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Cohousing

e condomínio
convencional:
dois estilos de moradia,
duas filosofias de vida.

por Edgar Werblowsky


e Luciana Macedo Vieira
Gonçalves da Silva (Nandini)
SUMÁRIO
(i) Introdução e Aspectos
Institucionais; ............................................... 2.

(ii) Aspectos Jurídicos; ......................... 7.

(iii) Conclusão ............................................... 20.


Introdução
e Aspectos
Institucionais

2
O envelhecimento da população, com seu consequente isolamento
e solidão, tem levado à busca de soluções de moradia e vida mais
satisfatórias, ainda não contempladas pela sociedade em geral.

Estudos internacionais, como os de Harvard, e os das Blue Zones – os


hotspots de longevidade no planeta - entre vários outros, têm mostrado
que o fator mais importante para a manutenção da saúde e do bem estar,
quando envelhecemos, está em nossas conexões humanas de apoio e
confiança, o que traduzido de outra maneira, chamaríamos de amigos. Ou
seja, conviver proximamente com pessoas que se apoiam mutuamente
faz a grande diferença para uma vida longa, rica e saudável.

Quando uma pessoa mora num cohousing ela se torna membro


de uma comunidade auto-gerenciada, vibrante, onde o isolamento e a
solidão deixam de existir. As pessoas passam a redescobrir seus talentos
e habilidades e desenvolver novas atividades. A vida passa a ganhar um
novo sentido. Com os estudos internacionais sobre qualidade de vida no
envelhecimento mostrando que o fator mais importante para a saúde
integral são as conexões humanas de cooperação, amizade e confiança, o
Cohousing aparece como solução, onde as pessoas podem contar umas
com as outras, sentindo que estão amparadas pelas demais.

O cohousing é um modelo de moradia e vida que combina,


em doses muito bem balanceadas, o conceito de privacidade com que
estamos acostumados com o conceito de comunidade que desejamos.

É exatamente neste binômio privacidade-comunidade que repousa


sua maior força e o diferencial em relação a outros tipos de moradia.

Em linguagem contemporânea o cohousing


traz aos dias de hoje o suporte que os vizinhos se
davam nos tempos de ontem.

O Cohousing desperta cada vez mais interesse


entre as pessoas que envelhecem ou que estão
planejando seu envelhecimento, levando-se em
consideração o medo da solidão e do isolamento, ao
mesmo tempo em que se dá asas a um desejo
latente em muitos, o desejo de envelhecer junto
com amigos.

Enquanto à primeira vista um cohousing, em


seu aspecto exterior, possa parecer um condomínio,
vamos adentrar seu Centro de Convivência para
começarmos a perceber que tudo é diferente.

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No condomínio o foco está na individualidade absoluta
representada pela casa ou pelo apartamento. Normalmente as pessoas
pouco se conhecem e não há proposta ativa de uma vida comunitária.
O cohousing, por outro lado, se baseia em dois pilares fundamentais:
privacidade e comunidade. Cada pessoa tem sua casa ou apartamento
como no condomínio, o que garante a privacidade. Mas o cohousing tem
algo a mais: uma comunidade. Esta comunidade é deliberadamente
criada, através de reuniões, normalmente conduzidas por um facilitador,
onde vão se formando subgrupos que irão cuidar de todos os aspectos da
vida comunitária, como jardinagem e paisagismo; programação social e
cultural; afiliação; vida comunitária; cuidar e aconselhar; construções;
guardiães da missão e visão; finanças; casa comum, entre outros...
O modelo se assenta sobre a autogestão.

Tudo começa com o propósito. No condomínio o cliente compra


uma unidade de moradia privativa que vem com uma série de facilidades
e serviços. Como segurança, limpeza, área de lazer, garagem, direitos à
utilização das áreas comuns, entre outros. Basta qualquer pessoa dispor
do capital e manifestar desejo em adquirir o imóvel, que a transação
pode ser concretizada.

No condomínio os moradores são condominos. No cohousing, por


outro lado, os moradores não são condominos, mas sim membros de
uma comunidade, chamados de cohousers. Enquanto no condomínio o
morador busca sobremaneira manter sua individualidade e privacidade,
sendo isso seu foco principal quando da aquisição da casa ou
apartamento, no cohousing o membro quer viver uma vida combinando
sua privacidade com relacionamento efetivo com os vizinhos com os
quais poderá tecer relações de cooperação, amizade, e apoio mútuo. Para
isso há uma série de atividades em comum, propostas e coordenadas
pelos próprios membros, com vistas à construção e consolidação de uma
comunidade.

