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Disciplina Sem Dramas PDF
Disciplina Sem Dramas PDF
Título original: No Drama Discipline Autor: Daniel J. Siegel; Tina Payne Bryson Traduzido do inglês por
M aria João Camacho
Henrique Frederico
Revisão: Dulce Gonçalves Capa: Ideias com Peso Composição: José Domingues ISBN: 9789892333151
LUA DE PAPEL
[Uma chancela do grupo Leya]
Rua Cidade de Córdova, n.º 2
2610-038 Alfragide – Portugal
Tel. (+351) 21 427 22 00
Fax. (+351) 21 427 22 01
Toda a informação que possa identificar pessoas ou situações reais foi alterada, exceto a relacionada com o autor e sua família. Este livro não pretende substituir os
conselhos de profissionais.
Para os jovens de todo o mundo,
nossos professores fundamentais. (DJS)
Uma questão
O cão entra em casa, vindo do quintal e, inexplicavelmente, está todo pintado de azul.
O que faz perante cada uma dessas situações? Antes de responder, pedimos-lhe que esqueça tudo o
que sabe sobre disciplina. Esqueça-se do significado da palavra e do que os outros pais acham que se
deve fazer quando os filhos procedem de forma incorreta.
Comece antes por perguntar: Será que estou disposto a pensar num método alternativo, no que diz
respeito à disciplina? Um método que me ajude a atingir, não só os meus objetivos imediatos de levar
os meus filhos a fazer o que está certo no momento certo, mas, também, os objetivos a longo prazo de os
ajudar a serem boas pessoas, felizes, bem-sucedidas, generosas, responsáveis e, ainda,
autodisciplinadas?
Em caso afirmativo, este livro é para si.
INTRODUÇÃO
Disciplina sem Conflito
Incentivar a cooperação enquanto
se estrutura o cérebro de uma criança
Apresento aqui alguns depoimentos de pais com quem trabalhámos. Identifica-se com alguma das
situações?
Estes comentários parecem-vos familiares? São muitos os pais que se sentem assim. Quando os filhos
estão a esforçar-se por fazer as coisas bem, os progenitores querem agir corretamente; porém, são mais
as vezes em que acabam por reagir à situação, do que aquelas em que agem de acordo com um conjunto
de princípios e de estratégias bem definidas. Mudam para piloto automático, abandonando o controlo
das decisões parentais mais decisivas.
Na verdade, um piloto automático pode ser muito útil quando estamos a viajar de avião – basta
carregar no botão, recostar, descontrair e deixar que o computador nos leve para onde foi programado.
Porém, no que toca a disciplinar crianças, trabalhar a partir de um piloto pré-programado, já não é tão
fantástico. Pode conduzir-nos na direção de um qualquer banco de nuvens negras de tempestade que
esteja a formar-se, o que significa que, tanto os pais como os filhos, vão deparar-se com um percurso
acidentado.
Em vez de sermos reativos, queremos ser dialogantes com os nossos filhos. Queremos ser
determinados e tomar decisões conscientes, baseadas em princípios sobre os quais ponderámos e
concordámos antecipadamente. Ser determinado significa considerar diversas opções e, depois,
escolher aquela que implique uma abordagem ponderada dos resultados pretendidos. Pretendemos
designar como Disciplina relacional sem emoções o resultado externo e de curto prazo dos limites e
estrutura comportamentais e o resultado interno de longa duração do ensino de competências de vida.
Imaginemos, por exemplo, que o nosso filho de quatro anos nos bate. Talvez por ter ficado zangado
quando lhe dissemos que precisávamos de terminar um e-mail antes de podermos ir com ele fazer
construções de Lego, dá-nos uma palmada nas costas. (É sempre uma surpresa constatar que um ser tão
pequenino pode infligir tamanha dor, não é?)
Que fazemos? Se estamos em modo de piloto automático, ou seja, se não estamos a funcionar de
acordo com uma filosofia específica sobre a forma como devemos agir perante um mau comportamento,
é possível que nos limitemos a reagir de imediato, sem grande reflexão ou intenção. Talvez seguremos
no nosso filho, possivelmente com mais força do que necessário, e lhe digamos, entre dentes cerrados:
«Bater é feio!». Em seguida, é possível que lhe apresentemos algum tipo de consequência, como mandá-
lo para o quarto, de castigo.
