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Nietzsche: humano,

demasiado humano
Friedrich Wilhelm Nietzsche foi um filósofo, filólogo,
crítico cultural, poeta e compositor prussiano do século
XIX, nascido na atual Alemanha. Escreveu vários textos
criticando a religião, a moral, a cultura contemporânea,
filosofia e ciência, exibindo uma predileção por metáfora,
ironia e aforismo.
15 de outubro de 1844 - 25 de agosto de 1900
Apolíneo e dionisíaco
Em sua obra, Nietzsche critica a tradição da filosofia
ocidental a partir de Sócrates, a quem acusa de ter
negado a intuição criadora da filosofia anterior,
pré-socrática.
Nessa análise, o filósofo alemão estabelece a
distinção entre dois princípios: o apolíneo e o dionisíaco.
Apolo: deus grego da razão, da clareza e da
ordem.
Dionísio: deus da aventura, da música, da
fantasia e da desordem.
Para Nietzsche, esses dois princípios ou dimensões
complementares da realidade, o apolíneo e o dionisíaco,
foram separados da Grécia socrática, que, optando pelo
culto à razão, secou a seiva criadora da filosofia, contida
na dimensão dionisíaca.
GENEALOGIA DA MORAL
Genealogia: Exposição cronológica da filiação de alguém
cujas investigações possibilitam o conhecimento de sua
descendência a partir de seus ancestrais.

Moral: conjunto de valores, individuais ou coletivos,


considerados universalmente como norteadores das relações
sociais e da conduta dos homens.
Posteriormente, Nietzsche desenvolveu uma crítica
intensa dos valores morais, propondo uma nova
abordagem: a genealogia da moral, isto é, o estudo da
formação histórica dos valores morais.
A conclusão de Nietzsche foi de que não existem as
noções absolutas de bem e de mal. Para ele as
concepções morais são elaboradas pelos homens, a partir
dos interesses humanos.
Ou seja, são produtos histórico-culturais. No entanto,
as religiões, impõem esses valores humanos como se
fossem da “vontade de Deus”.
Para o filósofo, grande parte das pessoas acomoda-se
a uma “moral de rebanho”, baseada na submissão
irrefletida aos valores dominantes na civilização cristã e
burguesa.
O que é tacitamente aceito por nós; o que recebemos e
praticamos sem atritos internos e externos, sem ter sido por
nós conquistado, mas recebido de fora para dentro, é como
algo que nos foi dado; são que incorporamos à rotina,
reverenciamos passivamente e se tornam peias (amarras
que prendem os pés) ao desenvolvimento pessoal e
coletivo.
Assim, se compreendermos que os valores presentes
em nossas vidas são construções humanas, se
questionarmos o valor dos valores, estamos no dever de
refletir sobre nossas concepções morais e enfrentar o
desafio de viver por nossa própria conta e risco.
Niilismo

