O Patife Emma V Leech

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O PATIFE

Patifes & Cavalheiros – livro 1


Emma V. Leech
O Patife
Emma V. Leech
Copyright © 2017 Emma V. Leech
Título original: The Rogue
Tradução: Inês Vanmuysen
Preparação de Texto/Revisão: Vânia Nunes
Capa: Victoria Cooper
ISBN-13: 978-2-492133-73-2
ISBN-10: 1545172293
ASIN: B06XF78DKQ
****
Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas.
Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua
Portuguesa.
Todos os direitos reservados.
São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer
parte dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou
intangível — sem o consentimento escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°.
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Índice
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 36
Capítulo 37
A Tentação do Conde
Prólogo
Capítulo 1
Quer mais Emma?
Sobre Mim!
Outras obras de Emma V. Leech
Audiobooks
Desafiando um Duque
Ousando Seduzir
Morrendo por um Duque (em breve)
A Chave para Erebus
O Príncipe das Trevas (em breve)
Agradecimentos
A Canção de um Contrabandista
Se você acordar à meia-noite e ouvir um cavalo trotar.
Não vá puxando as cortinas,
ou para a rua olhar.
Quem não pergunta, não escuta mentiras.
Vigie a parede, minha querida,
Já que o cavalheiro partira.

-Rudyard Kipling
Capítulo 1
“No qual nossa heroína perde um lenço e recebe mais do que
esperava.”

Henrietta Morton seguiu o olhar de sua criada, à qual, por sua


vez, a fitava pela vitrine da loja; e não ficou surpresa ao ver que sua
atenção tinha sido atraída pela exibição de um bando de Casacas-
Vermelhas vaidosos.
Resmungando impacientemente, ela revirou os olhos. A
capacidade de concentração de Annie era limitada, na melhor das
hipóteses, mas coloque-a a uma pequena distância de um homem
bonito e você a perderá por completo.
No entanto, Henri tinha que admitir que havia um certo ar de
alvoroço entre os homens naquela manhã. Eles pareciam alertas e,
por algum motivo, entusiasmados com os oficiais gritando ordens e
os homens correndo, animados em obedecer-lhes. Ela se perguntou
se ontem à noite os cavalheiros, como eles se referiam aos
contrabandistas envolvidos no livre-comércio, que era tão
abundante na região, tinham estado em ação.
Todo mundo sabia que era hora de fechar as cortinas e fazer
vista grossa quando um negócio estava em andamento. Ela rezou
para que ninguém fosse pego. A vida era desesperadamente difícil
aqui na Cornualha, e não era à toa que as pessoas estavam
recorrendo ao contrabando.
Ela fez um beicinho ao ver Annie mexer no cabelo castanho-
claro, beliscar as bochechas já rosadas e ajustar disfarçadamente
os seios pálidos e sardentos para ficarem mais visíveis, obviamente
esperando que os homens ainda estivessem lá no caminho de volta
para casa. Ignorando o suspiro sonhador de sua criada com um
franzir da testa, Henri voltou o próprio olhar para os produtos do
vendedor.
O sr. Warren tinha sido muito atencioso essa manhã, como
nunca antes visto. A percepção fez com que ela fosse incapaz de
manter a carranca em seu rosto. Ele era geralmente bastante breve
com ela e ansioso para dar atenção aos seus outros clientes – os
que pagavam. A única razão pela qual ela ousou mostrar seu rosto
na loja fora porque seu pai finalmente tinha pagado o que devia. A
razão pela qual essa conta tinha sido paga também foi a razão de
sua visita e de sua infelicidade.
O senhor Warren voltou novamente, dessa vez, com luvas de
seda branca. Há uma hora, o homem andava para cima e para
baixo com cada item e pedaço de material que ele achava que
poderia agradá-la. Ela tinha inspecionado os mais finos tecidos,
musseline estampado floral, de bolinhas, listrado, xadrez e bordado;
cambraia e caxemira, além de seda suficiente para munir um
homem à guerra. Mas, na verdade, nada era capaz de agradá-la, e
os metros e metros de renda branca dispostos diante dela apenas a
enchiam de desânimo. Ela tinha tentado com todas as suas forças
não se sentir amargurada com a situação em que se encontrava
agora, mas todas as suas esperanças e sonhos para o futuro tinham
sido destruídos, e não havia nada que ela pudesse fazer a respeito
disso.
— Meu Deus dos céu — disse sua criada com outro suspiro
sonhador. — Num são lindo?
Henri muxoxou e voltou sua atenção para os Casacas-
Vermelhas, sabendo perfeitamente bem que a mulher não estava
falando da renda. — Dá para você manter a sua cabeça no trabalho
por apenas um minuto? — disse ela, olhando à sua volta e torcendo
para que ninguém mais estivesse prestando atenção em Annie, cuja
língua estava praticamente pendurada.
— Não enquanto eles tiver com os calção apertado à mostra,
não, senhorita, num consigo, não.
Henri revirou os olhos e xingou internamente seu pai. Xingar
internamente seu pai estava se tornando um ritual diário.
Lorde John Morton era um indivíduo agradável, amado por
todos, exceto por aqueles com quem tinha contas pendentes e,
atualmente, por sua filha. Henri passou a maior parte de seu tempo
tentando se esquivar dos oficiais de justiça. Foi ele quem contratou
Annie Tripp, a mulher de moral e antecedentes questionáveis, para
ser a criada de Henri.
Na admirável idade dos treze anos e após a morte de sua mãe,
ela tinha sido apresentada a um mundo muito maior do que jamais
imaginara, através dos contos escandalosos da mulher ao seu lado.
Annie havia sido encontrada em Londres a serviço de um dos
amigos de lorde Morton. O seu sotaque e vocabulário londrinos
eram grosseiros e vulgares, e remetiam vividamente à Cheapside,
lugar em que, aparentemente, ela vivia desde criança. Qualquer
outra informação sobre o seu passado era no mínimo vaga. Em vez
de se preocupar em encontrar uma candidata mais adequada para a
sua única filha, lorde Morton soube que Annie estava disponível –
sua senhora anterior havia se casado recentemente – e
imediatamente a contratou para ser a criada de Henrietta.
A sua adequação ou inadequação para tal posição, pareciam
não o incomodar muito, mas sim o fato de que ela parecia gentil e
não repreenderia Henri com muita severidade. É evidente que seu
pai não era indiferente nem mesmo um pai desprovido de amor, pelo
contrário, ele adorava sua filha. Ele era, entretanto, alheio aos
perigos do mundo como um todo e, em especial, àqueles
relacionados a uma jovem.
Henri tinha, na verdade, atravessado aqueles últimos cinco anos
sem danos aparentes, e até mesmo acreditava que Annie tinha feito
muito bem a ela, abrindo os seus olhos para o mundo como ele é e
para como os homens são, em particular. Nesse ponto, pelo menos,
seu pai tinha sido perdoado. Mas ela agora deveria se casar para
pagar as dívidas que seu pai havia contraído com um homem que
era considerado, por seus próprios conhecidos, como o diabo em
pessoa. Possivelmente, esse homem tinha sido até mesmo
responsável pela morte do próprio irmão; e isso ela estava achando
mais difícil ainda perdoar.
Ela mordeu a língua contra a enxurrada de palavras raivosas
que pareciam estar sempre apinhadas em sua boca nos últimos dias
e tentou encontrar algum entusiasmo nos intrincados detalhes da
renda Honiton que ela segurava em suas mãos. A qualidade era
incrível, com padrões de abelhas salpicados nas bordas.
Marimbondos teriam sido mais apropriados. Ela fechou a cara
quando o pensamento veio à cabeça e depois se repreendeu por
sua amargura. Exceto que não era justo, era culpa de seu pai que
eles estavam enfrentando a ruína. Foi ele quem perdeu em apostas
a pouca fortuna que tinham, e agora ela deveria ser vendida a quem
desse o maior lance.
Ela fechou os olhos, freando o filete de lágrimas reunidos atrás
de suas pálpebras e foi para a parte de trás da loja sob o pretexto
de querer dar uma olhada nas fitas, deixando Annie sozinha para
apreciar a vista até que Henri pudesse recuperar a compostura. Ela
enxugou os olhos com o lenço e fungou, deixando-se entregar em
um raro momento de autopiedade.
A porta dos fundos da loja se entreabriu. Essa porta conduzia
ao jardim do dono da loja, e ela passou um momento olhando para
uma vista espetacular. Daquele ponto podia ver os campos, a zona
rural e o além-mar. Muito mais expostas do que a costa sul da
Cornualha, aqui, na costa norte, as pequenas aldeias se
amontoavam contra o penhasco em busca de proteção.
O lugar tinha uma natureza selvagem e indomável que convinha
à Henri. Ela, muitas vezes, escapava para fazer longas caminhadas,
não ousando chegar tão perto das falésias. Ela passava horas com
o vento chicoteando seus cabelos contra o rosto, fitando o horizonte
e se perguntando como era a vida no outro lado do mundo. Annie,
sempre mais prática e menos romântica, tinha uma visão diferente
sobre essas caminhadas, principalmente o estado chocante em que
ficavam suas anáguas quando chegava em casa.
Mas em dias como o de hoje, ela queria escapar mais do que
nunca, talvez até fugir e não voltar mais. O mar estava calmo e
reluzente, o céu colorido com um azul brilhante e alegre que faziam
qualquer um acreditar que a primavera estava a virar a esquina,
embora todos soubessem que ainda demoraria a chegar. No
entanto, como sempre, o mar acalmou seu coração um pouco e foi
com um suspiro resignado que ela se virou, com a intenção de voltar
para Annie e para a maldita renda de seu véu. Mas o súbito
estrondo de uma porta se abrindo e fechando com força a fez virar-
se assustada. A presença que a cumprimentou não fez nada para
acalmá-la.
Era um homem, embora parecesse compartilhar uma
semelhança com os belos pavões se exibindo em frente da loja. O
olhar desse homem demonstrava uma vida feroz e selvagem, de
violência e aventura, de que fazia o que queria, quando queria. Uma
única palavra aterrorizante passou por sua cabeça quando ela
colocou os olhos nele: pirata!
Por um momento, ela estava perfeitamente certa de que seu
coração parou de bater em seu peito, apenas para reiniciar com um
estrondo quando um par de olhos muito azuis encontraram os dela.
Ele tinha uma presença grande e era imponente. Alto e de
ombros largos, seus olhos desceram até as pernas fortes e
poderosas cobertas por botas de couro altas. Seu cabelo era longo
e preto, e caía de maneira indisciplinada e indomável em torno de
uma mandíbula bem-definida. Brincos de argolas de ouro brilhavam
contra as mechas grossas e escuras, mas era a máscara preta
pintada em uma faixa fina sobre seus olhos que fazia o medo
formigar sobre sua pele. A máscara era perturbadora, de alguma
forma pagã, fazendo seus olhos brilharem com uma intensidade que
teria sido inquietante o suficiente em circunstâncias comuns.
Outro estrondo de uma porta soou na frente da loja,
acompanhado por suspiros e protestos dos clientes, no momento
em que os cinco homens da milícia armados que Annie vinha
admirando entraram na pequena loja. Henri virou-se com o coração
na boca, no mesmo instante em que um clarão de outro Casaca-
Vermelha dirigia-se pelo jardim dos fundos em direção à porta. O
pirata xingou, silenciosamente, e ela não pôde deixar de admirar
sua calma na presente circunstância. Se ele fosse realmente um
pirata, certamente seria enforcado.
Ele olhou novamente para ela, e ela sabia que este era o
momento em que deveria gritar. Ela deveria avisar aos Casacas-
Vermelhas que o homem que eles procuravam lá estava, para eles
virem e levá-lo. Ele a observava, com aqueles olhos ferozes
notavelmente plácidos, embora fosse claro que ele estava
esperando que ela reagisse como deveria.
Por nenhuma boa razão que ela poderia pensar, Henri sentiu
uma pontada de tristeza com a ideia daqueles olhos azuis brilhantes
sendo extintos, e em um momento de loucura inexplicável, ela
segurou a cortina que levava ao provador discreto onde as senhoras
mais tímidas podiam experimentar chapéus, sem os olhares
julgadores de outros compradores. O seu pirata olhou para ela com
surpresa por um breve momento, e então não perdeu mais tempo,
desaparecendo atrás das pesadas cortinas quando a porta se abriu
e um outro Casaca-Vermelha da milícia entrou na pequena loja.
Este, um tenente, curvou-se para Henri e deu um sorriso forçado.
— Com sua licença, senhorita — disse ele, soando um pouco
ofegante. — Sou o tenente Bowcher, do Regimento de St. Elizabeth,
Milícia Real da Cornualha. A senhorita poderia me informar se viu
alguém passar por aqui?
Com um comportamento calmo e um tanto arrogante que nem
ela entendia completamente, ela respondeu: — Não, senhor,
ninguém além da minha criada, e não consigo imaginar que seja ela
o motivo de estarem fazendo com que seus homens avancem sobre
pessoas civilizadas como se estivessem perseguindo o Satanás da
cripta. — Henri lançou no tenente um olhar enojado, aquele que ela
geralmente reservava para repreender seu labrador gordo quando
ele voltava a roubar comida da cozinha.
Para sua consternação, parecia que o tenente não era tão
facilmente intimidado quanto o seu cachorro. O homem franziu o
rosto consideravelmente antes de marchar pela loja para perguntar
se mais alguém tinha visto alguma coisa.
Henri permaneceu onde estava e inspecionou uma fita verde
horrorosa com grande interesse e dedos trêmulos, e se perguntou
em que diabos ela estava se metendo. Ela estava bem consciente
do peso de um olhar azul brilhante sobre ela proveniente da fenda
entre as cortinas e rezou para que o homem não perdesse a
cabeça, ficasse quieto e não provasse que ela era uma mentirosa.
O tenente voltou a passar por ela, aparentemente com a
intenção de sair por onde entrou, mas parou para falar mais uma
vez. — Estamos perseguindo um indivíduo muito perigoso,
senhorita, um pirata, na verdade. Soubemos que ele tinha negócios
aqui e sabemos que ele desembarcou por perto. Ele é procurado
pela Coroa e por outros países, e seus feitos são muitos e
sangrentos. — O homem fez uma pausa para que o significado de
suas palavras tivesse o efeito desejado antes de acrescentar: — Por
favor, avise-nos caso você veja ou ouça qualquer coisa que nos leve
à sua captura. E eu sugiro que você volte para casa acompanhada
de uma pessoa do sexo masculino. Não é seguro para você andar
com apenas uma criada enquanto o Capitão Savage está à solta.
— Capitão Savage? — repetiu ela, com a voz um pouco fraca.
O tenente assentiu. — Há uma grande recompensa por sua
captura — acrescentou ele. Estranhamente, este último comentário
chateou Henri mais do que devia.
— Senhor, espero que não esteja insinuando que eu só
cumpriria meu dever como cidadã se pudesse ganhar alguma
recompensa financeira? — indagou ela, esticando-se o mais alto
que conseguia.
Por um momento, o tenente pareceu chocado, e ela satisfeita ao
ver que suas bochechas estavam um pouco rosadas. — Claro que
não, senhorita — disse ele, balançando a cabeça. — Eu não quis
ofendê-la. Se me der licença, por favor. — E com isso ele correu
para fora da loja.
Henri olhou ao redor da loja e, satisfeita por não estar sendo
observada, puxou a cortina de volta. Ela piscou, sua respiração ficou
suspensa ao ser confrontada por aqueles olhos azuis novamente e
com as palavras do tenente ainda soando em seus ouvidos.
— A escada — sussurrou ela, apontando para o outro lado da
sala. — Você pode subir até a dispensa. Há uma janela do outro
lado. Acho que dá para o beco. Você consegue descer?
— Sim — disse ele, com a voz suave. — E eu não vou esquecer
disso. — Ele olhou para ela, e ela piscou sob a intensidade daquele
olhar azul.
— Vo-você deve se apressar — gaguejou ela, incapaz de
afastar seu olhar do dele, mas ele permaneceu ali, imóvel, como se
estivesse tão hipnotizado quanto ela.
Quando ele se moveu, não foi na direção que ela esperava. Ele
estendeu o braço, deslizando sobre sua cintura e puxando-a para a
escuridão atrás da cortina. Em alguma parte distante de seu
cérebro, ela ficou surpresa por não gritar. Em vez disso, ela soltou
um ruído assustado de objeção, e então não proferiu outro som
quando um par de lábios quentes e macios pressionaram
firmemente os seus.
Por um instante, ela congelou, sua mente atordoada demais
para reagir, embora suas mãos estivessem planas contra seu peito
duro e musculoso, tentando mantê-lo a uma pequena distância.
Quando finalmente recobrou a consciência, percebeu em choque
que ela não tinha certeza se estava satisfeita com isso. Em vez de
afastá-lo como ela certamente deveria, ela levantou os braços; uma
mão deslizou pelo pescoço dele, seus dedos enredaram-se por
entre seu cabelo longo – era tão macio quanto ela imaginava que
deveria ser. Ele emitiu um som baixo, algo semelhante a um
rosnado que fez com que sua pele se aquecesse e seu coração
batesse mais forte. De repente, ele a soltou, mas havia
arrependimento em seus olhos.
— Obrigado, querida — disse ele, com um leve sorriso nos
cantos da boca. — Você foi muito… atenciosa. — Ele olhou para
onde uma de suas mãos descansava gentilmente sobre seu peito
largo, ainda segurando o lenço molhado. Ele arrancou o pedaço de
renda habilmente das mãos dela e levou-o ao nariz, inalando seu
cheiro com um suspiro antes de verificar se o caminho estava livre.
Logo em seguida, ele atravessou a sala, indo em direção às
escadas.
Henri olhou para baixo ao ver que algo tinha caído próximo a
seus pés. Na pressa, ele havia deixado cair alguma coisa: uma
carta.
— Espere! — chamou ela, em voz baixa. Ele se virou por
apenas um segundo, mas o som de vozes se aproximando fez ele
apressar seu passo nas escadas, e, então, desaparecer.
Henri respirou fundo, enfiou a carta em sua retícula e virou-se
na direção das vozes ao ver Annie com o senhor Warren, o dono da
loja, ao seu lado.
— Ah, mas que confusão — disse Annie com os olhos brilhando
de emoção. — Tão falano que era o homi mesmo, o Patife!
— Oh céus, provavelmente seremos assassinados em nossas
camas — disse o dono da loja, um homenzinho elegante de cabelos
grisalhos, torcendo as mãos com ansiedade.
Henri respirou fundo e esperava que atribuíssem suas
bochechas coradas ao choque de suas palavras, o que não deixava
de ser verdade. O homem tinha ido embora e sua loucura tinha
terminado, mas ela não conseguia parar de pensar em seu
momento de insanidade. E, embora soubesse perfeitamente bem
que tinha sido pura loucura, ainda sentia a pressão de seus lábios
macios contra os dela e uma onda de calor aqueceu ainda mais
suas bochechas.
— Cê tá bem, senhorita? — perguntou Annie, com uma
expressão curiosa iluminando seu rosto naquele momento.
Henri xingou, internamente, os olhos afiados de sua criada e
forçou seus lábios a esboçarem um sorriso. — Muito bem, Annie,
obrigada — respondeu ela, soando um pouco mordaz, e saiu
deixando Annie e o senhor Warren observando-a com surpresa.
Capítulo 2
“No qual os bisbilhoteiros não ouvem nada de bom, um mistério é
descoberto e planos são arquitetados.”

Henri caminhou para casa com o que ela só podia imaginar ser
um ar de uma criminosa. Os seus olhos procuravam as sombras e
ela deu um pulo quando o deslizar de folhas mortas performaram
uma dança em torno de seus tornozelos conforme o vento as
soprava. Annie a observava com curiosidade, mas ficou quieta e
nada disse, algo com o qual Henri se sentiu grata. Mas por mais que
tentasse, não conseguia esquecer o som daquele pequeno
grunhido, o brilho daqueles olhos ou o intenso calor dos primeiros
lábios que ela havia conhecido tão de perto.
Com esse pensamento veio a ideia de que ela pôde ter
permitido que um homem perigoso estivesse à solta. E se alguém
realmente morresse? Seria tudo culpa dela. Ela havia, no entanto,
lido as histórias escritas pelo aventureiro panfletista, o senhor
Charles Batch. Ele tinha pintado o Patife na forma do Capitão
Savage, como um herói romântico para atrair as mulheres e para os
homens condenarem em público enquanto admiravam
secretamente.
No entanto, parecia que a milícia tinha uma visão bastante
diferente de seu caráter. Ele era conhecido por sua aparência
elegante e atraente, uma lábia que podia atrair os pássaros das
árvores, e certamente não tinha dificuldade em roubar cargas de
navios mercantes, joias, dinheiro e, às vezes, até mesmo os
maridos das damas.
Certa vez, ela ouviu, de Annie – é claro – que ele havia
sequestrado a esposa de um certo lorde Haversham. A dama estava
a caminho da América e, ao capturar sua bela carga, o Capitão
Savage exigiu uma quantia enorme para libertá-la. O dinheiro foi
devidamente pago, mas a esposa não apareceu. Em um acesso de
fúria, o marido exigiu que sua esposa fosse devolvida a ele. Nessa
altura, o encantador Patife explicou com sinceras desculpas que a
dama se recusou a ser resgatada.
Ele teria dito que estava disposto a pagar ao marido para levá-la
embora novamente.
As lendas de suas artimanhas na Costa da Barbária haviam
colocado sua cabeça a prêmio, e a recompensa manteria qualquer
homem aquecido e gordo por todos os invernos de sua vida. Apesar
de toda a sua reputação encantadora, ela não era nem um pouco
tola de acreditar que ele vivia uma vida de um cavalheiro.
No fim das contas, ele era um pirata que usava sua força para
roubar os outros. E, ainda assim, ela não podia acreditar que o
homem que acabara de ver fosse de alguma forma um assassino.
Ela se repreendeu, internamente. Que ridículo, ela não sabia nada
dele e dificilmente poderia formar uma opinião baseada em alguns
segundos em uma sala escura e um beijo, algo que dificilmente era
o comportamento de um cavalheiro. Ela ainda não entendia por que
não havia gritado e o esbofeteado, o que teria sido a reação de uma
dama. Ela só podia concluir que não era uma dama, como ela
acreditava. Talvez a companhia de Annie tivesse feito mais mal do
que ela imaginava, afinal. Ela certamente a tinha ensinado um
vocabulário interessante.
Ela estava tão imersa em seus pensamentos que mal percebeu
que tinham chegado na porta da frente de sua casa, e horrorizada,
ela reconheceu a carruagem do lado de fora e o brasão estampado
na porta. Aquilo pertencia ao seu noivo.
— Rápido! — sibilou ela para Annie. — Pelos fundos.
Juntas, elas se abaixaram por baixo da janela e correram para a
entrada dos empregados.
— Que diabos ele está fazendo aqui? — falou Henri, com
reprovação. Enquanto isso, elas caminharam na ponta dos pés pela
cozinha, ignorando o som de desaprovação do cozinheiro, e foram
em direção à biblioteca. Esse cômodo era o oásis pessoal de Henri
e, como era situada ao lado do escritório de seu pai, aquele era um
lugar onde elas podiam tentar escutar a conversa sem serem vistas.
Como Annie era mais baixa, mais robusta e tinha cotovelos mais
afiados conseguiu chegar no buraco da fechadura antes de Henri,
que foi forçada a perambular com impaciência enquanto Annie
retransmitia as informações relevantes.
— Ele qué apressá as núpcia, senhorita, para que cê possa
casá antes de cês partir pra França — sussurrou Annie, olhando
para ela com os olhos arregalados. — Meu Deus dos céu, ele foi lá
e comprô uma licença especial!
— O quê? — Henri sentiu como se as garras de aço de um
marido estivessem prendendo o seu corpo, ao redor de seus pulsos
e tornozelos. Ela seria acorrentada ao bastardo frio que estava do
outro lado daquela porta mais cedo do que ela pensava. Aos trinta e
seis anos, ele era muito mais velho que ela e muito bonito, mas
seus olhos tinham tanto calor quanto um mar no inverno, e havia um
vinco cruel no canto de sua boca que a fazia estremecer.
Não era nenhum segredo que tudo o que ele queria era alguém
para prover um herdeiro e um belo ornamento para usar em seu
braço em certas ocasiões. Ele não tinha nenhum real interesse nela.
Seu jeito mulherengo e libertino continuaria inabaláveis e a
liberdade de Henri, tal como era, desapareceria para sempre. Ela já
havia sido instruída por seu pai sobre o tipo de esposa que esse
homem estava esperando. Supostamente, perambular pelo campo
desacompanhada e voltar parecendo que estava trabalhando nas
minas era inaceitável.
A injustiça e a desigualdade da situação fizeram seu sangue
ferver sob sua pele. Esperava-se que ela se comportasse, bordasse,
organizasse chás da tarde e falasse educadamente com os
convidados do marido, independentemente de gostar deles ou não.
Ela seria uma prisioneira, a sua propriedade, com a qual ele poderia
fazer o que bem desejasse, simplesmente porque ela era uma
mulher e não tinha como se defender. E o tempo todo seu digno
marido continuaria a esbanjar grandes somas de dinheiro com
pessoas, como a escandalosa senhora Morris. A sua amante
favorita tinha acabado de chocar a alta sociedade ao levar o seu
mais recente presente com ela, um phaeton com capota reversível
puxado por um par de cavalos cinzas com arreios violeta e prata,
através do Hyde Park na hora do pico.
— Quando? — perguntou ela, ouvindo o medo em sua própria
voz.
Annie olhou para ela e seus olhos projetavam pena. — No
sábado.
Henri engoliu em seco, o frio daqueles grilhões imaginários
fazendo-a estremecer. Com uma onda repentina de empatia, ela se
lembrou da aparência do pirata ao ver o Casaca-Vermelha se
aproximando dele. Ele xingou baixo e ferozmente, mas não entrou
em pânico, não chegou a se desesperar. Henri cerrou os dentes.
Bem, ela não estava prestes a ter uma corda em seu pescoço como
Jack Ketch, segundo comentavam os seus empregados, mas ela
estava enfrentando uma prisão perpétua que parecia muito sombria
para ela. Apesar de tudo, ela ainda não tinha sido apanhada. Ela
não cederia ao desespero, e talvez houvesse outra maneira de
pagar a dívida de seu pai.
Ela cambaleou ao ouvir o movimento da sala ao lado conforme
os homens saíam. Ela prendeu a respiração até que o som de rodas
no cascalho pudesse ser ouvido, levando o seu noivo para longe…
por enquanto.
Henri atravessou a sala e pegou uma garrafa de conhaque que
ela deixava pronta quando seu pai ia conversar com ela. Ela se
serviu com um pouco e engoliu de uma só vez. Em seguida, inalou o
ar em choque quando a sua garganta e barriga começaram a pegar
fogo. Em vez de recriminações e suspiros de terror que a maioria
das criadas faria ao ver sua senhora agir dessa maneira, Annie
simplesmente arrancou a garrafa dela e pegou outro copo.
— Deixa um poco pra mim, garota, eu tamém levei um baita
dum susto, tá? — murmurou Annie enquanto Henri bufava e
sentava-se perto do fogo.
Respirando fundo enquanto o inferno em sua barriga diminuía
para uma calidez branda, Henri enfiou a mão em sua retícula e tirou
o pedaço de papel dobrado que seu pirata havia deixado cair na
pressa de escapar. O lacre de cera tinha sido quebrado e ela o abriu
com cuidado.
L,
Embora pareça inacreditável, a história era
verdadeira, ele está vivo. Entretanto, parece que o
menino que você estava procurando não escapou, no
fim das contas, ele morreu naquela noite e foi
enterrado há muito tempo. Um corpo foi levado pelas
ondas algumas semanas depois e foi identificado por
causa de um anel de ouro. Ele carregava o brasão da
família e, portanto, não houve dúvidas sobre o
assunto. Nas devidas circunstâncias, acho que você
não deve mais mexer no assunto, pois é muito
perigoso, principalmente para alguém como você. Se
a verdade dos eventos daquela noite vier à tona,
muitos sofrerão as consequências. Já existe um
preço pela sua cabeça, mas você continua vivo,
então, contente-se com isso.
Estarei no Pangaré na quarta-feira, como você
queria, mas imploro que se mantenha afastado. A
milícia está em toda parte e você não deve confiar
em ninguém além de seus próprios homens.
Seu amigo,
S
Henri mordeu o lábio e sua mente começou a girar. Embora o
conteúdo fosse enigmático para ela, deveria haver outros que
estariam interessados nas informações dessa carta, e que
certamente seu pirata poderia preferir manter para si. Ela não era
tão cruel a ponto de entregá-lo, não depois de ter se dado ao
trabalho de salvá-lo, porém poderia ser uma informação pela qual
outros poderiam querer pagar, ou que, se pressionado, ele poderia
pagar para permanecer sob sigilo.
A ideia de chantageá-lo – e não fazia sentido tentar fingir que
estava planejando outra coisa – era atraente. Seu estômago se
retorceu em protesto contra a própria ideia, mas sendo forçada a
passar o resto de seus dias casada com aquele… aquele monstro
também não era uma opção. Ela dobrou a carta com cuidado e a
colocou de volta, fora de vista, antes de perceber que estava sendo
observada.
— Que que cê tá tramano, milady?
Henri olhou para cima e respondeu com uma cara feia à
expressão astuta no rosto de Annie.
— Nada com que você deve se preocupar — respondeu ela,
tentando parecer arrogante e colocar Annie em seu lugar, o que era
inútil, pois nunca havia funcionado. Como previsto, Annie apenas
colocou as mãos em seus quadris amplos e fez uma careta.
— Num vem falar cumigo dessa forma toda afetada não, tá com
mó cara de lobo em pele de cordero. Esses olhão castanho pode
enganá seu pai, mas eu tenho um faro melhó. Cê tá com aquele
olhar no rosto que significa poblema, então… o que tá maquinando
nessa sua cabeça loca?
Henri bufou para ela. Bem, não fazia sentido não perguntar. Ela
precisava saber. — Você sabe onde fica o Pangaré? — perguntou
ela, esperando soar indiferente.
As sobrancelhas de Annie atingiram a altura do couro cabeludo
e Henri suspirou com a inútil tentativa de tentar enganar a miserável
mulher.
— O Cabeça do Pangaré? — gritou Annie, alarmada. — Sim, eu
conheço, mas nunca que coloquei os pé no lugar, num é seguro
pruma mulher respeitável, não mermo — disse ela, cruzando os
braços sobre o peito generoso, e com uma fungada de
desaprovação. Um sorriso malicioso rapidamente se seguiu, algo
muito menos surpreendente e muito mais a ver com seu caráter. —
Tá cheio de contrabandista, senhorita. Ah, sim, os cavalheiro são os
únicos que bebe lá, embora sirvam o melhor conhaque que cê vai
prová na vida… — Ela parou no meio da frase e franziu os lábios. —
Eu ouvi dizê — acrescentou ela.
Henri revirou os olhos. — E onde que ele fica? — indagou ela,
observando a perplexidade de sua criada com diversão.
— Cê pega a antiga Chapel Road até o Mercado, de lá pega o
beco que leva ao cais, fica por lá.
Henri sorriu.
— E por que cê tá quereno ir até lá, eu posso sabê? — indagou
Annie.
— Isso não é da sua conta — disse Henri, esperando soar
autoritária. As sobrancelhas de Annie se juntaram, mas ela não a
questionou mais.
Henri passou o resto da tarde evitando o pai e fazendo planos.
Assim que escureceu, ela já havia mudado de ideia sobre ir até o
Cabeça do Pangaré uma dúzia de vezes ou mais. Ela sabia que era
perigoso, ela sabia que era tolice – mas ela estava determinada a ir
de qualquer maneira. Não adiantava nada ficar sentada torcendo as
mãos de nervoso e desejando que o mundo fosse mais gentil. O
mundo não era gentil e nunca tinha sido, além disso, se ela
quisesse que ele mudasse, ela sabia muito bem que teria que
mudá-lo sozinha.
A casa estava escura e silenciosa quando ela abriu a porta do
quarto. A lua cheia projetava curiosos padrões no piso de madeira
polida até as escadas. A luz prateada-brilhante de alguma forma
parecia amplificar cada pequeno rangido das tábuas do assoalho e
ela fez o angustiante percurso até a porta da frente, repleta de
pavor. Ela parou por um momento nas escadas para se recompor.
Se ela não conseguisse nem chegar à porta da frente sem ter um
ataque de nervos, ela não iria muito longe.
Uma vez do lado de fora, ela respirou fundo e puxou o xale de
caxemira com força em volta dos ombros. A noite estava
congelante, e o céu limpo, uma forte geada polvilhava tudo ao seu
redor com um branco brilhante. A sua respiração oscilava em torno
de seu rosto e ela desceu na ponta dos pés até o caminho de
cascalho, bastante certa de que seu pai e todos os empregados
seriam alertados de suas atividades noturnas à medida que o
cascalho e folhas congeladas eram amassadas sob o pesado
volume de seus pés. Ela caminhou com rápida determinação,
mantendo-se nas sombras e escondendo-se nas esquinas escuras
quando ouvia alguém se aproximar.
Henri chegou ao Mercado sem incidentes, mas sabia que ali ela
enfrentava grande perigo. O beco que Annie lhe instruiu a pegar não
estava localizado em uma parte salubre da cidade e, em
circunstâncias normais, ela nem mesmo o teria enfrentado à luz do
dia. Ela sabia muito bem que o único tipo de mulher que estaria
andando sozinha à noite não era do tipo com quem ela gostaria de
ser confundida. Mas não havia mais nada a ser feito. Se ela
desejava evitar o casamento com um homem que desprezava, essa
era sua única opção.
Ela puxou o xale sobre o cabelo, cobriu o rosto, e com a cabeça
baixa correu pelo beco. Ela silenciosamente agradeceu a sorte
grande de estar uma noite tão fria. Todo mundo com algum juízo
estava abrigado e assim que ela chegou ao Cabeça do Pangaré,
pôde ver que o lugar estava lotado, mesmo através das janelas
embaçadas. Ela hesitou do lado de fora, espiando através do vidro
fosco. O fedor do beco era insuportável em comparação ao ar claro
e nítido da noite. Os odores misturados de tripas de peixe, urina e
cerveja velha já pesavam no ar quando um homem grande forçou o
caminho pela porta da frente do pub, trazendo consigo uma espessa
lufada de fumaça de tabaco. Henri se agarrou às sombras até que o
homem tivesse seguido seu caminho, em seguida, tomou coragem e
pegou na maçaneta da porta.
Uma vez lá dentro, seus sentidos foram atiçados mais uma vez.
O perfume de muitas pessoas amontoadas em um espaço muito
apertado – muitas delas há muito tempo sem se lavar – era
temperado com aroma de conhaque e rum, e uma nuvem pesada de
fumaça. Fez-se um silêncio sepulcral quando ela entrou, fazendo-a
sentir uma pitada de medo subir e descer por sua coluna enquanto o
peso de olhares curiosos caía sobre ela. Examinando o local com
desespero, ela rezou para ver seu pirata. É claro que foi nesse
exato momento, já tarde demais, que ela percebeu o quão tolo era a
sua ideia. Era improvável que ele estivesse sentado à vista de
todos, sabendo que a milícia estava atrás dele. Suas bochechas
queimavam enquanto assobios seguiam seu caminho pelo cômodo,
ao receber convites para colocar um sorriso em seu rosto e se
sentar em um colo confortável. A linguagem usada para encorajá-la
poderia ter feito até mesmo Annie corar.
Ignorando-os com uma expressão arrogante, embora ela
estivesse bem ciente que suas bochechas estavam queimando, ela
abriu caminho em direção a um bar imundo, observando como o
fedor do lugar tornava-se completamente insuportável. Bom Deus,
será que ela tinha acabado de se arruinar por nada mais do que
uma missão tola?
Seu olhar recaiu sobre uma mulher rechonchuda que sorria para
ela, mostrando uma fileira de dentes amarelos e irregulares. A
rameira estava sentada no colo de um sujeito, que acariciava
explicitamente seus seios nus. Perplexa e começando a perceber o
quão fora de sua realidade ela realmente estava, considerou dar
meia volta e correr como o diabo foge da cruz, supondo que ela
ainda pudesse. Ela xingou, internamente, a sua tola estupidez, e
sufocou um grito quando alguém estendeu a mão e beliscou seu
traseiro com certo entusiasmo. Sem pensar duas vezes, ela
simplesmente reagiu e virou-se para dar um tapa no rosto do dono
daquela mão. O rosto profundamente bronzeado e ruborizado
parecia impassível e, no caso, seu dono simplesmente gargalhou.
Ela notou, com consternação, que não havia marca do golpe na
bochecha dele, apesar de sua mão arder ferozmente.
— Ei, Jay, essa daqui vai dá aquelas aquecida boa nocê, eu
aposto — gritou o grandalhão, apontando para ela enquanto um
homenzinho com cara de rato ao lado dele a olhava lascivamente
em resposta. Jay, ela presumiu.
— Certeza, Mousy, aposto que ela faz as coisa toda.
Henri suprimiu a pequena bolha de terror que flutuava em seu
peito, antes de decidir que, já que havia chegado tão longe, não iria
desistir. — Eu gostaria de ver o Capitão Savage — disse ela,
levantando o queixo e ignorando os olhares de incredulidade que os
dois homens lançavam sobre ela. — Eu tenho algo do seu interesse
— acrescentou ela, lamentando em seguida essa parte, uma vez
que ambos trocaram olhares de compreensão mútua.
— Ah, tendi — disse o homem com cara de rato, sorrindo
maliciosamente e olhando para ela de cima a baixo. Ele molhou os
lábios de uma maneira que fez Henri querer regurgitar. — Certeza
que cê tem — murmurou ele, com um sorriso lascivo.
Henri lutou contra o rubor queimando seu pescoço e olhou para
o homem. — Levando em conta o fato de que eu vi a milícia no
Mercado, eu acho que você pode querer me levar até ele o quanto
antes — disse ela, com o máximo de veemência que conseguiu
reunir. Isso, é claro, era uma mentira, mas mentir parecia o menor
de seus problemas no momento.
Os dois homens franziram a testa com incerteza e, por um
momento, ela pensou que eles iriam colocá-la para fora ou no
mínimo questioná-la mais um pouco. No final, ela se assustou
quando o grandalhão agarrou seu pulso e guiou-a atrás dele. A
multidão deu passagem diante de seu tamanho e ela se viu
seguindo-o por uma escada de madeira estreita e frágil. Eles
continuaram ao longo de um corredor escuro e pararam quando
chegaram embaixo de um alçapão no teto. O grandalhão estendeu a
mão e bateu três vezes na abertura.
— Sô eu — disse ele, as palavras concisas, voltando-se para
olhar para ela com uma carranca. — Tem uma mulhê qualquer aqui
para vê o capitão, diz que tem algo pra ele.
Henri bufou quando o som inconfundível de homens
gargalhando foi ouvido através do teto. E, então, o alçapão foi
aberto.
Capítulo 3
“No qual os lobos uivam, os ratos guincham e nossa heroína tenta
não balir.”

Um par de botas pretas extremamente polidas tornou-se visível,


depois pernas muito, muito longas, seguidas por um belo par de
coxas musculosas em calças perfeitamente ajustadas. A vista
continuou de uma maneira agradável à medida que mais do corpo
masculino forte e primorosamente esculpido aparecia através do
alçapão.
Henri desviou os olhos antes que ela pudesse ser pega
espiando, mas só conseguiu ecoar os sentimentos anteriores de
Annie sobre o assunto. Bonito mesmo. Ela olhou para cima quando
o homem saltou para o chão com a furtividade de alguém que
estava bem acostumado a se movimentar nas sombras, e ele era
bastante hábil nisso, apesar de seu tamanho. Os seus olhos
arregalados novamente encontraram um par familiar de olhos azuis
brilhantes, embora dessa vez o pirata era quem parecia assustado.
— Que diabos você está fazendo aqui? — perguntou ele,
parecendo surpreso e nem um pouco satisfeito com sua presença.
A máscara preta não estava mais lá, mas a expressão que ele
usava era tão ameaçadora quanto. Por um momento, Henri tremeu
ao perceber o quão precária era sua posição agora, mas quem está
na chuva é para…
— Eu tenho algo que pertence a você — disse ela, com o
coração batendo tanto que ameaçava escapar de sua caixa
torácica. Ela engoliu em seco e torceu para que não demonstrasse o
medo em seu rosto.
Para sua surpresa, sua expressão se suavizou. Ele deu um
passo em sua direção e estendeu a mão. — A carta — disse ele,
com a voz baixa. — Não havia necessidade de trazê-la para mim,
você se arriscou muito.
Ela assentiu e a culpa encheu seu coração quando percebeu
que ele pensava que ela procurava protegê-lo mais uma vez. Ele se
virou para o homem corpulento ao lado dele. — Pode ir, Mousy,
volte lá para baixo. Eu resolvo isso aqui.
Mousy olhou para ela, seus olhos cheios de desconfiança. Ele
cruzou os braços e seu enorme bíceps puxou o tecido de sua
camisa surrada. — Lars — rosnou ele, o que ela presumiu ser o
nome do pirata. Havia preocupação em seus olhos. — Ela falô que a
milícia tá no Mercado.
O pirata olhou para ela, com uma expressão dura, agora. Ele
virou para Mousy mais uma vez e acenou com a cabeça. — Mande
alguém vigiar o beco e ao redor da Praça do Mercado — disse ele.
— Eu quero saber se esses bastardos ousarem olhar na minha
direção.
— Sim, capitão — rosnou o grandalhão. Henri se espremeu
contra a parede enquanto seu volume passava no espaço confinado
do corredor, e ela foi deixada sozinha com o Capitão Savage.
Ele olhou para ela por um momento e ela lutou contra o desejo
de corar e gaguejar um pedido de desculpas por perturbá-lo.
— Siga-me, então — disse ele, seguindo um pouco adiante pelo
corredor e abrindo uma porta. — Podemos conversar aqui.
Henri foi atrás dele e parou na soleira da porta ao notar a cama
dentro do quarto. Ela olhou para ele por um momento, mas não
havia como voltar atrás. Decidida, ela entrou e fechou a porta atrás
de si. Não fazia sentido perder tempo com trivialidades. Ela estaria
totalmente arruinada agora se fosse descoberta, com cama ou sem
cama.
Ela franziu o rosto com raiva ao perceber que ele tinha visto seu
desconforto. Ele estava sorrindo para ela e seu aspecto era
insuportavelmente presunçoso. Seus olhos se dirigiram para a cama
e de volta para ela, e ele levantou uma sobrancelha.
— Que tal me entregar a carta de volta primeiro, hein? — disse
ele, com uma risadinha discreta.
Ela percebeu que ele acreditava que ela tinha vindo em busca
de outro beijo… na melhor das hipóteses. Raiva e indignação
pareceram endurecer sua determinação e sua coluna. Ela olhou
para ele com todo o desdém, providos por seu nobre nascimento, a
alguém muito abaixo dela.
— Eu não a trouxe — disse ela, permitindo-se um pequeno
sorriso diante de sua confusão. — Na verdade — acrescentou ela,
com um sorriso conhecedor —, eu não a tenho aqui comigo no
momento.
O ar ao seu redor parecia tremer quando a suspeita ganhou vida
em sua expressão. — E por que não, milady? — Ele se apoiou no
poste da cama e ela se transformou no objeto de seu intenso
escrutínio.
Um tremor de inquietação vibrou em seu peito quando ela
interpretou o tom de sua voz e o lampejo de raiva apenas visível em
seus olhos.
— Porque acredito que seja algo que tenha algum valor, algo
que talvez você não esteja querendo que caia nas mãos erradas. —
Ela ficou surpresa por ter pronunciado a frase sem gaguejar e sem
tremer a voz. Na verdade, ela parecia perfeitamente fria e
totalmente calculista, o que a alarmou quase tanto quanto a fúria na
expressão dele.
— Como assim sua pequena… — Ele pareceu comer o final da
frase, deixando a palavra que ele poderia ter pronunciado pairando
no ar entre eles. Henri corou, mas descobriu que ela não podia
culpá-lo. Ele tinha todo o direito de ficar furioso.
Dando um passo para trás, ela notou que os punhos dele
estavam cerrados, e ela sabia que deveria ficar apavorada. Ele não
era um cavalheiro, mas um pirata. Só Deus sabia por quais crimes
desprezíveis ele era responsável, e ela tinha vindo aqui sozinha… e
o havia irritado. Ninguém ficaria nem um pouco surpreso se ela
fosse encontrada morta em uma rua qualquer depois que
soubessem o que ela havia feito e, ainda assim, ela não acreditava
que ele a machucaria. Apesar de sua raiva óbvia, ele não fez
nenhum movimento na direção dela, e embora murmurasse
palavrões obscenos, ele não fez nenhuma ameaça.
Ela enxugou as mãos suadas nas dobras grossas de sua peliça
de veludo e respirou fundo. — O que quer que você possa pensar
sobre mim, o que eu sou, senhor, é devido ao desespero — disse
ela, sentindo que lhe devia alguma pequena explicação e soando
ofegante, agora que a raiva pela situação em que ela se encontrava
a deixava emotiva. Ela falou com cuidado, tentando parecer calma,
pelo menos. No entanto, ela não queria chantageá-lo, mesmo que
ele não fosse exatamente um inocente. — Lamento que o seu
infortúnio seja o único meio para me livrar de uma situação
insustentável, mas o fato é que me ajuda, e pretendo usar essa
carta da maneira que melhor me servir. — Sua voz tremeu e ela
apertou as mãos para fazê-las parar de tremer. Mesmo assim, ela
ergueu a cabeça e observou sua resposta.
Ele havia começado a andar pela sala enquanto ela falava,
apenas parando para lançar olhares de frustração e raiva. —
Quanto? — rosnou ele.
Ela hesitou antes de deixar escapar a quantia que sabia que seu
pai devia. — Três mil e quinhentas libras.
A enormidade da soma parecia crescer exponencialmente nos
arredores surrados do quarto da pousada. Para seu espanto, no
entanto, ele não reclamou ou xingou ela. Ele riu. Ele riu tanto que
seus olhos lacrimejaram e precisou apertar desesperadamente o
peito em busca de ar para respirar. O seu divertimento não agradou
nada à Henri. No entanto, ela teve que lutar contra o desejo de bater
os pés e gritar com ele para parar. Em vez disso, ela permaneceu
quieta e observou-o com uma dignidade silenciosa até que uma
batida brusca na porta interrompeu seu momento de alegria.
— Quem é? — gritou ele, sua mão deslizando para a espada
em seu quadril.
— Mousy — berrou uma voz familiar. — Mexe teu traseiro,
capitão, os Casacas-Vermelhas tão rastejano pelas rua e vindo na
nossa direção.
Henri sufocou um suspiro de terror quando lhe ocorreu
exatamente o que isso significaria se ela fosse encontrada aqui.
— Desgraçados! — disse ela em uníssono com o capitão, que
se virou para olhar para ela com um sorriso sombrio.
— Bem, pode apostar que eu vou cair em desgraça, milady —
rosnou ele, cruzando o quarto em direção a ela e agarrando-a pelo
braço. Ela respirou profundamente enquanto ele olhava
furiosamente para ela, aqueles olhos azuis vibrantes cheios de raiva
e frustração. — Fale a verdade, isso é obra sua? — perguntou ele,
sua voz mais baixa agora. — Você me entregou? A quantia da
recompensa pela minha cabeça é muito maior que esse valor.
— Nã-não — gaguejou ela, assustada tanto por sua proximidade
quanto pela dolorosa força com que ele a segurava. — Não, senhor,
eu juro. Nunca quis ver você enforcado. Na verdade, eu não posso
ser encontrada aqui, eu vou ser arruinada e tudo isso terá sido em
vão. — Ela não precisava fingir para que ele visse o medo em seus
olhos; ela tinha certeza de que estava perfeitamente visível
enquanto piscava para conter as lágrimas que ameaçavam
envergonhá-la.
Ele bufou e balançou a cabeça, mas acabou soltando-a. Em
seguida, foi em direção à janela para olhar para a rua. — Perdoe-
me, mas não posso deixar de observar que aqui se faz, aqui se
paga.
Henri se sentiu ofendida, suas lágrimas foram esquecidas à
medida que sua raiva aumentava mais uma vez. Não que ela
pudesse contestar a verdade de suas palavras, mas, ora essa, era o
sujo falando do mal lavado. — Bem, senhor, não posso deixar de
observar que a milícia vai dizer a mesma coisa para você — sibilou
ela, ansiosa para dar um tapa em seu rosto arrogante e presunçoso.
— E — acrescentou ela, imaginando se talvez não estivesse soando
um pouco histérica —, você pode ter certeza de que vou entregar a
eles essa carta se você não fizer tudo ao seu alcance para me tirar
daqui!
Ela reservou um tempo para agradecer a Deus que ele não
parecia ter qualquer um dos estranhos e pagãos poderes
sobrenaturais que às vezes são atribuídos a homens de sua laia que
passam muito tempo no exterior, mas seu olhar em resposta às
suas palavras certamente era capaz de matá-la na hora.
— Ah, pode deixar que eu vou tirar você daqui — disse ele, com
a voz cheia de repulsa enquanto caminhava para a porta e mais
uma vez agarrava seu braço. Ele a guiou atrás dele, parando por um
momento antes de abrir a porta. — E para sua informação, eu teria
feito isso sem sua ameaça — murmurou ele, e ela recuperou o
fôlego enquanto o azul em seus olhos lampejava como um raio. —
Seria bom você lembrar que eu sou o pirata e assassino —
acrescentou ele, com uma expressão de desdém —, e você é
aparentemente uma dama. — Ele olhou para ela com tanto
desprezo que ela sentiu o calor aquecer suas bochechas. — Você
entende que eu só mencionei isso porque você parece estar
querendo fazer o meu papel.
Ela piscou, rapidamente, determinada a não deixar com que ele
a visse desmoronar. Nunca haviam falado com ela de tal maneira,
nem nunca tinha falado com tal tipo de homem, e o choque disso
era difícil de suportar, enquanto tentava manter a compostura. O
problema foi rapidamente resolvido, de qualquer modo, quando ela
foi empurrada pela porta e instruída a mover seu maldito traseiro.
Ela obedeceu com tanta pressa quanto suas saias permitiam e,
silenciosamente, xingou todos os homens do mundo.
Capítulo 4
“No qual a nossa heroína é forçada a fugir.”

Henri pensou que, se alguém tivesse previsto que ela estaria


correndo como o diabo foge da cruz pela cidade no meio da noite na
companhia de piratas e assassinos, ela teria chamado esse alguém
de louco. Mas ela estava de fato correndo pela cidade no meio da
noite na companhia de piratas e assassinos, e ela estava
desconfortavelmente ciente de que deveria estar praticamente
louca. O que quer que a tivesse compelido a embarcar nessa
malfadada empreitada não poderia ser firmemente trazido à mente
neste momento. De fato, os gritos dos homens e o alarmante
barulho de tiros focaram a sua mente, de maneira soberba, no
trabalho de se manter viva enquanto todos ao redor corriam para se
salvar.
— Por aqui — gritou Savage por cima do ombro enquanto Henri
puxava suas saias mais uma vez e tentava acompanhá-lo. Eles iam
em direção à praia e ela presumiu que haveria um barco esperando.
O que aconteceria com ela depois disso, ela não tinha ideia. Tudo o
que importava nesse momento era fugir dos Casacas-Vermelhas.
Ela simplesmente não poderia ser descoberta ou tudo estaria
perdido.
Ela gritou quando um soldado apareceu por trás de uma
construção em ruínas e se atirou em cima de Savage. Encolhendo-
se contra a parede, ela assistiu horrorizada enquanto os dois
homens lutavam. Os golpes de metal contra metal pareciam explodir
em seus ouvidos, fazendo-a estremecer. Além disso, ela estava
totalmente despreparada para enfrentar a violência que estava
testemunhando. Ler sobre essas coisas nos jornais, no conforto de
sua própria casa, era uma coisa, porém ver isso acontecer diante de
seus olhos era outra bem diferente. O nome Capitão Savage lhe
parecia perfeitamente adequado, uma vez que ele superou seu
oponente e lançou a espada do soldado pelos ares até pousar nos
paralelepípedos. Para sua surpresa, porém, ele não apunhalou o
homem como imaginava que ele faria.
— Corra, seu tolo — sibilou ele, mas o soldado, apesar do terror
em seu rosto, rolou para o lado e se lançou em direção à espada.
Ele correu de volta para seu inimigo e, com terror e repugnância, ela
viu o capitão apunhalá-lo, sem hesitar por um momento sequer. Ela
gritou então, quando o sangue jorrou de uma ferida na lateral do
homem e ele caiu no chão com um grito terrível de dor. Entretanto, a
luta não tinha acabado, já que outro soldado apareceu para
substituir o primeiro.
— Corra! — berrou ele para ela, e ela gritou novamente quando
uma mão agarrou seu braço e Mousy começou a puxá-la pelas ruas.
— Leve-a para o barco! — gritou Savage.
— Mas… — começou ela, apontando quando viu mais um
Casaca-Vermelha se juntar ao primeiro, e o capitão se virou para
enfrentar a nova ameaça.
— Vambora! — rugiu Mousy, puxando seu braço com tanta força
que quase caiu de bruços nas pedras escorregadias. — O Lars vai
dá um jeito neles.
Enquanto corriam, ela olhou ao redor, esperando uma
oportunidade para se esconder, para poder escapar
silenciosamente, uma vez que os Casacas-Vermelhas continuaram
a perseguir os piratas. Mas, infelizmente, a cobertura era escassa e
o aperto de Mousy em seu braço era muito forte. A chance de
escapar dos piratas e da milícia era bem improvável. E então ela
correu, ofegante, nem um pouco acostumada a correr em tal ritmo,
uma vez que uma dama não deveria se exercitar dessa maneira.
Mousy soltou o braço dela, mas a apressou enquanto corriam pelos
degraus de pedra até a orla.
Ela tropeçou quando seus pés atingiram os cascalhos da praia,
pois a superfície sob as solas lisas de seus sapatos era
escorregadia e ela caiu, apenas para ser puxada novamente por um
forte par de mãos.
— Vamu lá — disse uma voz ríspida em seu ouvido, e ela olhou
para cima para ver o grandalhão do Mousy olhando para ela. —
Num para agora, não.
A verdade de suas palavras foi ilustrada pelo estalo agudo de
tiros muito perto deles. Ela sufocou um gritinho e permitiu que
Mousy a conduzisse pela praia. O Capitão Savage corria na direção
deles a uma velocidade vertiginosa.
— Mexam-se, maldição! — gritou ele, antes de pegá-la nos
braços, avançar no mar, jogando-a não muito gentilmente no barco
à espera deles.
Momentos depois, ela ouviu o barulho de cascalho e a batida
leve de água gelada contra os lados do pequeno barco – eles iam
em direção à escuridão profunda do mar. Henri agarrou a lateral do
barco com uma mão e apertou o xale firmemente em volta de si com
a outra. Logo, ela fechou os olhos e rezou. Uma parte ingênua de
seu cérebro insistia que isso era apenas um pesadelo, que ela não
estava realmente indo em direção a um navio pirata no meio da
noite, mas sim dormindo em sua cama. Infelizmente, quando ela se
atreveu a abrir um dos olhos, viu os Casacas-Vermelhas em
formação na praia, desaparecendo no horizonte enquanto atiravam
no barco. Tudo aquilo era muito real.
Mousy abaixou a sua cabeça e, em seguida, deu um pulo,
gritando. Logo após, desabou no barco, segurando seu ombro.
Sangue escorria entre seus dedos.
— Ele foi atingido — gritou ela aterrorizada, antes de levantar-se
de seu assento para permanecer ao lado do grandalhão, cujo rosto
estava contorcido de dor. — Deixe-me dar uma olhada — exigiu ela,
tentando gentilmente afastar sua grande mão da ferida. — Está
limpo — disse ela, inspecionando o buraco no alto de seu ombro. —
Atravessou pelo outro lado. Eu não acho que tenha quebrado nada.
— Pode ser — resmungou Mousy. — Mas dói como o diabo.
Henri ficou tentada a dizer que ela ainda podia sentir o
machucado que ele havia deixado em sua nádega direita, mas
parecia grosseiro nas devidas circunstâncias.
— Obrigada — disse ela, estendendo a mão e apertando a dele,
que era aproximadamente do tamanho de um pedaço grande de
presunto.
Mousy deu de ombros e parecia envergonhado. — Sem
problema — murmurou ele, parecendo estranhamente
desconcertado.
Ela olhou para cima e viu que o Capitão Savage olhava para ela
com curiosidade.
— Ele está bem?
Ela assentiu. — Ele vai sobreviver — disse ela, imaginando se o
mesmo poderia ser dito de si mesma. — Será necessário manter a
ferida limpa, você tem um cirurgião?
— Sim — disse ele, desviando o olhar. — No Moça Malvada.
— No… — repetiu ela, perplexa até perceber que ele estava se
referindo ao seu navio. — Ah!
Ela olhou de volta para a praia, e as luzes cintilantes da cidade
brilhavam como estrelas. Eles podiam muito bem estar nos confins
do mundo, ela pensou, pois, suas chances de alcançá-los
novamente eram tão improváveis, à medida que o barco navegava
para cada vez mais longe. — O que você vai fazer comigo? —
perguntou ela, mantendo os olhos baixos e ouvindo sua própria voz
frágil e desajeitada contra o som dos remos na água e os grunhidos
dos homens enquanto trabalhavam duro.
Ela ouviu um bufo de diversão do capitão e olhou para cima com
apreensão.
— Ainda não me decidi — disse ele, embora a ameaça em seu
tom fosse bastante inconfundível. Ela engoliu em seco, dividida
entre o arrependimento e a tentativa de se acalmar. No final, ela
ergueu o queixo.
— Eu ainda tenho a carta — disse ela.
Através da luz da lua, seu sorriso assumiu uma qualidade
selvagem e cruel que fez sua pele formigar.
— Ah, você não tem mesmo, milady. Você mesmo me disse que
não tinha trazido, e agora você não tem como entrar em contato
com ninguém que a tenha. — Mais uma vez Henri sentiu um súbito
desejo de dar um tapa nele, ele era tão presunçoso. — E não
precisa fingir que você deixou com alguém por segurança, pois eu
não acredito em você. Ninguém sabe que você está aqui. Ninguém
sabe que você está longe de casa. Ou vai me dizer que alguém
sabe?
Havia diversão em seus olhos e ela cerrou os dentes. Maldito
homem. Ela começou a perceber que não estava sabendo lidar com
o Capitão Savage. Mas já era tarde demais.
Savage virou as costas para ela e começou a falar baixinho com
o resto de seus homens. Henri estremeceu e encolheu-se ainda
mais em seu xale. Ela observou, com a confiança esvaecendo,
quando o casco de um grande navio apareceu ao luar. Os rostos
dos homens, iluminados pelo branco-prateado da lua, apareceram
nas laterais do navio. Vozes flutuaram sobre a água e a percepção
de que ela estava prestes a se tornar uma prisioneira de repente
bateu em cheio. Finalmente, e um pouco tarde demais, ela sentiu
um medo desesperador. O que ela tinha feito?
Uma coisa era certa, não haveria dúvida de que ela não se
casaria com o maldito noivo agora.
— Sempre olhe pelo lado positivo, Henri — murmurou, para si
mesma.
Ela arquejou quando o pequeno barco bateu contra a lateral do
navio, atirando-a para o lado. Antes que tivesse tempo de se
endireitar, ela gritou de susto quando foi levantada e pendurada
sobre um ombro forte como um saco de batatas.
— Ponha-me no chão! — gritou ela, enfurecida. — Coloque-me
no chão, seu desgraçado. — Ela chutou, e desferiu golpes nas
costas largas sob suas mãos, sem sucesso. — Seu demônio! Eu
sou perfeitamente capaz de subir uma escada! — protestou ela,
sendo completamente ignorada.
Ela fechou os olhos quando seu captor começou a escalar, e a
visão da queda fez ela sentir que provavelmente colocaria tudo para
fora e vomitaria.
Uma vez no navio, ela se sentou na balaustrada e recebeu um
forte empurrão, caindo com um baque pesado no convés. Ela tinha
certeza de que seu traseiro estaria roxo pela manhã. Endireitando-
se o mais rápido que podia, ela tentou se levantar com o máximo de
dignidade possível.
A multidão, perambulando ao redor dela, levantou lamparinas
para inspecionar a carga do capitão mais de perto. Ela suspirou e
tropeçou de volta na balaustrada enquanto era inspecionada sob o
olhar furtivo de uma tripulação pirata que se aglomerava ao seu
redor. Seu coração alojado em algum lugar de sua garganta
aparentemente tentava escapar de seu corpo enquanto pulsava
aterrorizado, e se perguntou o que aconteceria com ela.
Olhos brilhantes e duros encontraram-se com os dela enquanto
ela absorvia os rostos morenos de homens cujas vidas eram vividas
como fugitivos nos mares, sem leis para restringi-los, senão aquelas
de sua própria criação. Houve risos e uma série de comentários,
como era de se esperar, obscenos sobre o saque do capitão e como
exatamente ele iria compartilhá-la.
O homem em questão pisou no convés e sorriu para sua
tripulação, aceitando seus parabéns com risos. A multidão se abriu
para ele à medida que ele se aproximava dela. Henri, por sua vez,
encarou-o furiosamente e pensou em cada palavrão que ela já havia
aprendido em sua vida e que gostaria de dizer para ele. Tendo
crescido com Annie, a lista era bastante extensa, e ela tinha toda a
intenção de usar cada um com ele.
— Pois bem, milady. — O Capitão Savage caminhou em sua
direção, tirou o chapéu e se curvou com um floreio teatral. — Como
você parece estar bem ciente, eu sou o Capitão Lars Savage, e a
quem tenho o prazer de me dirigir?
Henri alisou as saias de sua peliça, agora molhadas, olhando ao
redor dela enquanto seu coração batia com muita força e muito
rápido em seu peito. Uma vez lhe disseram que nunca se deve
demonstrar medo quando confrontado com um cachorro feroz. Ela
tinha a sensação de que o conselho lhe servia perfeitamente bem
naquela hora.
— Eu sou a senhorita Henrietta Morton — disse ela, aliviada por
não gaguejar. Ela assistiu surpresa o momento em que os olhos do
capitão se arregalaram.
— A menina do lorde Morton? — disse ele, claramente surpreso.
Henri deu um passo à frente. — Você conhece meu pai?
Savage franziu a testa. Ele parecia irritado com ela, embora ela
supusesse que era compreensível. — Claro que não conheço seu
maldito pai! — exclamou ele. — Mas eu sei que o nome Morton é
antigo.
A sua atenção foi desviada do capitão irritado, no entanto, pelo
espetáculo que Mousy estava dando ao subir pela balaustrada. A
sua camisa agora estava encharcada, manchada de sangue e
agarrada ao seu corpo volumoso.
— Onde está o cirurgião? — indagou ela, grata pelo ato
surpreendentemente altruísta de Mousy em protegê-la, dando-lhe
um pouco de coragem. — Essa ferida precisa ser cauterizada.
O olhar de aborrecimento no rosto do capitão aumentou. —
Mousy, desça do convés e vá ver o açougueiro. Não precisamos de
nenhuma babá aqui, obrigado. — Ele agarrou Henri, que fechou a
boca, irritada por sua rejeição.
Ele ficou olhando para ela por alguns segundos e ela não
conseguiu decifrar a expressão em seu rosto. Que diabos ele estava
tramando? A distância entre eles parecia diminuir, enquanto ele a
observava com o olhar enervante de um predador. Depois de tudo o
que aconteceu essa noite, Henri começou a entrar em pânico. A
respiração dela começou a ficar ofegante enquanto as
possibilidades do que ele estava pensando se apresentavam a ela
com uma clareza fria e cristalina.
— Jay — disse ele ao homenzinho com cara de rato, sem tirar
os olhos dela. — Leve-a para minha cabine.
Capítulo 5
“No qual um cordeiro mostra os dentes.”