Será esta a pior reação parental possível? Não, não é. Mas poderia ser melhor? Sim, sem dúvida. O
que é necessário é um claro entendimento do que pretendemos alcançar quando o nosso filho se
porta mal.
Este é o objetivo global deste capítulo: ajudar a compreender a importância de funcionar de acordo
com uma filosofia intencional, dispondo de uma estratégia consistente para dar resposta a um
comportamento incorreto. Tal como dissemos na Introdução , o duplo objetivo da disciplina é a
promoção de um bom comportamento externo, a curto prazo, e a construção de uma estrutura interna do
cérebro para garantir um melhor comportamento e competências de relacionamento a longo prazo. É
importante termos presente que disciplinar é, em última análise, ensinar.
Como tal, quando cerramos os dentes, cuspimos uma regra e apresentamos uma consequência, essa
atitude vai ser eficaz no que toca a ensinar o nosso filho de que não deve bater?
Bem, sim e não. Poderá ter, a curto prazo, o efeito de o levar a não nos bater. O medo e o castigo
podem ser eficazes no momento, mas não resultam a longo prazo. E serão o medo, o castigo e o drama
aquilo a que pretendemos, realmente, recorrer como principais motivadores dos nossos filhos? Em caso
afirmativo, o que estaremos a ensinar é que a força e o controlo são as melhores ferramentas para
levarmos os outros a fazerem o que queremos.
Refiro, mais uma vez, que é perfeitamente normal reagirmos, simplesmente, quando ficamos
zangados, em especial quando alguém nos inflige dor física ou emocional.
Existem, porém, respostas mais positivas, respostas que podem atingir o mesmo objetivo a curto
prazo, que é reduzir a probabilidade de aquele comportamento indesejado se repetir no futuro, ao
mesmo tempo que geram competências. Como tal, em vez de se limitar a temer a nossa reação ou inibir
um impulso, o nosso filho irá ser submetido a uma experiência de aprendizagem geradora de uma
competência interna que vai além de uma simples associação de medo. E toda esta aprendizagem pode
ocorrer ao mesmo tempo que reduzimos a influência emocional da interação e reforçamos a nossa
ligação com o nosso filho.
Vejamos de que modo podemos tornar a disciplina, não tanto numa reação geradora de medo, mas
antes uma resposta que dote a criança de competências.
Ao colocarmo-nos estas três perguntas – porquê, o quê e como – quando os nossos filhos fazem alguma
coisa de que não gostamos, podemos mais facilmente sair do modo piloto-automático. Isso significa que
será muito mais provável que reajamos de uma forma eficaz para travar o comportamento
imediatamente, ao mesmo tempo que estaremos a transmitir lições e competências que durarão uma vida
e contribuirão para a construção do caráter e para preparar os nossos filhos para tomarem boas
decisões no futuro.
Analisemos, mais atentamente, em que medida estas três perguntas nos podem ajudar a reagir a um
filho de quatro anos que nos dá uma palmada quando estamos a escrever um e-mail. Quando ouvimos a
pancada e sentimos nas costas uma dor em forma de mão, é possível que demoremos algum tempo a
acalmar e a evitar deixarmo-nos levar pela reação. Nem sempre é fácil, pois não? Com efeito, o nosso
cérebro está programado para interpretar a dor física como uma ameaça, ativando o circuito neural que
nos pode deixar mais reativos e nos coloca em modo de combate . Por conseguinte, implica algum
esforço, por vezes um esforço intenso, conseguir manter o controlo e colocar em prática a Disciplina
sem Conflito. Temos de dominar o nosso cérebro primitivo e reativo, quando isso acontece. Não é fácil.
(A propósito, torna-se muito mais difícil fazer isto quando estamos com privação de sono, com fome,
sobrecarregados ou não estamos a priorizar o cuidado connosco próprios.)
Esta pausa entre reatividade e resposta é o início da escolha, da intenção e da competência enquanto
pais.