Segundo a análise de Nietzsche, no momento em que


o cristianismo deixou de ser “a única verdade” para se
tornar uma das interpretações possíveis do mundo, toda a
civilização ocidental e seus valores absolutos também
foram colocados em xeque.
Nesse contexto, ocorre uma escalada do niilismo que
deve ser entendido como um sentimento opressivo e difuso,
próprio as fases agudas de acaso com a cultura. O niilismo
seria a expressão afetiva e intelectual da decadência”.
O niilismo moderno apontado por Nietzsche
assentava-se, entre outras coisas, na afirmação da “morte
de Deus”, que é interpretada como a rejeição a crença num
ser absoluto e transcendental, capaz de traçar para todos os
humanos “o caminho, a verdade e a vida”.
Deus está morto
“O homem louco - Não ouviram falar daquele homem
louco que em plena manhã acendeu uma lanterna e correu
ao mercado, e pôs-se a gritar incessantemente: 'Procuro
Deus! Procuro Deus!'?"
O homem louco se lançou para o meio deles e trespassou-os com seu
olhar. ‘Para onde foi Deus’, gritou ele, ‘já lhes direi! Nós o matamos –
vocês e eu. Somos todos seus assassinos! Mas como fizemos isso?
Como conseguimos beber inteiramente o mar? Quem nos deu a esponja
para apagar o horizonte? Que fizemos nós, ao desatar a terra do seu
sol? Para onde se move agora? Para onde nos movemos nós? Para
longe de todos os sóis? Não caímos continuamente? Para trás, para os
lados, para a frente, em todas as direções? Existem ainda ’em cima’ e
’embaixo’? Não vagamos como que através de um nada infinito? Não
sentimos na pele o sopro do vácuo? Não se tornou ele mais frio? Não
anoitece eternamente? Não temos que acender lanternas de manhã?
“Não ouvimos o barulho dos coveiros a enterrar Deus?
Não sentimos o cheiro da putrefação divina? – também
os deuses apodrecem! Deus está morto! Deus continua
morto! E nós o matamos!”
Como nos consolar, a nós assassinos entre os assassinos? O
mais forte e mais sagrado que o mundo até então possuíra
sangrou inteiro sob os nossos punhais – quem nos limpará este
sangue? Com que água poderíamos nos lavar? Que ritos
expiatórios, que jogos sagrados teremos de inventar? A
grandeza desse ato não é demasiado grande para nós? Não
deveríamos nós mesmos nos tornar deuses, para ao menos
parecer dignos dele? Nunca houve um ato maior – e quem vier
depois de nós pertencerá, por causa desse ato, a uma história
mais elevada que toda a história até então.
“Novas lutas – Depois que Buda morreu, sua sombra ainda foi
mostrada numa caverna durante séculos – uma sombra imensa e
terrível. Deus está morto; mas, tal como são os homens, durante
séculos ainda haverá cavernas em que sua sombra será mostrada. –
Quanto a nós – nós teremos que vencer também a sua sombra!”
“Talvez soframos demais as primeiras consequências desse evento –
e estas, as suas consequências para nós, não são, ao contrário do
que talvez se esperasse, de modo algum tristes e sombrias, mas sim
algo difícil de descrever, uma nova espécie de luz, de felicidade,
alívio, contentamento, encorajamento, aurora…“
De fato, nós, filósofos e ‘espíritos livres’, ante a notícia de
que ‘o Velho Deus morreu” nos sentimos como iluminados
por uma nova aurora; nosso coração transborda de gratidão,
espanto, pressentimento, expectativa – enfim o horizonte nos
aparece novamente livre, embora não esteja limpo, enfim os
nossos barcos podem novamente zarpar ao encontro de todo
perigo, novamente é permitida toda a ousadia de quem busca
o conhecimento, o mar, o nosso mar, está novamente aberto, e
provavelmente nunca houve tanto ‘mar aberto’.
Citações acima de A Gaia Ciência
Assim, por meio do niilismo “o homem moderno
vivencia a perda de sentido dos valores superiores de
nossa cultura”. Por essa ótica, niilismo seria o sentimento
coletivo de que nossos sistemas tradicionais de
valoração, tanto no plano do conhecimento quanto no
ético-religioso, ou sociopolítico, ficaram sem
consistência e já não podem mais atuar como instâncias
doadoras de sentido e fundamento para o conhecimento e
a ação.
Apesar desse niilismo em relação aos valores
consagrados da civilização, Nietzsche defendeu também
valores afirmativos da vida, capazes de expandir as
energias latentes em nós.
“Ouse conquistar a si mesmo” talvez seja a grande
indicação nietzschiana aqueles que buscam viver a
“liberdade da razão”, sem conformismo, resignação ou
submissão.
Vontade de poder
A vontade de poder é um conceito central na filosofia do filósofo
alemão do século XIX Friedrich Nietzsche. Mas o que, exatamente,
ele quer dizer com a vontade de poder?
Aos vinte e poucos anos, Nietzsche leu O Mundo como Vontade e
Representação, de Arthur Schopenhauer (1788-1860), e caiu sob seu
feitiço. Schopenhauer ofereceu uma visão profundamente pessimista
da vida, e no centro dela estava a ideia de que uma força cega,
incessante e irracional que ele chamava de “Vontade”, constituía a
essência dinâmica do mundo.
Esta vontade cósmica manifesta-se ou expressa-se através de cada
indivíduo na forma do impulso sexual e da “vontade de viver” que
pode ser vista em toda a natureza. É a fonte de muita miséria, uma
vez que é essencialmente insaciável. A melhor coisa que se pode
fazer para reduzir o sofrimento é encontrar maneiras de acalmá-lo.
Esta é uma das funções da arte.
A vontade de poder e os julgamentos de valor de Nietzsche

