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Di-Lorenzo-Walbert-Teoria-Do-Estado-de-Solidariedade
Di-Lorenzo-Walbert-Teoria-Do-Estado-de-Solidariedade
Solidariedade
WAM BE RT G OM ES D I L ORE NZO
Teoria do Estado de
Solidariedade
Da dignidade da pessoa humana
aos seus princípios corolários
ISBN: 978-85-352-3763-4
Nota: Muito zelo e técnica foram empregados na edição desta obra. No entanto, podem ocorrer erros de digitação,
impressão ou dúvida conceitual. Em qualquer das hipóteses, solicitamos a comunicação à nossa Central de
Atendimento, para que possamos esclarecer ou encaminhar a questão.
Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoas ou bens,
originados do uso desta publicação.
Cip-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
D574t
Di Lorenzo, Wambert Gomes
Teoria do estado de solidariedade : da dignidade da pessoa humana aos seus
princípios corolários / Wambert Gomes Di Lorenzo. – Rio de Janeiro : Elsevier, 2010.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-352-3763-4
VII
Agradecimentos
IX
Prefácio
O
livro do professor Wambert Gomes Di Lorenzo insere-se na tra-
dição cristã que tem aportado importante contribuição histórica
às diferentes áreas humanas do saber, do conhecimento e da
prática, especialmente no campo das teorias sociais, entre elas a filosofia
do direito e a filosofia política. Tem grande referência no personalismo
comunitário cristão, concepção a partir da qual faz uma vigorosa crítica ao
individualismo e ao coletivismo – com ênfase na crítica ao individualismo.
Este representa realmente uma séria deturpação das dimensões da pessoa
humana que não se manifestam e não se desenvolvem fora do contexto da
sociedade. Nesse sentido, a crítica que o autor faz ao individualismo tem
uma profunda ressonância no período histórico no qual estamos vivendo,
pois, em tempos de globalização e pós-modernidade, são escassas as grandes
realizações no campo dos valores humanos e coletivos. É um tempo mar-
cado pela exacerbação do individualismo, como se o ser humano pudesse
existir por si mesmo e como se não fôssemos profundamente dependentes
uns dos outros, até mesmo suplicantes do afeto, do olhar, da compreensão
e da solidariedade do outro.
Na outra ponta, o autor, em sintonia com o ensino social da Igreja e com
mestres do pensamento social cristão no campo da política, como Jacques
Maritain, critica também o coletivismo que não respeita o diferente e as
diferenças e, por consequência, o mistério e a dignidade da pessoa humana.
A pessoa que se dilui na comunidade perde a sua identidade. Sabemos que o
avanço social pressupõe os conflitos dentro da própria sociedade, na expec-
tativa de que sejam processados dentro dos canais éticos e democráticos.
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Prefácio
XIII
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XIV
Prefácio
XV
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XVI
Prefácio
XVII
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XVIII
Prefácio
Patrus Ananias
Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
XIX
Apresentação
F
ui apresentada com mais intimidade às teorias do primado da pessoa
humana durante minha faculdade de Economia. Desde então, acom-
panhei o realismo com que seus fundamentos se comprovaram em
todas as áreas com as quais tive contato pessoal, profissional ou político.
A história das civilizações confirmou que, quanto menos a sociedade crê
na pessoa, menos evolui. E, ao contrário, quanto mais valoriza e sublinha
o papel da pessoa humana, mais avança. E isso vale para a economia, a
política, a cultura, a educação, enfim, para todos os campos que compõem
o contexto da vida.
Entretanto, compreensões equivocadas e muitas vezes preconceituosas
acabaram por relegar as teses personalistas, durante muito tempo, a um
papel meramente coadjuvante. O postulado do indivíduo humano che-
gou a gerar – se ainda não gera, eventualmente – reações intolerantes e
de inspiração notadamente totalitária. Basta ver que grandes genocídios
palmilharam seus caminhos de horrores exatamente pela supressão das
liberdades individuais. Ora, compreender o ser humano como criatura
única, exclusiva, inigualável e inimitável – divina, para os que assim creem
– é apenas reconhecer o que demonstra a própria natureza. É perceber os
fatos tais quais eles são, conclusão que se sobrepõe a visões ideológicas de
qualquer procedência.
Enfim, seja como indivíduo isolado, seja como parte de um ente organi-
zado, não podemos melindrar e diminuir o papel da pessoa. E, ao enaltecer
esse legado da antropologia personalista, adentramos no plano dos valores.
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XXII
Apresentação
XXIII
Introdução
E
ste trabalho apresenta três proposições principais: as causas
históricas e atuais da grave questão social que tem assolado
a humanidade; o paliativo a ela aplicado sob o nome de
Estado Social ou do welfare; e, a superação deste pelo Estado pós-
social, ser informe carente de fundamentos que configurem sua
existência, determinem seus fins e orientem sua ação.
O Estado de Solidariedade é, de todos os projetos para um
Estado pós-social, o que mais ecoou no cenário político, jurídico
e social desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Seus funda-
mentos inspiraram o constitucionalismo de valores que tomou
conta do ocidente e influenciou constituições do mundo inteiro
após a grande hecatombe do século XX.
A perversidade dos lúgubres acontecimentos do século passado
demonstrou que o problema do homem não se resume no seu bem-
estar material e que a ética social teria que ir mais além do homem
econômico para atingir o homem integral, isto é, a pessoa humana.
Teoria do Estado de Solidariedade: da dignidade da pessoa
humana aos seus princípios corolários pretende oferecer uma con-
tribuição na compreensão do modelo antropológico que orientou
o constitucionalismo do pós-guerra e que tem inspirado o Estado
pós-social. De forma genérica, este livro trata dos princípios gerais
que fundamentam e orientam o Estado e que regulam suas rela-
ções com a sociedade e as pessoas, mas, em particular, de que
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Introdução
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A questão
Capítulo
1
social
A
questão social consiste nas escandalosas condições de vida
sob as quais jaz boa parte das pessoas humanas. Se, em
sua gênese, era um fato tipicamente europeu, hoje é um
fenômeno mundial que se alastra e se intensifica na mesma medida
em que se consolida o processo de globalização.
O que na origem era um problema do proletariado ocidental,
hoje, alcança o mais ermo aborígine no mais remoto torrão do
planeta. O que era questão operária tornou-se questão do homem.
Por outro lado, a questão social é o maior desafio da civilização
desde o impacto inicial da sociedade industrial, que intensificou o
processo político que o favoreceu. Ainda que o progresso humano
tenha alcançado seu avanço em velocidade sem precedentes, ele
e a maior parte das riquezas que produz não chegam ao alcance
de grande parte da população mundial.
Já no seu tempo, Alexis de Tocqueville1 relatava a concentra-
ção de renda na Inglaterra e a total dependência da caridade estatal
de parte da população da região mais rica e desenvolvida do país,
e constatava também, que os países mais mergulhados na miséria
tinham o menor número de indigentes, enquanto nos povos de
admirável opulência uma parte da população se via obrigada a
depender da providência alheia.
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2. Estado Constitucional.
3. Estado de Direito. Tecnicamente, também podemos distinguir o Estado Liberal francês do alemão
como Estado de Direito Material e Estado de Direito Formal. O primeiro buscava concretizar-se
politicamente através de direitos fundamentais determinados pela Constituição; o segundo buscava,
nas técnicas jurídicas, garantir a efetivação destes direitos.
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4. Inspira-se na ideia de Adam Smith (The Wealth of Nations), a qual chamou de naturalismo otimista,
fruto da escola clássica inglesa, que parte da noção de uma ordem natural para concluir que a livre-
iniciativa dos indivíduos e o funcionamento espontâneo do mercado poderão gerar vantagem para
todos. Nesse sistema de liberdade natural o soberano teria apenas três funções: proteger a sociedade
da violência externa, administrar rigorosamente a justiça e criar instituições públicas que jamais
atraiam a atividade privada. Ou seja, cabe ao Estado prestar serviços apenas naquelas áreas em que
seja impossível a obtenção de lucro por parte na iniciativa privada.
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5. Influenciado por tal ideia, até os Estados Pontifícios suprimiram as corporações de artes e ofício,
no pontificado de Pio VII (1800-1801), que foram restauradas por Pio XI. Os Estados Pontifícios
se estendiam por toda a cidade de Roma. Após a tomada de Roma (1870-1871), que foi declarada
capital do Reino da Itália, a soberania do Estado eclesiástico ficou restrita à Colina do Vaticano e a
alguns prédios na cidade.
6. A expressão Estado Democrático de Direito consta apenas em três constituições do mundo: na
do Brasil (art. 1o), na de Portugal (art. 2o) e na da Espanha, como “Estado Social e Democrático de
Direito” (art. 1o).
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uma força puramente negativa que vivia do obstáculo e por ele era sustentado.
Caído o absolutismo, esvai-se a força necessária para sua subsistência7.
Karl Marx, quando de seu exílio na Inglaterra, descreve as inumanas
condições de trabalho dos operários: com jornada de doze horas diárias e
oito horas aos sábados; pedreiros com jornada das onze da noite às seis da
manhã; modistas trinta horas seguidas; operários das minas de carvão doze
horas, mais as extraordinárias; outros trabalhadores tinham jornada de vinte
horas; crianças de sete anos com jornada das seis da manhã às nove da noite;
as fábricas tinham metade de seus funcionários menores de treze anos e o
restante não passava dos dezoito; as crianças dormindo em fábricas e não
mais que três horas por noite; além dos salários irrisórios8.
Exceto as condições de trabalho descritas por Marx, vale a imparcial e
aguda descrição das condições de vida dos trabalhadores ingleses feita por
Dostoiévski no seu ensaio Notas de inverno sobre impressões de verão.
Na sua prosa leve, Dostoiévski narra sua viagem a algumas capitais da
Europa no verão de 1862, em particular a Londres, onde visitou os bairros
populares de White Chapel e High Market. Conta que, como um mar, milhões
de operários espalham-se pela cidade no sábado à noite para exaurir o já
insuficiente resultado do trabalho semanal comendo e bebendo bestialmente
como quem busca compensar, ainda que de forma fugaz, o abandono e a
miséria, com uma espécie de baile de escravos brancos9. Conclui que aquilo
que ali se vê nem é mais povo, mas uma perda de consciência, sistemática,
dócil e estimulada, verdadeiros párias10.