Por conseguinte, devemos tentar fazer uma pausa, com a maior brevidade possível, e colocar-nos as
três perguntas. Então, conseguiremos ver, com maior clareza, o que está a acontecer na nossa interação
com o nosso filho. Cada situação é diferente e depende de muitos e diversos fatores; porém, as
respostas às perguntas poderão ser sensivelmente estas:
1. Por que razão o meu filho agiu desta maneira? De novo, as abordagens à disciplina devem mudar,
de acordo com a criança e com a sua personalidade. Talvez o trabalho de casa seja uma dificuldade
para ela, uma batalha que nunca consegue vencer, e isso a deixe frustrada. Talvez haja qualquer coisa
que lhe pareça demasiado pesada ou esmagadora e a faça sentir-se mal consigo própria ou, ainda,
talvez esteja a precisar de mais atividade física. Neste caso concreto, os principais sentimentos
poderão ser a frustração e o desalento.
Talvez a escola não seja, por norma, tão difícil para ela, mas sucumbiu porque, neste dia, está
particularmente cansada e a sentir-se sobrecarregada. Levantou-se cedo, esteve na escola durante seis
horas, depois teve uma reunião dos escuteiros que durou até à hora do jantar. Agora que já jantou, será
de esperar que se sente na mesa da cozinha e esteja a trabalhar em frações durante 45 minutos? Não é
de admirar que se descontrole um pouco, pois é pedir muito a uma criança de 9 anos (ou até mesmo a
um adulto!). Isto não significa que não continue a ter de fazer os trabalhos de casa, mas devemos
mudar a nossa perspetiva e a nossa reação, assim que nos recordemos do que a criança esteve a fazer.
2. Que pretendo ensinar-lhe neste momento? Talvez queira ensinar a sua filha a gerir melhor o seu
tempo e as suas responsabilidades. Ou a fazer escolhas no que toca às atividades nas quais participa.
Ou, ainda, como lidar com a frustração de forma mais flexível.
3. Qual será a melhor forma de transmitir esses ensinamentos? Independentemente da sua resposta à
segunda questão, um sermão numa altura em que a criança já está perturbada, não será, de forma
alguma, a melhor abordagem. Esse não é um momento pedagógico, porque partes emocionais e
reativas do cérebro estão ao rubro, esmagando a parte mais calma, racional e recetiva do cérebro. Por
conseguinte, poderá querer ajudar a criança com as frações e acabar depressa com aquela crise em
particular: Sei que tens muito que fazer esta noite, e que já é muito tarde, mas consegues fazer isto.
Vou sentar-me aqui contigo e, juntos, vamos acabar este trabalho. Assim, quando ela tiver acalmado e
estiverem os dois a saborear uma taça de gelado, ou até mesmo no dia seguinte, poderão verificar
juntos se a sua filha estará com demasiadas atividades, tentar perceber se ela está a ter dificuldade em
compreender algum conceito ou, ainda, explorar a possibilidade de ela estar mesmo a conversar com
os colegas, durante as aulas, e a trazer para casa trabalhos que deveriam ter sido feitos na aula,
acabando por ter mais trabalho extra. Deverá, por conseguinte, colocar-lhe questões, procurando
conjuntamente soluções para os possíveis problemas, tentando descobrir o que estará realmente a
passar-se. Pergunte-lhe o que está a impedi-la de concluir os trabalhos de casa, o que considera não
estar a correr bem e quais são as suas sugestões. Encare toda esta situação como uma oportunidade
para colaborar e contribuir para tornar a realização dos trabalhos de casa numa experiência mais
agradável. A sua filha poderá estar a necessitar de ajuda para criar competências que lhe permitam
encontrar soluções, mas envolva-a o mais possível nesse processo.
Lembre-se de que é importante escolher uma altura em que estejam ambos num estado de espírito
tranquilo e recetivo. Comece por lhe dizer qualquer coisa como: A questão dos trabalhos de casa não
está a correr muito bem, pois não? Tenho a certeza de que seremos capazes de encontrar uma solução.
Na tua opinião, o que poderá resultar? (A propósito: no Capítulo 6, onde debatemos as estratégias de
redirecionamento da Disciplina sem Conflito, apresentamos uma série de sugestões específicas e
práticas que ajudarão o leitor neste tipo de conversas.)
