Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Bakhtin Mikhail Questoes de Literatura e de Estetica Sem Epos e Romance - Compress
Bakhtin Mikhail Questoes de Literatura e de Estetica Sem Epos e Romance - Compress
II – O Problema do Conteúdo
“(...) o caráter isolado e único do ato cognoscível e da sua expressão numa obra
científica, isolada e individual não é significativo do ponto de vista do próprio
conhecimento: no mundo do conhecimento não há, em princípio, atos e obras
separadas” (32).
“(...) esta relação, porém, não é cognitiva nem ética: o artista não se envolve com
o acontecimento como um seu participante direto – pois ele seria então seu conhecedor
e seu fautor ético –, ele ocupa uma posição essencial fora do acontecimento enquanto
assistente desinteressado, mas que compreende o sentido axiológico daquilo que se
realiza; não se submete ao acontecimento, mas participa do seu suceder: pois, sem ter
uma participação axiológica em certo grau, não se pode contemplar o acontecimento
enquanto acontecimento” (36) – exterioridade, lado de fora (mas não indiferentismo).
“Se este reconhecimento que penetra tudo não existisse, o objeto estético, ou seja,
o que é artisticamente criado e percebido, fugiria a todas as ligações da experiência,
quer seja teórica, que seja prática (...)” (40).
“A transcrição teórica pura nunca pode possuir toda plenitude do elemento ético
do conteúdo, plenitude que domina apenas a empatia, mas ela pode e deve aspirar a isso
como a um seu limite jamais alcançável. O próprio elemento da realização ética ou é
realizado, ou é artisticamente contemplado, mas nunca pode ser formulado de um modo
teoricamente adequado” (43).
“(...) arbitrário subjetivo de cada um, a obra não no oferece nenhuma das
indicações necessárias para construir uma representação visual, concreta e uma da
cidade. Mas se é assim, é porque o artista nunca lida com objetos, e sim com palavras,
no caso em questão com a palavra „cidade‟, nada mais. O artista só lida com palavras,
pois apenas elas são algo definido e indiscutivelmente presente na obra” (52).
“(...) não há palavras definidas linguisticamente no psiquismo do artista e do sábio,
e além disso, no psiquismo não há nada além das formações psíquicas, que, como tais,
são subjetivas e, do ponto de vista de qualquer domínio semântico – do conhecimento,
da ética, da estética –, são igualmente fortuitas e inadequadas” (52) – significação
axiológica, emocional, volitiva da palavra.
IV – O Problema da Forma
“O que se repete, retorna conclui laços, não são os momentos semânticos na sua
objetividade, ou seja, na total separação da personalidade do sujeito falante, mas o
momento que se relaciona com a atividade, com a sensação viva de sua própria
atividade; a atividade não se perde no objeto, sente sempre de forma nova sua própria
unidade subjetiva em si mesma, na tensão da sua posição física e moral: a unidade não
é do objeto nem do acontecimento, mas é a unidade de um envolvimento, de um
englobamento do objeto e do acontecimento” (63).
O Discurso no Romance
“Na vida real do discurso falado, toda compreensão concreta á ativa: ela liga o que
deve ser compreendido ao seu próprio círculo, expressivo e objetal e está
indissoluvelmente fundido a uma resposta, a uma objeção motivada – a uma
aquiescência. Em certo sentido, o primado pertence justamente à resposta, como
princípio ativo: ela cria o terreno favorável à compreensão de maneira dinâmica e
interessada. A compreensão amadurece apenas na resposta. A compreensão e a resposta
estão fundidas dialeticamente e reciprocamente condicionadas, sendo impossível uma
sem a outra” (90) – falante dirige seu discurso ao território alheio de outrem.
“(...) um personagem de romance sempre tem sua área, sua esfera de influência
sobre o contexto abrangente do autor, ultrapassando (às vezes muito) os limites do
discurso direto reservado ao personagem. Em todo caso, o campo em que age a voz de
um personagem importante deve ser mais amplo que o seu discurso direto autêntico.
Essa área ao redor dos personagens importantes do romance é profundamente original
do ponto de vista estilístico: predominam nela as mais variadas formas de construções
híbridas, e ela sempre é dialogizada de alguma maneira; nela irrompe o diálogo entre o
autor e seus personagens, não um diálogo dramático, desmembrado em réplicas, mas
um diálogo romanesco específico, realizado nos limites das estruturas monológicas
aparentes” (124) – Gêneros intercalados: grupo especial de gêneros que detém papel
importante para os romances; confissão, diário, relatos de viagens, biografia e cartas.
“Se a idéia de uma linguagem poética pura, fora do uso comum, fora da História,
uma linguagem dos deuses, nasce no terreno da poesia como uma filosofia utópica dos
seus gêneros, então está próxima da prosa literária a idéia de uma existência viva e
historicamente concreta das linguagens. A prosa literária pressupõe a percepção da
concretude e da relatividade históricas e sociais da palavra viva, de sua participação na
transformação histórica e na luta social; e ela toma a palavra ainda quente dessa luta e
desta hostilidade, ainda não resolvida e dilacerada pelas entonações e acentos hostis e a
submete à unidade dinâmica de seu estilo” (133).
IV – A Pessoa que Fala no Romance
“A ação do herói do romance é sempre sublinhada pela sua ideologia: ele vive e
age em seu próprio mundo ideológico (não apenas num mundo épico), ele tem sua
própria concepção do mundo, personificada em sua ação e em sua palavra” (137).
