Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O Patife Emma V Leech
O Patife Emma V Leech
O Patife Emma V Leech
-Rudyard Kipling
Capítulo 1
“No qual nossa heroína perde um lenço e recebe mais do que
esperava.”
Henri caminhou para casa com o que ela só podia imaginar ser
um ar de uma criminosa. Os seus olhos procuravam as sombras e
ela deu um pulo quando o deslizar de folhas mortas performaram
uma dança em torno de seus tornozelos conforme o vento as
soprava. Annie a observava com curiosidade, mas ficou quieta e
nada disse, algo com o qual Henri se sentiu grata. Mas por mais que
tentasse, não conseguia esquecer o som daquele pequeno
grunhido, o brilho daqueles olhos ou o intenso calor dos primeiros
lábios que ela havia conhecido tão de perto.
Com esse pensamento veio a ideia de que ela pôde ter
permitido que um homem perigoso estivesse à solta. E se alguém
realmente morresse? Seria tudo culpa dela. Ela havia, no entanto,
lido as histórias escritas pelo aventureiro panfletista, o senhor
Charles Batch. Ele tinha pintado o Patife na forma do Capitão
Savage, como um herói romântico para atrair as mulheres e para os
homens condenarem em público enquanto admiravam
secretamente.
No entanto, parecia que a milícia tinha uma visão bastante
diferente de seu caráter. Ele era conhecido por sua aparência
elegante e atraente, uma lábia que podia atrair os pássaros das
árvores, e certamente não tinha dificuldade em roubar cargas de
navios mercantes, joias, dinheiro e, às vezes, até mesmo os
maridos das damas.
Certa vez, ela ouviu, de Annie – é claro – que ele havia
sequestrado a esposa de um certo lorde Haversham. A dama estava
a caminho da América e, ao capturar sua bela carga, o Capitão
Savage exigiu uma quantia enorme para libertá-la. O dinheiro foi
devidamente pago, mas a esposa não apareceu. Em um acesso de
fúria, o marido exigiu que sua esposa fosse devolvida a ele. Nessa
altura, o encantador Patife explicou com sinceras desculpas que a
dama se recusou a ser resgatada.
Ele teria dito que estava disposto a pagar ao marido para levá-la
embora novamente.
As lendas de suas artimanhas na Costa da Barbária haviam
colocado sua cabeça a prêmio, e a recompensa manteria qualquer
homem aquecido e gordo por todos os invernos de sua vida. Apesar
de toda a sua reputação encantadora, ela não era nem um pouco
tola de acreditar que ele vivia uma vida de um cavalheiro.
No fim das contas, ele era um pirata que usava sua força para
roubar os outros. E, ainda assim, ela não podia acreditar que o
homem que acabara de ver fosse de alguma forma um assassino.
Ela se repreendeu, internamente. Que ridículo, ela não sabia nada
dele e dificilmente poderia formar uma opinião baseada em alguns
segundos em uma sala escura e um beijo, algo que dificilmente era
o comportamento de um cavalheiro. Ela ainda não entendia por que
não havia gritado e o esbofeteado, o que teria sido a reação de uma
dama. Ela só podia concluir que não era uma dama, como ela
acreditava. Talvez a companhia de Annie tivesse feito mais mal do
que ela imaginava, afinal. Ela certamente a tinha ensinado um
vocabulário interessante.
Ela estava tão imersa em seus pensamentos que mal percebeu
que tinham chegado na porta da frente de sua casa, e horrorizada,
ela reconheceu a carruagem do lado de fora e o brasão estampado
na porta. Aquilo pertencia ao seu noivo.
— Rápido! — sibilou ela para Annie. — Pelos fundos.
Juntas, elas se abaixaram por baixo da janela e correram para a
entrada dos empregados.
— Que diabos ele está fazendo aqui? — falou Henri, com
reprovação. Enquanto isso, elas caminharam na ponta dos pés pela
cozinha, ignorando o som de desaprovação do cozinheiro, e foram
em direção à biblioteca. Esse cômodo era o oásis pessoal de Henri
e, como era situada ao lado do escritório de seu pai, aquele era um
lugar onde elas podiam tentar escutar a conversa sem serem vistas.