As regras de convivência nos dois sistemas são fundamentalmente


diferentes. Enquanto que no Condomínio os protocolos para a
convivência normalmente vêm prontos sob a forma de uma Convenção
de Condomínio e de um Regulamento Interno, em geral trazidos por
uma administradora, no Cohousing os Acordos de Convivência são
criados pelos membros-moradores de acordo com os interesses, valores
e objetivos de cada grupo.

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Diferentemente de qualquer outro modelo de moradia,
notadamente dos condomínios, o cohousing é uma comunidade
intencional, onde todos têm uma voz. E diferentemente das organizações
a que estamos acostumados, onde existem sistemas hierárquicos,
diretorias, etc, o cohousing é uma comunidade horizontal,
autogovernada. Aqui não existem administradora nem síndico. As
decisões são tomadas em conjunto, os membros dividem as
responsabilidades, dividindo-se em grupos, que na Sociocracia são
chamados de Círculos, e os líderes e facilitadores são definidos apenas
para levar o trabalho adiante, com um rodízio entre os membros.
E isto exige a participação de todos, num processo contínuo de
auto-aperfeiçoamento e auto-conhecimento.

O processo de tomada de decisões numa reunião de condomínio é


aquele padrão a que estamos acostumados: por maioria. Acontece que
este modelo de processo decisório leva a uma cisão natural, entre
“ganhadores” e “perdedores”. No Cohousing, com o objetivo da promoção
da harmonia entre todos os membros, os processos decisórios adotaram
uma outra linha. Nos EUA os cohousings começaram, nas décadas de 80
e 90, a utilizar o método do Consenso. Quando verificaram que o processo
era muito moroso e pouco eficaz, tomaram conhecimento de um
processo decisório chamado de Consentimento, trazido da Sociocracia.
Com ele não há vencedores e perdedores. As diferenças de opinião são
tratadas dentro de um ambiente respeitador e as necessidades de todos
são olhadas, dentro de um espírito conciliador e de tolerância. Sendo que
ao mesmo tempo o processo cuida continuamente da eficácia, traduzida
pela tomada de decisões sem postergamento, e com prazo para
reavaliação posterior.

Em relação ao projeto arquitetônico vamos encontrar no


Condomínio projetos arquitetônicos que são orientados para a máxima
privacidade e individualização, ao passo que no Cohousing os projetos são
planejados visando o contato diário, e o convívio entre seus membros….
Para isso as casas ou apartamentos são conectados por boulevares,
páteos ou corredores, com espaços para encontros ao longo dos
caminhos, de maneira a se promover a interação espontânea entre
os membros.
Até a relação com os carros é diferente. Nos condomínios busca-se
conectar os moradores aos seus automóveis da maneira a mais curta e
rápida possível. A distância que um condômino tem que andar para
chegar da porta de sua casa ou apartamento ao seu carro pode ser
medida em poucos metros. Nos Cohousings os veículos estão em
segundo plano. As conexões humanas vêm sempre em primeiro lugar.
Por isso os projetos costumam prever o estacionamento dos carros em
bolsões.

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Para que as pessoas possam ser vistas quando saem ou quando
chegam, caminhando de seus carros a suas casas. Sendo que os
caminhos normalmente passam perto da Casa Comum, ou Centro de
Convivência, para que as pessoas possam saber o que está acontecendo e
interagir.

No Cohousing, o “software”, ou seja, tudo o que vai acontecer


“dentro” do “hardware”, que são as construções, os imóveis, é o motivo
principal pelo qual as pessoas optam por esse modelo de moradia e vida.
Nele, as relações entre as pessoas, os vínculos que vão sendo construídos
através do tempo, facilitados por processos, encontros, trabalhos
conjuntos e celebrações, são o fator mais importante para o
desenvolvimento de uma comunidade vibrante, coesa, e solidária. Por isto
atrair as pessoas certas é essencial. As pessoas que já são membros têm a
prerrogativa de avaliar quais serão as outras pessoas a fazer parte do
grupo. É um quesito importante. Por conta disso a “compra” de uma
unidade num Cohousing não é um processo comercial comum como é a
compra de um imóvel num Condomínio. No Cohousing as pessoas
interessadas passam a participar do grupo em formação, entendendo seu
propósito, os valores do grupo, o que buscam e as regras da convivência
ainda bastante antes da “compra”. Só aí, havendo alinhamento entre os
desejos e princípios do interessados e os do grupo em formação, é que o
interessado pleiteará a participação e poderá ser admitido como membro
da comunidade.