Henri estremeceu de repulsa quando o homem com cara de rato


olhou para ela.
— Vamos lá, minha belezura — disse ele, segurando seu pulso.
Henri arrancou o braço do dele, mas ele apenas riu. Ela o viu mover
a mão até a pistola em seu quadril e bater nela com um dedo. — Se
você prefere assim, senhorita, mas você virá comigo agora, de uma
forma ou de outra.
Henri não teve escolha a não ser ir na direção em que
gesticulou. Desacostumada com o balanço do navio, ela tropeçou
um pouco e agarrou a balaustrada para se firmar.
A luz sombria lançada pela lamparina carregada pelo Cara de
Rato na escuridão do convés, juntamente com o brilho de interesse
nos olhos dos homens em cantos escuros, a deixaram acuada. Ela
ergueu a cabeça, embora suas bochechas estivessem queimando
de humilhação, e fez questão de encarar o olhar de cada homem
que ela encontrou, mesmo tremendo tanto que eles deveriam ser
capazes de perceber.
Se ela esperava envergonhá-los, ficou desapontada. Ela não
encontrou nada além de diversão em seus olhos, e outras
expressões sobre as quais ela preferia não ficar pensando.
No entanto, eles não foram autorizados a ficar parados por
muito tempo, pois a voz do capitão ecoou acima da água, gritando
instruções que eram incompreensíveis para ela, mas que faziam os
homens correrem para o cordame como macacos e puxarem
cordas. Acima de sua cabeça, o estalo e o bater do tecido pesado
rasgavam o ar enquanto as velas ondulavam, vastas e
fantasmagóricas contra o céu noturno enquanto o vento as inflava e
as cordas rangiam em protesto quando a tensão repentina as
esticava.
Ela seguiu até onde o Cara de Rato gesticulou que deveria ir e
tentou manter sua dignidade intacta sem recorrer às lágrimas, pelo
menos por enquanto. Mas o horror da realidade de sua situação
tornava difícil de fazer qualquer coisa, além de colocar um pé na
frente do outro, lutando para não cair enquanto o navio ganhava
velocidade. O Cara de Rato abriu a porta da cabine e inclinou a
cabeça, gesticulando para ela entrar. Não que ela tivesse alguma
escolha. Ela entrou e o viu pendurar a lamparina em um gancho
antes de olhar ao redor do cômodo. Antes que ela pudesse dizer
qualquer coisa, ela ouviu a porta se fechar atrás dela e o escorregar
da chave na fechadura.
Ela se considerava sortuda por ele ter pelo menos deixado a
lamparina. Ela afundou com as costas na parede da cabine,
tremendo tanto que seus dentes batiam, e segurando as lágrimas. A
histeria não a ajudaria, embora o desejo de ceder a ela fosse um
pouco irresistível. O que, em nome de Deus, ela deveria fazer?
Ela olhou em volta, imaginando se talvez conseguiria encontrar
uma arma. Pelo que ela podia ver na penumbra, o local era
dominado por uma grande escrivaninha, coberta de pergaminhos e
mapas e um número desconcertante de livros aglomerados em
pilhas organizadas onde quer que o espaço permitisse.
Ao longo da parede direita havia um pesado armário de
carvalho. As portas foram deixadas abertas e mostravam prateleiras
cheias de mais pergaminhos e livros. À sua esquerda havia um
beliche compacto, cuidadosamente arrumado. Um grande baú
estava ao pé da cama, ele sem dúvida continha os restos dos
saques desses homens, e deveria estar bem trancado. Além disso,
belas pinturas com molduras douradas estavam penduradas nas
paredes.
Tudo no quarto era surpreendentemente confortável e limpo,
mas frio no ar gelado da noite de inverno. Ela olhou em volta
esperando encontrar uma lareira para acender, mas não havia nada.
Ela estremeceu. A vida a bordo de um navio deveria ser muito boa
nos trópicos, mas durante um inverno inglês ela duvidava que
houvesse como recomendá-lo.
Após encontrar uma cadeira, instalou-se atrás da grande
escrivaninha, sem vontade de ficar mais confortável na cama. Mas o
som da chave girando mais uma vez a fez saltar de susto.
O capitão parou na porta, examinando-a, e ela desejou poder
ver mais de sua expressão. — Fico feliz em ver que você está se
sentindo em casa.
Henri quebrou a cabeça desejando que pudesse pensar em
algum comentário ácido, mas as únicas palavras que vieram foram
pedidos para que ele a deixasse ir. Ela apertou os lábios com força.
Ela não seria vista implorando, pelo menos ainda não. Ele
atravessou o cômodo e pegou uma garrafinha redonda de gargalo
comprido e dois copos, e encheu os dois.
— Aqui — disse ele, não de maneira indelicada, embora
houvesse uma expressão de alerta em seus olhos quando ele
entregou o copo a ela. — Vai lhe aquecer um pouco.
Ela tomou o copo dele, praticamente arrancando a mão para
trás quando seus dedos se encostaram. A contragosto, ela se
lembrou de um momento no início do dia, quando eles se tocaram
um pouco mais intimamente, lembrou-se da sensação de seu corpo
duro pressionado contra o dela e da suavidade de seu cabelo
quando seus dedos afundaram nele. Teria sido mesmo esta manhã?
Ele riu e ela estava bem certa de que ele sabia o que ela estava
pensando e estava gostando de seu desconforto.
— Você deve me levar de volta — disse ela, segurando o copo
com tanta força que os nós dos dedos embranqueceram. — Antes
que alguém perceba que eu sumi. Se o fizer, juro que lhe darei a
carta sem dizer mais uma única palavra. Você pode seguir seu
caminho, e eu seguirei o meu.
Ela o observou enquanto ele parecia considerar. Seus olhos
brilhavam sob a luz da lamparina, e ela pôde ver como ele calculava
friamente, sem empatia aparente. Sem dúvida, essas eram
qualidades que o tornavam um pirata tão implacável e bem-
sucedido.
— Por que eu deveria fazer tal coisa? — Ele deu a volta em sua
mesa e ela se afastou dele, circulando para o outro lado enquanto
ele se sentava, colocando os pés para cima. — Você tentou me
chantagear. — Ele a encarou, sem piscar. — Se você fosse um
homem, já estaria morto.
Não havia emoção em sua voz nem ameaça. De alguma forma,
isso o tornava ainda mais aterrorizante. Ele estava simplesmente
afirmando um fato. Ela se lembrou do momento em que ele havia
eliminado o soldado nas ruas de sua cidade. Aparentemente, não foi
difícil para ele fazer isso.
— Sim — disse ela, sua voz obviamente traindo seu medo,
embora esperasse que seu desgosto ficasse bem evidente. — Você
parece bastante adepto ao assassinato, preciso admitir.
Ele bufou, seu rosto plácido. — Eu dei a ele a chance de correr,
mas ele fez a sua escolha. Eu deveria ter deixado ele me matar?
— Ele estava apenas fazendo seu trabalho! — rebateu ela,
surpresa com a ferocidade de suas palavras. De qualquer forma, ela
não tinha desmaiado, isso já era algo, pelo menos. Mesmo que as
coisas dessem muito errado, por que não tentar?
Ele parecia igualmente surpreso com sua raiva e sorriu para ela.
— Como o trabalho dele era me matar, você vai me perdoar se eu
discordar disso.
— Ele era filho de alguém! — disse ela com fúria, horrorizada
com seu humor frio. — Haverá uma família enlutada pela perda dele
por sua causa… seu… demônio!
Os seus olhos escureceram e ela respirou fundo, recuando um
passo e se perguntando se ela tinha ido longe demais. Ela seria
uma tola se esquecesse a natureza precária de sua posição.
— Eu… também sou filho de alguém, minha cara lady Morton,
caso você tenha se esquecido que eu sou menos que um humano.
Mas eu tenho que admitir que haveria poucas pessoas para enlutar
os meus restos mortais. — Havia um escárnio em suas palavras e
zombaria em seus olhos, embora ela sentisse que era mais dirigido
a si mesmo do que a qualquer outra pessoa, aquilo a fez refletir
sobre o assunto.
— Sim, um filho da puta — xingou ela, desafiadora novamente
e, então, condenando sua língua afiada que mais uma vez tinha
deixado aquelas palavras escapar, antes que ela considerasse as
consequências.
O olhar que ele lançou a ela gelou seu sangue e a obrigou a
calar a boca.
— Sim — murmurou ele, seu tom enviando arrepios sobre sua
pele. — Que belo exemplo de mulher, uma verdadeira dama.
Ela cruzou os braços, esperando parecer confiante, embora na
verdade estivesse tentando disfarçar que suas mãos estavam
tremendo. — Então parece que devo ser grata pelo fato de ter
nascido mulher — disse ela, sem tentar disfarçar seu desprezo. —
Há uma primeira vez para tudo, suponho.
Ele franziu a testa, com uma expressão curiosa, quando pegou
a garrafa e serviu outra dose. — Por que você diria isso?
Ela olhou de volta para ele, com os olhos arregalados. Nunca
deixava de surpreendê-la que os homens acreditavam que as
mulheres deveriam ser gratas só por terem nascido; que elas
deveriam se contentar em ser consideradas propriedade sem
direitos próprios, a serem dadas por seus pais para se casarem com
outro homem, que, por sua vez, as possuiria.
— E por que não? — A atitude dele tocou no ressentimento que
a enfurecia desde bem pequena e tinha entendido pela primeira vez
as restrições de sua vida como uma menina. Ela bufou à medida
que sua óbvia falta de compreensão fazia sua carranca se
aprofundar. — Diga-me, por que você é um pirata? Existem muitas
maneiras honestas de trabalhar no mar.
Ele tirou os pés da mesa e se inclinou para a frente,
observando-a com uma expressão intensa. — Tenho a sensação de
que você tem a resposta para isso — disse ele.
Havia diversão em seus olhos e ela sentiu uma faísca de raiva.
— Porque você não gosta de regras, porque você não gosta que te
digam o que fazer e quando fazê-lo. Porque você quer ser livre.
Ela observou enquanto ele sorria, um sorriso lento que mudou
seu rosto. Devido ao medo que sentira nas últimas horas, ela havia
esquecido o quão bonito ele era. Aquele sorriso a fez lembrar disso,
e ela foi transportada novamente para o momento na loja em que
ele a puxou para perto e a beijou.
— Bem, você está parcialmente certa — disse ele, e ela lutou
contra o rubor que sentia por baixo de sua pele enquanto seus olhos
viajavam por seu corpo. — Não é por isso que me tornei um pirata,
mas é por isso que continuo sendo um.
Ela sabia que ele não responderia à pergunta, mas ela
perguntou, de qualquer maneira. — Então por quê? O que te atraiu
para essa vida, se não a liberdade e a aventura?
Ele riu novamente, e foi um som aconchegante que retumbou
através dela. Um som agradável, ela teve vontade de ouvi-lo
novamente. Era muito fácil esquecer do medo no calor daquela
risada e ela percebeu que esse era o poder que ele tinha, aquela
personalidade descontraída e sedutora que fazia as esposas
sequestradas quererem ficar com ele em vez de voltar para suas
vidas. Seus longos dedos acariciavam a lateral de seu copo
enquanto ele a estudava.
— Ah, não. — Ele balançou a cabeça, sorrindo e esfregou a
barba no queixo com a mão calejada. Henri desviou o olhar,
imaginando por que aquelas mãos prendiam tanto sua atenção. —
Eu perguntei primeiro, afinal — disse ele —, e você ainda não
respondeu.
Ela bufou e afastou-se dele, contrariada. — Sim, eu respondi —
retrucou ela, asperamente. — Se você tivesse se prestado a
escutar...
Henri bebericou sua bebida, aproveitando pelo menos o calor
que queimava em sua garganta e envolveu os braços ao redor de si
mesma. A temperatura congelante estava penetrante agora e ela
estremeceu. Ela estava cansada, fria até os ossos e consternada
com o quanto as coisas deram errado.
Talvez os homens estivessem certos, ela deveria ter ficado feliz
com sua sorte. Talvez ela devesse ter colocado seus próprios
desejos e ambições de lado, contentando-se em sentar-se, costurar
e pintar, participar de conversas educadas, casar-se e ter filhos
como deveria — lutar contra isso nunca trouxe nada além de
problemas e insatisfação. Talvez ela fosse mais feliz se tivesse
aceitado o que lhe fora oferecido.
Ela não o tinha ouvido se mover, então, quando sua voz surgiu
bem atrás de si, ela deu um pulo.
— Você está querendo me dizer que anseia por aventura, que
quer ser livre?
Ela se virou para encontrá-lo de pé muito mais perto do que era
confortável. Para sua surpresa, não havia zombaria em seu tom,
apenas curiosidade em seus olhos. Ela piscou e desviou o olhar
dele. Ela não estava disposta a dizer-lhe que não sabia mais o que
queria.
— Não é o que todo mundo quer? — respondeu ela, ouvindo
seu próprio desespero e sabendo que o peso da desesperança era
evidente em sua resposta. Quantas pessoas no mundo eram
verdadeiramente livres, homens ou mulheres?
Ele soltou uma gargalhada. — Não. — Ele acenou
enfaticamente com sua cabeça e ela franziu a testa para ele. — A
maioria das pessoas não quer ser livre. Elas gostam da segurança
dos limites da sociedade. Isso faz com que elas se sintam seguras.
Tudo em ordem e em seu devido lugar.
Por um momento, ela se atreveu a olhar para ele, olhar para
aqueles olhos azuis e frios, e tentar ver o que ele realmente
pensava. Mais uma vez, ela não viu nenhuma condenação, nenhum
desprezo pela ideia de uma mulher querer ser livre, independente
de um homem. Ele parecia interessado, embora ela não fosse tola.
Esse interesse provavelmente só estava lá para descobrir a melhor
maneira que ele poderia lucrar com ela.
Ela virou de costas para ele. — Por favor, leve-me para casa.
— Temo que isso não seja possível. — Sua voz era fria e
inflexível. Ela se virou para exigir que ele explicasse, e cambaleou
enquanto o navio balançava para os lados. Seu copo escorregou de
sua mão e caiu no chão. Ele agarrou os braços dela, estabilizando-a
e irritando-se com o copo quebrado no chão de sua cabine.
— Estamos indo para onde? — indagou ela, quando percebeu
que o movimento havia aumentado de forma constante enquanto
eles conversavam.
Ele sorriu para ela, e desta vez a maldade que era ilustrada nos
contos de suas façanhas ficou muito clara. — Para bem longe daqui
— disse ele, mostrando uma fileira de dentes brancos.
Henri tentou se esquivar do alcance de suas mãos. — Deixe-me
ir! — Ela percebeu que realmente não importava se ela estava se
referindo aos seus braços ou para fora do navio, de qualquer
maneira ela precisava se afastar dele, por diversas razões. — Por
favor, você deve me deixar ir, certamente você não quer adicionar
sequestro à sua lista de crimes? — disse ela, com raiva.
Ela arquejou quando ele a puxou para mais perto, um braço
envolvendo sua cintura para segurar seu corpo contra ele.
Colocando as mãos no peito dele, ela o empurrou, mas tanto seu
aperto em torno dela quanto seu peito eram duros e imóveis.
— Você realmente acha que eu me importo com o motivo de
eles me enforcarem? — indagou ele, também com um tom irritado.
— Se eu for pego, tenho crimes suficientes para me condenar, você
acha que importa se eu for enforcado por pirataria ou pelo sequestro
de lady Henrietta Morton? Morte é morte.
— A única razão pela qual você não está balançando na ponta
de uma corda neste momento é porque eu lhe salvei — disse ela,
com a voz cheia de fúria enquanto a raiva superava o terror. — Não
tinha como sair daquela loja e você sabe disso. Eu salvei sua vida, o
mínimo que pode fazer é me levar de volta à terra firme antes de
você escapar.
Ela estava desconfortavelmente ciente de seu corpo duro
pressionado contra o dela, e de quão longe havia caído na sua
lábia. Ela estava em um navio com destino a Deus sabia onde, e
ninguém estava ciente de que estava desaparecida.
— Milady, se você não tivesse tentado me chantagear,
provavelmente nunca mais teríamos posto os olhos um no outro. Eu
estava realmente grato, e teria mantido a sua memória como algo a
ser valorizado. Eu achei você um encanto, alguém doce e inocente,
e estava feliz por ter roubado nada mais que um beijo de você. Foi
você que veio atrás de mim, foi você que manchou essa memória, e
foi você quem se enredou na minha vida. Você disse que queria
aventura — disse ele, rindo dela, embora parecesse tão zangado
quanto ela. — Acho que você deve ter cuidado com o que deseja.
— Seu bastardo insensível! — disse ela, agitando os punhos e
polvilhando seu peito com golpes raivosos. — O que você sabe da
minha vida? Eu disse que estava desesperada, era minha única
opção. Certamente você, entre todas as pessoas, consegue
entender isso. E isso só serve para mostrar o quão desesperada
estou agora, que eu gostaria de voltar a essa vida apenas para ficar
longe de você!
Ele pegou seus pulsos antes que ela pudesse causar mais
danos. — Bem, lamento desapontá-la, mas você não vai se afastar
de mim tão cedo.
Ele soltou as mãos dela e a puxou para mais perto, esmagando-
a contra ele e pressionando seus lábios contra os dela. Por um
momento, ela ficou tão atordoada que não conseguiu reagir. Quando
ela finalmente recobrou seus sentidos, no entanto, decidiu fazê-lo
lamentar que ele tivesse sido tolo o suficiente para liberar suas
mãos. Ela enfiou as unhas em seu pescoço até que ele sibilasse de
dor e ele agarrou suas mãos, mais uma vez. Ela então levantou o
joelho em um movimento brusco e raivoso que claramente o pegou
desprevenido. Ele gemeu e cambaleou para longe dela para se
apoiar em sua mesa, mas seu momento de triunfo durou pouco.
Para sua surpresa e fúria, ele começou a rir.
— Bem, suponho que mereça isso — disse ele, segurando a
parte dolorida com as duas mãos e se encolhendo.
— Pode apostar — disse ela, ofegante e reservando um
momento para agradecer a seu pai tolo e egocêntrico pela única
coisa sensata que ele já fez ao contratar Annie para criá-la. Pois foi
a sua criada que instruiu sobre a maneira mais rápida de dizer não a
um homem e garantir que ele não tivesse dúvidas de que falava
sério.
Ele se levantou e o coração dela começou a bater em seu peito
enquanto ele cruzava até o beliche. Ela observou com receio
enquanto ele puxava um cobertor da cama e começava a se mover
em sua direção. Ele parou, segurando o cobertor como uma oferta
de paz.
— Você está com frio — disse ele, oferecendo o cobertor mais
uma vez.
Com relutância, ela permitiu que ele se aproximasse o suficiente
para colocar o cobertor em seus ombros. Ela agarrou os cantos,
colocando-os firmemente em torno de si e movendo-se o mais longe
que o espaço confinado da cabine permitia, pisando
cuidadosamente ao redor do vidro estilhaçado.
— Acalme-se, milady. Você tem minha palavra de que ninguém
neste navio irá machucá-la de nenhuma forma. Inclusive eu —
acrescentou ele, com um sorriso irônico. — No entanto — adicionou
ele, com uma voz cortante —, você deve se acostumar com a ideia
de que agora é minha convidada e continua sendo minha convidada
a meu bel-prazer. Posso mudar seu status para prisioneira a
qualquer momento que me agradar.
Henri cerrou os dentes, olhando para ele, mas mantendo
cautela. Ela o observou, como um gato encurralado por um cachorro
feroz. Ela podia estar em menor número, mas usaria suas garras na
menor provocação. Para sua consternação, ele começou a se
aproximar dela mais uma vez e como ela já estava pressionada
firmemente no canto da sala, viu-se sem ter para onde ir. Ela ficou
tensa, sem acreditar em suas promessas anteriores por um
momento. Ele parou a poucos centímetros de distância dela e
estendeu a mão para enrolar uma mecha de cabelo em volta dos
dedos.
— Você gostou quando eu lhe beijei antes — disse ele, com a
voz baixa e rouca.
Henri sentiu um calor subir pelo seu corpo diante de sua
acusação, ela não podia fazer nada para negá-lo. Ele se inclinou um
pouco mais para sussurrar em seu ouvido e ela podia sentir o calor
irradiando dele.
— Você me beijou de volta.
— Eu pensei que nunca iria vê-lo novamente — respondeu ela,
inclinando-se mais contra a madeira gelada da parede da cabine e
desejando que ousasse alcançar a lâmina em seu quadril enquanto
ele ria novamente.
— Como você é uma dama nada convencional — disse ele,
aparentemente encantado. — Beijando um homem apenas quando
tem certeza de que nunca mais o verá.
— Eu te odeio — disse ela, as palavras destilando veneno,
falando com seriedade, sem se importar que soasse infantil.
— Bom — disse ele, e ela se esforçou para não ranger os
dentes enquanto o homem insuportável sorria para ela novamente
—, eu gosto de um desafio. E eu te prometo uma coisa… — Ele se
inclinou mais uma vez, colocando as mãos na parede de cada lado
de sua cabeça, prendendo-a enquanto sua respiração vibrava
quente contra seu pescoço, fazendo-a tremer. — No final desta
viagem, você me implorará para beijá-la.
Antes que ela pudesse pensar em uma resposta adequada à
sua sugestão ultrajante, ele virou-se e saiu da cabine, e mais uma
vez ela ouviu a chave girar na fechadura.
Capítulo 6
“No qual um pirata se encontra entre o diabo e o profundo mar azul.”

Lars sentou-se na beira da rede e observou suas botas com um


suspiro. A noite não tinha transcorrido como ele esperava, bem
longe disso. O fato de a milícia ter vindo atrás dele com tanta força
foi um choque desagradável.
A sua reputação um tanto romantizada e escandalosa como
pirata e corsário sempre fora uma fonte de diversão para ele. De
repente, sua fama propagada não era mais tão engraçada. Escapar
do mundo com seu navio e sua tripulação era uma coisa. Fazê-lo
com um fiapo ridículo de menina perseguindo seu rastro era outra
completamente diferente. Se ela tivesse mais de dezoito anos, ele
comeria o chapéu.
De repente, ele sentiu seus próprios vinte e sete anos pesarem
sobre ele com o peso de séculos.
— Bem, foi ocê que fez isso — disse Mousy, ecoando seus
próprios pensamentos.
— Se essa for a extensão de sua ajuda, eu quero meu rum de
volta, obrigado — respondeu Lars, estendendo a mão.
Mousy balançou em sua rede e agarrou a garrafa com seu braço
bom, abraçando-a no peito. — Bem, as coisas num precisa ser
assim. Num te obriguei a trazê a maldita mulher.
Lars suspirou e olhou para o grandalhão com impaciência. Ele
conhecia Mousy desde que ele era um garotinho. De muitas
maneiras, era inteiramente culpa de Mousy que ele estivesse aqui.
Mas ele não mencionou esse fato. Ele sabia que Mousy nunca se
perdoaria, de qualquer maneira, e na verdade seu estilo de vida e
reputação como pirata não era algo de que ele se arrependesse.
Embora houvesse outros motivos, muitos para contar.
Por um momento, ele considerou que sua vida poderia ter sido
de outra forma, e fez uma careta. Ele viveu muitas vidas naqueles
anos, mais do que a maioria dos homens jamais viveria. Não, ele
decidiu, ignorando a voz dissidente de sua consciência, não tinha
arrependimentos a esse respeito.
— O que eu deveria fazer? — indagou ele a Mousy, encarando-
o. — Deixar a maldita mulher lá? Afinal, ela é uma dama. Ele bufou,
imaginando quando ele tinha se tornado tão generoso. Uma dama
geralmente não andava por aí chantageando piratas, a menos que
as coisas tivessem mudado muito nos anos de sua ausência.
— Talvez — admitiu Mousy. — Mas uma mulhé a bordo num vai
causá nada além de problema, então, o que diabos cê vai fazê com
ela agora?
Lars levantou-se e pegou a garrafa de volta de Mousy,
segurando-a nos lábios e tomando um longo gole. Ele enxugou a
boca com as costas da mão.
— Maldição! Eu não sei — disse ele. Na verdade, ele teria
felizmente colocado-a de volta em terra firme na primeira
oportunidade, mas era muito perigoso. Ele precisava pôr o máximo
de distância possível entre ele e a costa inglesa, o mais rápido que
pudesse. A probabilidade de que algum caçador de recompensas
ficasse sabendo de sua chegada e decidisse lucrar com isso era
grande demais.
— Talvez tem uma recompensa pra nós por ela? — sugeriu
Mousy, com esperança iluminando seus olhos. Lars balançou a
cabeça e devolveu a garrafa.
— É melhor esperar sentado. Pelo que ouvi dizer, lorde Morton
não tem um centavo em seu nome. — Ele franziu a testa quando
percebeu que essa era provavelmente a razão pela qual a garota
estava tentando chantageá-lo. Ela estava com algum tipo de
problema? Ou apenas tentando pagar as dívidas de seu pai?
O simples fato desse tipo de ideia ter passado por sua cabeça,
fazendo com que atravessasse parte da cidade frequentada apenas
por contrabandistas e o lado mais sombrio da vida, deixou-o
atordoado. Ela disse que estava desesperada; devia ser mesmo
verdade para ela ter arriscado tudo.
Ele considerou como ela deve ter tido coragem ao entrar
naquela taverna sozinha e confrontá-lo. Bem, a menina era valente,
sem dúvida, ou isso ou ela estava tão desesperadamente em
apuros que iria correr qualquer risco. Ele franziu a testa quando as
possibilidades se apresentavam. Um homem, ele percebeu. Tinha
que ser um homem que a levara a tais extremos. A ideia o deixou
inexplicavelmente zangado, embora ele não soubesse por que ou
com quem.
— O que tá corroeno suas entranha? — perguntou Mousy,
observando-o com uma expressão curiosa. — Parece que cê
mastigô um gorgulho.
Lars bufou e balançou a cabeça. — Nada — disse ele, e tentou
transformar sua expressão em algo mais plácido. Qualquer que
fosse o problema em que a garota tola tinha se metido, não era da
sua conta.
— A gatinha tem garras, pelo que vejo — acrescentou Mousy,
gesticulando com a garrafa para os arranhões em seu pescoço.
— Sim — respondeu Lars, estremecendo. — E uma língua
afiada para combinar.
Eles se sentaram, em silêncio, por um momento, as redes
balançando em um movimento de calmaria até que Mousy falou
novamente.
— Disse pra ocê que era uma má ideia voltar praqui.
Lars olhou para ele. — Bem, você está cheio de conselhos úteis
e conforto esta noite, meu amigo.
Encolhendo os ombros enormes, Mousy olhou para a garrafa de
rum com uma expressão sombria. — Sinto que sô o responsável —
murmurou o grandalhão, parecendo sombrio.
Soltando um suspiro, Lars olhou para ele, exasperado. — Isso
de novo, não! Por Deus, homem. Tive dez anos para me acostumar
com esse modo de vida e, devo admitir que fiz um trabalho muito
bom, então pare de se lamentar. Você não colocou uma arma na
minha cabeça e eu nunca culpei você, então pare de se dar mais do
que você tem direito de receber.
Ele observou como Mousy tomava um gole longo e balançava a
cabeça, uma expressão triste em seu rosto. — Num muda nada,
essa num era a vida que cê devia ter levado e cê sabe disso, tão
bem quanto eu.
— O médico lhe deu o láudano? — indagou ele, e chiou quando
Mousy acenou com a cabeça, com razão o maldito bastardo estava
ficando sentimental.
— Como está o seu ombro? — perguntou ele, desviando a
conversa do passado para um terreno mais seguro.
Mousy experimentou girar o membro machucado e fez uma
careta. — Eu vô viver — disse ele, com um sorriso torto.
Lars assentiu. — Certifique-se que sim. Já tenho problemas
suficientes sem que você morra por minha causa. — Ele se levantou
e deu um tapinha caloroso no braço de Mousy.
O homem enorme gemeu. — Ah, seu patife de coração sombrio
— murmurou ele. — Ocê vai me pagá por isso.
— Eu sei — respondeu Lars, com um sorriso alegre, antes de
voltar para o convés.
O frio intenso e cortante da noite de novembro atingiu-o
enquanto caminhava ao longo da balaustrada. Depois de tantos
anos em climas mais quentes, a ferocidade de um inverno inglês
veio como um choque e trouxe de volta memórias.
Lareiras e bolinhos, o forte cheiro de sal de uma praia repleta de
algas marinhas depois de um vendaval, cavalgadas nas manhãs
geladas e o retorno a uma casa calorosa e acolhedora, cheia de
amor e risos. Pensamentos de um lugar que já fora sua casa
voltaram a assombrá-lo. Ele não pensava naquela vida há muito
tempo, não se permitia. Qual era o sentido de remoer o passado?
Especialmente quando ele fez tanto mal para aqueles que
amava. Mas agora ele se lembrava de um lugar onde tinha sido
feliz, mais feliz do que ele tinha percebido na época.
Mesmo sob o brilho do luar, a borda irregular do litoral, que uma
vez lhe fora tão familiar, era difícil de distinguir. Ele tinha sido um
tolo em voltar aqui. Não havia nada aqui para ele além de
fantasmas.
Entretanto, parecia que pelo menos havia um a menos do que
ele acreditava. Por isso, ele ficou desesperadamente aliviado e
grato, e sorriu para a verdade disso. O fardo desse conhecimento
tinha sido um peso em torno de seu pescoço e seu coração por toda
a sua vida. Agora tinha ido embora. E, no entanto, tudo o que ele
fez, tudo o que ele se tornou, foi por causa desse conhecimento.
Saber que esteve errado todo esse tempo, que ele não estava
amaldiçoado, afinal, fez com que um sentimento agridoce o
envolvesse. Apenas suas ações desde aquela fatídica noite
colocavam a corda em seu próprio pescoço.
Ele balançou a cabeça, erguendo o rosto e saboreando a
ardência fria da espuma do mar contra sua pele. Ele teve o que
merecia, e não havia mais ninguém para culpar, não importava o
que Mousy pensasse. O que quer que tivesse acontecido com ele,
ele era o único responsável, e ele passaria o resto de seus dias
exilado.
Não que houvesse um lugar para onde ele pudesse voltar agora.
Ele havia rompido vínculos há muito tempo e, além disso, teve
muitos anos para se acostumar com a ideia. O que era mais difícil
era saber que a vida que ele havia criado para si mesmo também
havia acabado.
Wellington tinha derrotado Napoleão, e a guerra acabado. A
Europa tinha voltado sua atenção mais uma vez para os corsários
de Barbária, e qualquer tolo poderia ver que os piratas eram uma
raça em extinção.
Ironicamente, ele descobriu que não podia chorar por muitos
dos homens que sofreriam. A maioria fizera fortuna no comércio de
escravos, que ele sempre achara abominável. Mas não seria mais
possível apanhar os gordos navios mercantes americanos, levar
suas cargas e resgatar seus passageiros mais ilustres, como era
seu próprio modo de trabalhar no Mediterrâneo.
Trípoli, Túnis, Argel, todos estavam perdidos para ele. Fora de
alcance, a menos que ele desejasse encontrar seu navio explodido
na água e fosse ter o mesmo destino de Jack Ketch, com o pescoço
esticado em uma corda.
Que levou à pergunta seguinte: e agora?
Ele não tinha resposta para isso. Não havia destino seguro, não
mesmo. Irritou-o que ele tivesse feito sua reputação em cima de seu
raciocínio rápido e determinação. Agora ele se sentia, quase que
literalmente, à deriva no mar.
Mousy estava certo sobre uma coisa, ele não tinha nascido para
esta vida. Ele tinha sido um cabeça de bagre idiota, tão verde como
veio ao mundo e fraco demais para sobreviver por muito tempo.
Aqueles primeiros dias tinham sido os mais miseráveis e
esclarecedores de sua existência. Mas, no final, foi literalmente
afundar ou nadar, e ele tinha optado por nadar.
Ele aprendeu a lutar e a xingar como o marinheiro mais
endurecido, e a se impor e lutar, mesmo morrendo de medo. Mas
ele também aprendera que sua língua rápida e seu senso de humor
vivo podiam dissipar as situações mais difíceis e, de alguma forma,
com o passar dos anos, o charme, a inteligência astuta e sarcasmo
genuíno o levaram a ser quem era: o Patife, capitão de um navio
pirata e com um preço por sua cabeça de tirar o fôlego.
Tudo isso era risível.
Dormir, ele decidiu. Ele precisava dormir. Ele mal tinha tido um
momento de descanso desde que a terra tinha sido avistada em sua
viagem malfadada até aqui. Agora, com a adrenalina de sua fuga da
milícia há muito dispersada, ele se sentia cansado até os ossos. Ele
voltou para sua cabine e ficou momentaneamente perplexo com o
motivo pelo qual a porta de sua cabine estava trancada. E, então,
ele se lembrou da maldita garota. Ele virou a chave da porta com
cuidado, tentando fazer o mínimo de barulho possível, e entrou na
cabine.
A lamparina ainda estava acesa e o quarto silencioso. Ele
aguardou, esperando a qualquer momento ser atacado com algum
item pesado ou pelo menos encontrar com a língua afiada da
senhorita Morton.
Com cuidado, ele tocou nos arranhões profundos no pescoço
com as pontas dos dedos e respirou profundamente. Mas tudo
estava quieto. Bem, ela podia parecer tão doce e inocente quanto
um gatinho, mas a megera tinha garras como Mousy havia
observado, e ele faria bem em se lembrar disso também. Um
sentimento do qual ele se esforçou muito para se lembrar enquanto
atravessava o quarto para encontrar a pequena atrevida enrolada,
dormindo em sua cama.
Ele estendeu a mão para a lamparina e a ergueu, de modo que
a luz suave e dourada caísse sobre o rosto dela. Com ou sem
garras, ela certamente parecia um anjo quando dormia. Cílios
longos, grossos e escuros varriam a curva de sua bochecha, seu
rosto cercado por cachos de mogno igualmente grossos, e seus
lábios macios e carnudos estavam ligeiramente separados. Por um
momento, ele se permitiu lembrar exatamente como sua boca tinha
sido suave e dócil na primeira vez que se encontraram. Ele se
lembrou do gosto dela, o choque em seus olhos castanhos quando
ela se entregou a ele, ao seu próprio desejo. Necessidade e luxúria
queimavam em seu sangue, e ele se lembrou com força de quanto
tempo fazia desde que se deitara com uma mulher.
Droga, como ele a queria.
Como se as coisas não fossem complicadas o suficiente. Ainda
assim, ao menos seduzir a enfurecida Henrietta Morton deveria
permitir-lhe um leve entretenimento durante a viagem, mesmo que
ele não tivesse ideia de qual poderia ser o destino.
Com um sorriso maroto que ele sabia que combinava
perfeitamente com sua reputação, ele se deitou na cama. Com
cuidado para não perturbar sua companheira adormecida, ele se
aconchegou atrás dela. Pelo menos ela estaria quente quando
acordasse. Ele riu, interiormente, enquanto imaginava a indignação
dela ao descobrir sua presença, e quão furiosa seria sua expressão
quando ela o cumprimentasse pela manhã.
Capítulo 7
“No qual um vilão é forçado a bancar o herói.”

Alexander Sinclair, o quarto conde de Falmouth, olhava para a


mulher à sua frente com bastante ceticismo. Apesar das garantias
de lorde Morton de que a mulher estava dizendo a verdade, tal
verdade parecia mais vinda de algum romance gótico bizarro sem
ter qualquer relação com o mundo real. Ainda assim, apesar de a
mulher parecer bastante inadequada para a tarefa de criada de sua
futura esposa, já que andava à vontade pelas ruas mais decadentes
perto do cais, ele sentiu que o medo e a angústia em seus olhos
eram de fato genuínos. Ou, pelo menos, ela acreditava que sua
história era verdadeira.
— Deixe-me ver se entendi direito — disse ele, mantendo seu
tom frio e cortante, e completamente desprovido de qualquer
emoção humana. Ele abominava manifestação de emoção de
qualquer tipo, e tinha sido forçado a falar com a mulher quando ela
parecia que iria sucumbir a um ataque de histeria alguns momentos
antes. — A senhorita Morton saiu de casa no meio da noite,
sozinha, e começou a percorrer o caminho até o Cabeça do
Pangaré, um local notório de contrabandistas e criminosos —
acrescentou ele. Ele balançou a cabeça, mais uma vez
impressionado com o quão improvável toda a história parecia ser. —
Você a seguiu, sem que ela percebesse sua presença e observou
enquanto ela entrava na taverna sozinha. — Ele fez uma pausa,
fixando seu olhar gelado e acinzentado na mulher. — E você não fez
nenhuma tentativa de detê-la ou dissuadi-la dessa empreitada tola e
possivelmente fatal, pelo que vejo — adicionou ele, com desprezo.
A criatura vergonhosa apenas levantou o queixo e olhou para
ele, com os braços cruzados sobre o peito amplo. — Ela é uma
garota crescida e tava com a cabeça feita. É a vida dela, num tinha
como eu interferi. — Ela encarou-o, totalmente convicta.
— Se era esse o caso — disse Alex, com crescente frustração
—, por que diabos estava seguindo-a?
— Ela é minha garota — retrucou a mulher, com certa aspereza,
ousando olhar para ele como se ele tivesse dito algo inapropriado.
— Tô com ela desde que era uma criança, e eu a amo como se
fosse minha. Num quero que façam nenhum mal nela.
Alex respirou fundo e lutou para manter seu temperamento sob
controle. — E, mesmo assim, você permitiu que ela entrasse em um
antro de perdição como o Cabeça do Pangaré sozinha? — repetiu
ele, bastante incrédulo. — Presumo que você acreditava que
nenhum mal aconteceria a ela lá.
Embora ele não tivesse levantado a voz nem mudado sua
linguagem corporal, ele não tinha dúvidas de que ela podia ver a
raiva e o desgosto claramente em seus olhos.
— Perdão, milorde — disse a mulher, com um sorriso de
escárnio, usando seu título como se tivesse um gosto desagradável
em sua boca. — Mas minha Henri é engenhosa e corajosa, e cê
precisa ser um homem tolo pra ficá contra ela. — Para sua
surpresa, ela disse as palavras como se ele fosse o culpado por
tudo que havia acontecido. — Cê simplesmente num conhece ela,
não como eu.
— E agora é bem provável que não conheça mesmo! — disse
ele, com tanta frieza e desprezo que a descarada criada finalmente
desmoronou e enterrou a cabeça nas mãos, soluçando.
Lorde Morton, o pai da garota — que parecia mais um inútil
indeciso enquanto essa conversa se desenrolava — correu para o
lado da mulher e deu um tapinha em seu ombro. — Calma, calma,
Annie, lorde Sinclair vai trazê-la de volta para nós, não se preocupe.
O pai de Henrietta era uma figura bem conhecida e desprezada
pelo conde. A morte prematura de sua amada esposa
aparentemente destruíra o coração e o bom senso do homem, e ele
recorreu ao jogo para aliviar sua perda. Infelizmente, o homem não
tinha aptidão e, como previsto, viu-se sem um centavo no bolso,
hipotecando a casa de sua família com uma falta de consideração
egoísta por sua filha que beirava um crime.
Mesmo o homem sendo tolo e incompetente, em vez de cruel e
sem coração, não era suficiente para melhorar a opinião de Alex
sobre ele. Na sociedade que frequentava, Morton era visto como
uma criatura lamentável, e comumente dizia às pessoas com aquela
expressão triste e familiar que havia perdido sua querida esposa,
mas ninguém sabia ao certo se ele não queria dizer na mesa da
roleta.
O homem ridículo olhou para ele agora com tanta esperança em
seus olhos que até o coração frio de Alex foi incapaz de contradizê-
lo. Se o resto da história fosse verdade e sua filha realmente tivesse
sido sequestrada pelo notório Patife, ela já não podia mais ser salva.
De fato, Alex foi levado a torcer que a garota já estivesse morta,
pois não conseguia imaginar que destino a aguardava nas mãos de
um pirata e sua tripulação.
— É claro que farei tudo que puder para devolver sua filha a
você, lorde Morton — disse ele, sabendo que era improvável que ele
voltasse com algo mais que um caixão, na melhor das hipóteses.
Para seu horror, Morton o abraçou, soluçando em seu ombro e
dando a Alex mais motivos para sentir pena da criatura terrível ao
notar a gola puída de sua jaqueta. — Ah, obrigado, obrigado,
milorde. Você é mesmo um bom homem. Ficarei para sempre em
dívida com o senhor.
Dadas as circunstâncias, Alex decidiu não mencionar que ele já
estava eternamente em dívida com ele, pois havia pagado todas as
contas pendentes do homem e enviado uma quantia considerável
para cobrir os custos de suas núpcias iminentes com sua noiva,
agora desaparecida.
Com a promessa de fazer tudo ao seu alcance, ele expulsou os
dois abruptamente de seu escritório antes que pudessem manchar
seu santuário com mais um pouco de sua histeria.
Por um lado, estava furioso porque seu próprio tempo e suas
finanças seriam desperdiçadas em uma tarefa tão inútil. Ele não
seria capaz de navegar antes da próxima maré, altura pela qual o
bastardo perverso que a tinha levado já teria uma boa vantagem. No
entanto, não tinha dúvidas de que seu navio era mais do que capaz
de ultrapassar qualquer outra coisa nos mares.
O que a garota tola estava pensando estava além de sua
compreensão. Ele não queria de jeito nenhum tomar uma esposa e
foi apenas as intermináveis reclamações de suas tias idosas sobre
suas responsabilidades para com a família e a necessidade de um
herdeiro que o levaram a pedi-la em casamento.
Ele só tinha visto a senhorita Morton de passagem e se
deparado com ela um punhado de vezes. Ela parecia sensata e
equilibrada, especialmente considerando sua beleza e juventude.
Ele não suportava sorrisos afetados e risadinhas, e ficou mais
do que aliviado por ela não parecer inclinada a nenhum dos dois. As
suas próprias preferências não eram seduzir inocentes; ela era
muito jovem e imatura para seu gosto, mas ele passou por cima de
qualquer escrúpulo nesse sentido, pelo simples fato de que seu pai
estava prestes a arruiná-la para sempre devido ao seu próprio
comportamento idiota.
Apesar da natureza frívola de seu pai, pelo menos a senhorita
Morton parecia, em sua opinião, o tipo de garota independente que
ficaria grata por possuir uma casa própria e um marido que muitas
vezes estaria ausente, deixando-a por conta própria, sem abrigar
quaisquer noções românticas tolas. Mas agora isso! Ele se
perguntou se aquilo foi uma estúpida tentativa de encontrar um
amante. Era a única explicação. Por um golpe de sorte, seu próprio
navio, o Vingança, estava abastecido e pronto para navegar para a
França no dia seguinte.
Por outro lado, seu sangue ferveu com a ideia de se envolver
com o Patife.
Ele tinha lido sobre as façanhas do homem, como todo mundo,
e tinha que admitir que sentia uma admiração relutante por ele. Ele
parecia extraordinariamente corajoso e, à sua maneira, bastante
honrado. Apesar disso, se a senhorita Morton realmente estivesse a
bordo, isso causaria muitas complicações, já que ele dificilmente
poderia destruir o navio e arriscar que ela morresse por suas
próprias mãos.
Alex sorriu. O que quer que estivesse por vir, seria pelo menos
uma aventura e um alívio para uma crescente sensação de tédio.
Quando ele foi ferido na Batalha de Trafalgar, prometeu ao pai
moribundo que levaria a sério suas responsabilidades e desistiria de
sua carreira naval. Como conde, suas responsabilidades eram
muitas e variadas, e… interminavelmente enfadonhas.
A princípio, ele simplesmente andava na vida libidinosa e bebia
demais, gastando qualquer tempo-livre que pudesse aproveitando
para se entregar a prazeres que lhe deram uma reputação
totalmente merecida. Qualquer coisa para se sentir vivo novamente.
Entretanto, nos últimos anos, suas ações foram bem mais perigosas
e se ele fosse descoberto perderia tudo, o antigo nome da família
cairia em desgraça e ele poderia até ser enforcado. Mas levar um
notório pirata à Justiça e salvar a noiva de uma só vez, bem, isso
não deveria prejudicar sua reputação.
E, no mínimo… os próximos dias provavelmente não seriam
nada monótonos.
Capítulo 8
“No qual a aventura se aproxima e piratas seduzem.”

Henri acordou com uma sensação incômoda de ruína no fundo


da mente. Algo estava errado. Por um momento, seu cérebro se
recusou a reconhecer isso, preferindo mergulhar mais fundo no
calor da cama. E como ela estava quente. Quente e
surpreendentemente confortável, considerando que… Seus olhos se
abriram.
Mal ousando respirar, ela se lembrou de sua terrível situação e
percebeu que não estava sozinha na cama. O cômodo estava
gelado e quando seus olhos se ajustaram à luz fraca, ela viu nuvens
de sua própria respiração ondulando na frente de seu rosto. Ela
também percebeu um corpo grande e quente pressionado contra o
dela e o peso encorpado de um braço rodeando sua cintura.
Ela esperou, congelada e sem saber o que fazer a seguir.
— Não entre em pânico — falou a voz masculina, rouca e
pesada de sono de muito perto atrás dela. — Eu estive aqui a noite
toda sem incomodar você, então, não precisa parecer tão indignada.
— Não estou parecendo indignada — retrucou ela. — E como
você sabe disso mesmo estando com os olhos fechados é algo que
eu não consigo entender. Se você se dignar a abri-los, descobrirá
que estou muito é furiosa!
Henri praguejou e empurrou o braço dele para longe, tendo
dificuldades para se levantar, o que era complicado já que ele
deixou pouco espaço para ela na cama estreita.
— Esse é realmente um linguajar muito grosseiro para uma
dama — resmungou ele enquanto ela o empurrava para mais longe.
— Como você se atreve! — Ela manteve a voz baixa, muito
consciente dos sons de vida no convés e das paredes finas entre
eles e a tripulação enquanto os gritos do convés chegavam até ela
de forma bastante audível. — Como você se atreve a dormir na
mesma cama que eu! Eu sabia que você não era um cavalheiro,
mas, na verdade, você faz jus ao seu nome com uma precisão
surpreendente.
Ela se encolheu no canto e observou com crescente irritação
enquanto ele suspirava, se espreguiçava e esfregava a barba por
fazer em seu queixo antes de bocejar com entusiasmo,
aparentemente nem um pouco perturbado por sua fúria.
— Bem — disse ele, com o que ela imaginou que ele pensava
ser um sorriso cativante e sonolento —, o que você esperava?
Ganhei essa reputação por uma razão, como tenho certeza de que
você sabe.
Como sua reputação dependia bastante da sedução sem
esforço da maioria das mulheres com quem entrava em contato, ela
respondeu a esse comentário em particular com um olhar gélido.
— Deixe-me levantar — exigiu ela, encontrando aqueles olhos
azuis frios com determinação. Mas, para sua consternação, ele a
ignorou e simplesmente se virou de lado, com a cabeça apoiada na
mão enquanto a observava com os olhos semicerrados. Henri fez
uma careta para ele e se pressionou o mais longe possível dentro
dos limites da cama. Ela queria se levantar mais do que tudo, mas
nunca que ela iria passar por cima dele para fazer isso, então ela
comprimiu seus membros o máximo que pôde.
— Você realmente deveria estar agradecida — disse ele,
olhando para ela com diversão enquanto ela ficava boquiaberta com
suas palavras. — Você estava aquecida, quando acordou, não
estava? Considerando a temperatura da noite passada, isso é um
milagre. Veja bem, eu fiz tudo o que pude para mantê-la aquecida e
saudável — disse ele, sorrindo com malícia, antes de estender a
mão e traçar um dedo sobre a mão dela. — Eu odiaria que você
pegasse uma pneumonia — disse ele, com a voz muito baixa,
convidativa e cheia de deboche.
Henri tirou a mão dela. — Você é muito generoso — disse ela,
inexpressiva, olhando para ele. — Agora. Saia. Já. Da minha. Cama
— disse ela, pausadamente, com tanto veneno quanto ela podia
administrar nesta hora da manhã, mas para sua frustração ele não
se mexeu.
— Vejo que pode ter passado despercebido, querida —
respondeu ele, com um sorriso zombeteiro, e travessura brilhando
em seus olhos azuis. — Mas esta é a minha cama.
Henri cerrou os dentes. Nunca, em toda a sua vida, ela tinha
encontrado um homem mais irritante e imprudente. Em comparação,
ele fazia seu noivo parecer o perfeito cavalheiro.
Seu noivo. A palavra sacudiu em sua mente e ela tentou
encontrar a resolução que sentiu na noite passada. Isso pelo menos
era um problema que não a incomodaria mais. Era certamente uma
coisa boa, pois era o que ela tinha se proposto a fazer. No entanto,
ela realmente só queria evitar o casamento com aquele homem, não
que nunca quisesse se casar… ou ter uma casa e uma família. Por
mais que ela criticasse sua posição, essas eram coisas das quais
ela teria gostado, se ao menos pudesse encontrar um homem para
amá-la e respeitá-la como era. Ela tentou engolir a tristeza que
brotou em sua garganta enquanto considerava sua posição.
Mesmo que ela encontrasse o caminho de volta para casa, o
que parecia cada vez mais duvidoso, ela estava arruinada. Ninguém
se casaria com ela agora. Uma noite passada na cabine de um
capitão pirata dificilmente faria dela uma perspectiva atraente como
esposa. A enormidade do que ela fizera e tudo o que ela perdera a
pressionou, tirando todo o ar do quarto; ela apertou seu peito. Ela
deslizou contra a parede e olhou através da cabine, sem realmente
vê-la. O que ela deveria fazer?
Ela ficou sentada em silêncio por um tempo, bastante afundada
na tristeza até perceber que ainda podia sentir os olhos dele sobre
ela. Bem, deixe-o olhar, por que ela deveria se importar?
— Vamos, senhorita Morton, não fique assim tão triste.
Ela levou um tempo para encará-lo antes de se virar com
desgosto. Para sua frustração, no entanto, ele não deixou por isso
mesmo.
— Sério agora, você disse que queria aventura, não é? Ou era o
tipo seguro de aventura que você estava procurando? — perguntou
ele, um tom zombeteiro fraco, mas inconfundível em sua voz agora.
— O tipo para ser experimentado sentada em casa costurando,
talvez?
Ela se virou para ele, com os braços cruzados firmemente sobre
o peito. A sua expressão era perfeitamente plácida, apenas aquela
leve expressão de curiosidade que ela tinha visto em seus olhos
antes. Ele estava realmente falando sério? Havia uma diferença
entre uma aventura e perder tudo – casa, família, reputação e
qualquer esperança para o futuro – tudo de uma só vez.
— Depende do que sua noção de aventura implicar — retrucou
ela para ele enquanto o medo e a tristeza brotavam, ameaçando
engoli-la por inteiro. — Por exemplo, eu tenho chances de
sobreviver?
Ela observou com irritação quando ele sorriu para ela e depois
se esticou como um gato indolente, deitado de costas com os
braços atrás da cabeça. A camisa dele estava desabotoada e os
olhos dela, sem querer, rastrearam o triângulo sedutor de pele
bronzeada à mostra, da cavidade em seu pescoço até onde uma
dispersão de cabelo escuro era visível ao redor de seu umbigo. Ela
nunca em sua vida esteve tão perto de um homem e, por mais
desconcertante e precária que fosse sua posição, certamente era
instrutivo. Sua pele era lisa e dourada, seu peito duro e bem-
definido com músculos. Ela engoliu em seco e desviou os olhos com
resolução. Ela já estava com problemas suficientes.
— Ah, você vai sobreviver a isso — disse ele, suas palavras
seguidas por uma risada baixa que parecia ressoar pela cama. —
Eu prometi que nenhum dano aconteceria a você, não prometi?
Estava falando sério. — Ele inclinou a cabeça para olhar para ela.
— Você está livre, não é isso que você queria?
Henri franziu a testa enquanto considerava as implicações de
suas palavras. Isso era verdade, ela supôs. Já que ela estava
arruinada, não havia mais nada a perder. Mas então, ela pensou em
seu pai, e sua devastação por tê-la perdido. Apesar de todo o seu
egoísmo, ele realmente não era um homem mau, apenas um fraco e
tolo, e por mais que ela estivesse sempre irritada além da conta por
seu insensível desrespeito por seu futuro, ela sabia que ele a amava
profundamente. Além do mais, ele também perderia o dinheiro que
ganharia com o casamento dela, pois agora suas dívidas pendentes
seriam cobradas e ele seria forçado a vender sua casa. Era
improvável que ele mudasse, então era apenas uma questão de
tempo até que qualquer renda da casa, que estava em sua família
por gerações, também desaparecesse.
E, então, havia Annie.
Ela se perguntou como Annie estava se saindo.
Surpreendentemente, considerando suas diferenças, ela amava
Annie. Talvez não como uma mãe. Ela franziu a testa pensando em
algumas conversas que elas compartilharam; não, certamente não
como uma mãe. Mas ela a amava do mesmo jeito, e sabia que
Annie sentia o mesmo por ela, apesar de sua falta de instinto
maternal.
Henri suspirou, não havia nada a ser feito sobre isso. Ela faria
tudo o que pudesse para voltar para eles, mas duvidava que eles a
agradeceriam por isso, no fim das contas. Seu pai, não, pelo menos,
independentemente de ele estar feliz por tê-la de volta. Que diabos
ele iria fazer com ela? Ele ainda seria forçado a sustentá-la e, ainda
assim, ela deixaria de ter qualquer valor para ele. Ela duvidava que
pudesse conseguir um cargo como governanta, uma vez que as
pessoas ouvissem o que havia acontecido com ela. Ela seria
apenas um fardo, mais uma dívida a ser paga. Talvez fosse melhor
assim.
Mas, então, ela percebeu quais opções estavam realmente
disponíveis para ela. E as poucas possibilidades que tinha para
ganhar dinheiro. Ela podia estar perdida para a sociedade educada,
mas isso não significava que ela pretendia se tornar uma prostituta.
E havia pouco mais que ela pudesse fazer para ganhar seu
sustento.
— Que diabos está acontecendo por trás desses seus lindos
olhos? — perguntou ele, e ela olhou de volta, carrancuda.
— Estou arruinada — disse ela, esperando que sua voz e
expressão carregassem tanta acusação quanto ela sentia. Apesar
de ela saber que não era inteiramente culpa dele. — Seria melhor
estar morta. Estou perdida para minha família e amigos, que
perspectivas tenho? Como vou viver? — Ela tentou e falhou em
evitar o tremor de sua voz e, então, pulou quando ele se moveu,
imaginando o que ele pretendia. Mas ele simplesmente se sentou ao
seu lado com as costas contra a parede, um pouco perto demais,
mas não fez mais nenhum movimento em sua direção. Ela se virou
para olhá-lo com apreensão, assustada ao ver uma boa dose de
simpatia em sua expressão.
— Eu já passei por isso — disse ele, com a voz baixa. — Eu
queria uma vida de aventura, mas não tinha ideia do preço que
pagaria por ir atrás dela. — Ele fez uma pausa, e ela imaginou que
podia ver o peso da verdade em sua expressão, e um tom
melancólico por trás de suas palavras. — Eu perdi tudo —
acrescentou ele, e então seus olhos começaram a brilhar e ele
sorriu para ela —, mas eu ganhei minha liberdade. E, sinceramente,
não me arrependo.
Ela o observou, cuidadosamente, não acreditando inteiramente
nele, pelo menos não sobre não ter arrependimentos. Mas ela
acreditava que ele tinha perdido tanto quanto ela.
— Talvez — admitiu ela. — A diferença é que você é um
homem. Você pode comandar um navio, pode impor respeito;
ninguém pode possuir você. — Ela cuspiu as últimas palavras
enquanto todas as velhas frustrações caíam sobre ela novamente.
O capitão franziu a testa para ela e, pela primeira vez, depois de
ter falado daquela maneira na frente de um homem, ela sentiu que
não era porque ele discordava de suas palavras. Ela afugentou
muitos pretendentes com sua fala simples, então, era pelo menos
revigorante que ela não o tivesse chocado.
— Oh, eu garanto que poderiam — disse ele, com o tom
sombrio, e seguida, fazendo uma pausa. — Por que não?
— O quê? — Foi sua vez de franzir a testa agora, perplexa. Que
diabos ele estava falando?
Ela viu quando ele ficou de joelhos na cama, virando-se para
ela. — Já existiram mulheres piratas antes. Não vejo razão para que
você não possa fazer o mesmo.
Ela piscou, surpresa com suas palavras. — Você não está
falando sério. — Ela observou enquanto ele encolhia os ombros, as
pontas dos dedos raspando por sua barba mais uma vez enquanto
ele considerava.
— Eu não vejo por que não — disse ele, finalmente.
Ela bufou em descrença e balançou a cabeça. — Você é louco.
— Por quê? Você não acha que é capaz? — disse ele, com um
sorriso repuxando sua boca. — Eu poderia te ensinar tudo o que
você precisa saber.
Henri olhou boquiaberta para ele, verdadeiramente surpresa. —
Por quê? — insistiu ela. — Por que você me ajudaria? Por que você
sugeriria uma coisa dessas?
Ele sorriu, aquele sorriso lento e confiante, e mais uma vez ela
ficou impressionada com o quão bonito esse homem era.
— Sinceramente, não sei. — Ele deu de ombros, como se
estivesse tão confuso quanto ela. Mas, então, ele olhou para ela e
ela sentiu que havia algo honesto em seus olhos. — Só que… sinto
que somos almas gêmeas, você e eu. — O olhar foi rapidamente
substituído por um sorriso sarcástico. — E, além disso, eu disse que
gosto de um desafio. Ensinar você a ser uma pirata? Isso com
certeza deve ser um desafio.
Henri respirou fundo, sem saber o que estava sentindo. Isso era
loucura, certo? No entanto…
Ela não podia confiar nesse homem, não podia confiar em
nenhum homem de sua tripulação. As chances de ela chegar a
qualquer destino que ele tinha em mente deviam ser ridiculamente
baixas. No entanto, ele estava se oferecendo para ajudá-la. Que
outra escolha ela tinha? No mínimo, ela deveria aprender a se
defender.
— E, então?
Ela olhou para trás e descobriu que ele a observava com
expectativa, os olhos brilhando de excitação. Ele estava realmente
falando sério. Ele tinha toda a intenção de ensiná-la a ser uma
pirata. Na verdade, ela não tinha ideia do que isso realmente
significava. Mas, no mínimo, tinha que significar aprender a usar
uma pistola. Isso era algo que ela sentia uma necessidade urgente
de entender. Ele estendeu a mão para ela.
— Nós temos um acordo?
Ela franziu a testa quando outra ideia se apresentou e se
perguntou como, considerando a confusão em que estava, ela
poderia ter sido tão ingênua. Cruzando os braços, ela olhou para
ele, com os olhos estreitados. — O que, exatamente, você ganharia
com isso?
Ele sorriu e estendeu as mãos, como se não tivesse nada a
esconder. — Você trabalhará a bordo do meu navio da mesma
forma que o resto da tripulação. Estamos com pouco pessoal agora,
então todo homem – ou mulher – ajuda.
Ela não acreditou em nem uma palavra disso. — E isso é tudo?
— disse ela, com uma sobrancelha levantada.
Ele riu novamente e se inclinou para frente na cama. Henri se
pressionou contra a parede como se ela esperasse deslizar entre as
tábuas enquanto ele se movia em direção a ela. Ele não parou até
que seu rosto estivesse tão perto que ela pudesse sentir seu hálito
quente contra sua pele mais uma vez, e desejou que ele mantivesse
distância.
— Veja bem, senhorita Morton — sussurrou ele, suas palavras
causando arrepios —, acho que nós dois sabemos o que eu levaria
como prêmio por ajudá-la nessa aventura.
Ela abriu a boca para xingá-lo, mas ele a cortou, pressionando
um dedo contra seus lábios.
— Eu vou te ensinar tudo o que você precisa saber. Vou ensiná-
la o funcionamento do navio, como comandar os homens e ganhar
seu respeito. Vou ensiná-la a se defender e a atacar os outros, se
for necessário. Eu vou te ensinar tudo que precisa saber para ser
considerado um homem — disse ele, com a promessa em suas
palavras apenas ilustrando uma fração da garantia em sua voz.
Aquela voz prometia muito mais. — E se os homens realmente te
aceitarem como um deles, então vou te ensinar todas as razões
pelas quais você não deve desprezar ser mulher.
Ela deu um tapa na mão dele.
— Bem que eu desconfiei — disse ela, com desgosto.
Mudando de posição, Henri levantou um joelho, colocou o pé
dela firmemente contra seu peito e empurrou com força. O capitão
voou para trás e aterrissou com um baque pesado, esparramado no
chão da cabine.
Capítulo 9
“No qual faíscas voam.”