Como Annie era mais baixa, mais robusta e tinha cotovelos mais
afiados conseguiu chegar no buraco da fechadura antes de Henri,
que foi forçada a perambular com impaciência enquanto Annie
retransmitia as informações relevantes.
— Ele qué apressá as núpcia, senhorita, para que cê possa
casá antes de cês partir pra França — sussurrou Annie, olhando
para ela com os olhos arregalados. — Meu Deus dos céu, ele foi lá
e comprô uma licença especial!
— O quê? — Henri sentiu como se as garras de aço de um
marido estivessem prendendo o seu corpo, ao redor de seus pulsos
e tornozelos. Ela seria acorrentada ao bastardo frio que estava do
outro lado daquela porta mais cedo do que ela pensava. Aos trinta e
seis anos, ele era muito mais velho que ela e muito bonito, mas
seus olhos tinham tanto calor quanto um mar no inverno, e havia um
vinco cruel no canto de sua boca que a fazia estremecer.
Não era nenhum segredo que tudo o que ele queria era alguém
para prover um herdeiro e um belo ornamento para usar em seu
braço em certas ocasiões. Ele não tinha nenhum real interesse nela.
Seu jeito mulherengo e libertino continuaria inabaláveis e a
liberdade de Henri, tal como era, desapareceria para sempre. Ela já
havia sido instruída por seu pai sobre o tipo de esposa que esse
homem estava esperando. Supostamente, perambular pelo campo
desacompanhada e voltar parecendo que estava trabalhando nas
minas era inaceitável.
A injustiça e a desigualdade da situação fizeram seu sangue
ferver sob sua pele. Esperava-se que ela se comportasse, bordasse,
organizasse chás da tarde e falasse educadamente com os
convidados do marido, independentemente de gostar deles ou não.
Ela seria uma prisioneira, a sua propriedade, com a qual ele poderia
fazer o que bem desejasse, simplesmente porque ela era uma
mulher e não tinha como se defender. E o tempo todo seu digno
marido continuaria a esbanjar grandes somas de dinheiro com
pessoas, como a escandalosa senhora Morris. A sua amante
favorita tinha acabado de chocar a alta sociedade ao levar o seu
mais recente presente com ela, um phaeton com capota reversível
puxado por um par de cavalos cinzas com arreios violeta e prata,
através do Hyde Park na hora do pico.
— Quando? — perguntou ela, ouvindo o medo em sua própria
voz.
Annie olhou para ela e seus olhos projetavam pena. — No
sábado.
Henri engoliu em seco, o frio daqueles grilhões imaginários
fazendo-a estremecer. Com uma onda repentina de empatia, ela se
lembrou da aparência do pirata ao ver o Casaca-Vermelha se
aproximando dele. Ele xingou baixo e ferozmente, mas não entrou
em pânico, não chegou a se desesperar. Henri cerrou os dentes.
Bem, ela não estava prestes a ter uma corda em seu pescoço como
Jack Ketch, segundo comentavam os seus empregados, mas ela
estava enfrentando uma prisão perpétua que parecia muito sombria
para ela. Apesar de tudo, ela ainda não tinha sido apanhada. Ela
não cederia ao desespero, e talvez houvesse outra maneira de
pagar a dívida de seu pai.
Ela cambaleou ao ouvir o movimento da sala ao lado conforme
os homens saíam. Ela prendeu a respiração até que o som de rodas
no cascalho pudesse ser ouvido, levando o seu noivo para longe…
por enquanto.
Henri atravessou a sala e pegou uma garrafa de conhaque que
ela deixava pronta quando seu pai ia conversar com ela. Ela se
serviu com um pouco e engoliu de uma só vez. Em seguida, inalou o
ar em choque quando a sua garganta e barriga começaram a pegar
fogo. Em vez de recriminações e suspiros de terror que a maioria
das criadas faria ao ver sua senhora agir dessa maneira, Annie
simplesmente arrancou a garrafa dela e pegou outro copo.
