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Movimentoterraplana Costa 2022
Movimentoterraplana Costa 2022
Movimentoterraplana Costa 2022
NATAL
2022
POLIANA LOPES DA COSTA
NATAL
2022
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Moacyr de Góes - CE
Aprovada em:
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________
Dr. ANDRE FERRER PINTO MARTINS (UFRN)
Presidente da Banca /Orientador
_____________________________________________
Dra. FLÁVIA POLATI FERREIRA (UFRN)
Examinadora Interna à Instituição
_____________________________________________
Dr. LUCIANO DENARDIN DE OLIVEIRA (PUCRS)
Examinador Externo à Instituição
_____________________________________________
Dra. BERNADETE BARBOSA MOREY (UFRN)
Examinadora Suplente Interna à Instituição
_____________________________________________
Dra. CRISTINA LEITE (USP)
Examinadora Suplente Externa à Instituição
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, que diante de algumas renúncias, foram o suporte para que eu pudesse
ter acesso a formação superior e que mesmo diante de algumas dificuldades, continuaram me
auxiliando para que eu concluísse a Pós-Graduação. Maria Lúcia e Pedro Paulo, vocês
formaram uma filha Mestra. A primeira de nossa família, professora Maria Lúcia. Muito
obrigada! Vocês foram fundamentais para que eu chegasse até aqui. Minhas tias, professoras,
muito obrigada pelo suporte desde o ensino médio, Tia Carminha e Tia Zefinha (onde estiver).
Minha irmã, Maria Paula, te agradeço imensamente pelo seu apoio, tanto me
proporcionando momentos de descontração como me ajudando com materiais que necessitei.
Nossa relação foi fundamental.
Ao meu companheiro, Pedro, que me deu suporte nas crises, anseios, alegrias e
superação. Agradeço a sua família pelo acolhimento. E muito obrigada pela parceria construída
ao longo desses anos.
Obrigada as minhas amigas, Daniela, Virgínia, Érika e Adinha. Que me acompanham
há muitos anos, e que nos últimos meses nos aventuramos em um novo esporte. Obrigada pelas
manhãs terapêuticas jogando futvôlei, pelo carinho e suporte.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação que me apresentaram,
através de leituras, conhecimentos que me despertaram encantamento, aflições e curiosidade
sobre a Educação Brasileira.
Agradecimento em especial ao meu professor orientador André Ferrer, que me acolheu
no grupo de pesquisa e que ao longo desses 4 anos possibilitou um mundo de descobertas sobre
as ciências, me acrescentando reflexões e ensinamentos que carrego para minha formação
docente e pessoal. Muito obrigada! Sua orientação com paciência em minha jornada
inexperiente de pesquisadora foi essencial.
Agradeço ao grupo de pesquisa “ciência e cultura” e as pessoas que dele fizeram/ fazem
parte, em especial a Alana que me apresentou ao grupo. Vocês foram fundamentais para a
produção do meu trabalho, através do compartilhamento de experiências, ensinamentos e
amizade.
Sinto que devo agradecimentos ao meu referencial teórico: Ludwik Fleck. Através de
suas análises consegui lidar melhor com o processo de construção da pesquisa. Aliado as
discussões do grupo de pesquisa, compreendi que o peso de minhas limitações e erros fazem
parte do processo, e que alguns pesos não cabem somente a mim. Obrigada por sua
contribuição, para além da medicina, na área da epistemologia da ciência.
Obrigada à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
pelo período de bolsa concedido. O auxílio financeiro contribuiu para minha permanência na
Pós-Graduação.
Obrigada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Obrigada a todas e todos citados, que também foram essenciais no suporte desde o início
da pandemia do COVID-19, me auxiliando no processo de construção da dissertação.
COSTA, P. L. O movimento terra plana a partir da epistemologia de Ludwik Fleck (1896 –
1961) [dissertação]. Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio
Grande do Norte; 2022.
RESUMO
A Terra é plana, o homem nunca foi à Lua e o Sol gira sobre a Terra. Essas são algumas
afirmativas que encontramos no movimento Terra plana, que ganhou destaque nos últimos anos
para além das bolhas das redes sociais. Enquanto professores de ciências, as ideias defendidas
pelo movimento terraplanista causam curiosidade e preocupação. Este trabalho busca investigar
o movimento Terra plana a partir da epistemologia de Ludwik Fleck, como forma de contribuir
para o ensino de ciências. Para conhecer o movimento Terra plana, nos debruçamos no material
disponibilizado no site oficial da Flat Earth Society, que reúne “provas” da Terra plana
conduzidas por terraplanistas de todo o mundo. Para analisar esse material, utilizamos alguns
conceitos trabalhados por Fleck (2010) em sua obra Gênese e desenvolvimento de um fato
científico, publicada em 1935. Os dados foram agrupados de modo a caracterizar o estilo de
pensamento da Flat Earth Society, descrevendo seus métodos, explicações, julgamentos
evidentes e sua linguagem específica. Já o coletivo de pensamento foi caracterizado por seu
círculo esotérico e exotérico, dispositivos legais e costumários e formas de disseminação do
conhecimento. Encontramos um grande volume de conteúdos abordados pela Flat Earth
Society, abarcando diferentes áreas do conhecimento, como física, geografia, topografia,
astronomia, tecnologia e outras. Diversos temas tratados pela Flat Earth Society possuem
relação direta com a ciência e muitas de suas explicações fazem uso de termos científicos, mas
com significados diferentes, ou são permeadas por contra argumentações ao formato esférico.
Procurando expor como a ciência explica alguns dos fenômenos tratados pela Flat Earth
Society, selecionamos as evidências para o formato esférico da Terra e seus movimentos que
são apresentadas em livros didáticos aprovados no Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD) 2020 para o ensino fundamental. A partir disso, e das contribuições epistemológicas
fleckianas, identificamos diferenças e semelhanças entre o conhecimento acerca da Terra plana
e o conhecimento científico, entendendo que, por se tratar de coletivos de pensamento
diferentes, cada um é permeado por seu estilo de pensar e interpretar os fenômenos. Por fim,
refletimos sobre as implicações para o ensino de ciências a partir da questão: o que aprender
com o movimento Terra plana para discutir e ensinar ciências e sobre ciências?
ABSTRACT
The Earth is flat, man has never been to the Moon and the Sun revolves around the Earth. These
are some of the statements they found in the Flat Earth movement, which has gained
prominence in recent years beyond the bubbles of social networks. While science teachers cause
ideas, the flat-earther movement advocates curiosity and attention. This work investigates the
Flat Earth movement from the epistemology of Ludwik Fleck, as a way to contribute to science
teaching. In order to know the movement of the Earth, we did not look at material available on
the official Earth Society website, which gathers “evidence” of the flat Earth found by flat-
Earthers from all over the world. To analyze this material, we used some concepts developed
by Fleck (2010) in his work Genesis and development of a scientific fact, published in 1935.
The data were grouped in order to characterize the Flat Earth Society's style of thought,
describing its methods, explanations, obvious explanations and their specific language. The
collective of thought, on the other hand, was characterized by its esoteric and exoteric circle,
legal and customary provisions and ways of disseminating knowledge. We found a large
volume of content from technology, technology and different areas of knowledge such as
technology, topography, astronomy, geography and other areas of knowledge. The topics
directly dealt with by the Flat Earth Society are related to science and many of its explanations
make use of scientific terms, but with different meanings, or are permeated by spherical
counter-arguments. Seeking to expose how the phenomena treated by the Flat Earth Society,
we selected as studies for the spherical shape of the Earth and its movements that are approved
in the National Book Program 2020 for elementary school. From this, and from the Fleckian
epistemological contributions, we identified differences and similarities between the
knowledge about scientific knowledge, understanding that, because they are collectives of
thought, each one is permeated by different styles of thought and interpreting the phenomena .
Finally, we reflect on the implications for science teaching based on the question: what can we
learn from the flat movement towards competition and teaching science and about science?
Keywords: Flat Earth movement; Ludwik Fleck; thought style; thought collective; science
teaching.
LISTA DE FIGURAS
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 4
CAPÍTULO 1 ........................................................................................................................................ 13
LUDWIK FLECK: VIDA E TRABALHO COMO MÉDICO E SUAS CONTRIBUIÇÕES
EPISTEMOLÓGICAS .......................................................................................................................... 13
1.1 VIDA E TRABALHO COMO MÉDICO ............................................................................. 13
1.2 FLECK NUNCA FOI EXCLUSIVAMENTE MÉDICO...................................................... 18
1.3 A EPISTEMOLOGIA FLECKIANA ................................................................................... 27
1.3.1. Por uma teoria comparada do conhecimento e conceitos fleckianos: Protoideias, coletivo de
pensamento, estilo de pensamento, harmonia das ilusões, construção dos fatos, acoplamentos ativos
e acoplamentos passivos...................................................................................................... 27
1.3.2. Aprofundando nos estilos e nos coletivos de pensamento: coletivos momentâneos e estáveis,
círculos esotéricos e exotéricos, tráfego intercoletivo e intracoletivo de ideias. ................. 37
CAPÍTULO 2 ........................................................................................................................................ 43
O MOVIMENTO TERRA PLANA A PARTIR DA FLAT EARTH SOCIETY ................................... 43
CAPÍTULO 3 ........................................................................................................................................ 92
ANALISANDO A FLAT EARTH SOCIETY A PARTIR DA ESPISTEMOLOGIA FLECKIANA .... 92
3.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .......................................................................... 92
3.2 IDENTIFICANDO ELEMENTOS REFERENTES AO ESTILO E AO COLETIVO DE
PENSAMENTO .................................................................................................................. 94
3.2.1 Estilo de pensamento ........................................................................................... 94
3.2.2 Coletivo de pensamento .................................................................................... 101
3.3 FLAT EARTH SOCIETY E O CONHECIMENTO CIENTÍFICO ACERCA DO FORMATO
DA TERRA: TRÁFEGO INTERCOLETIVO DE IDÉIAS ........................................................... 105
3.4 ENSINO DE CIÊNCIAS E O FORMATO DA TERRA: O QUE APRENDER COM O
MOVIMENTO TERRA PLANA PARA ENSINAR CIÊNCIAS. ................................................. 143
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................................. 158
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 163
4
INTRODUÇÃO
Terraplanistas viraram notícia, suas ideias saíram das bolhas de suas redes sociais
e seus representantes foram convidados para diversas entrevistas em canais aberto de
televisão, além de se tornarem história de um documentário da Netflix, chamado Behind
the Curve. São convidados para debater com cientistas, confrontando os mais diversos
argumentos sobre temáticas que envolvem o formato da Terra. Seja como pauta de crítica
ou apoio, o movimento terraplanista mobilizou discussões e reflexões.
Adeptos do movimento Terra plana podem ser encontrados em diversos lugares
do mundo. Em 2017 foi realizada a Flat Earth International Conference (FEIC), a
primeira Conferência Internacional da Terra Plana que ocorreu em Raleigh, na Carolina
do Norte, nos dias 9 e 10 de novembro, organizada pela Kryptoz Media. Alguns dos temas
encontrados na programação eram: NASA e outras mentiras espaciais; Terra plana com
método científico; e acordar para as principais mentiras da ciência. Em 2019, o presidente
de um clube de futebol de Madri alterou o nome do clube para Flat Earth Futebol Club
com o objetivo de “divulgar a verdade” sobre o mundo em que vivemos.
No Brasil, o Instituto Datafolha, em 2019, realizou uma pesquisa que estimou
quantos no país duvidam que o planeta seja esférico. A pesquisa contou com 2.086
entrevistados maiores de 16 anos em 103 cidades do país, e obteve o resultado de que 7%
dos brasileiros acreditam que o formato da Terra seja plano. Em 2019 também foi
realizada a primeira convenção da Terra plana no Brasil, a Flat Con Brasil 2019, que
ocorreu no dia 10 de novembro em São Paulo, no Teatro da Liberdade. A conferência
contou com os principais nomes do movimento Terra Plana no Brasil, sendo o primeiro
evento a reuni-los para palestrar sobre o assunto com o objetivo de levar conhecimento e
“ciência de verdade” para todos. Participaram, aproximadamente, 400 pessoas no evento,
alcançando o número de participantes da primeira convenção internacional em 2017.
Os motivos para o crescimento dos movimentos negacionistas da ciência e
pseudocientíficos são estudados por alguns pesquisadores. Segundo Perpétuo (2019), o
surgimento desses movimentos estaria ligado ao “simples afastamento do público leigo
em relação à ciência moderna” (PERPÉTUO, 2019). Perpétuo (2019) cita que o professor
Valdei Araújo, historiador e professor da Universidade Federal de Ouro Preto, credita o
crescimento desses movimentos à crise do
capitalismo contemporâneo que tem destruído comunidades e vínculos,
criando nas pessoas um sentimento de solidão, como se elas não pertencessem
5
Gallup, encomendada pela organização britânica Wellcome Trust, que envolveu 144
países, incluindo o Brasil. Um dos resultados indica que não há um movimento amplo e
organizado contra a ciência, o que é encontrado
são bolhas que acabaram inchando por conta dos algoritmos das redes sociais,
e cujos principais atores agem de forma paranoica, suspeitando não somente
da ciência como também de consensos políticos e evidências históricas
(TAKIMOTO, 2021, p. 92).
CAPÍTULO 1
LUDWIK FLECK: VIDA E TRABALHO COMO MÉDICO E SUAS
CONTRIBUIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
Neste capítulo iremos tratar da vida e obra de Ludwik Fleck (1896 – 1961) e seus
principais conceitos referentes às suas investigações epistemológicas, os quais serão
utilizados para análise do nosso objeto de estudo.
Vale ressaltar que, mais uma vez, devido ao contexto da época, a medicina
polonesa não era bem recebida pela comunidade médica ocidental, tendo a medicina
americana maior influência no período pós-guerra. Importante notar que a prática médica
exercida pelo grupo influente obtinha seus resultados a partir de instrumentos mecânicos
e analíticos e Fleck, por sua vez, era contra tais métodos por serem de cunho reducionista.
Ele propunha uma descrição integral e sintética (SCHAFER; SCHNELLE, 2010, p.8).
Nos anos entre 1946 e 1957 Fleck realizou muitas pesquisas e diversas
publicações, contando com uma equipe de 20 colaboradores científicos e sete técnicos,
tanto em Varsóvia como em Lublin. Foram: 50 orientações de teses de doutorado e uma
série de teses de livre-docência; 87 títulos científicos em medicina publicados em revistas
polonesas, francesas, americanas e suíças; participação em congressos e conferências na
Dinamarca, França, União Soviética, EUA e no Brasil, além de outros países. Fleck
recebeu o prêmio do Estado de Segundo Grau para Trabalhos Científicos e o prêmio da
Cruz dos Oficiais da Ordem do Renascimento da Polônia (SCHAFER; SCHNELLE,
2010, p. 9).