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11. De O capital, Marx só publicou um volume. Os outros dois foram publicados por Engels em
1885 e 1894.
12. In: Lefort, Claude et al. Dicionário das obras políticas, p. 785.
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13. Chalmeta, Gabriel. La justicia política en Tomás de Aquino: una interpretación del bien común
político. Pamplona: EUNSA, 2002, p. 14.
14. Donati, P. La Cittadinanza societaria. Roma-Bari: Laterza, 1993, p. 5. Apud: Chalmeta, La justicia
política…, cit., p. 14.
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15. Macpherson, C. B. A teoria da política do individualismo possessivo de Hobbes até Locke (tradução
de Nelson Dantas). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 13.
16. Arendt, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2001, p. 128.
17. Cf. Chalmeta, La justicia política…, cit., p. 15.
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18. Tal matriz antropológica liberal tem sua origem no Iluminismo. Cf. Santos, Francisco de Araújo.
O liberalismo. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1991, p. 27.
19. A qualidade possessiva do individualismo liberal reside na ideia do indivíduo como sendo
essencialmente proprietário de sua própria pessoa e de suas próprias capacidades, não devendo nada
à sociedade por elas. Cf. Macpherson, C. B. op. cit., p. 13.
20. Cf. Chalmeta, La justicia política…, cit., p. 12.
21. Chalmeta. La justicia política…, cit., p. 21.
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26. Rawls, John. Justice as Fairness: a restatement; edited by Erin Kelly. Cambridge: Harvard University
Press, 2001. Cf. também A Theory of Justice. Cambridge: Harvard University Press, 1999.
27. Rawls, John. A Theory of Justice. Cit., n. 3, § 3.
28. Id., ibid.
29. Cf. Rosanvallon, Pierre. A nova questão social. Brasília: Instituto Teotônio Vilela, 1998, p. 32.
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43. J. S. Mill (Utilitarianism, 1861, in Collected Works of John Stuart Mill. Toronto-Londres: Univ. of
Toronto, 1969, v. X, p. 234), apud Chalmeta, Gabriel. La justicia política…, cit., p.18.
44. Cf. Arendt, Hannah. Entre o passado e o futuro, cit., p. 115.
45. Cf. Gonella, Guido. Bases de uma nova ordem social: anotações às mensagens de Pío XII. Petrópolis:
Vozes, 1947, p. 13.
46. Maritain, Jacques. Os direitos do homem e a lei natural. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967, p. 52.
47. Maritain, Jacques. Humanismo integral, cit., p. 125.
48. Maritain, Jacques. La persona y el bien común. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967; Buenos Aires:
Club de Lectores, 1981, p. 77.
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49. Arendt, Hannah. A condição humana, cit., p. 53. Hannah Arendt baseia seu argumento na tese
de Gunnar Myrdal. The political element in the development of economic theory (1953).
50. Maritain, Jacques. Por una filosofía de la persona humana. Buenos Aires: Club de Lectores, 1981,
p. 178.
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55. Id., ibid., p. 98. Mantém-se aqui a proposição original por questão de fidelidade à ideia de
Maritain, ainda que se prefira a clara distinção entre totalitarismo e autoritarismo, lugar comum da
ciência política atual que Maritain parecia ignorar.
56. Stein, Edith. La estructura de la persona humana. Madrid: BAC, 2003, p. 114.
57. Id., ibid., p. 165.
58. Id., ibid., p. 28.
59. Swift, Jonathan. As viagens de Gulliver. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2005, p. 13.
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O
Capítulo
2
homem
H
omem é também substantivo genérico que designa um ani-
mal. Pessoa é um nomen dignitatis que expressa o humano
na sua concretude, uma existência única e singular, uma
individualidade que só atinge sua plenitude ontológica em soli-
dariedade com seus semelhantes e com o mundo que o cerca.
Um ser no mundo cuja construção do ego passa pelo caminho
da alteridade.
Antecipada parte das conclusões, a partir daqui tentar-se-á
visitar uma questão que acompanha a humanidade desde a origem
da filosofia: a natureza humana.
60. Do hebraico, o homem: adam, que vem do solo: adamah. Substantivo comum que
se tornou o nome próprio do primeiro homem (Cf. nota t de Gn 2, 27, de A Bíblia de
Jerusalém). Adão ainda ligado aos vocábulos hebraicos adamá: solo vermelho; adom:
vermelho; e, dam: sangue. Todos os textos bíblicos aqui referidos são da tradução direta
do grego, hebraico e aramaico de A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulinas, 1985.
61. Cf. Gn 2, 7.
62. Gn 3, 19.
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71. Lit.: “Nunca acreditei, pois, em uma continuidade homogênea qualquer entre o que se chama o
homem e o que ele chama o animal. (...) Porque não há nenhum interesse em uma discussão quanto
à existência de alguma coisa como uma descontinuidade, uma ruptura e mesmo um abismo entre
aqueles que se chamam homens e o que os ditos homens, aqueles que se nomeiam homens, chamam
animal. Todo mundo está de acordo sobre isto, a discussão está encerrada de antemão, e seria preciso
ser mais tolo que os animais para duvidar”. (Derrida, Jacques. O animal que logo sou. São Paulo:
Editora UNESP, 2002, p. 59).
72. Id., ibid., p. 15.
73. “No centro ótico de uma tal reflexão se encontraria a coisa – e aos meus olhos o foco dessa
experiência incomparável que se chama nudez. E que se acredita ser próprio do homem, quer dizer,
estranha aos animais, nus como são, pensamos então, sem a menor consciência de sê-lo.
(...) Vergonha de quê, e diante de quem? Vergonha de estar nu como um animal. Acredita-se geralmente,
mas nenhum dos filósofos que vou questionar daqui a pouco menciona isso, que o próprio dos animais,
e aquilo que os distingue em última instância do homem, é estarem nus sem o saber. Logo, o fato
de não estarem nus, de não terem o saber de sua nudez, a consciência do bem e do mal, em suma.
Assim, nus sem o saber, os animais não estariam, em verdade, nus. Eles não estariam nus porque eles
são nus. Em princípio, excetuando-se o homem, nenhum animal imaginou se vestir. O vestuário seria
o próprio do homem, um dos próprios do homem”. (Id., ibid., p. 16 e s.)
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pois não dispõe do conceito de absoluto que é a plenitude do ser78. Por isso,
não existe a morte para o animal. Só as pessoas morrem79. Os animais, ao
contrário, são imortais.
Para Hannah Arendt, imortalidade significa continuidade no tempo80.
As pessoas são os únicos seres verdadeiramente mortais devido a que, ao
contrário dos animais, sua existência não se dá apenas como parte de uma
espécie cuja imortalidade se dá pela procriação81.
A unicidade da pessoa faz dela o ser mortal que é. A generalidade de um
animal e sua individualidade vazia, meramente material, torna-o imortal no
tempo. João e Maria serão seres exclusivos e únicos de vida efêmera como
a de todas as pessoas.
Ainda que recebam nomes próprios e sujeitos, em particular, lhe dedi-
quem alguma estima, a existência individual de um animal ocorre apenas
enquanto parte de sua espécie. Cachorro e gato permanecem para sempre,
ou até que uma hecatombe aniquile sua espécie.
Para os gregos, a ideia era tão clara que a única forma de imortalidade
era a história. Foi em nome dela que Aquiles preferiu a prematura, porém
gloriosa, morte em Troia a uma longevidade fadada à mortalidade.
No seu Zôon lógon ékho, Aristóteles afirma que os homens têm o logos,
os animais o phoné. Logos é um vocábulo que tem vários significados: razão,
verbo, palavra. Phoné é som, simplesmente.
A antropologia animalista, com seus contributos e suas limitações, será
o fundamento para a posterior antropologia personalista. Enquanto a pri-
meira – dita cosmológica por Wojtyla – busca a compreensão do homem no
mundo, a segunda busca a compreensão do homem em si mesmo82. Não se
excluindo mutuamente, a compreensão personalista do homem não contrapõe
a animalista, mas é sua interpretação83.
O personalismo pretende uma interpretação do homem baseado na expe-
riência e demonstra que ele não é apenas um gênero, mas um eu concreto, um
78. Cf. Spaemann, Robert. Felicidade e benevolência: ensaio sobre ética. São Paulo: Loyola, 1996, p. 142.
79. Cf. Spaemann, Robert. Personas..., cit., p. 121.
80. Arendt, Hannah. A condição humana, cit., p. 26.
81. Id., ibid., p. 27.
82. Cf. Wojtyla, Karol, El hombre y su destino, cit., p. 35.
83. Id., ibid., p. 34.
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Como potência, a essência de uma coisa demarca o seu ser. Não é uma
essência real como aquela a que comumente nos referimos – essa reside na
coisa em si –, mas uma essência abstrata que a tradição filosófica consagrou
como quididade, do latim quid, aquilo que é um ser.
A essência é representada por ideia universal e incontroversa a respeito
do ser, segundo a lição de Maritain. Uma ideia mínima comum que corres-
ponderá a sua natureza104. A essência é, portanto, a natureza da coisa, sua
quididade, aquilo que ela é. Destarte, descrever a irredutibilidade de um ser
é enunciar sua quididade.
Hannah Arendt negará a quididade, aquilo que chamamos de essência
abstrata da pessoa, para afirmar apenas a essência real. Ela distingue essência
humana de natureza humana, afirmando a primeira e negando a segunda,
apesar de compreender claramente a identidade que há entre essência e
natureza na metafísica clássica. O que ela afirma ser essência humana é o
que chamamos de essência real, enquanto natureza humana corresponde à
essência abstrata. Para ela, a essência humana é a essência de quem o indi-
víduo é. Esta só passa a existir depois que a vida deste se finda, restando
apenas uma biografia. Seria esta história individual a única hipótese de uma
essência humana105. Um dos fundamentos do seu argumento está na incog-
noscibilidade da natureza humana, a qual, se existisse – segundo propõe –,
só poderia ser conhecida por Deus106.
como certo que não há nenhuma figura de 10.000 lados, realmente existente; no entanto, da sua essên-
cia, – existente só no seu espírito –, o geômetra pode concluir as propriedades que teria um miriágono
que existisse na realidade”. (Lições de Filosofia Tomista. Porto: Livraria Figueirinhas, 1945, p. 147).