— Deixa um poco pra mim, garota, eu tamém levei um baita
dum susto, tá? — murmurou Annie enquanto Henri bufava e
sentava-se perto do fogo.
Respirando fundo enquanto o inferno em sua barriga diminuía
para uma calidez branda, Henri enfiou a mão em sua retícula e tirou
o pedaço de papel dobrado que seu pirata havia deixado cair na
pressa de escapar. O lacre de cera tinha sido quebrado e ela o abriu
com cuidado.
L,
Embora pareça inacreditável, a história era
verdadeira, ele está vivo. Entretanto, parece que o
menino que você estava procurando não escapou, no
fim das contas, ele morreu naquela noite e foi
enterrado há muito tempo. Um corpo foi levado pelas
ondas algumas semanas depois e foi identificado por
causa de um anel de ouro. Ele carregava o brasão da
família e, portanto, não houve dúvidas sobre o
assunto. Nas devidas circunstâncias, acho que você
não deve mais mexer no assunto, pois é muito
perigoso, principalmente para alguém como você. Se
a verdade dos eventos daquela noite vier à tona,
muitos sofrerão as consequências. Já existe um
preço pela sua cabeça, mas você continua vivo,
então, contente-se com isso.
Estarei no Pangaré na quarta-feira, como você
queria, mas imploro que se mantenha afastado. A
milícia está em toda parte e você não deve confiar
em ninguém além de seus próprios homens.
Seu amigo,
S
Henri mordeu o lábio e sua mente começou a girar. Embora o
conteúdo fosse enigmático para ela, deveria haver outros que
estariam interessados nas informações dessa carta, e que
certamente seu pirata poderia preferir manter para si. Ela não era
tão cruel a ponto de entregá-lo, não depois de ter se dado ao
trabalho de salvá-lo, porém poderia ser uma informação pela qual
outros poderiam querer pagar, ou que, se pressionado, ele poderia
pagar para permanecer sob sigilo.
A ideia de chantageá-lo – e não fazia sentido tentar fingir que
estava planejando outra coisa – era atraente. Seu estômago se
retorceu em protesto contra a própria ideia, mas sendo forçada a
passar o resto de seus dias casada com aquele… aquele monstro
também não era uma opção. Ela dobrou a carta com cuidado e a
colocou de volta, fora de vista, antes de perceber que estava sendo
observada.
— Que que cê tá tramano, milady?
Henri olhou para cima e respondeu com uma cara feia à
expressão astuta no rosto de Annie.
— Nada com que você deve se preocupar — respondeu ela,
tentando parecer arrogante e colocar Annie em seu lugar, o que era
inútil, pois nunca havia funcionado. Como previsto, Annie apenas
colocou as mãos em seus quadris amplos e fez uma careta.
— Num vem falar cumigo dessa forma toda afetada não, tá com
mó cara de lobo em pele de cordero. Esses olhão castanho pode
enganá seu pai, mas eu tenho um faro melhó. Cê tá com aquele
olhar no rosto que significa poblema, então… o que tá maquinando
nessa sua cabeça loca?
Henri bufou para ela. Bem, não fazia sentido não perguntar. Ela
precisava saber. — Você sabe onde fica o Pangaré? — perguntou
ela, esperando soar indiferente.
As sobrancelhas de Annie atingiram a altura do couro cabeludo
e Henri suspirou com a inútil tentativa de tentar enganar a miserável
mulher.
— O Cabeça do Pangaré? — gritou Annie, alarmada. — Sim, eu
conheço, mas nunca que coloquei os pé no lugar, num é seguro
pruma mulher respeitável, não mermo — disse ela, cruzando os
braços sobre o peito generoso, e com uma fungada de
desaprovação. Um sorriso malicioso rapidamente se seguiu, algo
muito menos surpreendente e muito mais a ver com seu caráter. —
Tá cheio de contrabandista, senhorita. Ah, sim, os cavalheiro são os
únicos que bebe lá, embora sirvam o melhor conhaque que cê vai
prová na vida… — Ela parou no meio da frase e franziu os lábios. —
Eu ouvi dizê — acrescentou ela.