Esse período foi um marco de produção de Fleck na área médica. Em 1957,
infelizmente, ele começa a lidar com outros percalços. O seu estado de saúde começa a
piorar. Após sofrer um infarto, recebe em 1956 o diagnóstico de linfossarcoma, câncer
que ocorre nos linfonodos. Neste mesmo ano, ele se muda para Israel com sua esposa,
16
para viverem próximo ao filho, que vivia na Palestina desde o final da guerra. Em Israel,
Fleck ainda dá continuidade aos seus trabalhos, assumindo um cargo criado para ele
dentro do Israel Institute for Biological Research (Instituto Israelense para Pesquisa
Biológica). Suas pesquisas e publicações continuaram tratando sobre leucergia. Em 1959,
é nomeado professor visitante de Microbiologia na Faculdade de Medicina da Hebrew
University, em Jerusalém. Fleck, entretanto, sofreu uma piora no seu quadro de saúde, e
as dificuldades na língua hebraica fizeram com que sua atuação fosse limitada. Em 5 de
junho de 1961, aos 64 anos, Ludwik Fleck morreu em decorrência do seu segundo infarto,
na cidade de Ness-Ziona (SCHAFER; SCHNELLE, 2010, p.9).
As reflexões trazidas por Fleck em suas obras sobre a ciência são altamente
inovadoras, o que nos faz questionar, assim como Fehr, o contexto, as influências e as
motivações para a construção das suas ideias. Para Ilana Löwy, os fatores que podem
explicar as particularidades nas obras de Fleck estão na
sua marginalização no âmbito da profissão, tanto institucional quanto teórica
e, [...] na existência de uma tradição de reflexão na Polônia sobre a medicina
enraizada na observação das atividades dos médicos” (LÖWY, 2012, p. 14).
luz dos conhecimentos e conceitos preexistentes”, a prática de uma “reflexão teórica sobre
a ciência no estudo das práticas dos médicos e dos pesquisadores” e a “recusa de uma
epistemologia do imaginário que reflita sobre uma ciência ideal” (FLECK, 1979 apud
LÖWY, 1994). Além da Escola Polonesa, são localizadas bases teóricas de autores como
Durkheim, Jerusalem, Levy-Bruhl e a teoria da Gestalt (LÖWY, 1994).
A primeira publicação de Fleck na área da teoria das ciências é o artigo intitulado
“Algumas características específicas do pensamento médico”, publicado em 1927. Trata-
se de um texto escrito para uma palestra dada no ano anterior no “Círculo de amantes da
história da medicina” na cidade de Lvov, que correspondia a um órgão local da
Associação polonesa de história e filosofia da medicina (FLECK, 1927, p. 55-64 apud
LÖWY, 2012, p. 15). Esse artigo foi publicado no boletim dos Arquivos de história e
filosofia da medicina (revista que continuou a tradição da Crítica Médica) que possuía a
tradição de pensar sobre a história da profissão médica e reivindicava a construção da
Escola polonesa de filosofia da medicina (WRZOSEK, 1924, p. 1-13 apud LÖWY, 2012,
p. 16).
Neste seu primeiro trabalho, “Fleck explica que as “doenças” são entidades
fictícias que não existem na classificação construída pelos médicos”, o que pode ser
desenvolvido são pontos de vistas parciais e incomensuráveis (LÖWY, 2012, p. 19).
Além disso, Fleck enxerga duas características da medicina que são diferentes das outras
disciplinas das ciências da natureza. A primeira diz respeito ao interesse do conhecimento
na medicina, que não está voltado para fenômenos regulares, “normais”, “mas antes para
irregularidades, a saber, os estados patológicos dos organismos” (SCHAFER;
SCHNELLE, 2010, p. 11).
A segunda particularidade da medicina apontada por Fleck é que nela não há,
como em outras disciplinas, a possibilidade de “conceber satisfatoriamente as relações
entre as observações dos estados de doença como evoluções unidirecionais” (SCHAFER;
SCHNELLE, 2010, p. 12). Não há possibilidade de uma análise uniforme da medicina, o
que possui é a criação de metodologias e pensamentos condutores como pontos de vista
dominantes, porém, tais concepções são meramente específicas e temporárias, que se
encontram numa transição dinâmica para novas orientações (SCHAFER; SCHNELLE,
2010, p. 13). Além disso, por mais que a medicina não seja tão analisada nos estudos
sobre teoria da ciência quando comparada com outras áreas das ciências da natureza, ela
contém a particularidade de apresentar “a união de aspectos teórico-experimentais e
21
pensamento (conceito que será trabalhado mais à frente) para a construção dos fatos.
Além da influência do caráter histórico e a importância da experiência e das adaptações
sofridas durante o processo do conhecimento, que leva em consideração um “saber
prévio, de muitos experimentos bem e malsucedidos, de muita prática e educação e, o que
é mais importante em termos epistemológicos, de muitas adaptações e transformações
conceituais” (FLECK, 2010, p. 148, grifos do autor).
Contemporâneo ao livro, Fleck escreveu o artigo “Observação científica e
percepção em geral” (1935), no qual o conceito de estilo de pensamento é central
(MARTINS, 2020a). A observação direcionada e sua relação com o treinamento anterior
a ela são abordadas por Fleck, discutindo que o pesquisador não possui consciência de
suas escolhas, sendo estas impostas obrigatoriamente pelo estilo de pensamento
(MARTINS, 2020a).
Em 1936, Fleck publica o artigo intitulado “O problema da epistemologia”.
Segundo Martins (2020a), Fleck defende que a epistemologia seja entendida como a
ciência dos estilos de pensamentos. Fleck aprofunda a discussão sobre alguns dos
conceitos trabalhados no livro, como protoideas, estilo de pensamento, coletivo de
pensamento, tráfego de ideias e outros (MARTINS, 2020a).
Após a guerra, em 1946, Fleck escreve o artigo intitulado “Problema da ciência
da ciência” e reforça a ideia de epistemologia como uma ciência dos estilos de
pensamento, além de defender que “a ‘ciência das ciências’ esteja baseada na observação
e experimentação, e em investigações históricas e sociológicas” (MARTINS, 2020a,
1202). A ciência não pode ser percebida apenas como um conjunto de enunciados ou
como um sistema de pensamentos. Trata-se de um fenômeno cultural complexo,
estruturalmente organizado, com especificidades na linguagem, organização hierárquica,
modos de cooperação e tomadas de decisões (FLECK, 1946, p. 332-336 apud LÖWY,
2012, p. 23).
No artigo “Olhar, ver, conhecer”, de 1947, Martins (2020a) sinaliza que um dos
temas trabalhados por Fleck são as “raízes do processo de percepção da forma”, tratando
sobre a não neutralidade da observação, uma vez que, para ver, é preciso antes conhecer.
Em 1960, Fleck escreve seu último artigo, intitulado “Crise na ciência”. Segundo Martins
(2020a), umas das análises realizadas por Fleck neste trabalho é uma revisão de sua
percepção acerca do caráter democrático da ciência, defendendo que o estudo comparado
sobre os estilos de pensamento possibilitaria a compreensão da causa dos diferentes
24
modos de pensar. Sobre os artigos pós-guerra, Martins (2020a) traz que podemos
encontrar maiores elementos dos aspectos políticos de Fleck:
É sintomático que seja nos artigos do pós-guerra que encontremos a maior
quantidade de referências de Fleck a esse aspecto político, com críticas ao
fanatismo e à propaganda. Assim como é sintomático que haja, também aí,
certa preocupação com os rumos que a ciência de então vinha tomando. A
experiência da guerra lhe fora muito traumática, e as implicações de sua
sociologia do conhecimento no campo político não foram por ele
menosprezadas (MARTINS, 2020a, p. 1214).
Com relação à recepção das suas obras, Fleck começa a receber reconhecimento
pelas suas contribuições na área da epistemologia a partir da década de 1960. Fleck não
estava alinhado à ideia predominante de sua época acerca da epistemologia da ciência,
ele se posiciona contra as concepções neopositivistas do círculo de Viena, propositor da
epistemologia na sua época “que não se preocupava em pensar aspectos históricos e
sociais da ciência” (CONDÉ, 2010, p. viii). Alguns fatores que podem ter influenciado o
seu não reconhecimento em seu tempo, seriam: as dificuldades trazidas pela guerra;
originalidade das ideias: período que não levava em consideração aspectos da história e
sociologia na ciência; não abandonou a carreira de médico para se voltar especificamente
para a história e filosofia da ciência como Popper, Kuhn, Feyerabend etc.; e seu livro não
recebeu “apadrinhamento” (CONDÉ, 2010, p. viii). Sua principal obra, Gênese e
desenvolvimento de um fato científico, publicada em 1935, teve apenas 600 exemplares
em sua primeira edição (DELIZOICOV et al, 2002).
O ressurgimento de sua obra é muito ligado ao nome de Thomas Kuhn, que cita
brevemente a monografia de Fleck em A estrutura das revoluções científicas, em 1962,
inclusive, afirmando que Fleck antecipava muitas de suas próprias ideias (KUHN, 1970,
p. ix apud CONDÉ, 2010, p. ix). Além de Kuhn, Baldamuns, em 1966, também referência
Fleck (COHEN; SCHNELLE, 1986 apud DELIZOICOV et al., 2002). Na década de 70,
Thomas Schnelle aprofunda seus estudos sobre Fleck, culminando em sua tese de
doutorado (MARTINS, 2020a). Porém, é em 1979, quando o sociólogo Robert Merton
organiza a edição do livro Gênese e desenvolvimento de um fato científico para o inglês,
que há um estímulo maior para propagação de suas ideias (LÖWY, 1994). Nesta mesma
época, o livro é reeditado em alemão e os pesquisadores Barnes, Bloor, Edge e Shapin
(associados à escola de Edimburgo) reconhecem Fleck como pioneiro da sociologia das
ciências (LÖWY, 1994).
Com o avanço nas traduções, em 1979 foi realizado o congresso internacional que
resultou na publicação do livro Cognition and Fact, organizado por Robert Cohen e
25
Thomas Schnelle (1986). Essa obra contém os artigos de Fleck acerca da epistemologia,
além de trabalhos de comentadores (MARTINS, 2020a). Nos anos seguintes ao congresso
internacional, de 1981 a 1984, outros simpósios e colóquios também foram realizados
acerca da concepção de Fleck (DELIZOICOV, 2002). Atualmente, existem especialistas
em Fleck, na Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Holanda, Israel, EUA, e outros,
abordando suas ideias a partir de diferentes análises sobre a construção do conhecimento,
além de desenvolverem pesquisas a partir de suas bases epistemológicas (DELIZOICOV,
2002).
Com relação ao uso da epistemologia fleckiana para desenvolvimento de
pesquisas acadêmicas no Brasil, os trabalhos realizados por Lorenzetti et al. (2013) e,
posteriormente, Lorenzetti et al. (2018) trazem a análise da “Presença e recepção da
epistemologia de Fleck (1986; 2010) na pesquisa em Educação em Ciências realizada no
Brasil” (LORENZETTI et al., 2018). Os autores coletaram e analisaram teses e
dissertações do período de 1995 a 20151 que fizeram uso da epistemologia fleckiana em
suas análises e interpretações (LORENZETTI et al., 2018). Houve uma ascendência ao
longo dos anos na utilização dos estudos fleckianos, com um volume maior nos últimos
cinco anos. Os autores dividiram os trabalhos encontrados por área do conhecimento,
sendo a área de Ciências Humanas, a área multidisciplinar, e a área das Ciências da Saúde
as que tinham mais trabalhos realizados (LORENZETTI et al., 2018).
Importante mencionar que, até 2013, o predomínio das pesquisas com Fleck era
na área da saúde, e até 2018 houve um aumento das pesquisas na área das Ciências
Humanas e Multidisciplinar, com predominância na área da Educação em Ciências, com
uma importante observação de que essas pesquisas envolviam a temática da área da saúde,
mas que foram desenvolvidos em outros programas de pós-graduação (LORENZETTI et
al., 2018).
As contribuições da epistemologia fleckiana para a área do conhecimento de
Educação em Ciências citadas nos trabalhos analisados por Lorenzetti et al. (2018)
envolvem: o uso dos conceitos de estilo de pensamento para análise das concepções
educacionais e de práticas pedagógicas por parte dos professores; resgate e análise
histórico-epistemológica do processo de produção de determinado conhecimento o que
1
Os trabalhos foram coletados nas plataformas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) e da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações. As expressões utilizadas na
busca foram: “Ludwik Fleck”, “Fleck” e “estilo de pensamento” (LORENZETTI et al., 2018).
26
pode possibilitar uma compreensão mais adequada sobre natureza da ciência; estudos
histórico-epistemológicos para análise da produção acadêmica nas respectivas áreas de
conhecimento buscando identificar estilos e coletivos de pensamento e, discussão de
projetos curriculares e práticas formativas que contribuem para a formação profissional
realizando críticas ao currículo (LORENZETTI et al., 2018).
Outro trabalho que traz um panorama de publicações (no caso, artigos) que
fizeram uso da epistemologia de Fleck é o de Souza e Martins (2021). O foco da pesquisa
foram trabalhos na área de ensino de ciências e, para além da contabilização de trabalhos
na área, foi realizada a análise de “como os conceitos propostos por Fleck estão sendo
abordados, identificando variações e tendências na terminologia adotada e na
compreensão dos conceitos nos diversos trabalhos”2 (SOUZA; MARTINS, 2021, p. 88).
Foram encontrados 32 artigos que utilizaram a epistemologia de Fleck como
referencial teórico, sendo o maior número deles publicados a partir de 2011 (23 artigos).
Com relação aos conceitos utilizados nos trabalhos publicados, estilo de pensamento e
coletivo de pensamento foram os mais descritos, concordando com os resultados dos
trabalhos do Lorenzetti et al. citados anteriormente (2013, 2018).
Com relação às terminologias adotadas, foi identificada uma variação para os
conceitos de circulação de ideias, que em alguns trabalhos aparece como ‘tráfego’ e
outros como ‘circulação’; os conceitos de ‘acoplamento ativo e passivo’, que em alguns
trabalhos surgem como ‘acoplamento’ e em outros como ‘conexões’. É discutido que
essas diferenças estão relacionadas com as traduções do livro de Fleck. Os termos
‘tráfego’ e ‘acoplamento’ aparem na versão brasileira do livro (publicada em 2010),
enquanto que, na versão em espanhol (publicado em 1986), há a presença dos termos
‘conexões’ e ‘circulação’. Sobre as descrições dos conceitos, os termos ‘circulação
intercoletiva e intracoletiva’ foram os que apresentaram maiores divergências,
conceituando a comunicação dos coletivos de pensamento de modos diferentes. Os
termos menos descritos foram ‘conexões ativas e passivas’ (SOUZA; MARTINS, 2021).
Esse trabalho se torna importante para nossa pesquisa, pois, notamos a
importância de descrever e referenciar os conceitos fleckianos e identificar possíveis
2
Foi realizado o levantamento dos artigos publicados nos periódicos nacionais da área de Ensino
conceituados como Qualis A1, A2 e B1 pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) no quadriênio de 2013-2016.
