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ARQUIVO ArianoSuassunaseusertao, Suahistoria
ARQUIVO ArianoSuassunaseusertao, Suahistoria
Resumo: Construtor de um sertão encantado, com reis, rainhas, palhaços, um sertão ibérico,
místico e mítico, assim se percebe o sertão criado por Ariano Suassuna em seus textos teatrais,
autos, poemas e romances. Ariano Suassuna deu uma rostilidade própria a região que ele amava,
também, nos encaminha a uma leitura de um sertão ora cômico ora trágico, marcado por traços
de sua subjetividade, memórias e saudade, ele inventa um sertão para ele ideal, é uma tentativa
de parar o tempo e se colocar contra a ideia de modernidade, é uma tentativa de salvar
memórias. Embriagado com as leituras de Euclides da Cunha, que atuará como “fundador de
discursividade”, ele usará a obra como matéria prima para pensar e inventar o seu sertão.
“O romance é o lugar onde a imaginação pode explodir como num sonho e que
o romance pode se libertar do imperativo aparente inelutável da verossimilhança” (KUNDERA,
2009, p. 22). Essa liberdade apresentada pelo romancista Milan Kundera, nos conduz a
compreensão do que é e para que serve romance, suas limitações ou o contrário, pois o romance
pode não ter um limite, é um espaço construtor de infinitos criativos submetidos a mente do
autor.
*
Mestre em História pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, licenciado em história pela Faculdade de
Formação de Professores da Mata Sul – FAMASUL, Professor de Ensino Fundamental II e Coordenador
Pedagógico no Município de São José da Coroa Grande. Atualmente pesquiso sobre a relação História e
Literatura; Discurso político evangélico na Nova República; e, Educação e processo de aprendizagem na pós
modernidade.
Como já afirmei, semelhante ao pintor, o romancista também cria horizontes
desprovidos das amarras do real, constrói traços e compõe rostilidades, dá nome, formas,
construí nações e aniquila outras. Em nosso estudo, olhamos com a devida atenção para os
textos do teatrólogo, contista, poeta e romancista Ariano Suassuna, como caminhos que nos
levam a um sertão místico e mítico, com reis e rainhas, cavalheiros e donzelas, a crenças
medievais, a trovadores e sonhos de um reino encantado. Na verdade, o sertão de Ariano é uma
proposta de reino encantado que migra de suas memórias e afetividades para o papel, uma busca
constante de retorno a um passado impossível de retornar.
O AUTOR É INVENTOR
Antes de perceber Ariano Suassuna como autor, é necessário entender como ele
se constitui como sujeito. Assim como pensa Foucault, o autor não precede o texto, pelo
contrário, é o texto que lhe constitui autor, sendo assim, primamos em apontar os elementos
formativos de sua subjetividade, como Arino se constrói em Ariano Suassuna, para que isto
seja efetivado, é importante que demarquemos alguns pontos fulcrais de sua biografia.
A nostalgia pelo retorno a essa ordem social, vista como menos violenta, como mais
harmônica e mais justa, será partilhada por setores das camadas populares e das elites
letradas, o que contribui para o encontro entre eles e com esse encontro e emergência
da ideia de folclore ou de cultura popular. Nessa ideia está implícita uma inegável
saudade da ordem estamental anterior e do paternalismo e patriarcalismo que a
caracterizavam. (ALBUQUERQUE Jr, 2013, p. 44)
Seus primeiros passos na literatura ficarão mais notório com a publicação não
permitida a priori do poema Noturno. O professor Tadeu Rocha, professor de geografia do
Colégio Oswaldo Cruz, percebeu o talento para a escrita do jovem Ariano e consegue que seu
poema Noturno seja publicado no Jornal do Commércio no dia 7 de outubro de 1945. Uma de
suas estrofes deixa patente o discurso de saudade que será permanente em toda sua obra: “Tem
para mim Chamado de outro mundo/ as noites perigosas e queimadas,/ quando a Lua aparece
maus vermelha./ São turvos sonhos, Mágoas proibidas,/ são Ouripéis antigos e fantasmas/ que,
nesse Mundo vivo e mais ardente/consumo tudo o que desejo Aqui.Ӡ
Foi de meu Pai, João Suassuna, que herdei, entre outras coisas, o amor pelo Sertão,
principalmente o da Paraíba, e a admiração por Euclides da Cunha. Posso dizer que,
como escritor, eu sou de certa forma, aquele mesmo menino que, perdendo o Pai
assassinado no dia 9 de outubro de 1930, passou o resto da vida tentando protestar
contra sua morte através do que faço e do que escrevo, oferecendo-lhe esta precária
compensação e, ao mesmo tempo, buscando recuperar sua imagem, através da
lembrança, dos depoimentos dos outros, das palavras que o Pai deixou. (SUASSUNA,
2008, p. 237)
†
O texto original do poema Noturno foi publicado no dia 7 de outubro de 1945, no suplemento Cultural do Jornal
do Commércio, levado pelo professor de Geografia do Colégio Oswaldo Cruz, professor Tadeu Rocha, e entregue
ao Editor do Suplemento de Cultura do Jornal, Esmaragno Marroquim. Esta versão, de 1950, apresenta
modificações em relação ao poema publicado em 1945. Cf: VITOR, Adriana; LINS, Juliana. Ariano Suassuna:
perfil biográfico. Rio de Janeiro: Ed: Jorge Zahar, 2007, p. 50.
texto. Importa agora saber, que Euclides da Cunha foi uma peça fundante em sua construção
como autor.