Henri revirou os olhos. — E onde que ele fica? — indagou ela,
observando a perplexidade de sua criada com diversão.
— Cê pega a antiga Chapel Road até o Mercado, de lá pega o
beco que leva ao cais, fica por lá.
Henri sorriu.
— E por que cê tá quereno ir até lá, eu posso sabê? — indagou
Annie.
— Isso não é da sua conta — disse Henri, esperando soar
autoritária. As sobrancelhas de Annie se juntaram, mas ela não a
questionou mais.
Henri passou o resto da tarde evitando o pai e fazendo planos.
Assim que escureceu, ela já havia mudado de ideia sobre ir até o
Cabeça do Pangaré uma dúzia de vezes ou mais. Ela sabia que era
perigoso, ela sabia que era tolice – mas ela estava determinada a ir
de qualquer maneira. Não adiantava nada ficar sentada torcendo as
mãos de nervoso e desejando que o mundo fosse mais gentil. O
mundo não era gentil e nunca tinha sido, além disso, se ela
quisesse que ele mudasse, ela sabia muito bem que teria que
mudá-lo sozinha.
A casa estava escura e silenciosa quando ela abriu a porta do
quarto. A lua cheia projetava curiosos padrões no piso de madeira
polida até as escadas. A luz prateada-brilhante de alguma forma
parecia amplificar cada pequeno rangido das tábuas do assoalho e
ela fez o angustiante percurso até a porta da frente, repleta de
pavor. Ela parou por um momento nas escadas para se recompor.
Se ela não conseguisse nem chegar à porta da frente sem ter um
ataque de nervos, ela não iria muito longe.
Uma vez do lado de fora, ela respirou fundo e puxou o xale de
caxemira com força em volta dos ombros. A noite estava
congelante, e o céu limpo, uma forte geada polvilhava tudo ao seu
redor com um branco brilhante. A sua respiração oscilava em torno
de seu rosto e ela desceu na ponta dos pés até o caminho de
cascalho, bastante certa de que seu pai e todos os empregados
seriam alertados de suas atividades noturnas à medida que o
cascalho e folhas congeladas eram amassadas sob o pesado
volume de seus pés. Ela caminhou com rápida determinação,
mantendo-se nas sombras e escondendo-se nas esquinas escuras
quando ouvia alguém se aproximar.
Henri chegou ao Mercado sem incidentes, mas sabia que ali ela
enfrentava grande perigo. O beco que Annie lhe instruiu a pegar não
estava localizado em uma parte salubre da cidade e, em
circunstâncias normais, ela nem mesmo o teria enfrentado à luz do
dia. Ela sabia muito bem que o único tipo de mulher que estaria
andando sozinha à noite não era do tipo com quem ela gostaria de
ser confundida. Mas não havia mais nada a ser feito. Se ela
desejava evitar o casamento com um homem que desprezava, essa
era sua única opção.
Ela puxou o xale sobre o cabelo, cobriu o rosto, e com a cabeça
baixa correu pelo beco. Ela silenciosamente agradeceu a sorte
grande de estar uma noite tão fria. Todo mundo com algum juízo
estava abrigado e assim que ela chegou ao Cabeça do Pangaré,
pôde ver que o lugar estava lotado, mesmo através das janelas
embaçadas. Ela hesitou do lado de fora, espiando através do vidro
fosco. O fedor do beco era insuportável em comparação ao ar claro
e nítido da noite. Os odores misturados de tripas de peixe, urina e
cerveja velha já pesavam no ar quando um homem grande forçou o
caminho pela porta da frente do pub, trazendo consigo uma espessa
lufada de fumaça de tabaco. Henri se agarrou às sombras até que o
homem tivesse seguido seu caminho, em seguida, tomou coragem e
pegou na maçaneta da porta.
Uma vez lá dentro, seus sentidos foram atiçados mais uma vez.
