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Um Fracasso de Maigret - Georges Simenon
Um Fracasso de Maigret - Georges Simenon
A secretária que tem medo e a esposa que não sabe o que dizer.
LUCAS ENTROU NO GABINETE, segurando um maço de papéis e exalando um cheiro de remédio. Maigret,
que ainda estava de pé, perguntou irritado:
– Você chegou a vê-lo?
– Quem, chefe?
– Esse sujeito que acaba de sair daqui.
– Não prestei atenção.
– Pois fez mal. Ou eu estou muito enganado, ou ele vai nos trazer mais problemas do que a
inglesa.
Maigret não estava apenas mal-humorado. Ele estava realmente preocupado, como se carregasse
um peso nos ombros. O surgimento daquele homem, depois de tanto tempo, parecia um péssimo sinal.
Alguém de quem Maigret nunca gostara, e cujo pai havia prejudicado o seu.
– Quem é ele? – perguntou Lucas, largando os documentos na mesa com um estalo.
– Fumal.
– O das carnes?
– Você o conhece?
– Meu cunhado trabalhou como guarda-livros num dos escritórios dele durante dois anos.
– E então?
– Ele preferiu ir trabalhar em outro lugar.
Maigret alcançou a Lucas as cartas anônimas e disse:
– Entregue-as para a perícia.
Um exame daquele material pelo pessoal do laboratório poderia trazer novas informações. Eles
conheciam todos os tipos de papéis, de tinta, provavelmente todos os tipos de lápis. Talvez
descobrissem até mesmo impressões digitais.
– Como vamos fazer para protegê-lo? – perguntou Lucas depois de ler as cartas.
– Não sei. Em primeiro lugar, envie alguém, por exemplo, Vacher, ao Boulevard de Courcelles.
– Digo a ele para entrar na casa ou para vigiar do lado de fora?
Maigret não respondeu de imediato.
A chuva havia parado, mas nem por isso o clima estava melhor. Um vento frio e úmido obrigava
os passantes a segurar o chapéu e fechar a gola dos casacos. Na Pont Saint-Michel, algumas pessoas
caminhavam inclinadas para trás, como se estivessem sendo empurradas.
– Do lado de fora. Peça a ele que escolha mais alguém para ir junto. Eles devem investigar
também a vizinhança. Você mesmo pode dar uma olhada nos escritórios da Rue Rambuteau e da Place
de la Villette.
– Será que não é tudo uma farsa?
– Não sei.
Maigret realmente não sabia. Qual seria o motivo da visita de Ferdinand?
– Você vai almoçar em casa?
Já era mais de meio-dia. Há uma semana Maigret vinha almoçando na cervejaria da Place
Dauphine, não por causa do seu trabalho, mas porque sua mulher tinha consulta no dentista às onze e
meia todos os dias. Ele não gostava de almoçar sozinho.
Lucas o acompanhou. Havia, como sempre, alguns inspetores sentados junto ao balcão, e os dois
se dirigiram até uma pequena peça nos fundos onde estava instalado, para alegria de Maigret, um
fogareiro a carvão.
– O que você acha de um filé de vitela ao molho branco? – propôs o chefe.
– Para mim está ótimo.
Uma mulher em frente ao Palácio da Justiça tentava a todo custo baixar o vestido que a ventania
tinha levantado.
Um pouco mais tarde, quando lhe serviam a entrada, Maigret disse como que para si mesmo:
– Eu não compreendo...
Há casos de maníacos que escrevem cartas como aquelas que Fumal recebera. E esses loucos às
vezes realizam aquilo que ameaçam fazer. Em geral, são pessoas ressentidas, que passam a maior
parte do tempo remoendo as próprias mágoas sem nunca se queixar a ninguém.
Um homem como Fumal devia prejudicar muita gente. Sua arrogância era nociva.
O que Maigret não compreendia era o comportamento agressivo de Fumal durante a visita.
Talvez o próprio comissário tivesse provocado esse comportamento, por causa de uma antiga
desconfiança que remontava à sua infância e ao castelo de Saint-Fiacre.
– Hoje não telefonaram da Scotland Yard? – perguntou Lucas.
– Ainda não, mas devem ligar.
Trouxeram um filé de vitela ao molho branco, que sra. Maigret não teria preparado melhor, e
logo em seguida vieram avisar que queriam falar com o comissário pelo telefone. Só o pessoal do
Quai des Orfèvres sabia onde ele estava.
– Sim, estou ouvindo... Janin?... O que ela quer?... Peça que espere um momento... Quinze
minutos... Sim... É melhor que seja na sala de espera...
Quando ele voltou à mesa, disse a Lucas:
– A secretária de Fumal quer falar comigo. Ela está no Quai.
– Ela sabia que o chefe tinha vindo nos visitar?
Maigret deu de ombros. Não quis nada de sobremesa, apenas se contentou com um café, que ele
tomou fervendo, enquanto enchia o cachimbo.
– Pode continuar almoçando em paz. Depois faça o que eu disse e me mantenha informado.
Ele também estava se resfriando. Na entrada da P.J., o vento arrancou seu chapéu, que foi
agarrado a tempo pelo guarda.
– Obrigado, meu velho.
No corredor do primeiro andar, ele observou curioso, através dos vidros da sala de espera, uma
jovem de cerca de trinta anos, loira, de traços bem definidos, sentada calmamente com os braços
sobre a bolsa.
– É a senhorita que gostaria de falar comigo?
– Comissário Maigret?
– Venha comigo... Sente-se...
Ele tirou o sobretudo, o chapéu, sentou-se em sua cadeira e observou a moça de novo. Sem
esperar que ele fizesse alguma pergunta, ela começou a falar num tom de voz tranquilo:
– Eu me chamo Louise Bourges e sou a secretária particular do sr. Fumal.
– Há quanto tempo?
– Três anos.
– A senhorita mora no Boulevard de Courcelles, na mansão do seu chefe?
– Sim, mas também tenho um pequeno apartamento no Quai Voltaire.
– E por que a senhorita resolveu me procurar?
– Acredito que o sr. Fumal tenha vindo até aqui hoje de manhã.
– Ele comentou isso com a senhorita?
– Não. Eu o ouvi telefonar ao ministro do Interior.
– Ele telefonou ao ministro na sua frente?
– É claro. Não costumo ouvir conversas atrás das portas...
– A senhorita veio me perguntar algo a respeito da visita do sr. Fumal?
Ela fez que sim com a cabeça, depois ficou em silêncio por um tempo, até que disse:
– O sr. Fumal não sabe que estou aqui.
– Por onde é que ele anda a uma hora dessas?
– Ele está almoçando com alguns convidados num restaurante da Rive Gauche. Ele tem almoços
de negócios praticamente todos os dias.
Maigret ouvia o que ela dizia sem se manifestar. Ele se perguntava como uma moça bonita de
corpo, de traços benfeitos, harmoniosos, podia ser tão sem charme.
– Não quero tomar muito do seu tempo, sr. comissário. Eu não sei ao certo o que o sr. Fumal lhe
contou. Imagino que ele tenha lhe mostrado algumas cartas.
– A senhorita leu essas cartas?