27
estado do saber deve entrar como um terceiro elemento nessa relação. Há uma interação
entre objeto e o processo do conhecimento, de modo que “algo já conhecido influencia a
maneira do conhecimento novo; o conhecimento amplia, renova e refresca o sentido do
conhecido” (FLECK, 2010, p. 81). Para que conceitos novos sejam incorporados é
necessário um vínculo entre a comunidade de pessoas que trocam ideias e que partilham
de um passado intelectual comum. Esse vínculo possibilita o sentido de valor de verdade
(FLECK, 2010, p. 83). O processo do conhecimento é resultado de uma atividade social.
Com isso, introduzimos o conceito de coletivo de pensamento. Fleck o define como a:
[...] comunidade das pessoas que trocam pensamentos ou se encontram numa
situação de influência recíproca de pensamentos, temos, em cada uma dessas
pessoas, um portador do desenvolvimento histórico de uma área de
pensamento, de um determinado estado do saber e da cultura, ou seja, de um
estilo de pensamento (FLECK, 2010, p. 82 - grifos do autor).
como acontecimento social. Sobre uma mesma necessidade coexistem diversas formas
de entendê-la e estudá-la, mas a atmosfera social cria uma predisposição para o “sucesso”
de uma descoberta e não de outra.
À medida que algum conceito sofre modificações ao longo do tempo, e tais
modificações são resultantes da descendência de muitos elementos da história evolutiva,
“surge uma coesão histórica dos estilos de pensamento”:
Uma vez que tais linhas evolutivas das idéias se entrelaçam entre si,
encontrando-se permanentemente numa relação com todo o saber do coletivo
de pensamento, sua respectiva expressão concreta ganha a marca da
singularidade de um acontecimento histórico (FLECK, 2010, p. 150).
sujeito e objeto é um exemplo da harmonia das ilusões, que Fleck também nomeia de
“harmonia interior do estilo do pensamento” e que:
Gera a aplicabilidade dos resultados científicos e a crença numa realidade que
existe independente de nós (FLECK, 2010. p. 136).
Tais análises sobre o experimento são ainda mais fortes com relação à observação:
Qualquer proposição sobre as “primeiras observações” é uma pressuposição;
e, quanto não se quiser fazer nenhuma pressuposição, colocando apenas um
ponto de interrogação, até este não deixa de ser uma pressuposição do caráter
questionável e da inserção na classe dos problemas científicos, ou seja, também
ele é uma pressuposição conforme determinado estilo de pensamento (FLECK,
2010, p. 139).
Como dito por Fleck: deixemos, pois, a questão da observação sem pressuposições
de lado (FLECK, 2010, p. 141) e explanemos sobre o que ele julga digno de investigação,
sua divisão sobre a observação. Ele divide a observação em dois tipos:
(1) como um olhar inicial pouco claro e (2) como uma percepção da forma
(Gestaltsehen) desenvolvida e imediata (FLECK, 2010, p. 142 – grifos do
autor).
A observação enquanto o olhar inicial pouco claro “é sem estilo” (FLECK, 2010,
p. 142). Faltam os elementos fixos, “as coisas podem ser vistas de uma maneira ou outra”
de forma arbitrária, não há coerção e nem resistência (FLECK, 2010, p. 142). Os
diferentes estilos se misturam e “disposições (Stimmungen) contraditórias impulsionam o
olhar não direcionado para lá e para cá” (FLECK, 2010, p. 142). A percepção da forma
imediata é segura para o estilo de pensamento, ela garante a percepção de muitos fatos
aplicáveis e pode ser definida como “sinal de resistência para o coletivo de pensamento”
(FLECK, 2010, p. 153).
Diante disso, Fleck nos alerta que a percepção da forma imediata garante a
harmonia das ilusões e, com isso, impossibilita uma percepção de formas diferentes e a
percepção de outros fatos. Por exemplo, o processo de evolução de uma protoideia ocorre
34
de modo gradativo, seu valor está no seu potencial a ser desenvolvido, os estilos de
pensamento podem sofrer mutações, mas podem ser resistentes a elas. De maneira ativa
há uma persistência ao que contradiga ideias inseridas em um “sistema de opiniões
elaborado e fechado, constituído de muitos detalhes e relações” (FLECK, 2010, p. 69).
Trata-se de uma “tendência à persistência dos sistemas de opinião e a harmonia das
ilusões”, que é dividida em cinco graus de intensidade:
1. Uma contradição ao sistema parece ser impensável.
2. Aquilo que não cabe no sistema permanece despercebido, ou
3. é silenciado, mesmo sendo conhecido, ou,
4. mediante um grande esforço, é declarado como não contradizendo o
sistema.
5. Percebem-se, descrevem-se e até se representam determinados estados das
coisas que correspondem aos pontos de vista em vigor, que, por assim
dizer, são sua realização – apesar de todos os direitos dos pontos de vista
contrários. (FLECK, 2010, p. 69).
No grau 1, contradições são impensáveis quando a concepção penetra o coletivo
de pensamento de modo a fazer parte da vida da pessoa, quando ela está cotidiana e
presente em suas expressões verbais. O grau 2 está ligado à fase clássica do
desenvolvimento do processo de conhecimento. Nessa fase, somente se percebem fatos
que se enquadram com exatidão na teoria vigente, podendo passar por complicações
quando as exceções se manifestam, porém, as teorias clássicas possuem um poder
promovedor, uma vez que se apresentam enraizadas à sua época, são fechadas e
propagáveis (FLECK, 2010. p. 73). No grau 3, o silenciamento das exceções ocorre
quando elas contradizem as opiniões dominantes, porém, caso elas venham a ser úteis,
podem ser comunicadas ao público (FLECK, 2010. p. 73).
No grau 4, uma vez que ocorrem contradições, é realizado um trabalho de
conciliação. É possível notar, neste grau, até que ponto a lógica é passível de interpretação
na prática. A persistência se dá conforme o estilo de pensamento, as contradições distantes
do estilo não penetram. Mesmo não fazendo sentindo lógico persistir, as contradições
serão reinterpretadas conforme o estilo (FLECK, 2010, p. 73). O grau 5 é o mais intenso,
ele é formado pela “ficção criativa, pela objetivação mágica das ideias, ou seja, pela
declaração de que os próprios sonhos científicos são realizados” (FLECK, 2010, p. 74).
Fleck aponta para como a ficção está moldada no estilo científico usando também o
exemplo das reproduções gráficas, como estas não estão “fiel à natureza”, quando ele
observava, por exemplo, os atlas de anatomia sobre ginecologia: “todos foram
35
visivelmente retocados, todos eram esquemáticos, quase simbólicos, todos fies à doutrina
e não à natureza” (FLECK, 2010, p. 76). Para além dos livros de anatomia, Fleck
acrescenta que:
Nas ciências exatas, assim como na arte e na vida, não existe outra fidelidade
à natureza senão a fidelidade à cultura (FLECK, 2010, p. 76).
Segundo Fleck:
A tendência à persistência dos sistemas de opinião nos mostra que, de certa
maneira, devem ser considerados como unidades, como formações autônomas
de estilo. Os sistemas não são apenas a soma de proposições parciais; enquanto
totalidades harmoniosas, apresentam marcas específicas de estilo que
determinam e condicionam cada uma das funções de conhecimento (FLECK,
2010, p. 81).
(2) A resistência tem que atuar enquanto tal no coletivo de pensamento a ser
intermediado, a cada participante enquanto coação de pensamento e ainda
enquanto forma (Gestalt) a ser vivenciada de maneira imediata. (...) (3) O fato
tem que ser expresso no estilo do coletivo de pensamento. (FLECK, 2010, p.
151-152 – grifos do autor).
3
A visão democrática da construção do conhecimento científico vem sendo debatida por alguns
pesquisadores. No trabalho intitulado “Pós-verdade para quem? Fatos produzidos por uma ciência racista”,
Katemari Rosa et al. realizam reflexões sobre a estruturação da argumentação científica da ciência
hegemônica, que é eurocêntrica e branca, e como essa constrói suas narrativas para defesa da ciência
desconsiderando que o comportamento de negação sempre existiu para as epistemologias negras. Além da
questão racial, questões de gênero também vêm sendo debatidas com relação ao espaço de construção do
conhecimento científico. O artigo intitulado “Reflexões da história do patriarcado para esses tempos de
pós-verdade”, de Marinês Domingues Cordeiro, realizada considerações sobre como a ciência e a educação
tiveram papeis importantes sobre a atual guerra de narrativas e sobre a política sexual seguindo com a
estrutura tradicional. Ao lermos o termo democrático nos escritos de Fleck, é importante que pensemos
sobre o quanto de democrático realmente há no processo de construção do conhecimento científico.
39
diferente, como no caso entre professor e estudante. O estudante possui certo grau de
confiança no que está sendo comunicado e se apresenta em uma posição de certa
“subordinação mental” (FLECK, 2010, p. 157). Outra situação em que ocorre tráfego
intracoletivo é quando os envolvidos apresentam uma posição mental igual, aqui se
apresenta um:
sentimento de solidariedade de pensamento a serviço de uma idéia
transpessoal, o que produz uma dependência intelectual recíproca entre os
indivíduos e uma atmosfera comum: nenhuma questão, uma vez levantada,
pode permanecer, em princípio sem efeito; cada uma é ponderada e ocupa seu
lugar dentro do estilo de pensamento (FLECK, 2010, p. 158).
Caso o vínculo com o coletivo de pensamento seja uma educação desde a infância,
o seu vínculo é extremamente forte (FLECK, 2010, p. 158). Quanto mais durar a
mediação, mais seguro o coletivo se apresenta. Convivemos com coletivos de
pensamentos diversos, mas à medida que nos aprofundamentos nos níveis ou no tempo
em um coletivo, os hábitos e pensamentos nos parecem óbvios e os únicos possíveis, mas
Fleck nos alerta que, à medida que tomamos consciência dessa dependência, podemos
enxergar certo dogmatismo nessa relação com o estilo de pensamento. Ele cita como
exemplo a história das ciências como podendo ser o caminho para percebermos essa
relação (FLECK, 2010, p. 159).
Ao enxergar a sociedade moderna com suas possibilidades de relacionamento
espacial e temporalmente, Fleck via os coletivos de pensamento se entrecruzarem. Em
nossa época, com as redes sociais e os acessos rápidos à informação, esse
entrecruzamento fica ainda mais possível. Quanto mais especializado e restrito for o
coletivo, mais forte será sua vinculação, “ultrapassando as fronteiras da nação e do
Estado, da classe e da idade” (FLECK, 2010, p. 154).
Coletivos com estilos diferentes podem trocar ideias e essa troca é denominada
por Fleck de tráfego intercoletivo de ideias, porém, quanto maior é a diferença menor é o
tráfego de pensamento (FLECK, 2010, p. 160). Quando os princípios de um estilo de
pensamento alheio são notados, eles são vistos como
40
A ciência dos periódicos possui aspiração em entrar na ciência dos manuais. Esses
são construídos a partir de trabalhos isolados, que são selecionados e ordenados. Através
de um plano, que determina a seleção e a composição, são adquiridas as diretrizes para as
pesquisas posteriores. O plano é formado a partir do tráfego esotérico de pensamento, que
se dá por meio da
discussão entre os especialistas, mediante entendimento e desentendimento
recíproco, mediante concessões mútuas e pressões recíprocas que se polarizam
em posturas obstinadas (FLECK, 2010, p. 173).
42
CAPÍTULO 2
O MOVIMENTO TERRA PLANA A PARTIR DA FLAT EARTH SOCIETY
Anterior à Flat Earth Society havia a Zetetic Society, criada por Samuel
Rowbotham (1816-1884) (não foi encontrada a data precisa desse início). Após a morte
de Rowbotham, Lady Elizabeth Blount (1850-1935) fundou a Universal Zetetic Society,
baseada nas ideias do Rowbotham e nos resultados de seus experimentos. Em ambas as
sociedades eram dadas mais ênfase ao caráter bíblico para a teoria da Terra plana do que
atualmente (Flat Earth Society).
A Universal Zetetic Society teve alterado seu nome para Flat Earth Society em
1956, quando Samuel Shenton assumiu sua presidência. Em 1971, após a morte de
Shenton, Charles K. Johnson assumiu a presidência até sua morte em 2001. A partir daí,
a sociedade não recebeu novos membros, sendo “revivida” em 2004 como uma
comunidade online e oficialmente reativada em outubro de 2009. Em 2004, ela foi
presidida por Daniel Shenton (não relacionado a Samuel) que, ao que tudo indica,
permanece na presidência.
Atualmente, o site é mantido de modo colaborativo. Para encontrar o nome dos
membros foi necessário acessar a área chamada de “fórum” (quando acessado em 2020,
o site possuía uma área específica para os membros, a qual não existe mais). Como
membro do conselho Zetetic foi encontrado o nome de Tom Bishop, o qual possui uma
média de 3,15 publicações diárias no fórum da Flat Earth Society. Como administrador
do site, foi encontrado o nome Xasop, com média de 2,38 publicações diárias no fórum.
4
Link do site: https://www.tfes.org/
5
Tradução nossa do original em inglês: This is the home of the world-famous Flat Earth Society, a place
for free thinkers and the intellectual exchange of ideas. This website hosts information and serves as an
archive for Flat Earth Theory. It also offers an opportunity to discuss this with the Flat Earth community
on our forums.
44
Pete Svarrior está como moderador planar junto com Pongo, o primeiro com uma média
de 3,95 publicações diárias e o segundo com a média de 0,24.
Os nomes citados acima parecem ser fictícios. A identificação dos
administradores e moderadores, assim como informações pessoais, não são publicados.
Uma das regras para uso do site e publicações no fórum é não realizar nenhuma
divulgação acerca de informações pessoais sem o consentimento expresso do membro.
Caso seja realizada sem autorização, a publicação será excluída, e, caso ocorra uma
segunda infração, a pessoa será banida até segunda ordem do moderador.
Foram identificadas funções para esses membros citados (membro do conselho,
moderador e administrador), porém, no “Flat Earth Society Manifesto6” é apontado que
a definição de “membro” significa qualquer conta de usuário no fórum. Para se tornar
membro do fórum, a pessoa interessada deve concordar com todas as regras e criar uma
conta com usuário, senha e e-mail para que seja realizado o login no site. Atualmente, o
site conta com 6.949 membros.
O site oficial da Flat Earth Society é composto por um “fórum” 7 , em que as
pessoas podem conversar sobre os mais variados temas e trocar ideias e dúvidas sobre o
movimento Terra plana. Essa área é muito ativa e possui interações diariamente. Há a
área “wiki”8, que é composta por um repertório de informações sobre todos os conteúdos
e argumentos a favor da Terra plana e contra o formato esférico. O site possui também a
“biblioteca” 9 , onde estão as coleções de literatura da Terra plana, que compreende
boletins informativos, artigos de jornais e revistas, arquivos de correspondências e
publicações em jornais de época, incluindo escritos do século IX. Contém também o
espaço “loja” 10, onde as pessoas podem comprar camisetas, bolsas e outros produtos
oficiais.