O perfume de muitas pessoas amontoadas em um espaço muito
apertado – muitas delas há muito tempo sem se lavar – era
temperado com aroma de conhaque e rum, e uma nuvem pesada de
fumaça. Fez-se um silêncio sepulcral quando ela entrou, fazendo-a
sentir uma pitada de medo subir e descer por sua coluna enquanto o
peso de olhares curiosos caía sobre ela. Examinando o local com
desespero, ela rezou para ver seu pirata. É claro que foi nesse
exato momento, já tarde demais, que ela percebeu o quão tolo era a
sua ideia. Era improvável que ele estivesse sentado à vista de
todos, sabendo que a milícia estava atrás dele. Suas bochechas
queimavam enquanto assobios seguiam seu caminho pelo cômodo,
ao receber convites para colocar um sorriso em seu rosto e se
sentar em um colo confortável. A linguagem usada para encorajá-la
poderia ter feito até mesmo Annie corar.
Ignorando-os com uma expressão arrogante, embora ela
estivesse bem ciente que suas bochechas estavam queimando, ela
abriu caminho em direção a um bar imundo, observando como o
fedor do lugar tornava-se completamente insuportável. Bom Deus,
será que ela tinha acabado de se arruinar por nada mais do que
uma missão tola?
Seu olhar recaiu sobre uma mulher rechonchuda que sorria para
ela, mostrando uma fileira de dentes amarelos e irregulares. A
rameira estava sentada no colo de um sujeito, que acariciava
explicitamente seus seios nus. Perplexa e começando a perceber o
quão fora de sua realidade ela realmente estava, considerou dar
meia volta e correr como o diabo foge da cruz, supondo que ela
ainda pudesse. Ela xingou, internamente, a sua tola estupidez, e
sufocou um grito quando alguém estendeu a mão e beliscou seu
traseiro com certo entusiasmo. Sem pensar duas vezes, ela
simplesmente reagiu e virou-se para dar um tapa no rosto do dono
daquela mão. O rosto profundamente bronzeado e ruborizado
parecia impassível e, no caso, seu dono simplesmente gargalhou.
Ela notou, com consternação, que não havia marca do golpe na
bochecha dele, apesar de sua mão arder ferozmente.
— Ei, Jay, essa daqui vai dá aquelas aquecida boa nocê, eu
aposto — gritou o grandalhão, apontando para ela enquanto um
homenzinho com cara de rato ao lado dele a olhava lascivamente
em resposta. Jay, ela presumiu.
— Certeza, Mousy, aposto que ela faz as coisa toda.
Henri suprimiu a pequena bolha de terror que flutuava em seu
peito, antes de decidir que, já que havia chegado tão longe, não iria
desistir. — Eu gostaria de ver o Capitão Savage — disse ela,
levantando o queixo e ignorando os olhares de incredulidade que os
dois homens lançavam sobre ela. — Eu tenho algo do seu interesse
— acrescentou ela, lamentando em seguida essa parte, uma vez
que ambos trocaram olhares de compreensão mútua.
— Ah, tendi — disse o homem com cara de rato, sorrindo
maliciosamente e olhando para ela de cima a baixo. Ele molhou os
lábios de uma maneira que fez Henri querer regurgitar. — Certeza
que cê tem — murmurou ele, com um sorriso lascivo.
Henri lutou contra o rubor queimando seu pescoço e olhou para
o homem. — Levando em conta o fato de que eu vi a milícia no
Mercado, eu acho que você pode querer me levar até ele o quanto
antes — disse ela, com o máximo de veemência que conseguiu
reunir. Isso, é claro, era uma mentira, mas mentir parecia o menor
de seus problemas no momento.
Os dois homens franziram a testa com incerteza e, por um
momento, ela pensou que eles iriam colocá-la para fora ou no
mínimo questioná-la mais um pouco. No final, ela se assustou
quando o grandalhão agarrou seu pulso e guiou-a atrás dele. A
multidão deu passagem diante de seu tamanho e ela se viu
seguindo-o por uma escada de madeira estreita e frágil. Eles
continuaram ao longo de um corredor escuro e pararam quando
chegaram embaixo de um alçapão no teto. O grandalhão estendeu a
mão e bateu três vezes na abertura.