Crianças diferentes requerem respostas diferentes às perguntas porquê, o quê, como, pelo que não
podemos afirmar que estas respostas específicas se apliquem, necessariamente, aos seus filhos e num
determinado momento. O objetivo é encarar a disciplina de uma forma totalmente diferente; é repensá-
la. Depois disso, o leitor poderá ser conduzido por uma filosofia global quando estiver a interagir com
os seus filhos, em lugar de se limitar a reagir de forma instintiva quando eles fizerem alguma coisa de
que não goste. As perguntas porquê, o quê e como apresentam-nos uma forma de passarmos de uma
atitude parental reativa a estratégias parentais recetivas e intencionais que envolvem todo o cérebro.
É certo que nem sempre os pais terão tempo para colocar e ponderar as três perguntas. Quando uma
disputa útil e bem-intencionada, travada na sala de estar, se transforma numa luta sangrenta numa arena,
ou quando temos filhas gémeas que já estão atrasadas para o ballet, torna-se difícil seguir o protocolo
das três perguntas. Nós sabemos. Pode parecer completamente irrealista que alguém possa ter tempo
para estar tão consciente no calor do momento.
Não estamos a insinuar que o leitor seja perfeito todas as vezes, ou que seja capaz de ponderar a sua
resposta de imediato quando os seus filhos ficam perturbados. Porém, quanto mais considerar e praticar
esta abordagem, mais natural e automática se tornará uma avaliação rápida e obter uma resposta
intencional. Essa poderá, inclusivamente, tornar-se na sua resposta padrão, à qual recorrerá
automaticamente. Com prática, estas perguntas poderão ajudá-lo a manter-se determinado e recetivo
face a interações que, até então, induziam em si uma reação. Colocar as perguntas porquê, o quê e como
pode ajudar a gerar um sentido interior de clareza, mesmo perante situações de caos.
Consequentemente, o leitor receberá o bónus de ter de disciplinar cada vez menos, não só porque
estará a moldar o cérebro do seu filho de modo a que ele tome melhores decisões e aprenda a
estabelecer a ligação entre os seus sentimentos e o seu comportamento, como também porque estará
mais atento ao que estiver a acontecer com o seu filho – por que razão ele faz o que faz –, o que
significa que estará mais apto a orientá-lo antes que a situação piore. Além disso, será capaz de ver as
situações do ponto de vista da criança, reconhecendo os momentos em que o seu filho precisa da sua
ajuda, não da sua ira.
Não Conseguir vs. Não Querer: a disciplina não é uma medida única para todas as situações
De um modo simples, colocar as perguntas porquê, o quê e como ajuda-nos a recordar quem é que os
nossos filhos são e do que precisam. As questões levam-nos a ter consciência da idade e das
necessidades específicas de cada indivíduo. Afinal de contas, o que funciona para uma criança, pode
ser o oposto do que outra precisa. E o que funciona com uma criança, numa determinada altura, pode
não funcionar com ela dez minutos mais tarde. Por conseguinte, não considere a disciplina como sendo
uma medida única para todas as situações. Em vez disso, tenha sempre presente a importância de
disciplinar cada criança de acordo com cada situação.
Ao disciplinarmos os nossos filhos no modo piloto automático, reagimos frequentemente muito mais
em função do nosso estado de espírito do que em função das necessidades que o nosso filho está a sentir
nesse preciso momento. É fácil esquecermo-nos de que as nossas crianças não passam disso mesmo, de
crianças, e esperarmos que tenham um comportamento que fica além das capacidades do seu estádio de
desenvolvimento. Não podemos esperar, por exemplo, que uma criança de quatro anos lide bem com as
suas emoções quando está zangada porque a mãe nunca mais larga o computador; assim como não
podemos esperar que uma criança de 9 anos não entre, ocasionalmente, em desespero por causa dos
trabalhos de casa.
