Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
33 437 1 PB
33 437 1 PB
ISSN 2595-0886
RELATO DE EXPERIÊNCIA
RESUMO
Todas as pessoas contam histórias, quer para dar conta do cotidiano, quer para buscar compreender suas
experiências pessoais e coletivas. As histórias de agora dizem respeito ao processo de tutoria de sete turmas
do Projeto “Caminhos do cuidado: formação em saúde mental (crack, álcool e outras drogas) para agentes
comunitários de saúde e auxiliares/técnicos de enfermagem da Atenção Básica” no estado do Ceará. Pre-
tendemos compartilhá-las como forma de disseminar a experiência e o saber apreendido com os agentes
comunitários de saúde (ACS) e auxiliares e técnicos de Enfermagem (ATENF) referente às suas práticas e
concepções de trabalho em saúde mental, bem como de compreender possíveis impactos do curso nestas.
Ao final, a experiência vivida entre alunos e tutores proporcionou um processo de aprendizagem ativa que
resgatou os saberes contidos em suas histórias, que não só viabilizaram como potencializaram a aprendiza-
gem de novas perspectivas tecnopolíticas de cuidado em saúde mental na atenção básica.
Palavras-chave: Educação permanente. Saúde mental. Álcool e outras drogas. Atenção básica.
1
Psicólogo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFCE) – Campus Cedro. Graduado em Psicologia
pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), especialista em Psicopatologia Clínica pela Universidade Paulista (UNIP) e
mestrando em Avaliação de Políticas Públicas pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Contato: cguedesbezerra@
gmail.com.
Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na comunitários de saúde (ACS) e auxiliares e técnicos
palavra, no trabalho, na ação-reflexão. de Enfermagem (ATENF) referente às suas práti-
Paulo Freire (1987, p. 44) cas e concepções de trabalho em saúde mental;
compreender possíveis impactos do curso nestas.
O “Caminhos do Cuidado” compreendia uma
PARA SISTEMATIZAR A EXPERIÊNCIA carga horária de 60 horas, sendo 40 h presenciais
VIVIDA NO “CAMINHOS DO CUIDADO” e 20 h de atividades de dispersão, com uma temá-
Em outro lugar (BEZERRA, 2014), atentava que tica relativa a um problema de saúde emergente
o ato de narrar histórias é algo que faz parte de nos- no Brasil (LAVOR, 2010). A formação contemplava
sas vidas, quer para dar conta do nosso cotidiano todos os ACS das equipes de saúde da família e
com “seus hábitos e revezes” (CHEOLA, 2006, p. pelo menos, dentre elas, um auxiliar/técnico de
47), quer para buscar compreender acontecimen- enfermagem, com o intuito de:
tos rotineiros e/ou estranhos aos nossos esquemas
referenciais, que são o “conjunto de experiências, [...] desenvolver uma estratégia de educa-
conhecimentos e afetos com os quais o indivíduo ção permanente para àqueles profissionais
de saúde que, em sua essência, represen-
pensa e atua” (BLEGER, 1980, p. 67). O ato de con- tam a porta de entrada para o Sistema
tar histórias implica o coletivo e atravessa tempos e Único de Saúde: os agentes comunitários
culturas, como afirmam Brockmeier e Harré (2003, de saúde (ACSs) e os auxiliares e técnicos
de enfermagem (Atenfs) das equipes de
p. 527): “Todas as culturas das quais temos conhe- atenção básica em todo o país (FIOCRUZ,
cimentos são culturas contadoras de estórias”. 2014, p. 14, grifos nossos).
Portanto, é uma prática que conecta a experiência
individual e singular à coletiva em um determinado A expressão “porta de entrada” ressalta, ao nosso
espaço temporal que evidencia os valores culturais ver, um lugar e um fazer próprio desses profissio-
dos sujeitos envolvidos. nais na Atenção Básica (AB), que demonstraremos
As histórias de agora são as vividas no projeto no decorrer de nosso relato. Intentamos atingir o
“Caminhos do cuidado: formação em saúde men- sentido das vivências proporcionadas pelo curso,
tal (crack, álcool e outras drogas) para agentes sabendo que elas são únicas e encontram-se embe-
comunitários de saúde e auxiliares/técnicos de bidas em aspectos de nossa personalidade, biografia
enfermagem da Atenção Básica” (FIOCRUZ, 2014; e participação na história; todavia, apesar de pessoal,
BRASIL, 2016a, 2016b), no qual trabalhei enquanto “toda vivência tem como suporte os ingredientes do
tutor2 em sete turmas (2014-2015) de municípios coletivo em que o sujeito vive e as condições em que
do Ceará (Fortaleza, Caucaia, Itapajé, Independên- ela ocorre” (MINAYO, 2012, p. 622).
cia). Pretendemos: compartilhar histórias escuta- Faremos uso das histórias coletadas a partir de
das no percurso de tutoria, visando à disseminação anotações in loco que consubstanciaram os relató-
da experiência e do saber apreendido; conhecer rios das atividades em sala de aula. Outros materiais
as experiências individuais/coletivas dos agentes foram produzidos, tais como: fotos, gravações em
2
O processo de tutoria do curso foi realizado em pares, experiência muito significativa e acertada, pois possibilitou
uma troca de ideias, conhecimentos e experiências ainda maior nas turmas. Deixo aqui um abraço fraterno aos
companheiros(as) de tutoria.