O seu pai morreu em 1930 – como já relatamos -, mas as suas memórias seria
relembradas e rememoradas constantemente por Arino, numa tentativa de imortalizar o pai e
trazer de volta a esperança de um sertão encantado e romanceado, cheio de folclore e sonhos.
Inventar o sertão em seus textos em prosa ou poesia foi uma forma de lutar contra a
modernidade que apagava as lembranças, que sepultava o tradicional e o folclórico.
Na década de 1950, o Brasil tentava cada vez mais reconstruir sua história, havia
uma emergência do moderno, dos usos de eletrodomésticos, o carro, as máquinas e as
indústrias; o velho, o tradicional e arcaico caminhava para o sepultamento, o velório estava
posto e o morto sendo velado. Nunca tentativa de ressuscitar o morto, Ariano criará para si e
para os outros uma alternativa, que seria o sertão, o seu peculiar sertão. Não mais, unicamente
o sertão de lutas, onde o opressor massacrar o oprimido, como narra Euclides da Cunha, mas
um sertão ideal, sonhado e composto na utopia das páginas brancas. Ariano minimiza as
diferenças, harmoniza os diferentes e constrói um sertão ideal.
A figura do Quaderna, exemplifica bem essa luta épica do cavaleiro que luta com
suas poucas forças contra os elementos da modernidade. Já no início de sua narrativa ele narra
um sertão guardado fisicamente de influências externas:
Aí, talvez por causa da situação em que me encontro, preso na Cadeia, o Sertão, sob
o Sol fagulhante do meio-dia, me parece, ele todo como uma enorme Cadeia, dentro
da qual, entre muralhas de serra pedregosas que lhe servissem de muros inexpugnável
a apertar suas fronteiras, estivéssemos todos nós, aprisionados e acusados, aguardando
as decisões da Justiça; sendo que, a qualquer momento, a Onça-Malhada do Divino
pode se precipitar sobre nós, para nos sangrar, ungir e consagrar pela destruição.
(SUASSUNA, 2010, p.31)
Um sertão bem guardado, cercados por elementos naturais que, ao mesmo tempo
são suas fortalezas contra o reino da modernidade, lhe coloca entre cadeias, uma espécie de
cadeia que guarda e não que aprisiona. Guarda, pois, o mundo externo é danoso, está se
decompondo pela alienação da modernidade. Quaderna tenta, mesmo diariamente vigiado por
elementos do estado moderno e modernizante, refundar o reino encantado do sertão. Se não
consegue a implantação do real reino encantado, mesmo que isso fique no utópico sonho de
Quaderna, ele realiza por meio dos instrumentos do Estado burocrático, se ele não consegue
instalar o reino encantado e sertanejo, mas ele narra, e narra via depoimento ao juiz.
Ariano percebe, que a única arma que tinha para digladiar com a modernidade
era a escrita, o discurso, a fala e o romance. Albuquerque Júnior assim descreve o sertão escrito
por Ariano:
O sertão surge, em sua obra, como este espaço ainda sagrado, místico, que lembra a
sociedade de corte e cavalaria. Sertão dos profetas, dos peregrinos, dos cavaleiros
ardentes, defensores da honra das donzelas, dos duelos mortais. Sertão das bandeiras,
das indignas e dos brasões, das lanças e mastros, das armaduras pobres de couro.
Sertão em que todos são iguais diante de Deus, o que não significa reivindicar o
mesmo aqui na vida terrena, condenada a ser sempre imperfeita, por ser provação,
mas em que igualdade divina permite manter a esperança a resignação diante das
condições mais adversas. (ALBUQUERQUE Jr, 2011, p.188)
Tudo o que eu vinha pensando na minha doce embriaguez se juntou então, num sonho
só. Eu terminara minha Epopeia, minha Obra de pedra e cal, edificando, no centro do
Reino, o Castelo e Marco sertanejo que tinha sido o sonho de toda a minha vida. O
reino do Sertão se estendia, agora, sob Sol de chumbo e orlada de fogo, um Sol que
dourava as pedras e muralhas do Chapadão pedregoso, áspero e solitário, formigante
de Peões, bispos, Rainhas, Reis, torres, cavalos e Cavaleiros – rudes Cavaleiros
vestidos com armaduras de couro medalhadas, gibões, guara-peito e chapéus de couro
estrelados, e acompanhados pelas belas Damas de copas e espadas que os amavam
(SUASSUNA, 2010, p.739-740)
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A feira dos mitos: a fabricação do folclore e
da cultura popular (nordeste – 1920-1950). São Paulo: Intermeios, 2013.
___________. A invenção do nordeste e outras artes. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2011.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1 Artes de fazer. 18ª ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2012.
FOUCAULT, Michel. O que é o autor? In: Estética: literatura e pintura, música e cinema. 2ª
ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.
KUNDERA, Milan. Arte do romance. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2009
__________. Romance d’A Pedra do Reino e o Principe do Sangue do Vai-e-Volta. 11ª ed.
Rio de Janeiro: José Olympio, 2010.