– Li a primeira e pelo menos uma das outras. A primeira fui eu mesma quem abriu. A outra ele
deixou aberta sobre a escrivaninha.
– E como a senhorita sabe que são mais de duas?
– Porque sou eu que pego a correspondência. Reconheci a letra arredondada e o papel
amarelado dos envelopes.
– O sr. Fumal comentou sobre as cartas com a senhorita?
– Não.
Ela hesitou ainda por um momento. Maigret a olhava de forma insistente. Por fim, ela disse:
– Creio que o senhor deveria saber que foi ele mesmo quem escreveu as cartas.
As suas bochechas haviam ficado coradas, mas ela parecia aliviada por ter conseguido dizer o
que queria.
– E o que a faz pensar assim?
– Eu o surpreendi no momento em que ele estava para escrever uma delas. Eu nunca bato antes
de entrar no escritório. Essa é uma determinação dele. Naquele dia, ele pensou que eu estivesse na
rua, mas tive de voltar para pegar um documento que eu havia esquecido. Quando entrei no
escritório, eu o vi escrevendo com o mesmo tipo de letra arredondada numa folha de papel.
– Que dia foi isso?
– Anteontem.
– Ele ficou irritado?
– Ele escondeu a folha com um mata-borrão. Ontem, eu me perguntei onde é que ele teria
comprado aquele papel e os envelopes. Não é o tipo de material que usamos no Boulevard de
Courcelles nem nos escritórios da Rue Rambuteau. Como o senhor deve ter percebido, é um tipo de
papel comum, que se vende aos maços em tabacarias. Quando ele saiu, procurei pelo escritório para
ver se encontrava alguma folha.
– E encontrou?
Ela abriu a bolsa, tirando uma folha de papel e um envelope amarelado, que alcançou a Maigret.
– Onde foi que a senhorita encontrou esse material?
– Num armário em que guardamos apenas velhos documentos sem utilidade.
– E por que a senhorita resolveu vir aqui me contar tudo isso?
A pergunta desconcertou-a por um momento, mas ela em seguida retomou a calma e respondeu
com voz clara, inclusive com uma ponta de ousadia:
– Para me proteger.
– De quem?
– Dele.
– Não estou entendendo.
– O senhor não o conhece como eu o conheço.
Ela não imaginava que Maigret o conhecia de muito mais tempo!
– O que a senhorita quer dizer?
– Ele não dá ponto sem nó, o senhor entende? Ele não escreveria essas cartas para si mesmo sem
nenhum motivo. E muito menos ligaria para o ministro do Interior e depois viria aqui...
O raciocínio dela parecia correto.
– O senhor acredita que existam pessoas más de verdade? Pessoas que sintam prazer em praticar
o mal?
Maigret não respondeu.
– Ele é assim! Ele emprega, direta ou indiretamente, centenas de pessoas e faz questão de
dificultar ao máximo a vida de todas elas. Além disso, é esperto. É quase impossível esconder algo
dele. Ele paga mal aos próprios gerentes, só pelo prazer de surpreendê-los assim que tentam fazer
alguma trapaça em benefício próprio. Na Rue Rambuteau, havia um velho tesoureiro, um homem
doente, com seis ou sete filhos, a quem ele detestava sem nenhum motivo. O tesoureiro ficou lá por
cerca de trinta anos, como uma espécie de escravo, que só de ver o patrão já começava a tremer.
Quando seu estado de saúde se agravou, o sr. Fumal resolveu dar um jeito de colocá-lo na rua, sem
precisar pagar nenhum tipo de indenização. Para isso, o sr. Fumal foi ao escritório da Rue
Rambuteau, à noite, e tirou uma certa quantia em dinheiro do cofre, cuja chave só ele e o tesoureiro
tinham. No dia seguinte, colocou essas notas no bolso do casaco que o empregado deixava pendurado
na parede da sala. Mais tarde, ele pediu que o empregado abrisse o cofre. O senhor pode adivinhar o
resto. O velho tesoureiro chorava como criança e chegou a se ajoelhar. Foi uma cena atroz. No
último minuto, o sr. Fumal ameaçou chamar a polícia, de modo que o pobre homem foi embora ainda
dizendo obrigado. Agora o senhor entende por que tenho de me proteger?
Maigret murmurou cansado:
– Entendo.
– O que lhe contei é apenas um exemplo. Existem outros. Ele não faz nada sem motivo, e seus
motivos são sempre imprevisíveis.
– A senhorita acredita que ele se sinta ameaçado?
– É claro. Ele vive com medo. Pode parecer estranho, mas essa é a razão por que ele me proibiu
de bater à porta do escritório. Ele tem um sobressalto a cada vez que batem na porta sem que esteja
prevenido.
– Então existem pessoas que teriam motivo para matá-lo?
– Sim, muitas.
– Em suma, todos os que trabalham para ele?
– E também aqueles com quem ele tem negócios. Ele arruinou dezenas de pequenos açougueiros
que não queriam se unir a ele. O sr. Gaillardin, por exemplo.
– A senhorita o conhece?
– Sim.
– Que tipo de homem ele é?
– Um homem admirável. Ele mora num belo apartamento na Rue François-Ier com uma amante
cerca de vinte anos mais jovem. Ele tinha um negócio lucrativo e vivia muito bem, até o momento em
que o sr. Fumal resolveu fundar as Bouchers Associés. É uma longa história. Eles brigaram durante
quase dois anos, mas no final o sr. Gaillardin foi obrigado a ceder.
– A senhorita não gosta do sr. Fumal?
– Não.
– E por que continua trabalhando para ele?
Pela segunda vez, as suas bochechas coraram, mas ela manteve a calma.
– Por causa de Félix.
– Quem é Félix?
– O motorista.
– A senhorita é amante do motorista?
– Se o senhor quer pôr as coisas nesses termos... Na verdade, também somos noivos e
pretendemos casar assim que juntarmos o suficiente para comprar uma pousada em Giens.
– E por que em Giens?
– Por que nós dois nascemos nessa cidade.
– Vocês se conheciam antes de vir a Paris?
– Não. Nós nos conhecemos no Boulevard des Courcelles.
– O sr. Fumal sabe dos planos de vocês?
– Espero que não.
– E da relação de vocês?
– Imagino que sim. Ele não é um homem de quem se consiga esconder as coisas, e tenho a
impressão de que ele andou nos espionando. Ele deve ficar quieto até o momento em que possa usar
isso contra nós.
– Félix também tem a mesma opinião?
– Certamente.
Era preciso admitir que a moça parecia honesta em sua franqueza.
– O sr. Fumal tem uma esposa, não?
– Sim. Eles são casados há muito tempo.
– E como ela é?
– Como o senhor imagina que ela seja, casada com um homem como ele? Ele a aterroriza.
– Como assim?
– Ela vive na mansão como se fosse uma sombra. Ele entra e sai com amigos ou relações de
negócios. Ele a trata como uma empregada. Nunca a leva a lugar nenhum, a restaurantes ou ao teatro.
No verão, ele a manda passar as férias numa cabana na montanha.
– Ela é bonita?
– Não. O pai dela era um dos açougueiros mais importantes de Paris. Ele tinha uma loja na Rue
du Faubourg-Saint-Honoré, quando o sr. Fumal ainda não era rico.