104. Maritain, Jacques. Elementos de Filosofia I – Introdução Geral à Filosofia. Rio de Janeiro: Agir,
2001. “Uma essência é aquilo que em qualquer objeto de pensamento é imediatamente e antes de
tudo (per se primo) apresentado à inteligência (...) essa alguma coisa apresentada imediatamente ao
espírito é uma essência (ou uma natureza)” – p. 127. “A este dado primeiro da inteligência os filósofos
dão não somente o nome de essência, mas também de quididade e de natureza” – p. 134. “Chegamos
à noção da essência propriamente dita, ou da natureza (estes dois termos podem ser tomados como
sinônimos.)” – p. 141.
105. “Em outras palavras, a essência humana – não a natureza humana em geral (que não existe),
nem a soma total de qualidades e imperfeições do indivíduo, mas a essência de quem ele é – só passa a
existir depois que a vida se acaba, deixando atrás de si nada mais que uma história.” (Arendt, Hannah.
A condição humana, cit., p. 206).
106. “Em outras palavras, se temos uma natureza ou essência, então certamente só um deus pode
conhecê-la e defini-la; e a condição prévia é que ele possa falar de ‘quem’ como se fosse um ‘quê’”
(Id., ibid., p. 16).
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114. Maritain, Jacques. Por una filosofía de la persona humana, cit., p. 156.
115. Id., ibid., p. 158.
116. Spaemann, Robert. Personas…, cit., p. 31.
117. Na expressão de Spaemann: individuum vagum. Esclarece: “As pessoas se chamam pessoas como
os membros de uma família levam o mesmo sobrenome. Para cada um deles o mesmo sobrenome
significa algo distinto: para o pai, a mãe, a filha, o filho, o irmão. Não restam incluídos num mesmo
nome com um conceito geral, que é indiferente às diferenças dos sujeitos que engloba. O sobrenome,
sendo o mesmo, assinala a cada um dos que o leva um lugar determinado dentro da estrutura familiar.
Por isso, cada pessoa tem para sempre seu próprio lugar, definido por ela, na comunidade de pessoas.
Só há pessoas justamente com o seu lugar, e o lugar existe por elas”. (Personas…, cit., p. 82).
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exatamente iguais, não sendo nenhuma pessoa igual a qualquer outra que
tenha existido, exista ou venha a existir118.
Todos os homens são pessoas, pois possuem qualidades que permitem
que sejam chamados enquanto tal. Mas pessoa é um substantivo que designa
não tais qualidades, mas aqueles que as têm consigo119.
Isso faz com que o ser portador da personalidade seja distinguido pelo
vocábulo alguém não meramente como pronome indefinido, mas como um
substantivo120 que indica uma existência única e indivisível121.
Pessoa é, como já afirmado, um nomen dignitatis, não um predicado.
Chamar alguém de pessoa é reconhecer-lhe um status mais alto do que
Vênus122; é ser alguém que “é o que é de outro modo como as demais coisas
e seres vivos são o que são”123.
Tomás de Aquino aceita o conceito boeciano de substância, mas afirma
ser a pessoa uma substantia prima. A palavra “pessoa” designa um homem
titular de um nome próprio. O nome pessoa não se presta para designar um
indivíduo por sua natureza, mas uma coisa que subsiste nessa natureza. Não
é, pois, o conceito de uma classe, mas um nome próprio geral124.
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2.3.1. O corpo
O corpo não é a essência da alma nem o inverso126. Por isso, não é a alma
ou o corpo que pertence a uma espécie, mas o composto. A alma é a forma
do corpo, pois é por ela que ele age. É o seu primeiro princípio, porque é
por ela que ele vive. Um corpo vivo é um corpo animado127. De tal sorte
que, com a morte, o corpo permanece corpo, porém desfeito o composto, é
corpo morto e não mais pessoa, mas seus restos materiais128. Para Manuel
Correia de Barros, nem o cadáver é mais corpo humano, mas um agregado
acidental de células sem unidade essencial que sequer se decompõe sime-
tricamente, mas cada parte se corrompe individualmente sem nenhuma lei
que reja o conjunto129.
125. Dada a relevância do termo, vale ressaltar que conceito de espírito será apresentado como um
atributo da alma, em que pese a variação que tem origem nas palavras bíblicas de Paulo de Tarso, que
considera o composto da pessoa em corpo, alma e espírito: “(...) e que o vosso ser inteiro, o espírito,
a alma e corpo sejam guardados” (1 Ts. 5, 23). Henrique Cláudio de Lima Vaz afirma que a pessoa
humana é um “ser-em-relação segundo a totalidade estrutural de corpo, alma e espírito” (Vaz, Henrique
C. L. Antropologia filosófica II. São Paulo: Loyola, 1992, p. 14) que formam os três níveis estruturais
de automediação do sujeito: o corpo próprio, o psiquismo e o espírito (Id., ibid., p. 21). Também Viktor
Frankl afirma ser a pessoa uma totalidade bio-psico-espiritual (Frankl, Viktor. Em busca de sentido.
Petrópolis: Vozes, 1991, p. 21).
126. Cf. Aquino, Tomás de. Summa Theologiae I, q. 75, a. 7, rep.
127. Cf. Stein, Edith. La estructura de la persona humana, cit., p. 65.
128. Id., ibid., p. 119.
129. Cf. Barros, Manoel Correia de. Op. cit., p. 242.
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2.3.2. A alma
Tomás de Aquino explica a alma a partir de suas faculdades, que chamou
de faculdades vegetativas, sensitivas e intelectivas. As duas primeiras operam
em total dependência da matéria, a terceira tem por sujeito exclusivamente a
alma151. Ainda que o Aquinate as classifique como almas vegetativa, sensitiva
e intelectiva, não são três, mas uma só, de tal sorte que, no homem, há uma
única forma substancial que é a alma intelectiva152.
Assim, nas plantas a alma tem exclusivamente a faculdade vegetativa,
enquanto a alma dos animais tem as faculdades vegetativa e sensitiva.
As três funções da alma fazem da pessoa uma imagem perfeita da ordem
do cosmo: coisas materiais, plantas, animais, o homem. Cada natureza se liga
à outra não por uma relação de vizinhança, mas cada nível superior conserva
o que lhe é inferior, segundo uma lei de continuidade. Por isso, ser homem
significa ser coisa, planta, animal e pessoa, mas de uma forma unitária153.
Como já afirmado antes: um universo dentro do universo.
Da mesma maneira, na natureza do animal subsume-se a natureza do
vegetal e da coisa material, enquanto na natureza da planta subsume a
natureza da coisa material.
144. Cf. Aquino, Tomás de. Summa Theologiae I, q. 75, a.1. O Aquinate ainda afirma: “Assim, por essa
força motora, a alma é parte que move, e o corpo animado é a parte que é movida” (I, q. 76, a. 4, rep 2).
145. Id., ibid., p. 56.
146. Cf. Maritain, Jacques. La persona y el bien común, cit., p. 39.
147. Cf. Stein, Edith. La estructura de la persona humana, cit., p. 129.
148. Id., ibid., p. 113.
149. Id., ibid., p. 44.
150. Id., ibid., p. 45.
151. Platão dividia a alma em racional, irascível e concupiscível (República, IV, 436a – 441c) Cf. também o
comentário de Henrique Cláudio de Lima Vaz: Antropologia filosófica I, cit., p. 37.
152. Aquino, Tomás de. Summa Theologiae I, q. 76, a. 4, rep.
153. Cf. Stein, Edith La estructura de la persona humana, cit., p. 46 e s.
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2.3.3. O espírito
Lima Vaz afirma que, entendido o espírito pela metáfora da respiração,
percebe-se que o espírito opera um duplo movimento que constitui seu ciclo,
a recepção do ser e uma doação ao ser. Pois, enquanto inteligência acolhe
o ser e enquanto liberdade a ele se entrega para plenificá-lo156. A categoria
espírito atinge o máximo de unidade do ser humano157.
Para Maritain, a personalidade é obra do espírito, porquanto significa a
interioridade própria, em si mesma158. Pode-se descrever o espírito enquanto
154. Do iídiche, catástrofe, calamidade. Palavra utilizada nos meios judaicos para designar o genocídio
dos judeus na Alemanha nazista. Prefere-se esta em face da comumente utilizada holocausto – do
grego, ὁλόκαυστον, ὁλον (todo) mais καυστον (queimado) – que tem o significado de higienizar pelo
fogo, mas que designa também as práticas religiosas de sacrificar a Deus animais, na intenção que
seu sangue purificasse os pecados dos ofertantes, ato contínuo em que eram incinerados – prática da
própria religião judaica no seu período sacerdotal. Também os cristãos têm preferido o termo iídiche
pela impropriedade do termo grego que, além de outras razões de base teológica, é desrespeitoso com as
pessoas que foram cremadas – literalmente, higienizadas. Sobre o tema, vale conferir Nós recordamos:
uma Reflexão sobre o Shoah. Vaticano: Comissão para relações religiosas com o judaísmo, 1998.
155. “Ninguém mais pode negar seriamente a negação. Ninguém mais pode negar seriamente por
muito tempo que os homens fazem de tudo o que podem para dissimular ou para se dissimular essa
crueldade, para organizar em escala mundial o esquecimento ou o desconhecimento dessa violência
que alguns poderiam comparar ao piores genocídios. (...) Como se, por exemplo, em lugar de jogar
um povo nos fornos crematórios e nas câmaras de gás, os médicos ou os geneticistas (por exemplo,
nazistas) tivessem decidido organizar por inseminação artificial a superprodução e supergeração de
judeus, de ciganos e de homossexuais que, cada vez mais numerosos e nutridos, tivessem sido destinados,
em um número sempre crescente, ao mesmo inferno, o da experimentação genética imposta, o da
exterminação pelo gás e pelo fogo” (Derrida, Jacques, op. cit., p. 52).