“Se o objeto específico do gênero romanesco é a pessoa que fala e seu discurso, o
qual aspira a uma significação social e a uma difusão, como uma linguagem especial do
plurilinguismo – então o problema central da estilística do romance pode ser formulado
como o problema da representação literária da linguagem, o problema da imagem da
linguagem” (138). “O distanciamento da realidade empírica da linguagem representada
pode ser, por isso, muito importante, não apenas no sentido de uma seleção parcial e de
um exagero dos elementos disponíveis desta linguagem, mas também no sentido de uma
criação livre, no espírito da linguagem, de elementos que são absolutamente estranhos
ao seu empirismo” (138).
“No discurso cotidiano, conforme já dissemos, o sujeito que fala e sua palavra
servem como objeto de transmissão interessada de caráter prático, e não de
representação” (141). “Aquilo que foi dito dos sujeitos falantes e das palavras de outrem
no cotidiano não sai dos limites superficiais da palavra, seu peso em uma situação dada,
por assim dizer; camadas semânticas e expressivas profundas da palavra não entram em
jogo” (142).
“Na retórica, a significação da palavra de outrem como objeto é tão grande que
frequentemente acontece a palavra tentar dissimular ou substituir a realidade e com isso
ela se estreita e perde sua profundidade” (152).
“(...) pode-se falar da palavra do outro somente com a ajuda da própria palavra do
outro, é verdade que trazendo a ela nossas próprias intenções e esclarecendo-a à nossa
maneira, pelo contexto” (153).
I – O Romance Grego
II – Apuleio e Petrônio
Tempo não é cíclico, repetição não se destaca. Tempo da vida cotidiana se destaca
desse tempo cíclico (248). Mundo cotidiano, tempo da vida privada, é fragmentado em
pedaços independentes.
“Por isso, o fantástico do folclore é um fantástico realista: jamais ele sai dos
limites do nosso mundo material e real, ele não preenche suas lacunas com nenhum
elemento ideal do além, ele opera nas vastidões do espaço e do tempo, sabe sentir esses
espaços e utilizá-los ampla e profundamente. O fantástico se apóia nas possibilidades
reais de desenvolvimento do homem, possibilidades não no sentido do programa de uma
ação prática imediata, mas no sentido das possibilidades-necessidades do homem, no
sentido das exigências eternas, nunca iludidas, da real natureza humana. Tais exigências
permanecerão sempre enquanto existir o homem, não se pode reprimi-las, elas são reais
como a natureza humana, por isso elas, cedo ou tarde, não poderão deixar de abrir um
caminho até sua completa realização” (267) – realismo folclórico: significado especial
na Idade Média e no Renascimento.
V – O Romance de Cavalaria
O herói e o mundo formam um único bloco, o herói sente-se em casa neste mundo,
pois é tão maravilhoso quanto ele, mundo maravilhoso num tempo de aventuras (270).
“(...) o próprio tempo tornou-se, em certa medida, maravilhoso. Surge um hiperbolismo
fabuloso do tempo, as horas se prolongam, os dias se reduzem a instantes, o próprio
tempo pode ser encantado (...). Geralmente, surge no romance de cavalaria um jogo
subjetivo com o tempo (...)” (271) – visões e sonhos tornam-se cada vez mais comuns.
X – Observações Finais
“O cronotopo determina a unidade artística de uma obra literária no que ela diz
respeito à realidade efetiva. Por isso, numa obra, o cronotopo sempre contém um
elemento valioso que só pode ser isolado do conjunto do cronotopo literário apenas
numa análise abstrata. Em arte e literatura, todas as definições espaço-temporais são
inseparáveis umas das outras e são sempre tingidas de um matiz emocional. É evidente
que uma reflexão abstrata pode interpretar o tempo e o espaço separadamente e afastar-
se do seu momento de valor emocional. Mas a contemplação artística viva (ela é,
naturalmente, também interpretada por completo, mas não abstrata) não divida nada e
não se afasta de nada. Ela abarca o cronotopo em toda a sua integridade e plenitude. A
arte e a literatura estão impregnadas por valores cronotópicos de diversos graus e
dimensões. Cada momento, cada elemento destacado de uma obra de arte são estes
valores” (349).
“(...) é evidente seu significado temático. Eles são os centros organizadores dos
principais acontecimentos temáticos do romance. É no cronotopo que os nós do enredo
são feitos e desfeitos. Pode-se dizer francamente que a eles pertence o significado
principal gerador do enredo. Ao mesmo tempo salta aos olhos o significado figurativo
dos cronotopos. Neles o tempo adquire um caráter sensivelmente concreto; no
cronotopo, os acontecimentos do enredo se concretizam (...). Mas o acontecimento ano
se torna uma imagem. O próprio cronotopo fornece um terreno substancial à imagem-
demonstração dos acontecimentos” (355).
“Pois nos importa o seguinte: para entrar na nossa experiência (experiência social,
inclusive), esses significados, quaisquer que eles sejam, devem receber uma expressão
espaço-temporal qualquer, ou seja, uma forma sígnica audível e visível por nós (um
hieróglifo, uma fórmula matemática, uma expressão verbal e lingüística, um desenho,
etc.). Sem esta expressão temporal é impossível até mesmo a reflexão mais abstrata.
Conseqüentemente, qualquer intervenção na esfera dos significados só se realiza através
da porta dos cronotopos” (362).