A área do site que será utilizada para análise neste trabalho será a wiki. A área wiki
foi escolhida por ser o local do site que contém o maior número de conteúdos com
explicações e argumentos a favor da Terra plana e contra o formato esférico. Os conteúdos
possuem embasamento em argumentos históricos e, caso possuam reproduções atuais,
elas estão incorporadas nas explicações ao longo das páginas da área wiki. Como se trata
6
https://forum.tfes.org/index.php?topic=1219.0
7
Fórum: https://forum.tfes.org/
8
Wiki: https://wiki.tfes.org/The_Flat_Earth_Wiki
9
Library: https://www.tfes.org/library.php
10
Store: https://www.cafepress.com/theflatearthsociety
45
A área wiki contém 10 tópicos principais12, que são: Perguntas frequentes; Forma
e magnitude; O Cosmos; Os gregos antigos; Evidência experimental; A conspiração;
Figuras históricas da Terra Plana; Física geral; e Diversos. Cada tópico principal contém
subtópicos, e para cada subtópico há temas que são discutidos. A tabela 2 apresenta todos
os tópicos, subtópicos e temas.
Tabela 2 - Tópicos e subtópicos com os temas tratados na área wiki do site da Flat
Earth Society. *: referem-se a temas que se repetem em diferentes subtópicos.
TÓPICO PRINCIPAL SUBTÓPICO TEMAS N° de temas
Perguntas frequentes
(Introdução) Perguntas frequentes (Introdução) 1
Mapas da Terra Plana 2
Circunavegação 3
Eratóstenes em diâmetro 4
Cabos submarinos 5
Sistema Geodésico Mundial 1984 6
Mapeamento,
A ponte Hamber 7
navegação e
levantamento Ferrovias 8
Forma e magnitude
Pontes 9
Hemisfério sul 10
Distância do sul 11
Viagem aérea (distância do sul) 12
Viagem marítima (distância do sul) 13
A parede de gelo 14
Fenômenos naturais
Atmolayer 15
11
Tradução nossa do original em inglês: Within these digital pages you can expect to find the scepticism
and understanding needed to break free from the constraints of conventional dogmatic thinking and brave
the pioneering waters of true science and learning. More specifically, you will find Flat Earth proofs
conducted by Flat Earthers across the world and Flat Earth concepts, terminology, and discourse. May the
various Flat Earth evidence and Flat Earth maps guide your journeys to places wonderful and to ideas
formerly unfathomable.
12
Tradução nossa do original em inglês: Frequently Asked Questions (Introduction); Form and Magnitude;
The Cosmos; The Ancient Greeks; Experimental Evidence; The Conspiracy; Flat Earth Literature; Flat
Earth Historical Figures; General Physics and Miscellaneous.
46
Hipótese AtmolayerLip 16
Aurora 17
Formação de montanhas e vulcões 18
Efeito do navio afundando: ondas do
oceano 19
Efeito do navio afundando: falta de
resolução óptica 20
Efeito do navio afundando: causado pela
Tópicos ópticos refração 21
Fotografias de alta altitude 22
Distância de visão 23
Óptica 24
Uma vista do Everest 25
Pêndulo de Foucault 26
Efeito Coriolis 27
Rotação da Terra
Efeito Coriolis (clima) 28
Experiência Michelson-Morley 29
Aviação 30
O modelo bipolar 31
Diversos
Ilhas distantes 32
Expert Series: Flat Earth 33
Os cosmos 34
Astronomia é uma Pseudociência 35
Cosmos Problema de três corpos * 36
Citações que nos dizem que todos nós
mentimos 37
Problemas das galáxias ** 38
O sol 39
O sol: aceleração eletromagnética *** 40
O sol: Nascer e pôr do sol 41
O sol: Ampliação do sol ao pôr do sol 42
O sol: o pôr do sol como um efeito de
perspectiva 43
Sol
O sol: equinócio 44
Os cosmos O sol: Variação de temperatura da luz
solar 45
O sol: distância do sol 46
O sol: as estações 47
O sol: nuvens iluminadas por baixo 48
A lua 49
A lua: Marés 50
A lua: eclipse solar 51
A lua: eclipse lunar 52
Lua A lua: aceleração eletromagnética/perto
sempre visto *** 40
A lua: fases da lua 53
A lua: ilusão de inclinação da lua 54
A lua: um olhar mais atento sobre o
módulo lunar 55
47
Os planetas 56
Planetas
Problema de três corpos * 36
As estrelas 57
As estrelas: problema das galáxias ** 38
As estrelas: a cosmologia tem alguns
Estrelas
grandes problemas 58
As estrelas: princípio cosmológico 59
As estrelas: multiverso 60
Os gregos antigos Os gregos antigos Os gregos antigos 61
Evidência Evidência experimental 62
Evidência experimental
experimental Experiência do nível de Bedford 63
A conspiração 64
Projeto Apollo 65
Missões marte 66
A conspiração A conspiração Missão Cassini Saturn 67
Estação Espacial Internacional 68
Farsa Espacial Chinesa 69
GAO audita a NASA 70
Literatura da Terra Literatura da Terra Literatura da Terra Plana 71
Plana Plana Samuel Rowbotham 72
Figuras históricas da Figuras históricas da
Terra Plana Terra Plana Figuras históricas da Terra Plana 73
Tópicos relacionados à gravidade plana
da terra: Aceleração eletromagnética
(EA) 74
Gravidade plana da terra: Princípio da
equivalência 75
Gravidade plana da Terra: Evidências da
EA 76
Gravidade plana da Terra: variações na
gravidade 77
Física geral Física geral Gravidade plana da Terra: Dilatação do
tempo gravitacional 78
Gravidade terrestre redonda: variações
de pelo por latitude 79
Gravidade terrestre redonda:
experimento Cavendish 80
Gravidade terrestre redonda:
Gravimetria 81
Gravidade terrestre redonda: Isostasia 82
Sociedade da Terra Plana 83
Diversos Diversos
Falácia Lógica 84
Fonte: criação da autora.
Perguntas frequentes
O tópico “Perguntas frequentes” funciona como uma introdução, e foi organizado
com o objetivo de responder algumas perguntas realizadas por muitas pessoas que
acreditam no formato esférico da Terra e estão curiosas para conhecer o movimento Terra
Plana. Nesse tópico, a Flat Earth Society explica que, por definição, a Terra não é um
planeta, pois ela não está orbitando o Sol. A Terra está situada no centro do sistema solar,
e o Sol e os outros planetas giram acima dela. A definição de planeta aparece na questão
“Se os planetas são redondos, por que a Terra não é?13”. Abaixo a definição de planeta
citada pela Flat Earth Society:
Os planetas (do grego antigo ἀστὴρ πλανήτης [astērplanētēs, "estrela errante"]
ou apenas πλανήτης[planḗtēs, "andarilho"]) são objetos astronômicos em
órbita14. (Tópico Frequently Asked Questions).
A partir dessa definição, não pode haver comparação do formato da Terra com o
dos planetas, uma vez que ela não está em movimento como os planetas. O modelo mais
aceito entre os membros da Flat Earth Society é que a Terra possui forma de disco, com
o Pólo Norte no centro e a Antártica como uma parede que circunda os continentes
conhecidos que estão espalhados ao redor do Pólo Norte. Esse modelo é chamado de
monopólo, como mostra a imagem abaixo:
13
Tradução nossa do original em inglês: If The planets are round, why isn't the Earth?
14
Tradução nossa do original em inglês: Planets (from Ancient Greekἀστὴρ πλανήτης [astērplanētēs,
"wandering star"], orjust πλανήτης [planḗtēs, "wanderer"]) are orbiting astronomical objects.
49
15
Tradução nossa do original em inglês: The Ice Wall. Link: https://wiki.tfes.org/The_Ice_Wall
16
Tradução nossa do original em inglês: Flat Earth Maps. Link: https://wiki.tfes.org/Flat_Earth_Maps
17
Tradução nossa do original em inglês: Many believe that Antarctica is the Ice Wall encountered by Sir
James Clark Ross, whereas some believe that Antarctica is simply a 'rim continent' surrounding the known
Earth and that the term Ice Wall is misleading. Others believe that Antarctica is an isolated and distinct
50
continent and that though an Ice Wall exists, it is not Antarctica. The latter model generally assumes that
the geography of the Earth is quite different to that outlined in the conventional model.
18
Tradução nossa do original em inglês: The world looks flat, the bottoms of clouds are flat, the movement
of the Sun; these are all examples of your senses telling you that we do not live on a spherical heliocentric
world.
51
O Cosmos
O próximo tópico que iremos descrever é “O Cosmos”. Esse é um dos tópicos
principais mais longos, ficando atrás somente de “Forma e magnitude”. O entendimento
sobre “Cosmos” é que este é o nome dado a tudo o que está acima do atmoplano terrestre
(atmosfera da Terra Plana). Iniciando a explicação sobre o Sol, ele possui formato
esférico, com diâmetro de 32 milhas, localizado acima da Terra a aproximadamente 3.000
milhas de distância da superfície (as maneiras de obter esses cálculos serão mostradas
mais abaixo, quando estivermos discutindo o tema “Distância do Sol”).
Segundo a Flat Earth Society, o ciclo diário ocorre através do movimento de
revolução, com duração de 24 horas. A área que receberá a luz do Sol “é limitada a uma
área elíptica de luz sobre a Terra” 20. Esse efeito é denominado de Spotlight, e a limitação
da extensão da luz pode ocorrer por vários fenômenos. O Sol possui formato esférico e
seu movimento de rotação é baseado em evidências de observação na mudança aparente
na forma das manchas solares. É apresentado como referência o livro “New Descriptive
Astronomy”21, publicado em 1884, de Joel Dorman Steele. São destacados os trechos que
explicam que pontos presentes no Sol mudam de forma à medida que se passam os dias.
Em alguns dias é possível observar a mancha mais ao centro com aparência circular e, à
medida que os dias passam, essa mancha parece se afastar do centro, tornando-se cada
vez mais oval até desaparecer. Essa alteração específica na forma é, segundo a Flat Earth
Society, uma evidência do formato circular do Sol, além da prova da rotação em seu
próprio eixo.
19
Tradução nossa do original em inglês: The Sun moves in circles around the North Pole. When it is over
your head, it's day. When it's not, it's night. The light of the sun is confined to a limited area upon the Earth.
20
Tradução nossa do original em inglês: is limited to anellipticarea of light upon earth.
21
Link disponibilizado pela Flat Earth Society para acesso a obra New Descriptive Astronomy, 1884:
https://ufdc.ufl.edu/UF00053283/00001/1
52
Com relação ao pôr do Sol, ele corresponde ao momento em que a luz do Sol se
põe na Terra Plana. “Não podemos ver, sentir ou detectar”22 a explicação do pôr do Sol
da Terra esférica, que ocorre devido movimento de rotação da Terra. A interpretação mais
direta e natural é que a luz do Sol está se movendo e se pondo devido a alguns mecanismos
como: “A aceleração eletromagnética”, “O pôr do Sol como um efeito de perspectiva”, e
“A ampliação do Sol ao pôr do sol”.
O pôr do Sol como um efeito de perspectiva é encontrado como explicação para
o pôr do Sol em Earth Not a Globe, de Samuel Rowbotham. O autor sugere que o
comportamento de perspectiva deve ser baseado em como o experimentamos. Um
exemplo dado por ele é o da observação de uma longa fileira de lâmpadas. O observador,
estando no início da série de lâmpadas, observará a segunda lâmpada mais baixa que a
primeira, a terceira mais baixa que a segunda, e assim por diante até o final da linha.
Quando a luz do Sol encontrar a linha do horizonte, ela cruzará com o ponto de fuga o
que impedirá de ser vista pelo olho humano. À medida que a luz é reduzida, inicia-se a
escuridão que é ocasionada por uma atmosfera não transparente.
Com relação à Aceleração Eletromagnética, ela é uma alternativa moderna à teoria
da perspectiva proposta por Samuel Rowbotham em Earth Not a Globe, e consiste em um
mecanismo que puxa, desvia ou empurra a luz para cima:
Astrônomos da antiguidade olhavam para a luz no céu e presumiam que a luz
era direta para deduzir uma Terra curva. Quando, na verdade, trajetórias em
linha reta geralmente não ocorrem na natureza, e era a luz para a qual eles
estavam olhando que era curva. 23 (FLAT EARTH: ELECTROMAGNETIC
ACCELERATION).
Uma vez que a luz possui natureza curva, é questionado pela Flat Earth Society:
“devemos supor que a luz está se curvando, ou que toda a Terra está se curvando?”.
Segundo a Flat Earth Society, a teoria da Aceleração eletromagnética possui evidências,
como as observações celestes que mostram as linhas retas acima de nós se tornando
curvas. O subconjunto desses efeitos da aceleração eletromagnética é que dá a aparência
de estarmos dentro de uma “cúpula”. O que se curva é a luz, e não a Terra. A luz é
“curvada” para cima enquanto viaja em direção à Terra, formando um arco parabólico
(Figura 3). Essa distribuição dos raios solares está associada ao nascer e pôr do Sol:
22
Tradução nossa do original em inglês: We cannot see, feel, or detect. Trecho retirado na página “Nascer
e pôr do sol”. Link: https://wiki.tfes.org/Sunrise_and_Sunset
23
Tradução nossa do original em inglês: Astronomers of antiquity looked at light in the sky and assumed
that light was straight to deduce a curved earth. When really, straight line trajectories do not generally occur
in nature, and it was the light they were looking at that was curved.
53
Quando o sol está muito longe, os raios são curvados em um arco parabólico
antes de chegarem à Terra, resultando na noite24. (FLAT EARTH: OPTICS).
Figura 3 - Raios do Sol que cruzam com a Terra e formam um arco – Aceleração
Eletromagnética.
Com relação aos raios que não atingem a Terra, esses retornam para o espaço e
podem atingir a parte inferior das nuvens antes do nascer do Sol ou após o pôr-do-Sol,
sendo observado um brilho avermelhado nas nuvens. No tema “Nuvens iluminadas por
baixo”, os raios de luz podem ser refletidos pelo oceano e, quando iluminadas por baixo,
as nuvens podem apresentar coloração laranja ou vermelha. Isso ocorre devido à interação
dos raios de Sol com o vapor d’água atmosférico e aerossóis.
Outra observação explicada pela Flat Earth Society é a percepção aparente de que
o Sol muda de tamanho ao longo do dia, por exemplo, durante o pôr do Sol ele parece
maior em comparação com o horário de meio-dia. A Flat Earth Society explica que isso
ocorre a partir do mecanismo de “Ampliação do Sol ao pôr do Sol”, um efeito de
ampliação causado pelos intensos raios de luz que passam pelas camadas atmosféricas. A
extensão de brilho da luz do Sol é maior no ar atmosférico durante o seu nascer e quando
ele se põe, uma vez que nesses momentos os raios estão passando por uma camada
espessa de atmolayer horizontal (atmosfera da Terra Plana).
Com relação à distância do Sol à Terra, há um tema específico para tratar sobre
esse assunto. No tema “distância até o Sol” a Flat Earth Society tem como objetivo
24
Tradução nossa do original em inglês: When the sun is too far away rays are bent in a parabolic arc before
they reach earth, resulting in night time.