– A senhorita pensa que ela sofre?
– Não. Ela se tornou indiferente a tudo. Ela dorme, bebe, lê romances e às vezes vai sozinha ao
cinema mais próximo.
– Ela é mais jovem do que ele?
– Provavelmente, mas não dá para perceber.
– Gostaria de me dizer mais alguma coisa?
– É melhor eu voltar agora, assim estarei no escritório quando ele chegar ao Boulevard de
Courcelles.
– A senhorita faz as refeições lá?
– Quase todos os dias.
– Com os outros empregados?
Pela terceira vez, ela ficou vermelha e fez que sim com a cabeça.
– Eu lhe agradeço, senhorita. Com certeza, passarei na mansão esta tarde.
– O senhor não vai contar a ele que...
– Não, pode ficar tranquila.
– Mas ele é muito esperto...
– Eu também!
Ele a observou afastar-se pelo longo corredor até a escada, onde desapareceu.
Por que diabos Ferdinand Fumal se enviava cartas ameaçadoras e depois vinha pedir ajuda à
polícia? Maigret teve de repente uma ideia, mas ela lhe pareceu simples demais.
Fumal tinha muitos inimigos. Alguns deviam querê-lo morto. E se recentemente ele tivesse
irritado algum deles mais do que deveria?
Ele não teria coragem de ir até a polícia e dizer:
– Sou um mau-caráter. Uma das pessoas que prejudiquei pretende me matar. Protejam-me.
Ele inventara um subterfúgio. Enviava a si mesmo cartas anônimas que levaria indignado ao
comissário.
Seria isso? Ou será que a mentirosa era a srta. Bourges?
Maigret, divagando sobre essas ideias, desceu as escadas que levavam ao laboratório. Moers
estava trabalhando nas cartas, e Maigret deu a ele a folha de papel e o envelope que a secretária
acabara de lhe entregar.
– Você descobriu alguma coisa?
– Impressões digitais.
– De quem?
– De três pessoas. Primeiro, as de um homem que não conheço, de dedos grandes e gordos,
depois as de Lucas e as do senhor.
– Só isso?
– Sim.
– Essa folha e esse envelope são idênticos aos outros?
Moers deu uma olhada rápida no material e disse que sim.
– Não cheguei a determinar as impressões digitais dos envelopes. Há sempre muitas, a começar
pelas do carteiro.
Quando Maigret voltou ao seu gabinete, teve vontade de mandar Fumal pastar, ele e toda aquela
história. Como ele iria proteger um homem que circula por toda a Paris? Só se o comissário
mobilizasse uma dúzia de inspetores...
– Miserável – murmurou Maigret entre os dentes.
Telefonaram a ele para falar da sra. Britt. Era a respeito de uma pista que estavam seguindo há
dois dias, mas que não havia dado em nada.
Maigret foi anunciar na sala dos inspetores:
– Se procurarem por mim, volto em uma ou duas horas.
Maigret entrou num dos carros pretos da P.J. e disse ao motorista:
– Boulevard de Courcelles, número 58.
Chovia de novo. Era visível no rosto dos passantes o quanto eles estavam cansados de patinar na
chuva fria e na lama.
A mansão, construída no final do século XIX, era espaçosa, com uma entrada para carros, grades
nas janelas do térreo e janelas enormes, muito altas, no piso superior. Maigret tocou uma campainha
de cobre, e um criado vestindo um colete listrado veio abrir-lhe a porta.
– É a residência do sr. Fumal?
– Ele não está.
– Nesse caso, gostaria de falar com a sra. Fumal.
– Não sei se ela poderá recebê-lo.
– Diga que é o comissário Maigret.
Nos fundos do pátio, viam-se velhas estrebarias que agora serviam de garagem. A presença de
dois carros indicava que o antigo açougueiro devia ter pelo menos três.
– Queira me acompanhar, por favor...
Uma ampla escadaria com balaustrada esculpida levava ao primeiro andar, onde duas estátuas
de mármore pareciam vigiar o patamar. Maigret teve de esperar sentado em uma desconfortável
cadeira renascença, enquanto o criado continuou subindo e desapareceu por um bom tempo.
O comissário podia ouvir os cochichos do andar de cima. Ouvia-se também o barulho distante
de uma máquina de escrever. A srta. Bourges devia estar trabalhando.
– A madame vai recebê-lo em seguida. Ela pede que o senhor espere só mais um momento...
O criado voltou ao térreo, e se passaram mais quinze minutos até que uma arrumadeira viesse
chamar o comissário.
– Comissário Maigret? Me acompanhe, por favor...
A atmosfera era tão impessoal quanto a de um prédio público. Havia muito espaço, mas pouca
vida, e as vozes ecoavam pelas paredes pintadas que imitavam mármore.
Maigret foi levado a um velho salão, onde um piano de cauda estava rodeado de no mínimo
quinze cadeiras cujo tecido começava a desbotar. Ele esperou ainda mais um pouco e por fim
apareceu uma mulher. Vestida num robe, com os olhos sem expressão, o rosto inchado e muito pálido
em meio aos cabelos pintados de preto, ela mais parecia um fantasma.
– Peço desculpas por deixá-lo esperando...
Ela falava como se estivesse sonâmbula.
– Sente-se, por favor. O senhor tem certeza de que é comigo que quer falar?
Louise Bourges havia dito a verdade quando se referira à bebida, mas o quadro ia bem além do
que o comissário poderia imaginar. O olhar da mulher diante dele era um olhar cansado, mas também
resignado, sem tristeza. Ela parecia viver em outra esfera.
– O seu marido procurou-me hoje de manhã. Parece que ele está sendo ameaçado de morte.
Ela não estremeceu. Apenas lançou a ele um olhar surpreso e um pouco forçado.
– Ele não contou isso à senhora?
– Ele não me conta nada.
– A senhora sabe se ele tem inimigos?
Era como se as palavras tivessem de fazer um longo caminho para chegar ao cérebro dela, e era
preciso também um tempo para que a resposta tomasse forma.
– Imagino que tenha... – murmurou ela por fim.
– A senhora casou por amor?
A pergunta não lhe pareceu compreensível, e ela se limitou a responder:
– Eu não sei.
– A senhora tem filhos?
Ela sacudiu a cabeça negativamente.
– Seu marido desejava ter algum?
Ela repetiu:
– Eu não sei.
Depois ela acrescentou de maneira apática:
– Imagino que sim.
O que mais ele poderia perguntar à mulher? Ela parecia incomunicável, como se vivesse num
universo diferente, num mundo à parte.
– Acho que interrompi a sua sesta.
– Não. Eu não faço sesta.
– Bem, acho melhor eu ir...
Não havia mais nada a fazer senão se retirar. Era o que Maigret estava prestes a fazer quando a
porta se abriu com violência.
– O que você está fazendo aqui? – perguntou Fumal, irado.
– Isso mesmo que o senhor está vendo. Conversando com a sua mulher.
– Disseram-me que um dos seus homens está lá embaixo interrogando meus empregados. E agora
encontro você aqui atormentando a minha mulher...
– Um momento. Foi o senhor quem veio me procurar...