Recentemente, Tina viu uma mãe e uma avó a fazerem compras. No seu carrinho das compras estava
um rapazinho que aparentava ter cerca de quinze meses. Enquanto as mulheres circulavam, observando
malas e sapatos, este chorava incessantemente, pretendendo, claramente, que o tirassem dali. Precisava
de se mexer, de andar e de explorar. As cuidadoras iam-lhe dando, absortamente, objetos para o
distraírem, o que o deixava ainda mais frustrado. A criança ainda não sabia falar, mas a sua mensagem
era clara: Estão a exigir demasiado de mim! Preciso que vejam as minhas necessidades! . O seu
comportamento e os seus lamentos eram totalmente compreensíveis.
Com efeito, deveríamos partir do princípio que as crianças irão, por vezes, sentir e manifestar
reatividade emocional, bem como um comportamento de oposição . Em termos de desenvolvimento,
ainda não estão a funcionar com o cérebro totalmente formado (tal como iremos explicar no Capítulo 2),
pelo que se encontram literalmente incapazes de corresponder, constantemente, às nossas expetativas.
Isso significa que, quando disciplinamos, devemos ter sempre em consideração a capacidade de
desenvolvimento da criança, o seu temperamento pessoal e o estilo emocional, assim como o
contexto da situação.
Uma distinção importante é a ideia do não conseguir vs. não querer. A frustração dos pais diminui
radical e drasticamente quando fazemos a distinção entre um não conseguir e um não querer. Por
vezes, partimos do princípio de que os nossos filhos não querem portar-se da forma que pretendemos
quando, na verdade, eles simplesmente não conseguem, pelo menos nesse momento em particular.
A verdade é que uma enorme percentagem dos maus comportamentos devem-se mais a incapacidade
do que a falta de vontade. Da próxima vez que o seu filho revelar dificuldade em controlar-se, pergunte-
se: Será que o comportamento dele faz sentido, tendo em consideração a idade e as circunstâncias? .
Na maioria das vezes, a resposta será Sim . Andar às voltas, durante horas, com uma criança de três
anos dentro do carrinho das compras, obviamente que a deixará agitada. Uma criança de onze anos que
tenha ficado a pé até tarde para ver o fogo-de-artifício, e tenha de se levantar cedo na manhã seguinte
para uma atividade da Associação de Estudantes, terá, naturalmente, durante o dia, alguma quebra. Não
porque não queira evitar, mas porque não consegue.
Estamos sempre a reforçar esta questão junto dos pais, o que foi particularmente eficaz com um pai
que procurou Tina no seu consultório. Encontrava-se esgotado porque o filho de cinco anos, embora
demonstrasse capacidade para se comportar de modo apropriado e tomasse decisões acertadas, havia
alturas em que se descontrolava pelos motivos mais insignificantes. Vejamos de que modo Tina abordou
a conversa:
Comecei por tentar explicar a este pai que, por vezes, o filho não conseguia controlar-se, o que
significava que não estava a escolher ser obstinado ou desafiador. Em termos de linguagem corporal,
a resposta do pai à minha explicação foi muito clara: cruzou os braços e recostou-se na cadeira.
Embora não tivesse declaradamente rolado os olhos, era notório que não iria criar um Clube de Fãs
da Tina . Como tal, disse-lhe: Quer parecer-me que não concorda comigo neste ponto.
Respondeu-me o pai: É que não me faz qualquer sentido, porque o meu filho, por vezes, é fantástico
a lidar até mesmo com grandes desapontamentos, como aconteceu na semana passada, por
exemplo, em que não conseguiu ir ao jogo de hóquei. Porém, há alturas em que perde simplesmente
a cabeça porque não pode usar a caneca azul por estar na máquina de lavar louça! Não se trata
aqui de coisas que não possa fazer. O problema dele é ser mimado e precisar de uma disciplina
mais firme. Precisa de aprender a obedecer. E isso ele pode! Já deu provas de poder escolher como
lidar consigo próprio.
Decidi correr um risco terapêutico: fazer uma coisa fora do comum sem saber ao certo onde me
levaria. Acenei com a cabeça e depois perguntei: Tenho a certeza de que, na maior parte do tempo, é
um pai carinhoso e paciente, não é verdade?
Resposta: Sim, na maior parte das vezes. Mas há outras em que não sou, obviamente.
Tentei incutir algum humor ao tom da minha voz, dizendo: Ou seja, consegue ser paciente e carinhoso
mas, por vezes, escolhe não o ser?