54
mostrar os métodos históricos que foram usados para determinar a altura do Sol e dos
corpos celestes, além de mostrar que o método de cálculo para a distância depende da
suposição da forma da Terra, por exemplo, a distância da Terra ao redor do Sol dada pela
ciência depende da ideia pré-estabelecida de que a Terra é uma esfera. Com relação aos
valores em uma Terra Plana, Rowbotham, no capítulo 5 da obra Earth Not a Globe,
calcula o valor de menos de 700 milhas de distância entre a superfície da Terra e o Sol, e
as estrelas a um raio de 1.000 milhas. Porém, membros da Universal Zetetic Society
estimaram, posteriormente, um valor de aproximadamente 3.000 milhas da superfície da
Terra até o Sol, e as estrelas a um raio acima de 100 milhas. Uma das formas citadas de
obter esse valor é através da adaptação dos cálculos de Eratóstenes, que será mostrado
quando estivermos descrevendo o tópico “Forma e magnitude” que trata o tema
“Eratóstenes em diâmetro”. Outro modo de obter esses valores é mencionado na obra
Zetetic Cosmogony de Thomas Winship. A Flat Earth Society cita o trecho:
De 21 a 22 de março, o sol está diretamente acima do equador e aparece 45
graus acima do horizonte a 45 graus de latitude norte e sul. Como o ângulo do
sol acima da terra no equador é de 90 graus, enquanto é de 45 graus a 45 graus
de latitude norte ou sul, segue-se que o ângulo do sol entre a vertical do
horizonte e a linha dos observadores a 45 graus norte e sul também devem ser
45 graus. O resultado são dois triângulos retângulos com catetos de igual
comprimento. A distância entre o equador e os pontos a 45 graus norte ou sul
é de aproximadamente 3.000 milhas. Logo, o sol estaria a uma distância igual
à do equador.25 (FLAT EARTH: DISTANCE TO THE SUN).
Com relação à Lua, há um link de acesso específico que trata sobre: As marés; O
eclipse solar; O eclipse lunar; Perto sempre visto; Fases da Lua; Ilusão de inclinação da
Lua; e Um olhar mais atento sobre o módulo lunar. Sobre as características da Lua:
A Lua é considerada esférica devido um leve balanço entre o seu verso para a
sua frente ao longo de seu ciclo mensal denominado Libertação Lunar, onde
mais de 50% da superfície lunar pode ser vista ao longo do tempo26. (FLAT
EARTH: MOON).
25
Tradução nossa do original em inglês: On March 21-22 the sun is directly overhead at the equator and
appears 45 degrees above the horizon at 45 degrees north and south latitude. As the angle of sun above the
earth at the equator is 90 degrees while it is 45 degrees at 45 degrees north or south latitude, it follows that
the angle at the sun between the vertical from the horizon and the line from the observers at 45 degrees
north and south must also be 45 degrees. The result is two right angled triangles with legs of equal length.
The distance between the equator and the points at 45 degrees north or south is approximately 3,000 miles.
Ergo, the sun would be an equal distance above the equato.
26
Tradução nossa do original em inglês: The Moon is thought to be spherical due to a sligh trocking back
and fourth over its monthly cycle called Lunar Liberation, where more than 50% of the lunar surface can
be seen over time.
55
giratório e é iluminada pelo Sol. A característica da Lua dita por astrônomos é criticada
na obra Earth Not a Globe, pois, ao utilizar o telescópio para visualizar a superfície lunar
e observar suas características, estas podem ser resultado de como ela realmente é ou
resultado de uma comparação com algo já pré-conhecido por quem a está observando,
resultado de um ensinamento anterior à observação. De modo similar a quem olha para
as nuvens e observam contornos de animais e rostos de humanos, um observador fazendo
uso do telescópio pode olhar para a Lua e afirmar que ela possui colinas e vales, condições
similares às da Terra, porém, qualquer semelhança com a superfície da Terra é totalmente
falaciosa.
As fases da Lua (Figura 4) resulta dos raios curvos do Sol iluminando a Lua a
qualquer momento, e sua variação cíclica ocorre devido à oscilação para cima e para baixo
da Lua e do Sol, que trocam de altitude à medida que giram em torno do Pólo Norte. A
Lua crescente ocorre quando a Lua e o Sol estão na mesma altitude, iluminando metade
da Lua. A Lua cheia ocorre quando a Lua está acima da altitude do Sol e oposta a ele,
sendo totalmente iluminada; e a Lua nova ocorre quando a Lua está abaixo do Sol e perto
dele, não sendo iluminada.
A Lua se move na mesma direção que o Sol em uma velocidade um pouco
mais lenta no céu, atrasando cerca de 50 minutos diariamente, causando o
intervalo de fases. O tempo entre duas Luas Cheias, ou entre ocorrências
sucessivas da mesma fase, é de cerca de 29,53 dias (29 dias, 12 horas, 44
minutos) em média 27 (FLAT EARTH: ELECTROMAGNETIC
ACCELERATION).
27
Tradução nossa do original em inglês: The curve drays of the Sun results in the Moon's surface. The
plane of the Moon's route atanin clinationtothe plane of the Sun's Ecliptic, with its high eastside opposite
from Sun. When the Moon is far from the Sun and higher than it, the Full Moonoccurs. When the Moon Is
closer to the Sun andlowerthan it, the New Moon occurs1. The Moon moves in the same direction as the
Sun at a slightlys slower rate across the sky, lagging gabout 50 minutes behind daily, causing the range of
phases. The time between two Full Moons, orbiting between successive occurrences of the same phase,
isabout 29.53 days (29 days, 12 hours, 44 minutes) on average.
56
Sobre os eclipses, o eclipse lunar pode ocorrer quando uma área escurecida é
observada na superfície da Lua, podendo acontecer de duas a cinco vezes por ano. O
eclipse lunar é ocasionado devido à “aceleração eletromagnética”. Quando a Lua é
iluminada por raios curvos do Sol e, ocasionalmente e temporariamente, se move para
além da borda dessa luz, tem-se o eclipse lunar. Além dessa explicação, ele também pode
ocorrer devido ao Shadow object:
Foi sugerido que pode haver um corpo celeste invisível que se move ao redor
do Sol, localizado sobre o lado diurno da Terra. Conhecido como Objeto de
Sombra ou Antimoon, este corpo ocasionalmente cruza a luz entre o Sol e a
Lua e causa o Eclipse Lunar.28 (FLAT EARTH: THE LUNAR ECLIPSE)
No tema “Marés”, a Flat Earth Society afirma que se trata da subida e descida do
nível do mar que ocorrem nos oceanos e mares interiores, havendo praticamente nenhum
efeito sobre lagos e rios. Segundo a Flat Earth Society, a explicação para o fenômeno das
28
Tradução nossa do original em inglês: It has been suggested that there may be an unseen celestial body
which moves around the Sun, located over the daylight side of the Earth. Known as the Shadow Object or
the Antimoon, this body occasionally intersects light between the Sun and Moon and causes the Lunar
Eclipse.
29
Tradução nossa do original em inglês: This happens when the Moon blocks the path of light between the
Sun and the observer, and when the Moon is close to the ecliptic. In a total solar eclipse, the disk of the Sun
is fully obscured by the Moon.
57
marés não é completamente dada pela ciência, sendo considerada por Isaac Newton a
parte menos satisfatória da teoria da gravidade.
Outra crítica realizada pela Flat Earth Society é sobre o equinócio. A sociedade
considera falsas as seguintes afirmações sobre o equinócio, que frequentemente são
usadas a favor da esfericidade da Terra:
- O sol nascerá do Leste neste dia para todos os locais da Terra
- A Terra terá momentos iguais de dia e noite.30
(FLAT EARTH: EQUINOX).
30
Tradução nossa do original em inglês: - The sun will rise from the East on this day for all locations on
earth. - The earth will experience equal times of day and night
31
Definição que está na página da Flat Earth Society: equinox / ˈɛkwɪnɒks // ˈiːkwɪnɒks / substantivo “A
hora ou data (duas vezes por ano) em que o sol cruza o equador celestial, quando o dia e a noite têm a
mesma duração (cerca de 22 de setembro e 20 de março).”
58
não pode ser justificado com uma previsão que se encaixa na realidade. 32
(FLAT EARTH: EQUINOX).
Sobre as características dos planetas, segundo a Flat Earth Society eles possuem
formato esférico e giram acima da Terra, seguindo uma rota diária semelhante ao Sol no
céu. A Flat Earth Society cita cinco planetas, os quais são visíveis a olho nu: Mercúrio,
Vênus, Marte, Júpiter e Saturno. Independente de podermos visualizar os movimentos
dos planetas acima de nós, isso não significa que a Terra seja um planeta do sistema solar,
ela é um corpo fundamentalmente diferente. A Flat Earth Society acredita que a definição
de que a Terra é um planeta esférico com movimento ao redor do Sol foi construída a
partir da dedução de que ela possuiria as mesmas características dos planetas observados.
O site trata dos astrônomos que contribuíram para os conhecimentos sobre o
movimento dos planetas. A seguir, iremos descrever como a Flat Earth Society discute
as contribuições dos astrônomos: Cláudio Ptolemeu (90 - 168), Nicolau Copérnico (1473
– 1543), Tycho Brache (1546 – 1601) e Johannes Kepler (1571 – 1630).
A Flat Earth Society realiza uma síntese sobre os sistemas Ptolomaico e
Copernicano e faz uma comparação entre os dois. Para criticar o sistema Ptolomaico a
Flat Earth Society faz uso do livro “Beyond Reason: Essays on the Philosophy of Paul K.
Feyerabend”, editado por Gonzalo Munévar. Destacam o trecho que discute a busca de
Ptolomeu em mapear e predizer as aparências, abandonando a explicação das causas. A
32
Tradução nossa do original em inglês: the refraction argument is used as a sweeping rebuttal to anyone
who sees the sun for longer than it should be, shorter than it should be, or as a rebuttal to anyone who sees
it rise from a location where it should not rise from. When it comes to specific assertions, the Round Earth
model is unable to be justified with a prediction that fits reality.
33
Tradução nossa do original em inglês: When sunlight shines from overhead (on left), one square foot of
sunlight falls on one square foot of ground. When it shines at a shallow angle (on right), each square foot
of sunlight spreads out over many feet of ground.
59
preocupação está centrada na previsão dos movimentos, mais do que na explicação das
suas origens:
Ptolomeu se contentou em “salvar as aparências” e não especulou sobre a
estrutura subjacente dos céus.34 (FLAT EARTH: PLANETS).
A Flat Earth Society também realiza críticas ao modelo de Copérnico. Uma das
referências utilizadas para discutir sobre o modelo Copernicano é o livro “What Is This
Thing Called Science?”, de Alan Chalmers, em que é destacado o trecho que apresenta
os fatores que contribuíram para a aceitação da teoria copernicana. A aceitação reside na
maneira mais simples de explicar as características do movimento dos planetas em
comparação à maneira menos atraente e mais superficial utilizada pelo modelo
Ptolomaico. Porém, por mais que algumas características matemáticas estivessem a favor
da teoria de Copérnico, existe um fator que não é muito discutido no ensino, que é a
necessidade de epiciclos no sistema copernicano. Copérnico também necessitou adicionar
epiciclos ao seu modelo, e o número destes é similar à quantidade de epiciclos do sistema
de Ptolomeu. Os dois modelos possuem a mesma complexidade. Fazendo uso de mais
algumas referências, a Flat Earth Society destaca trechos que mostram comentários de
que Copérnico inflacionou o número de epiciclos do seu oponente, fazendo parecer que
o modelo de Ptolomeu possuía 80 epiciclos e não 40, para que a teoria rival parecesse
pior que a sua.
A teoria copernicana demorou a ser aceita e sofreu diversas críticas. A Flat Earth
Society cita um trecho da obra “Beng to Eternity and Betwixt: cosmo”, de John Hussey,
que mostra os argumentos do teólogo e astrônomo dominicano Giovanni Maria Tolosani,
34
Esse trecho possui o número indicando citação, porém a Flat Earth Society não realiza a referência.
Tradução nossa do original em inglês: Ptolemy was content to “save appearances” and did not speculate
about the underlying fabric of the heavens.
35
Tradução nossa do original em inglês: Mercury and Venus being more physically pleasing with a Sun as
center point, the retrograde motion of Mars as the result of a Sun-centered system, and the fact that Jupiter
had moons (Galileo) -- a piece of evidence that the Earth was not necessarily the center of everything as
Ptolmy suggested.
60
Após tratar sobre o sistema Copernicano e Ptolomaico, a Flat Earth Society trata
do sistema do astrônomo dinamarquês Tycho Brahe que propõe que os planetas giram em
torno do Sol, sendo o centro das revoluções planetárias, mas com o Sol girando em torno
da Terra estacionária. Esse modelo também é conhecido como “geoheliocêntrico”. O
funcionamento dos movimentos na Terra Plana é semelhante ao modelo semi-
heliocêntrico de Tycho Brahe, com o Sol em movimento girando em torno da Terra uma
vez por dia, enquanto os planetas giram em torno do Sol com várias circunferências
orbitais. A partir da interpretação da Terra plana tem-se:
Mercúrio e Vênus giram em torno do Sol próximo a ele, enquanto os planetas
superiores giram em torno do Sol em círculos maiores que abrangem o pólo
norte em caminhos semelhantes ao caminho principal do Sol, e que ficam entre
os trópicos.37 (FLAT EARTH: PLANETS).
Sobre Johannes Kepler, a Flat Earth Society cita que ele foi um sucessor de Tycho
Brahe, porém, apoiava o heliocentrismo. Foi um dos grandes contribuintes para os
conhecimentos sobre o movimento dos planetas, associou a variação na taxa de
velocidade de um planeta ao longo de sua órbita com sua posição relativa ao Sol. Quando
36
Trecho citado pela Flat Earth Society da obra Beng to Eternity and Betwixt: cosmo de John Hussey,
Tradução nossa do original em inglês: Thus Copernicus seemed to be undermining the whole system of the
philosophy of science at the time. Tolosani held that Copernicus had fallen into philosophical error because
he had not been versed in physics and logic; anyone without such knowledge would make a poor astronomer
and be unable to distinguish truth from falsehood. Because Copernicanism had not met the criteria for
scientific truth set out by Thomas Aquinas, Tolosani held that it could only be viewed as a wild unproven
theory.
37
Tradução nossa do original em inglês: Mercury and Venus would rotate around the Sun near to it while
the superior planets rotate around the Sun on larger circles encompassing the northern pole on paths similar
to the Sun's main path, and which sit between the tropics.
61
um planeta está mais próximo ao Sol, ele se move mais rápido, e quando está mais
afastado, ele se move mais devagar. Kepler sugeriu o magnetismo como explicação para
o fenômeno da atração pelo Sol, diferente de Newton que sugeriu a gravidade.
Porém, a Flat Earth Society chama atenção para a ideia de que suas contribuições
provariam o heliocentrismo. Seguindo o raciocínio de que ideias pré-existentes
influenciam resultados, a Flat Earth Society discute que os resultados de Kepler estariam
baseados nas suas preferências (ao heliocentrismo). Segundo a Flat Earth Society, Kepler
sabia que tais modificações elípticas também podiam ser realizadas no modelo
geocêntrico. As contribuições dele somente ajudam a resolver o entendimento acerca das
órbitas planetárias que não são círculos perfeitos, e sim elipses, independente do modelo
(seja ele heliocêntrico e geocêntrico).