— Sô eu — disse ele, as palavras concisas, voltando-se para
olhar para ela com uma carranca. — Tem uma mulhê qualquer aqui
para vê o capitão, diz que tem algo pra ele.
Henri bufou quando o som inconfundível de homens
gargalhando foi ouvido através do teto. E, então, o alçapão foi
aberto.
Capítulo 3
“No qual os lobos uivam, os ratos guincham e nossa heroína tenta
não balir.”
Assim que Henri reuniu todos na sala da torre, mal havia espaço
para se mover. O que era uma pena, pois ela realmente precisava
andar. Esta era pior parte de nascer mulher, ela se enfureceu
internamente. Por que ela não insistiu que Lawrence lhe ensinasse
a disparar uma arma quando teve a chance? Então quer dizer que
todas elas deveriam se esconder aqui enquanto os homens partiam
e se matavam. No entanto, ela sabia que, sem saber manejar uma
pistola ou espada, provavelmente serviria mais de distração do que
ajuda. O conhecimento a irritou e ela jurou que, se eles saíssem
dessa, essa situação seria remediada. Quando ela saísse dessa,
não se, ela se repreendeu. Todos eles sairiam vivos dessa, não
havia outra opção. Ela ouviu um homem gritando de dor e fechou os
olhos, orando – com mais fervor do que jamais tivera por sua própria
segurança – que Lawrence fosse poupado.
Embora os sons chegassem abafados, já que estavam
confinados aqui em cima, cada estampido de tiro fazia seu coração
pular e seu sangue correr frio em suas veias enquanto pensava em
Lawrence e Alex, lutando por suas vidas lá embaixo. Ela sentiu
como se estivesse sufocando e quando uma das criadas começou a
chorar, espremeu-se em frente à uma janelinha. Ela não podia ver
nada da luta, pois tudo estava acontecendo dentro e ao redor da
casa, mas ela examinou a paisagem circundante, rezando para que
alguém tivesse soado o alarme. Do andar de baixo, vozes
masculinas soaram.
— Vai ajudá o Brant, ele e Tready conseguiram encurralá o
Savage lá dentro, mas precisamu ir. Vamo dá uma limpa no local pra
depois tacá fogo.
Henri sentiu puro medo deslizar pela espinha. Lawrence tinha
sido encurralado, preso com dois homens que queriam seu sangue,
e uma vez que estivesse morto e a casa saqueada, eles a
queimariam.
— Não — sussurrou ela. Eles não tirariam Lawrence dela, não
agora, e eles não queimariam esta bela casa ou as pessoas
inocentes dentro dela. Ela apertou a mão de Annie, puxando sua
criada para segui-la escada abaixo. — Annie — sussurrou ela. — Eu
tenho que fazer alguma coisa, eles vão matá-lo e eles querem
queimar a casa. — Ela apertou as mãos de Annie enquanto seus
olhos se tornavam redondos como um pires. — Eu vou até lá e…
vou fazer alguma coisa! — exclamou ela.
— Mas… — começou Annie, mas Henri cobriu a sua boca com
a mão para silenciá-la.
— Eu o amo, Annie, não vou deixá-lo morrer sem sequer
levantar um dedo para ajudá-lo. Mas essas pessoas precisam de
ajuda também. Você não pode deixá-las morrer aqui em cima.
Mantenha-as quietas, o máximo que puder, mas se o fogo começar,
você deve tentar tirá-los com segurança.
Os olhos de Annie se encheram de lágrimas, mas ela assentiu
com a cabeça e respirou fundo quando Henri removeu a mão. —
Num se preocupa, meu patinho, eu vô cuidar deles. Mas… — Ela
fungou quando as lágrimas começaram a rolar pelo seu rosto. —
Oh, meu Deus dos ceú, minha doce garota, por favô, tem cuidado!
Henri puxou Annie em um abraço rápido e beijou sua bochecha.
— Eu vou, eu prometo, e você também, Annie. Boa sorte.