— Droga! — xingou ele, retirando um caco de vidro da palma de


sua mão.
Henri mordeu o lábio, dividida entre a diversão por tê-lo visto
cair no chão de maneira tão desajeitada e a culpa ao observar o
sangue escorrer pelo braço do ferimento em sua mão.
— Isso era mesmo necessário? — indagou ele, mostrando-lhe o
corte enquanto o sangue caía no chão com um gotejamento
constante, que Henri achou um pouco enervante.
— Nas atuais circunstâncias, sim. — Henri cruzou os braços e
olhou para ele. Ela não se sentiria culpada. Ele podia ser bonito de
se olhar, mas ela sabia muito bem que ele era o lobo com pele de
cordeiro e ela não era tão ingênua quanto ele imaginava. — Você
deve me considerar uma tola para sugerir tal coisa. E você pode
afastar qualquer pensamento de me seduzir da sua mente. Posso
estar arruinada, mas não perdi o juízo com relação à minha
reputação. Francamente, com base em tudo o que vi, você é o
último homem na Terra por quem eu consideraria me apaixonar,
mesmo que eu simplesmente quisesse ter um amante.
Enervando-se com o tema, ela decidiu enfiar a faca um pouco
mais fundo. — Na verdade, não consigo imaginar como você
ganhou uma reputação tão pitoresca. Só posso pensar que as
mulheres que você encontrou até hoje eram realmente muito pobres
e já inclinadas a um comportamento de prostituta.
Para sua satisfação, ele pareceu bastante surpreso com as
palavras que foram ditas com muita agressividade. Por um momento
ela pensou ter visto um vislumbre de alguma emoção inominável
nos olhos dele, mas foi tão rapidamente substituída pelo que era
obviamente orgulho masculino ferido que ela não sentiu remorso.
— Você acha isso mesmo?
Algo em seu estômago deu uma cambalhota nervosa, já que
tantas coisas pareciam estar contidas no tom daquelas palavras.
Elas continham tudo, desde a acusação, a aceitação de um desafio
e uma promessa clara de que ele a faria engolir suas palavras, nem
que fosse a última coisa que ele fizesse. Tarde demais, Henri se
perguntou se ela havia dado um passo em falso mais uma vez e
devia tratá-lo de outra maneira.
Os seus olhos azuis estavam olhando para ela com tanta
intensidade que ela sentiu sua boca ficar seca.
— Vo-você deve perceber que estou em uma situação perigosa
aqui, senhor — gaguejou ela, com toda a dignidade que pôde. —
Não quero lhe desrespeitar, mas não perderei minha honra para
pagar por sua ajuda. Só porque perdi tudo não significa que sou
uma diversão barata.
Ele bufou com isso, desviando o olhar dela finalmente para
enrolar a palma ensanguentada em um lenço.
— Barata? — exclamou ele, balançando a cabeça. — Você
espera que eu passe horas e dias e semanas ajudando você e não
receba nada em troca. Não, senhorita, de fato você não é barata.
Henri sentiu suas bochechas queimarem de fúria. Nunca em sua
vida falaram com ela de tal maneira e a injustiça de sua posição a
irritou.
— Eu não pretendo ser um fardo para você por um momento
além do necessário — disse ela, mantendo sua voz fria e
desprovida de emoção por medo de chorar se ela se enrolasse
agora. — Vamos nos separar assim que você chegar ao porto, e até
lá pagarei minha estadia como puder. Eu posso cozinhar um pouco
se você me mandar para a cozinha, ou consertar roupas, limpar sua
cabine… Não me importa quão servil seja a tarefa. Eu vou ganhar
meu sustento.
A curiosidade estava de volta em seus olhos agora enquanto a
observava. Ela ergueu o queixo, segurando o olhar dele,
desafiadora.
— Você prefere ser uma empregada a aprender tudo o que eu
lhe ofereci? Somente para manter sua virgindade intacta?
A fúria rolou sobre ela diante de suas palavras. Aquele bastardo
ignorante, sem coração e arrogante.
— Somente? — repetiu ela. A palavra pode ter sido dita
baixinho, mas a atmosfera na pequena cabine era elétrica, como se
um trovão rolasse entre eles e um relâmpago fosse cair a qualquer
momento. Seu peito subia e descia muito rápido, seu coração
trovejava, e ela desejou estar perto o suficiente para tentar pegar
sua adaga, pois ela iria de bom grado enfiar uma faca naquele
coração dele.
Com uma calma enganosa, ela ficou de pé, movendo-se com
cuidado ao redor do vidro quebrado no chão. Ele se levantou
também, da mesma forma que ela, observando-a com atenção
redobrada.
— Você acredita que está me fazendo um favor, não é? Você se
acha muito caridoso ao se oferecer para me ensinar os seus
métodos? — zombou ela. — Mas não importa o quanto eu aprenda,
não importa o quão bem eu realize tudo o que você me ensinar. Isso
não mudará nada, pois não mudará nada para o mundo.
Ela olhou para a carranca profunda em seu rosto e sabia que ele
não entendia o que ela queria dizer. Por que ele entenderia? Ele era
um homem.
— Para eu ganhar o respeito de seus homens, eu precisaria
fazer muito mais do que igualar suas habilidades e bravura, sua
astúcia e crueldade. Eu precisaria exceder em muito essas
qualidades antes de ganhar sua admiração, pois uma mulher deve
sempre lutar por cada pedaço de respeito que é entregue tão
facilmente a um homem, meramente por causa de sua biologia. E
onde sua crueldade o descreveria como feroz e corajoso, e todos o
elogiariam como traços admiráveis em um capitão, eu seria xingada
de cadela de coração frio e astuta, e todos me desprezariam por
isso — enfureceu-se ela.
Em sua raiva, ela cruzou o ambiente, aproximando-se dele
enquanto seu temperamento subia além de seu controle. Agora, ela
descobriu que estava tão perto dele que podia ver que seus olhos
azuis eram salpicados de verde e se lembrou com força da vista da
janela de seu quarto em um belo dia claro, quando o mar brilhava
tão sedutoramente.
Agora que sua raiva tinha sido descarregada, ela não sabia o
que fazer ou dizer, e esperou que ele retaliasse, retribuísse sua
raiva com suas próprias palavras duras. Ela podia ver a
necessidade de fazê-lo queimando em seus olhos. Então, quando
ele estendeu sua mão e traçou a curva de sua mandíbula, ela pulou
de surpresa. Foi um toque muito suave, como se ele desejasse
aplacar alguma criatura arisca da floresta antes que ela fugisse dele.
Ela respirou fundo e observou como a raiva recuava de seus
olhos, para ser substituída por outra coisa que ela não ousava
nomear.
— Você é… magnífica — disse ele, num só fôlego, algo próximo
ao espanto serpenteando sobre as palavras. Elas pareceram se
instalar em seu peito, um peso quente que acalmou todas as bordas
irregulares de sua fúria. Ela procurou seus olhos, buscando por
zombaria, por duplicidade, mas antes que ela tivesse certeza de que
não havia nada do tipo para ser encontrado, ele abaixou a sua
cabeça e pressionou seus lábios contra os dela.
A sua mente parou, presa como um coelho em uma armadilha,
muito além do pânico agora até mesmo para lutar, muito perdida
para saber se era o ela queria.
Seus lábios eram tão macios e quentes quanto ela se lembrava,
e seu beijo era tão gentil e hesitante quanto o toque de seus dedos.
Ele roçou sua boca uma vez e se afastou um pouco, perguntando,
esperando que ela protestasse.
Henri esperou também, mas não encontrou nada para dizer.
Talvez sua honra não fosse tão preciosa para ela como ela havia
insinuado, a ideia instaurou em seu peito um leve pânico que ela
escolheu ignorar… por enquanto. Ele se aproximou novamente para
repetir o ato, duas, três vezes, e depois várias vezes até ela ficar
tonta. Parecia-lhe que cada roçar dos lábios dele era uma droga,
cujo efeito cumulativo era muito mais devastador quanto a
simplicidade do ato era tão doce e aparentemente inocente.
Novamente veio o leve toque de sua boca contra a dela, antes de se
afastar, fazendo-a tremer e querer mais e mais a cada repetição.
Ele não a tocou mais, não a puxou em seus braços como ele
tinha feito na privacidade escura do provador com cortinas. As
pontas dos dedos dele ainda estavam em sua mandíbula; um toque
quase imperceptível que ela sentia ser a única coisa que a mantinha
de pé.
Finalmente ele se afastou dela e ela olhou para ele, muito
abalada para pronunciar outra palavra.
Aqueles olhos azuis estavam escuros de desejo, pesados com
tanta necessidade que fazia seu peito doer ao saber que ele havia
sentido tudo o que ela tinha, com a mesma intensidade – que ele
estava tão abalado quanto ela.
E, então, sem outra palavra, ele se virou e saiu da cabine,
batendo a porta atrás de si.
Capítulo 10
“No qual um pirata traça um curso.”

Lars caminhou pelo convés gritando ordens e praticamente


desafiando qualquer um de seus homens a sair da linha enquanto
evitavam seu olhar o melhor que podiam. Estava perfeitamente claro
para todos a bordo que ele estava com um humor para sair no braço
com qualquer um que olhasse para ele duas vezes.
A frustração fervia em suas veias e todos os sentidos estavam
em alerta, exigindo que ele voltasse para sua cabine neste instante
e terminasse o que havia começado. Ele andou pelo convés de
bateria se perguntando por que diabos ele não fez exatamente isso.
Por que ele parou e fugiu justamente quando as coisas estavam
ficando interessantes? Porque a garota era muito mais do que
apenas interessante, por isso.
Ele olhou para o mar aberto, observando o sol nascer, cintilando
na água brilhante como diamante enquanto subia em um céu azul-
claro. Inalando uma lufada de ar limpo e frio, ele tentou dissipar o
desejo persistente que embaçava sua mente e não lhe permitia
pensar com clareza.
Ele simplesmente não sabia o que fazer com ela. Na loja, ele
teve certeza de que era um homem morto quando a viu olhando-o
boquiaberta, com os olhos castanhos totalmente arregalados e
inocentes. Ele tinha certeza de que ela gritaria e a milícia iria para
cima dele como corvos na carniça. Mas, em vez disso, ela o salvou.
Ele se sentiu mais patife do que jamais se sentira em sua vida
quando a beijou, mas era impossível resistir a ela. O prêmio mais
doce que ele poderia imaginar.
Ele sabia que nunca mais a veria; uma mulher como aquela
estava além de qualquer coisa que ele pudesse esperar agora, mas
ele também sabia que ela iria assombrar seus sonhos pelo resto de
seus dias.
Um pirata dificilmente era o tipo de homem que uma mulher
respeitável aspiraria, e a ideia de nunca saber como esses lábios se
sentiriam contra os seus o fez se sentir estranhamente à deriva.
Então, ele arriscou que ela gritasse a plenos pulmões e roubou um
beijo. O espanto e a alegria que o percorreu quando ela o beijou de
volta pareciam permanecer em seu sangue como uma doença,
esperando para desarmá-lo e enfraquecer sua determinação
sempre que ela quisesse.
Ele tinha ficado tão tentado a permanecer que esteve
perigosamente perto de ser pego, e como resultado, escapou por
um triz dos Casacas-Vermelhas. Ele quase colocou uma corda ao
redor de seu pescoço por nada além de um beijo. Mas a memória
daquele beijo tinha assombrado todos os seus pensamentos,
através de cada momento daquele dia até que ela apareceu
novamente do nada.
Ele não sabia o que pensar quando a viu. Quando ele acreditou
que ela tinha vindo para mantê-lo seguro, ele ficou dividido entre a
alegria irracional e a fúria por ela ter se arriscado por um homem
como ele. Mas ele ficou inexplicavelmente zangado quando ela
tentou chantageá-lo.
O fato de sua doce e pequena inocente não ser nem doce nem
inocente de alguma forma o machucara, como se ela o tivesse
traído. Ele bufou com a ideia e se inclinou na balaustrada, olhando
para baixo e observando a água deslizar pelo casco enquanto seu
navio seguia em linha reta através das ondas.
Era obviamente ridículo pensar que ela o havia enganado, que o
fizera acreditar que ela era tão inocente quanto parecia. Mas ele
queria manter a memória dela perto, algo para aquecê-lo quando a
necessidade constante de continuar se movendo o consumia. Pois
nos últimos anos o caçador se tornou a caça e ele sabia que tinha
pouco tempo antes que eles o alcançassem. Ninguém poderia
correr para sempre. Ninguém poderia ter sempre sorte do seu lado.
Mais cedo ou mais tarde o vento mudaria e ele seria manobrado.
E, no entanto, agora ele não sabia o que pensar.
A fúria que ela lançou contra ele quando ele sugeriu a ideia de
pagar por sua ajuda com seu corpo, a dignidade com que ela o
enfrentou e o derrubou. Ela não era como nenhuma mulher que ele
já tinha conhecido antes. Ela o intrigava e, instintivamente, ele sabia
como isso era perigoso. A sua vida não tinha espaço para
envolvimentos românticos. As mulheres não eram bem-vindas a
bordo dos navios por um bom motivo. Elas não causavam nada
além de problemas, distraíam os homens e mantinham suas mentes
longe do trabalho.
O melhor que ele podia fazer era exatamente o que ela havia
sugerido e se despedir quando chegassem ao porto. Ele decidiu
arriscar Valência. Ele tinha amigos lá, pessoas em quem esperava
que ainda pudesse confiar. Ele conheceria o terreno antes de decidir
o que viria a seguir.
Talvez ele pudesse escapar da corda tornando-se um corsário.
O caçador ilegal viraria guarda-caça, ele pensou com uma careta,
não que ele tivesse um grande amor por outros de sua espécie,
exceto aqueles homens a bordo de seu navio. Ele confiava sua vida
aos homens de sua tripulação. Eles estavam juntos há anos e ele os
conhecia como seus próprios irmãos. Mas os outros que se diziam
piratas não eram como aqueles que os precederam.
O caminho do litoral, a irmandade e seu código, seus velhos
costumes há muito estavam mortos e desaparecidos, e ele lamentou
a perda do ideal. Havia pouca ou nenhuma honra entre os ladrões,
não mais.
Então era isso, uma espécie de plano. Ele a colocaria em terra
firme e ela voltaria para casa de um jeito ou de outro. Ele se
perguntou como ela se sairia. Talvez, com sorte, ela encontraria um
cavalheiro honrado que a levaria para casa em segurança. Ou
talvez ela cairia em desgraça com algum bastardo lascivo que se
aproveitaria dela e mataria o espírito que ardia tão ferozmente
naqueles olhos castanhos.
A ideia fez algo em seu peito se contrair.
Maldita mulher, ela não lhe traria nada além de problemas. Ele
deveria voltar para a cabine e tomar o que queria. Ela obviamente o
queria também, apesar de seus protestos sobre ele ser o último
homem na Terra que ela iria querer.
Isso doeu, ele admitiu para si mesmo. Ele não era um tolo. Ele
dificilmente acreditaria que ela iria querer um pirata como marido, e
ele certamente não estava à procura de uma esposa e nunca
estaria. Mas ele sabia que as mulheres o desejavam, e sua
veemência em negar que ela jamais o consideraria, mesmo como
um amante, tinha dilacerado seu orgulho mais do que ele esperava.
E então ele a beijou.
Ele não podia dizer o porquê. Ela tinha se enfurecido com ele;
chamou-o de tolo, deixou-o furioso durante a trajetória de seu
discurso e, ainda assim, ele foi incapaz de se conter. E mais uma
vez, apesar de tudo o que ela disse, ela retribuiu, de boa vontade e
com ansiedade. Ele precisou de tudo o que tinha para se afastar e
fechar a porta na cara dela.
Ela estava certa sobre uma coisa, as mulheres que geralmente
aqueciam sua cama eram muito fáceis, mais do que dispostas a
serem seduzidas por um pirata bonito enquanto seus antigos
maridos angariavam o dinheiro para salvá-las. Elas geralmente
saíam com um sorriso no rosto e ambas as partes bem satisfeitas
com o negócio. Mas ela era tola em pensar que ele não poderia
seduzi-la tão facilmente, como seu beijo provou com toda a
eloquência. Mas que passatempo delicioso, ver sua resolução
desmoronar quando ela se submeteu inevitavelmente a seus
avanços.
Com hesitação, ele traçou as linhas que ela havia riscado em
seu pescoço. Talvez se ele a levasse para a cama ele se sentiria
melhor? Talvez então ela deixasse de ser tão… sedutora. Era
aquela estranha mistura de doce inocência e espírito feroz que era
tão sedutora no fim das contas: a beleza juvenil que ousara entrar
sozinha em um bar de contrabandistas e procurar por um pirata. A
garota com os olhos castanhos arregalados que enfrentaria o
próprio Patife e lhe mostraria o lado afiado de sua língua.
Sim, talvez quando ele a tivesse, quando ela estivesse exposta
para ele, com aquelas pequenas garras em suas costas e o nome
dele nos lábios enquanto se desfazia, talvez então ele quebrasse o
feitiço que ela havia lançado.
A sua atenção foi desviada da imagem tentadora por um grito de
Mousy. O grandalhão havia retomado suas funções como
contramestre e estava caminhando em sua direção.
— Temo companhia, capitão.
Lars girou nos calcanhares e examinou o horizonte. Um
pontinho minúsculo era apenas visível e ele arrancou a luneta da
mão de Mousy.
— Um veleiro sloop? — perguntou ele, enquanto ajustava a
luneta.
— Sim — disse Mousy, sua expressão sombria. — Ele vai nos
alcançá.
— Você tem certeza de que ele está nos perseguindo?
Mousy bufou. — Que tem uma chance da gente tá seguino o
mermo curso, tem.
Lars balançou a cabeça, rindo. — Não, eu também não acredito
nisso. Tudo bem, faça o que puder para mantê-lo afastado por
enquanto, e decidiremos quando enfrentá-lo.
— Sim, capitão.
Lars observou enquanto o grandalhão se afastava dele. Ele não
estava surpreso que estavam sendo seguidos. Ele já esperava por
isso. O preço por sua cabeça era significativo o suficiente agora, por
isso, ele era um alvo que valia a pena perseguir. Mas a quantidade
de homens da milícia que veio atrás dele significava que eles
sabiam não apenas que ele estava chegando em terra firme, mas
onde podiam procurar.
Estavam à espera dele.
Um mau pressentimento gelou-lhe as costas. Eles sabiam por
que alguém lhes tinha dito. A única pergunta era: quem? O único
homem que estava sabendo, aquele que havia escrito a carta, era
um de seus homens de maior confiança, enviado à frente para obter
as informações de que precisava antes de desembarcar. Ele sabia
instintivamente que ele não era a fonte desse mal. O que significava
que a informação tinha de ter sido enviada antes de atracarem. A
última vez que aportaram, talvez, quando ele disse as suas
intenções à tripulação.
O que significava que alguém em seu navio pretendia lucrar ao
traí-lo, e ele não sabia mais em quem podia confiar.
Capítulo 11
“No qual linhas de batalha são traçadas.”

Henri sentou-se na cama com um cobertor envolvendo-a e


estremeceu. Ela nunca tinha sentido tanto frio em toda sua vida,
sem contar miserável… e completamente confusa. O som da porta
batendo parecia ecoar em seus ouvidos sem cessar e ela se sentia
totalmente perplexa com o que acabara de acontecer.
Que diabos ela estava pensando? Ela tinha acabado de dizer a
ele que ele era o último homem na Terra que ela se envolveria e, no
momento seguinte, ela se enroscou em torno dele como hera em
volta de um carvalho.
Ela levou as mãos à cabeça e gemeu. Não importava o que ele
pensasse dela. O fato de ele ter sido o primeiro a interromper o beijo
e sair do cômodo era ainda mais perturbador. Ele era o Patife, pelo
amor de Deus! Pirata notório, sedutor de mulheres e a coisa mais
distante de um cavalheiro que você poderia encontrar em todos os
sete mares. E, no entanto, ela tinha sido sua para ser tomada. Os
desejos de seu corpo superaram e atropelaram qualquer uma das
intenções ousadas e honrosas que seu cérebro pudesse ter
manifestado alegremente para ele, anteriormente. Um beijo e ela
teria jogado tudo fora e se tornado uma daquelas mulheres
devassas que ela menosprezou tão cruelmente, momentos antes.
Bem, não apenas um beijo, ela emendou. Foram muitos beijos,
dezenas e dezenas de beijos deliciosos, suaves e doces. Ela
estremeceu novamente e sabia que não era culpa do frio. O calor
queimava sob sua pele enquanto ela se lembrava de como ele a
fazia se sentir. Meu Deus do céu, o homem era uma ameaça. Ela
teria que ficar longe dele se quisesse ter alguma chance de chegar
à terra firme com sua honra intacta.
Ela olhou ao redor, nos minúsculos confins da cabine, com
desânimo e se perguntou quantas noites ela teria que suportar. Pois
ela duvidava muito que ele abandonasse sua cabine, e mesmo que
ele continuasse agindo fora do normal e bancando o cavalheiro, por
qualquer motivo que o tivesse possuído, ela não tinha certeza se
poderia continuar sendo uma dama.
Talvez tenha sido isso, ela pensou desenfreadamente. Talvez
ambos estivessem possuídos por alguma força estranha que os
fazia agir fora do normal. Quer dizer que ele seria o cavalheiro e ela,
a prostituta? Não! Isso não iria acontecer. Ela não ia ser atraída por
um rosto bonito e um sorriso malicioso. Ela tinha mais força de
vontade do que isso e ela iria certamente suprimir esse desejo.
Com essa firme resolução em sua mente, ela decidiu que era
melhor se manter ocupada e começou fazendo a cama e varrendo o
vidro quebrado.
Ela tinha acabado de se espremer debaixo da mesa dele, em
busca de um último caco errante, quando a porta se abriu e seu
capitão pirata entrou na cabine. Ela se endireitou tão rapidamente
que bateu a cabeça com força na mesa, praguejando com um
entusiasmo do qual Annie teria se orgulhado.
— Perdoe-me, eu não queria assustá-la.
Ela olhou para cima, dispersando as estrelas que via, antes de
perceber olhos azuis preocupados olhando para ela. Ele estendeu a
mão e contra sua vontade ela a pegou, suprimindo o arrepio
consciente que pinicava sobre sua pele quando seus dedos quentes
se fecharam sobre os dela.
— Que diabos você estava fazendo? — perguntou ele, com
diversão e muita afeição em sua expressão.
Henri esfregou a cabeça e olhou para ele com suspeita. — Eu
estava limpando os cacos de vidro. Eu disse que seria útil. Estava
falando sério.
Ele assentiu, aparentemente aprovando. — Obrigado, eu
agradeço. Especialmente porque eu pareço ficar pior sempre que
brigamos — disse ele, acenando com a mão enfaixada enquanto os
cantos de sua boca se inclinavam para cima.
As suspeitas de Henri aumentaram e ela se recusou a aceitar o
fato de que ele parecia adorável quando tentava ser razoável; como
um tigre tentando se enturmar em um chá da tarde. Ele gesticulou
para um prato que havia colocado em sua mesa.
— Acredito que você deva estar com fome. — Para sua
mortificação, o estômago de Henri roncou alto e insistentemente
quando seus olhos focaram no prato contendo pão, queijo e uma
maçã levemente enrugada. — Eu já imaginava. — Ele deu uma
risadinha.
— Obrigada, eu poderia comer alguma coisa — disse ela,
evitando seu olhar com cuidado e movendo-se para a cadeira que
ele puxou para ela se sentar.
Ele se moveu para o outro lado da mesa e sentou-se também,
aparentemente determinado a vê-la quebrar o jejum. Henri o
ignorou. Estava faminta demais para deixar de comer e decidida
demais a não ser arrastada por caminhos perigosos novamente
para chamar a atenção dele.
Eles ficaram em um silêncio constrangedor pelos próximos dez
minutos, ou pelo menos Henri achou constrangedor. Sempre que ela
ousava dar uma olhada nele, ele parecia perfeitamente à vontade, e
tremendamente divertido quando ela desviava o olhar o mais rápido
que podia.
O que o diabo estava jogando agora?
— Muito bem — disse ele, como se eles tivessem parado de
falar e não sentado em silêncio pelo tempo que ela levou para
comer. — O que você gostaria de fazer hoje?
Ela franziu a testa, empurrando o prato para longe de si. Havia
uma nota sugestiva em suas palavras que ela tinha percebido, mas
nem pensar que ela iria reconhecê-lo. — Oh, que tal um passeio
pelos jardins de Vauxhall ou talvez fazer compras na Bond Street —
disse ela, com um aceno de mão e uma impressionante risada falsa,
antes de abandonar seu ato sarcástico e fazer uma cara feia para
ele. — Acredito que concordei em ser útil, então, talvez você possa
me encaminhar para a cozinha?
— Para a galé — corrigiu ele, com um sorriso paciente. — Não
se diz cozinha, e não há necessidade de ficar irritadiça comigo,
querida e, além disso, não, você não concordou.
Henri olhou para ele, intrigada. — Como assim? Você sabe que
eu concordei.
O capitão sentou-se e colocou os pés na mesa, observando-a
com aquela diversão sempre presente à espreita em seus olhos. —
Não, você não concordou, porque para concordar com algo, é
preciso que seja sugerido a você em primeiro lugar, e eu certamente
não sugeri que você trabalhasse na galé.
Ela cruzou os braços e resmungou, com aborrecimento. —
Sério, você precisa mesmo se preocupar com trivialidades? Estou
bem ciente do que você sugeriu e eu lhe disse claramente que sua
oferta é inaceitável.
Ele não disse nada por um momento e simplesmente levantou
uma sobrancelha escura. Foi o suficiente para fazer com que suas
bochechas ficassem vermelhas. Ambos sabiam muito bem que ela
não tinha sido tão clara sobre sua oferta como tinha insinuado. Ela
se levantou e olhou para ele, mantendo a voz calma e evitando seus
olhos.
— Capitão Savage, não desejo ser um fardo para você ou sua
tripulação. Por favor, mostre-me a… galé, para que eu possa ser
útil.
— Meu nome é Lars — disse ele, e ela olhou para ele surpresa.
— Lars?
Ele acenou com a cabeça, sorrindo para o olhar em seu rosto.
— Mas isso não é um nome — objetou ela. — É a abreviação de
alguma coisa?
Seu sorriso diminuiu um pouco e ele deu de ombros. — Talvez,
ou pelo menos foi há muito tempo.
— Ah? — Isso era mesmo arrependimento em seus olhos?
Intrigada, ela olhou para ele de perto e se perguntou quem ele
realmente era, ou pelo menos quem ele tinha sido. As pessoas
nasciam piratas? Ou o destino e as circunstâncias caíram sobre ele,
assim como aconteceu com ela. Ele tinha insinuado isso, pelo
menos. — É a abreviação de quê?
— Realmente não é importante — disse ele, acenando com a
mão em indiferença. — Mas eu insisto, já que vamos conviver em
lugares tão… próximos, que você me chame de Lars.
O tom sedutor estava de volta em sua voz e ela sabia muito bem
o que ele estava fazendo. Ela se levantou, endireitando os ombros e
olhando para ele, o que, para seu aborrecimento, pareceu diverti-lo
ainda mais.
— Capitão Savage — disse ela, com a voz tão fria quanto o ar
que ondulava na frente dela enquanto ela falava. — Leve-me para a
galé ou eu vou encontrá-la sozinha.
— Siga-me, Hetty — disse ele, usando um apelido que ela
desprezava.
— Henri! — corrigiu-o. — Eu detesto o nome Hetty, mas você
pode me chamar de senhorita Morton.
Ele deu uma risadinha. — Pois não, Henri. Eu posso ver o quão
bem esse nome combina com você — disse ele, levantando uma
sobrancelha.
Maldito seja o homem, zombando dela novamente, mesmo
assim o nome dela em seus lábios enviou uma emoção ilícita por
sua coluna.
— Não podemos pelo menos ser amigos? — perguntou ele,
enquanto tirava os pés da beirada da mesa e se levantava,
movendo-se com lânguida facilidade, olhando fixamente para ela.
— Nós não somos amigos, e eu não lhe dei permissão para usar
meu nome de uma maneira tão familiar.
Henri congelou, rígida de tensão quando ele começou a se
mover ao redor da mesa. Ela se virou e circulou a mesa, movendo-
se para o lado que ele tinha acabado de desocupar. Isso era
ridículo, ela pensou, enquanto o pânico começava a vasculhar seu
peito como um ratinho aterrorizado. Não que ela estivesse com
medo, ela corrigiu a si mesma, embora ter medo em tal situação
fosse bastante correto e apropriado. O fato de ela não ter tanto
medo dele quanto de si mesma, no entanto, era bastante ultrajante.
— Você realmente deseja que eu a persiga ao redor da mesa?
— perguntou ele, com um brilho alegre em seus olhos. Henri olhou
para ele e rezou para que ele atribuísse o rubor que ela podia sentir
colorindo suas bochechas à raiva e não ao fato de que ele quase leu
seus pensamentos.
— Claro que não!
Ele começou a rir e, então pareceu pensar melhor, limpando a
garganta. Com todos os vestígios de zombaria e diversão apagados
de seu rosto, ele olhou para ela com uma expressão de bondade e
sinceridade. — Senhorita Morton — disse ele, estendendo a mão
para ela. — Por favor, você poderia me acompanhar para dar uma
volta no convés?
Ela franziu o cenho para ele, perplexa por sua súbita mudança
de rumo.
— Está um dia lindo — acrescentou. — O sol está brilhando e
conheço um local coberto onde você pode aproveitar o sol. Será
mais quente do que esta caixa congelada, eu lhe garanto.
A ideia de sair da cabine e sentir o sol em seu rosto era muito
atraente para recusar. Além disso, ela certamente estaria mais
segura lá fora do que aqui sozinha com ele.
— Isso seria… adorável — respondeu ela, embora ela não
confiasse nem um pouco na mudança em seu comportamento. Ela
estava perfeitamente ciente de que ele estava simplesmente
tentando outra abordagem. Não havia dúvida em sua mente de que
ele pretendia seduzi-la, e apesar do fato de que a ideia fazia seu
sangue vibrar em suas veias, ela não tinha intenção de deixá-lo.
Deixe-o tentar seduzi-la, pensou ela, rangendo os dentes, pois em
troca ele a acharia tão fria e acolhedora como o mar abaixo deles.
Com relutância, ela permitiu que ele colocasse a mão em seu
braço e o seguiu até o convés.
Capítulo 12

“No qual o passado reaparece e zomba dos vivos.”

Lars observou a senhorita Morton enquanto passeava com ela


pelo convés. Os seus homens os cumprimentavam com uma
mistura de comentários obscenos e indecentes de boa índole, e ele
notou a reação dela a cada um deles.
— A cama do capitão tava quente o suficiente pra ocê? — gritou
Jay para ela, do outro lado do convés, seus olhos astutos e
parecendo os de um rato brilhando debaixo do sol forte. — Pois se
num fô, tô à disposição, senhorita, cê deve tá quereno uma cama
flexível mais quente esta noite? — acrescentou ele, com um olhar
malicioso e um movimento grotesco de seus quadris estreitos.
Lars sorriu enquanto Henri encarava o homem, sem piscar, e
então o olhava de cima a baixo, devagar e com desprezo. Aos olhos
do mundo, parecia como se estivesse avaliando um cavalo e
descobriu que era um cavalo deplorável em vez do puro sangue,
como anunciado.
— Prefiro o abraço frio do oceano a receber suas atenções,
senhor, e agradeço que guarde seus comentários repugnantes para
si mesmo.
Havia pouca ou nenhuma expressão em sua voz. Ela parecia
entediada e nem um pouco impressionada, e os homens caíram na
gargalhada, deixando Jay bastante inquieto.
Lars estava cheio de… o que, ele se perguntou? Orgulho, ele
percebeu com um sobressalto. Ela estava sozinha, sem amigos e
nas mãos de homens de quem ela sem dúvida esperaria o pior, mas
ela não se encolheu nem se escondeu. Ela saiu com aquelas garras
afiadas e seus olhos castanhos brilhando com fogo e se manteve
firme. A constatação inquietante de que ele a admirava se instalou
em seu peito, e não era uma sensação confortável. Ele não queria
admirar nada além de sua beleza e a maneira como ela ficaria nua
em sua cama.
Embora, se não chegassem a águas mais quentes logo, ele teria
que se contentar em tatear sob um monte de cobertores. Uma pena,
mas os mendigos não podiam escolher.
Ele a afastou dos homens e a empurrou para frente até que eles
estivessem no tombadilho.
— O que é isso? — perguntou ela, interrompendo as imagens
agradáveis que ele começava a considerar, sobre como exatamente
ela era sob todas essas camadas. Em um esforço para impedir que
seus pensamentos girassem em círculos mais inquietantes, ele
olhou para onde ela apontava e viu, para seu aborrecimento, que o
veleiro estava navegando velozmente.
— Mousy! — gritou ele, e estendeu a mão para pegar a luneta
enquanto o grandalhão se juntava a ele.
Ele levou a luneta ao seu olho e focou-a. Ele sentiu uma onda
de frio fluir sobre ele tão intensa que ele sabia que eles deviam tê-lo
visto estremecer.
— O quê? — indagou Mousy. — O que é?
Ele não conseguia responder. Havia gelo em seu estômago e
sua mente corria em círculos. Mousy arrancou a luneta de sua mão
e olhou para ver qual era o problema, mas apenas franziu a testa.
— O Vingança? — disse ele, uma pergunta em sua voz. — Isso
num é um navio da Marinha e num é da Guarda. Isso é um navio
mercante.
Lars assentiu. Era mesmo.
Pertencia à uma companhia mercantil muito próspera, e ele
sabia quem era o dono. Era um navio feito para a velocidade, para
mover as coisas rapidamente, não aos poucos e, até onde ele sabia,
a companhia nunca havia caçado piratas ativamente. Ele duvidava
que isso tivesse mudado. Então, por quê? Por que um navio
mercante estaria atrás dele? E por que essa embarcação em
particular?
Ele sentiu como se sua mente estivesse escorregando no
melado enquanto tentava entender, mas falhava. Ele se virou e viu
Henri estudando-o. Aqueles olhos castanhos o observavam,
francos, abertos e curiosos. Ele passou a mão pelo cabelo, ciente
de que Mousy estava olhando para ele com preocupação, mas… ele
simplesmente não conseguia… pensar.
— Faça uma manobra evasiva — disse ele, observando a
progressão do navio através da água como se estivesse observando
um relógio de areia, presenciando os grãos arrematarem,
gradativamente, seu tempo restante. Ele desviou o olhar e virou-se
para Mousy. — E haja o que houver, não revide.
Mousy olhou para ele em choque, sua boca aberta de surpresa.
— Mas… mas, capitão…
— Sem mais! — gritou ele, de repente furioso. — Essas são as
minhas ordens.
Lars girou nos calcanhares e foi embora, de volta para sua
cabine, batendo a porta atrás dele. Ele andava de um lado para o
outro, tentando clarear a mente, mas nada fazia sentido. Pegando
uma garrafa, ele puxou a rolha com os dentes e bebeu longamente
antes de se sentar em frente à sua mesa. Ele colocou a garrafa
entre os pés e olhou para ela, com a cabeça nas mãos. Esse seria o
seu fim? Os destinos eram tão cruéis que fariam isso com ele para
satisfazer seu amor pela ironia?
Ele olhou para cima quando a porta se abriu, com a intenção de
gritar com quem quer que fosse para dar o fora, mas seu olhar caiu
sobre a figura ansiosa da senhorita Morton. Ela fechou a porta e
correu em direção a ele, e para sua surpresa caiu de joelhos ao lado
de sua cadeira.
— O que está acontecendo? — perguntou ela.
Ele franziu a testa, olhando para ela e sentindo ainda mais que o
destino estava brincando com ele. Por que ela se importaria? Por
que suas palavras eram tão suaves? E por que diabos ela estava
olhando para ele com tanta preocupação?
— Não se preocupe, senhorita Morton — disse ele,
perguntando-se por que sua voz soava tão morta já que ele ainda
estava vivo. — Eu não vou deixar nenhum mal acontecer a você.
Isso é provavelmente uma resposta às suas orações.
Ele estremeceu quando uma mão macia e quente cobriu a sua.
— Mas não às suas, pelo visto.
Ele riu e puxou a mão, embora não quisesse nada além de
pegá-la na sua e levá-la para a cama. Provavelmente seria a última
coisa que ele faria, no fim das contas.
— Você está com medo? — perguntou ela.
Ele olhou para ela, bruscamente. Ela estava insinuando que ele
era um covarde? Ele nunca fugiu de uma luta em sua vida. Ele
podia ter uma reputação como um amante carismático e encantador,
mas ele não viveu tanto tempo em um mundo brutal para ter medo
de uma luta. Mas não foi acusação que ele viu em seus olhos, foi
compaixão.
— Não estou com medo — respondeu ele, com a voz dura.
— Então, por que você parecia ter visto um fantasma quando
avistou aquele navio?
Uma risada sem alegria escapou de seus lábios. — Talvez eu
tenha visto. — Ele se abaixou e agarrou a garrafa de seus pés,
dando um longo gole mais uma vez, mas para seu aborrecimento
ela a arrancou dele, enfiou a rolha de volta e a enfiou na gaveta da
escrivaninha mais próxima.
— Se você quiser encontrar uma saída para qualquer situação
em que parece estar, acho que precisa ter a cabeça limpa. Não
concorda? — indagou ela.
Lars encarou-a. Aqueles olhos castanhos e quentes fitavam-no
com uma determinação tão feroz, como se ela tivesse decidida a
salvá-lo novamente e teria êxito.
— Por que você se importa? — perguntou ele, recusando-se a
acreditar no que viu lá fora. — Eu não vou conseguir escapar dessa
vez. Eu não posso fugir deles e não tivemos tempo para racionar
adequadamente, então, eles podem apenas ficar no nosso encalço
até morrermos de fome ou os homens decidirem me entregar em
troca de sua liberdade, e eu tenho uma boa ideia do que eles
escolherão.
— Mas então, por que você não luta? — insistiu ela, e ele ficou
bastante surpreso com a ferocidade por trás de suas palavras. —
Você não é o Patife? As histórias que li sobre aquele homem me
levam a acreditar que ele nunca fugiria de uma luta!
— Eu não posso atirar no Vingança! — gritou ele, com
frustração e, então, enterrou a cabeça nas mãos.
Ele merecia isso, percebeu, ele sabia que merecia. Mas como
diabos iria sair dessa confusão? Ele não podia permitir que o
Vingança explodisse seus homens para dentro da água, e se ele
não assumisse o controle da situação e os levasse para enfrentar o
navio, eles nomeariam outro capitão que o faria. E ele também não
podia permitir isso. Nenhum mal aconteceria ao Vingança, ele não
deixaria isso acontecer, não agora.
Ele se assustou quando o deslizar suave de uma mão acariciou
seu cabelo. Era calmante, relaxante, e ele respirou fundo quando
ela repetiu o movimento.
— Quem está naquele navio? — perguntou ela, com a voz
calma.
Ele olhou para cima para ver aqueles lindos olhos mirando-o
como se ela realmente se importasse, como se ela pudesse salvá-
lo, se possível fosse. Ele sentiu o coração apertar no peito. Bem, o
destino estava realmente fazendo valer seu dinheiro hoje, ele
pensou com um sorriso amargo. Agora lhe manda uma mulher
assim, quando não havia nada que ele pudesse fazer a respeito.
— O passado — sussurrou ele. — O passado está naquele
navio e não posso causar mais danos do que já causei.
Ela franziu a testa e estendeu a mão, segurando seu rosto, e
seu polegar acariciando sua bochecha. — Você está em apuros,
não está, pirata?
Apesar de não querer, ele riu. — Pode-se dizer que sim. — Ele
não se atreveu a se mover mais por medo de que ela removesse
sua mão. Ele não queria que ela o fizesse.
Lawrence queria sentar-se ali e olhar para aqueles olhos
bonitos, sentindo a mão dela, quente contra sua bochecha. Ele
queria fingir que aquele grande espectro sinistro no horizonte não
era nada mais do que uma nuvem de tempestade que passaria se
ele fosse paciente. Se ele continuasse olhando em seus olhos.
— Há algo que eu possa fazer? — perguntou ela.
Beije-me.
As palavras estavam em sua cabeça em um instante e ele sabia
que ela devia ver em seus olhos, mas ele não disse nada. Ele não
sentia que podia. Agora não. Se ele fosse morrer, tanto enviado
para as profundezas do oceano ou enforcado, ele faria uma coisa
boa antes de morrer. Ele não aceitaria nada mais dessa mulher do
que já havia sido tirado. Mas então, ela se moveu para frente e
pressionou seus lábios contra os dele.
Capítulo 13
“No qual incêndios são provocados em uma sala cheia de pólvora.”

Henri se afastou e viu seu próprio choque refletido em seus


olhos. O azul-brilhante parecia opaco, sua expressão tão
desesperadora que ela não sabia mais o que fazer. Ela só sabia que
queria o pirata insuportável e arrogante de volta, aquele homem
encantador demais com os olhos azuis e alegres que faziam seu
sangue ferver e seu coração disparar. Ela queria tirar a dor que viu
em seus olhos e tirar a sombra do passado que pairava sobre ele.
Ela sentiu que quase podia vê-lo, pelo menos o peso dela, enquanto
curvava os seus ombros. E então ela o beijou.
Ele prendeu a respiração na primeira pressão de seus lábios,
um sinal encorajador, ela pensou, quando ela recuou, só um pouco,
para roçar seus lábios contra os dele novamente. Ela estava
hesitante, não muito certa do que estava fazendo, e apenas
sabendo que estava imitando a maneira como ele a beijara
anteriormente. Teria sido mesmo naquela manhã?
Mas não era apenas choque em seus olhos, e seu coração
começou a bater com selvagem abandono quando ela entendeu o
que isso significava.
Ela tinha lido romances suficientes em sua vida para saber que
ela nunca poderia ser feliz casada com um homem frio e indiferente
que nunca a amaria desesperadamente. Ela queria conhecer o amor
e a paixão, saber o que era ser desejada acima de tudo. Bem, seu
plano tolo podia significar que ela não saberia o que era estar
casada com um homem que a amava, mas ela sabia que este
homem precisava dela, pelo menos naquele momento. E ela era
provavelmente a maior tola do mundo, mas não podia mais se
afastar dele, considerando que agora ela poderia ter deixado os
homens da milícia arrastarem-no para a forca.
Ela levantou a outra mão, segurando o rosto dele entre elas e
sentindo um calor que se espalhava por seu peito enquanto um
sorriso repuxava aquela boca linda dele.
— Senhorita Morton — disse ele, com a voz baixa e um fio
familiar de diversão por trás das palavras. — Você é a jovem mais
rebelde que eu já conheci, e… — Ele balançou a cabeça e acariciou
a bochecha dela com os nós dos dedos. — Você nunca deixa de me
surpreender.
Ela sorriu e piscou, encontrando uma expressão suave em seus
olhos. — Meu nome é Henri.
Ele riu disso, e seu coração se acelerou com o som.
— Bem — disse ele, pegando uma das mãos dela e levando-a
aos lábios. — Nesse caso… meu nome é Lawrence. — Ele deu um
beijo em seus dedos, seus olhos nunca deixando os dela. — E, fora
o Mousy, você é a única pessoa a bordo que sabe disso.
Ela piscou, surpresa por ele ter escolhido compartilhar algo que
ele claramente se esforçava muito para manter em segredo.
— Lawrence — repetiu ela, sorrindo. — Eu gosto muito desse
nome. Mas eu prometo a você que nunca vou usá-lo na frente de
seus homens. Você será Lars, até que diga o contrário.
— Use-o agora — disse ele, com a mão se fechando em torno
da dela, e tal desespero em sua voz que ela não sabia como
responder. — Por favor. Eu quero ser Lawrence novamente, apenas
por um tempo, pelo menos.
Ela hesitou, o que ela deveria fazer? Ela não o deixaria morrer.
O que quer que ele tivesse feito, ela não acreditava que ele fosse
um homem mau. Ela precisava saber exatamente o que estava a
bordo daquela embarcação que fazia tanta culpa queimar em seus
olhos. Mas ele só diria isso a ela se confiasse nela.
Ela segurou a mão dele na dela e a levou ao rosto, antes de
virar a cabeça e beijar seus dedos, um por um.
— Lawrence — murmurou ela, seu nome contra sua pele,
sentindo com prazer o arrepio que o percorreu.
Havia uma voz em pânico gritando em sua cabeça, lembrando-a
de como boas moças se comportavam. Mas ela nunca tinha
conseguido ser uma boa moça. Ela tinha um pavio curto, era muito
teimosa, obstinada e impetuosa.
Se ela fosse uma boa moça, teria ficado encantada de ter
encontrado um marido tão rico como o conde de Falmouth. Ela não
teria corrido para uma parte duvidosa da cidade, sozinha, à noite,
para chantagear um pirata para que não precisasse casar-se.
A voz ficou mais fraca a cada momento. Sua mão grande era
áspera e calejada e ela começou a imaginar qual seria a sensação
dela deslizando sobre sua pele. Oh, meu Deus, Henri, pare, mas ela
não podia. Ela virou a mão dele e pressionou a boca na palma dele
antes de olhar para cima. Seus olhos estavam escuros, sua
respiração irregular, e ela sabia o que devia fazer, o que queria
fazer.
— Beije-me — disse ela.
Ele se acalmou e, por um momento, ela sentiu como se seu
coração estivesse esperando-o se mover, antes de ousar bater
novamente. E então a mão dele estava na cintura dela, puxando-a
para ele, e ela foi de bom grado.
Ela se moveu para frente, no espaço entre suas coxas enquanto
ele a puxava para perto. Uma mão agarrou-a na parte inferior das
costas, a outra embalou sua cabeça. Ela estendeu a mão,
encontrando sua boca enquanto sua cabeça se inclinava em direção
a ela e, desta vez, não houve um roçar gentil de lábios, aquilo não
foi nada gentil.
Seu beijo era firme e desesperado, e ela arquejou de surpresa
quando sua língua invadiu sua boca. Ela ficou tensa em seus braços
– mas ele persistiu – sua língua acariciando a dela, o calor dele
como se estivesse envolvido em uma chama comparado com a
temperatura gélida do quarto.
Encorajada por seu exemplo, ela começou a imitar seus
movimentos enquanto suas bocas trabalhavam com crescente
necessidade. Ela colocou a mão sob o casaco dele até que apenas
o tecido fino de sua camisa estivesse entre eles. Tranquilizada por
sentir que seu coração batia forte assim como o dela, ela estendeu
a outra mão e a deslizou ao redor de seu pescoço, enroscando os
dedos em seu cabelo espesso e puxando a cabeça dele para ela.
Oh, meu Deus, como isso era bom. Ela se sentiu quente pela
primeira vez desde que saiu de casa naquela noite gelada. Exceto
que não era apenas calor, era fogo, uma queimação luxuosa que
ardia logo abaixo de sua pele, e o coração do fogo estava sendo
aceso em algum lugar dentro dela. Cada deslizar de sua língua, sua
boca, suas mãos, adicionavam combustível ao fogo, e ela queria
queimar.
Isso, ela percebeu, era sobre isso que Annie a havia alertado.
Ela nunca tinha entendido realmente a ideia de que uma mulher
pudesse ficar tão perdida no toque de um homem que ela faria
qualquer coisa, arriscaria qualquer coisa para estar com ele e sentir
seu toque novamente. Mas agora, ah, agora ela sabia.
Seu corpo clamava por mais, sua pele precisava sentir as mãos
dele contra ela, e havia uma dor profunda e clamorosa dentro dela.
Aquilo exigia sua atenção, a sensação de vazio e vácuo que só ele
poderia preencher.
A mão dela deslizou pelo peito duro dele, sentindo os músculos
tensos sob as pontas dos dedos e desejando que não houvesse
nenhum pano para impedi-la de tocar a carne quente embaixo. Ela
permitiu que sua mão descesse ainda mais, descansando em sua
coxa grossa e deslizando para seu quadril, notando com satisfação
a forma como seu toque aumentava seu desejo enquanto ele gemia
em sua boca.
Com a confiança crescente, ela alcançou sua camisa,
agarrando-a e puxando-a dos limites de seu cós. E, então, suas
mãos resvalaram sob o material irritante e deslizaram sobre sua
pele.
Ele fez uma pausa, sua boca ainda tão perto dela, mas agora
seus olhos eram o que a consumia, seu olhar quente tão íntimo
quanto sua boca e língua tinham acabado de ser. Ela o viu observá-
la, enquanto suas mãos exploravam abaixo da camisa.
Começando pelos ombros largos, suas mãos deslizaram para
baixo, sobre os fortes contornos de seu peito. Havia uma chave
pendurada em um cordão em volta do pescoço. Ela tocou o metal,
quente por sua conexão contínua com a pele. Irracionalmente, ela o
invejava, tão perto de seu coração. Ela recomeçou sua exploração,
descendo sobre seu abdômen tenso, encontrando o rastro de
cabelo grosso que fez cócegas em seus dedos, e foi descendo mais
ainda.
Ele arquejou e arrancou as mãos dela. Ela quase gritou com
medo de que ele fosse detê-la agora, mas então ela viu pela
expressão em seus olhos que ele não tinha intenção de que eles
parassem.
— Levante-se — exigiu ele, com a voz áspera.
Ela fez o que ele pediu, quase tropeçando e caindo em suas
próprias saias em sua ânsia de obedecê-lo. Com dedos
desajeitados nos botões, ela tirou a peliça, permitindo que o veludo
azul-escuro caísse em uma pilha amassada no chão.
— Venha aqui. — Se sua maneira exigente a tinha irritado antes,
agora a fez parar de respirar, e ela subiu na cadeira enquanto ele
fazia montar em seu colo.
Uma vozinha sussurrou em seu ouvido, implorando por
decência, repreendendo o que ela estava fazendo, pois ela
imaginava que deveria parecer uma prostituta comum se alguém os
encontrasse agora. Mas, logo, suas mãos agarraram sua cintura e a
puxaram para baixo, e ela arquejou quando a evidência de seu
desejo foi claramente demonstrada.
Suas saias subiram, então não havia nada além do tecido de
suas calças entre elas. Ela ficou momentaneamente satisfeita por
não ter cedido à vendedora, em uma recente viagem de compras,
que tentou lhe vender a última moda na forma de um chocante par
de calças. Mas então ele inclinou os quadris e se esfregou contra
ela, e sua respiração ficou presa na garganta.
O quarto ainda estava gelado, ela sabia que devia estar, mas
não sentia. Ela não sentia nada além da calidez dele, o calor de sua
carne sob o tecido de suas roupas que ela queria arrancar de seu
corpo. Ela estava vagamente ciente de que estava nas garras de
algum tipo de loucura, mas longe de se importar.
Ele procurou sua boca novamente. Ela a ofereceu a ela, sua
respiração acelerada agora, pontuada por suspiros, gemidos e
pequenos ruídos ofegantes que pareciam inflamá-lo mais enquanto
suas mãos deslizavam pelos lados para cobrir seus seios. Seus
dedos acariciaram seus mamilos, torturando as pequenas
protuberâncias apertadas de carne através do tecido de seu vestido.
Aparentemente frustrado com a inconveniência de seu vestido,
ele puxou os botões e arrancou o tecido, abrindo-o para expor seus
seios, e ela arquejou quando o ar frio atingiu ainda mais a pele
tensa. E, no entanto, isso não era nada comparada a sensação de
sua boca quente e molhada se fechando sobre a carne macia e
chupando-a até ela gritar.
Sua cabeça inclinou para trás, os olhos fechados quando algo
dentro dela pareceu se contrair e a dor se intensificar. Ela enterrou
as mãos em seu cabelo, puxando sua cabeça para mais perto
enquanto a pele sensível entre suas pernas começava a pulsar. Ela
se arqueou e pressionou contra ele com mais força, buscando alívio
da sensação que a levava à loucura. Pois se aquilo não era loucura
– a arrebatadora necessidade por aquele homem – então ela não
sabia o que era.
Ele parou, de repente, sua cabeça descansando contra seu
peito, sua respiração áspera e ela inclinou a cabeça, com a intenção
de beijá-lo novamente, mas diante do olhar dele, ela parou.
— Oh, Céus, Henri — sussurrou ele. — O que é que você fez?
— O quê? — indagou ela, perplexa, imaginando que diabos ele
queria dizer com aquilo.
Ele agarrou-se a ela, seu abraço tão feroz que ela mal podia
respirar. Em seguida, com um praguejar selvagem ele ficou de pé,
depositando-a não muito gentilmente na cadeira que ele tinha
acabado de desocupar, e cruzando a cabine. Aparentemente, ele
queria colocar a maior distância possível entre eles.
— O que foi que eu fiz? — perguntou ela, enquanto a cor
inundava suas bochechas.
Ela estava mortificada, humilhada. Com os dedos trêmulos, ela
reorganizou sua roupa até ficar mais modestamente vestida. Ela se
sentia uma tola, uma vadia. O que ela poderia ter feito para acabar
seu desejo por ela tão completamente? E, no entanto, quando ele
olhou para ela, ela ainda podia ver esse desejo em seus olhos como
se fosse uma coisa viva que rondava entre eles, devorando a
distância do cômodo com o calor que queimava entre eles.
— Nada… tudo! — exclamou ele, passando a mão trêmula pelo
cabelo.
— Você nã-não me quer? — perguntou ela, não ousando
acreditar na evidência de seus próprios olhos quando ele estava tão
longe dela.
Ele riu, uma gargalhada que soou como se ele estivesse no
limite de seu juízo. Talvez ele estivesse? Isso tinha sido culpa dela?
— Claro que eu quero você, sua tolinha — grunhiu ele, mas
como suas palavras estavam tão zangadas, ela não se sentiu
reconfortada. — Eu quero você — repetiu ele. — Mas eu quero você
o suficiente para não a arruinar.
— O quê? — Ela o encarou como se ele realmente tivesse
enlouquecido. — Que diabos você quer dizer? Fiquei arruinada no
momento em que a milícia apareceu do lado de fora daquela
taverna, e você sabe disso!
Ele balançou a cabeça e encontrou os olhos dela.
— Não. Você tem uma chance agora, Henri, e eu não posso…
Eu não vou tirar isso de você. Eu não vou condená-la a uma vida
onde você terá que lutar pela sobrevivência, sem falar na felicidade.
Posso estar além da salvação, mas você… Pelo amor de Deus,
deixe-me, pelo menos uma vez na vida, fazer a coisa certa.
Ela o encarou, sem entender como ele acreditava que ela
poderia ser salva agora, e ainda mais perplexa com a ideia de que
ela não tinha certeza se queria que ele a salvasse.
Ele se aproximou dela e agachou-se para que seus olhos
ficassem no mesmo nível.
— Henri — disse ele, com a voz suave. — O comandante
daquele navio, ele é um homem bom e honrado. — Ele estendeu a
mão e pegou na dela, cobrindo-a com a sua. A dor em seu corpo
parecia florescer novamente, só que dessa vez seu coração era a
principal fonte.
— Ele vai ajudá-la, Henri, eu tenho certeza disso.
Capítulo 14
“No qual uma dama pode ser salva e não fica muito satisfeita com
isso.”

Henri franziu a testa. Em seu cérebro parecia como se o mundo


tivesse virado de cabeça para baixo e tudo o que ela entendia
tivesse sido abalado, revirando-se com ele. O pirata, o perverso
corsário com fama de ladrão e sedutor, estava tentando salvá-la.
Isso em si era… bastante inacreditável. Havia uma incerteza
atormentadora em seu coração que lhe dizia que ela realmente não
queria ser salva… Este fato era chocante, e possivelmente não tão
fora de seu caráter como ela gostaria de acreditar.
— Mas então… se isso for verdade, ele não poderia ajudá-lo
também?
Ela assistiu Lars… Lawrence balançar a cabeça. Ele sorriu, mas
havia uma tristeza oculta que ela queria entender.
— Ele é um bom homem, mas não pode fazer milagres. — Ela
viu uma sombra entrar em seus olhos e sabia que o passado estava
perseguindo-o mais uma vez. — Eu não tenho certeza se ele iria
querer — acrescentou ele, como se estivesse falando consigo
mesmo e, em seguida, demonstrou uma ansiedade repentina em
seus olhos. — Eu não o culparia — disse ele, como se soubesse
que ela aceitaria e querendo inocentar o homem.
Ela sentiu o calor sólido de sua mão, que ainda estava
segurando a dela, e deu um leve aperto, esperando que a
intimidade de seu toque pudesse fazê-lo confiar nela. — Quem é
ele? Quem é ele para você?
Ele balançou a cabeça, e ela sabia que não ia realizar seu
desejo. — Alguém que eu conheci uma vez.
Ela não teve oportunidade de questioná-lo mais, pois houve uma
batida na porta. Ele soltou a mão dela e um momento depois, Mousy
enfiou a cabeça pela porta.
— Cê precisa vê isso, capitão.
Ele estava fora da porta antes que ela pudesse dizer outra
palavra, e ela foi deixada sozinha. Ela estremeceu. Sua partida
parecia ter roubado o calor que ele havia trazido, e ela se sentiu
subitamente fria e doente, e muito sozinha. O que ela estava
fazendo? O que, em nome de Deus, ela estava fazendo?
Se realmente houvesse alguém naquele navio que pudesse
levá-la de volta para casa, de volta à sua vida, então ela deveria
agarrar a oportunidade com as duas mãos. Mas mesmo que o que
ele disse fosse verdade, como ele pensava em levá-la até ele? Ela
duvidava que a situação de uma garota pesasse muito nos ombros
de um homem que havia sido enviado para caçar um navio pirata.
Ela só podia imaginar que quem estava comandando o Vingança já
tinha sido seu amigo. Ela imaginou dois meninos e o modo como a
vida pôde ter conspirado para enviar um para o caminho certo e
outro para o errado. Como devia ser para ele ver que seu amigo foi
enviado para caçá-lo e mandá-lo para a morte?
Uma sensação gelada deslizou por sua espinha quando lhe
ocorreu a forma que ele iria levá-la ao Vingança. Ele se entregaria.
Seu coração parecia ter se alojado em algum lugar em sua
garganta e ela se levantou, pegando sua peliça e vestindo-a antes
de sair correndo da cabine, indo ao convés para encontrar
Lawrence.
Ela se virou e subiu os degraus até o convés, onde ele estava
com Mousy.
— Ele é muito rápido — disse o grandalhão, balançando a
cabeça.
Lawrence sorriu e ela pensou ter visto orgulho em seus olhos. —
Sim, ele é.
— Então, por que diabos não atirô em nós? — indagou Mousy, e
ambos observaram quando Lawrence começou a andar de um lado
para o outro. — Ele é mais do que capaz de dá voltas em torno
deste navio — continuou Mousy, enquanto a carranca de seu
capitão aumentava. — Eu tenho mantido ele afastado, mas ele tá
apenas nos seguindo. Nós fazemo um movimento e ele também faz,
mas não dá nenhum sinal que qué nos apanhá. Parece que ele só
qué que nós vê que tá lá.
Lawrence parou de repente e virou-se para olhar para Henri.
— Por que você veio atrás de mim? — indagou ele.
Henri se assustou, surpresa com o tom feroz de sua voz.
— Porque eu preciso falar com você, sobre o que você planejou.
Ele pareceu perplexo por um momento e então balançou a
cabeça. — Não agora! — disse ele, claramente impaciente. — Na
outra noite, quando você me procurou no Cabeça do Pangaré, por
que você veio? Eu sei que você precisava de dinheiro, mas para
quê?
Henri corou e seus olhos se voltaram para Mousy. Lembrar o
que ela tinha feito era humilhante o suficiente sem ter que explicar
isso na frente de mais alguém. Com uma bufada de aborrecimento
que parecia significar que ele entendia a relutância dela, ele a
agarrou pelo pulso e a levou escada abaixo, puxando-a de volta
para sua cabine.
— Desembucha! — exigiu ele uma vez que fechou a porta.
Ela se irritou com o tom de sua voz. — Eu realmente não acho…
— Senhorita Morton — disse ele, com a voz fria e dura,
dissipando quaisquer ideias românticas que ela pudesse ter de que
ele se importava com ela. — Eu tenho um navio que é capaz de nos
levar até o diabo às nossas portas e, ainda assim, ele não parece
inclinado a nos enfrentar. Quero saber por que isso está
acontecendo, e acho que tem algo a ver com você.
Ela não conseguia entender por que ele pensaria isso quando
havia uma razão mais óbvia. — Mas se este homem… se seu amigo
estiver no comando, talvez ele possa ajudá-lo, afinal?
Por um momento ele pareceu perplexo e então balançou a
cabeça, todo impaciente e com movimentos bruscos. — Ele não é
meu amigo, e ele pensa que estou morto — retrucou ele. — Não, é
você. Tem que ser você.
Henri abriu a boca e voltou a fechá-la. — Eu-eu — gaguejou ela,
quando lhe ocorreu que ele poderia estar certo. Ela não acreditou
por um momento que seu noivo se importasse com ela ou seu
destino, mas ele poderia se importar que algo tivesse sido tirado
dele. Da mesma forma como se Lawrence tivesse roubado um belo
quadro. Talvez ele de alguma forma descobriu seu paradeiro e
enviou alguém para recuperá-la para ele.
— Vim até você porque meu pai ia me casar com um homem
que desprezo. Mas o homem em questão é muito rico e se ofereceu
para pagar todas as dívidas de meu pai, além de dar-lhe uma
mesada pelo resto de seus dias.
Ela percebeu seu rosto se fechar. Ela não tinha ideia do que ele
estava pensando, mas sua postura ficou rígida e seus punhos se
cerraram.
— Entendo — disse ele. — Uma oferta muito generosa, mas
então… — Ele olhou para ela e ela pensou ter visto raiva em seus
olhos. — Mas então ele estava comprando algo realmente muito
bom.
Henri engoliu em seco. — Se meu pai não puder pagar suas
dívidas… — Ela deu de ombros, descobrindo que não podia
continuar.
— E esse homem rico — perguntou ele, com o tom cortante e
frio. — Quem era ele?
— Alexandre Sinclair. — Sua voz era quase inaudível agora e
ela teve a impressão de que alguma grande nuvem estava se
formando sobre eles. — O conde de Falmouth.
Ela viu Lawrence fechar os olhos, e ela pensou que ele parecia
estar com dor.
— Lawrence? — disse ela.
— Não — respondeu ele, seus olhos se abrindo e o azul
brilhando com raiva. — Não me chame assim. Eu sou o Capitão
Savage para você, está me ouvindo?
Ela arquejou, chocada e magoada com o comportamento dele,
mas não teve tempo de perguntar por que ele a tratava assim, pois,
mais uma vez, Mousy bateu na porta.
— Eles sinalizaram, capitão, eles querem a garota, e… eles
querem você.
O peito de Henri ficou apertado, era como se todo o ar tivesse
sido sugado para fora da sala, mas Lawrence… O Capitão Savage
não pareceu surpreso. Ele até sorriu um pouco, embora não fosse
uma expressão feliz.
— Diga-lhes que os termos são aceitáveis.
— O quê? — Mousy olhou para ele, sem entender, antes de
invadir o cômodo e bater à porta atrás dele. — Eu num vô fazê isso,
não! Que tem de errado com cê? — indagou ele. — Ainda temo uma
chance de lutar! Meu Deus, homi, nós pegamo o Corona e ele tinha
mais arma do que esse, então cê não pode tá quereno me dizê que
tá preocupado que tamos com poucas armas! Que diabos tá te
afligindo?
Ela observou, seu peito doendo quando viu a dor nos olhos de
Lawrence.
— É ele, Mousy, é o Alex.
Quem quer que fosse o conde para Lawrence, Mousy parecia
estar bem ciente da conexão. Os ombros do grandalhão caíram. —
Não — sussurrou ele, incrédulo. — Não, eu num acredito nisso.
— Nós não podemos fugir daquele navio, Mousy — disse
Lawrence, com a voz suave. — E eu não posso fugir do destino.
Não mais. Embora eu tenha tido uma vida melhor do que eu
merecia, graças a você, mas…
— Então eu vô com ocê — disse Mousy, cruzando os braços
enormes e se intrometendo antes que pudesse terminar a frase.
Lawrence sorriu para ele, cheio de afeição. — Eu sei que você
iria, eu sei que você quer, mas os homens precisam de você. Você
deve levá-los para longe, Mousy, eles não vão conseguir sem um
bom capitão.
Mousy balançou a cabeça e estendeu uma mão carnuda, um
dedo apontado para Lawrence. — Não… Eu…— começou ele, mas
Lawrence não quis ouvir.
— Droga, homem — gritou Lawrence, ficando com raiva agora.
Ele se virou e caminhou até sua mesa, abrindo as gavetas até
encontrar a garrafa que ela havia guardado lá mais cedo. — Este é
o meu navio, estes são os meus homens — gritou ele, puxando a
rolha e jogando-a no chão. — Eu não irei ao meu destino sabendo
que eles estão todos condenados também, e eles não estarão a
menos que tenham alguém inteligente para conduzi-los à verdade.
— Ele olhou para Mousy até que o homem corpulento pareceu se
encolher e olhou para o chão, balançando a cabeça.
— Nunca pensei em vê ocê ir dessa forma.
Lawrence deu de ombros e lhe ofereceu a garrafa. — Talvez
seja melhor assim.
Mousy franziu a testa e deu um longo gole, sua garganta
trabalhando enquanto ele engolia a bebida. Ele abaixou a garrafa e
olhou para Lawrence. — Talvez… talvez ele pode te ajudá?
Lawrence soltou um bufo de diversão enquanto pegava a
garrafa de volta. — Até mesmo o conde de Falmouth não tem esse
tipo de poder, e eu não ficaria surpreso se ele estivesse tão ansioso
para me ver enforcado, uma vez… uma vez que tudo ficar claro. —
Os dois homens se entreolharam. — Vá e envie a resposta.
Mousy hesitou por um momento, antes de tocar sua testa com o
dedo. — Sim, sim, capitão.
— Bom homem. — Lawrence sorriu para ele quando seu grande
amigo abaixou a cabeça e saiu da cabine.
Henri sentou-se na cadeira ao lado da escrivaninha, as mãos
agarrando os braços, de repente sem saber se suas pernas a
aguentariam por mais tempo. Ela estava exausta e os eventos dos
últimos dois dias eram tantos e tão violentamente, diferentes de tudo
que ela havia experienciado em sua vida, que ela mal podia
acreditar que aquilo era real. Era como se ela tivesse mergulhado
na vida de outra pessoa e não soubesse mais como deveria agir.
Ela levou a mão às têmporas. Sua cabeça estava doendo e ela
estava sobrecarregada. Ela não podia suportar a ideia de que
Lawrence iria se sacrificar para salvar seus homens. Certamente
tinha que haver outra maneira?
— Não há mais nada que possa ser feito? — perguntou ela,
olhando para ele.
Ele estava parado, apenas olhando para o outro lado da sala,
mas ela sabia que ele estava olhando para o passado e vendo
quaisquer eventos que o conduziam à vida que ele agora levava.
— Não — respondeu ele. — Nada. — Ele se virou e sorriu para
ela, acomodando-se na cadeira do outro lado da mesa. — Aquele
navio lá fora é o melhor de sua espécie. Ele é rápido, incrivelmente
manobrável e pelo menos… — Para seu espanto, ele sorriu para
ela. — Pelo menos vou poder velejar a bordo dele por um ou dois
dias. Eu nunca pensei que iria. — Ele se recostou na cadeira, seu
dedo traçando padrões no vidro da garrafa. — Eu vi os primeiros
projetos para ele, sabe. Eu sempre lhe disse que seria uma
belezura.
— Disse para quem? — perguntou ela, observando-o com
lágrimas ardendo atrás de seus olhos.
Ele se virou para ela e sorriu, e desta vez havia calor no azul.
— Meu irmão, Alexander Sinclair.
Capítulo 15
“No qual um pirata relembra o passado e revela a verdade.”