Ao fim do tema “Planetas”, a Flat Earth Society realiza algumas citações38sobre
o movimento da Terra, em que frisam o argumento de que os movimentos dos planetas
observados nos céus não provam que a Terra também gire, afinal, não podemos sentir. As
observações de Galileu com seu telescópio podem ser acomodadas ao sistema de Tycho
Brahe. A escolha de qual modelo seguir é filosófica.
Sobre as estrelas, a Flat Earth Society informa que estão localizadas acima do Sol,
da Lua e dos planetas. São elementos luminosos e se movem girando “acima da Terra no
ritmo do Dia Sideral, que é cerca de uma rotação a cada 23,93 horas, ou 4 minutos a
menos que o Dia Solar” 39.
Continuando com as temáticas discutidas no tópico “Cosmos”, a Flat Earth
Society também discute sobre o “Princípio cosmológico”:
O Princípio Cosmológico e o Princípio Copernicano são filosofias que
afirmam que os humanos na Terra não são observadores privilegiados do
universo. Devido a essa filosofia, as observações astronômicas devem
consequentemente, ser interpretadas sob o contexto das teorias astronômicas
atuais, independentemente do que a realidade possa sugerir40 (FLAT EARTH:
COSMOLOGICAL PRINCIPLE).
38
Citações realizadas: Físico I. Bernard Cohen, Birth of a New Physics, revisado e atualizado, New York:
WW Norton, 1985, p.78; Philosopher and Mathematician Bertrand Russell, Citado de Dennis W. Sciama's,
The Unity ofthe Universe, New York: Doubleday, 1961, p. 102-103; Astrônomo Sir Fred Hoyle e
Cosmologist George Ellis em Scientific American, “Thinking Globally, Acting Universally”, outubro de
1995.
39
Tradução nossa do original em inglês: The stars revolve above the Earth at the rate of the Sidereal Day,
which is defined as the time between two consecutive transits of the First Point of Aries, which is about
one rotation every 23.93 hours, or 4 minutes shorter than the Solar Day.
40
Tradução nossa do original em inglês: The Cosmological Principle and the Copernican Principle are
philosophies which state that humans on the Earth are not privileged observers of the universe. Due to this
philosophy astronomical observations must consequently be interpreted under the context of current
astronomical theories, regardless of what reality might otherwise suggest.
62
41
Foi difícil de detectar o objetivo desse tópico (Cosmological principle) devido à forma que é discutido o
tema: são apresentadas diversas citações que foram copiadas e coladas sem que fosse realizada uma
discussão ou comentários sobre elas, não ficando explícito qual delas é apoiada ou não pela Flat Earth
Society. Algo encontrado também em outros subtópicos e temas.
42
Mais especificamente, a Flat Earth Society utiliza o termo “parecemos estar no centro”, se referindo a
nós estarmos no centro.
43
Tradução nossa do original em inglês: simulate a heliocentric Sun-Earth-Moon system.
63
de caos. Segundo a Flat Earth Society, tais especificações não são compatíveis com as
características do sistema de astronomia proposto por Copérnico.
Como expresso no site da sociedade, o desafio de resolver o problema dos três
corpos foi encarado por diversos cientistas, entre eles, Isaac Newton (1643-1727), porém
sem sucesso 44 . A previsão de órbitas elípticas para além da órbita circular continha
cálculos mais complicados e os matemáticos foram incapazes de obter soluções exatas do
modelo para além dos dois corpos 45 . Para resolver esse problema, Newton invoca a
intervenção divina.
Além de Newton, outra solução citada é a proposta por Henri Poincaré (1854-
1912). A Flat Earth Society cita por completo a publicação realizada no site do físico do
Caltech Sean Carroll46, que descreve o envolvimento de Henri Poincaré com o problema
dos três corpos. Poincaré participou de uma competição matemática em 1885, em
homenagem ao 60° aniversário do Rei Oscar II da Suécia. Seu ensaio demonstrava a
estabilidade dos movimentos planetários em um sistema em que um corpo se move no
campo gravitacional gerado por dois outros corpos. Tal ensaio foi muito aclamado e
estava sendo preparado para publicação na Acta Matemática.
Antes da publicação do artigo de Poincaré, algumas dúvidas foram enviadas pelo
editor assistente da revista. Mas, ao tentar solucionar os problemas, Poincaré percebeu
que estava “provando o oposto de sua afirmação original – as órbitas de três corpos não
eram estáveis de forma alguma” 47. Mesmo diante do resultado, a publicação do artigo
ocorreu, pois, havia a expectativa que Poincaré solucionasse o problema, porém essa
solução não aconteceu. Em vez de entender a dinâmica de três corpos em órbita e provar
a sua estabilidade, Poincaré acabou inventando a teoria do caos48. O autor da publicação
que está sendo usada como referência para expor a relação de Poincaré com o problema
dos três corpos finaliza afirmando que as órbitas de três corpos são caóticas e que foram
44
A referência utilizada pela Flat Earth Society foi The PhysicsProblemthat Isaac Newton Couldn't Solve,
publicado no site Cosmic Yarus em 2017 pelo professor de física Robert Scherrer.
45
A referência utilizada pela Flat Earth Society foi um trecho do documentário The Strange New Science
of Chaos.
46
Link disponibilizado pela Flat Earth Society da publicação:
https://web.archive.org/web/20180816124720/http://www.preposterousuniverse.com/blog/2006/07/23/n-
bodies/
47
Tradução nossa do original em inglês: proving was the opposite of his original claim — three-body orbits
were nots tableatall.
48
Tradução nossa do original em inglês: Poincaré ended up inventing chaos theory.
64
descobertas como altamente assimétricas. A Flat Earth Society finalizada esse trecho da
seguinte forma:
Os leitores devem decidir por si próprios se o sistema Sol-Terra-Lua ou outros
sistemas propostos pela Astronomia contemporânea são sistemas “altamente
simétricos” 49. (FLAT EARTH: THE THREE BODY PROBLEM).
Diversas outras citações são realizadas pela Flat Earth Society para mostrar como
as soluções encontradas para o problema dos três corpos são restritas a casos tão
específicos que os diferentes modelos não condizem com a teoria heliocêntrica.
A Flat Earth Society discute também que os movimentos das galáxias também
não condizem com as teorias newtonianas e einsteinianas. De acordo com o site, essas
teorias predizem que o centro da galáxia deveria girar mais rápido que suas bordas,
porém, observa-se que elas giram como se fossem discos sólidos. A Flat Earth Society
expõe que, para a ciência explicar a rotação das galáxias, é necessário adicionar a
explicação de que há algum tipo de substância que mantenha as estrelas fortemente
unidas, essa substância é a matéria escura. De acordo com a Flat Earth Society, essa é a
forma de explicar esses pontos que não são condizentes com a teoria. A velocidade que
as galáxias giram é superior ao que equivale ao seu suposto tamanho, e, de acordo com a
teoria, as estrelas deveriam saltar para longe umas das outras. Além disso, as galáxias são
observadas se movendo de forma sincronizada, mesmo estando muito distantes umas das
outras para haver algum tipo de interação entre elas, o que contradiz o conceito de grande
universo.
Física geral
A seguir iremos descrever o tópico “Física geral”, que se relaciona com o tópico
anterior, aprofundando suas explicações. Nesse tópico, a Flat Earth Society trata sobre a
gravidade. Em “Perguntas frequentes” é questionado: “Por que a gravidade não puxa a
Terra para uma forma esférica?”. A resposta é que a gravidade, diferente do que é
ensinado, é causada pela “Aceleração Universal (UA)” da Terra, responsável pela
aceleração constante da Terra para cima. Com isso, é essa força que empurra os objetos
para baixo. Ela é a “teoria da gravidade do Modelo Terra Plana”:
Imagine sentar-se em um carro que nunca para de acelerar. Você será
empurrado para sempre em seu assento. A Terra funciona da mesma maneira.
Ele está constantemente acelerando para cima sendo empurrado por um
49
Tradução nossa do original em inglês: Readers should decide for themselves whether the Sun-Earth-
Moon system or other systems proposed by contemporary Astronomy are “highly symmetric” systems.
65
acelerador universal (UA) conhecido como energia escura ou vento etérico 50·.
(FLAT EARTH: FREQUENTLY ASKED QUESTIONS).
No tema “Aceleração Universal (UA)”, a Flat Earth Society afirma que a teoria
tradicional da gravidade junto com a teoria da relatividade geral é incompatível com o
modelo Terra plana, por necessitarem “de uma grande massa esférica puxando os objetos
uniformemente em direção ao seu centro”. Todos os corpos celestes suficientemente
massivos aceleram para cima por aproximadamente 9,8 m/s2, e isso provoca o peso dos
objetos na superfície da Terra. Sempre somos puxados para baixo e não é possível
perceber essa aceleração. Essa não percepção é explicada a partir do “princípio da
equivalência na física”:
Este princípio na física afirma que em um referencial relativo, não é possível
discernir localmente se o referencial está acelerando para cima ou se o objeto
dentro do referencial é afetado pela gravidade 51 (FLAT EARTH:
UNIVERSAL ACCELERATION).
Uma das questões que podem ser levantadas e que a Flat Earth Society responde
é com relação aos objetos excederem a velocidade da luz ao acelerarem continuamente
ao longo do tempo. É respondido que isso não é possível, e utilizam a Teoria da
Relatividade Especial para explicar essa impossibilidade e afirmar que a Terra pode
acelerar para sempre sem atingir a velocidade da luz. Ao fazer uso da relatividade especial
é colocado:
Neste ponto, muitos leitores questionarão a validade de qualquer resposta que
use termos da física avançados e que soam intimidantes para explicar uma
posição. No entanto, é verdade 52 (FLAT EARTH: UNIVERSAL
ACCELERATION).
50
Tradução nossa do original em inglês: Imagine sitting in a car that never stops speeding up. You will be
forever pushed into your seat. The Earth works much the same way. It is constantly accelerating upwards
being pushed by a universal accelerator (UA) known as dark energy or aetheric wind.
51
Tradução nossa do original em inglês: This principle in physics states that in a relative frame of reference,
it is not possible to locally discern whether the frame is accelerating upwards, or if the object inside the
frame is affected by gravity.
52
Tradução nossa do original em inglês: At this point, many readers will question the validity of any answer
that uses intimidating-sounding advanced physics terms to explain a position. However, it's true
66
plano infinito de matéria exótica em algum lugar abaixo do disco, empurrando na maneira
oposta da gravidade tradicional”.
Sobre a gravidade da Terra Plana, segundo a Flat Earth Society não há variação
da gravidade ao longo da superfície da Terra ou à medida que aumenta a altitude, além
disso, o Sol e a Lua não exercem atração gravitacional sobre a Terra. É informado que
experimentos de equilíbrio de torção muito sensíveis foram conduzidos durante um período
de 24 horas, cujos resultados mostram que a variação de gravidade é inexistente e os poucos
efeitos que surgiram são questionáveis. São apresentadas, mais uma vez, citações a favor do
princípio da equivalência, desta vez no tema “dilatação do tempo gravitacional”, para
apoiar a não existência nas variações de gravidade. É criticada a forma com que a
gravidade é defendida pelos cientistas: ela deveria ser baseada em experimentos
empíricos e não em “rumores ou teorias”.
Sobre a gravidade na Terra esférica, é negado que os diferentes valores de peso
nas diferentes localidades da Terra sejam causados pela interferência gravitacional. A
variação do peso dos corpos possuiria relação com outras condições, como, por exemplo,
pressão e umidade. Além disso, a gravimetria é frequentemente usada como evidência de
que o campo gravitacional da Terra varia com a latitude e com a localização, porém, a
gravimetria não mede diretamente a gravidade. Ela funciona como sismógrafos que
medem pequenos impactos de ruídos sísmicos que são interpretados como variações na
gravidade.
Outro estudo que a Flat Earth Society coloca como incoerente para provar a
gravidade é o experimento realizado pelo cientista britânico Henry Cavendish (1731 –
1810) sobre a medição da força da gravidade entre massas, que prova a atração universal
entre corpos massivos. Este experimento estaria repleto de resultados errados com
interferências de outros efeitos que não seriam da gravidade:
O experimento Cavendish deve ser considerado pelo que é: um experimento
inconsistente que é reconhecidamente perturbado e dominado por efeitos
desconhecidos ou não mitigados, e que podem ou não incluir "gravidade" nos
resultados vistos53( FLAT EARTH: CAVENDISH EXPERIMENT).
53
Tradução nossa do original em inglês: the Cavendish Experiment should be regarded for what it is: An
inconsistent experiment which is admittedly disturbed and dominated by unknown or unmitigated effects,
and which might or might not include "gravity" in the results seen.
67
fortemente outros corpos, é esperado, segundo a Flat Earth Society, que montanhas
possuam atração gravitacional maior que colinas e planaltos. Porém, são mostrados casos
de estudos com fio de prumo não defletor que obtiveram resultados não compatíveis com
o esperado pela teoria da gravidade54.
A Flat Earth Society traz comentários que fazem crítica ao dogmatismo em torno
da teoria gravitacional, sendo considerada a mesma relação que há na religião. Uma vez
que não pode contradizer a autoridade, se a teoria afirma que matéria atrai matéria, por
exemplo, um estudo que mostre o contrário terá seus resultados questionados e mudarão
os argumentos para que possa se moldar à teoria. Essa crítica surge em diversos
subtópicos e temas dentro do tópico de “Física geral”.
Forma e magnitude
Seguindo com as discussões acerca do movimento da Terra, o próximo tópico que
será descrito é “Forma e magnitude”. Nesse tópico há o tema “rotação da Terra”, e, para
discutir sobre o movimento da Terra, a Flat Earth Society crítica o experimento do
pêndulo de Foucault e o Efeito Coriolis. O experimento do pêndulo de Foucault (Figura
5), introduzido em 1851, é apresentado como uma suposta evidência que prova a rotação
da Terra. Segundo a Flat Earth Society, Foucault afirmou que os movimentos rotacionais
oscilantes do pêndulo de seu experimento eram a prova da rotação da Terra.
54
Não há maiores detalhes destes experimentos, nem como foram realizados.
68
A Flat Earth Society traz algumas citações para informar como foi a recepção
histórica do experimento de Foucault. Uma citação importante é o artigo “The Popular
and Scientific Reception of the Foucault Pendulum in the United States”, de 1999, do
professor Michael F. Conlin. É destacado que o experimento do pêndulo de Foucault não
foi bem recebido e até mesmo rejeitado pelo astrônomo Real George Airy. O experimento
foi aceito como uma “questão prática”, mas estava “sem dúvidas aberto a todo tipo de
dúvida”. Airy conduziu seus próprios experimentos de maneira adequada e concluiu “que
a dificuldade de iniciar um pêndulo livre, de modo a fazê-lo vibrar primeiro no plano, é
extremamente grande”. Essas opiniões se mantiveram em segredo, mas periódicos
populares souberam de suas rejeições ao experimento e iniciaram uma busca pela
validade do pêndulo de Foucault.