156. Vaz, Henrique C. L. Antropologia filosófica I, cit., p. 243.
157. Id., ibid., p. 201.
158. Maritain, Jacques. La persona y el bien común, cit., p. 44.
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2.3.4. A individualidade
A individualidade, da pessoa lhe é substancial e, segundo Edith
Stein, jamais se compreenderá o homem sem compreender a sua
individualidade168.
A individualidade, apesar de assentar-se no corpo169, pois a matéria é
princípio de individualização170, é expressão de uma unidade substancial do
próprio composto acima mencionado. De certa maneira, a individualidade
é a forma de existir da pessoa. Como explica Maritain, fora do espírito, só
há realidades individuais, apenas estas podem exercer o ato de existir. A
individualidade se opõe à universalidade171 e determina tudo aquilo que o
eu é e que o distingue do que os outros são172.
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2.3.5. A racionalidade
A racionalidade é o terceiro termo da essencialidade da pessoa, o que quer
dizer que a razão compõe a sua essência. A razão é a capacidade exclusiva-
mente humana de transitar, de se mover entre uma representação intelectiva
e outra. Ela é a potência da alma que permite a ela ir de um objeto conhecido
a outro com o fim de conhecer a verdade inteligível177. Razão e intelecto não
são potências distintas da alma, mas a mesma. Essas faculdades ocorrem no
ser animado em níveis distintos, sobrevindo, de acordo com o ser, faculdades
vegetativas, sensitivas e intelectivas.
As faculdades vegetativas, Tomás de Aquino as dividiu em nutritiva
e reprodutiva. As sensitivas são responsáveis pelos apetites, que Tomás de
Aquino subdivide em concupiscível e irascível. A alma intelectiva, por sua
vez, tem como principal atributo a faculdade que a ela adjetiva.
Além disso, enquanto as faculdades vegetativa e sensitiva têm como
sujeito o corpo, a intelectiva tem como sujeito exclusivo a alma. Os sentidos
nos apresentam o individual, o concreto, enquanto a razão nos apresenta o
universal. Assim, o princípio da razão é a alma. Ela opera sem a participação
do corpo178.
Ainda que Tomás de Aquino demonstre a existência de sentidos inter-
nos – senso comum, imaginação, estimativa e memória179 – além dos cinco
sentidos externos, estes dão ao homem a experiência do particular com um
grau maior de abstração. Ainda que não haja nada na razão que não tenha
passado pelos sentidos, a razão conhece na coisa apreendida pelos sentidos
muito mais coisas que os sentidos podem perceber180. O sentido está para os
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2.3.6. A liberdade
A liberdade é, portanto, o principal atributo da pessoa, o traço distin-
tivo dela em face de todos os demais seres. Ela possibilita ao homem ser o
que quiser ser. Pautar-se por padrões que eleger justos. Tais padrões serão
monitorados pela consciência moral, o tribunal de última instância ao qual
o homem submete não apenas seus atos, mas sua vontade. Vontade que não
resulta do nada, mas da resistência ou submissão aos seus impulsos natu-
rais182. É um tribunal que não julga unicamente seus atos, mas também lhe
dispõe sobre seu modo de ser183.
A consciência é uma experiência com a própria dignidade na medida
em que transforma o homem em juiz de si próprio184. Ela aponta para algo
claramente objetivo e absoluto, não algo que seja aparentemente bom para
ele, mas algo para fazer aqui e agora, algo que se deve fazer ou algo que se
deve evitar185.
Isso remete para a inconsistência lógica do subjetivismo axiológico.
Valores ou são objetivos ou não são valores. Qualquer um que afirme serem
subjetivos os valores assume, ainda que inconsciente, o papel de tirano de
todo o mundo que o cerca, porquanto seu julgamento dirá sempre res-
peito às coisas objetivas que, por sua vez, se relacionam consigo e com os
demais, com a agravante de ocultar seu julgamento na nebulosidade de um
pseudorrelativismo.
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Assim, como no início deste trabalho foi afirmado, toda ética pressupõe
uma antropologia. A responsabilidade de viver retamente leva em conta,
necessariamente, uma compreensão acerca da natureza humana186. E é
dessa relação entre a pessoa e sua natureza que se deduz o conceito de
liberdade.
A clássica fábula da rã e do escorpião de Esopo narra a história de um
escorpião que mata a si próprio ao ferroar uma rã que o conduzia no dorso
por um rio caudaloso, apesar de ter prometido não o fazer e que justifica
sua ação na clássica frase: não pude evitar, é a minha natureza.
A fábula é riquíssima para demonstrar que a fundamental diferença
entre o homem e os demais animais é o tipo da relação que eles têm com a
sua natureza. Enquanto um animal, ou mesmo um objeto qualquer, é a sua
própria natureza, a pessoa humana tem com sua natureza uma relação de
posse, isto é, a pessoa possui sua natureza187.
O ser humano é um único ser que dispõe de sua natureza. A partir desse
fato é possível construir três modelos de relação entre o homem e sua natureza.
No primeiro modelo, o homem simplesmente dispõe conscientemente de
sua natureza. Essa disponibilidade é própria da natureza humana. Pode-se
recorrer aos mais prosaicos exemplos para demonstrar atos sadios e equilibra-
dos de disposição entre a pessoa e sua natureza: o jejum por motivos de saúde
ou religioso; retardar a satisfação de uma necessidade biológica; enfrentar
voluntariamente a dor e o sofrimento nos atos de heroísmo; a superação do
medo etc. A esse tipo de relação pode-se chamar personalista.
No segundo modelo, a pessoa se submete à sua natureza. Ocorre uma
bestialização do homem que se permite ser reduzido à sua animalidade.
Percebe-se tal modelo em alguns eventos em que a individualidade é diluída
num todo coletivo, como no crime de turba, por exemplo. No descumpri-
mento de algumas das mais elementares regras de etiquetas, ou ainda, na
reiterada prática de padrões negativos de comportamento, sob a mesma
justificativa do escorpião da fábula: eu sou assim, é a minha natureza, não
vou mudar. Esse modelo pode ser chamado de naturalista.
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2.3.7. A auto-objetivação
Só o homem é capaz de conhecer-se a si mesmo, de ter, além da expe-
riência externa, uma experiência interna191. Essa auto-objetivação permite
à pessoa ter a si própria não apenas como objeto do conhecimento, mas
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A dignidade da
Capítulo
3
pessoa humana
Homo sacra res homini.
A
célebre sentença de Sêneca, homem é coisa sagrada para
o homem, expressa um lugar comum: o homem não é
indiferente à vida humana. O homem deu à vida humana
uma distinção tal que a colocou no ápice de uma hierarquia de
estimas. A relação do homem com a vida do homem é uma relação
essencialmente axiológica, uma relação de não indiferença195. A
vida, para ele, é um dado cheio de significado, ainda que seja um
pleonasmo falar de significado para o homem, pois que este é o
único animal capaz de dar significado aos objetos.
A assertiva objetiva demonstrar que as relações dos demais
animais entre si e as que partem deles para o homem seguem
o trilho do determinismo natural. Mesmo as relações entre o
homem e os demais seres vivos são assinaladas por certo grau de
indiferença. Ainda que seja subvertida a ordem natural dos seres
e que a estima seja dada por critérios morais e culturais, é trivial
que apenas um sociopata ou um misantropo patológico seja capaz
de colocar a vida humana abaixo de qualquer outra.
Temos, portanto, as primeiras notas conceituais acerca da
dignidade da pessoa humana. A dignidade é um valor, uma forma
195. Cf. Mendonça, Jacy. O curso de Filosofia do Direito do Professor Armando Câmara.
Porto Alegre: Sérgio A. Fabris, 1999, p. 143. Para Armando Câmara, o valor é uma
relação de não indiferença do ser.
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196. ς>4≅Η.
197. Lit.: digno, merecedor, meritório; capaz, competente, apto, próprio para. Cf. Dicionário grego-
português – português-grego. Porto: Porto Editora, 1997.
198. Cf. Di Lorenzo, Wambert. Pluralismo, cultura y reconocimiento. In: Fernández, Gonzalo &
Gentile, Jorge (org.). Pluralismo y derechos humanos. Córdoba: Alveroni Ediciones, 2007, p. 152.
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A dignidade da pessoa humana | C A P Í T U LO 3
199. Cf. Di Lorenzo, Wambert. Do totalitarismo ao Direito Natural, uma experiência ética na virada
do milênio. In: Pozzoli, Lafayette & Lima Filho, Alceu de Amoroso. Ética no novo milênio: em busca
do sentido. São Paulo: LTr, 2004, p. 419.
200. Cf. Di Lorenzo, Wambert Gomes. Abertura da Constituição. Direito e Justiça, v. 24, ano 23,
p. 171-200, 2001/2.
201. No conceito de Armando Câmara, valor é o dinamismo do ser, sua passagem de potência para
ato, como também a conformidade da coisa com sua finalidade. Cf. De Boni, Luis Alberto (org.).
Armando Câmara: obras escolhidas. Porto Alegre: Edipuc, 1999, p. 52-61.
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Sendo o fim da coisa o próprio bem, este bem é o que a filosofia moderna
passou a chamar de valor.
O valor, para João Camillo de Oliveira Torres, é aquilo que direciona
a ação humana e que é a própria causa final da história, a causa última na
execução e a primeira na intenção202.
Segundo Luis Fernando Barzotto, a dignidade é um valor objetivo de
uma identidade que é regulativa e que exige ser reconhecida como tal, sendo
o reconhecimento a captação do valor de uma identidade e, portanto, um
conceito correlativo de dignidade203.
Ingo Sarlet firma que a dignidade é um dado prévio ao Direito e não
existe a partir dele, mas este exerce um papel crucial na sua promoção e
proteção204. E que não há de se falar em dignidade como um direito, mas a
um direito ao reconhecimento desta 205.