— Seu irmão! — exclamou ela. Seu rosto ficou atento, e ela se


perguntou em que ele estava pensando, porque ela não sabia o que
pensar. — Seu irmão é o conde de Falmouth? — disse ela, com a
voz fraca.
— Sim, ele é meu irmão… e seu noivo — disse ele.
Ela não conseguia avaliar o que ele pensava sobre isso. Seu
olhar era um vazio cuidadoso e sua voz era inexpressiva. — Aqui —
disse ele, despejando uma dose da garrafa em um copo pequeno e
deslizando-o pela mesa para ela — Tente não o deixar cair —
acrescentou ele, sorrindo.
Ela pegou e tomou um gole, estremecendo com o gosto forte,
mas precisando da queimação que descia por sua garganta.
— Eu não entendo por que você está tão desesperada para não
se casar com ele — perguntou ele. Ele não estava mais olhando
para ela, mas voltou a desenhar padrões na garrafa de vidro. — Ele
é o próprio modelo de nobreza, honradez e verdade… sem
mencionar o quão rico ele é — acrescentou ele, rindo, embora
naquela altura ela tivesse certeza de que havia um tom amargo em
sua voz.
— Eu acho — disse ela, escolhendo suas palavras com cuidado.
— Que já se passaram alguns anos desde que você viu seu irmão.
— Que diabo você quer dizer com isso? — indagou ele,
inclinando-se para frente e os braços cruzados sobre a mesa na
frente dele.
Ela hesitou, não queria destruir a nobre memória que ele podia
ter de um irmão amoroso, mas o homem que ela conhecera, mesmo
que tão pouco quanto o conhecera, não correspondia à essa
descrição.
— Desembucha — gritou ele, e ela pulou em seu assento. Sua
raiva por ele aumentou ao ouvi-lo falar com ela daquela forma, como
se a doce intimidade de tão pouco antes tivesse sido facilmente
esquecida.
— Seu irmão é um libertino — disse ela, com desgosto. — Ele é
conhecido por ser mulherengo, beber em excesso e por seu
comportamento frio. Eu não vi nada nele que me fizesse acreditar
que esses rumores não sejam baseados em nada além da verdade.
Ele se levantou tão de repente que a cadeira em que estava
sentado caiu no chão, mas ele não pareceu notar. — Você vai retirar
o que disse — gritou ele.
Henri ofegou. — Eu não vou! — respondeu ela, enquanto a raiva
dele disparava a dela a maiores patamares mais elevados. — Por
que você acha que eu fugiria de um casamento com um homem
honroso? — indagou ela, batendo o copo no topo da mesa em sua
raiva. — Aposto que você, um pirata, tem mais honra do que aquele
homem jamais teve.
— Você não sabe nada sobre ele! — enfureceu-se ele. Ele olhou
para ela, aparentemente furioso demais para falar, mas
eventualmente balançou a cabeça, segurando o olhar dela. — Você
não o conhece, Henri — disse ele, e ela sentiu sua raiva se
dissolver com a maneira suave como ele disse seu nome. — Ele
sempre foi assim. Ele é mais velho que eu, sabe, quase dez anos.
Ele sempre encontrou uma maneira de levar a culpa pela minha
estupidez e descuido sem fim. Eu estava sempre em apuros de um
jeito ou de outro, e ele estava sempre me puxando para fora pelas
minhas orelhas. De alguma forma, ele sempre conseguiu arranjar
para que ele fosse considerado o culpado e eu fosse o filho de ouro
que nunca cometia um erro. Até que eu me meti numa confusão que
nem ele conseguiu me salvar… embora ele quase tenha morrido por
isso.
Ela viu a culpa em seus olhos e percebeu que esse era o fardo
que ele vinha carregando por muitos anos.
— Eu pensei que o tinha matado — disse ele, de repente. —
Pensei que o tinha matado. — Ele se encostou na mesa, uma mão
cobrindo os olhos e Henri correu para ele. Ela endireitou a cadeira e
o levou até ela, fazendo-o sentar-se.
Ela se ajoelhou diante dele, como havia feito naquele dia, e
cobriu a mão dele com a dela.
— É por isso que voltei. — Sua voz era baixa e ele não olhava
para ela; sua estava cabeça inclinada, seus olhos claramente
treinados em alguma memória que doía recordar. — Ninguém além
do Mousy sabe quem eu sou, e evitei perguntar por aqueles com
quem me importava desde então. Eles estavam tão mortos para
mim quanto eu estava para eles, melhor para eles assim. Mas
então, por acaso, Mousy soube que meu pai, o conde, havia
morrido. Ele estava doente há muito tempo. Eu apenas presumi que
o título iria para nosso primo, e então ouvimos que Alex estava vivo.
Foi praticamente um milagre.
Ele esfregou os olhos com as costas da mão. — Então, eu
voltei. Não que eu pudesse mudar alguma coisa. Não para tentar
me desculpar ou me explicar, porque não há palavras para isso, e
muito menos para tentar voltar à minha antiga vida. Eu sabia que
isso tinha desaparecido há muito tempo.
Ele deu uma risada amarga e seu peito doía ao ver a dor em
seus olhos. — Eu só queria vê-lo com meus próprios olhos, sabe.
Saber que ele estava realmente vivo. Todos esses anos eu
carreguei a culpa disso. O conhecimento de que eu tinha matado
aquele bom homem, meu irmão, aquele que sempre cuidou de mim.
Eu teria feito qualquer coisa que pudesse para mudar isso. Mas eu
fui gravemente ferido naquela noite também, e quando eu estava
recuperado o suficiente para entender o que tinha acontecido, eu
estava a meio caminho do outro lado do mundo. Não havia nada
que eu pudesse fazer. Eu pensei que estava condenado —
sussurrou ele. — Então, o que importa o que eu fiz? Como eu vivia
não tinha importância, eu não pretendia fazer isso por muito tempo,
em qualquer caso.
Ela apertou a mão dele, desejando que ele olhasse para cima.
— Você não está condenado, Lawrence, e eu imagino que
nunca esteve, mas seu irmão… ele não é o mesmo homem que
você lembra.
Ele balançou a cabeça e ela pôde ver que suas palavras o
irritavam novamente. — Talvez eu não tenha sido condenado
naquela noite, mas por tudo o que se seguiu… Não passei bem os
últimos dez anos da minha vida, Henri. Eu roubei e mantive homens
e mulheres como reféns, tanto por diversão quanto por dinheiro —
enfureceu-se ele. — Eu gostava da emoção disso, sabe, do perigo,
mas não é o tipo de vida que fica impune. — Ele suspirou, e a raiva
pareceu se esvair dele. — E nem deveria — acrescentou ele.
— Lawrence, escute-me. Eu não acredito que o homem a bordo
daquele navio irá ajudá-lo, seu irmão ou não. Ele não é como você,
certamente não é o homem de quem você se recorda. — Ela se
lembrou das breves entrevistas às quais havia sido submetida,
antes que o conde se dignasse a tomá-la como esposa. Ela
estremeceu com a lembrança. — Ele é um homem frio e perigoso,
Lawrence. Ele é conhecido por destruir seus inimigos. Ele destruiu
lorde Heywood há dois anos. O homem atirou em si mesmo depois
que seu irmão tirou tudo dele em um jogo de cartas! Há até rumores
que ele…
Ela parou de repente quando percebeu o que estava dizendo.
— Matou o próprio irmão? — completou ele para ela, com a voz
quieta. — Sim, eu ouvi isso. E agora você vê como o julga mal. Alex
acreditava que eu estava morto depois daquela noite horrível, e ele
permitiu que as pessoas acreditassem que ele era o responsável
por isso para que meu pai não suportasse a vergonha de saber que
seu filho tinha sido morto pela milícia por contrabando, pois era isso
que eu estava fazendo naquela noite. Do jeito que estava, partiria o
coração do meu pai. — Ele engoliu em seco e olhou para ela. —
Não sei o que aconteceu com lorde Heywood, mas sei que o
homem era um tolo, ainda mais se tentasse jogar contra Alex. Ele
nunca perde.
Henri sentou-se com sua mente girando fora de controle. Ela
poderia realmente ter julgado tão mal o homem?
— Então você acredita que ele vai tentar salvá-lo? — perguntou
ela, finalmente.
Ele franziu a testa e, por um momento, pareceu não ter uma
resposta. — Eu realmente não sei. O Alex que eu conhecia teria
feito quase tudo para me salvar, mas…, mas ele acreditava em
honra também, e eu acho que o homem que me tornei… — Ele
balançou sua cabeça. — Acho que ele vai acreditar que recebi o
que merecia, Henri. Espero que isso o entristeça, mas
sinceramente, depois do que fiz, espero que ele me mande para a
forca sem arrependimentos.
— Não! — gritou ela, estendendo a mão e agarrando seus
braços. Ela queria sacudi-lo. — Eu não vou deixá-los te enforcarem,
eu não vou!
Ele parecia tão surpreso com a explosão dela que ela quase riu,
mas o sorriso dele quando veio a deixou sem fôlego. Ele ergueu o
queixo dela com os dedos e seus olhos estavam tão cheios de
afeição que ela sentiu o calor como se estivesse sentada perto de
um fogo.
— É bom saber que tem alguém que vai lamentar um pouco a
minha morte.
— Oh, Lawrence! — disse ela, com a voz apertada, e então ela
não pôde mais olhar para ele, pois seus olhos estavam cheios de
lágrimas. Por fim, ela enterrou o rosto nas mãos e soluçou.
Capítulo 16
“No qual um pirata enfrenta o passado e abraça o destino.”

Lawrence olhou para a garota a seus pés. Como é que ele


conseguiu envolvê-la nessa enorme confusão?
— Ei — disse ele, estendendo a mão e puxando levemente o
pulso dela, mas ela não queria mostrar o rosto e olhar para ele. Ele
suspirou e se levantou, antes de se abaixar para levantá-la. —
Calma, calma, minha pequena e doce atrevida — murmurou ele
contra seu cabelo, enquanto a puxava em seus braços. A culpa o
apunhalava com uma lâmina fina e fria, e ele percebeu que não
tinha o direito de segurá-la assim. Ela pertencia a Alex,
independentemente do que a criança tola pensasse.
Ela não conhecia o irmão dele como ele conhecia. Alex seria um
bom marido, ele se certificaria de que ela tivesse tudo o que poderia
desejar. Ela estaria sã e salva e… droga, por que a ideia dela nos
braços de Alex fazia seu peito se contrair? Ela era de Alex, ele disse
a si mesmo com firmeza. Ele já havia falhado tanto com seu irmão,
ele não iria agravar tentando roubar a sua noiva. Ele se entregaria
ao inferno antes de prejudicar ainda mais o irmão que idolatrara em
sua juventude. No entanto, ele percebeu com um sorriso sombrio,
provavelmente iria para lá de qualquer maneira.
Aquele fio de pensamento parou, porém, quando ele percebeu
que ela havia enrolado um braço em volta de sua cintura e o outro
estava sob seu casaco, descansado sobre seu coração. Ele podia
sentir o calor de sua pequena mão queimando através de sua
camisa. De repente ele estava ciente da ondulação de sua
respiração contra seu pescoço e do suave roçar de seus lábios
contra sua mandíbula.
Lawrence fechou os olhos, dizendo a si mesmo que iria apenas
saborear este momento, já que seria a última vez que ele a
seguraria. Mas então ela o beijou novamente, desta vez seus lábios
um pouco mais baixos. Mais uma vez sua boca se moveu, descendo
pelo pescoço dele, e desta vez ele sentiu o menor toque de uma
língua quente contra sua pele, e é claro que isso fazia sua pele se
sentir tensa demais e despertava todos os seus desejos.
— Não — disse ele, mas a palavra não soava verdadeira, soava
mais como ah, meu Deus, sim, quando foi seguida por uma
inspiração profunda enquanto ela deslizava sua mão por baixo de
seu peito e permanecia logo abaixo de seu umbigo.
Mais uma vez ela escorregou sua mão sob sua camisa, seus
dedos se movendo sobre sua pele, provocando a carne tão perto de
seu cós, tocando-o com delicadeza, como se ela soubesse que só
tinha que se desviar um pouco mais para baixo e qualquer
fragmento de controle que restasse seria desvendado
irremediavelmente.
Ela pressionou seu corpo contra ele e seu comprimento duro
pressionou a suavidade de sua barriga. Ele imaginou como seria se
ele a deitasse, se suas pernas se fechassem em torno de seus
quadris, puxando-o para dentro dela, acolhendo-o em seu calor. A
sua boca continuou a pressionar beijinhos quentes contra sua pele,
movendo-se de volta em seu pescoço enquanto seus dedos se
arrastavam para frente e para trás, fazendo-o tremer de
necessidade, a necessidade de colocá-la na cama e se perder nela,
no desejo profano de torná-la somente sua; embora ela fosse tudo,
menos dele, e nunca poderia ser.
Ele agarrou suas mãos, segurando-a longe dele antes que o
diabinho pudesse descobrir como tentá-lo ainda mais, e agradeceu
aos céus que ela realmente era inocente, pois sua força de vontade
estava chegando no limite. Entretanto, ele cometeu o erro de olhar
para ela. Havia tanto fogo naqueles olhos castanho-claros, tanta
demanda por sua atenção. Ela realmente sabia o que estava
pedindo a ele?
Ele se perguntou se ela seria assim com Alex e então esmagou
o pensamento antes que pudesse se transformar em raiva. Pelo
menos, ele sabia como ela era com ele, quando ela se esfregava
contra ele, buscando seu próprio prazer como um gato sinuoso.
Droga, mas ele podia sentir seu controle se esvaindo ainda mais,
seu desejo por ela passando de uma dor agradável para uma dor
física só de pensar nisso.
Como se estivesse lendo sua mente, ela se inclinou para ele
com mais força, pressionando seu corpo contra o dele e levantando
a boca, convidando-o a beijá-la. Ele segurou suas mãos, impedindo-
a, mas ele estava desesperado demais para rejeitá-la. Ele aceitou o
seu convite, inclinando a boca sobre a dela e devorando o
requintado gemido de desejo que ela deixou escapar.
O beijo se aprofundou enquanto suas línguas dançavam e
lutavam, e o pequeno gemido ofegante veio novamente, fazendo
seu sangue queimar sob sua pele. Oh, Deus, ele queria ouvi-la
gemer, dar um gritinho e berrar seu nome quando ela se
desfizesse… e então ele se lembrou de seu irmão. Ele afastou-se.
— Eu não posso! — gritou ele, frustrado, com a voz ríspida. Ele
retirou as mãos dela como se ela o tivesse queimado. Afastando-se,
ele virou as costas para ela, tentando não ver a dor que fazia
aqueles olhos de corça brilharem. — Você pertence a Alex.
— Oh — gritou ela, e embora ele não estivesse olhando, ele
tinha quase certeza de que ela tinha batido o pé com raiva. — Eu
não pertenço a nenhum homem. Eu não serei propriedade de
ninguém! — A próxima coisa que ele percebeu foi que ela o estava
atingindo com pequenos golpes, mas bem colocados, que choviam
em suas costas com uma força surpreendente.
— Henri! — Ele tentou evitá-la, mas como não estava disposto a
tocá-la por medo de simplesmente ceder e levá-la para sua cama,
seus esforços foram frustrados ao ver que ela o seguia pelo quarto,
aparentemente sem vontade de dar trégua. — Henri, pare com isso!
— Eu não vou parar até que você pare de ser um idiota tagarela!
— protestou ela, com enorme fúria.
Ele se abaixou quando ela mudou de tática, uma vez que sua
garrafa de rum voava sobre sua cabeça e quebrava contra a parede
oposta. — Droga, isso não estava vazio! — enfureceu-se ele,
quando o cheiro avassalador de licor encheu a pequena cabine.
Com crescente alarme, ele percebeu que ela estava examinando a
sala em busca de outro artefato e ele não teve escolha a não ser
arriscar sacudi-la.
— Acalme-se, maldita diabinha! — gritou ele, com toda a
autoridade de um homem acostumado a comandar um navio de
mais de oitenta assassinos. Ela parecia singularmente
impressionada. Tarde demais, ele percebeu que podia não ter sido a
maneira correta de se dirigir a ela ao perceber que seus olhos
brilhavam e ela pisava nos dedos de seus pés com toda a sua força.
Ele respirou fundo, antes de macular suas orelhas com uma
variedade de expressões.
— Eu não vou ficar calma — gritou ela, contorcendo-se para
fora de seu alcance e empurrando-o para ilustrar suas palavras. —
Você não percebe que seu irmão nunca vai se casar comigo agora,
de qualquer maneira? Estou arruinada, lembra-se?
— Ele vai com certeza — rosnou Lawrence, embora a própria
ideia dela como esposa de Alex o fizesse apertar os dentes e lhe
desse o forte desejo de bater em alguma coisa. — Vou obrigá-lo,
mesmo que seja a última coisa que eu faça!
Num piscar de olhos, sua raiva desapareceu, seus olhos se
encheram de lágrimas mais uma vez e, para sua consternação, seu
lábio inferior tremeu, e, meu bom Deus, ele nunca quis beijar uma
mulher mais do que nesse momento.
— Henri — disse ele, mantendo a voz suave e tão obviamente
cheia de arrependimento que parecia destruir qualquer controle
restante que ela tinha, e ela caiu contra o peito dele, soluçando.
— Eu não vou me casar com ele, não vou! Não vou! — disse
ela, através de suas lágrimas. — Eu não pertenço a ele e nunca irei.
Ele não podia simplesmente vê-la soluçar e não fazer nada para
confortá-la, por isso, ele a pegou, segurando-a perto. Mas ele
também não podia deixá-la ter noções românticas sobre o futuro.
Era inacreditável que a garota sentisse alguma por ele, pensou ele
com um sorriso. Depois de tudo que ela passou, ela deveria estar
lamentando o dia em que ele nasceu. Mas ela era bem diferente de
qualquer pessoa que ele já conhecera. Ele percebeu que teve
muitos arrependimentos em sua vida, mas pensou que talvez não a
conhecer melhor fosse o maior de todos.
— Eles vão me enforcar, Henri — disse ele, e depois a afastou
dele, sacudindo-a um pouco enquanto ela chorava mais. — Não.
Pare com isso, você deve me ouvir. Eu não estou prestes a ir
mansamente para a forca, eu juro. Se a oportunidade aparecer, eu
vou agarrá-la e correr. Mas sou um fora-da-lei, um homem
procurado, e será assim que viverei, se chegar a viver. Mesmo que
eu fosse louco o suficiente para querer levar uma mulher para uma
vida assim… — Ele respirou fundo. — Você só me atrasaria, Henri.
Eu provavelmente seria pego de novo e duvido que escaparia do
carrasco duas vezes. As chances de eu fazer isso dessa vez já são
ínfimas.
Ela parou de chorar e enxugou os olhos. Ele franziu a testa
quando sentiu que podia ouvir as engrenagens girando em sua
mente. Que diabos ela estava fazendo agora? — O que quer que
você esteja pensando, apenas… apenas pare!
— Sim, Lawrence. — Ela piscou e olhou para ele, lágrimas
ainda escorrendo por seu rosto doce e ele sentiu seu coração
apertar. Por Deus, o que um par de olhos castanhos poderia fazer a
um homem.
Rangendo os dentes, ele se esforçou para esquecer seus
próprios desejos. — Estou falando sério, Henri, quaisquer noções
tolas que você esteja abrigando, pelo amor de Deus, esqueça-as.
Certamente esta pequena aventura fez você ver com que facilidade
pode perder tudo.
Ela assentiu com a cabeça, seus grandes olhos castanhos
fixando o olhar nele. — Sim, Lawrence — repetiu ela, com a voz
bastante sincera. — Fez.
Ele suspirou, aliviado por ela talvez ter entendido seu ponto de
vista, e possivelmente um pouco com o coração partido. — Muito
bem, então.
Ambos levaram um susto quando a porta se abriu e Mousy deu
uma olhada com uma expressão sombria.
— Eles tão esperano por ocês dois.
Lawrence sentiu algo em suas entranhas apertar, mas ele
acenou com a cabeça. — Estaremos com você em um momento.
Mousy assentiu com a cabeça e saiu da cabine, fechando a
porta atrás dele.
— Muito bem — disse Lawrence, tentando manter suas palavras
leves. — Parece que é hora de enfrentar o destino e meu irmão.
Capítulo 17
“No qual os destinos são enfrentados bravamente, e o desespero
estala nos calcanhares de nossa heroína.”

Henri observou-o e se perguntou como ele poderia estar tão


calmo. Ela se lembrava dele agindo da mesma forma na loja. Ele
tinha que saber que seria pego e o que isso significava para ele, e
ainda assim, ele parecia longe de entrar em pânico.
Ela tentou imitar essa calma e indagou a si mesma se, como
ela, ele estava enlouquecendo por dentro. O seu coração estava
batendo muito forte, muito rápido, e sua mente estava acelerada,
tentando pensar de que forma poderia inventar sua fuga. Pois ele
estava certo sobre uma coisa; essa aventura mostrou a ela como
era fácil perder tudo. Uma decisão errada, um passo em falso em
um caminho errado, e tudo seria arruinado diante de seus olhos.
Ela descobriu que ele guardava uma chave debaixo da camisa,
e observou enquanto ele a tirava e se ajoelhava para abrir o baú
grande ao pé de seu beliche.
Como ela suspeitava, estava cheio de ouro e prata e todos os
tipos de objetos brilhantes.
Ouvindo seu suspiro de surpresa, ele olhou para ela e sorriu.
— Eu fui um pirata muito bom — disse ele, com uma piscadela
diabólica, e ela sentiu seu coração apertar com a ideia de que todo
aquele espírito aventureiro, aquele humor perverso e o brilho alegre
naqueles olhos azuis brilhantes seriam extintos. Ela não deixaria
enforcarem-no, ela jurou para si mesma. Independentemente do que
acontecesse.
Ele selecionou uma pequena bolsa de veludo azul e fechou o
baú antes de voltar para ela.
— Isto é para você — disse ele, estendendo a bolsinha. — Por
tudo o que você sofreu, e para garantir que, aconteça o que
acontecer, você estará segura.
Ela pegou a bolsinha com dedos trêmulos e abriu por insistência
dele. Ela derramou o conteúdo na palma da mão e piscou,
momentaneamente sem palavras. Pois ali, aninhados em sua
palma, estavam sete grandes diamantes brutos.
— Eu rezo para que você confie em Alex e se case com ele,
pois ele fará tudo ao seu alcance para vê-la feliz. Mas… — Ele fez
uma pausa e havia tanto calor em seus olhos que ela não sabia
como conseguiu ficar parada e ouvir, e não se dissolver em histeria
diante da injustiça de tudo aquilo. — Eu sei agora o quão teimosa
você é. Então, aconteça o que acontecer, isso a manterá provida;
além de não estar subjugada a ninguém. Eu só peço uma coisa a
você, Henri — disse ele, com a voz baixa. — O que quer que você
faça com os outros seis, transforme um em algo bonito. Use-o
quando estiver feliz e lembre-se de mim. Você vai fazer isso?
Ela engoliu em seco e lembrou a si mesma que ele não ia ser
enforcado, pois ela não permitiria. Piscando para afastar as
lágrimas, ela assentiu. Ele sorriu e beijou sua bochecha enquanto
devolvia os diamantes à bolsa, um por um, pois suas mãos tremiam
e ela parecia incapaz de se mover. Ele desviou o olhar enquanto ela
colocava as joias com segurança sob suas vestimentas e depois o
seguia porta afora.
Os homens gritaram, rugiram e bateram os pés, zangados e
sem compreender a perda de seu capitão. Lawrence gritou pedindo
silêncio e ela observou que os rostos dos homens se viraram para
ele, esperando para ouvir o que seu capitão tinha a dizer.
— Quietos, seus mendigos miseráveis — rugiu ele, embora
houvesse humor em seus olhos. — Todos nós sabemos, nesta vida,
que nossos dias estão contados. Bem, meu número acabou de ser
chamado, mas não estou nas mãos do destino ainda. Mousy é seu
capitão agora. Se o destino permitir, fugirei e encontrarei meu
caminho de volta para vocês, mas se não… — Ele tirou o chapéu da
cabeça e abriu os braços em um gesto teatral. — Então brindem ao
seu querido e velho Capitão Savage, e lembrem-se de que ele foi o
mais astuto e o melhor, e sem dúvida, o mais bonito e amado por
nossos reféns!
Houve risadas e ele sorriu para seus homens, mostrando a
Henri muito claramente o personagem sobre o qual havia sido
descrito nos panfletos que ela lera em casa.
— Mas lembrem-se acima de tudo, os espólios pelos quais ele
levou vocês a fazerem suas fortunas, meus belos empregados e
bodes expiatórios! E então, pelo amor de Deus, espalhem-se aos
quatro ventos, encontrem uma bela esposa gorda para cada um,
tenham uma boa vida e desfrutem de um pouco de paz. Pois se não
o fizerem, vocês me seguirão para dançar com Jack Ketch, e todos
nós conhecemos os passos muito bem. Cuidem-se, rapazes. Nos
vemu num piscar dos olho!
Ele se virou para Mousy, com a expressão grave. — Assim que
eu estiver naquele barco, saia daqui, vá o mais longe que puder, e
mantenha isso seguro. — Ele apertou a chave em sua mão. —
Quando você ouvir a notícia da minha morte, compartilhe com os
rapazes.
A mandíbula de Mousy se apertou e ele colocou o círculo de
couro fino em volta do pescoço e a chave caiu sob sua camisa. —
Vou guardá até ocê voltar aqui, e é tudo que farei — grunhiu,
desafiando Lawrence a contradizê-lo com um olhar furioso.
Lawrence riu e assentiu com a cabeça, e Henri observou os dois
homens agarrarem os antebraços um do outro e se abraçarem
brevemente.
— Vejo ocê então, capitão, eu vô cuidá bem do Moça enquanto
ocê tiver fora.
— Eu sei que você vai — disse Lawrence, com a voz baixa
agora.
Ele olhou para o lado e Henri seguiu seu olhar. Uma escada de
corda foi pendurada sobre a balaustrada e, no fundo, um pequeno
barco aguardava. Havia quatro homens armados a bordo e Henri,
de repente, notou os homens no convés ao seu redor com
mosquetes apontados para aqueles abaixo.
Tonta de medo, ela observou Lawrence subir na balaustrada e
descer pela corda.
— Venha então, senhorita Morton — disse ele com um sorriso,
oferecendo a mão como se a estivesse ajudando a embarcar em um
barco de passeio para um piquenique de domingo. Ela segurou a
mão dele, e passou pela balaustrada, encontrando seus pés na
escada e sua presença tranquilizadora atrás dela, guiando-a para
dentro do barco.
Uma vez no pequeno barco balançando, ela agarrou os lados
enquanto o mar se inclinava e os balançava. Os homens foram para
cima de Lawrence e o acorrentaram, seus braços amarrados
firmemente atrás das costas. Eles escutaram rugidos do convés
acima e Lawrence gritou rouco, para seus homens aguardarem.
— Deixe-o em paz — gritou ela, furiosa. — Ele veio de bom
grado, ele está desarmado, o que mais vocês querem?
Os homens olharam para ela com nojo, como se ela estivesse
muito louca para defender o monstro com o qual se encontravam
em sua companhia, e Lawrence a silenciou com um balançar da
cabeça.
— Eles estão apenas fazendo seu trabalho, senhorita Morton.
Ela cerrou os dentes e guardou para si sua raiva. Ela iria voltar-
se contra o homem correto em breve, se ele não fizesse tudo ao seu
alcance para ajudar seu irmão.
Ela fechou os olhos e agarrou os lados do barco como se sua
vida dependesse disso, certa de que a qualquer momento eles
seriam sacudidos como um brinquedo de criança, para afundar
como bolinhas de gude no frio profundo, abaixo das finas tábuas de
madeira em que seus pés repousavam.
Foi com alívio e sem surpresa, então, que o baque de madeira
sobre madeira confirmou que eles faziam a distância entre os
navios. Ela olhou para Lawrence e viu seu olhar fixo em seu navio
enquanto se afastava, para o mais longe e o mais rápido quanto
podia ir, exatamente como ele havia instruído.
O sol estava se pondo e as velas estavam todas iluminadas em
ouro, fazendo com que parecesse fantasioso e irreal, como algo de
um conto mítico de deuses e monstros marinhos. Por um momento
ela viu a perda em seus olhos e, então, percebendo que ele estava
sendo observado, ele piscou e forçou um sorriso.
— Você está segura agora, estará em casa num piscar de olhos
— disse ele, com uma piscadela.
Ela fez uma careta para ele e ele riu baixinho antes que os
homens o colocassem de pé. Eles a fizeram subir pela corda
primeiro e ela fez o percurso dificultada por saias encharcadas que
envolviam seus tornozelos e tornavam o trabalho pesado.
Ela chegou até a balaustrada e ficou tremendo quando se viu
confrontada por homens armados. Tantos para prender um homem,
era risível. Ela sentiu que Lawrence ficaria satisfeito que sua
reputação os tivesse feito tomar tais medidas.
Ela gritou quando o homem em questão foi empurrado com
força por cima da balaustrada. Eles o fizeram subir com as mãos
amarradas e ele aterrissou no convés, praguejando.
— Pelo amor de Deus, você é tão medroso que deve abusar de
um homem desarmado — enfureceu-se ela, com o marinheiro que o
havia empurrado sobre a balaustrada.
Ele fez uma careta para ela, mas segurou a língua, e chamou a
sua atenção quando o comandante se aproximou deles. Ela se virou
e engoliu em seco quando viu o conde de Falmouth caminhar em
sua direção. Ele olhou para ela, aqueles frios olhos cinzentos
afiados e avaliando. Ela percebeu de repente que podia ver a
semelhança entre os homens, em sua grande altura, na largura
daqueles ombros largos e aquele grosso cabelo preto. Mas onde o
olhar de Lawrence continha diversão e aquele brilho alegre e
perverso, a presença deste homem era muito mais fria.
— Estou aliviado por encontrá-la de bom humor, senhorita
Morton — disse ele, com a usual voz calma e sem emoção. Ele
estendeu a mão para ela e ela se curvou, rígida e formal, enquanto
ele plantava um beijo superficial em seus dedos. — Espero que
você não tenha sofrido nenhum mal nessa aventura.
Ela pensou nessas palavras, que talvez houvesse um fio de
raiva ou de preocupação, ela não podia ter certeza.
Ela levantou o queixo. — Fui bem tratada, milorde, e sugiro que
interrogue o seu refém em privado antes de permitir que seus
homens o maltratem ainda mais. Eu sinto que nós dois temos muito
a dizer a você.
Ele franziu a testa para ela, claramente perplexo com a
insistência em sua voz, a curiosidade acendendo em seus olhos.
Lawrence, ela observou, tinha mantido os olhos baixos, seu
cabelo escuro caía em torno de seu rosto.
O conde inclinou um pouco a cabeça. — Seu desejo é uma
ordem. Traga o prisioneiro — instruiu ele, e então gesticulou para
que ela pegasse seu braço e ela o seguiu até a cabine do capitão.
Embora não muito maior em tamanho, a cabine do conde estava
cheia de madeira polida e latão brilhante. Era uma prova viva de sua
grande riqueza e poder, de um homem que prestava atenção aos
detalhes. De repente, Henri descobriu que o odiava mais do que
nunca por ter tudo isso enquanto Lawrence havia perdido tanto.
O conde se virou assim que Lawrence foi trazido, preso
firmemente entre dois homens que o jogaram para a frente de modo
que ele caiu de joelhos no chão da cabine.
— Ah, deixe-o em paz! — exclamou ela, e correu de volta para
Lawrence, jogando-se para se ajoelhar ao lado dele.
— Perdoe-me por notar isso, senhorita Morton, mas você parece
inexplicavelmente preocupada com o homem que a sequestrou —
comentou o conde, com um tom frio e um pouco enojado.
Ela olhou para ele com fúria, sentindo a raiva que estava
reprimindo, ameaçando finalmente transbordar.
— Eu não o perdoo, milorde! Pois ele não sequestrou, mas me
resgatou de um destino que não pude contemplar, e se você abrir os
olhos por um momento, acho que descobrirá que tem muito pelo
que se perdoar, se tiver um coração que possa sentir algum
remorso.
— Senhorita Morton — disse Lawrence, com a voz suave e
surpresa. — Por favor, não o repreenda assim, ele não tem nada
para se censurar, eu lhe asseguro.
— Que diabo significado isso aqui? — esbravejou o conde, e
então ficou em silêncio quando Lawrence ergueu a cabeça.
— Olá, Alex.
Capítulo 18
“No qual os fantasmas são enviados para perturbar os vivos.”

Por um momento, a cabine ficou perfeitamente silenciosa, uma


calma tranquila tão intensa que Henri prendeu a respiração por
medo de perturbar o silêncio com algo tão trivial quanto respirar.
O conde adquiriu um tom mortal de branco e estava olhando
para Lawrence em descrença.
— Fora! — gritou ele, de repente, e os homens que haviam
contido Lawrence pareceram assustados por um breve segundo
antes de reagirem e saírem do cômodo.
O momento se alongou mais uma vez quando Lawrence olhou
para seu irmão, que estava parado, totalmente imóvel.
Quando ele se moveu, virou-se e abriu uma gaveta em sua
mesa, removendo uma chave. Então ele voltou, movendo-se atrás
de Lawrence e desfazendo as algemas. As correntes caíram no
chão com um barulho e Lawrence tropeçou em seus pés apenas
para ser jogado pela cabine enquanto o conde puxava o punho para
trás e o esmagava direto em sua mandíbula.
Henri gritou e correu para Lawrence, que estava encolhido
contra a parede, sangrando pela boca e parecendo um pouco
atordoado.
— Isso é pelos dez anos, seu bastardo! — disse o conde, com a
voz frágil. — Dez anos de culpa, tristeza e arrependimento, por
deixar nosso pai ir para o túmulo acreditando que finalmente veria
você de novo!
— Sinto muito, Alex. — Lawrence olhou para ele, havia tristeza
em seus olhos, e Henri observou o conde por sua vez, lembrando
agora, de todas as razões pelas quais ela sentia tanto medo dele.
Aquele exterior frio e orgulhoso que fazia você acreditar que
nenhuma emoção jamais poderia tocá-lo, exceto talvez por uma
pontada de raiva, afiada e pura. E então, tudo pareceu desmoronar;
ele se abaixou e colocou seu irmão de pé, e o abraçou com tal
ferocidade que ela esperava ouvir o estalar de costelas.
— Maldito seja, Lawrence, maldito seja, de todas as coisas que
você poderia ter feito, você fugiu e se tornou um pirata. Quando
você bem sabe que era a coisa que eu sempre sonhei.
Lawrence riu, embora sua voz estivesse um pouco trêmula. —
Eu sei, Alex, e sinto muito por isso, mas…, mas eu pensei que tinha
te matado, eu vi você cair e…
— E você nunca pensou em verificar? — enfureceu-se Alex,
com raiva de novo agora quando ele se virou e se afastou de seu
irmão. — Você nunca pensou em voltar e ver com os próprios
olhos?
Lawrence deu de ombros. — Eu os ouvi gritar que lorde Sinclair
estava morto, eu não achava que pudesse fazer mais alguma coisa,
e mesmo que você não estivesse morto, o que nunca passou pela
minha cabeça, eu atirei em você, Alex! Como você poderia me
perdoar?
— Porque você era um jovem tolo e imaturo e não era a sua
intenção. Eu me meti na frente de propósito, mas eu não poderia
deixar você matar um homem da milícia, eles teriam enforcado você
e até mesmo o nome do nosso pai não teria te salvado na época.
— Ou mesmo agora — disse Lawrence, com um encolher de
ombros.
Alex esfregou o rosto com a mão. — Meu Deus, como vamos
nos safar dessa?
— Não vamos. — Lawrence olhou para ele e balançou a
cabeça. — Eu sou o Capitão Savage e não há nada a ser feito, não
vou arriscar o nome da família depois de tudo o que fiz. Apenas me
entregue e eu vou tentar a minha sorte, Alex.
Alex olhou para ele, desgostoso com a ideia, e Henri se
perguntou se talvez ela tivesse sido muito dura com ele.
— Não importa o nome da família — enfureceu-se ele. — Não
vou perder meu irmão duas vezes.
Lawrence fitou-o boquiaberto, obviamente surpreso que seu
irmão dissesse tal coisa. — M-mas, a honra da família, nossa
história deve permanecer imaculada — isso está acima de tudo, não
importa o que aconteça, você sempre disse…
— E eu fui um completo idiota! — exclamou o conde. — Carne e
osso devem vir antes de tudo, os vivos é que importam. Eu nunca
deveria ter sido tão duro com você, você era apenas um menino. Foi
tudo culpa minha.
Henri assistiu a essa troca com espanto, embora o dela
parecesse leve em comparação com o choque nos olhos de
Lawrence. Ele parecia perplexo.
— Eu preciso pensar — continuou Alex. — Por enquanto eu vou
ter que permitir que os homens o levem para a cadeia, de antemão
eu sinto muito por isso. No entanto, não consigo ver o que mais
deve ser feito no momento. Vou garantir que você não seja
maltratado, mas preciso de tempo para pensar em uma saída para
isso.
Lawrence parecia estar tentando dizer algo, mas as palavras
não saíam. Henri agarrou o seu braço e deu um pequeno aperto.
— Você estava certo — disse ela, acenando para o conde. —
Sobre seu irmão, agora faça o que ele disse e deixe-o ajudá-lo.
Lawrence balançou a cabeça e olhou para ele. — Se alguém
descobrir que você me deixou ir, vamos pagar caro, Alex. Não posso
deixar você se arriscar. Não posso, não depois de tudo o que fiz!
Alex se virou para ele então, e sua raiva era algo visível. Henri
prendeu a respiração quando a raiva do conde os atingiu como uma
fornalha.
— Deixar-me? Você não vai me deixar? Maldito seja, Lawrence.
Eu vi as balas atingirem você, três balas! Eu vi você banhado em
seu próprio sangue e eu vi você cair no mar. Eu vivi e revivi essa
cena em pesadelos por toda a vida. Você realmente acha que eu
poderia viver vendo você enforcado? Você acha que posso
contemplá-lo e manter minha sanidade intacta? Pois Deus sabe que
sinto que tive pouca compreensão sobre isso na última década!
O conde respirou fundo e ela viu o comportamento frio que ele
usava como um manto se encaixando perfeitamente no lugar. —
Você irá agora, Capitão Savage, enquanto eu considero o que fazer
com você. Quanto a você, senhorita Morton, deve estar cansada. Eu
lhe darei minha cabine para a viagem, uma refeição, e alguém será
enviado em breve para ajudá-la. Acredito que você encontrará
alguns de seus pertences naquele baú — disse ele, gesticulando
para uma pequena caixa ao lado de sua mesa.
Ele abriu a porta e gritou, e dois homens responderam
rapidamente ao seu chamado.
— Leve o prisioneiro lá para baixo. Cuide para que ele seja bem
alimentado e permaneça ileso, ele deve chegar à forca sem
nenhuma marca ou vocês sentirão minha ira. Está entendido?
— Sim, sim, capitão.
Henri observou com incerteza quando Lawrence foi levado, e os
olhos frios de Alex encontraram os dela.
— Senhorita Morton — disse ele ao se despedir, e acenou com
a cabeça, fechando a porta atrás de si.
Henri permaneceu ali por um momento e depois respirou fundo.
Ela tinha a sensação mais estranha de que não tinha realmente
respirado desde que o navio em que agora estava fora avistado. Ela
caminhou um pouco instável até a cama e sentou-se. De repente,
ela percebeu o movimento ligeiramente nauseante do navio, o
rangido de madeira e cordame, e os passos abafados e as
chamadas dos homens acima e abaixo dela.
Até aquele momento, sua mente tinha sido totalmente
consumida pelo medo, pelo choque, pelo espanto – com Lawrence,
e tudo ao seu redor havia sido apanhado por esse fato. Mas agora
ela estava sentada aqui, quieta e sozinha com seus pensamentos e
seu entorno parecia querer que ela aprendesse, por mais que
tentasse, ela estava lutando para entender o que tinha acabado de
acontecer.
O conde de Falmouth era, de fato, um bom homem. Um homem
que tinha sido curvado pela dor da perda de seu irmão. O
carismático capitão pirata de quem ela passou a cuidar ia, de
alguma forma, ser salvo da forca. Embora nesse ponto ela não
pudesse conceber como tal coisa poderia ser alcançada. Mas havia
algo no conde que a fazia acreditar que ele pensaria em algo.
Ela se deitou na cama e decidiu que iria descansar um pouco
antes de trocar de roupa molhada, mesmo que o material frio e
úmido ao seu redor a fizesse tremer. Assim que ela fechou os olhos,
e o sono começou a bater, houve uma batida frenética na porta.
Franzindo o cenho, ela ergueu seus membros em protesto e
apressou-se a responder.
— Quem é? — perguntou ela.
— Henri? — gritou uma voz em êxtase, por trás da madeira e
Henri foi derrubada quando a figura generosa de Annie irrompeu
pela porta e a envolveu em um abraço. — Oh, senhorita Henri! —
soluçou a mulher, passando as mãos sobre o rosto e os braços de
sua senhora, como se estivesse garantindo que tudo estivesse, de
fato, no lugar correto e como deveria estar. — Você está bem?
Aquele bruto machucou você?
Henri sorriu e abraçou sua criada com bastante entusiasmo. —
Oh, Annie, estou tão feliz em vê-la, você não pode imaginar!
— O que cê tava pensando, criança? — repreendeu-a, pela
primeira vez na vida superada com um excesso de instinto maternal.
— Se eu num tivesse seguido cê, oh, meu Deus dos céu, que medo
de pensar no que pudia tê acontecido com cê!
— Você que enviou lorde Sinclair? — exclamou Henri, tudo
ficando claro. Ela franziu a testa enquanto as perguntas cresciam
em sua mente. — Papai? Ele está bem, ele está aqui?
Annie balançou a cabeça. — Não, milady. Seu pai tá bem, mas o
conde insistiu pra ele ficá em casa e segui em frente, como de
costume. Ninguém deve saber que cê tá desaparecida. Cê foi ficar
com um primu no Norte, foi isso que ele disse. E se encontrássemo
ocê a salvo, ninguém descobriria e sua reputação ficaria bastante
segura.
— Ah! — Henri acenou com a cabeça, pensativa, imaginando
por que isso não parecia ser tanto um alívio quanto talvez deveria
ser. Ela tinha os diamantes, porém, ela pensou. Ela não precisava
se casar com o conde agora, e se Lawrence fosse libertado…, mas
ela estava se adiantando, Lawrence atualmente estava a ferros e
longe da liberdade.
Annie olhou para sua jovem protegida e fez uma careta. — Olha
pro teu estado. Tira agora mermo essas coisa molhadas, neste
instante. Vamu te aquecê e secá, e cê pode me dizer o que diabos
andô fazendo. Porque se eu te conheço, tem alguma travessura
aqui em algum lugar.
Henri sorriu, tranquilizada pelo tom irritante e familiar de Annie, e
se permitiu ser arrancada do vestido molhado e colocada em uma
cama quente, com chá e bolinhos, e uma plateia extasiada ao ouvir
falar de sua aventura.
Capítulo 19
“No qual as verdades são ditas.”

Henri forçou suas pálpebras relutantes a se abrirem e piscou


quando um raio de sol forte caiu sobre seu rosto. Através da
pequena escotilha ela podia ver mais um céu incrivelmente azul. Ao
lado dela, Annie roncava. Sua respiração era suave, fazendo-a
sorrir. Tentando passar por cima dela, com cuidado, ela contornou
as colinas curvilíneas da forma adormecida de sua criada e saiu da
cama sem que Annie pestanejasse.
Dando uma pequena sacudida primeiro, ela vestiu uma anágua
limpa e suspirou quando o olhar afiado de Annie chamou sua
atenção.
— E o que cê tá fazeno agora? — indagou Annie, levantando-se
e bocejando com um gemido enquanto se arrastava para fora da
cama.
— Oh, Annie, não seja simplória, você sabe muito bem que devo
ir ver Lawrence.
Annie cruzou os braços e lançou-lhe um olhar ferozmente
incomum.
— Agora, escuta aqui, cê mermo disse que o irmão dele jurou
que vai libertá ele. Num foi?
Henri abriu a boca para argumentar, pois sentia que haveria
alguma razão pela qual não deveria ver Lawrence, e ver Lawrence
era algo que ela queria muito fazer, o mais rápido possível. No
entanto, lorde Sinclair disse isso, então ela apenas suspirou e
assentiu.
— E como vai ser se cê saí correndo atrás dele, atrás do teu
amor perdido, ou coisa assim, com teu noivo a bordo? — Annie
lançou-lhe um olhar conhecedor e Henri sufocou um rubor.
Ela não tinha contado a Annie tudo o que havia acontecido entre
ela e Lawrence, mas sua criada tinha uma imaginação fértil e ela
duvidava que estivesse longe da verdade ao adivinhar o que
realmente havia acontecido.
— Ah, mas, Annie, ele está sozinho e…
— E ele já é grandinho, é o Capitão Savage. Lembra de todas
aquelas histórias que já lemu, hein? Ele já teve arranhões pior e
conseguiu escapá. Teu pirata tá seguro o suficiente por enquanto,
eu acho, e é melhor cê agradecê o conde, depois de tudo que ele
fez por ocê.
Henri fez um beicinho enquanto Annie escolhia um vestido limpo
e o colocava sobre a sua cabeça, ignorando completamente sua
expressão amotinada.
— Eu ainda não gosto dele — murmurou ela, sua voz abafada
pelo material espesso do que veio a ser seu melhor vestido de
inverno em musselina de cambraia imperial, ela notou e fez uma
careta para Annie. — Por que você trouxe todas as minhas
melhores coisas?
Annie deu de ombros. — Porque se as coisa tivesse ido mal, cê
não tinha se importado com o que vesti, e se ocê morresse, cê
precisaria das melhores roupa pra ser enterrada. E uma dama deve
sempre mantê sua aparência pra no caso de seus outros plano dá
errado.
Henri piscou e teria repreendido Annie por sua maneira prática
de falar de sua possível morte, mas outra ideia mais alarmante veio
à mente.
— Annie — disse ela, com a voz acusadora. — Você gosta dele!
Annie deu de ombros, ignorando os olhos arregalados de sua
senhora enquanto a virava para fechar os botões minúsculos que
subiam por sua coluna e a gola alta do vestido. — Sabe, o conde é
bem esnobe, eu acho — admitiu ela, antes de acrescentar: — E eu
gosto dos homi que comanda, e ele faz isso de sobra. Ele manda
alguém pulá e todo mundo obedece na hora.
— Annie!
— Cê sabe que puderia ser pior e isso é tudo que vou dizê.
Ela empurrou Henri em direção à cadeira para que ela pudesse
pentear o cabelo e vesti-la, e Henri ficou muito chocada com tal
traição para protestar. — Num adianta fazê beicinho e bufá —
murmurou Annie com a boca cheia de alfinetes. — Pra que serve
esse pirata pra cê? Se ele for um pouco parecido com o irmão,
certeza de que ele é atraente e agradável aos olho, mas um homem
assim vai acabá em uma forca mais cedo ou mais tarde, num
importa se ele escapá desta vez. E pode apostá que vai te deixá
com bebês berrando por comida e nada para alimentá eles ou te
mantê aquecida, a não ser a memória dele. — Ela se inclinou e deu
um beijo na bochecha de Henri. — Num é maneira de viver, minha
linda moça, não pra ocê.
Henri piscou com força e Annie suspirou, cruzando os braços.
— Oh, senhorita Henri, o que cê foi fazê?
Desviando o olhar de Annie, que a conhecia muito bem e via
demais, Henri limpou a garganta.
— Absolutamente nada. Eu apenas… — Ela suspirou. Lawrence
deixou perfeitamente claro que não havia futuro para eles. Ele não a
levaria se tivesse que fugir, e de fato uma vida em fuga e às
escondidas não parecia muito atraente, mas a perspectiva de nunca
mais ver Lawrence… — Oh, Annie — disse ela, com a voz repleta
de arrependimento e sem um pingo de esperança.
Annie a abraçou. — Ei, ei, chega disso. Antes de mais nada, cê
tem que afastá ele da forca. Então vai vê o conde e descobre o que
deve ser feito a respeito. Vamu ter que ver aonde o destino nos
leva, num é mermo?
Henri fungou e endireitou a coluna, enquanto Annie colocava
seu melhor manto cor de ameixa em volta dos ombros para ela e
beliscava suas bochechas. Henri estremeceu quando ela foi
cutucada, mas não reclamou.
— Pronto, só precisa mordê os lábio um pouco pra eles ficá
bonito e rosado.
Revirando os olhos, Henri fez o que ela pediu, pois realmente
não havia sentido em discutir.
— Perfeito. — Annie pegou seus lençóis sujos e guardou seus
outros pertences antes de se dirigir para a porta. — Vou dizê ao
conde que cê deseja vê ele assim que ele pudé.
Com aborrecimento, Henri viu sua criada sair correndo pela
porta e se perguntou onde exatamente o destino os levaria, e se ela
chegaria lá com Lawrence.
***
Ela não teve que aguardar muito antes que o conde se dignasse
a visitá-la. Ele entrou na cabine e, como sempre, ela se sentiu
insignificante, pois ele parecia ocupar todo o espaço disponível.
As semelhanças entre os dois homens estavam se tornando
cada vez mais claras, e ela levou um momento para apreciar os
ombros e braços poderosos, e as pernas longas e fortes que
mostravam tanta vantagem naqueles calções apertados e botas
pretas. Mas onde Lawrence era todo sorrisos diabólicos e olhos
azuis risonhos, esse homem ainda a fazia estremecer. Seus olhos
frios e cinzentos lançaram-se sobre ela sem nenhuma reação
aparente quando ele acenou para ela, educado, mas distante. Ela
fez uma reverência e se sentou, esperando que ele se dirigisse a
ela.
— Ora, senhorita Morton, o que posso fazer por você?
— Você viu o Law… — ela fez uma pausa, corando um pouco
com o uso muito familiar de seu primeiro nome e corrigindo-se,
evitando seu olhar. — Gostaria de saber se você viu seu irmão esta
manhã.
Ele bufou, aparentemente divertido por seu desconforto. — Eu vi
Lawrence esta manhã, sim. E, sim, ele está muito bem, ele já se
alimentou e fiz alguns progressos com um plano para libertá-lo do
emaranhado em que parecemos estar.
— Como assim? — perguntou ela, com coração batendo em
expectativa.
— Eu possuo uma propriedade em Bordeaux, na costa sudoeste
da França, na verdade era da nossa mãe, a condessa de
Longueville. Acontece que eu tinha planos de visitar e ver o que
restou depois que nosso amigo Bonaparte devastou o país. Eu tinha
pessoas lá em quem eu podia confiar, nós dois ainda podemos
confiar — emendou ele, acrescentando. — Supondo que algum
deles ainda esteja vivo. — Isso foi dito suavemente, quase em um
tom insensível, ela se perguntou se havia alguém além de seu irmão
com quem ele se importava.
— Uma vez lá, irei instalar Lawrence nos porões abaixo do
Château. Ele brincava lá quando menino, há muitos túneis e
caminhos secretos dentro e fora do lugar. Não tenho dúvidas de que
ele fará bom uso deles.
Ele se levantou, afastou-se ligeiramente dela enquanto falava,
as mãos levemente cruzadas atrás das costas. Ele parecia em cada
centímetro de seu corpo um aristocrata inglês e um personagem
extremamente ameaçador. Ela percebeu que estava com um pouco
de medo dele e se endireitou.
— E, então? — perguntou ela, em um tom um pouco mais forte
do que ela pretendia, mas se a extensão de sua ajuda era deixar
Lawrence solto no interior da França, então ela diria algumas duras
palavras para o conde.
— E, então, senhorita Morton, parece que entramos em um
impasse.
— Como assim? — Ela virou-se em seu assento, seguindo o
movimento dele, quando ele começou a andar pela sala. O seu
rosto severo com desgosto, seus passos silenciados pelo tapete
grosso sob seus pés.
— Como assim? — repetiu ele. — Porque meu irmão é um tolo
teimoso, é por isso.
Ele falou de uma maneira um pouco enervada e ela sentiu seus
ânimos se exaltarem ao citar Lawrence. Independentemente do que
eles tivessem discordado, sem dúvida Lawrence tinha seus motivos.
O conde deu a volta até o seu lado da mesa e sentou-se,
olhando-a bem nos olhos pela primeira vez desde que entrou. Ela
estremeceu um pouco sob aquele olhar frio e acinzentado, mas não
desviou o olhar.
— Eu sugeri que Lawrence fosse encontrado localmente por
alguém que se lembrasse dele, que espalhássemos a história de
que ele perdeu a memória como resultado de algum ferimento. Suas
cicatrizes devem ser suficientes para confirmar isso, e então ele
diria que, de alguma forma, acabou prisioneiro dos franceses. Que
ele só se recuperou recentemente, e agora que a guerra acabou,
voltou para nossa propriedade.
Ela piscou para ele.
— Ma-mas, isso é perfeito! — exclamou ela, com excitação
borbulhando dentro de si. — Que ideia maravilhosa!
Alex assentiu, dobrando uma perna longa sobre a outra e
suspirando. — Eu concordo. É simples o suficiente para acreditar,
mas por causa da guerra, é muito difícil provar que é verdadeira ou
falsa. Não me surpreenderia se ninguém fosse capaz de corroborar.
E eu sei que há pessoas locais leais à nossa família e certamente à
Lawrence, caso surja a necessidade.
— Oh! — Embora Henri estivesse satisfeita ao ouvir isso, um
pequeno tremor de dúvida a assaltou enquanto ela se perguntava
quem exatamente seria tão inabalavelmente leal à Lawrence e por
quê? Ela se remexeu na cadeira. Isso não importava, Lawrence
precisava estar seguro, não importava quem fosse necessário para
conseguir isso. Ela só esperava que fosse um homem velho e
desdentado, e não uma jovem bonita que tivesse se apaixonado por
ele quando criança ou algo terrivelmente romântico do tipo.
— No entanto — disse Alex, interrompendo seus pensamentos.
— Lawrence está se saindo extremamente teimoso sobre a coisa
toda. Ele se recusa a cooperar.
— Mas por quê? — indagou ela, colocando de lado sua defesa
anterior das razões de Lawrence e concordando de todo o coração
com o conde.
— Porque ele acredita que é muito conhecido, que alguém, em
algum lugar, o reconhecerá como o Patife e a descoberta destruirá o
nome da família.
— E o que ele propõe como alternativa? — quis saber ela,
sentindo-se tão furiosa quanto Alex parecia momentos antes.
— Oh, meu irmão está cheio de planos — disse Alex, com a
expressão sombria. Ele cruzou os braços e mais uma vez voltou
toda a força de seus frios olhos cinzentos para ela. Ela engoliu em
seco. — Ele me fez prometer, em nome de minha honra, casar-me
com você, apesar de tudo o que você aparentemente estava
disposta a fazer para escapar de um destino tão desagradável —
disse ele, com um sorriso de escárnio enquanto Henri corava com
alguma força e fervorosamente, desejando poder juntar-se a
Lawrence no porão. — Ele então pretende desaparecer, para nunca
mais ser encontrado.
— Não! — arquejou ela, e então balançou a cabeça, cruzando os
braços e encontrando o olhar dele com desafio e não se importando
se ele a considerasse uma desgraçada ingrata. — Eu não vou
aceitar isso. Não vou me casar com você e não vou deixá-lo ir
embora!
Pela primeira vez desde que Lawrence saiu do quarto na noite
anterior, ela viu o conde sorrir, e desta vez parecia haver um leve
vislumbre de calor na expressão.
— Bem, minha querida, parece que finalmente encontramos algo
em que podemos concordar. Tudo o que nos resta a fazer agora é
encontrar uma maneira de persuadir meu irmão de sua loucura.
Capítulo 20
“No qual a senhorita Morton concorda em brincar com fogo.”