São destacados alguns trechos pela Flat Earth Society, como, por exemplo, do
jornal London Literay Gazette, que publicou que se deve ter cautela “porque pessoas não
qualificadas pelos hábitos anteriores de pesquisa e investigação precisa haviam falhado”.
O Illustrated London News “expressou reservas semelhantes, observando que o
experimento agora está gerando muita controvérsia”. Outra citação realizada é a de um
correspondente da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS) que
55
Tradução nossa do original em inglês: Thus, the experiment is entirely invalid as a demonstration of
diurnal rotation. That a pendulum on a line can rotate as it swings back and fourth has more to do with the
initial conditions which set it into motion than the supposed rotation of the earth.
56
Tradução nossa do original em inglês: Now to prove that the earth really has these motions a pendulum
is suspended at the show; the showman sets motion, and bids the gaping world of thoughtless men and
women to ‘behold a proof’ that we are living on a whirling globe which is rushing away through space!
69
realizou uma repetição do experimento sem sucesso. Houve uma explicação em um artigo
da Appletons ‘Mechanics and Engineer’ Journal:
que os cientistas “chegaram a uma conclusão precipitada e prematura” ao
afirmar que um pêndulo vibratório poderia fornecer uma prova visível da
rotação da Terra devido a duas suposições “injustificáveis”: que o atrito no
ponto de suspensão não era nada e que o pêndulo podia vibrar
independentemente do movimento da Terra57 (FLAT EARTH: FOUCAULT
PENDULUM).
Outras citações realizadas pela Flat Earth Society fazem referência a erros
mecânicos. Alguns resultados apresentaram o sentido esperado, anti-horário no
Hemisfério Sul e horário no Hemisfério Norte, e algumas replicações não apresentaram
o resultado esperado, e isso mostraria o fracasso dos astrônomos. Rowbotham também
informa, em sua obra Earth Not a Globe, que a variação do pêndulo é inconstante, não
podendo ser usado como instrumento para nenhum experimento. Caso o movimento da
Terra existisse, ele poderia ser sentido.
Sobre o Efeito Coriolis, segundo a Flat Earth Society, ele é um efeito fictício que
nunca foi devidamente demonstrado com evidências experimentais, e as evidências
mostradas parecem ser baseadas inteiramente no “conhecimento comum”. A Flat Earth
Society coloca que são realizadas “previsões” de como as coisas “deveriam ser”, todos os
documentos e artigos apresentados a favor desse efeito são sem referência e não contêm
demonstração experimental crítica necessária para provar diretamente esse assunto.
A Flat Earth Society advoga que os primeiros estudos do Efeito Coriolis teriam
sido realizados por Giovanni Borelli, na década de 1660, “em uma análise teórica” em
que ele descobriu que os corpos em queda “sofrerão uma pequena deflexão para o leste”.
Essas informações foram obtidas de uma publicação intitulada “History of the Coriolis
force” do site do Laboratório de Fluxos Geofísicos e Industriais (LEGI), da França. A
partir dessa informação, a Flat Earth Society começa a discutir sobre artilharia e de como
a ideia do Efeito Coriolis pode interferir no momento de acertar o tiro em um alvo. É
analisada a “Tabela Coriolis da Artilharia do Exército dos EUA” 58, que, segundo a Flat
57
Tradução nossa do original em inglês: that scientists had "jumped to a hasty and premature conclusion"
in asserting that a vibrating pendulum could provide a visible proof of the earth's rotation because of two
"unjustifiable" assumptions: that friction at the point of suspension was nothing and that the pendulum
could vibrate independently of the earth's motion.
58
Link para a tabela analisada: <https://wiki.tfes.org/File:Army-coriolis-table.png>. Documentos da
artilharia que também forama analisados: artilharia de 1967 e de 1973, o documento do suposto especialista
Guy Schuchman de 2016, além do documento do Serviço de Pesquisa de Armamento da Austrália, de 2017.
70
59
Manuais analisados: os manuais de atiradores do Corpo de Fuzileiros Navais do EUA, do Exército dos
EUA e da Marinha dos EUA.
60
A Flat Earth Society usa as seguintes referências para mostrar que o direcionamento da água não é em
decorrência do Efeito Coriolis: o livro “Trivia Questionos That Even Know-It-Alls Get Wrong”, de Rod L.
Evans, 1956; publicação do site Earth Science –Semester 1: The World’sWater; publicação do site
“Science Project”; O livro A student’sGuide Earth Science, Words na Terms, Volume 1, 2004; publicação
do site Scientific American e publicação do site New Scientist.
71
61
Tradução nossa do original em inglês: Many of these discussions are often put to an end after a simple
request of evidence. 'Mountains' of evidence are claimed to exist for phenomena such as this, yet when the
Round Earth proponent is questioned in a simple and polite manner on the necessary demonstration, we
find that the response is generally, to any reasonable standard, woefully insufficient.[...] It is quite curious
that this effect cannot be clearly demonstrated, and is so easily defeated with such simple questioning,
despite our opponent's access to the vast collection of human knowledge that is the internet.
62
Mapa de 1943 das correntes oceânicas mundiais e gelo marinho do Atlas de Mapas Mundiais da Forças
de Serviço do Exército dos Estados Unidos, Divisão de Treinamento Especializado do Exército, e um mapa-
múndi que não possui referência, mas que possui como objetivo mostrar a direção das setas.
72
63
E repetido em diversas outras ocasiões.
64
Link disponibilizado: https://artsandculture.google.com/exhibit/QQpRfXM-
73
65
Este experimento realizado por Eratóstenes é regularmente utilizado para argumentação da Terra esférica.
É importante perceber como os terraplanistas o enxergam e o traduzem como evidência para a defesa da
Terra Plana.
66
Tradução nossa do original em inglês: He was actually measuring the diameter of the flat earth (distance
across), which is a figure identical to the circumference of the round earth (distance around).
67
Parece contraditório afirmar que o resultado de Eratóstenes foi utilizado como medição do diâmetro da
Terra plana e logo em seguida afirmar que a Terra é “fisicamente muito maior”, mas não houve maiores
explicações para o porquê da segunda afirmação.
68
Tradução nossa do original em inglês: The earth is physically much larger, of course.
69
Tradução nossa do original em inglês: Sinking Ship Effect. https://wiki.tfes.org/Sinking_Ship_Effect
74
para não vermos objetos que vão se aproximando do horizonte é por estarem sendo
cobertos pelas ondas do oceano.
A causa por refração é explicada pela Flat Earth Society a partir de Rowbotham,
que afirma que as condições do local interferem na visualização do casco no navio, sendo
mais provável ocorrer em ambientes oceânicos agitados e mais difícil em águas menos
movimentadas, como em lagos e canais. Essa inconsistência retira o argumento de que o
efeito seja causado devido a Terra ser esférica.
Na explicação da “falta de resolução óptica”, a fonte utilizada também é
Rowbotham, que descreve o mecanismo para ocorrência desse fenômeno:
O casco do navio fica tão perto da superfície da água à medida que recua que
eles parecem se fundir. Onde os corpos ficam tão próximos uns dos outros que
parecem se fundir é chamado de Ponto de Fuga70. (FLAT EARTH: SINKING
SHIP EFFECT CAUSED BY LIMITS TO OPTICAL RESOLUTION).
É citado que esse conteúdo é estudado nas escolas de arte, porém, de forma errada.
Ocorre que o ponto de fuga está localizado a uma distância infinita do observador, mas,
devido ao ser humano não conseguir enxergar o infinito, as “linhas de perspectiva são
modificadas e colocadas a uma distância finita do observador”, e a distância finita é o
ponto de fuga “que permite que os navios encolham no horizonte e desapareçam quando
seus cascos se cruzam com o ponto de fuga de baixo para cima”, como indicado na figura
6.
A Flat Earth Society sabe que essa explicação é verdadeira porque “há relatos de
navios meio afundados restaurados olhando-os por meio de telescópios”, portanto, esse
70
Tradução nossa do original em inglês: The ship's hull gets so close to the surface of the water as it recedes
that they appear to merge together. Where bodies get so close together that they appear to merge is called
the Vanishing Point
75
71
Tradução nossa do original em inglês: The fact that a telescope can restore a half-sunken ship
demonstrates that the ship is not traveling behind a convex land.
72
Tradução nossa do original em inglês: Curvature results from the fact that at the edge of the atmosphere
we are looking down at the illuminated circular area of the sun's light. The observer is looking down at a
circle. A circle is always curved in two dimensions. When looking down at the circular area of the sun's
light upon the earth we see elliptical curvature
76
Para a contenção dos gases presentes na atmolayer a Flat Earth Society apresenta
algumas hipóteses: através da parede de gelo (atualmente desacreditado); por um campo
de energia escura, em que os fluxos de energia escura na borda do mundo retêm os gases;
há a hipótese Atmolayer Lipe a hipótese de que não há necessidade de retenção dos gases
(a Terra é eterna e não é necessário reter a atmolayer, pois, “não teria nada de onde cair”).
Essa hipótese de a Terra ser infinita é utilizada por alguns terraplanistas como “uma
analogia para o que existe além da parede de gelo”, “um pedaço de terra incompreensível
para os padrões humanos” (FLAT EARTH: ATMOLAYER74).
A hipótese Atmolayer Lip compreende que a pressão barométrica tem seu
aumento e diminuição influenciada pelo calor proveniente do Sol e do movimento das
correntes de vento. Além disso, à medida que se aproxima da parede de gelo, a
temperatura diminui e consequentemente a pressão diminui a um ponto que se aproxima
de zero. Com isso, é afirmado que:
A atmosfera pode muito bem existir como uma borda sobre a superfície da
Terra, mantida por vastos gradientes de pressão decrescente 75 . (FLAT
EARTH: HIPÓTESE ATMOLAYER LIP)
73
Tradução nossa do original em inglês: Natural Phenomena.
74
Link: https://wiki.tfes.org/Atmolayer
75
Tradução nossa do original em inglês: The atmosphere may very well exist as a lip upon the surface of
the earth, held in by vast gradients of declining pressure.
77
76
Link: https://wiki.tfes.org/Aurora
77
Tradução nossa do original em inglês: Below the crust there is tremendous pressure due to acceleration,
which has created a vast underground ocean of magma within the earth's mantle. Mountains are formed by
volcanism, erosion, and disturbances or an uplift in the flat earth's crust.
78
Link: https://wiki.tfes.org/Formation_of_Mountains_and_Volcanoes
78
79
Tradução nossa do original em inglês: World Geodetic System 1984.
80
Tradução nossa do original em inglês: found that the process is a complex system which pulls information
from a large collection of smaller flat maps to provide information to users. The measurement and
coordinate information is temporarily reprojected and retrieved from flat maps with planar coordinates in
order to provide accurate geospatial data.The Latitude and Longitude coordinate system is described as
unreliable and is not used to measure distances or área.
81
Tradução nossa do original em inglês: Distances in the South.
79
Sobre as ferrovias, um dado interessante citado pela Flat Earth Society é que o
movimento zetético teve o seu início junto com a “Era de Ouro das Ferrovias”, de 1800
até o início de 1900, período em que milhares de quilômetros de ferrovias foram
construídos em todo mundo. Com isso, houve discussões sobre a montagem, medição e
disposição horizontal das ferrovias sem a utilização de “cálculo matemático ou tolerância
para qualquer curvatura”. Citando alguns trechos da “Zetetic Cosmogony” de Thomas
Winship, de 1899, são mostrados argumentos de que a construção das ferrovias não leva
em consideração a curvatura da Terra. O Trecho abaixo traz um exemplo que é citado
explicitamente como prova:
Que em todos os levantamentos não há tolerância para curvatura, o que seria
uma necessidade em um globo; que uma linha horizontal é em todos os casos
a linha de referência, sendo a mesma linha contínua ao longo de toda a extensão
da obra; e que o teodolito corta uma linha em altitudes iguais em cada lado
dele, cuja altitude é a mesma que a do instrumento, prova claramente, para
82
Link disponibilizado pela Flat Earth Society: https://www.quora.com/How-was-the-
Danyang%E2%80%93Kunshan-Grand-Bridge-in-China-engineered-to-curve-with-the-Earth-104-miles-
long
83
Tradução nossa do original em inglês: As a civil engineer, I have never taken the curve of the earth into
any calculation. There is no calculation for the curve of the earth. You take two points and you build toward
each other. In the middle may be some additional elevation of the roadway on the bridge to account for
pitch, drainage of water and the overall stability (as most suspension bridges), but the ends are pretty much
surveyed to be two level points measured at an elevation height above sea level. The footings of the bridge
must be level or the design will be flawed. So there’s no curve.
80
aqueles que aceitarão a prova quando for fornecido, que o mundo é um plano
e não um globo84 (FLAT EARTH: RAILROADS).
Esse ensinamento faz com que muitos alunos tenham que “desaprender muito dos
confusos dogmas que aprenderam na escola”, uma vez que dogma compreende aquilo
“que pode ser”, porém, o “mundo real é como o percebemos”.
84
Tradução nossa do original em inglês: That in all surveys no allowance is made for curvature, which
would be a necessity on a globe; that a horizontal line is in every case the datum line, the same line being
continuous throughout the whole length of the work; and that the theodolite cuts a line at equal altitudes on
either side of it, which altitude is the same as that of the instrument, clearly proves, to those who will accept
proof when it is furnished, that the world is a plane and not a globe.
85
Tradução nossa do original em inglês: It is likely that those claiming to have personally visually discerned
curvature from an aeroplane are experiencing a form of confirmation bias.
86
Tradução nossa do original em inglês: Aviation. Link: https://wiki.tfes.org/Aviation
87
Tradução nossa do original em inglês: the stars are fixed to the celestial sphere, which is centered on a
fixed earth and around which it revolves according to laws clearly deducible from common sense
observation. The Sun and Moon move along the inner surface of this sphere and therefore necessarily
revolve around the Earth.
81
Evidência experimental
Tendo em vista as críticas realizadas pela Flat Earth Society aos experimentos
descritos anteriormente, a seguir iremos descrever o tópico “Evidência experimental” que
possui como objetivo mostrar evidências experimentais a favor de uma Terra Plana. O
experimento do nível de Bedford é colocado como sendo, possivelmente, o melhor
experimento para a prova da Terra plana.
Esse experimento foi realizado por Samuel Rowbotham, que o descreveu em seu
livro Earth Not a Globe, e compõe um conjunto de experimentos realizados por ele no
canal de Bedford, um lago localizado em Norfolk, Inglaterra. Rowbotham morava
próximo do lago e realizou o experimento várias vezes durante um longo período (não é
mencionado o período nem a quantidade de vezes).
O lago de Bedford foi frequentemente utilizado por algumas pessoas para
realização de experimentos durante o século XIX e início do século XX. A maioria dos
resultados serviu para “provar” que a Terra é plana, e são utilizados até hoje como o
exemplo mais aceito pelos terraplanistas. O lago possui condições favoráveis para
realização das observações, pois apresenta uma drenagem de fluxo lento.