A dignidade da pessoa humana é o valor basilar do Estado. O Estado
não tem outra razão de ser senão buscá-la e realizá-la. Trata-se de um valor
encontrado a partir de premissas rigorosamente lógicas e universalmente
verdadeiras, de um princípio que não pode ser objeto de escolha, porquanto,
por si mesmo, é evidente, pois decorre das coisas postas, da natureza, do
mundo real e concreto.
Por isso, nota-se a ideia de dignidade já nas sociedades arcaicas206, apesar
da proclamação inaugural de Sêneca. Não é, portanto, uma concessão do
Estado, da sociedade, ou de um indivíduo para com o outro. Não tem sua
fonte no sujeito que valora, mas este apenas a reconhece. Ela é conatural à
pessoa humana e descoberta a partir de uma experiência cognitiva em que,
por diversos aspectos, o sujeito se vê no objeto.
Afirmada em vários planos da vida social, a substancialidade da pessoa
de per si é fundamento suficiente para a firmação de sua dignidade singular.
Ela não resulta do Direito positivo ou do consenso social. Não é um axioma
202. Torres, João Camillo de Oliveira. Teoria Geral da História. Petrópolis: Vozes, 1963, p. 263 e s.
203. Barzotto, Luis Fernando. Pessoa e reconhecimento: uma análise estrutural da dignidade da pessoa
humana. No prelo.
204. Sarlet, Ingo Wofgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos Fundamentais na Constituição
Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 41.
205. Id., ibid., p. 71.
206. Cf. Spaemann, Robert. Felicidade e benevolência…, cit., p. 235.
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do que se trata 212, sendo que, conforme Spaemann, apenas a vida consciente
de si mesma pode ser considerada bem-sucedida213.
O conceito de felicidade será tratado no capítulo sobre o bem comum.
Ela é o bem absoluto da pessoa, mas que se realiza exclusivamente a partir
do seu meio, quer dizer, a partir de bens fundamentais aos quais, sozinha,
ela não tem alcance. A felicidade é o bem absoluto da pessoa. Ele é um fim
último, buscado por si mesmo e não em razão ou no interesse de outro, o
que faz dele, além de absoluto, incondicional214.
Desse modo, a felicidade é um estado de plenitude, um ideal de abso-
luto, cujo conteúdo é a ideia de autossuficiência. A felicidade, portanto, é
um estado ideal em que o homem não necessita de absolutamente nada215.
Todavia, autossuficiência não é aquilo que é suficiente para um homem só,
mas resulta da natureza social da pessoa.
Essa descrição da felicidade chamar-se-á de felicidade eudaimônica. Ainda
que a expressão pareça um pleonasmo, serve para delimitar o tipo de felici-
dade fundada no personalismo que exclui necessariamente modelos indivi-
dualistas que lhe são incompatíveis, tais como o hedonismo, o utilitarismo,
o consequencialismo etc.
Essa noção de felicidade, enquanto autossuficiência, é o elo entre a ple-
nitude e o reconhecimento.
No modelo eudaimônico, bens humanos necessários à realização do ideal
de autossuficiência passam pela vida em comunidade, não sendo possível à
pessoa atingir sua plenitude isoladamente.
Há um apetite irrefreável pela felicidade. Para o pensamento clássico,
o homem, como todo ser, tende à sua plenitude ôntica216, não estando ao
seu alcance não desejar, mas apenas, pelo livre-arbítrio, escolher os meios
necessários para atingi-la 217. Afirmar que as pessoas buscam o seu bem, para
a filosofia clássica, chega a ser uma tautologia.
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241. Cf. Di Lorenzo, Wambert Gomes. A supremacia do Direito no modelo grego e no medievo
continental. Conversas Interdisciplinares, n.1, p. 6, out./dez. 2002.
242. A objeção de consciência está consagrada no art. 143, § 1o, da Constituição Federal brasileira
– imperativo de consciência – como também nos arts. 41, 6, e 276, 4 da Constituição da República
Portuguesa e no art. 30.2 da Constituição de Espanha. Já a liberdade religiosa se afirma nos arts.
8o e 19 da Constituição da República Italiana, e no art. 16 da Constituição espanhola. Na França,
a liberdade de consciência e liberdade religiosa encontram-se nos arts. 4o e 11 da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, em vigor por força do preâmbulo da
Constituição de 1958.
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243. O art. 17 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão já afirmava que a propriedade
“é um direito sagrado e inviolável”.
244. Cf. art. 5o, XXII e XXIII, da CF/1988. Também o mesmo art. 17 da Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão afirma que esse direito de propriedade não é absoluto.
245. Cf. Gonella. Op. cit., p. 36.
246. Cf. art. 5o da CF/1988.
247. Cf. arts. 6o a 11o da CF/1988.
248. Cf. arts. 12 a 17 da CF/1988.
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249. Importa aqui o minucioso arrolamento de Ingo Sarlet. Cf. Dignidade da pessoa humana e Direitos
Fundamentais..., cit., p. 61.
250. Cf. Maritain, Jacques. Os direitos do homem e a lei natural, cit., p. 19.
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251. Finnis, John. Ley natural y derechos naturales. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2000, p. 170.
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O princípio do
Capítulo
4
bem comum
O
princípio do bem comum é o princípio personalista de
justiça política 252 e decorre imediatamente do princí-
pio da dignidade da pessoa humana. Numa brevíssima
composição, podemos afirmá-lo como o conjunto das condições
necessárias para que a pessoa humana realize sua dignidade.
É um princípio que reclama a democracia como condição
necessária para sua realização. Em outras palavras, a democracia
não é apenas o regime mais favorável para sua efetivação, mas o
único regime capaz de realizá-lo politicamente. Mais claramente,
ele é incompatível com qualquer outro modelo de democracia
que não seja a democracia personalista. Sua realização implica o
princípio de subsidiariedade e o de solidariedade, sendo eles o triplex
instrumental da realização da dignidade da pessoa humana.
No que tange à questão social, sua solvência exige a democracia
personalista e a aplicação de seus princípios. O primeiro a ser tra-
tado, o bem comum, é o tema deste capítulo. Numa primeira parte
tentar-se-á delimitar o conceito de bem comum; numa segunda,
será tratada a justiça política; e, numa terceira, o bem comum
enquanto princípio fundamental da democracia.
252. Ainda que Gabriel Chalmeta, autor da expressão, reduza o princípio personalista de
justiça política ao bem comum da liberdade (Cf. Chalmeta, Gabriel. Ética social: familia,
profesión y ciudadanía. Pamplona: EUNSA, 2003, p. 196).
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mais absoluto de todos é que será procurado261. De tal sorte que ele jamais
é procurado em razão ou no interesse de outra coisa, sendo assim, além de
absoluto, incondicional262.
Mas qual seria esse sumo bem, esse fim absoluto da pessoa? Esse excelso
incondicional que é desejado em razão de si mesmo e jamais em razão de
outra coisa? Aristóteles propõe: “Ora, esse é o conceito que preeminente-
mente fazemos de felicidade”263. Felicidade que é, como já foi afirmado, a
onomatópose de sua dignidade. Não sendo apenas o fim último da pessoa,
felicidade é o fim absoluto da própria política264 e é o fundamento do próprio
princípio do bem comum.
Na síntese Aristotélica, a felicidade é um primeiro princípio, aquele que
orienta toda a ação humana265 e que, sendo o último na execução, é também
o primeiro na intenção.
Por se tratar de um bem absoluto, a felicidade é um estado de autossu-
ficiência visto que a autossuficiência é o atributo próprio do absoluto, sendo
ela aquilo que, em si mesmo, torna a vida desejável e carente de nada 266.
Entretanto, Aristóteles não entende por autossuficiente aquilo que é
suficiente para um homem só, para um misantropo. Para ele, o suficiente
passa pela vida comunitária resultante da natureza social da pessoa.
Essa concepção de autossuficiência é o elo entre a plenitude e o reconhe-
cimento anteriormente afirmados. É aquilo que unifica a estrutura bipartida
da dignidade da pessoa, o aspecto endógeno e exógeno nos quais o primeiro
trata da relação da pessoa consigo própria, e, o segundo, da pessoa com o
seu meio.
Consequentemente, a dignidade é um conceito eudaimônico de felici-
dade. De sorte que uma ideia de autonomia absoluta em face da comuni-
dade é irrealizável, pois que, no concernente à dignidade, entre plenitude e
reconhecimento há uma implicação necessária.
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O princípio do bem comum | C A P Í T U LO 4
afirma que o bem comum deixa de ser o que é se não retorna às pessoas e se
redistribui entre elas e, ainda, que não manterá sua natureza se não respeitar
aquilo que é superior a ele270.
Gabriel Chalmeta nota que quase todas as teorias políticas reconhecem
que o bem humano tem uma natureza social e comum271. Entretanto, apenas
o bem comum é um bem humano que constitui o fim comum de todos os
membros da sociedade272 e o conjunto de condições para o bom desempenho
da atividade política 273.
John Finnis define “bem comum” como um conjunto de condições que
capacita os membros de uma comunidade para alcançar, por si mesmos,
objetivos razoáveis e que os motivam a colaborar mutuamente em uma
comunidade274.
Maritain afirma que o bem comum tem consequências maiores que o
bem-estar público, pois é, por natureza, a boa vida humana da multidão,
sendo comum tanto ao todo, quanto às partes. Não é apenas uma coleção de
haveres públicos, mas a integração sociológica de toda consciência cívica 275.
Só a partir da pessoa humana o bem comum torna-se inteligível. Se
para o Estado ele é fim, em relação à pessoa ele é o meio privilegiado de seu
aperfeiçoamento e requer a realização de direitos e deveres sem os quais a
dignidade da pessoa tornar-se-ia mera alegoria. Assim, não há de se afirmar
uma plenitude humana isolada, a despeito da sociedade ou mesmo do corpo
político. Sem o bem comum a plenitude humana tornar-se-ia uma fábula,
uma utopia.
O bem comum não exige que os membros de uma comunidade tenham
os mesmos valores e objetivos, ele é o lugar comum de bens próprios da
natureza humana, bens individuais comuns a todas as pessoas.