Felizmente, aquele pai sorriu, começando a perceber onde eu queria chegar. Como tal, prossegui: Se
amasse o seu filho, não faria melhores escolhas e não seria um melhor pai em todas as situações?
Por que razão escolhe ser impaciente ou reativo? Ele começou a acenar e o rosto foi-se abrindo, num
sorriso ainda mais rasgado, à medida que foi reconhecendo o meu tom de brincadeira e refletindo
sobre a questão.
Continuei: O que torna mais difícil, para si, ser paciente?
Disse o pai: Bem, depende de como me estou a sentir; se estou cansado, por exemplo, ou se tive um
dia difícil no trabalho.
Sorri e perguntei-lhe: Sabe onde quero chegar com isto, não sabe?
Claro que ele sabia. Tina continuou a explicar que a capacidade de uma pessoa para lidar bem com as
situações e para tomar decisões acertadas, pode realmente flutuar de acordo com as circunstâncias e
com o contexto de uma dada situação. Pelo simples facto de sermos humanos, a nossa capacidade de
lidarmos connosco não é estável, nem constante. E esse é, certamente, o caso de uma criança de cinco
anos.
Aquele pai entendia claramente o que Tina estava a dizer: que era incorreto partir do princípio de que
o filho, só porque conseguia gerir bem as suas emoções em determinados momentos, seria capaz de o
fazer sempre. E que o facto de o filho, por vezes, não controlar os seus sentimentos e comportamentos,
não era sinal de que, nesses momentos, estivesse a ser mimado e a precisar de ser disciplinado com
mais firmeza. Pelo contrário, era sinal de que precisava de compreensão e ajuda, e que o pai, mediante
uma ligação emocional e o estabelecimento de limites, poderia aumentar e expandir as capacidades do
filho. A verdade é que, em todos nós, a nossa capacidade vai flutuando de acordo com o estado de
espírito e o estado físico, e que estes estados são, por sua vez, influenciados por uma série de fatores
– em especial quando se trata do cérebro em desenvolvimento de uma criança em crescimento.
Tina e aquele pai continuaram a conversar e tornou-se óbvio que o pai captou perfeitamente o que
Tina lhe transmitiu. Percebeu a diferença entre não poder e não querer, e reconheceu que estava a
colocar, relativamente ao filho, e também à filha, expetativas demasiado rígidas e inapropriadas em
termos de desenvolvimento (não pode haver uma medida única para todas as situações). Esta nova
perspetiva deu-lhe competências para desligar o seu piloto-automático parental e começar a trabalhar
de forma a tomar decisões pensadas, de acordo com o momento e em função da personalidade dos
filhos, pois cada um tinha a sua própria personalidade e as suas próprias necessidades, que variavam,
também, em diferentes momentos.
O pai não só constatou que poderia continuar a estabelecer limites claros e firmes, como verificou
que o poderia fazer de forma ainda mais eficaz e com mais consideração, pois iria ter em conta o
temperamento individual de cada filho, a flutuação da sua capacidade e o contexto de cada situação.
Consequentemente, iria ser capaz de alcançar os dois objetivos da disciplina: assegurar menos
situações de falta de cooperação do filho e ensinar-lhe importantes competências e lições de vida que
iriam ajudá-lo ao longo de todo o seu crescimento, até à idade adulta.
Este pai estava a aprender a desafiar determinados pressupostos em que sempre acreditara, tais como
a ideia de que o mau comportamento era sempre uma atitude intencional de desafio, e não um momento
em que a criança encontra dificuldade em gerir sentimentos e comportamentos. Posteriores conversas
com Tina levaram-nos a questionar, não só este pressuposto, como a sua ênfase na necessidade de que
os seus filhos lhe obedecessem incondicionalmente e sem exceção. Sim, era razoável e justificável que
pretendesse que a sua disciplina encorajasse os filhos a cooperarem. Agora, obediência total e
inquestionável? Pretenderia ele que os filhos crescessem a obedecer cegamente a toda a gente, e que
continuassem a fazê-lo pela vida fora? Ou preferiria que desenvolvessem as suas personalidades e
identidades individuais, aprendendo, ao longo do processo, o que significa entenderem-se com os
outros, observar os limites, tomar boas decisões, serem autodisciplinados e atravessar situações
difíceis pensando por si próprios? Mais uma vez, este pai percebeu a ideia e isso fez toda a diferença
para os seus filhos.