Henri examinou o corredor e, encontrando-o vazio, deslizou
rapidamente por trás da pintura e fechou-a atrás dela. Ela precisava
de uma arma, e sabia que Lawrence tinha a sua, mas Alex não
parecia ser o tipo de homem que se arriscava, e ela sabia que ele
tinha inimigos. Ela tinha certeza de que ele teria armas escondidas
por perto. Com isso em mente, ela correu em direção ao quarto dele
e passou voando pela porta. Ela revirou gavetas e vasculhou o
guarda-roupa. Com um susto, notou uma bela caixa de madeira –
ela a tinha visto em sua cabine no Vingança. Com uma oração nos
lábios, abriu a tampa e suspirou de prazer quando seus olhos
caíram sobre duas lindas pistolas de duelo. Agradecendo à
Providência Divina, retirou a gaveta escondida da caixa,
descobrindo pólvora e balas.
Uma vez, muitos anos atrás, tinha passado um verão com o
primo de seu pai. Ela tinha pouco mais de dez anos, mas eles
tinham um menino mais velho, cujo pai estava ensinando-o a atirar.
Embora eles a tivessem banido das aulas, Henri fazia questão de
ficar por perto e assistir enquanto eles derramavam a pólvora e
atiravam. Realmente não parecia muito difícil, então…
Mordendo o lábio com a concentração e tentando manter suas
mãos firmes, Henri carregou primeiro uma pistola e, em seguida, a
outra. Os sons de brigas e de móveis quebrados estavam se
tornando cada vez mais extremos, e foi com resolução que ela
agarrou uma pistola em cada mão e se dirigiu para as escadas.
Com o coração batendo na garganta, Henri desceu
silenciosamente as escadas, o som da colisão de espadas e os
grunhidos de homens imersos em uma batalha mortal vindos de trás
da escada. Respirando com dificuldade, ela levantou as pistolas e
olhou por cima do corrimão, vendo dois homens e Lawrence,
lutando por sua vida.
O choque de lâminas soou e ela sufocou um grito ao ver um
homem careca enlouquecido ir em direção a Lawrence, mas seu
homem era mais rápido e claramente habilidoso, pois ele virou a
lâmina e atacou-o, dando um chute rápido no estômago do
brutamontes, que o fez gemer e tropeçar de costas. Aterrorizada,
ela observou, orando para que Lawrence escapasse do tiro, pois ela
temia matá-lo também se tentasse atirar agora. O sangue escorria
de um ferimento em seu braço e no lado de seu corpo, e sua camisa
se agarrava a ele, banhada em vermelho-escuro e pegajoso.
Em agonia, ela viu que eles estavam tentando cansá-lo, mas ele
continuava lutando e, por um momento, ela pensou que ele tivesse
derrubado o sujeito de barba-escura, quando ele gritou e tropeçou,
mas para sua decepção e desespero, ele endireitou-se novamente.
Então, com satisfação, ela notou que o homem estava mancando e
possuía um visível corte escuro em sua coxa; então ele não estava
morto, mas sim, ferido.
Com frustração cantando em suas veias, ela observou como a
luta se tornava cada vez mais brutal. Ao redor deles viam-se os
destroços de móveis quebrados, obstruindo a passagem e fazendo
com que tropeçassem enquanto Lawrence lutava pela
sobrevivência. Era como se o tempo tivesse parado em algum
pesadelo terrível, pois ela estava tão desesperada em ajudar, mas
sabia que, se ela gritasse na hora errada – a menor distração que
fosse – poderia fazer com que Lawrence fosse morto. De repente,
ele simulou um golpe para a direita e, em seguida, rolou,
levantando-se rapidamente e quase matando o estúpido careca
quando ele se lançou para a frente. No entanto, o demônio parecia
ser surpreendentemente ágil – apesar de seu volume – e saltou
para trás, mesmo carregando um corte profundo em seu peito, para
sua desvantagem. O movimento, no entanto, os colocou de frente e
Lawrence de costas para ela. Sem pensar duas vezes, ela gritou
para ele, o peso das pistolas fazendo suas mãos tremerem
enquanto ela as apontava.
— Lawrence, abaixe-se!