Ele obriga a comunidade a garantir as condições para a realização dos
valores pessoais, sem assumir como seus esse fins individuais. Tais bens
correspondem a necessidades que revelam a insuficiência do indivíduo, da
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eis aqui a máxima segura do amor: não fazer aos outros o que não queres que
eles façam a ti; a tradição islâmica: nenhum de vocês será um crente se não
deseja para seu irmão o que deseja para si mesmo; e, como regra positiva, na
tradição cristã em particular: tudo quanto queiram que lhes façam os homens,
fazei também vocês a eles283.
A regra de ouro tem sua expressão mínima, elementar e sintética, na
fórmula não matarás284. Mas, afirmar a vida em si como o primeiro dos bens
fundamentais é um truísmo. Uma obviedade tão evidente que não deveria
constar no rol dos bens fundamentais, pois mesmo a felicidade, enquanto
sumo bem da pessoa, é a vida em si, a vida boa. A vida primariamente bio-
lógica – que é o objeto da regra de ouro – não é fim em si, não é um bem
no sentido teleológico, mas no sentido causal. A vida é o próprio existir da
pessoa em si, já que, como dito, o existir humano é o viver. A vida humana
em si não é objeto de um direito, mas o próprio sujeito e fundamento de
todos os direitos.
283. Cf. Scarponi, Carlos Alberto. La cultura en la sociedad plural. In: Fernández, Gonzalo & Gentile,
Jorge (org.). Pluralismo y derechos humanos, cit., p. 217.
284. Id., ibid., p. 218.
285. Cf. Di Lorenzo, Wambert. El colectivismo axiológico en la teoría de los valores de Miguel Reale.
Disponível em: <http://www.maritain.com.br>. Acesso em: 08/08/2008.
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302. Cf. Finnis, John. Ley natural y derechos naturales, cit., p. 176.
303. Aristóteles. Política III, 1278, 20-25.
304. Id., ibid., II, 1262, 5-10.
305. Cf. Finnis, John. Op. cit., p. 174.
306. Id., ibid., p. 174.
307. Id., ibid., p. 182.
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316. Na clássica formulação romana posta no Digesto: jus est suum cuique tribuendi.
317. Cf. Aristóteles. Ética a Nicômaco, 1130a, 01-05.
318. Summa Theologiae II-II, q. 57, a. 1, res.
319. Summa Theologiae II-II, q. 58, a. 5, res.
320. Macintyre, Alasdair. Justiça de Quem? Qual a Racionalidade? Rio de Janeiro: Loyola, 1991, p. 122.
321. De forma mais geral e descritiva, cf. Di Lorenzo, Wambert. O conceito de justiça em Aristóteles.
Direito e Justiça, v. 21, ano 22, 2000/2, p. 145-162.
322. Cf. Ética a Nicômaco,1130a – 1131a 5.
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323. Cf. Despotopoulos, Constantin. Les concepts de juste et justice selon Aristote. Archives de
Philosophie du droit. Paris: n. 14, p. 304, 1969.
324. Id., ibid., 1134b, 20.
325. Aristóteles. Ética a Nicômaco, 1331a, 30.
326. Id., ibid., 1331a, 25.
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327. Cf. Aquino, Tomás de. Summa Theologiae II-II, q. 61, a. 1 res.
328. Cf. Ética a Nicômaco. 1131b, 10.
329. Cf. Tomás de Aquino, Summa Theologiae II-II, q. 61, a. 2, res.
330. !"#$ : divisão em duas partes iguais.
331. !%&$'()* .
332. !%#$'()* aquele que divide no meio.
333. Cf. Ética a Nicômaco, 1132a, 25-30.
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não se considera por uma igualdade de coisa a coisa, porém segundo uma proporção das coisas às
pessoas. (...) esse meio-termo se considera segundo uma ‘proporcionalidade’ geométrica, em que a
igualdade não é de quantidade mas de proporção. (...) Ao contrário, nas comutações, dá-se algo a
uma pessoa particular, por causa de uma coisa que dela se recebeu, o que é da maior evidência nas
compras e vendas, nas quais primeiro se manifesta a noção de comutação. É, então, necessário igualar
uma coisa à outra”. Aquino, Tomás de. Summa Theologiae II-II, q. 61, a. 2, res.
341. Cf. Barzotto, Luis Fernando. Justiça Social…, cit., p. 117.
342. Cf. Aristóteles. Ética a Nicômaco, 1130a-1131a.
343. Cf. Despotopoulos, Constantin. Les concepts…, Archives de Philosophie du droit, n. 14, p. 304, 1969.
344. Cf. Barzotto, Luis Fernando. Justiça Social…, cit., p. 114.
345. Id., ibid.
346. Cf. Aquino, Tomás de. Summa Theologiae II-II, q. 58, a. 5, res.
347. Cf. Summa Theologiae II-II, q. 58, a. 5, res. 3.
348. Id., ibid., q. 59, a. 1, res.
349. Cf. Barzotto, Luis Fernando. Justiça Social…, cit., p. 115.
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356. Antoine. Cours d’ économie sociale, p. 127. Apud: Barzotto. Justiça Social…, cit., p. 119.
357. Cf. Barzotto, Luis Fernando. Justiça Social…, cit., p. 119.
358. Cf. João Paulo II. Carta Encíclica Laborem Exercens. 580-583.
359. Cf. Pio XI. Carta Encíclica Divini Redemptoris. 51.
360. Cf. Paulo VI. Carta Encíclica Octogesima Adveniens. 43.
361. Cf. Pio XI. Carta Encíclica Quadragesimo Anno. 135.
362. Cf. Paulo VI. Carta Encíclica Populorum Progressio. 59.
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rompe com o senso comum político de que justiça social significa uma justa
distribuição dos bens estatais. A justiça social tem a pessoa como sujeito e
não a comunidade política363.
Ainda que a justiça particular não possa ser pensada à margem do bem
comum, este é o bem próprio da justiça social. Entretanto, para justiça par-
ticular, o bem comum é um bem mediato, já que seu bem imediato é o bem
particular. Já na justiça social, o bem comum é o bem imediato, enquanto
o bem mediato é o bem privado364.
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369. Cf. Aquino, Tomás de. Summa Theologiae II-II, q. 61, 1, res. 1.
370. Cf. Summa Theologiae II-II, q. 61, 1, res. 2.
371. Cf. Summa Theologiae II-II, q. 61, 1, res. 4.
372. Cf. Tocqueville, Alexis de. Democracia y pobreza, cit., p. 65.
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373. “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes
tributos: (...) § 1o Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo
a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para
conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o
patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”
374. Cf. Di Lorenzo, Wambert Gomes. Trabalho e Capital na Doutrina Social da Igreja. Teocomunicação
– Revista da Faculdade de Teologia da PUCRS, v. 35, p. 783-807, dez. 2005; ou ainda, Abertura da
Constituição. Direito e Justiça, v. 24, ano 23, p. 171-200, 2001/2.
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392. Cf. Di Lorenzo, Wambert. Pluralismo, cultura y reconocimiento. In: Fernández, Gonzalo &
Gentile, Jorge (org.). Pluralismo y derechos humanos, cit., p. 151.
393. Id., ibid., p. 152.
394. Cf. Scarponi, Carlos Alberto. La cultura en la sociedad plural, cit., p. 219.
395. Cf. Maritain, Jacques. O Homem e o Estado, cit., p. 129.
396. Id., ibid., p. 128.
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402. Barzotto, Luis Fernando. A democracia na Constituição, cit. No seu conciso tratado, Luis
Fernando Barzotto discorre sobre os três usuais modelos de democracia: a deliberativa, a plebiscitária
e a procedimental. Cada uma manifesta uma base antropológica distinta. Sendo a deliberativa de
base personalista, a plebiscitária de base holística e a procedimental de base individualista. Cada uma
delas proporá finalidades distintas a partir dos seus modelos antropológicos. Denominou personalista
aquela que tinha como fim a realização da pessoa como tal; chamou de coletivista aquela que tem
como fim o bem do povo considerado como ente coletivo, à parte e acima dos seus membros; e,
liberal, aquela de concepção individualista que afirma como fim o indivíduo, sendo o povo nada mais
que um agregado de indivíduos. Tanto o modelo plebiscitário quanto o procedimental são modelos
voluntaristas. Na democracia plebiscitária, há um voluntarismo social, enquanto na procedimental
há um voluntarismo do indivíduo.
403. Cf. Bazotto, Luis Fernando. A democracia na Constituição, cit., p. 36. Segundo o autor, há outros
dois tipos de constituição: a constituição mínima e a constituição formal. A primeira, mínima, se
limita a indicar o titular do poder político. Respondendo a pergunta quem governa? ela expressa o tipo
de regime. Já a Constituição formal indica não apenas quem, mas de que forma o poder será exercido.
404. Id., ibid., p. 37.
405. Barzotto descreve que as relações entre política e verdade se dão de três formas: uma afirma a
existência de uma verdade política que exclui qualquer necessidade de diálogo; outra, que não há lugar
para a verdade na política, mas apenas os interesses esgotando o fenômeno política na persuasão e na
retórica; a terceira, será tratada no texto (Cf. p. 39).
406. Id., ibid., p. 42.
407. Id., ibid., p. 41.
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discernir entre o verdadeiro e falso, entre o justo e injusto, bem como fixar
uma ordem de urgência e oportunidade, restando apenas critérios irracionais,
tais como a razão do mais forte, do mais eloquente, ou, simplesmente, a
vontade da maioria412.
Essa aplicação da razão prática operada pela democracia deliberativa
traz para o cenário político elementos da ética teleológica de Aristóteles que
propõe evitar aquilo que não serve para alcançar o fim413. Sua função não
é fundar o bem, mas descobri-lo na realidade, determinando o que é bom
aqui e agora414. Por não ter como objeto realidades universais e necessárias
suas conclusões são tão contingentes quanto às situações a que se aplica415,
pois se trata de um conhecimento sobre coisas práticas e mutáveis conforme
suas circunstâncias416.