– Mas não lhe dei o direito de vir se intrometer na minha vida particular.
Maigret despediu-se da mulher, que os observava atônita:
– Peço desculpas à senhora. Espero não tê-la incomodado.
Fumal acompanhou-o até a escada.
– O que foi que vocês conversaram?
– Perguntei se ela conhecia algum inimigo do senhor.
– E o que foi que ela respondeu?
– Que ela não conhecia nenhum, mas que era provável que o senhor tivesse vários.
– E que importância tem isso para a sua investigação?
– Nenhuma.
– Mas e então?
– Então o quê?
Maigret teve vontade de lhe perguntar por que ele enviava cartas anônimas a si mesmo, mas lhe
pareceu que aquela ainda não era a hora de tocar no assunto.
– Há mais alguém nessa casa que você gostaria de interrogar?
– Um dos meus inspetores deve estar fazendo isso. Esse que está aí embaixo. Se o senhor quer
mesmo ser protegido, o melhor é que um dos meus homens o siga em suas idas e vindas pela cidade.
Estaremos vigiando a casa, mas quando o senhor for à Rue Rambuteau...
Os dois estavam na escada. Fumal parecia refletir e olhava desconfiado para Maigret.
– A partir de quando isso vai começar?
– Quando o senhor quiser.
– Amanhã de manhã?
– Certo. Enviarei alguém aqui amanhã de manhã. A que horas o senhor costuma sair?
– Isso depende do dia. Amanhã, às oito horas, vou à Place de la Villette.
– Um inspetor virá aqui às sete e meia.
Quando eles chegaram ao térreo, um homem que acabara de entrar na casa caminhou na direção
deles. Era pequeno e calvo, estava todo vestido de preto e trazia o chapéu na mão. Ele parecia
conhecer bem o lugar e lançou a Maigret, depois a Fumal, um olhar interrogador.
– Esse é o comissário Maigret, Joseph. Estou tratando com ele de um assunto particular.
Depois Fumal disse ao comissário:
– Esse é Joseph Goldman, o homem que cuida dos meus negócios. Ele é o meu braço direito.
Joseph trazia uma pasta preta de couro debaixo do braço. Os dentes estragados apareciam
através do sorriso.
– Eu me despeço do senhor aqui, comissário. Victor vai levá-lo até a porta.
Victor era o criado de colete listrado, que esperava por Maigret ao pé da escada.
– Ficarei esperando pelo inspetor amanhã de manhã.
– Vou enviá-lo no horário combinado – respondeu Maigret.
Maigret nunca se sentira tão impotente. As coisas pareciam todas irreais, a começar pela
mansão! O criado de colete listrado sorria-lhe de uma forma estranha ao fechar a porta.
De volta ao Quai des Orfèvres, Maigret pensou em quem ele enviaria na manhã seguinte para
acompanhar Fumal. Acabou escolhendo Lapointe, a quem deu as seguintes instruções:
– Esteja lá às sete e meia. Acompanhe-o sempre. Ele deve levar você junto dentro do carro. É
possível que ele seja desagradável.
– Por quê?
– Por que é o jeito dele. Procure não se irritar.
Ele tinha de tratar agora do caso da velha inglesa. Alguém a teria visto em Maubeuge. O
provável é que não fosse ela. Eram muitas as pistas falsas. Senhoras inglesas eram vistas por toda a
França.
Vacher telefonou a Maigret:
– O que eu devo fazer? Devo ficar dentro ou fora da mansão?
– Tanto faz. Fique onde preferir.
– Apesar da chuva, acho melhor eu ficar do lado de fora.
Vacher também não tinha gostado da atmosfera da mansão do Boulevard de Courcelles.
– Vou pedir que alguém vá até aí assumir o seu lugar por volta da meia-noite.
– Está bem, chefe. Obrigado.
Maigret jantou em casa. Naquela noite, sua mulher não teve dor de dente e dormiu até as sete e
meia da manhã. Ela levou para ele na cama uma xícara de café, e o primeiro olhar do comissário foi
para a janela, que mostrava um céu tão carregado como o dos dias anteriores.
Ele tinha acabado de entrar no banheiro quando o telefone tocou. Ele ouviu a voz da sra.
Maigret:
– Sim... Sim... Um instante, sr. Lapointe...
Só podia ter acontecido o pior. Às sete e meia da manhã, Lapointe devia ter ido ao Boulevard de
Courcelles encontrar com Fumal. Se ele estava ligando...
– Alô... Sou eu...
– Escute, chefe... Aconteceu...
– Morto?
– Sim.
– Mas como?
– Não sei. Talvez envenenado. Não há nenhum ferimento aparente. Não tive tempo de examiná-
lo. O médico ainda não chegou.
– Já estou indo!
Parecia mesmo que a visita de Fumal só lhe traria problemas...
CAPÍTULO III
Publicava-se a lista das sociedades fundadas por ele, das filiais e subfiliais que constituíam um
verdadeiro império.
Lembravam-se também de algo que Maigret não sabia: há cinco anos, esse império por pouco
não desabara, quando o fisco resolveu meter o nariz nos negócios de Fumal. O escândalo fora
evitado, embora, nos meios mais bem-informados, se falasse numa fraude de mais de um milhão.
Como conseguiram abafar o escândalo? Os jornais não explicavam direito, apenas davam a
entender que o antigo açougueiro contava com uma proteção vinda dos altos escalões.
Um dos jornais perguntava:
Sua morte reabriria as investigações?
Muitas pessoas, em todo caso, deveriam estar numa situação delicada, inclusive o ministro que
havia ligado para a P.J.
O que os jornais ignoravam ainda, o que talvez eles ainda fossem descobrir, é que Fumal havia
procurado a polícia no dia anterior para que ela o protegesse.
Teria Maigret feito tudo o que era possível fazer?
Ele enviara um inspetor para vigiar a casa no Boulevard de Courcelles, como era o
procedimento usual em tais casos. Ele mesmo fora dar uma olhada no local e encarregara Lapointe de
acompanhar Fumal durante os seus deslocamentos pela cidade no dia seguinte. Eles dariam
continuidade à investigação quando...
Ele não cometera nenhum erro, mas nem por isso estava satisfeito. Talvez ele tivesse se deixado
influenciar pelas lembranças da infância, pela maneira como o pai de Fumal havia tratado o seu
próprio pai.
Maigret não tinha sido nem um pouco simpático com o homem que fora visitá-lo recomendado
pelo ministro.
Diferentemente disso, ele não duvidara da palavra de Louise Bourges, a secretária, quando ela
fora procurá-lo na P.J.
Ele estava convencido da verdade da história que Martine lhe contara no restaurante. Ferdinand
Fumal era um homem capaz de humilhar uma mulher da forma mais nojenta. Era verdade também que
a secretária sentia por ele um profundo desprezo. Ela o odiava e só continuava trabalhando para ele a
fim de guardar dinheiro para casar com Félix e comprar uma pousada em Giens.
Estaria ela satisfeita com o salário que ganhava? Não teria descoberto algum segredo que
pudesse lhe assegurar a obtenção de mais dinheiro?
Fumal havia dito à amante:
– Eles só pensam em me roubar...