Outra ideia preconcebida que este progenitor começou a colocar em causa, foi a de que existe uma
espécie de bala de prata ou varinha mágica que pode ser usada para resolver qualquer problema de
comportamento ou qualquer preocupação. Gostaríamos que houvesse qualquer coisa que curasse tudo,
mas não há. É tentador seguir um tipo de prática disciplinar que promete funcionar em todas as
situações e mudar radicalmente uma criança em poucos dias. Porém, a dinâmica da interação com
crianças é sempre muito mais complexa do que isso. Questões de comportamento não podem,
simplesmente, ser resolvidas com uma abordagem única que apliquemos em todas as circunstâncias, em
todos os ambientes, ou a todas as crianças.
Tomemos agora alguns minutos para debater as duas técnicas de disciplina de medida única a que os
pais recorrem mais frequentemente: palmadas e castigo no quarto.
Na verdade, à medida que vão crescendo, podem beneficiar de uma introspeção, para concentrarem
as suas atenções no seu mundo interior. É deste modo que aprendem a ver o mar de dentro e a
desenvolver competências para acalmar as tempestades interiores. Esses tempos interiores são a base
da visão da mente, da capacidade de vermos a nossa própria mente e a mente dos outros com
discernimento e empatia. E a visão da mente engloba o processo de integração que permite que os
estados interiores sejam alterados e passem do caos ou da rigidez a um estado interior de harmonia e
flexibilidade. A visão da mente, discernimento, empatia e integração, é a base da inteligência social e
emocional, por conseguinte, utilizar tempo interno para desenvolver competências de reflexão
interior é o método que utilizamos para ajudar as crianças e os adolescentes a construírem os circuitos
de tão importantes capacidades. A Disciplina sem Conflito utilizaria um tempo interior para travar
determinado comportamento (primeiro objetivo) e para incentivar a reflexão interior que contribui para
desenvolver competências executivas (o nosso segundo objetivo).
Uma estratégia proactiva que pode ser eficaz, consiste em ajudar a criança a criar uma zona calma
– com brinquedos, livros ou o boneco de peluche preferido – onde possa recolher-se sempre que
precise de um tempo e de um lugar para se acalmar. Isto é autorregulação interna, uma competência
fundamental de função executiva. (Esta é, igualmente, uma excelente ideia para os pais! Talvez com
algum chocolate, revistas, música, vinho tinto…) Não pretendemos castigar as crianças, nem fazê-las
pagar pelos seus erros. O que se pretende é facultar-lhe uma oportunidade e um lugar onde possa
autorregular-se e diminuir a reação aos impulsos, o que implica reduzir a sobrecarga emocional.
Tal como o leitor irá comprovar nas páginas que se seguem, existem dezenas de formas, mais
edificantes, construtivas e eficazes de reagir às crianças, do que a de mandá-las, automaticamente, de
castigo para o quarto, como se esta fosse uma medida única para todo o tipo de comportamentos
incorretos. O mesmo se aplica relativamente ao castigo físico e, até mesmo, aos castigos em geral.
Felizmente, como em breve iremos explicar, existem alternativas melhores do que bater, mandar de
castigo para o quarto ou retirar, automaticamente, um brinquedo ou um privilégio. Estas alternativas
estão lógica e naturalmente relacionadas com o comportamento da criança e contribuem para o
desenvolvimento do cérebro, mantendo uma forte ligação entre os pais e a criança.
1. Será que disponho de uma filosofia de disciplina? Em que medida sou decidido e consistente
quando não estou a gostar da forma como os meus filhos estão a comportar-se?
2. O que tenho estado a fazer, está a resultar? A minha abordagem permite-me transmitir aos meus
filhos os meus ensinamentos, tanto em relação ao comportamento imediato, como na forma como estão
a crescer e a desenvolver-se como seres humanos? Consigo diminuir as situações em que tenho de
intervir devido a maus comportamentos ou vivo sempre na contingência de disciplinar os meus filhos
devido a comportamentos que se repetem incessantemente?