A razão prática é o instrumento necessário para a deliberação417. É uma
capacidade de agir com respeito às coisas que são boas ou más418. Habilita o
poder deliberar bem sobre o que é bom e conveniente, sobre aquelas coisas
que contribuem para vida boa em geral419. Conforme Aristóteles, os homens
dotados de tal capacidade são bons administradores de casas e estados420.
O sujeito da democracia deliberativa é um zôo politikon421, definido por
Aristóteles também como um zôo logikon422. Há uma implicação mútua
entre os atributos do político e do racional, sendo o homem um animal
político porque é um animal linguístico e vice-versa423. A linguagem é a
essência da política e a política é a essência da linguagem, pois a pólis é a
comunidade daqueles que comunicam sua percepção do bem comum424.
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A pólis foi criada pelo discurso da justiça e do bem comum e estar fora desse
discurso de caráter prático é estar fora da pólis425.
A democracia deliberativa funciona a partir dos critérios de justiça polí-
tica da democracia personalista e tem como fim o bem comum. Entretanto,
um dos princípios fundamentais da democracia deliberativa é o princípio
da participação.
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O princípio de
Capítulo
5
subsidiariedade
N
o capítulo anterior, já se configurou o princípio de subsidia-
riedade como um princípio de competência que expressa a
autonomia própria de cada estrato social e que determina
que o bem comum de cada um não pode ser deduzido do de outro.
Também se descreveu o princípio de subsidiariedade como
um princípio de justiça que proíbe as associações maiores de
assumirem funções que podem ser realizadas eficientemente por
associações menores, e que bem comum e subsidiariedade têm sua
complementaridade no princípio de solidariedade, que, se ocorre
nos mesmos níveis sociais em que o bem comum, se manifesta.
O conceito de subsidiariedade será tema da primeira parte
deste capítulo. Na segunda, tratar-se-á das diversas formas de
aplicação do princípio. Na terceira, examinar-se-á a orientação
do princípio de subsidiariedade na realização do bem comum nos
vários estratos sociais.
Em que pese o conceito de subsidiariedade ser tema já da
primeira parte, é forçoso apresentar algumas notas conceituais a
título de prolegômenos.
A democracia personalista utiliza como critério de distribui-
ção das tarefas empreendedoras do bem comum o princípio de
subsidiariedade. A subsidiariedade afirma a não interferência
de uma ordem superior sobre uma ordem inferior. Opõe-se aos
coletivismos, traçando os limites da intervenção da comunidade
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428. Cf. Baracho, José de Oliveira. O princípio de subsidiariedade: conceito e evolução. Rio de Janeiro:
Forense, 1996, p. 23.
429. Cf. Pontier, Jean-Marie. La subsidiarité en droit adminstratif. Revue du Droit Public et de la Science
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Politique en France et a L’étranger, Paris, v. 102, n. 6, p. 1515-1538, nov./dec. 1986, especialmente p. 1515-1516.
430. Cf. Höffer, Joseph. Doctrina Social Cristiana. Madrid: Rialp, 1964, p. 47.
431. Sobre o tema, cf. Di Lorenzo, Wambert Gomes. Subsidiariedad y Prudencia. Reunión: por una
democracia solidaria – Órgano de la Fundación Jacques Maritain, n. 11, p. 19-23, 2007. E, do mesmo
autor, O princípio de subsidiariedade no Direito Internacional Humanitário. In: Proner, Carol;
Guerra, Sidney. Direito Internacional Humanitário e a proteção internacional do indivíduo. Porto
Alegre: Sérgio A. Fabris, 2008, p. 145-166.
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438. Art. 18 da I Convenção: “A autoridade militar poderá apelar para o zelo caritativo dos habitantes
para recolher e cuidar benevolamente, sob sua fiscalização, feridos e doentes, concedendo às pessoas que
tenham respondido a este apelo a proteção e facilidades necessárias (...)”. (grifei).
439. Art. 21 da II Convenção: “As Partes no conflito poderão apelar para a caridade dos comandantes
de navios mercantes neutros, embarcações de recreio ou outras embarcações igualmente neutras, para rece-
berem a bordo e tratarem feridos, doentes ou náufragos, e bem assim para recolherem mortos (...)”. (grifei).
440. “Não é tanto o juiz, enquanto juiz, que existe para servir os legisladores; antes, as legislações é que
existem para ajudarem o juiz a fazer justiça no caso concreto. Também não é tanto a legislação que existe
para fazer a grandeza ou preservar eficácia das constituições; antes, as constituições é que foram inventadas
para defender, proteger e amparar as boas legislações, aprimorando, corrigindo e suprindo as defeituosas.”
(Souza Júnior, Cezar Saldanha. Direito Constitucional, Direito Ordinário e Direito Judiciário.
Cadernos do PPGDir/UFRGS, n. 2, p. 16, mar./2005).
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441. Cf. Horbach, Carlos Batiste. Guarda da Constituição, legislação e a jurisdição: Uma confusão
hermenêutica. Realismo – Revista Ibero-Americana de Filosofia Política e Filosofia do Direito, v. 1, n.
2, p. 8, 2006/1.
442. Art. 173, caput: “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade
econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a
relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”.
443. Art. 174, caput: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá,
na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor
público e indicativo para o setor privado”.
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444. Cf. Souza Júnior, Cezar Saldanha. O Tribunal Constitucional como poder. São Paulo: Memória
Jurídica Editora, 2002, p. 27.
445. Id., ibid., p. 21.
446. Art. 6o, 1: “O Estado é unitário e respeita na sua organização e funcionamento o regime autonômico
insular e os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização
democrática da administração pública”.
447. Cf. Maritain, Jacques. La persona y el bien común, cit., p. 55.
448. Id., ibid., p. 62.
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ao bem comum político que ao bem comum doméstico, como será visto a
seguir462.
Do ponto de vista geopolítico, os kibutzim foram e são essenciais na
configuração e na manutenção do território do Estado de Israel. Do ponto
de vista militar, foram estrategicamente fundamentais nos conflitos árabe-
israelenses, pois seus membros, bem treinados e armados, combatiam os
inimigos até a intervenção do exército regular. Na dimensão econômica,
geraram bens e tecnologias de grave importância para a sociedade israelense.
Entretanto, ainda que o sucesso em áreas específicas possa ser constatado,
a experiência dos kibutzim é marcada por graves desvios na sua finalidade
primeira, qual seja, de trazer e distribuir bem-estar moral para seus membros.
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5.3.4. O cooperativismo
O modelo do kibutz é remotamente influenciado pelo cooperativismo
que tem sua origem na Inglaterra, na primeira metade do século XVIII. Este,
por sua vez, é uma das mais eficientes expressões de economia personalista
da história.
463. Cf. Rayman, Paula. The kibbutz Community and Nation Building. Princeton: Princeton
University Press, 1981.
464. Cf. Kelemen, Lawrence. Viver para amar. Disponível em: <http://www.aishbrasil.com.br/new/
artigo_ viver.asp>. Acesso em: 17/07/2008.
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465. Segundo afirma, o Grameencredit: promove o microcrédito como um dos direitos humanos;
não se baseia em qualquer garantia real ou contratos juridicamente válidos, mas exclusivamente na
confiança; destina-se a subsidiar o autoemprego; o serviço é oferecido de porta em porta – claro
exemplo de subsidiariedade dedutiva; para obtenção do crédito o tomador deve fazer parte de um
grupo de tomadores que moralmente se obrigam ao pagamento; os empréstimos pode ser oferecidos
em uma sequência infinita, basta que o tomador não esteja inadimplente; o pagamento é em pequenas
prestações semanais ou bissemanais; os empréstimos são vinculados a planos de poupança; e, o banco
se serve de instituições sem fins lucrativos ou controladas pelos tomadores – manifestação clara
do princípio de subsidiariedade indireta. Cf. Yunus, Muhammad. What is microcredit. Grameen:
Banking of the Poor, 2003. Disponível em <http://www.grameen-info.org/mcredit/index.
html>. Acesso em: 16/07/2008.
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5.3.6. A usura
Ainda, o caso bengalês demonstra que uma atividade financeira de
fundamento personalista tem como fim a dignidade da pessoa como tal,
não podendo ter como fundamento a usura, prática trivial nas relações de
crédito atuais.
A usura tem sido causa de empobrecimento de pessoas, grupos e socie-
dades. Ainda que a pobreza possa ter causa volitiva, a experiência humana
atual demonstra ser ela um fato natural. Bilhões de pessoas simplesmente
nascem pobres. E o ambiente de miséria que os acolhe, via de regra, é retrato
da má distribuição dos bens humanos, do desvio na destinação universal
destes bens da exploração das comunidades fornecedoras de matérias-
primas e pouco industrializadas e, dentre outros fatores, da usura. Neste
contexto, a usura torna-se ato da mais desproporcional violência para com
os pobres, pois que aniquila e escraviza a pessoa. Ela em nada contribui
para o desenvolvimento humano, para o bem comum e para a dignidade
da pessoa humana.
Podemos definir a usura como o uso do dinheiro para obter lucros sobre
o trabalho alheio. Esse uso ocorre por meio de juros. Entretanto, juros pagos
podem configurar tanto uma ação subsidiária quanto uma exploração injusta
e eticamente reprovável da atividade de outrem.
Os juros abusivos escravizam por gerarem situação de dependência na
qual o resultado do trabalho da pessoa, de grupos ou de comunidades escoa,
fatalmente, para o patrimônio de quem não trabalhou efetivamente para
construí-lo. Assim, indisposição do resultado do próprio trabalho é uma
das formas mais comuns de definir o que vem a ser escravidão. O que é o
trabalho escravo senão aquele no qual quem nele trabalhou está privado
dos seus frutos?
12 0
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Tal tipo moderno de escravidão não acontece apenas nos efeitos, mas
está, também, na raiz da atividade usurária, pois a submissão a um usurário
não se dá por uso livre da vontade, como adverte Tomás de Aquino: “quem
paga juros não o faz de maneira inteiramente livre, mas constrangido por
certa necessidade”467.