A vontade de poder, como Nietzsche concebe, não é nem boa


nem má. É uma unidade básica encontrada em todos, mas que se
expressa de muitas maneiras diferentes. O filósofo e o cientista
dirigem sua vontade de poder para uma vontade de verdade. Os
artistas canalizam isso para um desejo de criar. Os empresários
satisfazem isso ao se tornarem ricos.
Assim, embora a vontade de poder em si não seja boa
nem má, Nietzsche prefere claramente algumas maneiras
pelas quais ela se expressa à outras. Ele não defende a
busca do poder. Em vez disso, ele elogia a sublimação da
vontade de poder na atividade criativa. Grosso modo, ele
elogia aquelas expressões que considera viáveis, belas e
afirmativas, e critica expressões de vontade de poder que
ele vê como feias ou nascidas da fraqueza.
Uma forma particular de vontade de poder a que
Nietzsche dedica muita atenção é o que ele chama de
“auto-superação”. Aqui a vontade de poder é atrelada e
direcionada para o autodomínio e a autotransformação,
guiada pelo princípio de que “O seu verdadeiro eu não
está no fundo de você, mas acima de você.”
Presumivelmente, o “Übermensch” ou “Super-homem”
de que fala Zaratustra seria capaz disso ao mais alto grau.
Eterno Retorno
Como você se sentiria vivendo sua vida de novo e de
novo e de novo?
A ideia do eterno retorno é uma das ideias mais famosas
e intrigantes da filosofia de Friedrich Nietzsche
(1844-1900). É mencionada pela primeira vez na
penúltima seção do Livro IV da Gaia Ciência, aforismo
341, intitulado “o maior dos pesos”.
E se um dia, ou uma noite, um demônio lhe aparecesse
furtivamente em sua mais desolada solidão e dissesse: “Esta vida,
como você a está vivendo e já viveu, você terá de viver mais uma
vez e por incontáveis vezes; e nada haverá de novo nela, mas cada
dor e cada prazer e cada suspiro e pensamento, e tudo o que é
inefavelmente grande e pequeno em sua vida, terão de lhe suceder
novamente, tudo na mesma sequência e ordem — e assim também
essa aranha e esse luar entre as árvores, e também esse instante e
eu mesmo. A perene ampulheta do existir será sempre virada
novamente — e você com ela, partícula de poeira!”
Você não se prostraria e rangeria os dentes e amaldiçoaria o
demônio que assim falou? Ou você já experimentou um instante
imenso, no qual lhe responderia: “Você é um deus e jamais ouvi coisa
tão divina!” Se esse pensamento tomasse conta de você, tal como
você é, ele o transformaria e o esmagaria talvez; a questão em tudo e
em cada coisa, “Você quer isso mais uma vez e por incontáveis
vezes?” pesaria sobre os seus atos como o maior dos pesos! Ou o
quanto você teria de estar bem consigo mesmo e com a vida, para
não desejar nada além dessa última, eterna confirmação e chancela?
Nietzsche, Friedrich Wilhelm. A gaia ciência. São Paulo, Companhia das
letras, 2012, p. 205.
O Argumento Básico para o eterno retorno
O argumento de Nietzsche para o eterno retorno é bastante simples. Se a
quantidade de matéria ou energia no universo é finita, então há um número
finito de maneiras pelas quais as coisas no universo podem ser organizadas.
Qualquer um desses estados constituirá um equilíbrio, caso em que o
universo deixará de mudar ou a mudança será constante e interminável. O
tempo é infinito, tanto para frente quanto para trás. Portanto, se o universo já
estivesse entrando em um estado de equilíbrio, já teria feito isso, já que em
uma quantidade infinita de tempo, todas as possibilidades já teriam ocorrido.
Como claramente ainda não atingiu um estado permanentemente estável,
nunca atingirá.
Portanto, o universo é dinâmico, passando incessantemente por uma
sucessão de diferentes arranjos. Mas como existe um número finito
(ainda que incrivelmente grande) deles, eles devem se repetir de vez em
quando, separados por vastos períodos de tempo. Além disso, eles já
devem ter ocorrido um número infinito de vezes no passado e o farão
novamente um número infinito de vezes no futuro.
Consequentemente, cada um de nós viverá essa vida novamente,
exatamente como estamos vivendo agora.
https://www.youtube.com/watch?v=h8kjJUPvOmw
Amor Fati: O amor ao destino
Amor fati (tradução: “amor ao destino”) é uma frase em
latim que pode ser traduzida como “amor ao destino” ou
“amor ao próprio destino”. É usada para descrever uma
atitude em que se vê tudo o que acontece na vida, incluindo o
sofrimento e a perda, como bom ou, no mínimo, necessário,
porque está entre os fatos da vida e da existência, gostemos
ou não. Além disso, amor fati é caracterizado por uma
aceitação dos eventos ou situações que ocorrem na vida.
Essa aceitação não exclui necessariamente uma tentativa
de mudança ou melhoria, mas, ao contrário, pode ser vista
na linha do que Friedrich Nietzsche aparentemente queria
dizer com o conceito de “eterno retorno“: um senso de
satisfação com a vida e uma aceitação disso, de tal modo
que uma pessoa poderia viver exatamente a mesma vida,
em todos os detalhes minuciosos, repetidamente por toda a
eternidade.
A frase é usada repetidamente nos escritos de Nietzsche e é representativa
da visão geral da vida que ele articula na seção 276 de A Gaia Ciência:

Quero aprender cada vez mais a considerar como belo o que há de


necessário nas coisas: – assim serei daqueles que tornam belas as coisas.
Amor Fati: que esse seja doravante meu amor. Não quero mover guerra à
feiúra. Não quero acusar, não quero acusar nem mesmo os acusadores.
Desviar meu olhar, que seja essa minha única negação! E, numa palavra,
para ver grande: só quero ser um dia afirmador!
A minha fórmula para a grandeza do homem é amor fati: nada
pretender ter de diferente, nada para a frente, nada para trás,
nada por toda a eternidade. O necessário não é apenas para se
suportar, menos ainda para se ocultar – todo o idealismo é
mentira perante o necessário – mas para o amar…
Só o grande sofrimento é o derradeiro libertador do espírito …
Duvido muito que semelhante sofrimento nos torne “melhores”;
– mas sei que nos torna mais profundos.

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