3
Mais informações sobre a Comunidade de Práticas (CdP) do “Caminhos do Cuidado” podem ser obtidas no sítio: <https://
www.caminhosdocuidado.org/comunidade-de-praticas/>. Acesso em: 31 jan. 2018.
4
Apesar da política do Ministério da Saúde (BRASIL, 2003) se referir à atenção integral para usuários de álcool e
outras drogas, utilizaremos no texto a expressão “pessoas que usam drogas” por refletir uma discussão atual quanto ao
enfrentamento de estigmas e por ser um termo utilizado no material do curso.
5
Mais à frente, retomaremos este ponto com uma história passada em uma das turmas do curso.
Os Caminhos do cuidado
Nos trouxe fascinação,
Para cuidar do ser humano
Sem qualquer distinção.
BLEGER, J. Temas de psicologia: entrevista e grupos. São Paulo: Martins Fontes, 1980.
BRASIL. Saúde da Família: uma estratégia para reorientação do modelo assistencial. Brasília, DF: Ministério
da Saúde, 1997. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd09_16.pdf>. Acesso em: 1 fev.
2018.
______. A política do Ministério da Saúde para atenção integral para usuários de álcool e outras
drogas. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2003. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/
politica_atencao_alcool_drogas.pdf>. Acesso em: 1 fev. 2018.
______. A educação permanente entra na roda: polos de educação permanente em saúde: conceitos e
caminhos a percorrer. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2005. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/
bvs/publicacoes/educacao_permanente_entra_na_roda.pdf>. Acesso em: 1 fev. 2018.
______. Plano Nacional de Saúde - PNS: 2012-2015. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2011. Disponível
em: <http://conselho.saude.gov.br/biblioteca/relatorios/plano_nacional_saude_2012_2015.pdf>. Acesso em:
1 fev. 2018.
______. Saúde mental. Brasília: Ministério da Saúde, 2013c. (Cadernos de Atenção Básica, 34). Disponível
em: <http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/caderno_34.pdf>. Acesso em: 1 fev. 2018.
______. Saúde da população em situação de rua: um direito humano. Brasília, DF: Ministério da Saúde,
2014. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_populacao_situacao_rua.pdf>.
Acesso em: 1 fev. 2018.
CHEOLA, M. L. V. B. Quem conta um conto. In: CARVALHO, M. A. F.; MENDONÇA, R. H. (Org.). Práticas de
FARIA, E. C. C. de; FARIA, P. H. de; TÓFOLI, L. F. Qual o papel da educação na sociedade de consumo? Revista
espaço ética: educação, gestão e consumo, São Paulo, n. 3, p. 34-41, set./dez. 2014.
FONSECA, G. G. P. da et al. Acolhimento e vinculo no processo de fazer dos agentes comunitários de saúde:
uma revisão integrativa. Revista Saúde, Santa Maria, v. 39, n. 2, p. 9-22, 2013.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1987.
______. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do oprimido. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz
e terra, 1992.
______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25. ed. São Paulo: Paz e terra,
1996.
______. À sombra desta mangueira. 8. ed. São Paulo: Olho D’água, 2006.
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ – FIOCRUZ. Caminhos do cuidado: formação em saúde mental (crack, álcool e
outras drogas) para agentes comunitários de saúde e auxiliares/técnicos de enfermagem da Atenção Básica:
relatório 2014. Rio de Janeiro: FIOCRUZ/ICICT, 2014.
FREEDHEIN, S. B. Por que menos sinos dobram no Ceará: o sucesso de um programa de agentes de saúde
comunitários no Ceará, Brasil. 1993. 66 f. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano) – Instituto de
Tecnologia de Massachusetts (MIT), Massachusetts, USA, 1993.
GARCIA, J. Juiz autoriza retirada à força de usuários de drogas em SP para internação compulsória.
2017. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/05/26/juiz-autoriza-
internacao-compulsoria-de-usuarios-de-drogas-em-sp.htm>. Acesso em: 21 ago. 2017.
LANCETTI, A. et. al. Guia de saúde mental: atendimento e intervenção com usuários de álcool e outras
drogas. Brasília: Ministério da Saúde, 2013.
LAVOR, A. C. H. O agente comunitário: um novo profissional da saúde. In: ______. Memórias da saúde da
família no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde, 2010. p. 17-20.
MINAYO, M. C. de S. Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciência & saúde coletiva, Rio de
Janeiro, v. 17, n. 3, p. 621-626, 2012.
RONZANI, T. M. Reduzindo o estigma para usuários de drogas: guia para profissionais e gestores. Juiz de
Fora, MG: Editora UFJF, 2014.
TOROSSIAN, S. D. Paixões e químicas. In: ______. Caminhos do cuidado: caderno do aluno. Brasília: Ministério
da Saúde, 2013. p. 81-2.
Recebimento – 07-09-2017
Aceite – 27-11-2017