Henri olhou para o irmão de Lawrence do outro lado da


imponente mesa de carvalho e suspirou. Por que Lawrence, depois
de passar a última década cultivando uma boa reputação como
ladrão e patife, agora – neste momento em particular – sentia-se
inclinado a ser honrado e a se autossacrificar? Aquilo estava além
da sua compreensão. Era um momento muito ruim e muito
cansativo, especialmente quando um plano tão simples e eficaz
estava ao seu alcance.
— Então, o que fazemos? — perguntou ela ao conde, que
estava sentado com uma expressão pensativa, e seus longos dedos
unidos. Ela observou enquanto ele franzia os lábios, como se
contemplasse algo bastante desagradável, antes de voltar-se para
ela.
— Você consegue atuar, senhorita Morton?
Henri levantou as sobrancelhas. — Não que eu saiba, embora
na verdade eu nunca tive motivos para descobrir minha falta de
talento. Por quê?
Os olhos cinzentos e frios olharam para ela, curioso e
aparentemente considerando. — Porque eu sinto que devemos
fazer um teatrinho, uma tramoia, para convencer Lawrence de que
seria muito melhor fazer o que queremos.
Intrigada, Henri se inclinou sobre a mesa, os braços cruzados
sobre o tampo polido. Parecia uma sugestão muito improvável do
conde de Falmouth e ela estava ansiosa para descobrir o que
exatamente ele tinha em mente. — Que tipo de tramoia você tem
em mente, milorde?
— Dadas as circunstâncias, eu acho que você pode me chamar
de Alex — respondeu ele, embora sua voz não implicasse que ele
gostasse de lhe dar a familiaridade de seu nome.
— Dadas que circunstâncias? — perguntou ela, com apreensão,
acreditando que tinha uma vaga ideia de onde isso ia dar.
— Nas circunstâncias do nosso noivado e do casamento que
acontecerá em nosso retorno à Inglaterra.
— Ma-mas…
Alex acenou com a mão para silenciá-la e olhando, ela parou.
— Senhorita Morton, Henrietta… você me permite tamanha
familiaridade? — Aqueles olhos cinzentos olharam para ela como se
ele estivesse entediado até a morte e quisesse acabar com isso o
mais rápido possível.
— Eu prefiro Henri — respondeu ela, igualmente rígida e ainda
olhando para ele.
— Henri, você estava certa no que disse a Lawrence. Ele não
me conhece mais. Não sou o mesmo homem que era quando ele
partiu. — Ela percebeu que Lawrence devia ter contado a ele sua
descrição anterior do comportamento infame do conde. Uma sombra
caiu sobre sua expressão e ela pôde ver o peso da culpa que os
últimos anos haviam deixado sobre ele. — Na verdade, não tenho
certeza se alguma vez fui esse homem, embora tentasse ser tudo o
que acreditava ser certo e apropriado ao filho de um conde. Mas a
morte dele mudou tudo, mudou a mim. Antes de ele… morrer, eu
sempre fui consciente da honra e propriedade, e nada era mais
importante em minha mente do que o nome da família. — Ele bufou,
olhando para ela com diversão. — E eu posso ver a partir de sua
expressão incrédula o quanto perdi a elevada estima que você tinha
por mim e quão manchado esse nome se tornou.
Henri sentiu suas bochechas arderem e tentou transformar seu
rosto em algo menos expressivo, mas as lendas do perverso conde
de Falmouth, seu jogo e sua legião de anáguas eram numerosos
demais para ouvir tais confissões sem um pouco de ceticismo.
— No entanto, você plantou a semente da verdade que ele
descobrirá que é muito real em breve, e então ele verá que eu sou,
de fato — como você supôs — o tipo de marido que seria melhor
fugir para um navio pirata, ao invés de encarar o casamento.
— Milorde! — sussurrou ela, mortificada.
— Vamos lá, Henri — disse ele, com a boca torcendo em algo
parecido com um sorriso. — Não me sinto nem um pouco ofendido
com a verdade, e isso deve ser vantajoso para nós, se, como eu
suspeito, meu irmão tem sentimentos por você. Ele tem, não é
mesmo?
Henri abriu e fechou a boca, sem saber o que dizer. Alex
suspirou e olhou para o céu com aborrecimento.
— Se quisermos continuar, devo insistir que você seja franca
comigo. Eu realmente não tenho paciência para comportamento
tímido ou coquete.
Henri bufou, mas descobriu que ainda não tinha uma resposta.
Hesitando, ela olhou para baixo e teve um momento para alisar
cuidadosamente as pregas de suas saias enquanto tentava formular
uma resposta. — Eu-eu acredito; que ele gosta um pouco de mim,
sim, mas apesar de tudo, nós nos conhecemos há tão pouco tempo
e… E ele se esforçou muito para me fazer entender que nunca se
casaria comigo.
Ela ousou olhar para cima e encontrou os olhos cinzentos
examinando-a. — Por que ele não queria ou por que não estava em
posição de fazê-lo?
Henri arrancou um pedaço imaginário de fiapo de sua manga e
desejou sinceramente que ela pudesse levar a conversa para um
terreno mais seguro. Esse homem realmente não tinha limite, ter
que discutir assuntos quando ela mal entendia em sua própria
mente tais termos era terrível e bastante impróprio.
— Eu não sei — retrucou ela, sem paciência para ele. — Eu só
sei que ele acreditava que seria um fora da lei e que a adição de
uma esposa o impediria de tal forma que ele provavelmente seria
pego novamente em breve. Se isso implica que ele gostaria de
casar comigo, se as circunstâncias fossem diferentes ou se ele
procurou me recusar gentilmente, eu não sei.
Ela se sentou em sua cadeira e cruzou os braços desejando ter
a coragem de jogar algo nele, pois sentia que ele merecia muito
mais do que Lawrence.
O que quer que ela tenha dito, pareceu aclarar algo na mente do
conde.
— Muito bem, então. Você irá até Lawrence, e eu me certificarei
de que você tenha a privacidade para fazê-lo. Ele provavelmente se
esforçará, como fez comigo, em extrair uma promessa de que você
irá se casar comigo para que seu futuro seja seguro, e porque, por
alguma noção tola, ele acredita que seremos felizes juntos. — Eles
compartilhavam um olhar de igual incredulidade e aversão. —
Exatamente — acrescentou Alex, com uma expressão horrorizada
que foi realmente mais insultante. — Então, a princípio você vai
protestar, e eu sugiro que, se você realmente o ama, aproveite a
oportunidade para dizer isso a ele.
Henri ficou vermelha e olhou para diversos lugares, menos para
Alex. Ela mal havia admitido a ideia para si mesma, e mesmo
suspeitando que provavelmente fosse verdade… bem, francamente.
Ela sentiu seu olhar cinza e divertido pairar sobre ela, mas se
recusou a olhar para cima, então ele continuou.
— Ao final, no entanto, você aceitará seu argumento e
concordará, e pode ser uma ideia nesse momento fazer alguma
observação a meu favor na frente dele. — Henri olhou para cima
nesse momento e foi recebida com o mais leve levantar de uma
sobrancelha. — Bem, certamente você consegue pensar em alguma
coisa, certo ? — disse ele, com um tom seco.
Henri cerrou os dentes. Ela sabia tão bem quanto ele que ele
era um homem extremamente bonito e tal observação não deveria
ser difícil de encontrar. A ideia de tentar deliberadamente deixar
Lawrence com ciúmes, no entanto, a deixava um pouco nauseada.
— É para o bem dele — retrucou ele, com impaciência.
Ela soltou um bufo de raiva para o homem mal-educado e
odioso! — Muito bem — disse ela, com uma resposta igualmente
afiada.
— Ótimo. Assim que isso estiver resolvido, daremos a ele ampla
oportunidade de nos observar juntos. A princípio, parecerá que tudo
está muito bem entre nós. Com sorte, apenas um pouco de ciúme
pode ser suficiente para sacudi-lo de seu terreno moral elevado,
mas se, como suspeito, Lawrence é feito de coisas mais resistentes,
podemos ser forçados a implementar táticas muito mais sombrias.
Henri ergueu os olhos, alarmada. — O que você quer dizer com
isso?
Alex deu de ombros. — Simplesmente mostraremos que serei
um marido terrível, tirânico e frio que nunca a amará como você
merece e, eventualmente, tornará sua vida uma desgraça, tanto que
você será condenada a morrer de coração partido ou vergonha ou…
— Ele acenou com a mão, parecendo levemente enojado. —
Alguma outra doença misteriosa como tende a acontecer com as
senhoras dessa laia romântica. Embora eu espere que não
precisemos levar as coisas tão longe a ponto de colocar em risco
sua saúde — acrescentou ele, com um sorriso malicioso.
Fazendo uma careta para ele, Henri se perguntou como diabos
ele sabia alguma coisa sobre romance, o homem claramente não
tinha um osso romântico em seu corpo.
— Você é pura bondade — comentou ela, com aspereza.
Ele riu diante de seu óbvio aborrecimento. — Muito bem, então,
você sabe o que fazer. — Ela o repreendeu quando ele fez um
movimento de a enxotar e ficou de pé, apenas parando quando sua
voz a seguiu até a porta. — Eu acho que você tem pelo menos uma
vaga ideia de como fazer amor com um homem? — perguntou ele a
ela, com toda a arrogância zombeteira de um libertino assumido.
Ela se recusou a responder sua pergunta chocante com
qualquer outra coisa além de um forte bater na porta, todavia ela
ouviu nitidamente seu riso acompanhá-la.
Capítulo 21
“No qual a verdade e a mentira doem da mesma forma.”

Guiada por um dos homens do conde, Henri foi levada para os


confins escuros e apertados do porão. Uma cela improvisada foi
feita usando o casco do navio e um arranjo de caixas e barris. Um
aro de metal se projetava de uma viga no teto e, a partir disso, uma
longa corrente se estendia. A corrente então se ligava a algemas de
metal, e Henri sentiu seu coração contrair enquanto olhava para
Lawrence. Ele sentava-se com as costas contra o casco em um
palete fino, a cabeça baixa.
Ele olhou para cima quando os ouviu se aproximar e seu sorriso
fez sua respiração engatar quando seus olhos azuis captaram a luz
da lamparina.
— Olá, senhorita Morton, que gentileza da sua parte vir me
visitar — disse ele, todo cheio de polidez e boas maneiras, como se
ela estivesse visitando um velho amigo em casa.
Ela engoliu em seco e esperou que o homem que a trouxe aqui
se retirasse, como Alex prometeu que faria. Uma vez que ele estava
fora de vista e a uma certa distância, ela correu para o lado de
Lawrence.
— Você está bem? — perguntou ela, olhando para ele em busca
de sinais de abuso, ainda um pouco desconfortável em colocar sua
confiança em Alex.
Ele riu e assentiu. — Sim, não se preocupe por minha causa. Os
homens de meu irmão estão todos aterrorizados de incorrer em sua
ira e foram instruídos a me tratar com respeito. Não deixe que as
correntes a incomodem. Tenho sido bem alimentado e tratado com
luvas de pelica, asseguro-lhe. Elas… — acrescentou ele, levantando
as mãos e sacudindo as correntes. — São apenas encenação e
para evitar que a tripulação fique muito desconfiada.
Ela suspirou, sentindo-se um pouco mais segura no desejo do
conde em ajudar seu irmão.
— Viu? — disse ele, com a voz baixa. — Eu disse que ele era
um bom homem.
Henri olhou para baixo, franzindo a testa. Ela sabia que tinha
que desempenhar o papel como Alex havia instruído, mas não tinha
certeza de como fazer isso. Ela decidiu que a verdade era o
caminho mais fácil de seguir.
— Ele certamente parece se importar muito com você — disse
ela, olhando para cima e sorrindo. — Embora eu ainda ache difícil
confiar nele, ele… ele parece ser um homem tão frio.
— Você acha? — respondeu Lawrence, obviamente surpreso.
— Eu não consigo ver o que você vê. Eu só sei que quando eu era
menino, as pessoas o achavam terrivelmente orgulhoso e arrogante,
mas ele nunca foi assim comigo. — Ele deu de ombros. — Ele
sempre foi um defensor das regras e da propriedade, é verdade,
mas foi isso o que nosso pai o tornou. Ele sempre foi consciente de
sua herança e da importância de ser um bom conde.
Henri brincou com o lábio dela e se perguntou se deveria lhe
contar a verdade. Ele descobriria mais cedo ou mais tarde e talvez
fosse melhor ouvir isso dela.
— O que foi? — indagou ele.
— Lawrence — começou ela, tentando encontrar palavras que
não o irritassem indevidamente. — O que eu disse a você antes,
sobre seu irmão. Eu sei que isso te deixou com raiva e agora posso
ver por que isso aconteceu, mas…, mas essas coisas que eu disse
eram verdade. Ele tem uma reputação verdadeiramente sombria.
Ele é conhecido como um libertino e um canalha, ele foi nomeado
adúltero e há rumores sobre… bem, todo tipo de coisa. Acho que
quando ele acreditou que você estava morto, ele entrou em
desespero e não pôde mais ser a pessoa que era. Ele não é mais o
homem honrado que você se lembra — disse ela rapidamente,
vendo seu rosto escurecer de raiva. — Talvez ele até seja, mas não
é mais o que as pessoas acreditam que ele seja.
Ela o observou e prendeu a respiração, esperando por sua
explosão, mas ele não disse nada.
— Ele me disse a mesma coisa — disse ele, franzindo a testa.
— E eu não me importo com o que as pessoas pensam dele. Falei
com ele isso, e acho que é o mesmo de sempre. — Ele olhou para
ela e estendeu a mão, pegando na sua e apertando-a suavemente.
— Você não vê, Henri? É exatamente como era antes. Ele está
fazendo tudo ao seu alcance para me salvar, apesar do fato de estar
correndo grande perigo ao fazê-lo. Se a verdade de quem eu sou se
espalhar, se eles souberem que ele me ajudou a escapar… Se ele
tem tantos inimigos quanto você me fez acreditar, então, é muito
provável que ele fique ao meu lado se formos descobertos.
Henri franziu a testa e olhou para baixo, sua grande mão ainda
segurando a dela e ela se confortou com o contato. Ela realmente
não tinha considerado o grande risco que o conde estava correndo,
mas agora ela via que ele estava certo. Ele estava se colocando em
perigo para libertar seu irmão. Ele subiu consideravelmente em sua
estima por isso, apesar de seus modos miseráveis.
— E então você deve entender… — continuou ele, estendendo
a outra mão, seus dedos tocando levemente seu queixo para
levantar a cabeça em direção a ele —, você deve entender que eu
não posso fazer mais nada para colocá-lo em perigo.
Ela sabia que ele estava aludindo ao plano que Alex havia feito
e franziu a testa com aborrecimento. — Ele quer ajudar você,
Lawrence. Ele quer o irmão de volta.
Lawrence soltou sua mão e ela ouviu um suspiro pesado e o
tilintar de correntes enquanto ele se movia para se sentar contra o
casco do navio. — O irmão dele morreu há dez anos, e não há
como salvá-lo agora.
Henri cruzou os braços, franzindo o cenho para o chão. Ela não
precisava fingir aborrecimento para concordar com o plano de Alex.
Ela estava extremamente zangada. Se Alex queria ajudá-lo, por que
não podia simplesmente aceitar? Alex também era um homem
adulto – ele sabia dos riscos.
— Ele concordou em se casar com você como combinado —
disse ele, e ela olhou para ele bruscamente. Ele parecia tão
indiferente, ele realmente não se importava? Ela não conseguia ver
nada em seus olhos que sugerisse que sim. Ela piscou com força e
se virou.
— Bem, eu não concordo em me casar com ele.
— Henri — disse ele, a palavra dita em um suspiro, como se
estivesse se dirigindo a uma criança problemática. Talvez isso fosse
tudo o que ela significava para ele? Um incômodo, algo ao qual
deveria arranjar uma passagem segura pela vida, a fim de manter
sua consciência limpa.
— Não me chame de Henri! — esbravejou ela. — Você me deu
os diamantes para que eu não tivesse que me casar. Pois bem, eu
não vou. — Ela olhou para ele e cruzou os braços, muito consciente
de que parecia uma criança problemática agora, mas descobrindo
que não se importava. Como ele se atrevia a agir como se arranjar
para ela se casar com seu irmão não tivesse importância. Ela
realmente significava tão pouco para ele? Nesse caso, ele era tão
libertino e patife quanto o conde por se aproveitar dela. Como ele
poderia tê-la beijado com tal… tal sentimento, se ela não significava
nada para ele? Tudo aquilo era demais.
— É melhor assim — disse ele, e sua voz estava mais dura
agora, mais fria.
— É melhor para quem? — indagou ela, sua voz falhando. Ela
ficou de pé, com raiva demais para se sentar ao lado dele por mais
tempo — O melhor para você, você quer dizer? — disse ela,
virando-se para ele em fúria. — Então você pode ir embora e nos
deixar e não se sentir culpado por isso, certo? Não importa que eu
não o ame ou nem mesmo goste dele? Não importa que ele precise
que você fique porque perder você partiu seu coração e o mudou
irrevogavelmente? Não, não. — Ela acenou com a mão, como se
tais palavras fossem ninharias para ele. — Não, vá embora, então,
nos deixe, e nunca mais pense em nós. Vá e encontre seus
homens, assalte e saqueie até ser pego novamente e enforcado,
sozinho, sem ninguém para cuidar de você! — Ela descobriu que
estava gritando e à beira das lágrimas, então parou abruptamente e
virou as costas para ele, lutando para manter a compostura.
O silêncio parecia preencher o espaço sombrio, engolindo o
barulho do navio, o ranger da madeira e o bater das ondas, e os
gritos abafados e baques dos homens que trabalhavam acima
deles.
— Se você acha que eu nunca pensaria em você, então você
está longe da verdade. — Sua voz era sombria e cheia de mágoa, e
ela se virou para ver a tristeza em seus olhos. Sua raiva feroz e
ardente se dispersou, de repente tão frágil quanto uma bolha de
sabão diante de tal tristeza.
— Oh, Lawrence — disse ela, tendo dificuldade de pronunciar
seu nome e correndo para ele. Ela enterrou o rosto no ombro dele e
sentiu os braços dele em torno dela, segurando-a perto enquanto
ela cedia às lágrimas. — Por favor, por favor, não vá — implorou ela.
— Não nos abandone. Eu não posso suportar. Nunca mais o verei.
Ele ficou em silêncio, uma mão acariciando seu cabelo, e ela
sabia que nunca mudaria de ideia. Ele estava com muito medo de
colocá-los em perigo, e então ele iria embora, e eles nunca mais o
veriam. Só havia uma coisa que ela podia fazer.
— Por favor, Henri. Quero me certificar de que você esteja
segura, e quero que Alex seja feliz. Ele é o único homem no mundo
em quem confio para cuidar de você, o… o único que posso
suportar a ideia de ficar com você — disse ele, e agora sua voz
estava áspera. O coração dela se acalmou um pouco, sabendo que
isso o estava machucando tanto quanto ela. — E eu sei que você é
extraordinária o suficiente para fazê-lo feliz. Vocês são as duas
melhores pessoas do mundo, e me confortaria saber que vocês
estão contentes juntos.
Ela fechou os olhos, sentindo as lágrimas quentes escorrerem
pelo seu rosto. É melhor que Alex esteja certo sobre isso, ela
pensou ferozmente. Porque se isso não funcionasse… Ela engoliu
em seco e levantou a cabeça.
— Muito bem, Lawrence, se isso significa tanto para você, eu
farei. Vou me casar com seu irmão.
Capítulo 22
“No qual um pirata tenta ser honrado e descobre um futuro sombrio.”

Lawrence olhou para os grandes olhos castanhos, cheios de


lágrimas e infelicidade, e sentiu o coração apertar no peito. Ele
preferiria enfrentar uma horda de assassinos armados a suportar a
dor naqueles olhos. Era demais para suportar. Mas ele devia; era a
única coisa que podia fazer pelos dois. Ele havia causado tanto mal
a seu irmão, e indiretamente à Henri também. Mantê-los seguros
era tudo o que podia fazer agora.
Por um momento, ele sonhou com o que poderia ter sido; se ele
não tivesse sido um tolo de cabeça quente, desafiando seu irmão e
fugindo com Mousy, cujo pai era um contrabandista;
contrabandeando chá e rum debaixo dos narizes dos Casacas-
Vermelhas e da Guarda Marítima. Mousy havia trabalhado nos
estábulos e Alex se opôs fortemente à amizade deles, certo de que
o menino mais velho o levaria a problemas. Como sempre, ele
estava certo.
Mas Lawrence não viu o mal, nem em sua amizade com Mousy
nem em seu envolvimento com o contrabando. Tudo o que ele podia
ver era que as pessoas ao seu redor estavam morrendo de fome
quando ele tinha muito. As minas locais estavam falindo, demitindo
homens por todo o condado. Se eles pudessem ganhar dinheiro
com o contrabando, então, boa sorte para eles. E, além disso, tudo
aquilo era uma aventura.
Então, ele concordou em ir ao encontro dos barcos enquanto
eles traziam a carga para terra. De qualquer forma, a vida de
contrabandista parecia-lhe uma coisa grandiosa, muito mais
excitante do que lições e instrução, e aprender a se comportar como
um cavalheiro. Onde estava a diversão nisso? E, além disso, ele
perdera seu anel jogando com um dos rapazes da aldeia. Era o que
trazia o brasão da família. Seu pai ficaria furioso se ele o perdesse e
o menino havia prometido dar ao rapaz, se ele os ajudasse na
negociação. Se ele não sentiu muito medo? Sentiu, e muito!
Entretanto, mesmo assim ele foi.
Ele não tinha percebido que Alex estava trabalhando com a
Receita para proteger os interesses marítimos de seu pai.
E, então, a milícia chegou à praia.
Ele fechou os olhos para tentar refrear a memória daquela noite.
Se ele não estivesse lá, a sua vida noturna teria continuado. Seu
irmão não teria aquela sombra escura que caía sobre ele agora,
pois Lawrence a tinha visto exatamente como Henri, não importava
que ele negasse.
Talvez se ele não tivesse sido tão tolo, ele teria conhecido a
senhorita Morton em um dos bailes locais, ou em um baile dado por
seu pai. Ele teria ficado encantado com aqueles olhos vívidos,
encantado com sua inteligência e mente afiada, e aquele sorriso
provocante. Ele a teria cortejado, tentado ganhar seu coração.
Talvez eles tivessem se casado e vivido felizes, envelhecido juntos
cercados de filhos e netos…
Ele expulsou as imagens de sua mente. Não havia sentido em
insistir em tal absurdo sentimental. O passado estava morto e
enterrado, ele escolheu seu caminho e destruiu o futuro dos outros
ao fazê-lo. Agora, finalmente, havia uma chance de remediá-lo.
Henri seria bem cuidada, ela nunca mais teria que se preocupar
com dinheiro, e talvez ela pudesse afastar as sombras dos olhos de
seu irmão.
E então, ele olhou para baixo novamente e a viu olhando para
ele, e sentiu como se tivesse sido exposto, como se ela tivesse visto
isso também, tudo o que poderia ter sido; e doeu.
Ele não pensou no certo ou errado; e esse era sempre o
problema dele. Ele simplesmente fez o que sentia em seu coração e
a puxou para si. Ele pressionou os lábios contra aquela boca doce e
macia e sentiu tudo sobre ele se erguer e se reorganizar na retidão
de seu abraço. Ela se agarrou a ele, abrindo a boca para convidá-lo
ainda mais, e bastardo como ele era, ele aceitou, com fome e fogo
que fervilhavam em seu sangue, que ameaçavam reduzi-lo a cinzas.
De alguma forma, embora ele quisesse permanecer para
sempre perdido em seu beijo, ele percebeu o balanço da luz da
lamparina se aproximando e o passo pesado de um homem se
movendo em direção a eles. Ele a soltou abruptamente e descobriu
que não conseguia mais olhar nos olhos dela.
— É melhor você voltar — disse ele, ouvindo sua própria voz
ecoar, e soar tão oca e monótona quanto um caixão vazio. — O seu
noivo vai se perguntar onde você está — acrescentou ele, admirado
consigo mesmo e com o rancor que sentiu ao pronunciar as
palavras, apesar de ele ter causado isso sozinho; ele tinha
provocado tudo isso.
Ele não olhou para cima quando ela se afastou dele e foi de
encontro ao seu carcereiro. Mas ele olhou para ela enquanto seu
corpo esguio recuava para as sombras e se afastava dele, voltando
para seu irmão.
Como ele sabia que o faria; Alex apareceu cerca de uma hora
depois.
— Muito bem — disse Alex, olhando para ele com uma
expressão resignada. — Eu não sei o que você disse, mas ela
concordou em se casar comigo.
Lawrence assentiu e tentou parecer satisfeito com o resultado.
Seu irmão olhou para ele, claramente não convencido, e bufou.
— Você é um maldito tolo. Não vê que ela está apaixonada por
você?
— Bem, se é verdade, não posso deixar de pensar que ela é a
tola — respondeu ele, evitando o olhar de seu irmão. — Um homem
com um prêmio por sua cabeça, sem lar, sem futuro… Eu não vou
dotá-la com todos esses bens materiais. — Ele olhou para cima,
estendendo as mãos e sorrindo. — Eu não sou um bastardo tão
grande, está bem?
Alex arqueou uma sobrancelha e então se acomodou na beirada
de um grande caixote, ele lançou um olhar astuto na direção de seu
irmão. — Você a ama.
Lawrence riu e revirou os olhos. — Não seja idiota, ela é uma
garota doce, isso é tudo, e eu gosto dela o suficiente para não
querer arruiná-la. — Ele esperava que as palavras soassem
plausíveis, porque elas tinham um som oco em seu próprio ouvido
que ele não podia ignorar.
— Não é tarde demais para mudar de ideia, sabe. O meu plano
era perfeitamente plausível. Você poderia permanecer na
propriedade de nossa mãe, supondo que ainda esteja lá. Antes da
guerra, eu estava procurando por alguém com visão e inteligência
suficientes para supervisionar nossos interesses lá e você
certamente provou que tem isso. Ah, e você também poderia
gerenciar o lado francês de alguns dos outros… acordos comerciais
nos quais ganhei desde então uma participação. — Havia algo em
seu tom que fez Lawrence olhar para cima. — Eu acho que seria
adequado para você — acrescentou Alex, com um sorriso irônico.
Lawrence olhou para seu irmão mais velho com suspeita.
Externamente, ele realmente não parecia diferente de dez anos
atrás. Ele era um homem poderoso no auge de sua vida. Não havia
cabelos grisalhos entre os grossos cabelos negros e ele estava
impecavelmente vestido, como de costume. Sempre tinha chamado
a sua atenção como os seus jovens amigos tinham seguido Alex
com uma devoção servil que ele tinha, na melhor das hipóteses,
ignorado, e muitas vezes tinha se irritado. Mas havia de fato uma
mudança, um ar mais sombrio nele, e algo que Lawrence
reconheceu, mas não conseguiu identificar. Até que ele percebeu,
eles eram muito parecidos com todas as suas diferenças. Seus
olhos se estreitaram.
— O que diabos você anda aprontando?
Alex sorriu. Sua expressão era plácida, mas conhecedora, e
Lawrence franziu a testa.
— Alex?
Seu irmão esticou suas longas pernas na frente dele, suas botas
pretas brilhando à luz da lamparina.
— Você estava certo, sabe, todos esses anos. — Lawrence o
observou enquanto falava, confuso com a admissão, mas viu
arrependimento nos olhos de seu irmão. — Eu deveria ter feito mais.
Eu deveria ter ajudado mais, em vez de culpar os contrabandistas
por infringir a lei, em vez de ajudar a milícia. Eu deveria ter olhado
para a causa, o porquê disso. Você viu isso — disse Alex, seu rosto
sério, e então ele sorriu, e Lawrence reconheceu o irmão que ele
idolatrava em sua juventude. — Você sempre deixou seu coração
governá-lo, até naquela época, diferentemente de mim. Eu sempre
fui muito dedicado às regras, a obedecer a tradição, a defender as
leis, mesmo quando não faziam o menor sentido, mesmo quando
eram extremamente injustas.
Lawrence ajustou sua posição no palete, inclinando-se para a
frente para que ele pudesse ver seu irmão mais claramente na luz
fraca lançada pela lamparina. As palavras eram tão diferentes do
homem que ele conhecera. Alex parecia ciente de seus
pensamentos e deu um sorriso sombrio. — Eu mudei, Lawrence.
Para o bem e para o mal. — Ele riu, um som sinistro que parecia
rolar na caverna sombria do casco. — Principalmente para pior, na
verdade, mas talvez haja algumas coisas que você irá aprovar.
A curiosidade agora deixou Lawrence em choque, e ele olhou
para o irmão com uma estranha sensação de que sabia o que tinha
feito, e não sabia se devia ficar orgulhoso ou uivar de tristeza pelo
que havia feito àquele homem honrado. — Tais como? — indagou
ele.
— Eu decidi que os contrabandistas estavam mal equipados e
inadequadamente liderados. Houve outros capturados e enviados
para Londres para serem julgados e enforcados nos meses
seguintes… — Ele fez uma pausa e Lawrence sentiu uma pontada
aguda de culpa pela dor nos olhos de Alex enquanto ele revivia
aquele tempo. — Depois que você foi embora. Lembra do Jo? Um
dos homens que trabalhava nos jardins? Ele costumava fazer vista
grossa quando éramos meninos e roubávamos os morangos, você
se lembra? — Lawrence sentiu um nó na garganta e assentiu com a
cabeça, ele se lembrava. — E o jovem Toby, dos chalés perto da
igreja, era talvez três anos mais velho que você? Ele não estava
casado há um ano, deixou sua esposa com um bebê a caminho e
nada para sustentá-la.
Eles se sentaram em silêncio mais uma vez enquanto Lawrence
se lembrava dos rostos daqueles homens e de outros que morreram
na praia naquela noite.
— Eu não conseguia suportar tudo aquilo — rosnou Alex, sua
voz cheia de fúria. — Eles foram levados para Londres para o
julgamento, e aqueles juízes que deram a sentença, eles foram
embora e jantaram capão e rosbife, enchendo suas caras gordas
enquanto as famílias daqueles homens passavam fome e estavam
totalmente desesperançados sem os homens para sustentá-las. E
essas criaturas amáveis, esses juízes, eram os homens honrados
da Lei. — As palavras foram cuspidas com tanto veneno que
Lawrence prendeu a respiração. — Isso me deixou enojado,
Lawrence. Até onde eu sabia, você tinha morrido naquela praia
ajudando aqueles homens a alimentar suas famílias, e jurei
continuar de onde você parou.
Lawrence piscou e olhou para seu irmão com novos olhos.
— Meu Deus, Alex, você é um contrabandista. — Ele estava
muito atordoado para dizer mais alguma coisa por um momento, e
então a raiva veio à tona. — Você está louco? — indagou ele,
enquanto a indignação e o orgulho lutavam para remontar essa
nova visão do homem com quem ele cresceu. — Você está
financiando uma rede de contrabando, na sua própria porta? Você
vai ser pego, é… é uma loucura!
Alex cruzou os braços, parecendo bastante entretido com a
explosão de seu irmão mais novo.
— Olha só quem está falando, o Patife em pessoa — disse ele,
com diversão seca.
— Isso era totalmente diferente! — rebateu Lawrence,
estreitando os olhos e puxando a corrente com a qual estava preso
para se levantar. — Eu não tinha nada a perder e nunca ficava no
mesmo lugar por mais de um dia de cada vez. Você tem sua casa —
nossa casa! O nome da família, pessoas que dependem de você!
Alex começou a rir, o estrondo profundo fundindo-se com os
sons de um navio em funcionamento enquanto Lawrence olhava
para ele.
— E aqui estava eu pensando que você poderia estar orgulhoso
de mim. — Seu rosto ficou sério mais uma vez. — Lawrence, as
coisas estão muito piores do que eram até então. Desde que a
guerra acabou, os agricultores não podem mais competir com o
baixo preço dos grãos importados. Eles estão demitindo homens por
toda parte. Muitos estão simplesmente desistindo e indo para a
América para tentar uma nova vida por lá. Com as minas indo mal
também, as pessoas estão lutando pela sobrevivência e se eu não
puder salvá-las por meios legais, e acredite em mim, eu tentei,
então farei como eles fazem.
Lawrence suspirou e balançou a cabeça em derrota. — Estou
orgulhoso de você, maldição. Claro que estou. Eu-eu só não quero
perder você de novo. — Ele estendeu as mãos até onde as
correntes permitiam, esperando que Alex entendesse. — É um
conforto saber que você ainda estará lá, que a grande casa ainda
está em Tregothnan como sempre esteve, que o velho Pawly ainda
está aterrorizando qualquer um que ouse chegar a nossa porta, que
a senhora Buscombe ainda faz os melhores pastelões de carne em
toda a Cornualha, e que as trabalhadoras ainda estão cantando ao
redor das minas. Então tudo será como deveria ser e o mundo
continuará como deveria, não importa a bagunça que eu tenha feito
em minha própria vida.
Para sua surpresa, Alex ficou de pé com extrema raiva em seus
olhos.
— E seria um grande conforto para mim saber que você está de
volta entre nós — gritou ele. — Para que eu possa vê-lo e conversar
com você como fizemos uma vez, seria muito melhor do que saber
que você está perdido em algum lugar do mundo onde eu poderia
nunca saber se você morreu de verdade, pois não haveria ninguém
para me contar caso acontecesse!
Os dois homens se entreolharam, e Lawrence sentiu a culpa
apertar seu coração. Se fizesse o que Alex e Henri queriam, estaria
colocando-os em perigo e, se algo acontecesse, ele nunca se
perdoaria. E se fosse embora, iria machucá-los e partir seu próprio
coração. Ele viu Alex se virar e se afastar dele sem mais uma
palavra. Parecia não haver nenhum caminho a seguir que faria bem
a alguém.
Capítulo 23
“No qual os papéis são representados, e nem os atores nem o
público encontram prazer na performance.”

Henri estava no convés. Ela havia passado uma noite agitada


ouvindo Annie roncar e o sempre presente correr da água contra o
navio em movimento. Ela não tinha sido capaz de parar de pensar
em Lawrence acorrentado abaixo do convés.
Cansada e desanimada, ela acordou cedo, esperando que um
novo dia pudesse trazer uma perspectiva mais esperançosa. Na
verdade, o coração e a alma insensíveis não encontraram nenhum
prazer na cena diante dela. Mais uma vez, o céu de inverno estava
claro e exibia um azul translúcido, nítido com clareza fria à luz do
sol. O ar estava limpo e puro, imbuído de um frio doce e gelado que
tornava quase doloroso respirar e certamente perseguia qualquer
embotamento persistente de sua mente cansada. O sol tinha
acabado de nascer e agora estava em meio ao azul do céu.
Ela olhou para as velas, cheias e elegantemente gordas contra a
brisa constante que parecia colocar sua mão tão suavemente sobre
elas. Tudo estava tão calmo e quieto, as velas tão perfeitamente
distendidas que não havia a menor ondulação a ser encontrada na
tela, o branco cintilante brilhando à luz do sol, tão macio e
levemente arredondado como mármore esculpido.
— É uma visão adorável, não é?
Ela se virou quando uma voz profunda quebrou o silêncio e fez
uma reverência ao conde quando ele se aproximou dela.
— É de tirar o fôlego — concordou ela, voltando seu olhar para
o céu. — E é tão alto. Eu sinto que o mastro deve estar raspando os
céus enquanto passamos, ele navega muito orgulhoso.
Alex assentiu, seguindo seu olhar. — De fato, na verdade, essa
vela mais alta é chamada de vela do céu, então, essa é uma
descrição bastante adequada.
— Você ama isso aqui, não é mesmo? — disse ela, gesticulando
vagamente para a extensão do horizonte diante deles. — Você e
Lawrence, vocês vivem por essa liberdade.
Ele assentiu e ofereceu seu braço a ela para acompanhá-lo
enquanto caminhava pelo convés. — Sim, na verdade estou
descobrindo que somos mais parecidos do que talvez qualquer um
de nós tenha percebido. E certamente somos muito teimosos —
acrescentou.
Ela olhou para ele e viu preocupação em seus olhos, que era
um reflexo de seus próprios medos. — Não podemos deixá-lo ir
embora.
— Não — disse ele, sua expressão sombria. — Nós não
podemos.
Ela observou quando ele voltou seu olhar para o horizonte. —
Ele mudou também, sabe — disse ele, sua voz pesada com tristeza.
— Ele estava sempre rindo quando menino. Todos o amavam, o
adoravam, de verdade. Onde quer que Lawrence fosse, havia risos
e travessuras. Sabe, ele estava sempre em apuros por um motivo
ou outro e, ainda assim, ninguém parecia pensar o pior dele porque
ele estava sempre tão arrependido de ter causado problemas,
sempre tão pronto para fazer as pazes que ninguém nunca queria
repreendê-lo. — Ele bufou, balançando a cabeça. — O diabinho
escapou do assassinato. Mas agora vejo uma mente tão séria por
trás de seus olhos e isso me incomoda. Receio que o menino que
conheci se foi.
Ela colocou a mão em seu braço para que ele olhasse para ela.
— Ele ainda está lá — disse ela, sorrindo para ele e lembrando dos
olhos azuis alegres e o sorriso malicioso do pirata que ela havia
encontrado pela primeira vez. — Eu sei que ele ainda tem o mesmo
coração, mas ele sente tanta culpa e teme que qualquer mal nos
atinja. — Ela suspirou quando a frustração tomou conta dela mais
uma vez. — Então, ele vai fazer com que todos nós sejamos
infelizes, incluindo ele mesmo, para satisfazer sua honra estúpida.
Ele olhou para ela, avaliando-a de tal maneira que fez sua pele
formigar. — Senhorita Morton, talvez eu tenha feito um desserviço
— disse ele, finalmente. — Não tenho dúvidas de que qualquer
casamento entre nós seria desastroso, mas acredito que você se
adequará muito bem a Lawrence.
Henri não pôde deixar de rir de suas palavras, tão relutantes e
nada lisonjeiras. Ela colocou a mão no bonnet enquanto um vento
gelado a puxava e fazia as fitas dançarem. — Oh, não é nada que
eu não esteja acostumada, eu lhe asseguro. Não se espera que eu
tenha um pensamento na minha cabeça além do próximo baile e
quais rosas irei usar para decorar meus sapatos de baile, por isso
não me surpreende. Na verdade, estou surpresa que você
reconheça o fato, sem pedir desculpas por isso.
— Eu me desculpei? — perguntou ele, com uma sobrancelha
levantada e o sorriso zombeteiro firmemente no lugar, e então ela
viu seu olhar observar algo atrás dela e voltar para ela mais uma
vez, seu sorriso um pouco mais fixo no lugar. — Henri, eu instruí
que Lawrence fosse trazido para respirar um pouco de ar puro e dar
uma volta no convés. Ele está nos observando.
— Oh — disse ela, quando a ansiedade começou a tremeluzir
em seu coração. — Então…
Ele se aproximou um pouco mais dela, prendendo seu olhar. —
Então, se vamos prosseguir com nosso plano — disse ele, baixando
a voz para intimidade. — Seria bom se fôssemos vistos… tentando
tirar proveito das coisas. — Ele estendeu um dedo, acariciou sua
bochecha e ela estremeceu, lutando contra o desejo de se afastar
dele.
— Sim, eu entendo. — Ela se forçou a ficar no lugar e viu
diversão nos olhos de Alex.
— Eu obviamente sou muito pior do que eu imaginava. Você
parece positivamente aterrorizada — disse ele, secamente.
Henri respirou fundo. — Oh, céus — disse ela, um sorriso
puxando sua boca. — Temo ser uma péssima atriz, e odeio enganá-
lo assim.
Alex moveu-se ao lado dela e, com uma mão colocada
levemente em suas costas, a guiou para ficar com ele na
balaustrada, olhando para a água azul cintilante. — Não tenho
dúvidas, mas é nossa única saída, a menos que você tenha alguma
sugestão melhor?
Henri respirou fundo e, rezando para saber o que estava
fazendo, deitou a cabeça dela em seu braço de uma maneira
familiar. — Não, Alex, eu não sei, mas espero que estejamos
fazendo a coisa certa.
— Ele está vindo — disse ele, calmamente, e Henri não teve
que fingir um olhar de culpa quando Lawrence se aproximou deles,
pois seu coração estava pesado e cheio de tristeza. Ainda assim,
ela tentou sorrir para ele e esperou sinceramente que parecesse tão
falso quanto ela sentia que era.
— Bom dia, La… Capitão Savage — corrigiu-se ela, lembrando
no último momento que o guarda estava andando um pouco atrás
dele.
— Bom dia, senhorita Morton — respondeu Lawrence, e por
mais que tentasse, ela não conseguia encontrar nenhuma
expressão além de uma polidez branda em seus olhos ou em seu
jeito. — E é uma bela manhã, especialmente com uma visão tão
adorável quanto a sua para iluminar o horizonte.
— Muito lindamente dito, senhor — disse Alex, sua expressão
tão cuidadosamente vazia quanto a de seu irmão. — Espero que
você tenha dormido bem?
— Como um bebê embalado por sua mãe — respondeu
Lawrence, com um gesto expansivo, e ela reconheceu a persona do
Capitão Savage em seus modos. Ele se perguntou quanto disso era
show e quanto era realmente Lawrence. Pelo que Alex havia dito,
talvez houvesse pouco a discernir entre a personalidade
extravagante ilustrada nos panfletos de suas aventuras e o homem
real. — Pois um pirata só está verdadeiramente à vontade nos
braços do oceano — acrescentou ele, com um largo sorriso. — E
agora, se me derem licença, preciso esticar as pernas antes que
esse homem aqui decida que já tive emoção suficiente por uma
manhã. — Com um floreio teatral, Lawrence tirou o chapéu e fez
uma reverência, e continuou seu caminho.
— Oh, céus! — Henri murmurou novamente, antes de começar
a morder o lábio com ansiedade.
— Coragem, Henri — disse Alex, dando tapinhas em seu braço.
— Os fracos não têm vez com um pirata idiota.
Contrariada, ela riu, em seguida, sentiu-se horrorizada
novamente ao ver Lawrence andando de cima para baixo, com
aqueles olhos azuis atentos enquanto olhava para os dois juntos;
coragem, de fato.
Alex a acompanhou de volta para a cabine, onde ela encontrou
Annie envolvida em uma desanimada tentativa de arrumar a cama.
Henri se jogou na cadeira perto da mesa sentindo-se tão
exaurida e esgotada quanto no momento de despertar, todos os
bons efeitos do sol da manhã e do ar fresco tendo sido anulados por
seu encontro inesperado com Lawrence.
— Ora, que aconteceu pra ocê parecê que trocou oro por
cascalho? — indagou Annie, chiando e ajeitando as costas de volta
na posição ereta.
Henri bufou. — Essa é uma escolha de palavras
extraordinariamente adequada — murmurou ela, sombriamente.
Annie inalou o ar em choque. — Eu num deixaria lorde Sinclair
ouvir ocê se referi nele como um cascalho, milady. Meu Deus dos
céu, pode até tentar, mas nem piscando esses seus lindos olho, ocê
ia consegui se safá desse comentário. — Ela se aproximou de Henri
e, de maneira enérgica, foi desfazendo as fitas da touca,
repreendendo-a por ir ao convés sem ter primeiro arrumado o
cabelo.
Henri sofreu em silêncio, e se segurou para não falar que Annie
estava roncando quando seus serviços eram necessários.
— Alex talvez não seja tão terrível quanto eu imaginava —
admitiu ela, assim que Annie começou a pentear seu cabelo em
direção ao couro cabeludo, criando um volume de deixar as duas
orgulhosas. — Pelo menos ele toma conta de Lawrence, na pior das
hipóteses. Mas espero estar fazendo a coisa certa ao depositar
minha confiança nele.
Ela havia feito um resumo para Annie de sua conversa com Alex
na noite anterior, e agora a informou sobre a atuação desta manhã.
— Oh, Annie, eu me senti tão horrível, e depois eu me senti tão
furiosa quando ele não parecia notar ou se importar, ele nem sequer
pestanejou. Eu não sei o que fazer para acertar as coisas.
Annie bufou e lançou a Henri um olhar compreensivo. — Ah, ele
notô, senhorita — disse ela, sorrindo. — Num se preocupa. Escreve
o que eu tô falano, ele tá sentado lá agora, rangeno aqueles dente,
verde de inveja, mas foi ele que fez ocê ter que fazê isso, e agora
não tem como voltá atrás, né mermo?
Henri gemeu. — Eu não sei se isso faz eu me sentir pior ou
melhor — reclamou ela. Em seguida, deu um tapa e afastou a mão
de Annie com um grito, quando sua criada puxou um nó com força,
tão forte que fez seus olhos lacrimejarem. Annie, sem remorso,
apenas revirou os olhos e se apressou para vasculhar a grande
bolsa de viagem em tecido de tapeçaria que parecia transbordar
com suas próprias posses. Ela emergiu um momento depois com
um belo cantil de metal e um sorriso. Abrindo a tampa, ela tomou
uns bons goles antes de entregá-lo a Henri.
— Aqui, meu patinho, toma um gole disso aqui, vai fazê tudo ficá
mais claro e quente, ou o meu nome num é Annie Tripp.
Henri pegou o cantil com um suspiro e engoliu o pensamento
nada simpático de que ela não ficaria nem um pouco surpresa se
seu nome não fosse Annie Tripp. Embora ela soubesse que a
mulher havia passado a maior parte de sua vida morando em
Cheapside, em Londres, antes de vir para a Cornualha para
trabalhar para lorde Morton, ela nunca esteve muito interessada em
dar qualquer outra informação sobre sua ascendência ou origens
além de uma indireta aqui, ali e acolá.
O álcool era intenso e quente, e obviamente de boa qualidade.
— Isso veio de casa, Annie? — ela perguntou, surpresa que se
tivesse vindo, tivesse durado tanto tempo.
— Não, senhorita — respondeu Annie com um sorriso alegre. —
É do conde, eu venho afanano ora isso, ora aquilo.
Apesar de tudo, Henri começou a dar gargalhadas e levantou-se
para abraçar Annie enquanto a criada desavergonhada arrancava
de volta o cantil habilmente das suas mãos. — Ah, Annie, estou tão
feliz que você esteja aqui.
Annie estendeu a mão, beliscou a bochecha de Henri e estalou
a língua com carinho. — Num mais que eu, minha menina — disse
ela com um sorriso carinhoso e, em seguida, enfiou o cantil
cuidadosamente na fenda proporcionada por seus fartos seios.
Capítulo 24
“No qual os problemas surgem e a tempestade se forma.”

Lawrence se apoiou contra o casco e olhou para a viga


enquanto o navio balançava e trepidava. Ele podia ouvir o estalo da
lona quando a voz profunda de Alex gritou para encurtar o mastro-
real. Eles estavam indo para o Golfo da Biscaia e o vento já estava
sacudindo o navio como uma criança descuidada com um
brinquedo.
A culpa cobria tudo o que já estava sentindo, pois sabia o risco
que Alex corria ao entrar na baía no inverno. Bastante calma e
pacífica nos meses de verão; mas a partir do outono, o clima na
Golfo era traiçoeiro, do nada mostrava sua fúria, destruindo navios
com facilidade. Ele tinha feito tudo o que podia para dissuadir Alex
de seu curso, mas o tolo teimoso não queria ouvi-lo. Lawrence não
acreditava que conseguiria causar um motim, apesar do fato de que
seu intendente ter repetido todos os argumentos razoáveis que
Lawrence havia apresentado se ele tivesse um pingo de bom senso.
Como Alex nunca empregava tolos, ele só podia imaginar que a
frustração do homem era a mesma que a sua, pois parecia que
caraminholas haviam entrado na cabeça de seu capitão e
confundido seu cérebro. A melodia familiar de uma canção que as
crianças cantavam em casa quando uma tempestade se aproximava
rondou sua mente, fazendo sua pele formigar com o presságio.
“Se o vento soprar, a tempestade virá, o navio pela manhã,
desembarcará.”
Um naufrágio na costa da Cornualha era algo esperado e bem-
vindo. Significava mercadorias trazidas para a praia, barris de vinho
e pratos exóticos de lugares distantes.
Para alguns, era o que os separava da fome e os mantinha
vivos, por isso, ele entendia bem a alegria de seus compatriotas e o
entusiasmo das crianças. Ele mesmo os observara, no Lizard,
enquanto um navio se despedaçava em uma tempestade furiosa
nas rochas traiçoeiras da península. Sendo um dos pobres
bastardos a bordo, porém, isso era outra questão.
Ele se levantou e andou o máximo que o navio em movimento
permitia, ansioso para subir no convés e sentir o coração frio e
sombrio da tempestade se aproximando deles. Qualquer coisa em
vez de ficar preso aqui embaixo apenas com os ratos ou seus
próprios pensamentos como companhia, de ambos os quais ele se
cansara há muito tempo.
Fazia dois dias desde que ele tinha visto Henri e Alex no
convés, parecendo… confortáveis um com o outro. Ele cerrou os
dentes e tentou não pensar nisso. Mas como uma língua retornando
a um dente doendo, seus pensamentos inevitavelmente retornaram
um momento depois.
Ele teve permissão para andar pelo convés duas vezes por dia
desde então, e se deparou com eles mais de uma vez, conversando
baixinho, com as cabeças juntas. Ele havia notado a atitude solícita
de Alex, uma mão gentil no braço de Henri, o toque de um dedo em
seu rosto e o lindo rubor que corava suas bochechas diante de suas
atenções. Era tudo muito cavalheiresco da parte do irmão e
perfeitamente de acordo com as ações de um noivo conhecendo a
dama com quem pretendia se casar. E Lawrence nunca quis
arrancar a maldita cabeça de seu irmão mais do que nos últimos
dias.
Ciúme e raiva impotente queimavam através dele, não
importando o quanto ele tentasse reprimir os sentimentos. Ele se
obrigou a reviver todas as discussões com Alex, repetir todas as
razões pelas quais ele não podia ficar. Por que ele tinha que ir
embora? Por que eles deveriam se casar e tentar dar o melhor de
si? Toda vez que ele se convencia de que sim, ele realmente estava
certo; ele havia escolhido o melhor destino para todos. Não havia
dúvida em sua mente. Seu coração, no entanto, recusava-se a
aceitar a lógica fria e dura. O seu coração estava cheio de inveja e
tristeza, e ele se odiava por odiar Alex. Afinal, ele estava tirando
proveito da situação, tentando deixar Henri à vontade, tentando
fazer a garota feliz. Porque é claro que seria melhor se ela se
apaixonasse por Alex. É claro que seria. E o que não havia para
amar? Ele era bonito, poderoso, incrivelmente rico, para não
mencionar o título…
Seu punho atingiu um dos barris que formavam a parede de sua
cela de prisão e um baque surdo ecoou pelo espaço confinado
enquanto o líquido dentro estremecia. Ele afastou a mão com os nós
dos dedos sangrando, mas isso não tirou a dor de seu peito ou
aliviou sua frustração. Com desgosto, ele se sentou no palete de
sua cama e levou as mãos à cabeça.
Ele ergueu os olhos novamente em direção aos gritos vindos de
cima. Movendo-se o mais longe que suas correntes permitiam, ele
tentou apurar os ouvidos à explosão contínua das ondas contra o
casco e o rugido do vento à medida que ganhava força. Alex pedira
a todos que encurtassem a vela, e Lawrence podia ver em sua
mente a tripulação lutando para derrubar o galante superior
enquanto o vento tentava arrebatá-la.
— Maldito seja, Alex! — praguejou ele e puxou as correntes que
o mantinham cativo. Por mais inútil que fosse, ele puxou e tentou
arrancá-las, blasfemando de raiva e frustração, e proferindo cada
xingamento obsceno que ele conseguia pensar.
Senão em resposta a uma oração, mas certamente em resposta
à sua maldição, um dos homens de Alex correu até ele, com as
chaves na mão.
— O capitão disse para libertá-lo. Todas as mãos no convés —
gritou o homem sobre o barulho da tempestade enquanto trovões
estalavam acima.
— Já não era sem tempo! — gritou Lawrence de volta, soltando
as mãos e correndo para encontrar seu irmão.
Capítulo 25
“No qual garrafas e temperamentos são drenados.”

Henri cobriu os ouvidos e orou a Deus para serem salvos. O


assobio do vento, o gemido de madeira sob grande tensão e estalo
de velas e cordames eram pontuados por gritos e berros dos
homens no convés. Tudo isso era bastante estressante, mas nada
comparado à lamentação de Annie.
No início, sua criada tinha sido paciente, apesar estar com uma
aparência um pouco verde de tão mareada à medida que a
tempestade avançava sobre elas. Nesse ponto, Annie começou uma
séria tentativa de terminar o que quer que pudesse ter sobrado no
decantador de Alex sem a menor tentativa de subterfúgio ou de
apagar os seus rastros.
— O que você vai dizer quando ele perguntar onde foi parar o
rum? — indagou Henri. — Pois eu é que não vou encobrir para
você!
— Senhorita Henri! — berrou a mulher, agarrando-se à cama
com uma das mãos e o decantador com a outra. — Se eu sobrevivê
nessa viagem, o que eu duvido um bucado, eu aceito recebê
qualqué punição que o conde quisé me dá por roubá o rum, mas de
momento, minhas necessidade são maior e o rum não tá ajudando
ninguém tano dentro daquela garrafa!
Henri conhecia sua criada há um bom tempo, e suspeitava que
ela era mais propensa a dizer que o decantador tinha sido
esmagado na tempestade, uma vez que beberia até cair; no
entanto, encontrou pouco sentido em tentar demovê-la.
Especialmente, porque parecia estar acalmando seus nervos. Na
verdade, Henri tinha tomado um ou dois goles, mas achou que só
estava deixando-a cada vez mais enjoada. Ela agradeceu a Deus
por não ter ficado enjoada antes nessa viagem, pois se isso era uma
prova de como seria, era realmente terrível.
Ela deu um gritinho quando o navio deu uma guinada e a
cadeira de Alex guinchou pelo chão e empinou no ar sobre duas
pernas, antes de voltar a ficar de quatro outra vez.
— Ah, meu Deus dos céu — lamentou Annie. — Todos nós
vamu morrê!
Bem, o rum estava acalmando os nervos, em todo o caso. Henri
suspirou ao perceber que agora a pobre mulher estava totalmente
bêbada e histérica. Ela considerou brevemente se juntar a ela, antes
de ponderar que Alex e Lawrence veriam esse tipo de
comportamento da pior maneira possível e decidiu que ela
simplesmente teria que suportar aquilo.
— Ah, Annie, fique quieta! — gritou ela, juntando-se à mulher na
beliche e estabilizando-se o melhor que podia enquanto o barco
dava guinadas e solavancos.
O lábio de Annie tremeu por um momento antes que a mulher
assentisse, respirasse fundo, alisasse suas saias com grande
solenidade… e desmaiasse.
— É sério isso? — murmurou Henri, e então foi forçada a
agarrar tanto a sua criada quanto o decantador antes que ambos
rolassem da cama e caíssem no chão. Enfiando o decantador entre
a parede e o colchão, ela tirou o cordão do robe. Praguejando
baixinho enquanto Annie roncava, ela a amarrou à cama o mais
firmemente possível, reuniu suas forças e orou.
Ela acordou com um sobressalto. Seu coração batia com
ansiedade, a respiração vindo muito rapidamente enquanto olhava
ao seu redor… e encontrou tudo absolutamente imóvel. O silêncio
era enervante depois do barulho incrível da tempestade e não fez
nada para aliviar seu coração acelerado. A sala estava uma
desordem, as cadeiras caídas de lado e uma luz branca brilhante
entrava pela janela da cabine. Ela desamarrou Annie e passou por
cima dela, que gemeu e agarrou a cabeça. Henri correu até a
pequena escotilha e olhou para fora.
O céu estava branco e nublado, o mar tranquilo e cinzento, e
bastante calmo.
Henri soltou um suspiro de alívio e rapidamente começou a
arrumar o quarto e se arrumar o melhor que pôde. Claramente, não
havia sentido em tentar acordar Annie que estava fazendo barulhos
lamentáveis da cama. Henri serviu um grande copo d’água e o
enfiou na mão de Annie, antes de seguir para o convés.
Ela encontrou Lawrence de pé na balaustrada, olhando para a
massa escura de terra que agora era claramente visível no
horizonte. Ele sorriu para ela quando ela se aproximava, e ela sorriu
de volta, observando que ele parecia cansado e desgastado. Com
uma onda de tristeza, ela também notou que ele estava novamente
acorrentado. Ele levantou os pulsos, piscando para ela.
— Ninguém está se arriscando com o porto à vista. Acho que
estão preocupados que eu possa tentar nadar até lá.
Henri olhou para as águas cinzentas enquanto o navio
atravessava as ondas e estremeceu com a ideia.
— Nem brinque com isso — disse ela, sentindo-se gelada com a
própria ideia. Não estava tão gelado aqui como na Inglaterra, mas,
mesmo assim, a água devia estar congelante.
— Ah, garanto que fiquei bastante molhado ontem à noite, não
tenho vontade de fazer isso de novo — disse ele, rindo.
Olhando para ele com preocupação, ela estendeu a mão. — Ah,
Lawrence, suas roupas ainda estão molhadas. Você precisa se
trocar imediatamente antes que pegue um resfriado.
Ele fez um som de desaprovação e olhou para ela com diversão.
— Alex está tão molhado quanto eu e ele ainda está no convés. Não
acho provável que os homens aceitem bem que seus prisioneiros
recebam uma muda de roupas secas, não quando todo mundo está
molhado, com frio e cuidando de seus negócios.
Ela franziu a testa para ele e assentiu com a cabeça. Ela podia
compreendê-lo, mas agora só estava preocupada que toda a
tripulação ficasse gripada.
— Você estará na residência Longueville na hora do jantar —
disse ele, um momento depois, e ela viu um olhar melancólico em
seus olhos.
— Quando foi a última vez que você esteve lá? — perguntou
ela.
— Quando eu tinha quatorze anos, viemos com a nossa mãe. —
Ele olhou para o horizonte cada vez mais verde à medida que a
França aparecia. — Nosso pai ficou furioso, disse que era loucura.
Havia uma trégua entre a Inglaterra e a França naquele ano, mas
ele disse que não iria durar. Ele estava certo, é claro. — Ele se virou
para ela e sorriu. — Mas nossa mãe estava determinada a ver
Longueville uma última vez. — Seu sorriso vacilou. — É claro que
nenhum de nós sabia que ela estava doente. Ela morreu na
primavera seguinte.
— Oh, Lawrence, eu sinto muito. — Ela cobriu a mão dele com a
dela, mas ele retirou a dele, franzindo a testa e olhando em volta
para ver se alguém havia notado.
— Você não deveria estar falando comigo — disse ele, virando-
se e afastando-se dela.
Henri olhou em volta e não viu ninguém que estivesse nem um
pouco interessado neles. Os homens pareciam estar com frio e
cansados, e estavam trabalhando com uma concentração metódica
e exaustiva.
— Quanto tempo você ficou? — perguntou ela, seguindo-o
enquanto ele se encostava no balaustrada mais adiante, as
correntes batendo contra a madeira enquanto ele se movia.
Ele bufou para ela, mas ela apenas retornou um sorriso sereno
que deixou bem claro que ela não ia a lugar algum.
— Apenas durante o verão — disse ele.
— Alex estava lá?
Ele assentiu. — Ele estava de licença em agosto, passou o mês
inteiro conosco. Nós velejamos, pescamos e nadamos. Foi o melhor
verão de todos. — Ela sorriu ao ver o azul alegre de seus olhos
novamente enquanto ele se lembrava. — Você vai adorar lá, é um
lugar lindo, com mais de quatrocentos anos — disse ele,
entusiasmado. — Bem, pelo menos era assim — completou ele,
encolhendo os ombros. — Eu não sei o que aconteceu durante a
guerra. Mas se ainda estiver de pé… — Ele fez uma pausa, e ela
pôde ver que ele estava recordando do lugar em sua mente. — Os
jardins e a paisagem ao redor são simplesmente deslumbrantes, tão
verdes e exuberantes, e a casa está cheia de recantos escondidos e
fantasmas.
— Fantasmas? — repetiu ela, assustada, antes de revirar os
olhos para ele enquanto ele ria dela.
— Bem, é claro, todas as melhores casas têm pelo menos um
fantasma.
Ela fez beicinho para ele, convencida agora que ele estava
simplesmente provocando-a.
— Sim, ela é o fantasma de Marguerite — continuou ele. —
Uma linda jovem criada que trabalhou para a condessa de
Longueville em algum momento do século XV. A história conta que o
conde a seduziu e a engravidou. Ela estava apaixonada por ele,
mas ele negou que a criança fosse dele e a expulsou durante uma
tempestade. Ela ficou com o coração partido e conseguiu entrar
sorrateiramente e se esconder. No dia seguinte, quando ele estava
longe de casa, ela foi para o quarto dele e cortou a própria garganta.
— Oh, meu Deus! — Henri levou a mão fechada de forma
protetora ao redor de sua garganta, sentindo-se bastante insegura
se gostaria de Longueville.
Lawrence soltou um longo suspiro. — Eles dizem que você pode
ouvi-la cantando nos corredores em noites tempestuosas. — Ele riu
do olhar horrorizado que ela lançava-lhe. — Bem, é o que eles
dizem! Embora nem Alex nem eu a tenhamos ouvido — acrescentou
ele.
— Nossa, que reconfortante — murmurou ela, tremendo.
— Desculpe-me, não quis assustá-la. — Ele riu, não parecendo
nem um pouco arrependido.
— Hmmm. — Ela deu uma fungada e desviou o olhar dele antes
que a curiosidade a levasse a melhor. — O que mais há para ver?
Ela ouviu, extasiada, enquanto ele descrevia a grande casa
velha, o rio e as florestas, a antiga igreja e os intermináveis trechos
de praias de areia branca onde ele havia brincado naquele último
verão quente. Ele falou como se quisesse mostrar tudo isso a ela, e
depois parou abruptamente e se afastou dela.
— É claro que Alex vai te mostrar tudo — disse ele, parecendo
entediado agora, embora não a enganasse por um momento sequer.
— Eu gostaria que você me mostrasse, Lawrence — disse ela,
com a voz suave, enquanto colocava a mão em seu braço. Ela
observou enquanto ele olhava para aquilo, imóvel por um momento,
antes de retirá-la.
— Eu não estarei lá — disse ele, com a voz fria, antes de gritar
para um dos homens de Alex. — Ei, você aí, seu capitão instruiu
que eu fosse levado de volta ao porão.
E, com tristeza formando um nó na garganta, ela observou
enquanto ele se afastava dela sem olhar para trás ou dizer uma
palavra sequer.
Capítulo 26
“No qual uma casa é descoberta, e nossa heroína concorda em
jogar sujo.”