Teria ele se comportado tão mal? Maigret não tinha encontrado nenhum empregado que
manifestasse por ele qualquer simpatia. Todos pareciam trabalhar para ele obrigados.
Fumal não fazia nenhum esforço para que gostassem dele. Pelo contrário, seria possível dizer
que tinha um prazer mórbido, uma alegria perversa em provocar o ódio dos outros.
Esse ódio, Fumal o sentia ao redor de si, e não era algo que vinha de ontem, não vinha de
semanas e nem mesmo de alguns anos atrás...
O que é que o levara a procurar proteção no dia anterior?
Teria a secretária contado a verdade? Nesse caso, por que motivo estaria ele escrevendo, a si
mesmo, cartas anônimas ameaçadoras?
Talvez ele tivesse descoberto um inimigo mais perigoso do que os outros. Ou talvez ele tivesse
feito algo que o colocasse em perigo de uma forma mais contundente.
Era uma possibilidade. Moers havia estudado não apenas as cartas, mas também exemplos da
caligrafia de Fumal e de Louise Bourges. Moers tinha pedido a ajuda de um dos maiores
especialistas em Paris.
Do escritório da mansão, Maigret, ainda de mau humor, ligou ao laboratório.
– Moers?... Você tem algum resultado?
Ele os imaginava no último andar do Palácio de Justiça, trabalhando sob uma lâmpada,
projetando um a um os documentos numa tela.
Moers, com uma voz cansada, confirmou que, em todas as cartas, as impressões digitais eram
realmente as de Fumal. Havia também as impressões de Maigret e de Lucas e, na primeira carta, as
de Louise Bourges.
Isso parecia confirmar que a secretária falara a verdade quando ela dissera ter aberto a primeira
carta, mas não as seguintes.
Só que isso não provava nada. Ela era inteligente o suficiente para se lembrar de usar luvas,
caso tivesse escrito as outras.
– E a caligrafia?
– Estamos trabalhando nisso. Como as mensagens foram escritas em letras de forma, a análise é
complicada. Até o momento, nada sugere que Fumal não tenha ele próprio escrito as cartas.
Os empregados continuavam a ser interrogados nas salas adjacentes. Eram confrontados uns com
os outros, depois separados e levados para depor sozinhos. Havia já páginas e páginas de
depoimentos que Maigret pediu que lhe trouxessem e que se pôs a folhear.
O depoimento de Félix, o motorista, confirmava o de Louise Bourges. Era um homem baixo e
atarracado, de cabelos pretos, cujo olhar tinha uma certa arrogância.
Pergunta – O senhor é o amante da srta. Louise Bourges?
Resposta – Somos noivos.
Pergunta – O senhor dorme com ela?
Resposta – Ela pode lhes dizer isso, se julgar conveniente.
Pergunta – O senhor passa a maior parte das noites no quarto dela?
Resposta – Se ela lhes disse isso, é porque é verdade.
Pergunta – Quando vocês planejam casar?
Resposta – Logo que possível.
Pergunta – E o que estão esperando?
Resposta – Estamos juntando dinheiro para termos um canto nosso.
Pergunta – No que o senhor trabalhava antes?
Resposta – Eu era ajudante num açougue.
Pergunta – E o que levou o sr. Fumal a contratá-lo como motorista?
Resposta – Para variar, ele comprou o açougue onde eu trabalhava. Depois, reparou em mim e
perguntou se eu sabia dirigir. Eu disse a ele que era eu quem fazia as entregas de caminhonete.
Pergunta – Louise Bourges já trabalhava para ele?
Resposta – Não.
Pergunta – Você não a conhecia?
Resposta – Não.
Pergunta – O seu patrão quase nunca andava a pé, certo?
Resposta – Ele tinha três carros.
Pergunta – Ele nunca dirigia?
Resposta – Não. Eu o levava para todos os lugares.
Pergunta – À Rue de l’Étoile também?
Resposta – Também.
Pergunta – O senhor sabe quem ele ia visitar lá?
Resposta – A amante dele.
Pergunta – O senhor a conhece?
Resposta – Já levei os dois dentro do carro, a restaurantes ou a Montmartre.
Pergunta – Nesses últimos dias, Fumal não tentou escapar do senhor?
Resposta – Como assim?
Pergunta – Por exemplo, pedindo para ser levado a algum lugar e depois tomando dali um táxi
para outro lugar.
Resposta – Não percebi nada disso.
Pergunta – Ele não pediu que o senhor parasse na frente de alguma papelaria? Não pediu que o
senhor comprasse para ele papel e envelopes?
Resposta – Não.
O interrogatório continuava por páginas e mais páginas. Em certo ponto, lia-se o seguinte:
Pergunta – O senhor o considerava um bom patrão?
Resposta – Não existem bons patrões.
Pergunta – O senhor o detestava?
O motorista não respondeu à pergunta.
Pergunta – Louise Bourges teve relações íntimas com ele?
Resposta – Se isso tivesse acontecido, eu teria acabado com ele. Pouco me importa se fosse
Fumal ou outra pessoa qualquer... E se o senhor continuar com esse tipo de insinuação...
Pergunta – Ele nem mesmo tentou?
Resposta – Para o bem dele, não.
Pergunta – O senhor o roubava?
Resposta – Como?
Pergunta – Estou perguntando se o senhor não embolsava algum dinheiro quando tinha, por
exemplo, de mandar fazer reparos nos carros.
Resposta – Dá para perceber que o senhor não o conhecia.
Pergunta – Ele era meticuloso com as contas?
Resposta – Ele não permitiria que o fizessem de trouxa.
Pergunta – De forma que o senhor tinha apenas o seu salário?
Em outro depoimento, aquele de Louise Bourges, Maigret leu o seguinte:
Pergunta – O seu patrão nunca tentou levá-la para a cama?
Resposta – Ele não precisava de mim para esse tipo de serviço. Ele tinha uma amante.
Pergunta – Ele não se relacionava mais com a mulher?
Resposta – Isso não é da minha conta.
Pergunta – Ninguém nunca lhe ofereceu dinheiro para que a senhorita tentasse influenciá-lo ou
para que a senhorita revelasse algum segredo sobre os negócios dele?
Resposta – Ninguém conseguiria influenciá-lo, e ele não contava os seus segredos para ninguém.
Pergunta – A senhorita pensava em parar de trabalhar para ele quando?
Resposta – Assim que possível.
Germaine era a empregada responsável pela limpeza pesada da mansão. Ela também nascera em
Saint-Fiacre, e um de seus irmãos continuava trabalhando por lá. Ele trabalhava em uma das fazendas
que pertenciam antigamente aos condes de Saint-Fiacre e que haviam sido compradas por Fumal.
Pergunta – Como foi que a senhora começou a trabalhar para ele?
Resposta – Eu fiquei viúva. Trabalhava para o meu irmão. O sr. Fumal me propôs vir com ele a
Paris.
Pergunta – A senhora é feliz aqui?
Resposta – Nunca fui feliz na minha vida.
Pergunta – A senhora gostava do seu patrão?
Resposta – Ele não gostava de ninguém.
Pergunta – E a senhora?
Resposta – Não tenho tempo de ficar me fazendo esse tipo de pergunta.