Quanto ao número de moradores nos dois modelos de moradia,


enquanto um condomínio não tem limites de casas ou apartamentos,
sendo seu número apenas limitado pelo tamanho e coeficiente
de aproveitamento do terreno, no cohousing existe uma limitação.
O consenso mundial é de que um cohousing não deve ter mais do que
umas 60 pessoas, que seria um número administrável para um membro
poder conhecer, ao menos superficialmente. Mais do que isso e o grupo
passa a se tornar uma pequena multidão, e aí se torna muito difícil a
criação de uma comunidade de vizinhos amigos.

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Aspectos
Jurídicos

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Conforme comentando acima por
Edgar Werblowsky:

“O envelhecimento da população, com


seu consequente isolamento e solidão,
tem levado à busca de soluções
de moradia e vida mais satisfatórias,
ainda não contempladas pela sociedade
em geral.”

Tais aspectos e soluções de


moradia e vida mais satisfatórias, de
fato, não são contemplados pela
sociedade e, consequentemente, pela
legislação.

Tendo em vista que a Lei emerge


da percepção da necessidade de
regulamentação de determinados
comportamentos e situações humanas
e, portanto, sociais, em silogismo,
podemos compreender que: se a
sociedade em geral não se ocupa de
construir soluções de moradia e vida
mais satisfatórias para pessoas de idade
mais avançada, naturalmente o Direito
não tratará de regular tais questões.

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1.
Introdução:
O presente artigo tem como objetivo identificar o panorama atual
da legislação que trata dos “empreendimentos imobiliários” e os motivos
pelos quais os modelos jurídicos e institucionais disponíveis no
ordenamento jurídico existente não atendem aos Cohousings de maneira
adequada e integral.

É em vista desse desencaixe que fica evidente a necessidade de se


criar novos modelos de ocupação coletiva de imóveis e da terra, da forma
geral, que sejam mais equilibrados, harmônicos e comunitários e que
proporcionem segurança e respaldo jurídicos.

Aqui, lembrando da importância tão bem ressaltada por Edgar


Werblowsky, da privacidade e da individualidade, as quais podem sim ser
mantidas e profundamente respeitadas no âmbito comunitário - de uma
Comunidade Intencional, como é o caso do Cohousing. Ou seja, não é
pelo fato de o Cohousing ser uma espécie de Comunidade Intencional,
que tudo deve funcionar “junto e misturado” no dia a dia de seus
integrantes. E é, exatamente, esse um dos aspectos em que bons
“combinados”, acordos firmes e estruturas jurídicas adequadas têm por
objetivo proporcionar.

As Comunidades Intencionais são aquelas que se formam pela


vontade e intenção consciente de seus integrantes, diferentemente das
Comunidades originárias, como as indígenas, quilombolas ou ribeirinhas,
das quais seus integrantes já nascem como partes intrínsecas,
involuntariamente.

Em contraste com os condomínios e loteamentos onde moradores


são meros vizinhos sem conexão real, as Comunidades Intencionais, em
especial o Cohousing, foco do presente artigo, nascem, portanto, da
vontade e da intenção de seus fundadores e integrantes de se
relacionarem e conectarem de maneira mais próxima, afetiva, acolhedora
e vinculada.

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Neste sentido, discorre Giuliana Capello, autora do Livro “Ecovilas e
Meio Ambiente”, ao falar da “cola” no contexto das Comunidades. Nos
Cohousings, Colivings, Ecovilas e Ecoaldeias, espécies do gênero
Comunidades Intencionais, segundo Giuliana, a “cola” é o que se registra
e, um dos documentos imprescindíveis para organização do grupo, sendo
o conjunto de ideais, visão, ideias “que constituem a razão fundamental”
a base a partir da qual nasce uma Comunidade, ou seja, os Cohousings.