Os dois homens olharam para cima; a cabeça de Lawrence
girou, e todos os três olharam para ela com espanto. Lawrence ficou
boquiaberto ao notar as armas em suas mãos e mergulhou,
atingindo o chão. E ela disparou.
O barulho foi inacreditável e a força dos tiros fez com que Henri
desse um passo para trás. Perdendo o equilíbrio, ela rolou, de
costas, pelas escadas. Pousando pesadamente, ela ainda tentou
forçar o ar a sair de seus pulmões com pressa e a dor explodiu atrás
de seus olhos quando sua cabeça bateu em um degrau, e então
tudo ficou escuro.
Ela acordou para um mundo de dor. Sua cabeça estava
latejando e ela não conseguia respirar. Esse fato foi rapidamente
explicado quando ela olhou para baixo ela se deparou com um
braço musculoso enrolado firmemente em torno de seu peito, e o
toque frio de uma faca em sua garganta. Ela arquejou, lutando para
se libertar e, em seguida, gritando para ele deixá-la ir, mas o homem
apenas aumentou o aperto e segurou a faca mais perto de sua
garganta.
— Cala boca, vadia! — ordenou ele, quando ela voltou a si e
olhou em volta, vendo Lawrence avançando sobre eles, com uma
espada em uma mão, uma adaga na outra e um olhar assassino.
Além dele, ela pôde ver o homem barbudo deitado morto em uma
poça de sangue no chão. Será que ela tinha feito isso? Ela esperava
muito que sim.
Ela gritou, lutando com dificuldade. Mesmo xingando, o homem
que a segurava, arrastava a sua forma relutante para trás em
direção à porta da frente. Não, não, não, ela não podia deixá-lo levá-
la embora. Ela viu o rosto ferido de Lawrence enquanto ele o seguia,
incapaz de atacar por medo de que o homem cortasse sua
garganta.
Ele nunca se perdoaria. E, então, ela percebeu que podia sentir
o cheiro forte de sangue acobreado, e que sua mão direita — que a
prendia a ele — estava coberta de sangue. Ela se concentrou por
um momento e percebeu com alívio que o sangue não era dela, o
que significava… Ela levou o cotovelo o mais para a frente possível,
dentro do punho de ferro do homem, e enfiou-o com todas as suas
forças em seu flanco. Ele gritou de dor e momentaneamente perdeu
o controle sobre ela. Mas por apenas um instante. Nisso, Henri
gritou quando sua mão surgiu de repente e a atingiu.
Atordoada com o golpe, seus pés derraparam no sangue que
atravessava o chão de madeira polida e ela caiu. Arranhando, em
vão, a superfície escorregadia, ela tentou se levantar. No entanto,
ela viu com o canto do olho o brilho de uma lâmina na mão do
homem endiabrado. Ela berrou quando Lawrence vociferou, caindo
de joelhos e empurrando-a, cobrindo-a com seu corpo, enquanto ele
contragolpeava a lâmina com a sua própria, metal bramindo contra
metal, em um som agonizante. Empurrando Henri bruscamente para
fora do caminho, Lawrence se preparou para enfrentar outro golpe,
mas seu oponente gigantesco estava na ofensiva e Lawrence em
uma posição vulnerável no chão, enquanto a lâmina o golpeava por
cima. Faíscas voavam quando as espadas entraram em confronto e
Lawrence foi jogado de costas. O homem recuou para atacar
novamente, mas Lawrence atacou, chutando-o com força no joelho
e o grandalhão caiu em uma perna, grunhindo enquanto se
endireitava novamente, não dando a Lawrence tempo suficiente
para ficar de pé. Henri gritou ao ver os braços maciços do homem
levantarem sua espada e percebeu que Lawrence não teria tempo
de desviá-la antes que ela o derrubasse.
De repente, o homem congelou, seu braço brandindo a espada
ainda levantado quando o som de um tiro explodiu em torno deles.
Como se em câmera lenta, a lâmina bateu no chão enquanto o
homem caiu como uma pedra, e Henri olhou em volta perplexa, e
viu a figura gigante de Mousy parada na porta.
Capítulo 34
“No qual os camaradas se reúnem.”