Lawrence estava certo, é claro, ela adorou Longueville. A partir


do momento em que a carruagem virou a esquina pelo longo
caminho de cascalho que levava à casa, ela ficou extasiada.
Era uma construção grande, simétrica e retangular de três
andares, e em cada esquina havia uma torre redonda. À esquerda
da grande casa encontrava-se uma fileira de dependências menores
e atrás delas ela podia-se ver a torre da igreja. Gramados gloriosos
e topiarias estavam espalhadas pela frente da casa com largos
caminhos de cascalho e um chafariz jorrava água, lindamente.
— Bem, estou aliviado ao ver que ainda está de pé, pelo menos
— disse Alex ao lado dela enquanto a carruagem estacionava em
frente à casa. — Mas se você quiser, pode ficar aqui até que eu
tenha certeza de que meus homens fizeram uma varredura
completa do lugar.
Henri assentiu com a cabeça e observou enquanto ele saía da
carruagem. Ele enviou seus homens à frente e eles não ouviram
nada que sugerisse que havia algum problema, então Alex se
contentou em levá-la direto para a casa.
— Oh, Annie, não é lindo? — suspirou ela, olhando pela janela
da carruagem com prazer. Annie, que ainda estava sofrendo os
resultados de seu excesso, soltou um som hesitante antes de
descansar a cabeça na lateral da carruagem e fechar os olhos mais
uma vez.
A noite caía rapidamente e com força, trazendo uma névoa
baixa que consumia os arredores do campo, mas Longueville
parecia sólida e acolhedora, e Henri desejava entrar e explorar. É
claro que ela ficou imediatamente triste ao perceber que o que
realmente queria era explorá-la com Lawrence, que estava
acorrentado a uma das carroças que trazia suprimentos do navio.
Ela estremeceu com melancolia e retirou os pés do tijolo quente
em que repousavam — pois agora estava frio como uma pedra de
gelo. Deslocando-se em seu assento, ela se esforçou para olhar
para trás, para ver se conseguia enxergá-lo, mas a noite estava se
aproximando e nada além de formas escuras podiam ser
discernidas movendo-se na penumbra.
Ela podia ouvir os gritos dos homens enquanto descarregavam,
e o brilho das lamparinas piscava quando eles se moviam de um
lugar para outro. Pouco a pouco a casa ganhou vida, um brilho
quente ao redor dela enquanto lamparinas e lareiras eram acesas
no interior, e o doce cheiro de madeira queimada era sentido no ar
frio da noite.
Henri bateu os pés no tijolo para tentar trazer alguma sensação
de volta, pois ela não conseguia mais sentir os dedos dos pés, e
então pulou de susto quando a porta da carruagem se abriu.
— Perdoe-me por mantê-la tanto tempo no frio — disse Alex,
oferecendo-lhe a mão. — Tínhamos que nos assegurar de que não
havia surpresas indesejáveis nos esperando.
— E havia alguma? — perguntou ela, saindo da carruagem e
ouvindo o barulho suave de cascalho sob suas botas.
Alex se virou para ajudar Annie antes de colocar a mão de Henri
em seu braço e guiá-la em direção à casa.
— Não — disse ele, com o alívio evidente em sua voz. —
Acredito que perdemos grande parte da prata, mas os empregados
que nos restam estiveram com a família durante toda a vida. Eles
eram, e ainda são, ferozmente leais à nossa mãe, a qual eles
adoravam, e da mesma forma conosco. Tivemos uma sorte extrema
— acrescentou ele, e ela olhou para cima e viu-o observando-a à luz
de velas. Ele fez uma pausa e olhou para ela. — Por favor, não leve
isso a mal, pois eu sei que isso não tem importância. E, por favor,
entenda que agora eu tenho certeza de que é Lawrence com quem
você se importa e que isso não mudará nada, mas eu quero que
você saiba que se pudermos fazer com que Lawrence recobre o ter
juízo, eu quero presenteá-lo com Longueville. Sendo assim, essa…
— Ele gesticulou com a lamparina que segurava em direção à casa.
— Essa seria a sua casa.
Henri sentiu uma mudança em seu coração. Viver aqui, com
Lawrence…
Piscando rápido para evitar lágrimas, ela sorriu para Alex. —
Sinto que também lhe devo um pedido de desculpas — disse ela,
lembrando-se de como ele admitiu tê-la julgado mal alguns dias
antes. — Eu sei que você fez tudo o que pôde por Lawrence e…
sinto muito pelas coisas em que acreditei sobre você.
— Ah, não precisa se desculpar! — exclamou ele, e os olhos
frios brilharam de zombaria. — Garanto-lhe que tudo era
perfeitamente verdade. — E, com isso, ele a levou para dentro de
casa.
Uma ceia foi improvisada, contendo pão fresco, queijo e frios
enquanto os criados corriam pela grande casa como ratinhos
ansiosos, todos assustados e tropeçando nos próprios calcanhares
no intuito de agradar.
— Existe algum… ressentimento com relação a nós? —
perguntou Henri, soando o mais baixo que podia. Ela não tinha visto
raiva ou nojo nos olhos daqueles que ela tinha visto até agora, mas
ainda assim, eles tinham estado em guerra há tão pouco tempo.
Alex deu de ombros e balançou a cabeça. — Tive uma longa
conversa com Madame e Monsieur Bertaud, felizmente eles sempre
consideraram Lawrence e eu como sendo tão franceses quanto
nossa mãe. O nosso pai raramente vinha aqui — acrescentou,
pegando uma maçã de uma linda tigela de porcelana azul e branca
na frente deles, e cortando uma fatia perfeita. — Ela disse que
nossa mãe sempre tratou a todos de forma justa e, como sempre
seguimos seu exemplo desde que ela nos deixou, eles não viram
razão para não continuar aqui, onde foram felizes e afortunados.
Aqueles que podem ter causado problemas há muito partiram, foram
para a cidade em busca de trabalho. — Ela o viu franzir a testa. —
Eles tiveram sorte aqui, eu acho. Os vinhedos são valiosos, mas
Longueville não é uma propriedade enorme nem amplamente
conhecida, e acho que isso fez com que muitos problemas
permanecessem longe de nossas portas.
Ele sorriu para a óbvia falta de compreensão por parte dela.
— A nossa mãe morreu assim que a guerra recomeçou, mas,
até onde sabemos, mesmo viva, a propriedade era mantida em seu
nome, não em nome do nosso pai. As videiras aqui ainda são jovens
e a guerra não nos permitiu aproveitá-las ao máximo, então… — Ele
deu de ombros, sua boca subindo um pouco. — Eles não
perceberam o valor do que está aqui e subestimaram uma joia.
— Você acha que isso seria um incentivo para Lawrence ficar?
— perguntou ela.
— Eu não sei — disse ele, parecendo cansado. Ela percebeu,
então, que ele não tinha dormido, pois a tempestade tinha estado
sobre eles ontem à noite.
— Você deve estar exausto — disse ela, sufocando um bocejo.
— E acho que também estou bastante cansada — acrescentou ela,
e depois suspirou enquanto se perguntava onde Lawrence ficaria
acorrentado durante a noite. Alex pareceu ler a preocupação em sua
expressão com grande precisão.
— Falei com franqueza com Madame e Monsieur Bertaud —
disse ele, com a voz pouco mais do que um sussurro. — Eu
expliquei nosso dilema com meu irmão teimoso, e eles nos
garantiram a lealdade e a vontade que todos os funcionários têm de
permanecer na propriedade para ajudar. Felizmente, aqui era a
mesmo coisa que lá casa, e ele sempre foi o favorito deles. — Ele
abriu um sorriso raro e um tanto triste. — No momento, fui obrigado
a manter os homens do navio aqui, por isso, Lawrence está
realmente acorrentado nas adegas lá embaixo, como eu disse que
estaria. Mas, de manhã, eles voltarão ao Vingança e podemos parar
de fingir que ele é nosso prisioneiro. Espero persuadi-lo a
permanecer aqui, pelo menos por alguns dias e… — Ele lançou-lhe
um olhar duro. — E durante esse tempo, de uma forma ou de outra,
Henri, você precisa induzi-lo a ficar, para sempre.
Henri assentiu com a cabeça, torcendo suas mãos sob a mesa
enquanto imaginava como seria se ela tivesse que se despedir dele.
A ideia de vê-lo ir embora, sabendo que ela nunca mais o veria. Ela
engoliu em seco e fitou o prato, antes que as lágrimas que
ameaçavam consumi-la começassem a cair.
— Henri.
Ela olhou para cima para encontrar os olhos cinzentos de Alex
sobre ela e estremeceu. Ela podia ver uma profunda cor de aço
naqueles olhos, o coração de um homem que poderia ser
implacável e desalmado, em caso de necessidade.
— Posso ser franco com você?
Ela assentiu, enquanto o desconforto ondulava sua espinha. —
Sim, é claro.
Alex contemplou-a ela, aparentemente escolhendo suas
palavras com cuidado. — Meu irmão é um homem honrado, Henri,
mas… ele é um homem, como outro qualquer.
Henri franziu a testa, perplexa e sentindo-se mais ansiosa do
que nunca.
— Não tenho dúvidas de seus sentimentos por ele ou de… seu
caráter — disse ele, e ela sentiu seu coração acelerar um pouco
mais enquanto ela se perguntava o que exatamente ele queria dizer
com essa observação. — Também estou certo do respeito que ele
tem por você. — Ele deu um sorriso sombrio. — Isso se tornou
óbvio, o pobre bastardo mal consegue mais olhar para mim. Se eu
não o conhecesse melhor, poderia temer pela minha vida. — Ele
lançou a Henri um olhar de pena, que agora estava extremamente
assustada e se perguntando para onde isso estava indo. — Minha
querida garota, ele está com tanto ciúme que posso ver o desejo de
me matar em seus olhos.
Ela arquejou e então descobriu que estava rindo enquanto ele,
por sua vez, bufava de sua alegria ao ouvir essa informação.
— Não há necessidade de parecer tão alegre com a ideia do
meu cadáver frio a seus pés — murmurou ele. — De qualquer
forma, o que estou tentando dizer é que… — Ele sorriu
maliciosamente e, obviamente, decidiu que teria que descrever
claramente, mesmo que suas próximas palavras a chocassem
profundamente. — Henri, ele quer você na cama dele. Não importa
se ele sinta que não pode ter você, ele quer você mais do que
qualquer coisa.
Henri sentiu o rubor subir em seu pescoço e intensificando-se
em suas bochechas. Essa não era uma conversa apropriada de se
ter com o noivo dela – sobre o irmão dele. Mas, mesmo assim, ela
queria saber até onde ele queria chegar.
— E daí? — disse ela, fracamente, e então sentiu seu rubor
aumentar quando Alex levou as sobrancelhas às alturas.
— E daí? — repetiu ele, com clara impaciência. — E daí que
você deve seduzi-lo!
— Ah — disse ela, embora sua voz soasse fraca e um tanto
distante. Sua mente havia navegado de volta à noite na cabine, para
a sensação da boca quente de Lawrence se fechando em torno de
seu seio, a evidência de seu desejo duro entre suas pernas. De
repente, ela ficou sem fôlego e tudo abaixo do umbigo parecia se
apertar com um desejo ardente de correr até Lawrence neste
momento e fazer exatamente o que Alex sugerira.
Ela se assustou quando Alex suspirou e falou novamente. —
Você acha que consegue ser capaz de fazer isso? — indagou ele,
fazendo cara feia para ela, e duvidando claramente de suas
habilidades.
Mortificada, tanto pelo que ela estava pensando na presença
dele quanto pela ideia de que ele a achava incapaz de seduzir, ela
fez uma cara feia de volta.
— Eu acho que eu poderia ser capaz de fazer isso — disse ela,
rispidamente, recebendo um olhar de diversão e assistindo
enquanto ele lutava para não sorrir diante de seu aborrecimento. Em
seguida, ele limpou a garganta.
— Está bem… ótimo. Porque se você conseguir, eu sinto que
não tem como Lawrence ir embora. — Ele franziu a testa, então. —
E se ele tentar entregar você de volta para mim depois de usá-la de
tal maneira, então… bem, então eu terei que tomar as rédeas da
situação com as minhas próprias mãos — disse ele, com um tom
tão gelado que Henri se sentiu bastante alarmada.
Não, ela teria que fazer isso sozinha. Ela usaria todos os
métodos ao seu alcance para garantir que o maldito homem ficasse
aqui, com ela, onde ele pertencia.
Com isso em mente, ela deu uma desculpa, ansiosa demais
para se livrar da presença do conde depois daquela conversa, e
saiu correndo para encontrar a única mulher que poderia lhe dar um
conselho, algo do qual precisava desesperadamente.
Capítulo 27
“No qual nossa heroína deseja bancar a sedutora.”

Para seu desgosto e deleite, Alex não parecia ter dúvidas


quanto à sua vontade de abandonar sua virtude e prender Lawrence
ao casamento. Para esse fim, ele já havia enviado alguém a
Bordeaux, antes mesmo de ela pisar em terra, para que os melhores
vestidos, sapatos e joias fossem disponibilizados para ela na manhã
seguinte para ajudá-la em sua sedução. Ela não tinha certeza neste
momento se deveria se sentir grata ou profundamente insultada pelo
fato de ele acreditar que ela precisava de tanta ajuda no assunto.
Na manhã seguinte, logo após outra noite bastante agitada, na
qual sua mente revirava alguns dos conselhos bastante alarmantes
de Annie, que Henri examinou essa vasta e generosa recompensa.
— Que preço pela minha honra — murmurou ela, enquanto
Annie ficava boquiaberta, arrastando a mão sobre os ricos materiais.
Foram dispostas diante delas peças de veludo, tafetá, sedas
lustrosas e musselina finas em belos tons pastéis e translúcidos, de
um branco perfeito. Imediatamente, seu olho foi atraído pelo branco,
pois era uma cor da qual nunca tinham permitido ela usar. Somente
os mais ricos podiam se dar ao luxo de usar branco, pois era muito
difícil de manter limpo e era terrivelmente impraticável, algo que ela
nunca teve o luxo de ser. Annie também foi seduzida pela seda
branca, segurando-a contra Henri com um suspiro.
— Ah, isso é tão adorável, milady.
Henri dificilmente poderia discordar, mas era um vestido de
noite, não um vestido de dia, e tão pouco apropriado para esta
manhã. Ela fez uma careta para Annie, que revirou os olhos.
— Eu pensei que cê queria seduzi o homi. Manda o decoro pros
inferno — brincou Annie.
— Há limites — murmurou Henri, observando enquanto sua
criada frustrada escolhia uma musselina branca muito bonita que
seria perfeita. Henri observou-a e suspirou. De alguma forma, nas
atuais circunstâncias, ela não podia deixar de sentir que a pureza da
cor era de muito mau gosto, e então ela virou as costas para ela e
arrancou um vestido de musselina azul pálido da deslumbrante
coleção diante delas e um xale de seda azul-íris. Isso a lembrou
muito da cor dos olhos de Lawrence. E então, com a decisão
tomada, ela foi fazer a sua toalete sob as estritas instruções de
Annie, que examinava sua senhora com algo comparável ao olhar
de um general analisando as linhas de batalha.
Assim que Henri vestiu algo aprovado por Annie, sentiu-se muito
deslocada. Já era tarde demais para o café da manhã, e como
estava muito nervosa para tentar comer, ela fez o seu caminho ao
redor da grande casa e olhou-a com interesse.
O lugar estava passando por uma rápida transformação
enquanto os empregados tiravam a poeira das capas protetoras e
tentavam recapturar a glória dos velhos tempos, antes que a guerra
virasse suas vidas de cabeça para baixo. Toda lareira da casa havia
sido acesa, e Henri ficou desconfortável quando percebeu que isso
provavelmente era por causa dela. Afinal, uma sedução era muito
mais confortável se você não estivesse tremendo e toda arrepiada.
Mais uma vez, Henri encontrou-se sentindo muita vergonha na
presença de Alex. Por um lado, ela estava grata, pois o fino material
de seu vestido não era adequado para suportar o clima frio que era
claramente visível do lado de fora das janelas, e ela estava
mostrando tanto decote que tinha certeza de que pegaria
pneumonia se a temperatura caísse mais um pouco.
Por outro lado, ela ficou extremamente constrangida que ele
tivesse a se prestar a pensar nisso, além de estar fazendo planos
para ajudá-la, e ela se perguntou se ele sentia que havia contratado
uma cortesã.
Ela deu de cara com o homem, quando ele saía da sala de café
da manhã. Ela se sentiu confiante ao vê-lo se deter no meio do
caminho e levantar uma sobrancelha, algo que ela interpretou como
um sinal de aprovação.
— Ora, ora, senhorita Morton, eu acredito que será difícil meu
irmão não ser obrigado a fazer tudo que você mandar — disse ele,
com a voz baixa e cheia de diversão.
Ele deu um passo até ela e pegou a sua mão, levantando-a para
os lábios. Já os seus olhos, demoraram-se no decote, com óbvia
aprovação.
— Congratulações à costureira, e retiro os xingamentos que fiz
ao receber a conta — acrescentou ele, com apenas a menor
contração dos lábios. — Devo dizer também que Lawrence
concordou, com um pouco de relutância, em ficar até depois do meu
aniversário, no final de janeiro. Então, você tem dez dias para
concluir satisfatoriamente esse… assunto.
Antes que Henri pudesse dar qualquer tipo de resposta, que
provavelmente teria sido concisa e curta, ambos se assustaram
quando Lawrence abriu a porta e apareceu. Ele ficou parado na
porta, e sua mandíbula se comprimiu, apenas um pouco, enquanto
ele examinava a cena diante dele.
Alex virou-se para ela, virou a cara para Lawrence e, dando-lhe
um sorriso malicioso que ela presumiu ser sua ideia de
encorajamento, anunciou sua intenção de passar o dia todo fora.
— Eu tenho muito o que fazer, então, sinta-se em casa. Tenho
certeza de que meu irmão ficará feliz em fazer um tour pelo lugar —
acrescentou ele, com um tom descuidado enquanto saía de casa.
Eles ouviram a porta da frente bater, e de repente estavam
sozinhos.
Henri limpou a garganta. Lawrence olhava para o irmão com
uma expressão que ela não conseguia decifrar, mas que a deixava
nervosa.
— Você está com uma aparência ótima — disse ela, com
sinceridade, ao olhar para ele. Sua aparência de pirata havia sido
substituída, lamentou-se ela. Ele parecia uma figura elegante e
romântica, mas ela também não tinha como criticar o novo visual. As
reluzentes botas de cano longo pretas combinavam com a calça de
camurça e o casaco azul escuro, que moldava seus ombros largos e
destacava um colete de seda bordado e uma camisa branca e
gravata por baixo.
Ele deu de ombros, seu rosto ainda perturbado. — Meu irmão
pensa em tudo, me parece — disse ele, em um tom tão sombrio
quanto seu rosto.
Ela engoliu em seco, perturbada por seu óbvio mau humor. —
Mas eu sinto falta dos seus brincos — disse ela, estendendo a mão
e tocando o lugar onde eles estariam. Ele deu um passo para trás,
tão de repente que foi como se ela o tivesse queimado, e ela
abaixou a mão, sentindo-se tola e sem saber o que dizer. Lawrence,
no entanto, parecia ciente de tê-la machucado, e seu mau humor
diminuiu um pouco.
— Você está… muito linda, senhorita Morton — proferiu ele,
embora o sorriso que ele deu não parecesse atingir seus olhos.
— Obrigada — disse ela, desejando que de repente estivessem
de volta em seu navio. Que tolice, estar desesperada para escapar
de uma situação em um momento, e no próximo descobrir que faria
qualquer coisa para tê-la de volta.
O silêncio se estendia entre eles, e ela esperava que ele desse
uma desculpa e a deixasse ali sozinha, tão grande parecia seu
desconforto. Mas, então, ele pareceu se lembrar de suas maneiras.
— Você gostaria de ver a casa?
— Ah, sim, por favor. — Ela aceitou com entusiasmo e pegou o
braço oferecido enquanto ele a conduzia pelo amplo corredor. Com
verdadeiro entusiasmo, ela o seguiu de cômodo em cômodo,
expressando apreço por toda a beleza e charme da antiga casa e
deliciando-se com cada história que ele narrou, cada história dos
objetos ou pinturas que apareciam diante deles. Até que eles
estavam diante de um retrato da última condessa de Longueville.
— Ela era muito bonita — disse ela, olhando para os olhos azuis
cintilantes que combinavam perfeitamente com aqueles que
pertenciam ao homem ao seu lado.
Ele sorriu e assentiu com a cabeça olhando para a pintura com
uma expressão carinhosa. — Você teria gostado muito dela, eu
acho.
— Tenho certeza que sim.
Eles estavam parados no que tinha sido o quarto da condessa, e
apesar do fato de que havia uma cama muito convidativa e
confortável ocupando grande parte do espaço, Henri sentiu-se
desconfortável em fazer uma tentativa de seduzir Lawrence
enquanto sua mãe olhava para eles; mesmo ela não tendo a mínima
ideia de como exatamente ela deveria fazer isso, em primeiro lugar.
Ela suspirou interiormente e caminhou até a janela que dava para a
frente da casa.
Pelo menos seu comportamento ameaçador diminuíra enquanto
eles percorreriam a casa. Sua amabilidade natural parecia lutar
contra a raiva, e pouco a pouco, ele voltou a ser aquela pessoa
naturalmente animada, entretendo-a com histórias de travessuras
que haviam acontecido com ele quando menino.
— Venha, eu quero te mostrar uma coisa — disse ele,
agarrando-a pela mão e levando-a do cômodo. Ela correu atrás
dele, exclamando enquanto seus sapatos deslizavam sobre o piso
de parquet, até chegarem ao final do corredor. Havia retratos ao
longo das paredes do amplo trecho que percorria toda a extensão
da casa e dava para o patamar do meio e os quartos em ambos os
lados de cada extremidade. Havia indício de um sorriso nos olhos
dele enquanto ela olhava ao seu redor. Eles estavam nos fundos,
sem ter mais para onde ir. Ela ergueu as sobrancelhas para ele,
imaginando o motivo de ele estar sorrindo.
— O que você acha desse bom sujeito? — perguntou ele,
finalmente, chamando sua atenção para uma pintura de corpo
inteiro de um homem bastante solene e mal-humorado, que olhava
para eles, de peruca e de óculos, com um ar de profunda
desaprovação.
— Eu… — hesitou ela, não querendo insultar um ancestral
admirável.
— Ele é aterrorizante, não é mesmo? — perguntou-a,
claramente tentando não rir.
— Bem, ele é um pouco ameaçador, sim. — Ela franziu a testa
para ele perplexo. — Quem é ele?
— Como se eu fosse saber — disse Lawrence, balançando a
cabeça. — Mas ele tem sido terrivelmente bom para a família.
— É? Como assim?
Ele sorriu para ela, e deu alguns passos ao longo do corredor.
— Você se lembra de como eu mostrei a você que cada torre tem
sua própria escada e você só pode acessá-la do andar de baixo?
— Sim — respondeu ela, rindo de seu entusiasmo misterioso.
— Ah-ha — respondeu ele, batendo na lateral do nariz e
voltando para a pintura. — Veja.
Como um mágico tirando um coelho da cartola, ele foi até uma
das quatro protuberâncias de ouro ornamentadas que pareciam
fazer parte da moldura dourada e puxou-a. Para o espanto de Henri,
a pintura abriu-se, revelando uma porta escondida.
Entusiasmada, ela soltou um gritinho de alegria e deu alguns
pulinhos. — Oh, que gótico! Parece saído dos Mistérios de Udolpho!
— exclamou ela. — Podemos entrar?
Lawrence deu uma risadinha. — Eu sabia que você iria gostar, e
é claro que podemos entrar! Espere aqui enquanto eu pego uma
lamparina. Ele voltou um momento depois e mostrou o caminho até
uma estreita escada curva. No topo, havia uma pequena sala
redonda. Era simplesmente mobiliada com uma cadeira – um
cobertor sobre um braço, uma mesa, uma lamparina a óleo e uma
pilha de livros. Havia uma pequena fenda de uma janela que
proporcionava um pouco de luz e uma visão truncada dos jardins
abaixo.
— Dizem que foi aqui que a pobre Marguerite se escondeu
depois que o conde perverso a expulsou durante a tempestade.
— Oh, Lawrence, por favor, diga-me que você só está me
provocando? — sussurrou ela, enquanto um arrepio corria pela sua
coluna.
Ele encolheu os ombros, colocando a lamparina sobre a mesa e
foi olhar através da pequena janela. — Eu não sei, mas é o que todo
mundo diz, e certamente salvou um pescoço ou dois, em tempos de
dificuldade — disse ele, com a voz mais suave agora.
A atmosfera havia mudado de alguma forma e seu
comportamento sombrio anterior parecia ter ressurgido novamente.
Não, ela pensou, eu não vou deixar você fazer isso, e eu não vou
deixar você ir embora. Ela chegou mais perto dele, e não tendo
muito para onde ir no espaço confinado, encontrou-se ao seu lado.
Ele se virou, de repente ciente de sua proximidade, e fez uma pausa
quando percebeu que ela estava tão perto dele.
O momento pareceu congelar entre eles e ele olhou para ela,
mas não fez nenhum movimento em nenhuma direção. Apesar
disso, seus olhos não se desviaram dos dela, e ela sentiu seu
coração bater forte no peito. Por favor, Lawrence, por favor, ela
implorou interiormente, mas ele não se moveu.
Bem, se ele não iria, ela iria. Tomando coragem em suas mãos,
ela pôs-se na ponta dos pés e pressionou a boca contra a dele. Por
um segundo, ele não reagiu, e ela pensou que talvez tivesse
calculado mal, talvez estivesse totalmente errada. Talvez… e então
seus braços a cercaram e ele agarrou-a em um abraço feroz.
Capítulo 28
“No qual os corações são tocados tão seguramente quanto a carne.”

Seu beijo a incendiou, queimou-a de dentro para fora e ela não


queria nada mais do que entrar nesse inferno. Dessa vez, ela sabia
o que esperar, estava pronta para ele quando sua língua exigisse
entrada e ela voluntariamente se submeteu. Ela jogou os braços em
volta do pescoço dele e arqueou-se em sua direção, sentindo as
suas mãos sobre ela, uma deslizando pelas costas para abocanhar
o traseiro e puxá-la para mais perto, a outra acariciando a extensão
do seu pescoço. O seu toque era ao mesmo tempo terno e furioso, e
ele a segurou como se ela fosse preciosa, como se quisesse
acariciar e adorar cada parte dela com delicadeza. No entanto, seu
beijo era feroz e faminto, e ameaçava levá-los rapidamente para
águas perigosas.
Ela lembrou a si mesma que era para onde ela precisava ir,
quando sua coragem ameaçava falhar com ela. Se ela quisesse
mantê-lo aqui, mantê-lo seguro onde ele pertencia, então ela teria
que esquecer tudo o que haviam lhe ensinado. Ela tinha que
esquecer que ela tinha sido criada como uma dama e precisava
fazê-lo querer ficar – aqui com ela – com todos os meios que ela
tinha à sua disposição. Com isso em mente, sua mão deslizou,
acariciando a extensão de seu peito até o comprimento duro que era
muito fácil de encontrar nas calças justas.
A respiração dele ficou presa e ofegante enquanto sua mão
pressionava contra ele, e ela se sentiu subitamente poderosa
quando ele se afastou um pouco e ela viu o olhar que ele carregava.
Havia tanta necessidade ali, tanto calor; havia o inferno que ela
desejava. Ela moveu a mão, acariciando-o através da camurça, e
ele fechou os olhos e gemeu. A respiração dela ficou presa, seus
olhos em seu rosto enquanto sua mão o acariciava, observando as
expressões de prazer cruzarem seu rosto, querendo que ele
precisasse dela tanto que ele não pudesse recusá-la.
— Oh, meu Deus, Henri, você está me matando. — As palavras
eram duras e irregulares e ela sorriu, inclinando-se para a frente
para pressionar um beijo contra seu pescoço.
Não, ela pensou consigo mesma, estou lhe salvando.
— Não… não, eu… eu não posso — gemeu ele, e ela se sentiu
repentinamente gelada quando ele a soltou, levando o calor consigo
enquanto se afastava.
Ela estremeceu, segurando os braços em volta de si mesma e
se sentindo tola. Ela escolheu o único quarto em que não havia fogo
para ajudar na sua sedução, que irônico. Não que ela pensasse que
uma temperatura mais quente a teria ajudado com esse homem
teimoso.
Ele pegou a lamparina. — Vamos — disse ele, com a voz
desinteressada. — Acredito que eles estejam nos esperando para
servir o almoço.
Isso não estava acabado, pensou ela, olhando para ele
enquanto ele gesticulava para ela voltar pelas escadas, muito longe
disso.
Ele evitou mostrar a ela o resto dos quartos no caminho de
volta, e ela se confortou um pouco com o fato de que podia ser que
ele não confiasse nela, ou em si mesmo, nas proximidades de uma
cama. Ele se recusou a comer com ela, e então ela foi deixada
sozinha – beliscando, sem entusiasmo, uma simples refeição,
contendo pão, queijo e frios.
Já escurecia quando Alex voltou para casa. Ela se aconchegou
em uma cadeira perto da lareira na biblioteca, depois de levar algum
tempo para selecionar um livro em meio a vasta gama que se
empilhava nas prateleiras. Não era de se surpreender que muitos
estivessem em francês e, embora ela falasse razoavelmente
francês, não tinha vontade de ler um texto nessa língua. Então, ficou
aliviada ao encontrar uma seleção abrangente de títulos em inglês.
Ela olhou para cima, levantando-se e fazendo uma reverência
quando Alex entrou na sala.
— Milorde.
Alex suspirou com irritação. — Oh, pelo amor de Deus, deixe as
formalidades de lado. Realmente não tenho paciência para isso.
— Como desejar — respondeu ela, irritada com seu tom agudo
e tomando seu lugar novamente. — E você teve um bom dia?
Ele a observou enquanto abria um belo armário de bebidas
amadeirado e retirava um dos decantadores de cristal de dentro,
derramando uma medida generosa.
Ele se recusou a responder, mas deu-lhe um olhar astuto. —
Pelo seu comportamento e pelo fato de você estar aqui sozinha,
devo acreditar que você não teve um dia bem-sucedido?
Henri corou, grata pela iluminação da biblioteca estar suave,
pois ela ainda não havia acendido todas as lamparinas. — Não,
senhor — respondeu ela, com o máximo de frieza possível. Que
coragem tinha esse homem, como ele ousava fazer tais perguntas!
Ele bufou e serviu outro copo, ele se aproximou e oferecendo-o
a ela antes de ocupar o outro assento disponível perto do fogo. —
Vamos lá, Henri, não precisa ser recatada. Ambos sabemos o que
depende do seu sucesso. — Ele fez uma careta com seu trocadilho
não intencional. — Como foi? — perguntou ele. — E, pelo amor de
Deus, não seja tímida, eu ajudaria você, se pudesse.
Henri olhou para ele, totalmente mortificada. Que diabos o
homem esperava que ela dissesse?
Ele bufou e sentou-se novamente em sua cadeira. — Muito
bem, vou fazer perguntas e você simplesmente assinta com a
cabeça ou balance a cabeça.
Ela bufou e revirou os olhos, tomando um grande gole da bebida
que ele havia fornecido.
— Você o beijou, pelo menos?
Ela assentiu com a cabeça, evitando seu olhar.
— E ele retribuiu?
Seu sorriso a traiu e ele riu. — Bem, graças a Deus por isso, eu
estava começando a pensar que não éramos parentes de verdade.
— Henri estalou a língua para ele e ele deu um longo suspiro. —
Presumo que a honra dele levou a melhor e ele se forçou a ir
embora?
— Algo assim — murmurou ela, olhando para o vidro de cristal.
Talvez fosse ela, talvez ela simplesmente não fosse boa o suficiente
para seduzi-lo?
Ela se atreveu a olhar para cima e encontrou Alex estudando-a.
— Não fique tão desanimada. Eu acho que você teve um
primeiro dia vitorioso o suficiente. Mas você não pode se dar ao luxo
de deixar qualquer oportunidade escorrer pelos seus dedos. Você
deve persegui-lo, tocá-lo sempre que puder, mesmo que seja
apenas um roçar de seus dedos sobre o dele, sua mão no ombro
dele. Encontre os olhos dele sempre que puder, mesmo que não
esteja sozinho, certifique-se de que ele possa ler o que você quer lá.
Você deve sorrir para ele e fazê-lo perceber exatamente o que é que
você está pensando. Você deve usar toda a munição à sua
disposição, Henri, e todas as oportunidades para implantá-la. Eu sei
que você não gosta de se comportar dessa maneira, mas todos nós
usamos quaisquer armas que temos à mão quando surge a
necessidade e, goste ou não, sexo é um motivador poderoso.
Ele se levantou, deixando-a com as bochechas coradas.
— Falando nisso, vou me vestir para o jantar. Escolha sua arma
com cuidado, minha querida — disse ele, claramente gostando do
desconforto dela enquanto sorria para ela. — Seu próximo campo
de batalha lhe aguarda.
Henri praguejou baixinho quando ele a deixou, e fez seu próprio
caminho de volta para seu quarto para se vestir. Annie estava
esperando por ela, e ela levou sua criada até o armário e as fileiras
de vestidos encantadores.
— Muito bem, então, Annie — disse ela, franzindo a testa diante
de sedas e musselinas. — O que aqui é mais provável para derrubar
as defesas desse homem idiota e me dar a vitória que eu preciso?
Sem hesitar, Annie pegou a seda branca que havia escolhido
naquela manhã.
— Espero que dessa vez, cê presta atenção no meu conselho,
milady — disse ela, com uma sobrancelha levantada.
Henri suspirou e assentiu com a cabeça. — Você venceu, Annie.
Estou inteiramente em suas mãos.
***
Pouco tempo depois, Henri estava em frente ao espelho de
corpo inteiro, sentindo-se completamente escandalizada.
— Oh, Annie, eu não consigo — disse ela, virando-se de um
lado para o outro e olhando para seu próprio reflexo; sem acreditar
em sua aparência tão adorável, e chocada com a ideia de jantar
sozinha com dois homens, nenhum dos quais era seu marido,
vestida… como…
Ela ficou sem palavras.
— Cê pode e cê vai — disse Annie, secando as mãos depois de
ter passado algum tempo atenuando a seda fina para que ela se
agarrasse a cada curva íntima.
— Mas dá para ver… — Ela acenou com a mão para abranger
praticamente tudo, até mesmo a fina roupa íntima mal escondia o
que o vestido estava colocando em exibição. Sem mencionar o fato
de que o decote estava tão baixo que Henri não se atrevia a respirar
fundo por medo de tudo escapar. — Não consigo imaginar o que os
empregados vão pensar de mim! — lamentou ela, cobrindo as
bochechas coradas com as mãos.
— Oh, eu acho que cê sabe, senhorita — murmurou Annie,
rindo sozinha.
— Oh, Annie! Como você pode rir de mim assim?
Annie voltou-se para ela, claramente fazendo um esforço
valente para recompor seu rosto… e falhando miseravelmente. —
Oh, desculpa, meu patinho. — Ela estalou a língua, dando tapinhas
na bochecha quente de Henri com uma mão fria. — Mas se cê qué
casá com aquele jovem, bem… como disse o conde, cê tem que
usá todas as arma à sua disposição. — Ela olhou para sua senhora
com satisfação e acenou com a cabeça. — E cê tem um arsenal
muito bom tamém, se cê quer saber.
— Oh, Annie! — Henri cobriu a boca com a mão e, mesmo sem
querer, começou a rir. — Você é terrível — repreendeu ela, embora
Annie apenas tenha mostrado a língua para ela.
— Muito bem, então — instruiu Annie, reunindo roupas
descartadas ao sair. — Cê lembra de tudo que falei pra cê?
— Garanto que as imagens estão gravadas no meu cérebro —
murmurou Henri, ainda se sentindo chocada com as instruções que
Annie lhe deu sobre como seduzir seu relutante pirata.
— Muito bem, então — disse Annie com um suspiro. — Só num
posso ir e fazê o trabalho para cê…, mas eu bem que faria — ela
acrescentou, balançando as sobrancelhas. — Mas eu fiz tudo o que
pude procê.
Henri bufou e foi dar um abraço em Annie. — Você está
passando completamente dos limites, Annie, e agradeço aos céus
por isso. — Ela soltou sua criada e caminhou até a porta. — Bem,
se preparem — disse ela, virando-se e sorrindo para Annie. — E
que a batalha comece!
Capítulo 29
“No qual nenhuma piedade é demonstrada.”

Pensativo, Lawrence sentou-se perto do fogo, no escritório de


seu irmão. Ele sabia muito bem o que Alex estava tramando.
Tentando usar a pobre e doce Henri como isca, para pegar
Lawrence em um anzol do qual ele não conseguiria se livrar. Era…
era imperdoável, e tão longe do tipo de comportamento que ele teria
esperado de seu irmão mais velho que Lawrence só poderia
finalmente admitir a derrota em um assunto. Alex havia de fato
mudado.
A ideia de que Alex não apenas permitiria, mas encorajaria
ativamente Henri a recorrer a tais táticas, quando ele sabia que ela
era bastante inocente, bem… era algo inacreditável! E ele
obviamente estava ajudando e incentivando-a, pois, de onde tinha
vindo aquele vestido que ela havia usado hoje? Ele quase perdeu a
cabeça quando viu seu irmão beijando sua mão e admirando
descaradamente a vista de sua posição privilegiada. Mas é claro
que se Alex e Henri não conseguissem abocanhá-lo, Alex seria
forçado a se casar com a garota. E ele estaria fazendo muito mais
do que admirar a vista quando ela fosse sua esposa.
A ideia fazia com que ele quisesse matar alguma coisa com as
próprias mãos. Uma coisa era certa, se ele não ficasse, ele nunca
seria capaz de voltar caso ele matasse seu próprio irmão. Ele fez
uma careta em direção ao seu copo, sua mente cheia de ciúme e
raiva. Em seguida, ele virou todo o copo goela abaixo e foi pegar um
refil. Ele parou com a mão no decantador quando percebeu que
talvez não fosse a melhor ideia. Uma coisa ele tinha certeza de que
não havia mudado. Alex odiava perder e raramente perdia, e ele não
tinha dúvidas de que teria encorajado a pobre e doce Henri a
aumentar a aposta.
Ele fechou os olhos e engoliu um gemido enquanto se lembrava
dela na sala da torre escondida. O gosto dela, a sensação dela em
seus braços, a mão dela enquanto o acariciava tão intimamente. Ele
mordeu a língua e afastou a imagem para longe de sua mente ao
perceber que suas calças estavam se tornando
desconfortavelmente apertadas. Ele se levantou e começou a andar,
revivendo tantas memórias desagradáveis e repulsivas quanto
pudesse trazer à mente, em um esforço de dissipar os efeitos
persistentes da tentadora senhorita Morton.
— Ah, aqui está você — disse a voz profunda de seu irmão, ao
entrar na sala. — Eu não sei você, mas estou faminto. Eu não posso
esperar para ver o que Madame Bertaud preparou para nós agora
que ela foi avisada com um pouco de antecedência. A mulher
sempre foi uma excelente cozinheira, se a memória não me falha.
— Bem, parece que você está de bom humor — observou
Lawrence, sentindo cada osso de seu corpo tenso enquanto seu
humor piorava. Como Alex se atrevia a parecer tão alegre enquanto
ele estava fazendo de tudo ao seu alcance para ajudar Henri a tirá-
lo de seu juízo perfeito?
Como se fosse uma deixa, a mulher em questão apareceu na
porta e qualquer comentário que os homens pudessem ter feito
aparentemente morreu em seus lábios.
Lawrence ficou sem palavras. Ele tentou encontrar algo para
dizer, talvez palavras de indignação. Ele queria exigir que a
senhorita Morton refizesse seus passos nesse exato momento e
colocasse algo mais adequado para uma mulher solteira; que ela
fosse e vestisse alguma coisa! Mas ele não podia. As palavras
simplesmente não vieram. Quem estava na porta não era uma
mulher de carne e osso, simplesmente não poderia ser. Ela era uma
deusa, uma divindade antiga saída do véu entre os mundos, não
havia outra explicação. Lawrence nunca tinha visto uma mulher tão
linda, e nunca tinha querido tanto uma.
O vestido de seda branca era tão fino que a luz do corredor
atrás dela reluzia, iluminando tudo o que o vestido em si não
destacava, agarrando-se amorosamente a cada curva. O branco
suave enfatizava sua pele cremosa, o delicado rosa das bochechas
e lábios, e a massa escura de seus cabelos que estavam dispostos
ao redor de seu rosto, com cachos naturais que emolduravam
aquele doce rosto em forma de coração e aqueles enormes olhos
castanhos. Aqueles olhos pousaram sobre ele com tanto calor,
esperança e desejo.
Oh, meu Deus, ele era um homem morto. Ele não sabia como
seria capaz de recusar-lhe qualquer coisa, e se ele ficasse, ele traria
um mundo de problemas à sua porta, e nunca iria perdoar-se por
isso.
Sacudindo-se de seu devaneio, ele arrastou seus olhos
relutantes para longe e olhou para seu irmão; e descobriu com fúria
que ele estava sob o feitiço dessa sereia assim como ele.
— Alex! — disse ele rispidamente, seu irmão olhou para ele com
surpresa. — Vamos entrar? — disse ele, praticamente rosnando,
avançando para pegar o braço de Henri antes que Alex tivesse a
chance.
— Boa noite, Lawrence — disse Henri, com a voz baixa, embora
ele estivesse bastante claro de que havia um fio de diversão por
baixo desse tom suave. Sua mão era leve em seu braço e ele se
recusou a olhar para ela por medo de ficar enredado naqueles
olhos.
Ele cerrou os dentes e conseguiu levá-la até a sala de jantar e
acompanhar Henri até a cadeira, de modo que pelo menos parte
dela ficasse escondida sob a mesa. Uma vez que ele tomou seu
próprio assento, descobriu que isso ajudava muito pouco, pois ele
estava diretamente de frente para ela e tudo o que ele ainda podia
ver só servia para fazer sua mente vagar para considerar tudo o que
ele não podia fazer.
Henri, é claro, estava fazendo tudo o que podia para piorar as
coisas. Sempre que ele olhava para ela, o observava, com uma luz
tão sedutora nos olhos que ele sofria com a necessidade de fazer
exatamente o que ela estava pedindo.
Ele se perguntou, agora se aproximando de um estado que ele
só poderia descrever como desvairado, se alguém a havia instruído
para a apresentação dessa noite ou se era apenas um talento
natural. Foi então que ela o escandalizou ainda mais pegando um
aspargo com dedos delicados, fechando aqueles lábios rosados
deliciosos ao redor dele, o tempo todo olhando-o com uma intenção
tão clara do que ela realmente estava pensando, que ele ficou
excitado, bem ali na mesa. Ele cerrou os punhos no colo e forçou-se
a olhar para o prato, os empregados e qualquer outro lugar.
Ia ser uma maldita noite longa.
No momento em que a sobremesa foi servida, Lawrence não
sabia mais o que fazer. Alex tinha, obviamente, decidido que se
casar com a visão ao seu lado não seria uma má ideia, no fim das
contas, e começou a usar seu charme. Ele flertou
escandalosamente e de uma maneira totalmente imprópria para
uma senhora de bom caráter, mas para horror de Lawrence, Henri
não apenas permitiu como também respondeu na mesma moeda.
É claro que ele poderia ter mitigado a situação, por ser
igualmente charmoso e paquerador, mas o ciúme amarrou sua
língua, a raiva o fez não ousar falar por medo de repreender seu
irmão, e a pena de sua própria situação o fez afundar ainda mais no
desespero. Então, quando um prato de cristal de creme turco foi
colocado à sua frente, ele se tornou uma presença infeliz com um
olhar fulminante na mesa, em contraste com o riso e a frivolidade
dos dois.
— Ora, Lawrence, qual é a sua opinião?
— O quê? — disse ele, com rispidez, arrancado de seus
pensamentos sombrios e, depois, voltando para a realidade
enquanto Alex erguia uma sobrancelha para ele. — Peço perdão —
disse ele, com pouca graça. — Eu não estava prestando atenção na
conversa.
— Não me diga! — murmurou Alex, traçando um padrão na
toalha de mesa damasco. Ele se inclinou para trás, em sua cadeira,
observando seu irmão mais novo com diversão descarada brilhando
naqueles frios olhos cinzentos. — Bem, perdoe-me por interromper
seus pensamentos com nossa conversa fiada, mas eu sugeri que
você levasse a senhorita Morton para cavalgar amanhã, para a
abadia em ruínas. Parece que, como muitas moças, Henri é
apaixonada pelo gótico e macabro e, como infelizmente estou longe
de casa o dia todo, o prazer do passeio deve sobrar para você.
Lawrence cerrou os dentes. — Não, temo que isso não seja
possível — disse ele, pensando em nada além da necessidade de
irritar Alex e seu maldito esquema. Transformar a linda garota de
Lawrence em uma isca, vestindo-a e ensinando-a a agir como uma
cortesã estava além de qualquer compreensão que ele acreditasse
de seu próprio irmão. Bem, maldito seja, ele não poderia jogar se
Lawrence não estivesse mais aqui.
— Por que não? — Havia um tom sombrio e desafiador na
pergunta de Alex que não passou despercebido, mas não havia
mais nada a ser feito. Ele tinha que fugir; fugir de ambos antes que
ele estivesse muito enredado para poder sair.
— Porque eu não estarei aqui. Eu pretendo seguir meu caminho
à primeira luz do dia.
Houve silêncio à mesa, com exceção de um suspiro suave de
Henri, e ele descobriu que não conseguia encontrar os olhos dela.
Era para o seu próprio bem. As palavras continuavam circulando
repetidamente em sua cabeça, mas quanto mais ele as ouvia,
menos sentido elas pareciam fazer.
— Entendo — disse ele. Não havia inflexão em sua voz e a sala
parecia totalmente imóvel.
Finalmente, Alex quebrou o silêncio mais uma vez, colocando o
guardanapo sobre a mesa e se levantando. — Nesse caso, vou
oferecer-lhe uma boa-noite para que você possa se despedir da
senhorita Morton agora, pois imagino que você não desejará
perturbá-la em uma hora tão antiquada pela manhã. No entanto, te
vejo antes de ir embora, Lawrence.
Esse último comentário foi dito com um tom que não tolerava
nenhuma discussão, e Lawrence foi forçado a assentir com a
cabeça, concordando. Ele desejou ter a coragem de seguir Alex
para fora da sala sem dizer nada, mas não conseguia tratar Henri
dessa maneira. Seria imperdoável.
A porta se fechou silenciosamente e ele foi deixado encarando-
a. Com dificuldade, ele se forçou a olhar para cima e encontrar seus
olhos; ela olhava para sua sobremesa intocada. Ele tinha a suspeita
desconfortável de que ela poderia estar chorando.
— Henri — disse ele, com a voz suave, preparando-se para as
lágrimas enquanto ela olhava para ele, e totalmente equivocado
quando descobriu a fúria de uma deusa em seus olhos.
— Seu maldito covarde! — disse ela, com os olhos ardendo de
raiva. Ela se levantou e começou a se afastar dele sem dizer uma
palavra.
— Henri! — Por alguma razão tola, seu cérebro não aceitava
que esse fosse o momento da despedida. Ele não era capaz de
abandoná-la, e muito menos, deixá-la sentindo raiva dele. Se ele
fizesse isso, permitiria que ela o odiasse, em vez de lamentar a
perda de algo que poderia ter tido. Ela poderia ser feliz então, feliz
aqui, com Alex. Se ele fosse realmente tão honrado como esperava,
deveria aproveitar essa chance e agradecer a Deus por isso. Então,
por que ele estava correndo atrás dela? — Henri, por favor…
espere.
Ela parou perto da porta e virou-se para ele.
— Por quê? — insistiu ela. — Para nos despedirmos com um
sorriso choroso e um beijo de boa sorte? — disse ela, zombando
dele. — Bem, eu não o farei, então é melhor esperar sentado. — Ela
olhou para ele, desafio e raiva em cada fibra, envergonhando-o. —
Eu teria feito qualquer coisa para mantê-lo aqui comigo — disse ela,
lágrimas brilhando em seus olhos agora. — Eu teria arriscado
qualquer coisa, tudo para mantê-lo, para que você me amasse, mas
se você não tem coragem…
Ele não aguentava mais. Ele não podia ficar parado e fazê-la
acreditar que não a amava, que ele era covarde demais para dar-lhe
seu coração, mesmo sabendo que havia verdade em suas palavras.
Ele tinha que fazê-la ver que aquilo estava matando-o, mas ele tinha
que partir.
Ele se moveu, e o beijo calou prontamente sua bronca, de forma
eficaz o suficiente. Além disso, a maneira como ele a tocou, o
desespero que ela devia ser capaz de sentir diante da maneira
como suas mãos se agarraram a ela, a maneira como seus braços a
esmagaram contra ele, a forma como sua boca devorou a dela, com
uma fome que nunca poderia ser saciada; certamente tudo isso
devia ter ilustrado o quanto ele queria ficar ali com ela. E, no
entanto, agora ele foi capturado, assim como Alex sabia que seria
quando forçou Henri a jogar esse jogo, pois ele não conseguia
parar.
Ele pedia a Deus que Alex tivesse o bom senso de mandar os
funcionários para a cama, mas descobriu que não conseguia pensar
em mais nada, pois sua mente estava totalmente ocupada com a
mulher em seus braços.
A seda do vestido era ao mesmo tempo fria, escorregadia e
quente enquanto o calor de seu corpo reslumbrava. Ele pressionou-
se contra ela e um sentimento de triunfo, de ter ganho algo precioso
e único persistiu enquanto ela ia em busca dele, fazendo pequenos
sons desesperados enquanto rasgava suas roupas. Ele realmente
não poderia ter isso? Não havia alguma maneira?
Ele recuperou a consciência e parou, sua testa pressionada
contra a dela, a respiração deles tremulando.
— Não se atreva, Lawrence — avisou-o, com lágrimas brilhando
em seus olhos. — Não se atreva.
Ele deu uma risada nascida em algum lugar entre a
incredulidade e o desespero. — Oh, meu Deus, Henri, o que eu
faço?
— Fique — disse ela, puxando sua jaqueta. — Fique. Fique
comigo. Diga-me uma coisa, o que é que você quer?
Ele estendeu a mão para cobrir o rosto dela e olhou-a com muita
emoção em seu coração, parecia machucado e frágil, cheio de tudo
o que sentia por ela.
— Eu quero ficar — sussurrou ele, ouvindo a verdade pela
primeira vez. A primeira vez que ele simplesmente se permitia
admitir o fato. — Mas, Henri, e se alguém me reconhecer? E se os
meus inimigos me seguirem até aqui, ou a milícia vier atrás de mim?
Na melhor das hipóteses, a família nunca sobreviveria ao
escândalo, e na pior das hipóteses…
Ele fechou os olhos, muito horrorizado com a ideia de encontrar
homens que o consideravam um inimigo que deveria pagar com o
próprio sangue, aqui, neste lugar onde ousara considerar ser feliz,
onde, por apenas um momento, se permitiu imaginar como seria a
vida com ela.
Pela primeira vez em sua vida, a ideia de um lar, uma esposa,
talvez até filhos, não era algo que ele rejeitasse sem considerar
porque era algo que ele nunca poderia ter. Ele sempre tinha
descartado essa ideia porque nunca tinha sido capaz de imaginá-la.
Mas agora ele podia. Agora, ele podia ver como seria aquela vida…
e ele a queria.
Ele sempre presumiu que morreria no mar, afundando com seu
navio ou vencido por um espadachim mais rápido ou um tiro mais
certeiro. Ele tinha tido sorte até agora, mas sua vida era muito
perigosa para essa sorte durar para sempre. Mas, e se essa vida
perigosa não pudesse ser ignorada, e se ele a trouxesse até aqui e
Henri pagasse o preço por isso?
Ele abriu os olhos enquanto as mãos dela seguravam seu rosto.
— Lawrence — disse ela, e ele olhou para ela, vendo tanto amor em
sua expressão que pensou que seu coração se quebraria com a
ideia de deixá-la. — Você tem que ficar.
Ele balançou a cabeça, querendo tanto concordar com isso que
sentia uma dor física muito pior do que qualquer lesão que ele
pudesse se lembrar de ter sofrido. Três balas o impediram de seguir
seu caminho há dez anos, mas ele não conseguia se lembrar da dor
dessas feridas como a dor de abandonar essa mulher para sempre.
— Eu não vou colocar você em risco, Henri. — Ele acariciou seu
rosto, esperando que ela pudesse ver o quanto ele queria ficar,
porque se ele tentasse colocar em palavras, iria desmoronar. — Eu
nunca me perdoaria se… se alguma coisa acontecesse com você.
Ela bufou, com impaciência e aborrecimento, e deu um tapa
nele, com a palma da mão batendo no peito dele com frustração. —
Não, Lawrence. Você tem que ficar, porque se você não fizer isso,
eu prometo que vou segui-lo. Eu vou deixar todos para trás e vou te
seguir aonde quer que você vá, e, e vou fazer isso sozinha, sem
ninguém para me proteger e, então, se algo acontecer comigo você
saberá que é sua culpa, porque você não ficou!
Ela estava olhando para ele, fúria e triunfo brilhando em seus
olhos e ele sabia muito bem que ela estava falando sério; a pequena
desgraçada faria isso em um piscar de olhos.
— Você está me chantageando! — rosnou ele, incrédulo.
Sua fúria parecia ter se esvaído agora que ela sabia que o tinha
encurralado e piscou para ele, a imagem da inocência, seus lábios
franzidos juntos em um pequeno beicinho que fazia o desejo
queimar em seu sangue com a necessidade de beijá-la.
— Sim — disse ela, eventualmente, assentindo com a cabeça.
— Quero dizer, eu não consegui fazer corretamente na primeira vez
que tentei, mas desta vez… — Ela arqueou uma sobrancelha para
ele. — Eu acho que peguei o jeito.
— E se eu amordaçar você e amarrá-la a uma cadeira e escapar
agora, ninguém saberá até de manhã. Você nunca me encontraria!
— ameaçou ele, mesmo sabendo que nunca faria isso.
Ela deu de ombros, como se isso não importasse muito. —
Talvez não, mas você sabe que eu vou tentar, e que eu vou estar
sozinha, além de… — Ela deu um longo suspiro.
— Maldita seja, Henri! — exclamou ele, passando a mão pelo
cabelo exasperado. — Eu nunca na minha vida conheci uma mulher
tão irritante, manipuladora… — Ele parou no meio do caminho e
suspirou enquanto olhava para ela e aqueles grandes olhos
castanhos. — Oh, maldição, que tudo vá para o inferno — disse ele,
desistindo de toda a esperança de se afastar dela, ou mesmo
fingindo que era isso que queria. Em vez disso, ele a puxou com
força e a beijou.
Capítulo 30
“No qual são feitas explorações, e uma grande quantidade de terra
coberta, com muito prazer.”

Certamente ele não podia fugir agora, pensou Henri, embora


fosse bastante difícil pensar racionalmente com um mínimo de
entusiasmo que fosse enquanto Lawrence trilhava um caminho de
beijos por seu pescoço. Mas esse não era o momento de arriscar.
Ela tinha que fazer isso para que ele não pudesse encontrar uma
maneira de fugir, caso em algum lugar naquela cabeça teimosa, ele
acreditasse que não era verdade o que ela havia dito, ou ao ser
confrontado com o fato de que ela o seguiria sozinho, coragem lhe
faltaria.
Ele queria ficar, algo que ele havia admitido, e ela acreditava
nele. Quanto disso era por causa dela, e quanto era simplesmente
um desejo de ter sua vida de volta, ela não podia ter certeza, ainda
não, mas ela pretendia descobrir.
— Lawrence — soprou ela seu nome contra sua boca, mas
depois colocou os dedos contra seus lábios, antes que ele pudesse
reivindicar outro beijo. — Venha comigo.
Ele franziu a testa quando ela se afastou dele e abriu a porta.
No entanto, ela estava disposta a tomar as rédeas do destino dos
dois com suas próprias mãos, e o resultado disso seria sua culpa.
Ela sabia que os riscos que ele havia descrito eram genuínos e
temíveis, mas também sabia que era um risco que ela estava
disposta a correr. Pegando sua mão, ela o conduziu pela casa
silenciosa, rezando para que ninguém os visse, fazendo-o mudar de
ideia.
A porta de seu quarto se abriu, sem um rangido para entregá-
los. Henri enviou a Annie uma sincera, embora silenciosa, palavra
de agradecimento enquanto olhava em volta e encontrava o quarto
sereno e arrumado, com luz de lamparina suficiente para lançar ao
quarto um brilho caloroso e íntimo.
O fogo acentuou o calor, crepitando alegremente e aquecendo
ainda mais o ar, embora ela sentisse que realmente não precisava
da ajuda. Sua pele estava queimando de expectativa, com a
necessidade de ser tocada e o desejo de experimentar o que Annie
também havia mencionado mais cedo.
Ela tinha visto o olhar de Lawrence quando decidiu dar-lhe uma
dica no jantar. Tinha sido necessário cada grama de coragem que
ela possuía para pegar os aspargos, mas tinha valido tão a pena
para sua confiança ver a reação dele. Ela quase riu alto de sua
expressão, e ficou muito aliviada por Alex estar estudando
cuidadosamente seu prato. Sim, ela sentia que ele certamente
gostaria daquilo, e estava ansiosa para testar a teoria.
Ela se virou e viu-o fechando a porta atrás de si. Em seguida,
ele removeu uma pistola de sua jaqueta para colocá-la,
cuidadosamente, na mesa de cabeceira – um lembrete talvez da
seriedade de suas preocupações. Mas, então, ele olhou para ela e
de repente ela não tinha dúvidas de que ele iria ficar. Havia uma luz
possessiva em seus olhos que a fez a sua respiração falhar
enquanto ele caminhava em sua direção, e continuou a se mover,
rondando-a, sua expressão deixando claro suas intenções.
— Seu vestido é muito lindo, senhorita Morton — disse ele, com
a voz baixa enquanto ficava atrás dela.
— Obrigada, senhor — disse ela, sorrindo e mordendo o lábio
diante de seu tom formal.
Suas mãos deslizaram em torno de sua cintura, puxando-a
contra ele, assim ela poderia sentir o forte calor de sua ereção
pressionando entre as carne macia de seu traseiro. Ela suspirou e
inclinou a cabeça para trás para se apoiar em seu ombro. Com uma
mão, ele inclinou a cabeça dela um pouco para o lado, de modo que
sua boca estivesse quase contra a dela, e ela pudesse sentir sua
respiração rápida e irregular contra seus lábios.
— Mas se você usar ele na frente de alguém além de mim, serei
forçado a matar todo homem que colocar os olhos em você, está
claro?
Ela sorriu para ele, os olhos brilhando de diversão. — Então,
vou me certificar de usá-lo apenas na frente de pessoas que eu
desprezo.
Ele rosnou, um ruído baixo vindo de sua garganta que soou um
pouco desesperado antes que sua boca se fechasse sobre a dela.
Ele puxou as mangas do vestido, abaixando-as até exporem seus
seios. Ele segurou os dois, com os dedos calejados esfregando
sobre a carne macia, beliscando seus mamilos, fazendo-a gritar de
surpresa com a deliciosa mistura de prazer e dor que percorria seu
corpo. Por sua vez, ela se virou em seus braços, querendo tocá-lo;
ela foi desfazendo com os dedos sua gravata, desabotoando seu
colete e retirando as muitas camadas que os mantinham separados.
— Tire. Tire isso! — disse ela, puxando sua camisa de linho e
ignorando a diversão satisfeita em seus olhos perante a impaciência
dela.
Ela prendeu a respiração enquanto ele removia a roupa em
questão, puxando-a para cima e sobre sua cabeça, alguns
segundos antes que ela se lembrasse de respirar mais uma vez. O
peito bronzeado que ela tentara ignorar na primeira manhã em que
acordara com ele ao seu lado no navio agora tinha sua atenção
exclusiva. Ela colocou as mãos na parte superior de seu peito e
tocou-o, parando, por um momento, sobre a curvatura do músculo
para beliscar as marcas escuras de sua pele que se contraíam em
contato com seu toque. Ela sorriu ao ver como sua respiração
falhava, satisfeita que ele tivesse reagido da mesma forma que ela
quando ele a tocou. Ela permitiu que suas mãos se movessem para
as cicatrizes que ele carregava, cicatrizes das balas que quase lhe
tiraram a vida todos aqueles anos atrás.
Ela sentiu um arrepio com a ideia de que poderia nunca o ter
conhecido e inclinou-se, então, para a frente para pressionar os
lábios contra cada uma das marcas. Primeiro, a parte superior de
seu ombro esquerdo, depois à direita de seu peito, e então,
movendo-se para baixo, ela beijou seu lado esquerdo e a cicatriz
cavada onde a bala havia rasgado sua pele. Ela beijou cada uma
com uma reverência que sentia em seu coração e esperava
transmitir a ele através de seu toque. E, então, desviou a atenção,
seus lábios e dedos arrastaram-se para seu estômago e a dispersão
de cabelos escuros que desapareciam sob sua cintura.
Ela se ajoelhou e avançou para os botões de suas calças,
desfazendo-os, um a um, ouvindo o ritmo de sua respiração mudar.
Ao olhar para cima, encontrou seus olhos fixos nela, intensos e com
o mesmo olhar que ela tinha visto na mesa de jantar. Satisfeita com
aquele brilho ligeiramente febril em seus olhos, permitiu que o
material se abrisse e voltou sua atenção para a parte dele que ela
só tinha sido capaz de adivinhar diante do conselho indelicado de
Annie e as próprias explorações limitadas que tinha feito nele até
agora.
Ela olhou para cima ao ouvi-lo praguejar baixinho, enquanto o
tocava, mas estava consumida demais pela curiosidade para prestar
muita atenção. Em vez disso, ela voltou sua atenção para a
estranha combinação de força bruta envolta em pele acetinada.
Seus dedos se arrastaram sobre ele e demoraram-se na ponta,
encontrando-a brilhante e molhada. Ela se perguntou se isso era
mais uma evidência de seu desejo, e olhou para cima para
encontrar seus olhos escuros de desejo. Encarando aquele olhar
escuro, ela se inclinou um pouco e o tocou com a língua, sentindo
que o gosto de sal e almíscar, além daquela pele notavelmente
sedosa, era algo que ela desejava explorar mais a fundo. Ele fechou
os olhos e cerrou os punhos ao lado do corpo. Ela sorriu, satisfeita
por sentir que estava no caminho certo, pois aquela tortura fazia
parte disso; de acordo com os conselhos de Annie. E isso era
exatamente o que Henri estava disposta a fazer.
Ela se inclinou mais uma vez e lambeu da base à ponta em um
longo e persistente gesto, e vangloriou-se perante o profundo e
sincero gemido de prazer que ele emanou como resposta. O som de
seu prazer, o olhar de êxtase concentrado em seu rosto, tocou algo
dentro dela; algo cru e primitivo, e desesperadamente poderoso.
Com crescente confiança, acompanhada apenas por uma fome que
queimava em seu sangue e fazia sua pele doer, ela o segurou
imóvel, fechou a boca sobre a cabeça brilhante e acariciou-o com a
língua.
O xigamento que escapou dele poderia tê-la alarmado, poderia
tê-la feito acreditar que o machucara, se não fosse pela mão que
afundou em seu cabelo, segurando-a no lugar, e a maneira como
ele falou seu nome um momento depois. — Henri, meu Deus,
Henri…
Ela sorriu em torno dele e continuou a sua tentativa, cobrindo-o
de atenção, usando sua língua e os lábios e, ocasionalmente,
arranhando-o com os dentes. Até que ele a paralisou com um grito
desesperado.
— Pare, pelo amor de Deus!
Ele colocou-a, sem cerimônia, de pé, e envolveu-a em seus
braços. Enquanto isso, sua boca exigia mais e suas mãos frenéticas
rasgavam os delicados botões de seu vestido até que ela ficou com
nada além de uma camisola fina. Nesse ponto, sua paciência
restante parecia ter desaparecido definitivamente, uma vez que a
levantou e a deitou na cama, parando apenas para tirar as calças e
botas – praguejando baixinho – até estar em toda a sua maravilhosa
e gloriosa nudez, rondando a cama em sua direção.
— Bem, senhorita Morton, espero que esteja feliz — rosnou ele,
e sua respiração ficou presa na expressão em seus olhos enquanto
ele rastejava sobre ela. — Parece que você me tem onde tão
claramente queria.
Ela mordeu o lábio e levantou uma sobrancelha. — Bem… ainda
não, senhor — disse ela, piscando para ele com o que esperava ser
uma expressão inocente. — Mas acredito que estamos chegando lá.
Ele deu uma gargalhada antes de silenciar os dois com um beijo
abrasador que dispersou qualquer habilidade restante para
comentários inteligentes.
Qualquer tipo de pensamento desapareceu completamente
enquanto seus lábios continuavam a trilhar um caminho, mapeando
as linhas de seu corpo com deliciosas pausas em pontos
interessantes, à medida que ele dava atenção a um seio e depois ao
outro. Ela se arqueou sob ele, deleitando-se com a sensação de sua
pele contra a dela, o calor de sua boca sobre ela, aquelas mãos
ásperas acariciando enquanto ele explorava sua carne tenra.
Henri se espantou diante de sua própria surpresa enquanto ele
continuava descendo, trilhando beijos por seu corpo até que
separou os cachos macios no ápice de suas coxas, abrindo-a para
ele. Ela tinha gostado de dar toda a sua atenção a ele, usando sua
boca para lhe trazer prazer, mas simplesmente não tinha passado
por sua cabeça que…
O som que escapou de sua garganta não era como nada que
tinha ouvido antes, parecendo selvagem e devasso, e ilustrou
perfeitamente como ela se sentia. Ela sentiu o toque suave de uma
risada contra sua pele superaquecida. Então, ele afastou suas
pernas e ela descobriu que estava muito disposta a obedecer.
Ela se contorceu enquanto ele a segurava imóvel com seus
braços fortes que não lhe permitiam escapar, caso ela fosse tola o
suficiente para querer. Ele usou sua língua para explorá-la e deixá-la
molhada, sua boca se revezando para chupar a carne delicada
antes de voltar ao trabalho diabólico com sua língua. E, justamente,
quando ela pensou que não havia nada que pudesse superar sua
língua maravilhosamente perversa e o tormento que ela causava,
seus dedos se juntaram ao ataque à sanidade dela e a acariciaram
por dentro. E, de repente, não havia mais nada, nenhum outro lugar
para ir e uma grande força desconhecida a alcançou, um poder
crescendo em torno do centro de sua atenção, seduzindo, atraindo-
a e puxando-a para algum vazio decadente – corpo e alma – até
que ela prendeu a respiração, ciente de algum novo abismo em que
permaneceu.
E, então, ela caiu. Caindo enquanto o mundo se despedaçava,
qualquer noção da realidade se desfez, e ela ouviu o nome dele em
seus lábios em algum lugar distante, mas ela estava perdida e não
queria retornar, à deriva em um mar sensual onde nada além
daquilo importava.
Ela foi se recuperando aos poucos, piscando, atordoada com a
luz suave do quarto, seus membros derretidos e pesados demais.
Seus olhos se fixaram no homem muito masculino e
excepcionalmente presunçoso deitado ao seu lado. Ela bufou
levemente, divertida, ao ver a expressão dele, e permitiu que ele se
orgulhasse. Ela não pôde deixar de sentir que ele merecia.
— Meu Deus do céu — murmurou ela, mal conseguindo reunir
forças para falar em voz alta.
Uma risada profunda percorreu a cama e um dedo tocou sua
boca, e, então, ela desceu lenta e confiantemente por seu pescoço,
entre o vale de seus seios, e, irresistivelmente, até um território
recentemente mapeado, mas ainda desconhecido.
— Senhorita Morton, acho que devo mencionar que Deus não
teve nada a ver com isso.
Ela deu uma risadinha enquanto seus dedos curiosos
provocavam a linha macia da pele no topo de sua coxa. — Pode até
ser — respondeu ela, tentando franzir a testa e fracassando. — Mas
eu juro que se você me chamar de senhorita Morton novamente, eu
vou bater em você.
Com um sorriso, ele se moveu, insinuando-se no espaço entre
as pernas dela e mergulhando a cabeça para roubar um beijo.
— Bem, acho que isso combina com meus planos, no fim das
contas — disse ele, com a voz baixa e os olhos voltados para os
dela. — Já que pretendo mudar seu sobrenome para Sinclair o mais
rápido possível. — E, então, ele silenciou quaisquer palavras de
triunfo ou alegria que ela pudesse ter proferido, reivindicando sua
boca para ele.
Capítulo 31
“No qual muitas coisas são tomadas.”