Aliás, no mesmo livro, Giuliana Capello reconhece a precedência da


modalidade dos Cohousings como Comunidades Intencionais, com a
seguinte citação:

“Uma primeira versão das ecovilas, batizada de cohousing,


teria nascido ainda nos anos 1970, na Dinamarca,
espalhando-se logo em seguida para a Suécia e para a
Noruega e, tempos depois, para vários outros países europeus,
chegando a atravessar oceanos em direção aos Estados
Unidos, ao Canadá à Austrália. O termo foi cunhado pelo casal
de arquitetos Katie McCamant e Charles Durrett (autores do
livro CoHousing: a Contemporary Approach to Housing
Ourselves, publicado em 1988), em que argumentavam que as
cohousings poderiam ser uma solução dinamarquesa para os
problemas da sociedade pós-industiral, no final do século XX.
Naquele contexto, existiam novos movimentos sociais, ligados
mais à classe média do que às classes de trabalhadores, e que
enfatizavam valores colaborativos e um estilo de vida
alternativo e não consumista a partir de ideais que
agregavam ambientalistas, feministas e pacifistas.”

Giuliana aprofunda-se no tema, ao prever que:


“Enquanto um condomínio residencial é construído a partir de
um empreendedor que, por mais que tenha boas
intenções, visa em ultima instancia obter lucro, o projeto de
uma ecovila – ou de um Cohousing – é desenvolvido por um
grupo de pessoas que participam ativamente do
planejamento, do financiamento e, muitas vezes, também da
construção em si, por meio de mutirões de trabalho
comunitário.”

Fica claro, portanto, que há diferenças substanciais e essenciais,


inclusive, nos modelos de assentamento humano categorizados como
condomínios e os Cohousings, enquanto Comunidades Intencionais.

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Assim, este artigo traz um apanhado de dispositivos, posicionamentos
e percepções, extraídos da legislação e da doutrina, que evidenciam que
a forma como pessoas em fase de envelhecimento querem e podem
viver, carece, atualmente, de um enquadramento jurídico já
determinando, demandando, portanto, que se crie novos conceitos e
estruturas que respaldem tal nova forma viver.

A fim de construir esse conceito, foram levantados alguns princípios


orientadores, conforme indicado abaixo:

Definição do conceito de Indicação do interesse real de


Cohousing, em primeiro lugar, com compartilhamento da propriedade
base da alteração do paradigma imobiliária, sobreposto à intenção de
acerca da propriedade – uso coletivo uso exclusivo, ou seja: vontade de se
de imóveis e da terra, com prevalência utilizar a terra, conectada à forma de
sobre o uso individual, autocentrado utilização semelhante à dos povos
e, portanto, solitário; indígenas, originários do país e não à
visão eurocentrista de utilização da
Distinção da função social do terra, esta baseada no Direito Romano
instituto do Cohousing, dos institutos (e criticada por Jean Jacques
do condomínio e do loteamento, Rousseau, em “O Contrato Social”,
indicando que o interesse na onde traz que propriedade privada
constituição do Cohousing, orbita seria a origem da desigualdade e,
questões como: (a) o uso coletivo e portanto, de conflitos entre os
consciente de propriedades e da terra, homens).
(b) a interação equilibrada e harmo-
niosa com o meio ambiente natural, *Vale ressaltar que o instituto da propriedade não
encontra definição ou conceito objetivo no Direito
por meio parâmetros permaculturais Romano, bem como na legislação brasileira atual.
muito bem especificados, (c) o
adensamento populacional razoável e Percepção e demonstração
não excessivo, tanto para preservar a efetiva de que o termo “exclusivo”,
conexão humana e as relações, como para caracterizar o uso da terra e da
para proteger o meio ambiente propriedade imobiliária, gera o senti-
natural; (d) o exercício do espírito do da exclusão, sendo os tempos
comunitário e coletivo, em harmonia atuais de necessidade de inclusão e
com o respeito à individualidade e à compartilhamento dos recursos,
privacidade; entre outros. Portanto, especialmente naturais, que tornam-
são necessárias regras de conduta -se cada vez mais escassos diante do
direcionadas para a sustentabilidade consumismo, do egoísmo e da relação
integral do ecossistema e convivência abusiva e predatória com o planeta
harmônica entre pessoas, de forma Terra e com o meio ambiente natural.
comunitária, com respeito à
privacidade de cada integrante;