Pergunta – A senhora sabia que o irmão da sra. Fumal costumava dormir no segundo andar da
mansão?
Resposta – Isso não é da minha conta.
Pergunta – A senhora nunca pensou em contar isso ao seu patrão?
Resposta – O que se passa entre o patrão e a patroa não é da nossa conta.
Pergunta – A senhora espera continuar trabalhando para a sra. Fumal?
Resposta – Eu farei o que sempre fiz em toda a minha vida. Estarei onde precisarem de mim.
O telefone tocou no escritório. Maigret atendeu. Era do comissariado da Rue de Maistre, em
Montmartre.
– O homem que vocês estão procurando está aqui.
– Que homem?
– Emile Lentin. Ele foi encontrado num bar, perto da Place Clichy.
– Bêbado?
– Bastante.
– Ele disse alguma coisa?
– Nada.
– Leve-o para o Quai des Orfèvres. Devo interrogá-lo a qualquer momento.
Nenhuma arma fora encontrada nem na casa nem nos imóveis conjugados.
O sr. Joseph, sentado numa das desconfortáveis cadeiras renascença da antessala, roía as unhas,
esperando que um dos inspetores o interrogasse pela terceira vez.
CAPÍTULO VI
Não se falava do ministro, mas se dava a entender que Fumal exercia uma enorme influência
política.
Maigret subiu lentamente a escadaria. Cumprimentou Joseph com um aceno de mão, esperando
que ele dissesse que o diretor já estava esperando por ele. Mas Joseph não disse nada.
No gabinete, relatórios o esperavam sobre a mesa.
O do médico-legista confirmava aquilo que ele já sabia. Fumal havia sido morto à queima-
roupa. O tiro fora disparado a menos de vinte centímetros do corpo. A bala tinha sido encontrada na
caixa torácica.
De acordo com o especialista, a bala havia sido atirada de uma pistola Luger automática. O
mesmo tipo usado pelos alemães na última guerra.
Um telegrama de Monte-Carlo falava da sra. Britt: não era ela quem tinha sido vista nas mesas
de jogo, mas sim uma holandesa parecida com ela.
A campainha da reunião soou no corredor, e Maigret dirigiu-se suspirando à sala do diretor,
onde apertou distraidamente a mão de seus colegas.
Como era de se esperar, ele era o centro das atenções. Os inspetores sabiam melhor do que
ninguém o quanto era delicada a sua situação e testemunhavam discretamente o seu apoio e a sua
simpatia.
O diretor fingia ser otimista e não dar maior importância ao caso.
– Nada de novo, Maigret?
– A investigação continua.
– Você já leu os jornais?
– Acabo de dar uma olhada. Só estarão satisfeitos quando prendermos alguém.
A imprensa iria aborrecê-lo. Junto com o mistério do desaparecimento da inglesa, a morte de
Fumal não aumentaria em nada o prestígio da P.J.
– Estou fazendo o melhor que posso – suspirou Maigret.
– Tem alguma pista?
Ele deu de ombros. Podia chamar as conclusões a que tinha chegado de pistas? Cada um falou
dos casos de que estava encarregado e, quando se separaram, os olhares que os colegas lançavam a
Maigret pareciam condolências.
O especialista do setor de finanças estava no gabinete do comissário, à sua espera. Maigret
escutou-o distraído, pois procurava a todo custo se lembrar do sonho.
Os negócios de Fumal eram de um volume ainda maior do que davam a entender os jornais. Em
poucos anos, ele havia praticamente organizado um verdadeiro cartel do comércio de carnes.
– Por trás dessas operações, há alguém com uma inteligência diabólica – explicava o
especialista. – Alguém com um considerável conhecimento na área jurídica. Seria preciso meses
para se fazer um levantamento das sociedades e filiais ligadas, em última instância, a Fumal. O
pessoal da arrecadação está agora se ocupando disso...
A inteligência por trás dos negócios devia ser certamente a do sr. Joseph. Fumal já era rico antes
de conhecê-lo, mas só depois é que se tornara tão poderoso.
O setor financeiro do Ministério Público, bem como o pessoal do imposto de renda, se eles
estivessem interessados, cuidariam de tais questões.
A obrigação de Maigret era encontrar quem havia atirado em Fumal à queima-roupa no
escritório, enquanto Vacher vigiava a casa do lado de fora.
Ligaram para Maigret. Insistiam em falar com ele pessoalmente. Era a sra. Gaillardin, a
verdadeira, a esposa que vivia em Neuilly. Ela ligava de Cannes, para onde fora com os filhos. Ela
queria detalhes sobre a investigação. Um jornal da Côte d’Azur, dizia ela, informava que Gaillardin,
depois de matar Fumal no Boulevard de Courcelles, suicidara-se em Puteaux.
– Telefonei hoje de manhã ao meu advogado. Quero que o senhor saiba, desde já, que a mulher
da Rue François-Ier não tem direito algum a nada. Meu marido e eu nunca pensamos em nos
divorciar e nos casamos em regime de comunhão de bens. Meu advogado vai provar que Fumal o
roubou e exigir quantias que...
Maigret suspirava, com o fone no ouvido, murmurando de tempos em tempos:
– Sim, senhora... Muito bem...
No final da conversa, ele perguntou:
– O seu marido tinha uma Luger?
– O quê?
– Nada. Ele participou da última guerra?
– Ele era reformado.
– Ele não foi preso ou deportado à Alemanha?
– Não. Por quê?
– Por nada. A senhora alguma vez viu uma arma no apartamento de vocês em Neuilly?
– Ele tinha uma, mas a levou para a casa dessa... dessa...
– Está certo, obrigado. Preciso desligar.
A mulher parecia determinada a defender o que era de direito dos filhos.
Maigret foi até a sala dos inspetores, olhou ao redor e perguntou:
– Lapointe não está aqui?
– Ele deve ter ido ao banheiro.
O comissário ficou um tempo esperando.
– Aillevard ainda não apareceu?
Lapointe retornou por fim e ficou vermelho ao ver que Maigret o esperava.
– Diga, meu jovem... Ontem de manhã, quando você entrou no escritório, na mansão do
Boulevard de Courcelles... Pense bem... As cortinas estavam abertas ou fechadas?
– Estavam como o senhor as encontrou. Nem eu nem ninguém mexeu nelas.
– Elas estavam, portanto, abertas?
– Sem dúvida. Posso jurar. Eu me lembro, inclusive, de ter observado as antigas estrebarias no
fundo do pátio.
– Venha comigo...
Era um hábito do comissário levar sempre alguém junto consigo quando fazia uma investigação.
Dentro do carro preto da P.J., ele mal abriu a boca. No Boulevard de Courcelles, foi ele quem tocou
a campainha, e Victor veio abrir a porta.
Maigret observou que ele não estava barbeado. Assim, ele realmente parecia mesmo mais um
caçador clandestino do que um criado ou porteiro.
– O inspetor está lá em cima?
– Sim. Levaram a ele café e croissants.
– Quem levou?
– Noémi.
– O sr. Joseph desceu?
– Eu não o vi.
– E a srta. Louise?
– Há meia hora, ela estava tomando café na cozinha. Não sei se ela já subiu.
– E Félix?