Também Aristóteles não deixou de condenar a usura, acusando-a de ser
a forma mais odiosa de obter riqueza. De todas, a mais contrária à natureza,
pois com ela se lucra a partir do dinheiro e não do próprio objeto: “Pois
o dinheiro foi criado para ser usado em permuta, mas não para aumentar
com usura”468.
Tomás de Aquino também afirma que ela viola a justiça comutativa, pois
o dinheiro foi criado para facilitar e ser gasto nas comutações. “Por isso, é,
em si mesmo, ilícito perceber um preço pelo uso do dinheiro emprestado,
o que se chama usura”469.
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privação que sofreu daquele bem que se privou e que estava à disposição
de outrem472 .
Há, assim, uma função social no crédito que pode ser, no lugar de
instrumento de dominação e expropriação, ferramenta do bem comum e
da solidariedade, gerador de riquezas e bens.
472. “Em contrato com quem toma emprestado, aquele que empresta pode sem pecado estipular uma indenização do
prejuízo que lhe advém por se privar de um bem que lhe pertence.” (S. T. II-II, q. 78, a. 2, res. 1).
473. Cf. Finnis, John. Ley natural y derechos naturales, cit., p. 166.
474. Id., ibid., p. 167.
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483. Roberto Papini extrai do pensamento de Maritain dois bens comuns universais: a democracia
internacional e a paz. Cf. Papini, Roberto. La democrazia internazionale e la pace come bene comune
universale secondo Jacques Maritain. Disponível em: <http://www.maritain.com.br>. Acesso em: 04/07/2008.
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488. Cf. Di Lorenzo, Wambert. A tutela ambiental moderna e as res humani juris: um estudo
comparado. Revista, cit., p. 119.
489. Digesto. 1. 8. 2. 1.; I. 1.2.1; I. 2. 1. 5.
490. Digesto. 41. 1. 50; D. 1. 8. 6. Segundo Pompônio (Digesto. 50. L.), o pretor deveria fazer
uma análise prévia, se a construção não oferecia risco à navegação. Marciano, segundo a citação
acima, afirmava que, se destruída, o terreno pertenceria a todos, voltando à situação anterior como
postliminium (Digesto. 1. 8. 6. L).
491. Cf. Bonfante, Pietro. Istituzioni di Diritto Romano. Torino: Giappichelli, 1957, p. 239.
492. Id., ibid., p. 238.
493. Sanfilippo, Cesare. Istituzioni di Diritto Romano. 3. ed. Napoli: Jovene, 1955, p. 62.
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coisas de domínio público – publica, quae non in pecunia populi, sed in publico
usu habentur494 –, incluindo aí coisas da natureza, como os bosques, mas
também tudo aquilo que pertencia a todos e que todos podiam gozar sem
restrições. Bens materiais de posse do povo e da população, como logradou-
ros, praças, vias públicas, passeios etc.495. Bens reservados pelo direito para o
uso geral dos cidadãos496, que pertenciam ao povo, assim considerado como
pessoa moral, ou seja, o ager publicus e o servi publici497.
A questão social e a questão ambiental estão associadas. Como se vê,
uma das relações de justiça fundamentais para o bem comum universal é a
justiça ambiental. Esta consiste na distribuição das atividades perigosas ao
meio ambiente. Tais atividades, via de regra, aspergem seus danos sobre os
mais pobres que, por ignorância de seus direitos ou pela própria hipossufi-
ciência, tornando-os vulneráveis ao poder, comumente, corroboram com a
própria desventura498.
O dever fundamental de justiça, no que diz respeito à questão ambiental,
é o reconhecimento de todas as pessoas como credoras de um meio ambiente
saudável. Sendo cada ato de preservação, de proteção ou de destruição do
ambiente devido ao outro499.
A sustentabilidade da atividade humana é uma exigência do bem comum
universal e decorre do desafio de não haver atividade produtiva que não seja
destrutiva. Como percebe Hannah Arendt, o caráter destrutivo da atividade
humana é um dos fatores que distingue o homo faber – que trabalha sobre – do
animal laborans – que se mistura com500. A destruição é um efeito inevitável
do artifício humano. O homem necessariamente destrói para produzir, para
usar e para consumir, sendo a destruição em relação ao uso, inevitável – como
sugere Arendt –, mas essencial em relação ao consumo501.
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O princípio de
Capítulo
6
solidariedade
E
nquanto princípio personalista que rege a ordem social, soli-
dariedade não se confunde com compaixão, com piedade,
comiseração com os males alheios. Não é um enternecimento
pela dor do semelhante ainda que o reconheça como tal, estando
ele próximo ou mesmo distante. Solidariedade não é um mero
sentimento.
A solidariedade refere-se ao papel do meio social na realização
da dignidade da pessoa, àquele aspecto extrínseco que diz respeito
ao reconhecimento. É uma síntese que compreende os demais
princípios personalistas e é a mais clara manifestação do princípio
de unicidade dos princípios personalistas, supra mencionado.
Num mínimo conceitual, podemos definir solidariedade como
aquela ação concreta em favor do bem do outro. Em que pese o
enunciado remeter de imediato para as raízes cristãs do conceito,
aproximando-o da ideia de benevolência, mais do que um ato de
vontade, como veremos, a solidariedade é uma categoria essencial
da vida social. Sem ela sequer há vida social em sentido próprio e
tampouco há política em sentido estrito. Nas palavras de Cícero, ela
é o mais forte vínculo de união permanente em qualquer república503.
Consistindo não num sentimento, mas numa atitude concreta em
favor do bem do outro, a solidariedade é uma manifestação de justiça,
que tem como objeto o outro, tanto considerado individualmente
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506. Cf. Ávila, Fernando Bastos de. Pequena Enciclopédia de Doutrina Social da Igreja. 2. ed. Rio de
Janeiro: Loyola, 1993, p. 427.
507. Id., ibid.
508. Cf. Arnaud, André-Jean et al. Dicionário Enciclopédico de Teoria e Sociologia do Direito. Rio
de Janeiro: Renovar, 1999, p. 766. Cf. também, Torrinha, Francisco. Dicionário Latino Português.
Porto: Gráficos Reunidos, 1998.
509. Cf. Ávila. Op. cit., p. 428.
510. Aristóteles. Política I, 1262, 5-10.
511. Cícero tem posição divergente: “Pois, não é tanto os serviços prestados por um amigo, mas a
afeição desse amigo, em si, que dá prazer: o que um amigo nos oferece só nos faz felizes na medida
em que é oferecido com afeição. (...) Assim, a amizade não decorreu da utilidade, mas a utilidade que
decorreu da amizade”. (Cícero, Marco Túlio. Lélio, ou Amizade. XIV, 51).
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519. Sobre as três dimensões do amor, cf. Bento VXI. Deus caritas est. 3-8.
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561. Cf. Di Lorenzo, Wambert Gomes. O pensamento político de Carl Schmitt: uma breve introdução.
Direito e Justiça, v. 23, p. 335-357, 2001.
562. Cf. Schmitt, Carl. O Conceito de Político, cit., p. 59.
563. Id., ibid.
564. Id., ibid., p. 62: O conceito, como ensina Schmitt, não reside na luta em si, mas na possibilidade
de aglutinar indivíduos que, além de serem uma comunidade religiosa, tornam-se uma unidade
política ou, nas palavras do autor, um agrupamento ontológico forte. Mesmo o conceito marxista
de classe deixa de ser puramente econômico a partir da identificação do inimigo a ser combatido.
É a partir desta identificação do opositor e do real combate a este inimigo que grupos se tornam
grandezas políticas. (Cf. Di Lorenzo, Wambert Gomes. O pensamento político de Carl Schmitt,
Direito e Justiça – Revista, cit.).
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565. Em suma: as revoltas ocorrem sempre devido a desigualdade. (Política, V, 1301b, 25).
566. Id., ibid., 1303a, 25.
567. Cf. Lamas. Op. cit., p. 76.
568. Id., ibid., p. 206.
569. Id., ibid., p. 56.
570. Id., ibid., p. 57.
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571. Segundo Cezar Saldanha, a proibição de grupos intermédios, em particular dos partidos políticos,
foi um mecanismo poderosíssimo do consenso liberal: “Sem partidos, as camadas sociais – especial-
mente as menos poderosas e articuladas – ficam privadas de canais para exprimir a diversidade dos
interesses existentes na sociedade e para propor alternativas governamentais tendentes a alterar o curso
considerado ‘normal e adequado’ das atividades do Estado segundo o catecismo liberal”. (Souza Júnior,
Cezar Saldanha. Consenso e tipos de estado no ocidente. Porto Alegre: Sagra Luzatto, 2002, p. 51).
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A luta do sindicato não deve ser contra alguém, mas a favor de seus
membros. Eles são potencialmente instrumentos privilegiados de justiça
social, da solidariedade e da concórdia.
Outro desvio de finalidade dos sindicados é o corporativismo egoísta,
uma defesa intransigente de interesses privados flagrantemente contrários
ao bem comum.
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Conclusão
A
solução da questão social passa necessariamente pelas rela-
ções entre a pessoa humana e o Estado a partir dos planos
de mediação da ordem social. Quer dizer, das relações da
pessoa com o Estado, desta com as sociedades intermédias, destas
entre si, e de todos com o Estado.
Ainda que o Estado seja o instrumento singular de atuação
da comunidade política na solução da questão, esta requer
também a atuação do próprio corpo político bem como da
família, da comunidade, da sociedade e da ordem internacio-
nal. Para que tais ações realmente influenciem na solução,
elas devem ser obrigatoriamente pautadas pelo princípio de
subsidiariedade.
Sendo o princípio de subsidiariedade um princípio de com-
petência, ele determina quem, quando e como essa ação, em face
da dignidade da pessoa humana, deve ser empreendida.
O princípio de subsidiariedade é corolário do princípio da
dignidade da pessoa humana. Ele é uma manifestação da razão
prática que determina a ação ou a omissão necessária em face da
dignidade de outrem.
Dignidade é pseudônimo da felicidade. Implica plenitude e
reconhecimento. Ela concerne ao valor, isto é, aos fins intrínsecos
de cada pessoa tanto na relação dela consigo própria quanto da
relação dela com o seu meio.
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Conclusão
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Referências
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