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2.
Premissa da necessidade de exclusividade
no uso e detenção da propriedade privada:

O sistema jurídico atual parte da premissa de que todo cidadão quer


deter uma propriedade privada individual e exclusiva e que a utilização
coletiva da terra é, além de prejudicial, geradora de divergências e
conflitos. Vejamos o posicionamento do respeitadíssimo Prof. Dr. Luiz
Antonio Scavone Junior, referência na matéria de Direito Imobiliário:

“(...)
Por fim, faculta-se ao condômino a extinção do condomínio.
De fato, a situação de indivisão é passageira. A copropriedade
vai de encontro com a natureza humana de domínio que
aponta para a exclusividade do direito. Tanto é assim que
todos os regimes que tencionaram extirpar ou tornar a
propriedade um bem de uso comum não conseguiram êxito.
Portanto, a lei presume o incômodo e facilita a extinção
do condomínio, evitando conflitos de maior proporção que
a situação condominial é capaz de gerar. Essa noção decorre
do Direito Romano, onde já se afirmava que o condomínio é “a
mãe das rixas”(communio mater rixarum). Posta assim a
questão, a lei facilita a divisão da coisa entre os condôminos
ou, impossível a divisão, a venda da coisa comum.Inicialmente,
se o bem for divisível, o condômino pode exigir a divisão da
coisa, respondendo a parte de cada um pelas despesas de
divisão (...).”

Com base na citação acima, fica claro que, certamente, temas como
a Sociocracia, a CNV - Comunicação Não Violenta, o olhar sistêmico, não
são familiares para nosso ordenamento jurídico tradicional.

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3.
Institutos jurídicos brasileiros que tratam sobre
as formas de desenvolvimento imobiliário,
para fins de ocupação humana:

3.1. Loteamento – Lei 6.766/1979

A Lei de Parcelamento de Solo Urbano traz critérios bastante


específicos para o desenvolvimento e expansão de cidades, viabilizando
a criação de cenários, na maioria das vezes, bastante inorgânicos,
geométricos e de pouca ou nenhuma interação com o meio ambiente
natural, conforme acima mencionado por Edgar Werblowsky. Isso, porque
o loteamento traz consigo a demanda ao interessado no desenvolvimento
imobiliário, de se criar toda a infraestrutura urbana, incluindo a abertura
de vias públicas, muitas vezes através de desmatamento, asfaltamento,
colocação de postes de energia elétrica, entre outros aparatos.

Além disso, o loteamento é um empreendimento imobiliário que se


encerra com a venda e entrega dos lotes os compradores, sem que haja
qualquer padrão, regra ou norma de conduta que conecte ou oriente tais
compradores , no sentido da preservação da natureza, da harmonia, da
convivência pacifica, da interação equilibrada. Ou seja, aqui não há nem a
perspectiva de haver uma “cola” entre os vizinhos.

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3.1.1. Loteamento fechado e a justificativa da necessidade de sua
instituição:

Trata, o Prof. Dr. Scavone, em seu Livro Direito Imobiliário – Teoria


e Prática, acerca do instituo do Loteamento Fechado, modalidade de
empreendimento imobiliário criada, diante de uma necessidade prática,
relacionada com a segurança, necessidade essa, superveniente à
promulgação da lei 6.766/1979. Diz o Prof.:

“(...)
Mister se faz acentuar que a aprovação do loteamento
fechado em nada difere do loteamento comum, com o
acréscimo de alguns elementos que adiante veremos.
Todavia, a Lei 6.766/1979 nada dispôs acerca do loteamento
fechado, até porque, na década de setenta não havia tanta
insegurança pública quanto à existente atualmente.
É preciso observar que a fonte do Direito é o fato dotado
de relevância.”

Não há como não ressaltar a frase acima destacada, relevante


no campo da epistemologia jurídica, que fundamenta profundamente
a necessidade da construção de modelos jurídicos para os Cohousings.

O “a fonte do Direito é o fato dotado de relevância”: como


mencionado acima, o Direito e a legislação nascem da percepção
da necessidade de regulamentação de determinados comportamentos
e situações humanas.