– Está na garagem.
Avançando um pouco, Maigret pôde vê-lo, através da janela, polindo um dos carros, como se
nada tivesse acontecido.
– O notário ainda não chegou?
– Eu não sabia que estavam esperando por ele.
– Estamos esperando também pelo juiz de instrução. Quando eles chegarem, leve-os até o
escritório.
– Certo, senhor comissário.
Maigret tinha uma pergunta na ponta da língua, mas, no momento de formulá-la, ela fugiu da
memória. Talvez não fosse nada importante.
No primeiro andar, eles encontraram o inspetor Janin, que estava vigiando o local desde a
segunda parte da noite. Ele também não se barbeara e parecia cair de sono.
– Não aconteceu nada?
– Nada. A srta. Bourges apareceu e perguntou se eu precisava dela. Eu lhe disse que não, e
depois de um momento ela foi embora, me dizendo que estaria no quarto e que era para eu chamá-la
se precisasse de algo.
– Ela não entrou no escritório?
– Sim, mas ficou pouco tempo.
– Abriu as gavetas?
– Acho que não. Ela saiu carregando na mão um blusão vermelho de tricô, que ela não trazia
junto ao chegar.
Maigret lembrou-se de que ela usava um blusão vermelho no dia anterior. Ela provavelmente se
esquecera dele em alguma das peças do primeiro andar.
– E a sra. Fumal?
– Acabam de levar-lhe o café da manhã numa bandeja.
– Ela não desceu?
– Eu não a vi.
– Vá descansar. À noite, você escreve o relatório.
As cortinas vermelhas do escritório continuavam abertas. Maigret encarregou Lapointe de
perguntar às empregadas se tinham o hábito de fechá-las. Ele olhou através de uma das janelas. Bem
à frente, num nível um pouco mais alto, uma janela estava aberta, e via-se uma jovem loira que ia e
vinha, movendo os lábios, como se cantarolasse enquanto arrumava o quarto. Era Louise Bourges.
Maigret teve de repente uma ideia e recuou até o cofre, encostado na parede oposta à janela.
Será que ela poderia vê-lo?
Caso ela pudesse... Maigret, curioso, desceu as escadas, atravessou o pátio subiu a escadinha
estreita que levava ao quarto da secretária. Ele bateu na porta. Ela respondeu:
– Entre!
Não pareceu surpresa de vê-lo, apenas murmurou:
– É o senhor?
Ele já conhecia a peça, que era espaçosa, arrumada com capricho. Numa cômoda, havia um
radiogravador e, na mesinha de cabeceira, um abajur laranja. O que mais interessava a Maigret era a
janela. Ele foi até ela, se debruçou sobre o peitoril e observou o escritório em frente na penumbra. O
comissário não se lembrara de acender as lâmpadas antes de sair.
– A senhorita poderia ir até lá acender as luzes?
– Lá onde?
– No escritório.
Ela não pareceu amedrontada nem surpresa.
– Espere um pouco... A senhorita sabe o que o seu patrão guardava no cofre?
Ela hesitou, mas não por muito tempo.
– Sim. Prefiro dizer a verdade.
– E qual é a verdade?
– Ele guardava ali certos documentos importantes. Além disso, joias da madame Fumal, cartas
que nunca cheguei a ter acesso e também dinheiro.
– Muito dinheiro?
– Muito. Ele era obrigado a ter sempre à mão uma grande quantidade de dinheiro vivo, como o
senhor pode imaginar. Nas transações que fazia, havia sempre uma quantia que passava por debaixo
da mesa, que ele não podia pagar em cheque.
– Quanto, exatamente?
– Eu o via com certa frequência entregar dois ou três milhões em notas.
– Devem ser encontrados, portanto, vários milhões em espécie no cofre?
– A menos que ele os tenha tirado.
– Quando?
– Eu não sei.
– Vá lá acender as lâmpadas.
– Depois devo retornar aqui?
– Espere por mim lá.
O quarto de Louise Bourges fora revistado sem nenhum resultado. Nele não havia nem pistola
Luger nem papéis comprometedores. Em dinheiro, nada além de algumas notas de cem e mil francos.
A moça atravessou o pátio. Pareceu a Maigret que ela estava demorando para chegar ao
escritório, mas talvez tivesse encontrado alguém pelo caminho.
As lâmpadas por fim se acenderam e, de repente, através do tule fininho que cobria os vidros, os
menores detalhes da peça tornaram-se visíveis. Do cofre, entretanto, só se via a metade esquerda.
O comissário fazia um esforço para determinar o lugar onde Fumal estaria ao ser assassinado.
Mas essa era uma questão de difícil resposta, porque o corpo poderia ter girado antes de cair no
chão.
A cena poderia ser visível do quarto de Louise Bourges. De qualquer forma dali se via com
clareza qualquer um que entrasse ou saísse do escritório.
Maigret atravessou o pátio, subiu as escadas, sem encontrar ninguém. Louise esperava por ele no
patamar.
– O senhor descobriu o que queria?
Maigret fez que sim com a cabeça. Ela o seguiu até o escritório.
– O senhor pode reparar que daqui também se vê praticamente todo o meu quarto.
Ele prestava atenção ao que ela dizia.
– Como o sr. Fumal quase nunca fechava as cortinas do escritório, Félix e eu tínhamos um
motivo a mais para fechar as persianas. Nenhum de nós é exibicionista.
– Mas então ele às vezes fechava as cortinas?
– Sim. Por exemplo, quando ele trabalhava até tarde com o sr. Joseph, ele sempre as fechava. Eu
me pergunto por quê. Imagino que fosse porque nessas noites eles abriam o cofre.
– A senhorita acha que o sr. Joseph conhece o segredo?
– Acho que não.
– E a senhorita conhece?
– É claro que não.
– Lapointe!... Suba até o apartamento do sr. Joseph e pergunte a ele se conhece o segredo do
cofre.
A chave fora encontrada no bolso do morto. A sra. Fumal, interrogada no dia anterior, nada sabia
a respeito. O notário também disse não conhecer o segredo, e por isso esperavam, naquela manhã,
por um especialista da fábrica de cofres, além do juiz de instrução.
– A senhorita não está grávida? – perguntou Maigret de repente.
– Por que o senhor quer saber? Não, não estou.
Ouviram-se passos na escadaria. Era o especialista da fábrica de cofres, um homem alto e
magro, de bigodes, que olhou imediatamente para o cofre da mesma forma como um cirurgião olharia
para um paciente que tivesse de operar.
– Precisamos esperar pelo juiz e pelo notário.
– Eu sei. Já estou acostumado.
Quando os dois chegaram, o notário pediu a presença da sra. Fumal, que seria provavelmente a
herdeira de tudo. Lapointe, que já havia descido, foi procurá-la.
Ao contrário da noite anterior, ela não estava completamente bêbada, apenas alta. Devia ter
bebido algo antes de descer, para tomar coragem, pois seu hálito cheirava a álcool.
O escrivão já estava acomodado no escritório.
– Creio que a senhorita não tem nada para fazer aqui – disse Maigret a Louise Bourges ao
perceber que a secretária não tinha se retirado.
Como ele se arrependeria por ter dito aquilo!
