é tudo culpa da Tati! E claro, sem as mãos da fada
Alina Bass isso seria impossível, então deixo aqui o meu obrigada
também. Obrigada à Hanna Câmara, que cuidou da revisão. À
Verônica Caus, obrigada por dar um rosto a essa história com a sua
ilustração incrível para a capa. Obrigada a Englantine por ser uma
amiga incrível e cuidar tão bem de Luka e North, além de Han e
Scar, assim como pelas palavras sobre Medusa, as quais vocês
encontraram na sinopse. Tal qual as palavras da Luiza Luz, foi
especial entregar minhas meninas para vocês antes de todos as
conhecerem. Sou muito sortuda em ter vocês como colegas de
profissão tão incríveis e amigas ainda mais sensacionais.
Obrigada a Luisa Borges e Nathalia Santos pelo apoio sempre! São
vocês que aguentam meus surtos criativos, então estarão sempre
na listinha de agradecimentos. Amo vocês!
O último agradecimento é a quem este livro é dedicado, a E.V. , ela
foi minha principal fonte de inspiração para essa história e
acreditem, Medusa só tem esse nome porque ela tem uma
tatuagem da mulher com cabelos de cobra. Sei que não somos tão
próximas mais, mas espero que saiba que sempre haverá um
carinho e um respeito muito grande da minha parte contigo.
Obrigada por ser minha musa.
Ah, não se preocupem, logo teremos mais romances sáficos. Em
2023 nos encontraremos para isso. Anotem na agenda! Vem muito
mais por aí!
Novamente, obrigada por lerem até aqui, espero reencontrá-los em
breve.
Beijos, Ana.

P.S. Não esqueça de avaliar o livro na Amazon, no Skoob e também


de me seguir nas redes sociais para saber das novidades!
Escritora curitibana com um ego grande demais para o próprio bem
(leonina ela), mas que odeia falar de si mesma. Vinte e tantos anos
de vida e mais de vinte livros publicados na Amazon de maneira
independente. Café, suspense e romance são assuntos básicos dos
seus livros. Apaixonada por slashers bem feitos e suspenses com
plot twists na mesma proporção que gosta de comédias românticas
adolescentes. E claro, mãe de um coelho muito do mal humorado e
antipático.
INSTAGRAM: @anafrancaft
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Neighbors: O Pecado Mora ao Lado (+16)
A Família Schaverwoods (+16)
Um Estranho Através do Espelho (+16)
Duologia: Segredos e Pecados (+18)
As Mentiras De Um Contrato Milionário (+14)
Vende-se Uma Namorada (+18)
Bocas Costuradas Não Contam Histórias (+18) – parceria com
Luisa Borges
Garotas Púrpura (+16)
Naughty List (+18)
Bad Drugs (+18)
Entre outras, confira tudo na página da autora na Amazon.

*Não esqueça de conferir as notas da autora antes de iniciar a obra


e se atentar a todos os gatilhos presentes em cada uma das obras.
*Os gêneros variam de suspense, suspense adolescente, suspense
policial, romance, comédia romântica, terror e dark romance.
AINDA EM 2022...

BAD ROMANCE (Série Sangue e Honra #2) – 13 de Setembro


(parceria com Luisa Borges)
ATRAVÉS DOS SEUS OLHOS – 13 de Outubro (parceria com Luisa
Borges)
CEREJA: a história de John e Cheryl (conto spin-off de Medusa) –
10 de Novembro
BÚSSOLA: a história de North e Luka (conto spin-off de Medusa)
– 23 de Novembro

E em 2023 vem aí...


Os dois primeiros livros de uma trilogia new adult universitário e
mais três romances, também new adult, mas sáficos. Siga a autora
nas redes sociais para não perder informações sobre as obras.

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