Neste sentido, a realidade fática atual, evidencia a urgência na


criação de modelos jurídicos eficientes para os Cohousings , já que as
previsões jurídicas existentes, são insuficientes ou, ainda, muito
divergentes da essência e da alma de cada Comunidade Intencional.

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3.2. Condomínio Edilício – Lei 4.591/1964

A outra legislação que trata dos empreendimentos imobiliários


no ordenamento jurídico brasileiro é a Lei da Incorporações Imobiliárias
e dos Condomínios. Esta Lei trata de empreendimentos em que o
incorporador, além de prever o desdobro do solo em terrenos menores,
pode optar por edificar ou não nos terrenos privativos, vendendo
unidades imobiliárias autônomas, que incluem terreno e respectiva
benfeitoria (construção), ou apenas o lote/terreno, sem construções
individualizadas.

Diferentemente do loteamento, o condomínio é um


empreendimento de caráter privado e fechado, onde há áreas privativas
e áreas comuns, sendo regulado por uma convenção de condômino e
regimento interno.
Os terceiros que adquirem unidades autônomas, passam a deter
matriculas imobiliárias individualizadas, onde registram as escrituras de
aquisição da sua propriedade.

Nos condomínios a premissa constitucional da propriedade privada,


privativa e exclusiva impera, não havendo qualquer tendência ao espírito
comunitário e de convivência real.

Quem nunca morou num condomínio de apartamentos ou casas,


onde não conhecia sequer um vizinho, para além dos cumprimentos frios
e impessoais nos breves encontros de elevador?

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4.
A inovação trazida pelos Cohousings:

Eis que, para alegria geral de toda nação, surgem os Cohousings!


Para aquelas pessoas que querem se autodesenvolver, autoconhecer, criar
relações alegres, harmônicas e vibrantes, os Cohousings chegam como
uma alternativa maravilhosa para novas formas de se morar e viver a vida!

Carentes de previsão jurídica específica – o que, em certo grau,


é um benção por si só – os Cohousings emergem como o caminho do meio
ideal para aqueles que querem se desenvolver na fase da
maturidade, convivendo com amigos e pessoas queridas que pensam
como eles/elas.

E porque a ausência de
previsão jurídica específica pode ser
considerada uma benção? Porque
não há formas engessadas e
restritivas trazidas pela Lei, que
obriguem os grupos de Cohousing e
Comunidades Intencionais de modo
geral, a se organizarem de
determinada maneira.

Assim, essas pessoas criativas,


animadas e cultivadoras de seus
sonhos, alegria de viver e projetos
para um envelhecimento saudável,
podem construir as estruturas
jurídicas, combinados e acordos que
melhor lhes aprouverem, sem
limitações legais específicas.

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Tais estruturas, combinados e acordos podem ser regulados,
portanto:

A) no âmbito de: Associações, Sociedades Limitadas, Sociedades


Anônimas, Cooperativas, Fundações; e
B) por meio de documentos jurídicos típicos ou atípicos, que reflitam
de forma bastante fiel a essência daquele grupo específico, como:
estatutos sociais, regimentos internos, convenções, contratos sociais,
acordos de sócios, termos de acordo, memorandos de entendimentos,
entre outros.

Desde que não prevejam nada de ilegal ou irregular, vale tudo


quanto à forma dos documentos jurídicos constitutivos e reguladores de
um Cohousing!

Lembrando que, como já falado anteriormente neste artigo por


Edgar Werblowsky e por mim, apesar de haver uma grande liberdade na
construção dos documentos e mecanismos jurídicos que regularão
o Cohousing, é sempre recomendados que as seguintes premissas sejam
respeitadas:

• Coletividade e espírito Comunitário;


• Respeito à privacidade e à individualidade;
• Inclusão e pertencimento;
• Princípios e formas de tomada de decisão originados da Sociocracia;
• Comunicação Não Violenta como base das relações;
• Olhar sistêmico;
• Entre outros que fizerem sentido para cada grupo, em particular.