O juiz Planche e ele começaram a conversar no canto da janela, enquanto o especialista
trabalhava. Isso levou cerca de meia hora, depois do que se ouviu um clique e a porta pesada então
se abriu.
O notário foi o primeiro a se aproximar e olhar o interior do cofre. O juiz e Maigret mantinham-
se afastados.
Alguns envelopes amarelos, bastante amassados, continham apenas recibos, correspondência e
reconhecimentos de dívidas, assinados por pessoas diferentes.
Em outra divisória, havia dossiês referentes aos diferentes negócios de Fumal.
Não havia nada de dinheiro, uma nota que fosse.
Sentindo a presença de alguém atrás de si, Maigret virou-se. O sr. Joseph estava sob a soleira da
porta.
– Eles estão aí? – perguntou ele.
– Eles quem?
– Os quinze milhões. Deveria haver quinze milhões em dinheiro no cofre. Eles estavam aí há três
dias, e estou certo de que o sr. Fumal não os retirou.
– O senhor tem uma chave?
– Acabei de dizer ao seu inspetor que não tenho.
– Ninguém tem uma outra chave do cofre?
– Que eu saiba, não.
Caminhando ao longo da sala, Maigret viu-se diante da janela e enxergou, do outro lado do
pátio, Louise Bourges, que cantarolava de novo no quarto, indiferente ao que acontecia na mansão.
CAPÍTULO VIII
GEORGES JOSEPH CHRISTIAN SIMENON nasceu na cidade belga de Liège, em 12 de fevereiro de 1903,
filho de Desiré Simenon, contador de uma companhia de seguros, e Henriette. A família era católica,
e o comparecimento a rituais da Igreja foi uma constante na infância do autor. Christian, filho mais
novo do casal, era o preferido de Henriette, enquanto Georges venerava o pai, um homem paciente
que não desperdiçava palavras. Era adolescente quando Liège foi ocupada pelos alemães durante a
Primeira Guerra Mundial.
Ainda na juventude do autor, seu pai adoeceu gravemente do coração. Georges abandonou a
escola e começou a trabalhar. Passou por vários empregos, até que, em janeiro de 1919, foi admitido
como office boy no Gazette de Liège, sendo posteriormente promovido a repórter. Escreveu sob
vários pseudônimos, até chegar ao nome de Georges Sim, que usaria por doze anos. Na atividade
jornalística, adquiriu habilidades que muito lhe valeriam na carreira de romancista: escrever rápido
e respeitar prazos. Paralelamente ao trabalho, nesse período Simenon aplicou-se no estudo de
medicina forense. Também nessa época começou suas primeiras experimentações literárias e
conheceu Régine Renchon, a quem apelidou de Tigy, sua futura mulher.
Seu pai morreu em 1921, e, após cumprir o serviço militar, Georges mudou-se para Paris, em
1922, onde se sustentou graças ao salário de secretário particular. Nos anos seguintes, ele se
estabeleceria como autor de literatura pulp, além de frequentar artistas da cena francesa, como o
cineasta Jean Renoir, de quem se tornou amigo, e a cantora americana Josephine Baker, de quem foi
amante. Já nessa época estava em gestação aquele que se tornaria um dos mais famosos personagens
da literatura ocidental, o inspetor Jules Maigret.
Entre 1929 e 1930, Simenon escreveu sob pseudônimo vários textos que prenunciavam o
surgimento da série em que o comissário da Polícia Judiciária francesa desvenda uma série de
crimes. Os anos de 1930 e 1931 foram dedicados à redação dos romances que comporiam a série
Maigret e que seriam publicados já com o nome do autor pela editora francesa Fayard a partir de
1931. Pietr-le-Letton (O assassino sem rosto) foi o primeiro desses romances a ser escrito, mas
Monsieur Gallet, décédé foi o primeiro a ser publicado, obtendo sucesso imediato, como os demais
livros que se seguiriam. Todo o universo e a ética de Maigret já estavam estabelecidos nos primeiros
livros da série. As histórias protagonizadas pelo inspetor Maigret – parisiense, fumante de cachimbo,
usando sempre um sobretudo de gola de veludo e chapéu – compõem uma categoria sui generis da
literatura policial: o êxito junto ao público deve-se menos ao enredo e à descoberta do mistério do
que ao misto de ceticismo e esperança com o qual o taciturno Maigret vê a sociedade – visão
psicológica que é a principal arma desse humanista no combate contra o crime. Com o passar dos
anos, a composição dos personagens secundários se tornaria mais complexa e o tom dos romances,
mais filosófico.
Em 1933, já havia escrito seis romances em um estilo diferente do que praticara até então, que
ele chamou de roman dur : romances que não necessariamente giram em torno de um crime e que se
apoiam, sobretudo, na riqueza psicológica dos personagens. A essa altura a família já estava vivendo
na propriedade em La Rochelle, na costa oeste da França.
Em 1945, Simenon – já com problemas de coração –, Tigy e o filho do casal, Marc, deixaram a
Europa em direção à América. Lá, ele conheceu Denyse Ouimet, que se tornaria sua segunda mulher.
Em 1953, nasceu Marie-Jo, a única filha do autor, que acabaria se suicidando em 1978. Em 1955, a
família retornou à Europa, estabelecendo-se na Suíça.
A década que se seguiu foi turbulenta: Denyse sofreu de problemas psiquiátricos que a levaram à
internação, em 1962, e, em 1964, abandonou a recém-construída residência familiar, na cidade suíça
de Épalinges. Em 1970, morreu a mãe de Simenon, com quem ele sempre tivera relações
problemáticas, e nesse mesmo ano ele escreveu seu último roman dur, Les Innocents, além de
Maigret e o sumiço do sr. Charles, o último romance protagonizado por Jules Maigret. A partir de
1973, Simenon ditou e escreveu apenas livros de memórias que, como seus textos autobiográficos,
são vistos com reservas por muitos estudiosos de sua obra, no que diz respeito à veracidade dos
fatos. Nos últimos anos, o escritor viveu recluso, fazendo aparições públicas apenas ocasionalmente,
das quais a mais famosa foi a entrevista dada ao cineasta e amigo Federico Fellini, na qual afirmou
ter mantido relações com dez mil mulheres. Morreu aos 86 anos, no dia 4 de setembro de 1989, em
Lausanne.
Simenon, o mais emblemático caso de proficuidade literária do século XX, é autor de mais de
duzentos romances (75 dos quais protagonizados pelo inspetor Maigret), 155 contos (trinta com
Maigret) e 25 textos autobiográficos. Esses números são apenas aproximados, já que vários escritos
foram publicados apenas em periódicos, sob até 29 pseudônimos. Dezenas de livros seus foram
adaptados para a tevê, cinema e quadrinhos, e a sua venda mundial é estimada em 1,5 bilhão de
exemplares, em mais de cinquenta línguas. Atestando a sua permanência literária e a excelência de
sua ficção, foi recentemente eleito o segundo melhor autor de livros de mistério pelo jornal The
Times, somente atrás de Patricia Highsmith.
Texto de acordo com a nova ortografia.
S599f
MAIGRET(tm) Un échec de Maigret © 1956 Georges Simenon Limited. All rights reserved.
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