Bem, ele teve o que merecia, pensou Lawrence, olhando para a


adorável criatura abaixo dele com admiração; e que lugar
encantador era aquele. Como podia ter passado por sua cabeça que
ele tinha vontade ou determinação de se afastar de Henri; era algo
que ele não conseguia compreender. Ele simplesmente não era tão
honrado e agradeceu a Deus por esse fato.
Isso porque se tivesse ido embora, sabia que a ideia dela no
mundo sem ele, com seu irmão em sua cama em vez dele, o teria
levado à loucura ou à uma morte precoce. Mas como era ela quem
estava aqui, e ele também, e o prazer derivado desse fato, já
excedia em muito todas as suas expectativas.
Uma hora, ela estava ansiosa e tímida; outra hora, devassa e
curiosa; em seguida, tão seriamente comprometida em dar e
receber prazer que ele ficava completamente perdido. Ele a amava
e não conseguia pensar em nada além da necessidade de torná-la
sua, de todas as maneiras possíveis.
Lawrence estava disposto a suportar não só a ideia da
expressão dissimulada de Alex quando ele descobrisse que tinham
vencido, como também aturar, com compostura, a zombaria de seu
irmão mais velho nos próximos anos. Ele não se importava com
nada além de ensinar à sua futura esposa tudo o que ela poderia
precisar saber em resposta à pergunta em seus olhos.
Ela se moveu abaixo dele e ele deslizou entre o calor
escorregadio de suas coxas, ansioso demais para mostrar a ela o
que vinha a seguir. A maneira como ela havia se desfeito sob seu
toque momentos antes, a maneira como ela havia dito seu nome, o
som de seu prazer, tudo isso ainda permanecia em sua mente, e ele
precisava ouvi-la repetidamente. Ele se moveu, encontrando a sua
entrada de intenso calor e preparando-a com dedos gentis,
acariciando e abrindo como tinha feito anteriormente. Ela suspirou e
depois arquejou, sua respiração irregular e seu coração claramente
acelerado.
— Você confia em mim? — perguntou ele, beijando-a tão
docemente quanto ela merecia ser beijada.
Ela abriu os olhos, escuros e nebulosos de desejo, enchendo-o
de tal necessidade que ele precisou de todas as forças para não
simplesmente ceder e afundar nela.
— Jure que você nunca vai me deixar — sussurrou ela, com as
mãos segurando seus ombros e as pernas enroscadas em seus
quadris.
— Se eu tivesse alguma honra, eu iria embora — respondeu ele,
em meio a um gemido enquanto ela inclinava os quadris em sua
direção, esfregando-se contra ele até que sua sanidade chegasse
ao limite. — Mas eu não posso. Não poderia deixar você esta noite,
e agora… Eu nunca vou embora, eu juro.
E com isso ele cedeu, embainhando-se dentro dela e apenas
parando quando ela gritou, agarrando-se a ele enquanto ele tomava
tudo o que ela oferecia. Ele a silenciou com palavras gentis,
murmurando promessas de aquilo logo ia passar, beijando-a até que
sua tensão desaparecesse. Em seguida, ela olhou para ele e sorriu,
estendendo a mão para tocar sua bochecha, com aqueles olhos
castanhos suaves exalando tanta confiança que ele se sentiu
oprimido por isso.
— Eu te amo — disse ele. Subitamente, velhos instintos
apareceram, e ele se perguntou que diabos estava fazendo, dando
a ela tal poder sobre seu coração. Mas então, ele viu a resposta
para qualquer dúvida nos olhos dela, e sabia que, pela primeira vez,
havia dito e feito a coisa certa.
— Eu te amo — repetiu ele, com mais segurança desta vez
enquanto mostrava a ela como se mover com ele, e como buscar e
encontrar prazer, juntos. A luxúria e um desejo primitivo de
reivindicar iam de encontro à necessidade de agradá-la, de educá-la
suavemente. Suas próprias necessidades se enfureceram,
ameaçando dominá-lo, mas algo dentro dele, algo com que se
importava mais do que seu próprio desejo, adiou sua fome, e ele
encontrou a vontade de se conter. Ele encontrou a força para
saborear em vez de devorar, e seu prêmio foi o feitiço que ela
lançou enquanto se agarrava a ele. Seus dedos magros agarraram
sua carne, ela jogou a cabeça para trás, cabelos escuros desfeitos e
em cascata sobre os travesseiros enquanto seu clímax a arrebatava
e o atraía a ela, subindo e caindo nos céus onde nada além do
prazer mais requintado poderia existir.
***
Os primeiros raios da luz do dia abriam caminho ao redor das
cortinas do quarto, e Lawrence suspirou, um suspiro profundo de
contentamento lânguido. Ele virou a cabeça um pouco e sorriu ao
ver a mulher ao lado dele. Como ela dormia, podia olhá-la pelo
tempo que quisesse sem ter aqueles olhos que viam demais,
prescrutando sua alma. Ela conseguia vê-lo por inteiro, pensou ele
e, então, riu sozinho. De tudo o que havia para ser visto, ela tinha
tido uma visão completa na noite passada. Ele havia aberto seu
coração e sua alma para essa mulher, e todos os arrependimentos e
ansiedades com as quais ele esperava ser atormentado ao acordar,
simplesmente não estavam lá. Ele não conseguia encontrar nenhum
motivo para se arrepender. De nada. Nem por um instante que
fosse.
Como se estivesse ciente de sua linha de pensamento, Henri
murmurou em seu sono e se aconchegou mais perto. Ora, uma
primeira vez para ele, pensou ele, completamente incapaz de
manter o sorriso afastado de seus lábios. Normalmente, se ele se
encontrasse ao lado de uma forma feminina nas primeiras horas do
dia, levantava-se e saía da cama com o máximo de pressa possível.
Mas hoje, não possuía tal desejo. Hoje, o resto do mundo poderia ir
para os infernos.
Em algum momento, ele precisaria organizar o noivado, mas…
bem, uma outra hora realmente não faria a menor diferença. Os
empregados poderiam ficar escandalizados, mas tudo seria
esquecido quando ela se casasse com segurança.
Pensamentos agradáveis murmuravam em seu cérebro cada
vez mais sonolento, entretanto, talvez tenham sido os anos de vida
como um fora da lei que o atraíram com força de volta à
consciência. Ele ficou imóvel, as orelhas se estiraram, todos os seus
músculos ficaram tensos. Nada além do suave sopro da respiração
de Henri contra seu ombro, o gorjeio de pássaros do lado de fora da
janela e o som ocasional de empregados, movendo-se em suas
tarefas diárias, podiam ser ouvidos.
No entanto…
Com a facilidade típica de alguém acostumado a rastejar nas
sombras, ele deslizou da cama, vestindo os calções e as botas. Ele
pegou a pistola que sempre mantinha ao alcance de onde dormia e
caminhou até a janela. Com a ponta do dedo, puxou a cortina para
trás e observou o jardim através de uma rachadura nas venezianas.
Tudo estava silencioso. Uma geada branca e nítida cobria a
grama, já as árvores e construções se encontravam revestidas por
uma borda cintilante de gelo branco. Mas nada se movia. Ele se
manteve em seu lugar, com a ansiedade roendo suas entranhas.
Algo estava errado.
Só uma única vez não confiara em seus instintos de que algo
não estava como deveria estar, e teve que pagar o preço com três
balas. Foi um erro que ele nunca mais cometeria. Melhor viver muito
tempo e ser considerado um tolo paranoico a morrer ignorando
aquele pequeno formigamento de alarme que levantava os pelos na
parte de trás de seu pescoço.
E lá estava. Atrás do muro que separava o jardim do pomar ao
longe, uma nuvem de respiração no ar gelado da manhã.
— Maldição! — Tão rápido quanto conseguia, correu para a
cama. Com pesar, acordou Henri, cobrindo sua boca com a mão. —
Calma, meu amor — murmurou ele. — Eu acho que há homens lá
fora atrás de mim. Podem ser milicianos ou piratas, eu não sei, mas
eles não são aliados.
Ele retirou a mão enquanto seus olhos se arregalavam de susto
e compreensão.
— O que devemos fazer?
— Vista-se e encontre Annie, e fique longe das janelas. Reúna
todas as mulheres e crianças, e leve-as para a sala da torre
escondida. Você se lembra de como se abre?
Ele suspirou de alívio quando ela assentiu com a cabeça e
sorriu para ela, orgulhoso de sua maneira calma diante de tal
evento. — Eu vou despertar Alex e descobrir quantos homens
temos aqui. Mantenha todos calmos se puder, Henri. Quanto mais
tempo pensarem que não estamos cientes, mais chance teremos.
Ele não acrescentou que suas chances eram quase nulas. Pois
não importava se fosse a milícia ou piratas, eles teriam vindo em
grande número. Que ele soubesse, havia ele, Alex e possivelmente
três outros homens na casa. Sua única esperança era que eles
pudessem mantê-los afastados por tempo suficiente até que alguém
soasse o alarme e a ajuda chegasse. Ele a beijou, puxando-a para
si e segurando-a perto, preenchendo o momento com tudo o que
sentia por ela.
Ele a soltou, mas ela estendeu a mão, segurando seu braço.
— Eu te amo, Lawrence — disse ela, com medo brilhando em
seus olhos. — Por favor, tenha cuidado.
Ele assentiu com a cabeça e se virou, correndo para encontrar
seu irmão. A raiva pelos homens lá de fora encheu seu coração.
Apenas uma vez na vida tinha tido a chance de algo real e bom.
Uma vida onde ele poderia ser o tipo de homem que agora
percebeu que queria ser. Um marido e pai, em vez de uma figura
desesperadamente romântica e maluca que na realidade escondia a
verdade, que sua vida era vazia e solitária, e condenada a encontrar
um fim violento e desonroso.
Tudo estava ao seu alcance, e nem pensar ele deixaria alguém
tirá-lo dele. A culpa recaiu sobre seus ombros na sequência de sua
raiva, um fardo pesado e frio que se instalou ao seu redor,
sufocando seu coração. Ele tinha feito isso tentando ter algo que
nunca foi seu verdadeiramente. Algo que ele perdeu o direito de
reivindicar. Ele havia trazido esse problema para eles, assim como
ele sabia que faria. Ele deveria ter forçado o casamento com Alex,
feito seu irmão entregá-lo às autoridades. Mas não havia tempo
para arrependimento ou recriminação agora. No momento, tudo o
que ele podia fazer era tentar proteger tudo o que amava.
Capítulo 32
“No qual muitas coisas são quebradas e muito sangue derramado.”

— Ali. — Lawrence sentiu seu irmão ficar petrificado ao seu


lado, pois ele também viu o movimento de alguém se aproximando
da casa.
— E lá, olhe, três pelo menos. Como assim, doze agora?
Lawrence seguiu o olhar de Alex e praguejou. Não era a milícia.
O que significava que eles não dariam a mínima para tirar vidas
inocentes na busca por ele.
— Talvez… — começou ele, com a inevitabilidade daquilo em
sua garganta.
Alex rosnou para ele e agarrou-o pela camisa, batendo-o contra
a parede. — Se você se atrever a mencionar qualquer noção tola
sobre desistir de si mesmo, eu juro que eu mesmo vou matá-lo!
Lawrence fez uma careta para ele e afastou as mãos de Alex. —
Você sabe que é a coisa sensata a fazer — sibilou ele de volta.
— Eu não concordo — enfureceu-se Alex, o mais alto possível,
considerando que estavam tentando ficar quietos. — Não tenho
ideia se eles são piratas atrás de você, ou uma gangue rival de
contrabandistas atrás de mim!
Lawrence piscou, momentaneamente atordoado. — O quê?
Alex voltou sua atenção para observar o jardim, mas não antes
de lançar a Lawrence um olhar de pura exasperação. — Eu te disse
o que eu estava fazendo, não disse? Você acha mesmo que a
competição aceitaria gentilmente a minha supremacia no ramo?
Franzindo a testa, Lawrence tentou relembrar a conversa
anterior. — Sim, mas… eu tinha entendido que você os estava
financiando. Raios me partam, Alex! Quer dizer que você andava
fazendo contrabando?
— Bem, você não precisa usar esse tom comigo — disse Alex,
com rispidez. — Pois eu duvido que você esteja em qualquer
posição para atirar pedras!
Lawrence fechou a boca. Era um bom argumento. — Se for
esse o caso, por que o diabo não estamos melhor protegidos?
Naquele momento, os dois homens olharam para cima quando
Albert, um dos jardineiros, veio carregando uma caixa. Ele abriu
com cuidado para revelar uma série de pistolas. — Você estava
dizendo? — comentou Alex quando abriu um armário, revelando
uma impressionante variedade de adagas e espadas.
— Isso é tudo muito bom, mas onde estão os homens para
manejá-las? — perguntou Lawrence, recolhendo uma das pistolas
para, em seguida, pegar uma bolsa de pólvora e uma quantidade de
balas. Ele verificou se a pistola estava devidamente carregada,
colocou-a firmemente em seu cinto, e foi selecionar uma adaga e
uma espada.
— Ah, aí está o problema. — Alex voltou-se para ele com pesar
quando ele lhe entregou uma espada fina que Lawrence ergueu em
apreço, admirando o artesanato. — Como eu estava envolvido na
busca de um alvo conhecido pela milícia, ou seja, você, eu trouxe o
Vingança e a tripulação que está envolvida no meu negócio mais
legítimo. Se eu soubesse como as coisas iriam acabar… — Ele
encolheu os ombros com dignidade. — Eu, por acaso, mandei uma
mensagem para a tripulação em terra, mas é claro que levará vários
dias até que eles cheguem. — Ele assentiu com a cabeça em
resposta ao olhar de espanto que Lawrence sabia que estava em
seu rosto. — Imaginei que uma negociação seria um meio
apropriado de me manter longe dos seus negócios, uma vez… —
Ele acenou com a mão para abranger a situação com Henri. — Uma
vez que você recuperasse o juízo. — Ele franziu a testa para
Lawrence, que se preparava para o que estava por vir. — Você
conseguiu recuperar o juízo, pelo visto.
— Sim, diabos! Mas isso dificilmente é um tópico que devemos
conversar agora, não é? — sibilou Lawrence, olhando de volta pela
janela. Ele meio que esperava que os malditos homens atacassem,
qualquer coisa para impedir que seu irmão continuasse essa
conversa.
— Bem, agradeça aos céus por existir o perdão — murmurou
Alex, parando um momento antes de acrescentar: — Embora depois
de vê-la na noite passada, realmente não seria um sacrifício ficar
com ela, se esse fosse seu desejo.
Demorou um momento até que o cérebro de Lawrence
entendesse e percebesse que estava segurando uma arma contra
seu próprio irmão. — Você vai esquecer o que viu ontem à noite —
disse ele, com a voz fria e uniforme. — E você nunca mais vai
pensar, falar ou olhar para ela de uma maneira diferente da de um
irmão, nunca mais. Fui claro?
— Perfeitamente — respondeu Alex, sorrindo para ele,
aparentemente sem se preocupar com seu próprio bem-estar. — Só
lamento que tenha sido preciso tanto esforço da minha parte para
fazer você perceber que estava apaixonado pela mulher. E posso
dar-lhe os meus parabéns. — Ele voltou para a janela e fez uma
careta. — Agora, então, vamos ver o que podemos fazer com
relação a esse outro problema, pois eu esperava assistir a um
casamento, não ao meu próprio funeral.
Como se fosse uma deixa, uma voz gritou dos jardins.
— Savage? Nós sabe que cê tá aí dentro. Sai quietinho e não
vamu tê problema. Nós num quer o resto deles. Num tenho nenhum
problema com o conde.
Lawrence olhou para seu irmão. — Ainda acha que eles estão
atrás de você?
Alex balançou a cabeça, franzindo a testa. — Não, mas se você
acha que eles chegariam tão longe e deixariam colheitas ricas como
as que podem ser encontradas em uma casa como esta, então você
realmente é um tolo. Se você se entregar, eles irão torturá-lo na
nossa frente até os deixarmos entrar.
Fazendo uma careta, Lawrence aceitou a verdade do
argumento.
Um barulho estrondoso fez com que eles corressem para a
outra janela novamente.
— Eles estão tentando arrombar a porta dos fundos — disse
Alex, com a voz sombria. Os dois homens se olharam entre si,
quando um eco do mesmo ruído veio da frente da casa.
— Você fica com a frente — instruiu ele a Lawrence, que acenou
com a cabeça e correu da sala na direção do som de um machado
estilhaçando madeira. Ele correu para o que havia sido o quarto de
sua mãe e abriu uma janela o mais silenciosamente que pôde, antes
de afastar a cortina. Ele teve apenas um segundo para se inclinar e
mirar, antes que sua posição fosse vista, mas o grito que se seguiu
revelou que seu tiro havia atingido em cheio. Ele se abaixou,
fazendo uma pausa para recarregar enquanto ouvia xingamentos
direcionados a ele, vindos de baixo.
— Savage! Cê é um homi morto!
Lawrence franziu a testa quando reconheceu aquela voz. —
Brant?
— Sim, sô eu — respondeu a voz, com uma risada rancorosa.
— Eu tive procurando ocê por quase um ano, meu velho amigo. Tem
uma recompensa por ocê que vai me dá rum, de hoje até o fim dos
meus dia, e eu quero ela pra eu.
— Bastardo — murmurou Lawrence. Ele tinha se deparado com
Brant antes. Ele era mais contrabandista do que pirata, mas
ganhava dinheiro de qualquer forma que pudesse e era bem
conhecido por chantagear e esfaquear homens pelas costas. Não
seria a primeira vez que ele lucraria com o dinheiro da recompensa
por entregar um dos seus homens. Lawrence imaginou o rosto do
miserável, e a barba preta grossa que cobria as cicatrizes que ele
tinha. Disseram que foi o melhor amigo dele que fez isso, quando
descobriu que Brant o havia traído.
Movimentando-se para fora da janela mais uma vez, Lawrence
disparou, jogando-se de volta para o quarto quando uma bala
estraçalhou a janela atrás dele, regando-o de vidro quebrado. Ele
recarregou a arma, com movimentos rápidos e seguros que
testemunharam anos de prática, e agarrou a outra pistola. A ideia de
um filho da puta doente como Brant pisando na propriedade
enquanto Henri estava em casa… Lawrence sentiu seu estômago
revirar. Ele não podia deixar isso acontecer.
As batidas começaram novamente e Lawrence aproveitou a
chance. Inclinando-se para a frente, apontou certeiramente e
disparou as duas pistolas. Dois homens caíram, um morto, o outro
gritando de um ferimento na coxa, nenhum deles Brant. Mas
Lawrence recuou, xingando quando o ferrão feroz de uma bala
queimou contra sua carne e lascas voaram ao seu redor quando as
balas atingiram a moldura da janela.
Murmurando palavrões, Lawrence arrancou uma tira de sua
camisa e enfaixou seu braço. Graças a Deus era apenas uma ferida
de raspão, embora o sangue estivesse quente e escorresse
livremente por seu braço enquanto ele tentava amarrar o curativo
improvisado. Ele limpou as mãos de sangue e recarregou as duas
pistolas. Ele podia ouvir tiros na parte de trás da casa e rezou para
que Alex estivesse se saindo bem.
O som de machados cortando as portas continuou e, embora ele
tentasse acessar a janela novamente, eles não estavam se
arriscando e atiraram nele ao mínimo movimento. Ele esperou até
que eles tivessem descarregado suas armas, esperando que todos
tivessem ficado sem pólvora, e se inclinou mais uma vez, ferindo o
bastardo com o machado e se jogando de volta para o quarto
enquanto uma bala batia na parede a uns centímetros de sua
cabeça.
— Maldição, essa foi por pouco — murmurou ele, recarregando
a arma. Ficando de pé, correu para o patamar da porta. A porta da
frente era grossa e sólida, feita de excelente carvalho francês, mas
não aguentaria por muito mais tempo, pelo que ele podia ver. Ele
desceu as escadas correndo para encontrar uma posição para
segurá-los. Bem no momento que a grande porta colidiu no chão,
cinco homens correram para dentro da casa.
Calmamente, Lawrence se manteve firme e disparou, matando
um homem imediatamente, o outro caindo no chão quando uma
bala rasgou a parte superior de seu ombro. Largando as pistolas,
ele pegou sua adaga e lançou-a, sorrindo de satisfação ao ouvir o
som abafado atingindo em cheio — matando o diabo de aparência
sedenta de sangue ao lado de Brant — diretamente em seu peito.
Mas Brant e um homem gigante com tatuagens na cabeça careca e
ouro nas orelhas ainda estavam chegando, pisando em seus
companheiros caídos sem se importarem. Lawrence abaixou-se
atrás de uma cômoda quando duas balas atingiram a madeira,
quebrando as janelas envidraçadas.
— Que o diabo o carregue — murmurou ele. Como havia
perdido as pistolas, desembainhou a espada com a mão direita e,
com a esquerda, pegou a adaga que havia guardado na bota,
levantando-se. Brant sorriu para ele, mostrando um dente da frente
faltando. Ele guardou sua própria pistola, desembainhando uma
espada e avançou na direção de Lawrence com o careca seguindo
o exemplo.
— E por que num resolvê isso como um cavalheiro? — Ele riu.
— Já que ouvi dizê que cê é um sujeito abastado — zombou Brant.
Lawrence olhou para ele, movendo-se para conter o ataque que se
aproximava.
— Que diabos leva você a acreditar nisso? — indagou ele.
Apenas Mousy sabia que o conde era seu irmão antes dele se
entregar ao Vingança. Apesar de saber que Mousy teria dito à sua
tripulação uma vez que eles estivesse a salvo, ele não entendia
como Brant poderia ter ouvido falar disso. Ele lembrou, porém, que
a milícia estava em bom número quando ele pisou em terra, e a
sensação rastejante de que ele havia sido traído voltou com força.
— Cê tem um informante a bordo, sabia? — riu Brant. — Sim,
cê sabia que o dinheiro pela sua cabeça é uma baita duma
tentação, até mesmo prum homem leal?
— Quem? — indagou ele, com ácido queimando em seu
estômago. Os homens que permaneceram com ele tinham sido leais
e verdadeiros, ou pelo menos ele acreditava que tinham sido. A
ideia de que um deles tinha desistido dele…
Brant deu de ombros. — Num é o que importa agora, meu
rapaz. Cê não vai tê motivo para se preocupá com isso daqui a
pouco, nem com qualqué outra coisa.
Lawrence ajustou seu aperto na espada e enfrentou os dois
homens. Talvez Brant estivesse certo e seu tempo finalmente
estivesse chegando ao fim, mas, de qualquer forma, ele estaria
levando os dois com ele.
Capítulo 33
“No qual nossa heroína luta fogo contra fogo, e descobre que um
pirata é uma visão muito boa de se ver.”

Assim que Henri reuniu todos na sala da torre, mal havia espaço
para se mover. O que era uma pena, pois ela realmente precisava
andar. Esta era pior parte de nascer mulher, ela se enfureceu
internamente. Por que ela não insistiu que Lawrence lhe ensinasse
a disparar uma arma quando teve a chance? Então quer dizer que
todas elas deveriam se esconder aqui enquanto os homens partiam
e se matavam. No entanto, ela sabia que, sem saber manejar uma
pistola ou espada, provavelmente serviria mais de distração do que
ajuda. O conhecimento a irritou e ela jurou que, se eles saíssem
dessa, essa situação seria remediada. Quando ela saísse dessa,
não se, ela se repreendeu. Todos eles sairiam vivos dessa, não
havia outra opção. Ela ouviu um homem gritando de dor e fechou os
olhos, orando – com mais fervor do que jamais tivera por sua própria
segurança – que Lawrence fosse poupado.
Embora os sons chegassem abafados, já que estavam
confinados aqui em cima, cada estampido de tiro fazia seu coração
pular e seu sangue correr frio em suas veias enquanto pensava em
Lawrence e Alex, lutando por suas vidas lá embaixo. Ela sentiu
como se estivesse sufocando e quando uma das criadas começou a
chorar, espremeu-se em frente à uma janelinha. Ela não podia ver
nada da luta, pois tudo estava acontecendo dentro e ao redor da
casa, mas ela examinou a paisagem circundante, rezando para que
alguém tivesse soado o alarme. Do andar de baixo, vozes
masculinas soaram.
— Vai ajudá o Brant, ele e Tready conseguiram encurralá o
Savage lá dentro, mas precisamu ir. Vamo dá uma limpa no local pra
depois tacá fogo.
Henri sentiu puro medo deslizar pela espinha. Lawrence tinha
sido encurralado, preso com dois homens que queriam seu sangue,
e uma vez que estivesse morto e a casa saqueada, eles a
queimariam.
— Não — sussurrou ela. Eles não tirariam Lawrence dela, não
agora, e eles não queimariam esta bela casa ou as pessoas
inocentes dentro dela. Ela apertou a mão de Annie, puxando sua
criada para segui-la escada abaixo. — Annie — sussurrou ela. — Eu
tenho que fazer alguma coisa, eles vão matá-lo e eles querem
queimar a casa. — Ela apertou as mãos de Annie enquanto seus
olhos se tornavam redondos como um pires. — Eu vou até lá e…
vou fazer alguma coisa! — exclamou ela.
— Mas… — começou Annie, mas Henri cobriu a sua boca com
a mão para silenciá-la.
— Eu o amo, Annie, não vou deixá-lo morrer sem sequer
levantar um dedo para ajudá-lo. Mas essas pessoas precisam de
ajuda também. Você não pode deixá-las morrer aqui em cima.
Mantenha-as quietas, o máximo que puder, mas se o fogo começar,
você deve tentar tirá-los com segurança.
Os olhos de Annie se encheram de lágrimas, mas ela assentiu
com a cabeça e respirou fundo quando Henri removeu a mão. —
Num se preocupa, meu patinho, eu vô cuidar deles. Mas… — Ela
fungou quando as lágrimas começaram a rolar pelo seu rosto. —
Oh, meu Deus dos ceú, minha doce garota, por favô, tem cuidado!
Henri puxou Annie em um abraço rápido e beijou sua bochecha.
— Eu vou, eu prometo, e você também, Annie. Boa sorte.
Henri examinou o corredor e, encontrando-o vazio, deslizou
rapidamente por trás da pintura e fechou-a atrás dela. Ela precisava
de uma arma, e sabia que Lawrence tinha a sua, mas Alex não
parecia ser o tipo de homem que se arriscava, e ela sabia que ele
tinha inimigos. Ela tinha certeza de que ele teria armas escondidas
por perto. Com isso em mente, ela correu em direção ao quarto dele
e passou voando pela porta. Ela revirou gavetas e vasculhou o
guarda-roupa. Com um susto, notou uma bela caixa de madeira –
ela a tinha visto em sua cabine no Vingança. Com uma oração nos
lábios, abriu a tampa e suspirou de prazer quando seus olhos
caíram sobre duas lindas pistolas de duelo. Agradecendo à
Providência Divina, retirou a gaveta escondida da caixa,
descobrindo pólvora e balas.
Uma vez, muitos anos atrás, tinha passado um verão com o
primo de seu pai. Ela tinha pouco mais de dez anos, mas eles
tinham um menino mais velho, cujo pai estava ensinando-o a atirar.
Embora eles a tivessem banido das aulas, Henri fazia questão de
ficar por perto e assistir enquanto eles derramavam a pólvora e
atiravam. Realmente não parecia muito difícil, então…
Mordendo o lábio com a concentração e tentando manter suas
mãos firmes, Henri carregou primeiro uma pistola e, em seguida, a
outra. Os sons de brigas e de móveis quebrados estavam se
tornando cada vez mais extremos, e foi com resolução que ela
agarrou uma pistola em cada mão e se dirigiu para as escadas.
Com o coração batendo na garganta, Henri desceu
silenciosamente as escadas, o som da colisão de espadas e os
grunhidos de homens imersos em uma batalha mortal vindos de trás
da escada. Respirando com dificuldade, ela levantou as pistolas e
olhou por cima do corrimão, vendo dois homens e Lawrence,
lutando por sua vida.
O choque de lâminas soou e ela sufocou um grito ao ver um
homem careca enlouquecido ir em direção a Lawrence, mas seu
homem era mais rápido e claramente habilidoso, pois ele virou a
lâmina e atacou-o, dando um chute rápido no estômago do
brutamontes, que o fez gemer e tropeçar de costas. Aterrorizada,
ela observou, orando para que Lawrence escapasse do tiro, pois ela
temia matá-lo também se tentasse atirar agora. O sangue escorria
de um ferimento em seu braço e no lado de seu corpo, e sua camisa
se agarrava a ele, banhada em vermelho-escuro e pegajoso.
Em agonia, ela viu que eles estavam tentando cansá-lo, mas ele
continuava lutando e, por um momento, ela pensou que ele tivesse
derrubado o sujeito de barba-escura, quando ele gritou e tropeçou,
mas para sua decepção e desespero, ele endireitou-se novamente.
Então, com satisfação, ela notou que o homem estava mancando e
possuía um visível corte escuro em sua coxa; então ele não estava
morto, mas sim, ferido.
Com frustração cantando em suas veias, ela observou como a
luta se tornava cada vez mais brutal. Ao redor deles viam-se os
destroços de móveis quebrados, obstruindo a passagem e fazendo
com que tropeçassem enquanto Lawrence lutava pela
sobrevivência. Era como se o tempo tivesse parado em algum
pesadelo terrível, pois ela estava tão desesperada em ajudar, mas
sabia que, se ela gritasse na hora errada – a menor distração que
fosse – poderia fazer com que Lawrence fosse morto. De repente,
ele simulou um golpe para a direita e, em seguida, rolou,
levantando-se rapidamente e quase matando o estúpido careca
quando ele se lançou para a frente. No entanto, o demônio parecia
ser surpreendentemente ágil – apesar de seu volume – e saltou
para trás, mesmo carregando um corte profundo em seu peito, para
sua desvantagem. O movimento, no entanto, os colocou de frente e
Lawrence de costas para ela. Sem pensar duas vezes, ela gritou
para ele, o peso das pistolas fazendo suas mãos tremerem
enquanto ela as apontava.
— Lawrence, abaixe-se!
Os dois homens olharam para cima; a cabeça de Lawrence
girou, e todos os três olharam para ela com espanto. Lawrence ficou
boquiaberto ao notar as armas em suas mãos e mergulhou,
atingindo o chão. E ela disparou.
O barulho foi inacreditável e a força dos tiros fez com que Henri
desse um passo para trás. Perdendo o equilíbrio, ela rolou, de
costas, pelas escadas. Pousando pesadamente, ela ainda tentou
forçar o ar a sair de seus pulmões com pressa e a dor explodiu atrás
de seus olhos quando sua cabeça bateu em um degrau, e então
tudo ficou escuro.
Ela acordou para um mundo de dor. Sua cabeça estava
latejando e ela não conseguia respirar. Esse fato foi rapidamente
explicado quando ela olhou para baixo ela se deparou com um
braço musculoso enrolado firmemente em torno de seu peito, e o
toque frio de uma faca em sua garganta. Ela arquejou, lutando para
se libertar e, em seguida, gritando para ele deixá-la ir, mas o homem
apenas aumentou o aperto e segurou a faca mais perto de sua
garganta.
— Cala boca, vadia! — ordenou ele, quando ela voltou a si e
olhou em volta, vendo Lawrence avançando sobre eles, com uma
espada em uma mão, uma adaga na outra e um olhar assassino.
Além dele, ela pôde ver o homem barbudo deitado morto em uma
poça de sangue no chão. Será que ela tinha feito isso? Ela esperava
muito que sim.
Ela gritou, lutando com dificuldade. Mesmo xingando, o homem
que a segurava, arrastava a sua forma relutante para trás em
direção à porta da frente. Não, não, não, ela não podia deixá-lo levá-
la embora. Ela viu o rosto ferido de Lawrence enquanto ele o seguia,
incapaz de atacar por medo de que o homem cortasse sua
garganta.
Ele nunca se perdoaria. E, então, ela percebeu que podia sentir
o cheiro forte de sangue acobreado, e que sua mão direita — que a
prendia a ele — estava coberta de sangue. Ela se concentrou por
um momento e percebeu com alívio que o sangue não era dela, o
que significava… Ela levou o cotovelo o mais para a frente possível,
dentro do punho de ferro do homem, e enfiou-o com todas as suas
forças em seu flanco. Ele gritou de dor e momentaneamente perdeu
o controle sobre ela. Mas por apenas um instante. Nisso, Henri
gritou quando sua mão surgiu de repente e a atingiu.
Atordoada com o golpe, seus pés derraparam no sangue que
atravessava o chão de madeira polida e ela caiu. Arranhando, em
vão, a superfície escorregadia, ela tentou se levantar. No entanto,
ela viu com o canto do olho o brilho de uma lâmina na mão do
homem endiabrado. Ela berrou quando Lawrence vociferou, caindo
de joelhos e empurrando-a, cobrindo-a com seu corpo, enquanto ele
contragolpeava a lâmina com a sua própria, metal bramindo contra
metal, em um som agonizante. Empurrando Henri bruscamente para
fora do caminho, Lawrence se preparou para enfrentar outro golpe,
mas seu oponente gigantesco estava na ofensiva e Lawrence em
uma posição vulnerável no chão, enquanto a lâmina o golpeava por
cima. Faíscas voavam quando as espadas entraram em confronto e
Lawrence foi jogado de costas. O homem recuou para atacar
novamente, mas Lawrence atacou, chutando-o com força no joelho
e o grandalhão caiu em uma perna, grunhindo enquanto se
endireitava novamente, não dando a Lawrence tempo suficiente
para ficar de pé. Henri gritou ao ver os braços maciços do homem
levantarem sua espada e percebeu que Lawrence não teria tempo
de desviá-la antes que ela o derrubasse.
De repente, o homem congelou, seu braço brandindo a espada
ainda levantado quando o som de um tiro explodiu em torno deles.
Como se em câmera lenta, a lâmina bateu no chão enquanto o
homem caiu como uma pedra, e Henri olhou em volta perplexa, e
viu a figura gigante de Mousy parada na porta.
Capítulo 34
“No qual os camaradas se reúnem.”

— Henri! — Lawrence estava ao lado dela, em um instante,


suas mãos verificando-a; o pânico transparecia em seus olhos.
— Estou bem — arquejou ela, segurando seus braços. — Eu
não estou ferida. — Ela o sacudiu, desconsiderando a pancada em
sua cabeça como algo trivial porque ele estava sangrando! — Não é
meu sangue — disse ela, tentando tranquilizá-lo para que ela
pudesse olhar para o que certamente era seu sangue escorrendo
firmemente em seu braço. — Estou bem, mas você está ferido.
Ele afastou a preocupação dela e olhou para Mousy, que estava
pisando no cadáver que ele, aparentemente havia abatido, na porta.
— Os outros estão aqui? O meu irmão…
Mousy assentiu com a cabeça e arrastou o corpo, retirando-o da
porta, e despejando-o no jardim. — Seu irmão deve tá bem. Este
bastardo aqui tava vino na sua direção pra ajuda os parceiro dele a
acabá com ocê — disse ele, sorrindo. — E, sim, capitão, a
tripulação tá aqui, sim. Mandei eles pelos fundo pra ajudar o conde,
eles devem estar se limpano.
Henri suspirou e viu seu alívio refletido nos olhos de Lawrence
quando ele se voltou para ela. — Meu Deus, Henri, quando te vi…
Acredito que meu coração parou.
Ela olhou para ele e sorriu, agradecendo-o com um beijo
enquanto ele a puxava para mais perto ainda. Ambos assistiram
como Mousy passou por eles e chutou o corpo de Brant.
— Bastardo — xingou o grandalhão. — Sempre odiei esse rato
desonesto. — Ele virou-se para Lawrence. — Que ótimo trabalho
nós fez — sorriu ele, gesticulando para o cadáver.
— Sim — observou Lawrence, acenando com a cabeça. — Eu
só gostaria de poder levar o crédito por isso. Henri o matou.
Mousy olhou para ela, ceticismo claro em seus olhos, e ela deu
de ombros. — É verdade, embora eu exija que um de vocês me
ensine a atirar corretamente. O coice da arma me jogou para trás.
— Bem, ela disparou em dois de uma só vez — disse Lawrence,
rindo da expressão nos olhos de Mousy e da indignação nos dela.
— Ah, ai — arquejou ele, segurando a ferida em seu flanco, embora
aquilo não parecesse diminuir em nada sua diversão.
— Oh, Lawrence — repreendeu ela. — Temos que cuidar disso
imediatamente.
Lawrence estava franzindo a testa para Mousy. — Que diabos
você está fazendo aqui, afinal? Quero dizer, não que eu seja mal-
agradecido nem nada.
Mousy sorriu para ele e sentou-se na escada. — Temos seguido
ocê. A tripulação num aceitou gentilmente a perda de seu capitão.
Então decidimu vê para onde cê tava indo, e se cê fosse entregue à
milícia, nós tentaria te salvá.
Henri colocou sua mão sobre a de Lawrence. Ele não tinha dito
nada, mas ela podia ver que ele estava profundamente tocado pela
lealdade de seus homens.
— Brant disse que alguém nos traiu — disse Lawrence no final,
olhando para Mousy como se quisesse que ele dissesse que era
tudo mentira, mas o rosto de Mousy entristeceu-se e ele assentiu
com a cabeça.
— Quando chegamu lá, os homi aguardaram em Bordeaux
enquanto alguns dos rapaz veio atrás de ocê para tirar a limpo essa
história. Quando voltei para dizê pra eles que ocê tava a salvo com
o seu irmão… — Ele parou, esfregando a mandíbula com um punho
carnudo. — Jay tava gastano o dinheiro como um maldito tolo.
Nunca teve juízo aquele ali.
— Jay? — repetiu Lawrence, parecendo descrente. — Ele que
me entregou?
Mousy parecia triste, mas acenou com a cabeça. — Sim, e num
foi a primeira vez, eu acho.
— Onde ele está? — indagou ele, fúria em sua voz, mas Mousy
levantou a mão, balançando a cabeça.
— Já demo um jeito nele, capitão. Os rapaz, bem… quando eles
descobriu. — Ele deu de ombros e Lawrence assentiu com a
cabeça.
— Nunca fiquei tão feliz em vê-lo na minha vida — disse
Lawrence, sorrindo para ele.
— Nem eu — acrescentou Henri. — Foi a melhor e mais
maravilhosa visão vê-lo parado na porta com aquela arma na mão.
Eu nunca vou esquecer, e eu nunca vou ser capaz de agradecer o
suficiente. Salvou a vida dele.
Para surpresa e deleite de Henri, Mousy corou e olhou para
seus pés, esfregando a nuca e parecendo desconfortável.
Lawrence deu uma risadinha. — Bem, eu poderia ter ficado com
ciúmes por isso — observou ele, sorrindo para Henri. — Se não
fosse pelo fato de eu concordar com cada palavra. Tenho uma
grande dívida com você, Mousy.
O grandalhão balançou a cabeça. — Não — disse ele, com a
voz firme. — Cê num tem e sabe disso. Tenho uma dívida a pagar,
por… bem, por tê te metido nisso há tantos anos, mas agora, acho
que tamos quites.
— Mais do que isso — disse Lawrence, acenando com a
cabeça. Ele estendeu a mão para apertar a mão de Mousy, mas
então a atenção deles foi desviada, devido a uma comoção no final
do corredor. Outros homens de Lawrence – que Henri reconheceu
do Moça Malvada – vieram em bando da cozinha com Alex entre
eles, cujas mãos estavam amarradas na sua frente.
— O que cê quer fazê com esse aqui, Mousy? — indagou um
dos homens. Ele era praticamente alguns centímetros mais baixo
que Alex e forte como um barril, com braços grossos e peludos
cobertos de tatuagens. Ele cutucou Alex com o nariz de um
mosquete enquanto falava. — Tem um montão de cadáver lá atrás e
o camarada aqui num quis vir quieto. O bastardo nocauteô o conde
e acho que quebrô o braço do Sharkie, sem falar que quase quebrô
a minha maldita mandíbula.
Os olhos de Mousy se arregalaram de susto. — Maldito seja,
liberta já o homi! Eu te disse que o irmão do capitão tava lá, seu
idiota tagarela. Eu juro, Harry, seu cérebro é menó que o dum
cágado.
— Esse aqui é o conde? — perguntou Harry, em descrença, e
ao olhar por cima dele, Henri pôde ver algo que era difícil de
acreditar. Ela sempre pensou que ele tinha uma aparência diabólica,
com aqueles olhos frios, pétreos e cinzentos, mas agora, com sua
camisa imunda e em farrapos, e o início de um impressionante olho
roxo começando a florescer, ele parecia completamente desonrado.
— Ele num luta como nenhum cavalheiro — acrescentou Harry,
soando muito desconfiado.
— Obrigado — disse Alex ao homem, com uma expressão
grave antes de levantar uma sobrancelha para Lawrence em
diversão, aparentemente bastante imperturbável por ser mantido
sob a mira de uma arma por piratas.
— Estou feliz em vê-lo inteiro — disse Alex, e depois franziu a
testa ao ver a aparência sangrenta de Lawrence. — Você está
inteiro? — acrescentou ele, com um toque de ansiedade.
— Estou bem, nada sério. — disse Lawrence, levantando-se e
depois deslizando de volta para o chão enquanto toda a cor esvaía
de seu rosto.
— Cama! — gritou Henri. — Agora. Neste instante! Mousy,
ajude-me a levantá-lo, por favor.
Ela olhou para Lawrence e quase podia ver a observação
lasciva quase saindo de sua boca. Franzindo a testa, ela apontou o
dedo para ele. — Não se atreva — murmurou ela. — Ainda não
estamos casados.
Lawrence riu e concordou com muita má vontade que Mousy o
ajudasse a subir as escadas enquanto Harry libertava o conde.
— Desculpe, conde — disse Harry, parecendo envergonhado. —
Eu num sabia que ocê era o irmão dele, sabe.
— Sem ressentimentos, eu lhe garanto — respondeu Alex,
dando uma palmadinha nas costas do homem e fazendo-o
estremecer. — Peço desculpas por bater em você no roseiral, mas
eu não tinha ideia de que você estava do nosso lado.
Harry esfregou a mandíbula e ficou furioso diante da memória.
— Então tamos quites? — disse ele, parecendo um pouco
preocupado, claramente não confiando na nobreza para deixar tal
coisa passar sem causar problemas. Mas Alex apenas sorriu para
ele e acenou com a cabeça gentilmente, antes que seu rosto ficasse
enojado quando ele viu o cadáver ensanguentado a seus pés.
— É hora de limpar a sujeira, eu acho. Dá uma mãozinha aí,
meu camarada.
Henri engoliu em seco, sentindo-se levemente nauseada
quando os dois carregavam o corpo de Brant. Ela desviou o olhar e
deixou eles resolverem sozinhos, subindo as escadas correndo para
ver Lawrence.
— Milady! — Veio um grito através do patamar e Annie correu
para ela, sufocando-a em um abraço de esmagar as costelas. —
Oh, Henrietta! — gritou a criada, o uso de seu nome completo
ilustrou o estado de angústia de Annie enquanto a criada olhava
para suas roupas ensanguentadas. Antes que Henri pudesse
tranquilizá-la quanto ao fato de que o sangue não era dela, Annie
pareceu notar algo atrás de Henri, e com um gemido teatral ela
bateu a mão na testa, os olhos arregalaram-se e ela desmaiou.
— Oh, Annie! — exclamou Henri, exasperada e querendo nada
mais do que ir cuidar de Lawrence. Ela olhou para cima quando
Mousy apareceu ao lado dela, olhando para a sua criada estatelada
devido à queda.
— Ela está bem? — perguntou ele, franzindo a testa.
— Ah, sim, acho que sim — respondeu Henri, olhando sua
criada com suspeita. — Ela só desmaiou. Pode me ajudar a levantá-
la?
Mousy assentiu com a cabeça e se abaixou, levantando Annie
em seus braços com pouco esforço e cuidado surpreendente. Henri
guiou-o para o quarto de Annie, onde ele a deitou em sua cama e
depois hesitou, olhando para ela ansiosamente enquanto Annie
dava um suspiro voluptuoso. — Será que alguém num deve ficá e…
tomá conta dela, não? — perguntou ele, observando a figura
reclinada com preocupação em seus olhos.
Henri sufocou um sorriso e xingou internamente Annie, a safada
desavergonhada. — Eu acredito que ela estará bem o suficiente.
Talvez você possa enviar uma das mulheres com alguns sais
aromáticos para reanimá-la.
Mousy assentiu com a cabeça, mas parecia um pouco
desanimado, e ela se sentiu mal estragando a diversão de Annie,
então ela acrescentou: — Mas tenho certeza de que ela ficaria grata
em saber como você a ajudou, se você pudesse visitá-la mais tarde,
talvez, quando já estiver recuperada.
— Sim — acenou Mousy, com a cabeça, parecendo satisfeito. —
Sim, eu vô enviá uma das moça pra dá uma olhada nela mais tarde.
Só pra vê que ela tá bem, e tal — acrescentou ele, com pressa.
— Eu acho que ela ficaria muito agradecida por suas gentis
atenções, Mousy. — Ela sorriu para ele e o conduziu para fora do
quarto o mais rápido que pôde. No momento em que ele se foi,
Annie se recuperou milagrosamente e deu uma piscadela diabólica.
Henri revirou os olhos e correu de volta para Lawrence,
encontrando-o sentado na beira da cama com a camisa fazendo
compressão em seu flanco. Ele olhou para ela com um ar ferido.
— Bem, finalmente! Você tem sorte de eu não sangrar até
morrer, olha o tempo todo que você levou!
— Oh, Lawrence! — gritou ela, mortificada, e correndo para
sentar-se ao lado dele. — Sinto muito, tinha que ser a Annie para
desmaiar. Então Mousy veio, e você sabe, eu acho que ele tem uma
quedinha por ela!
— Mousy? Pela Annie? — disse Lawrence, assustado. — Nem
pensar!
Henri franziu a testa enquanto tirava a camisa ensanguentada e
inspecionava seu ferimento. — Bem — acrescentou ela, antes de
pensar no comentário —, Annie estava inconsciente.
Lawrence bufou, com diversão. — Bem, isso explica muita
coisa.
— Criatura odiosa — repreendeu ela, sufocando uma risada
enquanto se assegurava de que a ferida não era nem muito
profunda nem grave. — Oh, graças a Deus. Devíamos pedir a um
médico para dar uma olhada, mas o sangramento parece ter
parado. Como está o seu braço?
— Dane-se meu braço — rosnou ele, e ela olhou para cima para
ver uma luz completamente diferente em seus olhos. Ele a puxou
para ele e a jogou na cama, beijando-a com desespero, e ela se
agarrou a ele com muita vontade até que ele se afastou e a olhou
com seus olhos azuis, perturbados.
— Você vê o que a vida comigo implicará, Henri? Eu nunca
posso garantir que isso não vá acontecer novamente. Eu sempre
serei um alvo enquanto o preço sobre minha cabeça estiver
tremulando como uma maldita bandeira vermelha.
Ela assentiu e colocou a mão na bochecha dele. — Sim, eu sei,
querido, e é por isso que você realmente deve me ensinar a atirar
corretamente.
— Henri! — exclamou ele. — Essa não deveria ser a resposta
para nossos problemas. Não quero que você tenha que matar
homens regularmente! Mas parece que você tem uma aptidão para
isso — acrescentou, com um suspiro triste.
Ela sorriu para ele e, em seguida, pausou quando uma ideia
começou a se formar em sua mente.
— Oh, meu Deus, que diabos está acontecendo nesse seu
cérebro emaranhado agora? — indagou ele.
Henri piscou para ele, com toda inocência, e fez beicinho. —
Quê? Sério, Lawrence, eu não sei o que você quer dizer.
— Sim, você sabe — resmungou ele, balançando a cabeça. —
Esse olhar significa problemas. Não tenho dúvidas em minha mente
que essa foi exatamente a mesma expressão que você usou
quando decidiu sair à noite sozinha e chantagear um pirata! — Ela
corou um pouco e ele assentiu com a cabeça. — Eu já imaginava. O
que está tramando agora, senhorita?
Bufando para ele, ela revirou os olhos. — Bem, esse esquema
em particular funcionou muito bem, não foi? — perguntou ela, com
uma sobrancelha levantada.
Ele bufou e se inclinou para beijá-la novamente. — Bem —
murmurou ele, contra os lábios dela. — Ah, aí você me pegou.
Ela se contorceu embaixo dele e riu. — Eu acredito que peguei
você por completo — disse ela, mordendo o lábio quando suas
mãos começaram a explorá-lo.
— Ei, espere — disse ele, parando abruptamente. — Pare de
tentar me distrair. Você é muito boa nisso. O que você está
tramando? E, me diga a verdade, ou eu não vou te beijar. — Ele se
sentou, mesmo com um estremecimento de dor, e então cruzou os
braços.
Henri suspirou.
— Bem, isso é realmente uma ameaça a ser levada a sério —
respondeu ela, com uma expressão grave. — Então eu vou ter que
te contar tudo. — Ela olhou para baixo e percebeu com desgosto
que ainda estava usando o vestido encharcado de sangue, então
ela se levantou e começou a tirá-lo, desfrutando do calor nos olhos
de seu pirata enquanto ele seguia cada movimento seu. — Bem,
Lawrence — continuou ela, enquanto o vestido sujo caía no chão. —
Foi só que eu estive pensando sobre a nossa situação, e como você
disse, o dilema do preço em sua cabeça e, realmente, eu acho que
seria melhor para todos se o Capitão Savage… fosse morto.
Capítulo 35
“No qual o passado deve ser entregue a Davy Jones.”

Henri olhou ao redor do celeiro que havia sido escolhido para


ser palco desse debate e achou difícil acreditar em seus olhos.
Havia mais de cem homens amontoados no espaço que parecia
bastante espaçoso antes de todos eles terem chegado.
No início, houve uma boa quantidade de escrutínios e olhares
suspeitos entre os dois grupos que compreendiam os homens do
Moça Malvada de Lawrence e as tripulações dos três navios
contrabandistas de Alex que faziam travessias regulares entre a
França e a costa da Cornualha. Mas Alex e Lawrence passaram
algum tempo se movendo entre os homens, fazendo apresentações
e compartilhando histórias, e parecia haver o início de um acordo
entre eles.
Henri riu quando ouviu os nomes dos navios: Bessie Ousada,
Jenny Premiada e Susan Volúvel. Os nomes a confundiram e ela se
perguntou por que os homens insistiam em chamar seus navios em
homenagem a mulheres de moral questionável. Ela fez essa
pergunta a Lawrence, que riu e apertou sua cintura.
— Porque suas artimanhas perversas fazem com que nos
percamos na escuridão, mas mesmo nos trazendo problemas e
tempestades… ainda assim as amamos da mesma forma.
Ela bufou e revirou os olhos antes de franzir a testa para Alex,
que estava ouvindo e assentindo em acordo.
— E quanto ao Vingança, senhor, como você explica isso?
Alex franziu os lábios antes de responder. — Eu decidi que os
homens que forçaram o povo do nosso litoral a violar as leis,
permitindo que eles morressem de fome, eram culpados pela morte
de meu irmão — disse ele. — E apesar de os navios menores
percorrem a rota entre a França e a Cornualha, é o Vingança que
cobre seus rastros. Meu comércio mercante proeminente desvia os
olhos da milícia dos navios menores e prende sua atenção ao
navegar às vezes e com o tipo de carga que ajudará a manter esses
homens ocupados. E como estou bastante envolvido com a milícia
— acrescentou com um sorriso presunçoso à expressão
escandalizada de Lawrence —, eu tenho muito conhecimento
interno sobre de quem e do que eles suspeitam, e onde exatamente
eles procurarão por isso.
— Meu Deus — disse Lawrence, balançando a cabeça, e Henri
não tinha certeza se era de admiração ou desespero pelas
travessuras de seu irmão que brilhavam em seus olhos. — E eles
me chamam de Patife.
— Ah, sim — disse Alex com um sorriso caracteristicamente frio.
— Mas eles me chamam Le Loup De Mer.
Henri ofegou e olhou para ele com espanto. — Você é o Lobo do
Mar?
— Culpado, senhorita Morton — respondeu ele, com um brilho
divertido em seus olhos.
— Meu Deus, que estupidez da minha parte não ter percebido.
Porque, lorde Falmouth, você é famoso — disse ela, imaginando
que tipo de futuro a aguardava com um pirata como marido e um
cunhado que era um notório contrabandista.
Alex olhou para Lawrence e deu de ombros, lançando-lhe um
sorriso irônico. — Sim, o que nem sempre é uma coisa boa, como
podemos ver.
— Bem, não podemos afogar vocês dois ao mesmo tempo! —
disse Henri, de repente sentindo-se um tanto perturbada.
— Agora, espere um momento, eu ainda não concordei com
isso — adicionou Lawrence, e Henri se virou com uma carranca
para ele.
— Oh, Lawrence — disse ela, zangada, furiosa com seu plano
sendo deixado de lado depois de tratar sobre tudo no dia anterior.
Ela levantou a voz para ele mais alto do que normalmente faria na
frente de outras pessoas. — Você sabe que é a única maneira, pois
Savage tem que morrer para que você possa voltar à vida! Não se
atreva a recuar agora ou terei algo a dizer sobre o assunto!
Ela observou alguns dos homens ao seu redor olharem para o
capitão enquanto ele era repreendido pela jovem que eles, sem
dúvida, consideravam uma coisinha tímida até aquele momento.
Lawrence levantou as mãos para ela. — Eu não disse isso, meu
amor — respondeu ele, balançando a cabeça. — Eu não discordo
de você, só que… — Ele suspirou e cruzou os braços parecendo um
rebelde. — Eu não vou afundar meu navio.
Henri cruzou os braços em resposta, olhando para ele. — Você
escolheria seu navio em vez de mim? — indagou ela, com uma nota
perigosa em sua voz que ela sabia que ele não poderia deixar de
perceber. Maldito homem, era melhor ele tomar a decisão certa aqui
ou ela mesma iria atirar nele.
Lawrence abriu a boca e depois pareceu pensar melhor. Ele
suspirou e fez uma careta para ela. — Droga, Henri — começou ele,
apenas para fazer uma pausa quando Mousy se aproximou deles.
— Cum licença, capitão. Senhorita Morton. — Ele acenou com a
cabeça para Henri, que sorriu de volta para ele. — Mas eu num
pude deixá de ouvir, e, sabe, o conde repassou pra eu o plano e…
— Ele olhou para Henri, com um olhar ansioso em seus olhos. —
Bem, senhorita, é só que… num é certo, afundá um belo dum navio
como o Moça.
Henri gemeu e revirou os olhos para ele e Mousy se apressou
em dizer.
— Mas… Tô achano que tenho uma ideia de como podemos
fazê as pessoa acreditá que ele afundô e o capitão se afogô, mas…
tentano mantê o navio. Quero dizer, vai dá trabalho e ele vai precisá
de um novo nome, mas ninguém vai descobri.
Lawrence olhou para Mousy com verdadeira afeição. — Meu
compadre, sou todo ouvidos. Vamos ouvir o que tem a dizer!
Mousy sorriu, parecendo satisfeito e Henri suspirou e assentiu
com a cabeça. — Muito bem, vamos ouvir seu plano e ver se não
podemos salvar seu amado navio.
Lawrence irradiava alegria na direção dela e ela sorriu,
balançando a cabeça enquanto ele a puxava para junto dele para
dar-lhe um beijo.
***
Assim que o plano foi debatido e todos os aspectos
considerados, os homens tiveram outras preocupações, como
Lawrence sabia que teriam.
Harry foi o primeiro a dar um passo à frente, sendo o porta-voz
de alguns de seus companheiros de navio junto ao capitão.
— A questão é, senhor, que alguns de nós num são tão jovem
como éramo antigamente, e cê sabe que a vida que nós tinha,
bem... acabô, pra ser franco, e algum de nós… — Ele torceu o
chapéu com as mãos, franzindo a testa e claramente tentando
encontrar as palavras certas. Então Lawrence decidiu ajudá-lo.
— Você quer se aposentar, Harry?
Harry suspirou e assentiu. — Pra sê curto e grosso, sim. Quero
dizê, eu tenho que trabalhá, mas… Eu num tenho mais aquela
paixão pela pirataria, a diversão acabô.
Lawrence olhou para o irmão e sorriu. — Harry, eu acho que
você pode querer ouvir o que o conde tem a dizer.
Harry olhou para Alex, que acenou com a cabeça e se levantou.
— Senhores, é uma honra imensa conhecê-los. Como vocês já
sabem, eu sou o irmão de Lawrence, Alex Sinclair, o conde de
Falmouth. Eu também acredito fortemente em ajudar àqueles que se
ajudam. — Seu semblante geralmente severo mostrou um vislumbre
de humor quando uma risada ressoou pela sala. — É possível que
vocês também tenham descoberto a minha outra identidade, ou
tenham ouvido histórias de mim e de meus homens…
— Pois bem, pra mim, o Lobo do Mar bem que pudia assumi o
Patife — berrou a voz de um espertinho, que foi abafado em uma
onda de indignação da tripulação do Moça Malvada enquanto os
homens dos navios contrabandistas riam e rugiam em aprovação.
Alex esperou até que todos tivessem se acalmado mais uma
vez. — Eu preferiria que pudéssemos trabalhar juntos desta vez.
Matarmos uns aos outros realmente não combina com nossos
propósitos. — Ele olhou para o irmão com um sarcástico levantar de
uma sobrancelha e depois se virou para a tripulação do Moça. —
Essas são as tripulações do Bessie Ousada, Jenny Premiada e do
Susan Volúvel.
Aqueles homens que ainda não se conheciam circularam
apertando as mãos e acenando com a cabeça, um pouco rígidos e
formais no começo, mas havia um ar bem-humorado nas saudações
que anteviam boas relações futuras.
— Pois então, agora — continuou Alex, uma vez que o barulho
tinha cessado —, como todos sabem, estamos aqui para tratar de
dar uma mãozinha ao nosso companheiro, o Patife. — Ele
gesticulou para Lawrence, que deu um largo sorriso e ficou de pé,
curvando-se com um pé à frente e fazendo uma reverência tão
grande que o fez estremecer um pouco, precisando se agarrar ao
seu lado enquanto seus homens rugiam e aplaudiam. — Em outras
palavras, o nosso bom Capitão Savage — continuou Alex — deve
ser relegado para terminar seus dias com Davy Jones.
Os aplausos se transformaram em vaias e sons de desgosto,
embora fosse mais um som bem-intencionado, cheio de
arrependimento em vez de raiva. — No entanto, isso significa uma
boa quantidade de bons e habilidosos homens sem trabalho. O que
é algo que simplesmente não podemos permitir que aconteça. Por
isso…
Alex lançou-lhes um olhar feroz e calculista, e Lawrence não
conseguiu segurar o riso. Ele se perguntou o que seus ancestrais
haviam sido, vikings talvez, invadindo e pilhando ao longo da costa
da Inglaterra e, finalmente, construindo suas casas na terra
acidentada que era a Cornualha. Tinha que haver algo dessa
natureza em seu sangue, já que o brilho pirata nos olhos de Alex era
muito familiar.
— Então — continuou Alex —, eu tenho trabalho para aqueles
de vocês que quiserem continuar seu negócio, mas desta vez de
maneira independente, isto é, fazendo o contrabando entre a
Cornualha e aqui. Eu não preciso lhes dizer que esse é um trabalho
perigoso, a Receita está se tornando cada vez mais engenhosa, e
com a recente criação do serviço da Guarda Marítima de
Prevenção. Sendo assim, trazer a mercadoria com sucesso está
mais difícil do que nunca. É preciso coragem, habilidade e uma boa
dose de astúcia, então, se algum de vocês estiver interessado,
venha falar comigo e com a minha tripulação, e veremos o que pode
ser feito.
— Eu sei que Lawrence confia em cada um de vocês com sua
vida, e vocês retribuem essa confiança só de estar aqui hoje. Por
isso, vocês têm a minha eterna gratidão e estou feliz em juntar o
meu próprio destino ao de vocês, e confiar em vocês, assim como
foi feito por ele.
Houve uma série de aplausos e um coro de gritos de aprovação.
Alex levantou a mão para pedir silêncio. — No entanto, para aqueles
de vocês que desejarem manter os pés em terra firme, eu também
gostaria que permanecessem conosco. Como vocês viram, as
nossas vidas estão em perigo e precisamos tomar precauções para
proteger àqueles que amamos e nossos meios de subsistência.
Alex olhou de relance para Lawrence, que puxou Henri para
mais perto dele e deu um beijo no topo de sua cabeça. Ele observou
enquanto os homens ao seu redor acenavam com a cabeça e
murmuravam sua aprovação, e viu Mousy lançar um olhar indagador
para Annie, que piscou para ele de volta.
— Sendo esse o caso, queremos criar uma guarda para velar
por nós, tanto aqui, em Longueville, quanto em casa, em
Tregothnan. Resumindo, qualquer homem que deseje permanecer
conosco irá encontrar um trabalho que lhe agrade, consideraremos
um ao outro como um irmão, como os irmãos de uma irmandade,
com um código de honra e amigos que sempre irão nos proteger. —
Lawrence se levantou e caminhou para ficar ao lado de seu irmão e
se dirigir aos homens.
— Bem, meus velhos amigos e camaradas, começamos um
novo capítulo, e qualquer um que escolher seguir seu próprio
caminho sempre será bem-vindo para retornar a nós se a vida não o
tratar gentilmente. — Ele parou e pegou a garrafa que Mousy
estendeu para ele com um grande sorriso. — Quer sejamos patifes
ou mulherengos, piratas ou contrabandistas, somos irmãos, uma
irmandade, e olhamos em direção ao futuro.
Ele levantou a garrafa em um brinde e os homens rugiram em
aprovação.
Capítulo 36
“No qual o palco é montado sobre um mar cintilante, e os atores
tomam seus lugares.”