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5.
Tabela comparativa:

Na tabela abaixo, estão inseridas premissas básicas de cada instituto


jurídico tratado no presente estudo:

Comunidades Intencionais
Condomínio Loteamento Cohousings/Colivings/
Ecovilas/Ecoaldeias

Previsão Legal: Previsão Legal: Não há previsão legal


Lei 4.591/64 Lei 6.766/1979 específica

Necessidade de construção Necessidade de Não há obrigatoriedade


por parte do incorporador, infraestrutura urbana por jurídica de implantação de
seja de infraestrutura parte do loteador, abertura nenhum tipo de estrutura,
básica (condomínio de de ruas, concessão de áreas mas a necessidade humana
lotes), seja de casas e à municipalidade e ambiental de interação
outras benfeitorias harmoniosa e equilibrada
entre os integrantes do
grupo que cocria o projeto,
em sinergia com o meio
ambiente natural, sendo
as regras definidas pelo
coletivo, baseadas em
premissas de convivência
fluída, preservação,
regeneração, colaboração

Estrutura pública Estrutura privada - coletiva


Estrutura privada
e/ou comunitária

Intenção primária de Intenção primária de Intenção primária de


geração de receita e lucro geração de receita e lucro compartilhamento da
e secundária de expansão terra/de imóveis para
urbana moradia coletiva e/ou
comunitária, com olhar
humanizado, regenerativo
e sistêmico

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Comunidades Intencionais
Condomínio Loteamento Cohousings/Colivings/
Ecovilas/Ecoaldeias

Uso privativo e exclusivo da Uso privativo e exclusivo Uso coletivo da terra/de


terra da terra, permeado por imóveis, permeado pela
estrutura urbana pública intenção de convívio
harmônico e sustentável
com o meio ambiente
natural e a construção
de relações harmônicas

Há áreas de uso comum, Não há áreas comuns/coletivas, Há áreas comuns e coletivas,


reguladas por uma nem documentos que além das áreas privativas.
Convenção de Condomínio regulem a conivência de Cada projeto é regulado
moradores, exceto quando juridicamente conforme
e Regimento Interno
estes organizam-se no sentido se autodetermina, podendo
padrão de criarem uma Associação de ser por meio de Associações,
Moradores ou outra forma de Cooperativas, Empresas
organização coletiva Limitadas, Sociedades
Anônimas, Cooperativas, entre
outras estruturas possíveis

Estrutura aprovada pela Estrutura aprovada pela Estrutura não precisa ser
aprovada por órgãos que
Municipalidade e Municipalidade e
regulam Loteamentos e
registrada perante o registrada perante o Condomínios embora seja
Cartório de Registro de Cartório de Registro de integralmente recomendável
Imóveis, para fins de Imóveis, meramente o registro dos documentos
desmembramento de para desmembramento de formalização do coletivo
unidades autônomas e dos lotes, não havendo perante os órgãos competentes
regulação do coletivo qualquer regramento (Cartório de Registro Civil de
sobre convivência Pessoas Jurídicas, Junta
Comercial, Receita Federal, etc.)

As chancelas e licenças
para uso e ocupação do solo
DEVEM ser obtidas perante
órgãos públicos ambientais,
havendo, nesta modalidade
de comunidades intencionais,
a tendência à preocupação
real com o a preservação,
manutenção e regeneração
do meio ambiente natural.

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6.
Conclusão:

Diante do quanto acima explanado, fica claro que os Cohousings


são a solução real, palpável e concreta para uma questão social
contemporânea sensível e extremamente importante: quais são os
caminhos e alternativas para um envelhecimento saudável, prazeroso e
estimulante.

É nesse contexto que os Cohousings vêm se difundindo cada vez


mais, como uma escolha viável e atraente para a comunidade sênior
brasileira.

Contando com a convivência saudável, a colaboração, o respeito


à privacidade, atrelado à opor-tunidade de atividades comunitárias, o
acolhimento e amizade, as Comunidades Intencionais fazem do
envelhecer uma fase estimulante e enriquecedora da vida, ao invés de
uma perspectiva de solidão e isolamento que hoje parece ser um
cenário, infelizmente, recorrente. E, diferentemente dos Condomínios, os
Cohousings oferecem vínculos afetivos reais, conexões fraternais
verdadeiras e uma nova ótica para o envelhecimento saudável e
harmônico.

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Para falar com
os autores:
Luciana Nandini
luciana@mvtlaw.com.br
www.instagram.com/luciana_nandini

Edgar Werblowsky

edgar@freeway.tur.br
www.instagram.com/edgarwerblowsky

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