3. Sinto-me bem com aquilo que tenho estado a fazer? A minha abordagem à disciplina ajuda-me a
usufruir melhor da minha relação com os meus filhos? Tenho por hábito refletir sobre as situações que
exigiram disciplina e sinto-me satisfeito com a forma como me comportei? É frequente questionar-me
sobre se haverá uma forma mais acertada?
4. Os meus filhos sentem-se bem com a minha abordagem? Dificilmente os métodos de disciplina são
populares, mas compreendem os meus filhos a minha abordagem e sentem eles o meu amor? Estarei a
transmitir e a incutir respeito de uma forma que lhes permita continuarem a sentir-se bem consigo
próprios?
5. Sinto-me bem com as mensagens que estou a transmitir aos meus filhos? Há alturas em que dou
lições que não quero que eles interiorizem? Por exemplo, que obedecerem ao que eu digo é mais
importante do que aprenderem a tomar boas decisões e fazerem o que é certo? Ou que poder e
controlo são a melhor forma de levar as pessoas a fazerem o que nós queremos? Ou que apenas quero
estar na sua companhia se eles tiverem comportamentos agradáveis?
6. Em que medida a minha abordagem se assemelha à dos meus pais? Como é que os meus pais me
disciplinavam? Consigo lembrar-me de alguma experiência em particular e de como ela me fez sentir?
Estarei apenas a repetir velhos padrões? Estarei a rebelar-me contra eles?
7. A minha abordagem alguma vez levou os meus filhos a pedirem-me desculpa com sinceridade?
Embora isto possa não acontecer com frequência, será que a minha abordagem deixa, ao menos, uma
porta aberta para que isso aconteça?
8. A minha abordagem permite-me assumir a responsabilidade e pedir desculpa pelos meus atos?
Até que ponto sou aberto com os meus filhos no que toca a revelar que também eu cometo erros?
Estarei disposta(o) a constituir um modelo no que concerne o reconhecimento dos próprios erros?
Como é que se sente agora o leitor, depois de se ter colocado a si próprio estas questões? Muitos pais
sentem remorso, culpa, vergonha ou até mesmo impotência quando reconhecem o que não tem estado a
funcionar bem e ficam preocupados com a possibilidade de não terem feito o melhor que lhes era
possível. A verdade, porém, é que o leitor fez o melhor que podia. Se conseguisse fazer melhor, tê-lo-
ia feito. À medida que for conhecendo novos princípios e novas estratégias, o objetivo não será
censurar-se pelas oportunidades perdidas, mas tentar criar novas oportunidades. Quando sabemos mais,
fazemos melhor. Há aspetos que nós, os especialistas, fomos aprendendo ao longo dos anos, mas que
desejávamos ter conhecido ou descoberto quando os nossos filhos eram bebés. O cérebro das crianças
é extremamente plástico – altera a sua estrutura em resposta à experiência –, e as crianças conseguem
responder a novas experiências de uma forma muito rápida e muito produtiva. Quanto maior for a
compaixão que sente por si próprio, maior será a compaixão que sentirá pelos seus filhos. Até mesmo
os melhores pais sabem que haverá sempre alturas em que constatarão que poderiam ter sido mais
intencionais, eficazes e respeitadores relativamente à forma como disciplinaram os filhos.
Nos restantes capítulos, o nosso objetivo é ajudar o leitor a refletir sobre aquilo que pretende para os
seus filhos no que toca a orientar e a ensinar. Nenhum de nós alguma vez será perfeito; podemos, no
entanto, dar alguns passos no sentido de exercitar calma e autocontrolo quando os nossos filhos fazem
asneiras. Podemos colocar as questões do porquê, o quê, como. Podemos evitar as medidas de
disciplina únicas para todas as situações. Podemos assegurar os dois objetivos de moldar os
comportamentos exteriores e ensinar competências internas. E podemos trabalhar no sentido de
reduzir o número de vezes em que apenas reagimos (ou reagimos exageradamente) a uma situação e
aumentar o número de vezes em que respondemos a partir de uma clara noção daquilo de que os nossos
filhos necessitam em cada momento, em particular, e à medida que vão avançando na infância e
atravessando a adolescência em direção à idade adulta.