Henri caminhava ao lado de seu pai e apertou um pouco o xale


sobre os ombros. Ela estava feliz com seu novo redingote à la
hussard, já que o pesado veludo vermelho era certamente quente –
definitivamente uma coisa boa em um dia como hoje. A vista da
costa da Cornualha era deslumbrante vista do alto. Estendendo-se
diante deles, o mar reluzia com um azul brilhante contra um céu de
cobalto, e um vento frio estalava em suas saias enquanto
caminhavam pela costa acidentada.
O estrondo das ondas enfurecidas assolava ao longe enquanto
a água gelada se jogava contra as rochas cinzentas, e as gaivotas
circundavam muito acima; seus gritos estridentes penetravam
através do rugido do mar e as rajadas de vento. Seu pai estremeceu
e olhou para ela, perplexo, enquanto Henri suprimia um sorriso.
Seu pai nunca foi um homem de se esforçar quando tudo ia
bem, raramente acordava antes do meio-dia e certamente não
comia nada além de chá com torradas, e talvez gostasse de jogar
um pouco de conversa fora antes do final da tarde.
Pelo menos, ela pensou com satisfação, ele parecia um pouco
menos maltrapilho agora que suas dívidas tinham sido pagas e ele
tinha dinheiro para comprar algumas roupas novas. Ela apenas
rezou para que sua promessa de reduzir seus excessos se
mantivesse, pelo menos por um tempo. Embora ela o amasse muito,
ela não se iludia com seu único pai. Ele era um homem fraco e
egoísta, embora ele nunca faria, por um momento que fosse,
qualquer coisa para propositadamente tornar sua filha infeliz, ela
tinha percebido que ele inclusive sairia de seu caminho para tornar
sua vida mais fácil.
Ao aceitar esse fato, ela resolveu não sentir culpa por estar
prestes a usá-lo. De fato, levou todas as habilidades de negociação
— dela e de Annie — para tirá-lo de casa e persuadi-lo a dar um
passeio com eles — já que o dia estava muito bonito.
Eles olharam para o mar e o coração de Henri começou a bater
forte. Por favor, meu Deus, por favor, que tudo corra bem. Ela
compartilhou um olhar com Annie e sabia que a mulher estava
ecoando seus próprios pensamentos.
— Olhe, papai — disse ela, apontando para o mar. — É o navio
do conde, o Vingança, ele deve voltar para casa hoje, eu acredito.
Seu pai olhou para o horizonte, com seus olhos castanhos
profundos, bastante míopes e desbotados. — É mesmo, minha
querida? Os meus olhos não são os mesmos que antigamente.
— Ah, sim, tenho certeza. Oh, e veja, aí vem o tenente Bowcher.
— Ela se esforçou ao máximo para parecer surpresa e sorriu com
uma expressão calorosa para o jovem a quem Alex fez questão de
apresentá-la enquanto marchava com os homens de seu regimento
em direção a eles.
— Boa tarde, tenente. Um belo dia, não é mesmo? Você está
desfrutando de um pouco de ar fresco?— perguntou ela, olhando
para o homem e sua milícia reunida com tanta inocência quanto
conseguia enquanto seu coração estava batendo em sua garganta.
Ela apertou o braço do pai com um pouco mais de força, esperando
que qualquer tremor fosse atribuído ao vento gelado que os
chicoteava.
— Não, senhorita Morton, devo admitir que não — respondeu o
tenente com uma expressão grave, sem parar para falar com ela. —
Recebemos um relatório, um avistamento do Moça Malvada
ancorado. Mandei uma mensagem à Guarda Marítima, dizendo que
vamos verificar a costa para ver se trazem alguma carga.
— Oh, o Moça Malvada não é o navio do Capitão Savage? —
perguntou ela.
Mas eles já estavam marchando para longe e, sem dizerem
nada, os homens passaram por eles, com uma excitação palpável.
— Bom Deus — disse seu pai, observando-os partir, e depois
parando quando estava prestes a retornar e um dos homens gritou,
apontando para o mar.
— O que é? — gritou Henri, quando o tenente refez seus passos
com clara decepção.
— Ele está fugindo — xingou ele. — Alguém deve ter-lhes
avisado! — E então ele ficou quieto enquanto observava a cena se
desenrolar na frente dele. — O conde tem uma conta a acertar —
disse ele, seu rosto iluminando consideravelmente ao ver quando o
Vingança deu uma volta e partiu em direção ao Moça. — Depois
que o diabo se safou em Bordeaux. — Ele olhou para Henri, seus
olhos se iluminaram com interesse. — É verdade que os homens de
Savage atacaram a casa do conde lá, para recuperar seu capitão?
Henri acenou com a cabeça, com uma expressão de alarme, e
ela apertou a garganta para aumentar o drama, embora a
verdadeira memória daquele dia tornasse tudo muito fácil de fingir.
— Sim, de fato. O conde lutou bravamente, de acordo com todos, ao
lado de seu irmão Lawrence, mas o Patife tinha muitos homens e
eles fugiram, embora tenham deixado muitos de seus próprios
mortos lá devido aos esforços dos Sinclair — acrescentou ela, não
tendo que embelezar o orgulho que encontrou em sua voz.
— Bem, a sorte é como um raio, nunca se sabe onde vai cair —
disse o tenente, virando-se para sorrir para ela. — Olha, o Vingança
está ganhando.
Henri mal se atreveu a respirar enquanto Annie agarrava sua
mão, e eles observavam o Moça Malvada desaparecer de vista
enquanto contornava o afloramento afiado de rocha que era uma
característica natural desse litoral acidentado. O Vingança estava
logo atrás em perseguição e, assim que também começou a
desaparecer, a poderosa explosão de tiros de canhão reverberou
em torno dos penhascos rochosos. Como resposta, houve uma
troca de tiros e os canhões explodiram novamente. E então tudo
ficou silencioso.
Os homens da milícia gritaram e começaram a correr, mas Henri
sabia que no momento em que eles cruzassem os campos distantes
entre aqui e a costa distante, e chegassem perto das rochas, tudo o
que encontrariam seriam destroços suficientes de um navio
afundado para deixar claro que o Moça Malvada havia
desaparecido, explodido na água e afundado com toda a tripulação
no convés; e barris suficientes de conhaque francês fino para
garantir que a milícia estivesse ocupada demais para afastar os
moradores de olhar muito de perto os restos do que não era
realmente um bergantim, mas outro navio menor, equipado com
bastante explosivo para espalhar seus detritos por toda parte.
Ficaria claro o suficiente se alguém se desse ao trabalho de
investigar, ela orou para que não o fizessem.
Enquanto isso, o Moça fugia para uma pequena enseada remota
para ser retrabalhado e renascer mais uma vez como o Redenção,
um nome que parecia apropriado para Lawrence.
Henri caminhou com seu pai e Annie, de volta ao longo do
penhasco, rezando para que tudo tivesse corrido como deveria, e
que Lawrence e seus homens estivessem livres para começar de
uma nova vida. E, assim, as duas mulheres apressaram seus
passos e conversaram com lorde Morton, que estava entusiasmado
com a batalha que acabara de testemunhar. Ele foi duramente
pressionado a desistir de seu plano de seguir os passos da milícia e
ver os destroços do Moça Malvada afundando.
Assim que chegaram à rua principal, a aldeia estava alvoroçada
com a morte do Patife, graças ao testemunho dos homens do Susan
Volúvel, que por acaso estava em condições de observar o que
realmente aconteceu — garantindo que ninguém mais pudesse
chegar perto o suficiente para chamá-los de mentirosos.
Lorde Morton rapidamente se tornou uma espécie de
celebridade, pois, além da milícia — que ainda tentava tirar barris de
conhaque da praia rápido, antes que os aldeões os expulsassem —
ele era o único homem a ter visto o conflito real. Algo com o qual ele
foi bastante útil, embelezando com um pouco mais de cor o que
realmente havia acontecido, acrescentando que o Moça sofrera e
fora estraçalhado diante do pesado bombardeio que se mostrou tão
fatal.
— Mas é claro! — disse ele pela vigésima vez, como mais um
homem queria saber se ele realmente tinha visto o Moça Malvada
encontrar seu fim.
Henri riu interiormente e balançou a cabeça enquanto seu pai
estufava o peito um pouco, alisando uma mão branca bem cuidada
sobre a seda grossa de seu novo colete bordado. — Sim, de fato, o
conde pegou o homem e explodiu o diabo em pedaços, sabe —
respondeu ele, com os olhos brilhando de prazer com sua nova
fama e iluminando ainda mais quando uma senhora atraente de
certa idade, observou-o com interesse.
Quando Alex finalmente pôs os pés em terra novamente, ele foi
saudado como um herói, junto com sua tripulação — que por acaso
eram aqueles homens que geralmente serviam nos outros dois
navios contrabandistas. Henri e Annie assistiram com diversão
enquanto ele era levado para a taverna local para ser brindado com
entusiasmo, tanto por aqueles que pensavam que ele havia
acabado com o Patife e o Moça Malvada, quanto por aqueles que
sabiam que ele os salvara.
Como sua comitiva era tão forte em seu desejo de comemorar,
Alex foi incapaz de vir e falar com eles quando ele foi levado
embora, mas para alívio de Henri ele simplesmente acenou para
eles que tudo estava bem, em sua maneira fria. Com um suspiro de
alívio, ela sentiu que finalmente conseguia respirar novamente.
Lawrence estava seguro e voltaria para casa em breve.
Uma licença especial tinha sido obtida – novamente – e eles se
casariam e voltariam a Longueville para começar uma nova vida.
Isso inevitavelmente fez com que as más línguas chicoteassem, já
que a senhorita Morton estava se casando com um irmão diferente.
Para horror dela e de Lawrence, eles descobriram que Alex havia
inventado alguma história em seu próprio detrimento para deixar
claro o porquê de uma jovem inocente como Henri nunca poderia
tolerar um libertino tão perverso como marido.
O fato de Alex ter sido bastante descarado em admitir a ela que
a história que havia espalhado era inteiramente verdade – sendo
assim, ela não tinha o direito nem a necessidade de incomodá-lo
com um ataque de nervos – pouco fez para aliviar sua culpa.
Lawrence ficou naturalmente furioso e Henri foi forçada a intervir
para acalmar as coisas, um papel que ela suspeitava que poderia se
tornar rotineiro.
A história, no entanto, serviu ao duplo propósito de lançar uma
luz muito respeitável sobre Lawrence, que entrou na brecha e fez a
coisa honrosa. Então, mais uma vez, para desgosto de Lawrence,
Alex salvou seu irmão mais novo e se lançou como o vilão ao fazê-
lo. Henri estava começando a ver, como Lawrence havia previsto,
que tipo de homem Alex realmente era, apesar de sua maneira
bastante ameaçadora e arrogante.
Capítulo 37
“No qual há um casamento, para satisfação de todos.”

— O que você acha? — Henri virou-se e olhou para Annie. Seus


próprios nervos estavam em um verdadeiro alvoroço, dançando
entre excitação e ansiedade, mas a afeição chorosa na expressão
de sua criada tranquilizou a sua mente.
— Oh, você parece uma pintura — disse Annie, segurando um
lenço rendado e fungando. — Tô tão orgulhosa por cê, Henri. É
como se cê fosse minha própria menina.
— Oh, Annie. — Henri correu para ela e a abraçou com força. —
E você tem certeza de que não se importa de vir para a França
conosco? Sei que será tudo novo e estranho, e você vai precisar
lidar com uma outra língua… Minha nossa, acho que não consigo
fazer isso sem você.
Annie gritou e acenou com o lenço. — Oh, pare, senhorita, cê
vai me fazê chorar se cê continuar. Claro que vou com cê. Pode
tentá me manter longe. Duvido que cê consegue! — disse ela,
enxugando os olhos. — Além disso — acrescentou ela, com um
sorriso astuto e uma piscadela —, Mousy tá indo tamém.
Henri sorriu quando Annie riu e fez uma dancinha cômica ali
mesmo. — Ah, ele já te beijou, Annie?
Annie interrompeu sua pequena celebração e bufou de
aborrecimento, balançando a cabeça. — Não! O grande palerma é
tímido — disse ela, jogando as mãos para os céus. — Mas num se
preocupe, preteno resolver a questão esta noite.
Rindo, Henri não pôde deixar de sentir um pouco de pena de
Mousy, que não tinha ideia no que ele estava se metendo. — O que
você vai fazer? — perguntou ela, de olhos arregalados.
Annie franziu os lábios e depois balançou a cabeça. — Cês
ainda não se casaram, moça. Digo pra cê daqui a uma ou duas
semana. — E com outra piscadela e um sorriso travesso nos lábios,
Annie foi buscar o véu.
Henri voltou-se para o seu reflexo e suspirou. Sentia-se extrema
e delirantemente feliz. Suavizando o pesado cetim cinza-claro, ela
se virou para um lado e para o outro. Tinha sido bordado ao redor
da bainha, do corpete e dos punhos com um padrão florido em fio
de prata que captava a luz quando ela se virava.
— Ele vai ficar pasmado. Cê tá uma beleza — disse Annie,
sorrindo para ela e prendendo o véu de renda fina no lugar. Ela
pegou a mão de Henri e apertou-a. — Vamu lá, meu patinho, vai lá
casá com aquele pirata, vai!
***
Em uma bela e pequena aldeia, perdida em meio às árvores,
entre os rios Truro e Fal, e nos portões da vasta residência
Tregothnan, ficava a antiga igreja de St. Mawgan, construída no
século treze. E quando Henri caminhou em direção a ela aos braços
de seu pai, mal conseguia respirar, tamanha era sua excitação.
Entretanto, ela não estivesse sozinha nisso; ela olhou para as
pessoas da aldeia que agora se alinhavam nas ruas, sorrindo de
orelha a orelha para ela e ofereciam palavras encorajadoras,
algumas das quais poderiam tê-la deixado corada se ela não tivesse
ouvido coisas muito piores vindas de Annie.
O casamento era para ser um evento pequeno, mas estava
sendo o contrário por causa da história contada por Alex, que
fascinou os habitantes locais.
A história do irmão do conde ser encontrado vivo e bem, depois
de ser capturado pelos franceses e perder a memória como
resultado de seus ferimentos, foi uma história que havia sido aceita,
contada, recontada e embelezada. Isso foi alcançado com uma
pequena ajuda da irmandade que vivera a vida toda, e de alguns
dos recém-chegados que decidiram se estabelecer e encontrar
trabalho na propriedade do conde.
Henri sabia que Lawrence tinha encontrado sua recepção
calorosa difícil de suportar, pois sabia a verdade de sua história,
mas Alex tinha sido firme em insistir que era assim que devia ser
feito. A ideia de que o dinheiro da recompensa que Alex recebera ao
levar o Patife à Justiça seria usado para fazer o bem e ajudar às
famílias que mais precisavam era a única coisa que acalmara sua
consciência o suficiente para permitir que ele mostrasse seu rosto
antes do casamento.
Na verdade, Lawrence não era o único com a consciência
pesada, pois ao voltar para casa, Henri começou a ver que ela
acreditara deliberadamente em boatos muito ruins sobre o conde de
Falmouth, quando, de fato, os mais pobres da paróquia o tinham na
mais alta estima. Sua reputação de mulherengo e devasso podiam
ter barrado para sempre a sua entrada no tal solo sagrado do clube
Almack, tornando-o uma figura sobre a qual as mães advertiam
suas filhas, mas era de pouco interesse para eles além do conto
lascivo ocasional que aconteceu. O bem que ele tinha feito para
aqueles que não tinham nada, os esforços que ele fez para melhorar
a vida daqueles em sua propriedade e nos arredores; tudo isso,
falava muito mais do homem do que qualquer fofoca ociosa, aos
olhos dele, que era como deveria ser.
Seu pai fez uma pausa quando chegaram aos pequenos portões
que levavam ao cemitério e à adorável igreja antiga. — Você tem
certeza sobre isso, minha querida?
Pela primeira vez desde o início desse romance, Henri detectou
o menor vislumbre de dúvida nos olhos de lorde Morton. Seu pai
ainda estava perplexo com tudo o que tinha acontecido, mas não
sendo o tipo de pessoa que pensava sobre as coisas com muita
profundidade se não dissessem respeito ao seu próprio conforto,
tinha aceitado a explicação simplória de Henri sobre seu resgate do
diabólico Patife por seu então noivo.
Ele também levou em consideração o prazer de todos diante de
seu casamento com o irmão mais novo de semblante bondoso,
mesmo que um pouco confuso. Felizmente, seu pai não tinha se
virado contra o conde, apesar dos falatórios de devassidão e vício
que ele tinha ouvido terem sido a razão pela qual Henri não se
casaria com ele.
Com diversão, Henri descobriu que ele realmente conhecia bem
a reputação manchada do conde, as histórias das muitas amantes
do homem e casos de amor escandalosos. Ao perguntar, por
curiosidade, se ele estava preocupado em casá-la com um homem
assim, seu pai simplesmente parecia confuso.
— Mas ele é um conde, minha querida. — Foi toda a resposta
que ela recebeu, como se isso desculpasse o próprio diabo de
qualquer transgressão.
No que dizia respeito ao seu pai, o conde devolveu-lhe a filha e
pagou todas as suas dívidas, pois sempre fazia o correto. Em seus
momentos menos caridosos, Henri se perguntou qual desses fatos
inclinava a balança mais a favor do conde.
Felizmente, a história do seu rapto foi mantida em segredo e
agora ninguém mais sabia de nada, exceto o fato de ela estar agora
se casando com o irmão mais novo do conde, e não com o conde.
Henri deu um tapinha na mão do pai e deu-lhe um sorriso
reconfortante que afastou qualquer preocupação paterna
inconveniente pela qual ele pudesse ser assaltado tardiamente. —
Com certeza, papai — disse ela, respondendo à pergunta de seu
pai. — Eu o amo, sabia?
Seu pai suspirou e sorriu, muito feliz por ver sua filha se casar
com um homem que ela realmente amava, especialmente porque o
conde tinha sido tão generoso a ponto de manter o acordo original e
ainda pagar-lhe um generoso salário. No entanto, quando seu pai
observou que deveria manter o lobo longe da porta, ele ficou
intrigado com o motivo pelo qual Henri e Annie foram tomadas por
um ataque de histeria e foram forçadas a sair da sala e tomar um
pouco de ar antes que pudessem se acalmar.
As lendas do Loup De Mer foram difundidas, no entanto, e
apesar de seus melhores esforços, ele parecia escapar das
tentativas da milícia de prendê-lo toda hora.
Henri entrou na igreja e sentiu seu coração flutuar quando viu
Lawrence esperando por ela. Seus olhos se arregalaram ao vê-la,
sua expressão fez seu coração inflar e, então, ele deu aquele
sorriso carismático e ligeiramente de pirata que fez aquele órgão
excitável bater freneticamente e Henri querer correr, em vez de
andar de forma recatada em direção ao altar.
— Pronta? — perguntou seu pai, sorrindo para ela com carinho.
— Sim. Absolutamente, completamente e sem dúvida em minha
mente — disse ela, radiante em resposta, e caminhando para ficar
ao lado da linda figura do homem prestes a se tornar seu marido.
Quaisquer dúvidas que ela pudesse ter abrigado, que Lawrence
queria ficar simplesmente para recuperar sua antiga vida, ao invés
de por ela, foram para sempre dissipadas pela expressão em seus
olhos quando ela se pôs ao lado dele. Os olhos azuis estavam
acesos, dançando alegremente com tanto amor e felicidade que ela
sentiu um nó na garganta. Graças a Deus, pensou ela, por aquele
encontro casual, pela perda de uma carta e pela sua decisão tola de
chantagear o Patife.
***
Lawrence olhou para o quarto e não pôde deixar de sorrir.
Talvez fosse um café da manhã de casamento pouco convencional,
mas o conde tinha sido considerado há muito tempo uma figura
bastante selvagem e excêntrica, por isso não era tão extraordinário
que o seu irmão mais novo devesse igualmente defender as
tradições. Ele tinha que admitir que alguns dos convidados eram um
monte de gente esquisita, e ele notou com diversão os olhares um
tanto ansiosos e escandalizados lançados por sua desaprovadora
tia Seymour e perplexa tia Dotty, quando alguns dos convidados
mais turbulentos foram em direção ao champanhe.
Ele esperava sentir pelo menos um leve sentimento de
arrependimento pela perda de sua liberdade, mas sempre que
olhava para o rosto deslumbrante de sua nova esposa, tudo o que
podia sentir era admiração. O fato de a vida ter de alguma forma
contribuído para dar-lhe uma segunda chance estava além de
qualquer coisa que ele jamais ousara imaginar. Além disso, ter essa
chance com Henri ao seu lado fazia seu peito apertar com uma
emoção inesperada.
Na verdade, ele parecia completamente incapaz de remover o
sorriso ridículo que tinha estado em seu rosto desde o momento em
que tinha colocado os olhos sobre a visão de sua futura esposa
quando entrou na igreja e tirou seu fôlego. Então, ele simplesmente
observava sua linda esposa rir e falar animadamente com todos ao
seu redor, e se esforçava para conter seu desejo impaciente de
agarrá-la com as próprias mãos e chegar ao que ele considerava a
parte mais importante do casamento. Seu vestido poderia ser
adorável, e seu cabelo poderia estar primorosamente penteado,
mas tudo que ele queria era despi-la com toda a pressa, e ter seu
cabelo derramando livremente sobre os travesseiros em uma
desordem deliciosa.
Ele foi forçado a colocar tais pensamentos felizes de lado por
um momento, no entanto, enquanto seu irmão se aproximou para se
sentar ao seu lado.
— Parabéns — disse ele, com um leve sorriso torcendo a boca
enquanto levantava a taça de champanhe.
— Obrigado, sinto-me bastante digno de tais felicitações em
nome de minha esposa — disse ele. — Embora eu esteja
perfeitamente certo de que não mereço nada disso, pretendo aceitar
tudo e aproveitar ao máximo.
— Falou como um verdadeiro Sinclair — Alex murmurou,
sentado ao lado dele, com seus olhos geralmente frios, acesos de
diversão.
— E você, Alex? Parece que roubei a sua prometida, por isso,
agora, tem de voltar ao mercado.
Alex ergueu uma sobrancelha arrogante, parecendo levemente
enojado. — Eu estava preparado para fazer o meu dever de
continuar o nome da família, mas agora… — Ele levantou o copo
mais uma vez em um brinde. — Você tem a minha bênção de
aceitar esse desafio em particular, pois não sinto tanta urgência ou
desejo de renunciar à minha liberdade.
Lawrence franziu a testa para ele e se perguntou como era
realmente a vida de Alex. Não havia realmente ninguém com quem
ele se importasse em partilhá-la? Alex percebeu sua expressão e
lançou-lhe um olhar duro em resposta.
— Não se atreva a ter quaisquer noções terríveis sobre me ver
criando raízes. Estou mais do que feliz de ver você e a Henri
combinando tão bem e contentes um com o outro, mas peço-lhe que
deixe os meus próprios assuntos em paz. Chegaria ao ponto de
concordar que sua mulher é uma jovem bastante singular e que
você é um homem de sorte, mas não vou seguir os seus passos. —
Este último foi dito com pouca veemência, e Lawrence sabia que
seria obrigado a deixar o assunto de lado, mas não até que ele
tivesse acrescentado uma última palavra.
Lawrence encontrou-se procurando sua noiva mais uma vez, e
sabia que seus olhos o entregavam. — Sim, eu sou um homem de
sorte — disse ele, com a voz baixa. — É por isso que eu gostaria de
vê-lo feliz também, certamente há alguém…
Alex o cortou parecendo entediado além da conta. — Sério,
Lawrence, em quem você acha que eu poderia confiar vivendo essa
vida que eu vivo? Qualquer esposa seria obrigada a descobrir com o
que estou envolvido eventualmente e nunca poderia revelá-lo a
alguém em quem não confiasse totalmente. Além disso, a ideia de
ter que me explicar para sempre a uma mulher ou ser forçado a
considerar seu conforto... — Ele balançou a cabeça em aparente
desgosto com a ideia. — Não. Estou muito contente, garanto-lhe.
Tenho mulheres suficientes aquecendo a minha cama para me
manter ocupado, uma vida plena e agitada com meus assuntos
legítimos, além de aventura suficiente para qualquer homem, com
minhas empreitadas ilícitas. — Ele deu um tapinha no ombro do
irmão com carinho e levantou-se, efetivamente terminando a
conversa. — E, agora, eu sugiro fortemente que você pare de se
intrometer nos meus assuntos e olhe para os seus!
Lawrence riu e assentiu com a cabeça. — Eu acho que não
tenho nenhum argumento para refutar essa ideia — disse ele, e saiu
em busca de sua esposa.
***
Henri suspirou de felicidade e virou-se de lado para observar
seu marido adormecido. Eles estavam casados há quase duas
semanas, e ela ainda não podia acreditar que isso tivesse realmente
acontecido. Há pouco tempo, ela estava parada na pequena loja
com o coração na garganta enquanto olhava para a figura arrojada e
bastante aterrorizante de um pirata com olhos azuis brilhantes.
Ela estendeu a mão e empurrou uma mecha de cabelo de sua
testa, admirando a forte linha de sua mandíbula, e ainda um pouco
arrependida com a perda de seus brincos de ouro. No entanto,
ontem à noite, quando ela se queixou da ausência deles, ele
prometeu usá-los para ela quando estivessem sozinhos, uma ideia
que a fez sorrir.
Ela arrastou os dedos pelo braço musculoso e depois empurrou
as cobertas para trás para admirá-lo em sua plenitude. Era manhã,
e havia apenas luz suficiente rastejando ao redor das cortinas para
permitir que ela apreciasse a vista. A nova cicatriz no lado de seu
corpo ainda estava rosada e recente, mas estava cicatrizando bem,
e as feridas mais antigas não estragavam em nada a sua perfeição
aos olhos dela. Ombros e peitos largos, com apenas uma dispersão
de cabelo escuro que guiaram seus dedos para baixo, passando por
um estômago tenso, até chegar em quadris estreitos e coxas
pesadas – sinais de que seu marido possivelmente não estava tão
sonolento como parecia estar.
Seu sorriso se alargou e ela arrastou um dedo sobre o
comprimento duro dele, mordendo o lábio para parar de rir enquanto
deixava a sua pele toda arrepiada. Com um toque preguiçoso e leve
ali, ela continuou, acariciando um dedo para frente e para trás até
que ouviu-o bufar queixosamente.
— Henri, é uma crueldade provocar.
Rindo, ela inclinou a cabeça e continuou a provocá-lo, no
entanto, desta vez com a língua, até que ele estivesse se
contorcendo debaixo dela e praguejando.
— Fique quieto — repreendeu ela, tentando soar zangada.
— Eu vou fazer você se arrepender por isso — rosnou ele, e ela
olhou para cima para ver seus olhos azuis brilhando com uma luz
perversa que prometia compensar essa ameaça.
— Espero que sim — disse ela, com uma sobrancelha
arqueada, antes de voltar ao trabalho. Com a prática, ela tinha
descoberto exatamente o que fazia seu pirata gemer e balançar os
quadris, e ela estava mais do que disposta a satisfazê-lo,
encontrando seu próprio prazer nos sons ásperos de sua respiração
e nos xingamentos suaves enquanto trabalhava com boca e língua
contra sua carne mais sensível. Mas o doce tormento tinha
claramente ido tão longe quanto ele permitiria, já que no momento
seguinte ela se viu virada de costas e contida contra o colchão.
— E aqui estava eu — disse ele, com a voz baixa e íntima. —
Acreditando que eu tinha me casado com uma criatura tão doce e
calorosa, e agora… — Ele se moveu contra ela, deslizando entre as
suas pernas e fazendo-a suspirar de prazer. — E agora descubro
que ela é uma sedutora perversa, determinada a enlouquecer o
pobre marido.
— Oh, céus — suspirou ela, piscando para ele com uma
expressão tão inocente quanto possível, dadas as circunstâncias. —
Suponho que terá de me punir, agora que descobriu a minha má
intenção.
Ele assentiu com a cabeça, sua expressão grave. — Lamento
informá-la, senhora, que não sairá desta cama até que eu esteja
convencido de que está devidamente contrita.
Henri mordeu o lábio. — Isso pode levar algum tempo — disse
ela, uma vez que se sentiu capaz de conter o riso, embora sua voz
ainda tremesse.
Ela olhou para cima e encontrou o marido sorrindo para ela. —
Estou contando com isso — disse ele, antes uni-los com um suspiro
de prazer.
Henri suspirou e se enroscou em torno dele, afundando as mãos
no cabelo grosso, puxando a cabeça para baixo para um beijo. —
Você pode chamar seu navio de Redenção — disse ela, rindo. —
Mas você não me engana, é um patife irremediável!
— Sim. — Ele riu, mordendo o lábio levemente e beijando-a
novamente, antes de abrir um sorriso malicioso. — Mas eu sou o
seu Patife.
Gostou da história de Lars? Continue lendo para descobrir a de
Alex!
A Tentação do Conde
Patifes e Cavalheiros - Livro 2

Alexander Sinclair, o quarto conde de Falmouth, tem uma


reputação de deleitar-se com o vício. Mas o seu gosto pelo vinho,
pelas mulheres e pelos dados é apenas uma fração da verdade
perigosa, pois o conde é a força por detrás de um poderoso bando,
contrabandeando mercadorias entre a França e a Cornualha.
Nunca com medo de sujar as mãos e com um amor constante
de viver de forma imprudente, Alex lidera muitas dessas missões,
até que uma noite fatídica a Receita aparece. Forçado a navegar em
uma violenta tempestade, o navio se perde e Alex é levado para a
costa, quase morto, perto do porto francês de Roscoff.
A beleza inocente, Célestine Lavelle, perdeu tudo. A filha de
uma nobre família francesa é forçada a fugir durante a Revolução e
a trabalhar nas cozinhas do prostíbulo local, onde o seu futuro é
envolto em pecado. Desesperada e completamente sozinha, a
descoberta de um contrabandista inglês meio afogado na costa
levará o seu coração a direções com que nunca sonhou.
Determinado a salvar a sua sedutora salvadora, Alex planeja
que o seu futuro seja repleto de tudo o que é bom e honroso, mas
será demasiado difícil resistir à tentação de tomá-la como sua?
Continue lendo para uma prévia
A Tentação do Conde
E nessa face, e sobre essa fronte
Tão gentil, tão suave contudo eloquente,
Jazem o sorriso que conquista, as cores que dardejam
Mas que falam de dias em benevolência passados
Uma mente em paz com tudo
Um coração cujo amor é inocente!
Ela Caminha em Beleza, por Lord Byron.
Prólogo

Roscoff, França. Julho de 1814.


A velha senhora colocou os ossos tão frágeis como de um
pássaro no palete fino e tossiu. O movimento abalou seu corpo
frágil, deixando-a ofegante e agarrada ao cobertor esfarrapado que
a cobria. Sua jovem protegida correu até ela e agarrou sua mão,
com olhos azuis arregalados em desespero.
A velhice era uma maldição e uma bênção. Morrer e deixar este
lugar abandonado por Deus não era difícil, mas deixar Céleste, sim.
A pobre e doce criança. Com a morte de seus pais, ela não tinha
ninguém agora e nem um centavo em seu nome. O último dinheiro
de verdade que eles tiveram foi gasto anos atrás, subornando o
padre para dar a sua maman um enterro adequado, apesar do fato
de ela ter cometido suicídio. Desde então, sua existência consistia
em agarrar a vida com dedos frenéticos, lavando e consertando; a
garota tinha até sido levada a roubar de vez em quando, embora os
riscos fossem terrivelmente altos.
Marie sabia que seus próprios ossos seriam enviados para uma
vala comum, mas não conseguia ter vontade de se preocupar com
isso. Suas preocupações tinham acabado, mas Céleste... só Deus
sabia como ela sobreviveria.
— Agora, Céleste, vá até o baú, rápido — disse ela, com a voz
quase inaudível, com os dedos esqueléticos apontando para a única
esperança da garota. — Tem uns papéis. Pegue-os.
Ela viu a jovem se mover e desejou, como desejava todos os
dias, desde que fugiram de suas antigas vidas, que as coisas
tivessem sido diferentes. A Revolução tinha mudado muitas coisas.
Supostamente, traria uma vida melhor aos pobres e necessitados,
embora ela ainda tivesse visto poucos sinais disso, com as guerras
que se seguiram logo depois. Um novo mundo nascido de tal
derramamento de sangue... como isso poderia ser justificado? E
Napoleão parecia tão agarrado e sedento de poder quanto qualquer
monarca jamais havia sido.
— Estes, Marie? — A menina ergueu um rolo grosso de
pergaminho e a velha senhora acenou com a cabeça. Céleste
correu de volta para sentar-se ao lado dela, os papéis apertados em
sua mão.
Marie estendeu a mão e tocou o rosto perfeito com um dedo
ossudo, o dígito calejado e feio parecendo obsceno ao lado do
semblante doce de Céleste. — A cópia de sua mãe, tão bela. — No
entanto, as palavras não eram de felicidade, pois ela conhecia bem
o tipo de atenção que a garota já atraía, uma situação que só
pioraria.
Ela tinha dezoito anos agora, quase dezenove, e fazia tudo o
que podia para esconder a beleza que tinha recebido, enfiando seu
cabelo comprido sob um boné feio e vestindo roupas disformes com
tamanhos grandes demais. Mas nada poderia disfarçar aqueles
grandes olhos azuis emoldurados por grossos cílios escuros, a pele
de porcelana ou o arco perfeito de seus lábios rosados.
— Esses papéis — disse Marie, arrastando sua mente cansada
de volta ao assunto importante com o qual ela devia lidar. — Você
deve guardá-los e mantê-los escondidos até que você encontre
alguém em quem possa confiar, alguém que possa ajudá-lo a
recuperar tudo o que você perdeu.
Céleste balançou a cabeça e Marie sentiu uma onda de raiva.
Oui! Você deve e você vai recuperá-lo. É seu dever, pertence a
você. Você é Célestine de Lavelle, La Comtesse de Valrey. Você é a
última da sua linhagem. O título foi dado a você por sua mãe que,
por sua vez, recebeu da mãe dela. Você deve ... você deve ― A
velha se curvou quando uma tosse sacudiu seus ossos e expulsou
qualquer força restante que ela tinha. — Prometa-me, Céleste —
sussurrou ela.
A menina olhou para ela, com olhos cheios de tristeza e medo,
mas ela assentiu com a cabeça. — Je promets — sussurrou ela, e
Marie suspirou e deitou a cabeça. Ela tinha feito tudo o que podia,
seu tempo havia acabado, e agora o destino levaria a garota onde
ele quisesse. Ela rezou para que fosse gentil.
Capítulo 1
“No qual as coisas dão errado e os destinos são traçados.”

Perto da costa da Cornualha, 25 de fevereiro de 1815.


Alex Sinclair, quarto conde de Falmouth, cumprimentou seus
homens com satisfação. Foi mais uma boa noite de trabalho e,
quando a última carga foi descarregada, eles puderam respirar
novamente.
— Bem, Mousy, você está gostando da sua primeira travessia?
— indagou ao grandalhão enquanto carregava um barril enorme do
melhor conhaque francês no pequeno barco preso ao lado do
grande navio, o Bessie Brava. Ele podia ser um conde, mas estava
com as mãos tão sujas quanto as do resto dos homens.
— Eu gostei muito, milorde — respondeu Mousy com um
sorriso, estendendo a mão para tirar o barril dele. — Especialmente
porque manteve eu fora do mal caminho por um ou dois dia.
— Você não pode se esconder dela para sempre — disse Alex,
sem se preocupar em esconder seu sorriso. — Ela vai querer que
você lhe faça o pedido quando você retornar.
Mousy ficou quieto e parecia um pouco enjoado. — Sim, bem.
Vô ficá na minha por um ou dois dia. Até ela se esquecê.
Alex deu uma risadinha. A criada de sua cunhada, Annie, estava
de olho em Mousy e não escondia o fato de que ela queria que eles
se casassem. Ela era uma mulher formidável, e Alex duvidava muito
da probabilidade de a situação ser esquecida. Ela esperava que
Mousy voltasse com um anel e uma pergunta para ela e que os
céus ajudassem o pobre malandro se ele não o fizesse.
— Certo, este aqui tá cheio, quanto falta?
Alex virou-se para observar a quantidade restante. Caixas de
chá e pedaços da melhor seda francesa, todos embrulhados em
tecido oleado para protegê-los das intempéries e dos borrifos de sal,
e restavam mais de uma dúzia ou mais da metade das caixas de
conhaque. Alex podia ver a praia à luz do luar, uma intensa
atividade com talvez duzentos escravos correndo para cima e para
baixo com barris em um arreio sobre seus ombros, carregando os
pôneis e esvaziando a costa o mais rápido possível. A tripulação do
antigo navio de seu irmão Lawrence, o Bessie Brava, havia mudado
de piratas para contrabandistas, mas faziam jus à expressão “fazer
com os pés nas costas” quando Lawrence abandonou seu estilo de
vida perigoso.
As mãos extras que haviam aparecido para Alex facilitaram o
descarregamento. Mousy atuava como vigia, guiando o navio até
sua localização, sinalizando em direção à praia para um dos vários
pontos de atracagem. Os mais obstinados e implacáveis se
voluntariaram como batedores e patrulhavam os penhascos, de olho
na Receita.
— Mais uma e terminamos.
— Tá certo. — Mousy acenou com a cabeça e, em seguida,
olhou para cima, franzindo a testa. — O que é...
Ele não teve tempo de terminar a frase, pois o estrondo de tiros
de canhão explodiu no alto e gritos ecoaram por toda a praia
quando os homens viram o barco se aproximando.
— Maldito inferno! — amaldiçoou Alex, desamarrando a corda.
— A Receita está chegando, rapazes, mexam-se!
Todo o inferno explodiu quando ele empurrou com força o
pequeno barco com Mousy para longe de seu navio, o Bessie
Brava. — Volte para a praia, leve todos para longe, em segurança
— gritou ele.
— Cê devia vir cumigo, milorde — exclamou Mousy enquanto
Alex balançava a cabeça.
— Não, eu vou ficar com Bessie, vai... agora!
As velas se desenrolaram com um estalo enquanto o vento
soprava o navio de mastro único, afastando-os da costa. Ao longe,
Alex pôde ver os homens correndo para cima e para baixo, mas a
Receita não estava na praia, pelo menos. A maior parte da carga
tinha sido descarregada, agora tudo o que importava era ficar livre.
Ele olhou para os céus, franzindo a testa quando a lua desapareceu.
Desaparecer no escuro não era uma coisa tão ruim com a Guarda
Marítima grudada no seu traseiro como um carrapicho, mas a
tempestade que se aproximava não faria bem a ninguém. Ele orou
para que eles conseguissem escapar...
— E agora? — perguntou o seu homem no leme e, em seguida,
jogou-se para o convés quando um tiro de canhão passou sobre sua
cabeça.
Alex se encolheu quando o tiro de canhão passou por um triz e
atingiu as ondas do outro lado, encharcando-o com água gelada. —
De volta à Roscoff — gritou ele, com o rosto sombrio enquanto o
trovão estalava acima. — E reze para que consigamos.
***
Céleste estendeu a mão e pegou outro pedaço de tronco de
madeira, mal sentindo a superfície lisa e desgastada entre seus
dedos dormentes. Merde, como estava frio. Mimi vagava atrás dela,
cantarolando uma pequena melodia que tinha começado a irritá-la
há mais de uma hora. Pouco mais de três notas, e ele voltava a
repetir. Sua voz era surpreendentemente infantil, considerando sua
musculatura, e o rosto feio e enrugado. Mas Mimi era um gigante
gentil. Sua mente estava perdida em algum lugar no campo de
batalha graças a uma bala perdida que quase tirou sua vida. Em vez
disso, deixou-o viver e simplesmente pegou toda a maldade e
pessimismo que parecia prosperar em todos os outros homens e o
deixou doce, mas estúpido. Ele tinha se tornado sua sombra, seu
protetor, e ela estava agradecida por isso. Ele a salvou mais de uma
vez, e ela ficaria feliz em suportar a irritação de seus hábitos
irritantes e canções bobas sem fim em gratidão por isso.
Ela se endireitou enquanto Mimi grunhia e gesticulava mais
abaixo na praia. Céleste olhou para cima, piscando enquanto o
vento gelado fazia seus olhos lacrimejarem.
— Estou vendo — respondeu ela, olhando para as grandes
formas escuras dispostas sobre os cascalhos. Eles se aproximaram
um pouco até que a imagem deu lugar a uma forma que sua mente
pôde reconhecer. — Mon Dieu! Há homens ali — gritou ela, e correu
em direção a eles. Mimi parou, deixando cair os troncos de madeira
no chão. Sua mão grande agarrou seu braço e ele balançou a
cabeça, seus olhos parecendo ferozes.
— Solte-me — disse ela, com a voz firme. — Eu não vou deixar
os homens morrerem se estiver ao meu alcance — Ela tinha visto
morte suficiente em sua curta vida. Morte da guerra, da violência, da
pobreza, da sujeira, da doença, da fome e da velhice. Não
importava quantas vezes ela visse, era feia e devia ser combatida a
todo custo. Ela se soltou de seu aperto e correu até eles.
Virando o primeiro, seu coração ficou pesado. Certamente
mortos, afogados ontem à noite, e pelo silêncio dos outros três,
estavam todos mortos. Ela olhou em volta e viu outras formas entre
os cadáveres. Barris e caixas embrulhadas em tecido oleado. Um
naufrágio. Eles deviam ter fugido da tempestade de ontem à noite,
os pobres coitados. Contrabandistas, muito provavelmente. Os
ingleses estavam sempre aqui, abastecendo seus barcos com
conhaque e gin, chá, seda e renda. Tudo isso para evitar pagar os
pesados impostos que o príncipe regente inglês cobrava. Bem,
agora não adiantava de nada, mas... tinha sido uma tragédia.
— Mimi, vê todas as caixas e barris?
Mimi acenou com a cabeça e seus olhos lentos escanearam a
praia.
— Eles são nossos agora, nosso segredo. Temos que escondê-
los o mais rápido possível. Você consegue fazer isso? Você
consegue ser inteligente e rápido, mon brave?
Mimi sorriu para ela e assentiu com a cabeça.
— Alors, vai lá então.
Com um coração pesado, mas tentando ser prática, Céleste
começou a vasculhar cada um dos corpos, verificando nos bolsos
algum sinal de dinheiro ou ouro. Ela deixou todas as coisas
pessoais, mas pegou o que pôde que poderia manter o frio longe e
sua barriga cheia por um pouco mais de tempo. Suas botas e
qualquer outra coisa seriam roubadas em breve quando os
saqueadores os encontrassem. Ela teve a sorte de chegar aqui
primeiro.
Ela foi metódica, verificando cada corpo sucessivamente com
dedos rápidos. O mais distante ficava a uma boa distância da praia
e ela correu, os pés escorregando no xisto, ciente de que eles
poderiam ser descobertos a qualquer momento e seu saque lhes
seria tirado. Virando-se, ela notou com satisfação que Mimi havia se
saído bem limpando a praia e disfarçando sua carga sob o casco de
um barco em ruínas. Seria suficiente por enquanto. Eles teriam que
voltar quando estivesse escuro e encontrar um esconderijo melhor
até que tudo pudesse ser vendido.
Voltando sua atenção para o último corpo, ela lutou para virá-lo.
Ele tinha sido um homem enorme. Ele tinha ombros largos e
pesados, e pernas bem, bem longas. Ele era bem mais alto que ela.
Ela arquejou quando finalmente conseguiu virá-lo de costas, e olhou
com tristeza para o rosto imóvel. Nossa, ele era bonito, ela apostava
que ele devia ser um canalha com as mulheres, quando vivo, com
um rosto assim. Cuidadosamente, ela retirou o espesso cabelo
escuro de seu rosto e pulou para trás com um gritinho enquanto ele
murmurava e suas pálpebras tremiam.
— Mon Dieu — sussurrou ela. — Você tem a sorte do diabo,
contrabandista. — Ela olhou para cima ao ver Mimi andando de
volta em sua direção e gesticulou para ele se apressar. — Ele está
vivo! — disse ela. — Rápido, precisamos levá-lo para dentro de
casa, para longe do frio, antes que ele congele até morrer.
Era mais fácil falar do que fazer. Grande como era, Mimi lutava
com o peso morto, arrastando-o aos poucos, e foi uma bênção
quando o homem acordou, embora parecesse não saber o que
havia acontecido.
— Bessie? — murmurou ele, quando Céleste deu um tapinha na
sua mão. — Non, não Bessie — disse ela, cuidadosamente. Seu
inglês era excelente, ou assim ela acreditava, mas ela não praticava
desde que sua mãe tinha morrido. — Eu sou Céleste e você é muito
pesado. Por favor, você deve nos ajudar e andar.
O homem fez o possível para atender seu pedido e se apoiou
em Mimi, colocando um pé na frente do outro com esforço até
chegarem à porta do Madame Maxime. Pelo menos as prostitutas
estariam todas na cama àquela hora da manhã. Eles poderiam
chegar ao sótão se tomassem cuidado. Ela se virou para o homem e
seus olhos se abriram, tentando se concentrar nela. Cinza-escuro,
eles falavam de uma alma determinada e por isso ela estava feliz.
Ele estava meio afogado e congelado, seus dentes batendo
ferozmente agora. Seria uma batalha e tanto para recuperar sua
força.
— Você deve ficar quieto. Silence — sussurrou ela, colocando o
dedo sobre os lábios.
Ele assentiu com a cabeça e eles começaram a árdua jornada
escada acima até o sótão apertado onde ela dormia.
Mimi tinha acabado de empurrá-lo pela porta de seu quarto
quando a própria Madame Maxime enfiou a cabeça para fora da
porta no andar de baixo.
— Que diabos você está fazendo, sua garota estúpida?
Algumas de nós trabalharam a noite toda. Você acendeu as
lareiras?
— Oui, Madame, acendi, sim. Desculpe tê-la incomodado. Eu
tropecei na escada.
Ela fechou a porta sem dizer mais nada e Céleste deu um
suspiro de alívio. Acordada a noite toda trabalhando, bah, pensou
ela internamente, carrancuda. As outras garotas talvez estivessem
trabalhando, trabalhavam com o que parecia ser alguns dos sujeitos
mais nojentos que passavam pela porta de Maxime. Mas a própria
Madame simplesmente organizava e bebia conhaque suficiente para
manter seu temperamento azedo adocicado para o benefício de
seus clientes.
Céleste subiu correndo a escada estreita e curva, até seu quarto
no sótão, onde Mimi havia colocado o contrabandista em sua cama
de paletes. Tudo parecia ainda mais apertado do que o normal com
os dois homens grandes ocupando todo o espaço disponível, e ela
se espremeu passando por Mimi e abaixou as vigas enquanto se
movia para o colchão fino de palha que servia como sua cama.
— Temos que tirar essas roupas molhadas dele — disse ela,
estendendo a mão para começar e gritando quando Mimi deu um
tapa em sua mão. — Merde! — exclamou ela, esfregando seus
dedos doloridos, e então começou a rir do olhar rebelde no rosto de
Mimi. — Oh, Mimi — disse ela, dando uma risadinha. — Eu vivo em
um bordel há seis meses. Eu prometo que ele não tem nada que eu
não tenha visto antes.
No entanto, ela começou a repensar essa afirmação em
particular, uma vez que Mimi cedeu e eles começaram a retirar suas
roupas encharcadas. Ela tinha visto muitos homens e mulheres, em
vários estados de nudez, e uma desconcertante variedade de
posições, algumas que pareciam indignas. Era difícil não ver tais
coisas em uma casa como esta, não importa o quanto ela tentasse,
pelo menos. A essa altura, ela acreditava que era imune a choques;
não havia mais nada no mundo que pudesse surpreendê-la. E,
ainda assim, sua curiosidade foi despertada quando as camadas
foram retiradas para revelar um corpo duro e musculoso, bem
diferente daqueles que ela tinha visto até este ponto.
Seu corpo robusto no colchão estremeceu, sua pele se arrepiou
e ela pegou o pedaço de linho áspero que servia como toalha.
— Alors, vá, Mimi — disse ela, esfregando o linho com força
sobre o braço pesado do homem, tanto para secá-lo quanto para
aquecê-lo. — Você precisa buscar o pão na boulangerie e colocar
um pouco de água para ferver. Se elas não tomarem o café da
manhã, esse lugar se tornará um inferno. Você precisa cobrir para
mim.
Mimi encarou a figura inconsciente e Céleste bufou. — Oh, seja
razoável, ele não está em posição de me fazer nenhum mal agora,
está?
Mimi foi embora, embora claramente insatisfeito com isso, e
Céleste voltou ao trabalho, aliviada por poder olhar sua plenitude
sem uma plateia. Ela secou um braço musculoso antes de passar
para o peito. Sua pele era lisa, mas marcada em alguns lugares com
cicatrizes que falavam de uma vida violenta. Uma delas talvez fosse
devido a um ferimento de bala, no alto do ombro esquerdo. Ela
parou por um momento para colocar a mão no peito dele, sentindo a
batida tranquilizadora de seu coração, forte e firme sob os músculos
pesados e pelos grossos em seu peito. Forçando sua atenção de
volta para o trabalho em questão, ela se levantou e os secou,
esfregando-os com vigor para fazer o sangue circular e subir pelas
suas pernas.
Ela parou quando se deparou com a roupa íntima encharcada
que se agarrava ao corpo maciço dele. Ela teria que tirá-la. Com
dificuldade e muito xingamento, ela finalmente conseguiu se livrar
da maldita coisa e depois engoliu em seco quando se virou e olhou
para o homem nu, esparramado em sua cama.
— Mon Dieu — sussurrou ela.
Ele era a perfeição em sua forma masculina e ela não pôde
deixar de admirá-lo por um momento, por causa de seu cabelo
escuro e grosso, mandíbula quadrada, boca carnuda e a leve
covinha em seu queixo. Seu olhar desceu mais. Ela observou a
impressionante largura do peito e ombros, a barriga esculpida e o
intrigante rastro de cabelo escuro que levava à sua masculinidade.
Ela continuou com interesse, pois tinha sido sincera em suas
palavras a Mimi, mas nunca teve a oportunidade de ver um homem
em repouso e tão de perto. Ela mordeu o lábio considerando as
coisas que tinha visto as prostitutas fazerem, e se ele fosse desse
tamanho antes de ser provocado…
Ele estremeceu de novo e se repreendeu com força, o pobre
diabo morreria de frio enquanto ela ficava ali sentada olhando para
ele como uma tola. Humilhada, ela o cobriu o melhor que pôde com
seu único cobertor e empilhou cada pedaço de roupa que possuía
em cima dele. Então ela acendeu o fogão minúsculo com o que
restou da lenha. Maxime dava-lhe o quarto e um escasso
suprimento de comida em troca de trabalhar seus dedos até os
ossos aparecerem desde o amanhecer até tarde da noite. Mas ela
tinha que ir atrás de seu próprio combustível e, portanto, coletar
lenha na praia era sempre uma tarefa matinal se ela não quisesse
tremer de frio a noite toda.
Ela tossiu quando o pequeno espaço se encheu de fumaça até
que o fogo pegou e a pequena chaminé se acendeu. Com um último
olhar em direção ao belo contrabandista, ela enviou uma oração
para qualquer Deus cruel que parecesse desprezá-la e implorou que
ele deixasse o homem viver. Ela trabalharia duas vezes mais, seria
muito, muito boa, se ele vivesse
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A Tentação do Conde
.
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Sobre Mim!

Comecei essa incrível jornada em 2010 com A Chave Para


Erebus, mas não tive coragem de publicá-lo até outubro de 2012.
Para quem já passou por isso sabe que publicar seu primeiro
trabalho é uma coisa terrivelmente assustadora. Eu ainda fico
nervosa quando um novo título é lançado, mas agora esse terror
diminuiu finalmente. Agora o meu pavor é quando minhas filhas
tiverem idade suficiente para lê-los.
Que terror! (para ambas as partes, suponho)
No ano de 2017, fiz minha primeira incursão no Romance
Histórico e no mundo do Romance Regencial. Meu Deus, que ano!
Fiquei encantada com a resposta a esta série e mal posso esperar
para adicionar mais títulos. Os leitores de Romance Paranormal não
precisam se desesperar, pois há muito mais por vir também.
Escrever tornou-se um vício e, assim que um livro termina, fico
extremamente animada para começar o próximo. Por isso, vocês
podem contar com muito mais no futuro.
Como muitas das minhas obras refletem, sou muito influenciada
pela bela paisagem francesa em que vivo. Estive aqui no Sudoeste
desde 1998, embora tenha nascido e crescido na Inglaterra. Minhas
três lindas filhas são todas bilíngues, e eu, meu marido – Pat – e
nossos quatro gatos nos consideramos extremamente afortunados
por termos feito deste lugar tão lindo o nosso lar.
Soube que o livro dois chegará em breve…
Ele está sendo um desafio e tanto, por isso é melhor eu
começar agora mesmo!
CONTINUE LENDO PARA DESCOBRIR MEUS OUTROS
LIVROS!
Outras obras de Emma V. Leech

(Para aqueles de vocês que leram a série A Lenda Francesa Fae,


lembre-se de que cronologicamente O Coração de Arima precede O
Príncipe das Trevas)

Patifes & Cavalheiros

A Série - Patifes e Cavalheiros

Damas Ousadas (disponível no Kindle Ilimitado)

A Série - Damas Ousadas

Filhas Ousadas (em breve)


A Série - Filhas Ousadas

Os Romance Regenciais de Mistério (em breve)

A Série do Romance de Regência Misterioso

A Lenda Francesa dos Vampiros (em breve)

A Série da Lenda Francesa dos Vampiros

A Lenda Francesa Fae (em breve)


A Série da Lenda Francesa Fae

Livros Independentes (em breve)


Um amante de livros (uma novela paranormal)
A Menina não está para o Natal (Romance Regencial)
Audiobooks
(títulos disponíveis apenas em inglês)
Não tem tempo para ler, mas ainda precisa de uma dose de
romance? A espera acabou...
Depois de muitos pedidos, garanta alguns de seus livros favoritos de
Romance de Regência de Emma V. Leech em áudio, interpretados
pelos incomparáveis Philip Battley e Gerard Marzilli. Vários títulos
disponíveis e mais adicionados a cada mês!
Encontre-os na sua loja de audiobook favorito!
Mulheres Ousadas — A nova série emocionante de Emma V. Leech, a
multipremiada escritora de romances top 10 da Amazon, por trás da série
Patifes e Cavalheiros.
Dentro de cada jovem tímida e isolada pulsa o coração de uma leoa, uma
pessoa apaixonada disposta a arriscar tudo pelo seu sonho, se puder
encontrar a coragem para começar. Quando essas jovens ignoradas fazem
um pacto para mudar suas vidas, tudo pode acontecer.
Dez Mulheres - Dez Desafios Inesperados. Quem Se Atreverá A Arriscar
Tudo?
Desafiando um Duque
Damas Ousadas - Livro 1

Sonhos de amor verdadeiro e felizes para sempre.


Sonhos de amor são todos muito bons, mas tudo o que Prunella
Chuffington-Smythe quer é publicar seu romance. O casamento a
custo de sua independência é algo que ela não considerará.
Experimentou o sucesso escrevendo sob um nome falso na revista
semanal The Ladies, onde seu álter ego está alcançando
notoriedade e fama, à qual Prue gosta bastante.
Um dever que tem que ser suportado...
Robert Adolphus, o duque de Bedwin, não tinha pressa em se
casar, ele já fez isso uma vez e repetir esse desastre é a última
coisa que deseja. No entanto, um herdeiro é um mal necessário
para um duque e não pode se esquivar disso. Uma reputação
sombria o precede, visto que sua primeira esposa pode ter morrido
jovem, mas os escândalos que a bela, vivaz e rancorosa criatura
forneceu à sociedade não a acompanharam. Devia encontrar uma
esposa. Uma esposa que não seria nem bonita nem vivaz, mas
doce e sem graça, e que com certeza ficasse longe de problemas.
Desafiado a fazer algo drástico.
O súbito interesse de um certo duque desprezível é tão
desconcertante quanto indesejável. Ela não vai jogar suas ambições
de lado para se casar com um canalha agora que seus planos de
autossuficiência e liberdade estão se concretizando. Mostrar-se
claramente ao homem que ela não é a florzinha que ele procura,
será suficiente para dar fim às suas intenções? Quando Prue é
desafiada por suas amigas a fazer algo drástico, isso parece ser a
oportunidade perfeita para matar dois pássaros.
No entanto, Prue não pode deixar de ficar intrigada com o ladino
que inspirou muitos de seus romances. Normalmente, ele
desempenhava o papel de bonito libertino, destinado a destruir sua
corajosa heroína. Mas será realmente o vilão da trama desta vez, ou
poderia ser o herói?
Descobrir será perigoso, mas poderá inspirar sua melhor história
até hoje.
Disponível no Kindle ilimitado
Desafiando um Duque
Da autora da série best-seller Damas Ousadas – Uma nova série
empolgante com as filhas das Damas Ousadas...
As histórias do Clube do Livro de Damas Peculiares e seus desafios se
tornaram lendas entre seus filhos. Quando o chapéu é redescoberto,
empoeirado e abandonado, as demais ousam desencadear uma série de
eventos que ecoarão por todas as famílias... e suas...(em breve)
Ousando Seduzir
Filhas Ousadas - Livro Um

Duas filhas ousadas...


Lady Elizabeth e lady Charlotte são filhas do duque e da duquesa de
Bedwin. Criadas por uma mãe não convencional e um pai indulgente, um
tanto superprotetor, ambas se esforçam contra a rígida moralidade da época.
A imagem elegante de uma jovem mansa e fraca, propensa a desmaiar
na menor provocação, é aquela que as faz fervilhar com frustração.
Seu belo amigo de infância...
Cassius Cadogen, visconde Oakley, é o único filho do conde e condessa
St. Clair. Amado e indulgente, ele é popular, gloriosamente bonito, e um artista
talentoso.
Retornando de dois anos de estudo na França, sua amizade com as duas
irmãs fica tensa quando o ciúme aumenta. Uma situação não ajudada pelos
dois franceses misteriosos que o acompanharam até em casa.
E a rivalidade entre irmãs...
Paixão, arte e segredos provam ser uma combinação inflamável, e
alguém sem dúvida se queimará.
Interessado em um Romance da Regência com reviravoltas?
Morrendo por um Duque (em breve)
O Romance Regencial de Mistério - Livro 1

Apropriado, imperioso e moralmente rígido, Benedict Rutland – o


belo e sombrio conde de Rothay – ganhou seu título muito jovem.
Responsável por uma grande família de irmãos mais novos que os
seus pais frívolos levaram à falência, a sua juventude foi gasta
tentando recuperar a fortuna da família.
Agora, já um homem em seu auge e financeiramente seguro, ele
se torna noivo de uma mulher estrita, sensata e de cabeça fria que
nunca perturbará o equilíbrio de sua vida ou perturbará suas
emoções…
Mas, então, surge a senhorita Skeffington-Fox.
Criada apenas por seu padrasto libertino, Benedict vê-se
escandalizado com tudo sobre a senhorita arrojada.
Mas como os membros da família na fila para o ducado
começam a morrer a um ritmo alarmante, todos os dedos apontam
para Benedict, e Miss Skeffington-Fox pode ser a única que pode
salvá-lo.
Perca-se no mundo paranormal de Emma com a série A Lenda
Francesa do Vampiro.
A Chave para Erebus
A Lenda Francesa do Vampiro - Livro 1

A verdade pode matar você.


Quando criança, é levada para longe para uma vida em que os
vampiros, faes e outras criaturas míticas são reais e traiçoeiras. Ao
regressar à França rural, Jénhenne Corbeaux, a bela jovem bruxa,
está totalmente despreparada para viver com a sua excêntrica avó.
Lançada de cabeça em um mundo sobre o qual ela nada sabe,
procura descobrir a verdade sobre si mesma. Nessa jornada,
descobre segredos mais chocantes do que qualquer coisa que
jamais poderia ter imaginado e conclui que não é, de forma alguma,
impotente para proteger aqueles que ama.
No entanto, apesar das terríveis advertências de sua avó, ela é
inexoravelmente atraída pela figura sombria e aterrorizante de
Corvus, um antigo vampiro e mestre da vasta família Albinus.
Jéhenne está prestes a encontrar as respostas que buscava e a
descobrir que Corvus não só é muito mais perigoso do que ela
jamais poderia imaginar, mas também que ele detém muito mais do
que a chave do seu coração…

Disponível no Kindle Ilimitado


A Chave para Erebus
Confira a emocionante série de fantasia de Emma aclamada pelo
Kirkus Reviews como “uma fantasia encantadora com uma heroína
simpática, intriga romântica, e floreios narrativos inteligentes.”
O Príncipe das Trevas (em breve)
A Lenda Francesa Fae - Livro 1

Dois Príncipes Fae


Uma Mulher Humana
E um mundo pronto para separá-los.

Laen Braed é o príncipe das trevas fae, com um temperamento


e reputação que combinam com seus olhos negros, e um coração
que despreza a raça humana. Quando ele é enviado de volta
através dos portões proibidos entre reinos para recuperar um antigo
artefato fae, ele volta para casa com muito mais do que esperava.
Corin Albrecht, o príncipe élfico mais poderoso que já existiu.
Dizem que seus olhos dourados são um presente dos deuses.
Agora, o destino está batendo a sua porta. Com um profundo amor
pelo mundo humano, a sua amizade com Laen está a ponto de ser
dilacerada pelos seus preconceitos.
Océane DeBeauvoir é uma artista e encadernadora de livros
que sempre confiou na sua imaginação viva para sobreviver a uma
vida infeliz e tranquila. Uma adaga enfeitada com joias e expostas
num museu próximo aparece nas manchetes levantando
especulações de uma outra raça, a fae. Mas a descoberta também
inspira Océane a criar uma obra de arte extraordinária que não pode
ser confinada às páginas de um livro.
Com dois homens poderosos disputando sua atenção, e a
amizade entre os eles prestes a ponto de romper, a única questão
que permanece é… quem é realmente o Príncipe das Trevas.
O homem dos seus sonhos está chegando… ou são os seus
pesadelos que ele visita?
Descubra no Livro Um da lenda Francesa Fae.
Agradecimentos
Obrigada, como sempre, à minha maravilhosa editora por ser
paciente e amar meus personagens tanto quanto eu. Gemma, você
é a melhor!
Para Victoria Cooper, por todo o seu trabalho duro, sua obra de
arte é incrível e, acima de tudo, sua paciência sem fim!!! Muito
obrigada. Você é incrível!
À minha melhor amiga, assistente pessoal, torcedora de
carteirinha e provedora de chocolate, Varsi Appel, pelo apoio moral,
por aumentar minha confiança e por ler o meu trabalho, mais vezes
do que eu. Eu te amo muito!
Um enorme obrigada a todos os membros do Clube do Livro da
Emma! Vocês são os melhores!
Eu fico sempre tão feliz em ouvi-los. Por isso, enviem-me um e-
mail ou uma mensagem :)
emmavleech@orange.fr

Ao meu marido Pat e à minha família… por sempre se


orgulharem de mim.
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