Historicamente, o primeiro experimento foi realizado no verão de 1838, por
Samuel Rowbotham. Utilizando um telescópio a oito polegadas acima da água, ele entrou
no rio e observou um barco com uma fileira de mastro que estava a uma distância de um
metro e meio. Ele relata que foi possível continuar visualizando o barco mesmo ele
estando a seis milhas completas distante dele. Caso a superfície da água fosse curvada
com a circunferência aceita de uma terra esférica, o topo do mastro deveria, segundo
Rowbotham, estar cerca de 3,5 metros abaixo de sua linha. Esses resultados não ganharam
tanta repercussão, até que, em 1870, um defensor da Terra Plana chamado John Hampden
82
propôs a Alfred Russel Wallace que o experimento realizado por Rowbotham fosse
reproduzido por ele. Realizado o experimento, a Flat Earth Society informa que Wallace
“ganhou a aposta”, o que indica que os resultados não foram a favor da teoria da Terra
plana, porém, é informado que Wallace havia trapaceado e que esse caso levou a
processos judiciais. Hampden foi acusado de difamação, porém, posteriormente, foi
confirmado que Wallace trapaceou (segundo a Flat Earth Society).
Lady Anne Blount, em 11 de maio de 1904, também reproduziu o experimento de
Rowbotham. Ela contratou um fotógrafo comercial para tirar uma foto de um grande
lençol que tocava a superfície do lago, estando posicionada a seis milhas de distância do
local que iria ser capturada a foto. Foi possível obter a foto do alvo, o que deixou o
fotógrafo surpreso, pois não era esperado que ele conseguisse capturar o lençol daquela
distância.
Nesse tópico é mostrado o experimento número 2 presente na obra do Rowbotham.
Porém, são apresentados links de acesso para mais 8 experimentos diferentes realizados
por Rowbotham. No experimento 2 foram distribuídas sete bandeiras ao longo da borda
da água do canal, a uma distância de uma milha uma da outra, de modo que ficassem 5
pés da superfície ao topo da bandeira. Após a sétima bandeira foi fixada uma mais longa
com 8 pés acima da superfície da água (figura 7).
Após a distribuição das bandeiras foi realizada uma observação com o telescópio
sobre e ao longo das bandeiras. Como resultado, foi avistada a parte inferior da bandeira
maior, marcado na imagem acima como B, provando que a superfície de CD é
equidistante da linha de visão AB, e, com isso, uma vez que AB forma uma reta, CD que
são paralelas, também formam uma reta.
83
Caso a Terra fosse curva, a água seguiria a sua curvatura, e não seria possível
observar objetos fixados ao longo do lago presentes no mesmo nível na linha do horizonte.
Haveria uma curvatura de C a D, cada bandeira teria apresentado um valor abaixo entre
a linha de A até B, e não seria possível observar a parte inferior da bandeira maior como
indicado na figura 8.
Figura 8 - Disposição das bandeiras ao longo do lago de Bedford caso a Terra fosse
esférica.
88
Link de acesso do vídeo: https://youtu.be/cAe8AxCUda8
84
educação e o governo são controlados. Outros links de vídeos com evidências da Terra
plana, que trazem resultados similares aos dos experimentos acima, são mostrados pela
Flat Earth Society.
Conspiração
Muitos dos temas apresentados acima possuem relação com o tópico principal que
iremos apresentar a seguir, a “Conspiração”. Segundo a Flat Earth Society, ‘Conspiração’
é um termo utilizado para se referir à falsificação ativa de viagens espaciais, geralmente
associadas à Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço (NASA), incluindo os seus
constituintes e aqueles que obtêm informações dela, como o governo. Essa conspiração
teve início durante a “corrida espacial” da Guerra fria, e os envolvidos, a URSS e os EUA,
mantêm essa conspiração atualmente por motivos de ganância e por ganhos políticos
O início do uso dessa denominação com esse significado é incerto, mas as
primeiras referências indicam terem sido realizadas por Samuel Shenton quando liderava
a Flat Earth Society 89 . A Flat Earth Society explica que Terra plana não é uma
conspiração e a NASA não está escondendo a verdade sobre a forma da Terra. A NASA
não realiza um programa espacial real, com isso, não tem como saber a real forma da
Terra, a NASA pensa que a Terra é redonda. Devido às crenças gregas sobre o formato
esférico da Terra, essa ideia continuou sendo propagada e todos aprendem sobre ela desde
criança, inclusive as pessoas que trabalham na NASA. Há uma conspiração da viagem
espacial em que o objetivo da NASA:
É falsificar o conceito de viagem espacial para promover o domínio militarista
dos Estados Unidos no espaço90. (FLAT EARTH: THE CONSPIRACY).
89
Link: https://wiki.tfes.org/The_Conspiracy
90
Tradução nossa do original em inglês: The purpose of NASA is to fake the concept of space travel to
further America's militaristic dominance of space
91
Essa frase é citada pela Flat Earth Society e foi pronunciada em 7 de janeiro 1958 por Lyndon Johnson,
líder da maioria do senado dos Estados Unidos e, posteriormente, presidente.
85
92
Mesma imagem citada na nota de rodapé 42. Link disponibilizado pela Flat Earth Society da imagem:
https://history.nasa.gov/alsj/a11/AS11-40-5922HR.jpg
93
Link da página da Flat Earth Society para ler mais sobre as provas mostradas.:
https://wiki.tfes.org/NASA_Faking_the_Colors_of_the_Martian_Sky
94
Link disponibilizado pela Flat Earth Society: http://www.marsanomalyresearch.com/evidence-
reports/2010/184/fake-starfield.htm
86
ela é real. Outra análise parecida é realizada com imagens 95 retiradas do Google Maps,
que indicam que a afirmação da NASA sobre a altitude da ISS ser sempre a mesma é
falsa. Em uma imagem, os países são vistos como pequenas manchas e, em outras
imagens, é possível ver alguns países nitidamente. Porém, vale a pena indicar que a
primeira imagem não é a foto do planeta Terra sendo capturada da ISS, mas é uma
imagem da ISS com o planeta Terra ao fundo. E as outras imagens em que é possível ver
nitidamente os planetas podem ter sido capturados pela ISS.
Além da ISS, “os chineses também estão fingindo suas missões espaciais”. A Flat
Earth Society indica dois vídeos, porém, eles não estão mais disponíveis, e um site96 que
discute sobre as discrepâncias durante a transmissão ao vivo realizada pela Televisão
Central da China (CCTV) do lançamento da Shenzhou VII. A transmissão ao vivo se
refere ao Projeto 921 do Partido Comunista Chinês (PCC) e foi realizada no ano de 2008,
porém, ao analisar o vídeo da transmissão, foram encontrados alguns fenômenos físicos
inexplicáveis, como: anomalias na transmissão, nenhuma evidência de atmosfera terrestre
e a ausência de ruídos durante a comunicação espacial que geralmente ocorre. Há
suspeitas de que a transmissão tenha sido uma fraude, assim como o Projeto Espacial
chinês.
Além disso, a Flat Earth Society traz dois documentos: o livro National
Aeronautics and Space Administration (2005), escrito por Gregory D. Kutz, e o livro
NASA’s Financial Reports are Based on Unreliabre Data (1992), escrito por Charles A.
Bowsher. O primeiro mostra que os relatórios financeiros da NASA não são baseados em
dados confiáveis, e o segundo afirma que as demonstrações financeiras da NASA
permanecem não auditáveis. Ambos são para apoiar a ideia de que a NASA não consegue
documentar para onde seu dinheiro está sendo direcionado, além de não haver auditorias
financeiras.
95
Link para ver as imagens: https://wiki.tfes.org/Google_Maps_background
96
Link disponibilizado pela Flat Earth Society:
https://web.archive.org/web/20090213161624/http://www.theepochtimes.com/n2/china/shenzhou-vii-
fake-spacewalk-5809.html
87
Terra Plana. O primeiro a ser mencionado é Pirro (c. 360 a.C. - c. 275 a.C.), filósofo grego
de Elis, que recebeu os créditos por ser o primeiro filósofo extremamente cético que
inspirou a escola conhecida como pirronismo. Ele não se relaciona com a formação do
movimento Terra Plana, mas é utilizado como referencial:
Seus seguidores adotaram o rótulo "zetético" (grego que significa "buscador")
e enfatizaram a importância da observação e da experiência pessoal como
caminho para a verdade, afirmando que o homem só pode conhecer o mundo
como ele lhe parece97. (FLAT EARTH: PIRRO).
Outro filósofo citado é Tales de Mileto (624 a.C. - 546 a.C.). Sua relação com a
Terra Plana está ligada às suas teorias sobre os terremotos. A causa dos terremotos não é
intervenção divina ou forças sobrenaturais, mas sim “que a terra flutua em um oceano de
água”. Não são explicadas maiores relações com o movimento da Terra Plana.
John Hampden (1819-1891) foi outra grande figura na história da Terra Plana. Ele
era um cientista inglês da Royal Academy e realizou o experimento de nível de
Bedford várias vezes. Ele quem provocou Alfred Russel Wallace e apostou que seus
resultados provaram que a Terra é plana.
Joseph Holden (1815-1900) foi outro contribuinte da Terra plana, que apelava
para as evidências de bom senso para defender sua posição:
Um de seus experimentos mais famosos foi colocar um balde de água em cima
de um poste durante a noite e verificá-lo pela manhã. Sua afirmação era que
uma Terra giratória teria movido o balde. Como esperado, o balde estava em
seu lugar original na manhã seguinte98 (FLAT EARTH: JOSEPH HOLDEN).
97
Tradução nossa do original em inglês: His followers adopted the label "zetetic" (Greek meaning "seeker")
and stressed the importance of observation and personal experience as a path to truth claiming that man can
only know the world as it appears to him
98
Tradução nossa do original em inglês: One of his more famous experiments was to set a pail of water
atop a pole overnight and check it in the morning. His assertion was that a revolving Earth would have
moved the pail. As expected, the pail was in its original place the next morning.
88
Lady Blount (1850-1935) é uma figura histórica bastante citada ao longo dos
diferentes tópicos da Flat Earth Society e contribuiu, junto com mais 20 pessoas, na
fundação da Universal Zetetic Society. Ela associava os argumentos bíblicos com
experimentos para defender a Terra Plana. Albert Smith (não encontrada data de
nascimento) também é citado como figura histórica e trabalhou bastante com Lady
Blount, além de ter atuado como editor da Earth Not a Global Review na Universal Zetetic
Society.
Outro grande contribuinte da Terra plana foi Thomas Winship (1860 - 1942),
autor sul-africano que trabalhou no final do século XIX e início do século XX. Ele
escreveu o livro Zetetic Cosmogony que traz evidências conclusivas sobre a Terra não ser
esférica e não possuir movimento giratório. David Wardlaw Scott também é citado como
importante para história do movimento terraplanista, pois publicou seu trabalho intitulado
Terra Firma: the Earth Not a Planet, Proved from Scripture, Reason, and Fact discutindo
sobre as evidências da Terra plana. Mais um nome citado é do inglês Ebenezer Breach
(não encontrada data de nascimento), que compartilhava publicamente a ideia da Terra
plana através de modelos criados por ele mesmo, além de produzir panfletos e distribuí-
los.
Mais recente, uma pessoa importante é Samuel Shenton (1903-1971), que fundou
a Flat Earth Society em 1956, alterando o nome anterior Universal Zetetic Society. Ficou
na presidência da Flat Earth Society de 1956 até sua morte em 1971, quando Charles K.
Johnson assumiu a presidência. Shenton contribuiu na coleta de dados, palestras,
publicidade e adquirindo novos seguidores.
Charles Kenneth Johnson (1924-2001) foi o segundo presidente da Flat Earth
Society e assumiu a administração junto com sua esposa Marjory Johnson (1921 - 1996).
Johnson acreditava no raciocínio bíblico para apoiar a Terra plana e seguiu com as
contribuições realizadas pelo presidente anterior, aumentou o número de membros de
1000 para 3000. Sua esposa, Marjorie, atuou como Secretária na Flat Earth Society e
colaborava regularmente na produção do Flat Earth News, e possuía uma postura
antivivisseccionista.
De todas as “figuras histórias”, a mais destacada, sendo considerado o “pai da
Terra Plana”, é Samuel Birley Rowbotham (1816-1884). Rowbotham foi um médico
inglês e inventor. Denominou seu método científico de Astronomia Zetética, descrevendo
a Terra como um disco plano com o Pólo Norte no centro e as bordas da Terra limitadas
89
por uma parede de gelo com o Sol, a Lua, os planetas e as estrelas estando apenas algumas
milhas de quilômetros distantes da superfície da Terra.
Junto com seus seguidores, Rowbotham participava de diversos debates públicos
com os principais cientistas da época. Um dos confrontos mais intensos foi com o
naturalista Alfred Russel Wallace em um caso que envolveu difamação e fraude
(mencionado no tópico sobre as evidências experimentais). Ao longo de várias décadas,
Rowbotham ministrou diversas palestras em universidades e instituições proeminentes da
época na Grã-Bretanha. Ao fim das palestras ocorriam debates com “as mentes mais
brilhantes presentes sobre a forma da Terra”:
Dr. Rowbotham foi bem sucedido em influenciar muitos membros da
audiência para sua posição. A partir de seus esforços, um movimento Zetético
generalizado começou gerando várias sociedades Zetéticas, que exigiam que o
governo analisasse a questão da esfera 99 (FLAT EARTH: SAMUEL
ROWBOTHAM).
99
Tradução nossa do original em inglês: Dr. Rowbotham was successful in swaying many members of the
audience over to his position. From his efforts a widespread Zetetic movement began, spawning several
Zetetic societies, which demanded that the government look into the sphere issue.
100
Citações de jornais: South Mid-land Free Press, 14 de agosto de 1858; Greenwich Free Press, 19 de
maio de 1862 e Warrington Advertiser, 24 de março de 1866.
90
Review e permaneceram ativos até o início do século XX” (Tópico figuras históricas, Flat
Earth Society).
No que diz respeito à religião, Rowbotham rejeita a ideia de que sua única base
seja apenas a crença. A religião necessita ter seus ensinamentos demonstrados, por
exemplo, as escrituras descrevem uma Terra Plana, então, uma vez demonstrada que a
Terra é plana, essa evidência está a favor das escrituras. Para Rowbotham o fato supera a
crença.
Os estudos da Terra plana são uma evidência física para a Bíblia. Segundo a Flat
Earth Society, no último capítulo do seu livro, Rowbotham responde à questão: o que
importa se a Terra é Plana? Ele responde que os estudos “podem sugerir que a alguém ou
alguma coisa lhes deu esse conhecimento”, pois, o resultado da Terra ser Plana está
compatível com os antigos textos religiosos.
Sobre as obras indicadas pela Flat Earth Society a principal é “A Terra não é um
globo” do Samuel Birley Rowbotham. O autor inicialmente escreveu um panfleto que
contém 16 páginas, no ano de 1849. Posteriormente, ele aprofundou seus estudos e em
1865 lança a primeira edição de “Earth Not a Globe” com 225 páginas, e em 1881 é
lançada a segunda edição com 416 páginas. Todas essas obras estão disponíveis na
internet. O panfleto pode ser encontrado no site da Flat Earth Society, assim como alguns
capítulos de “Earth Not a Globe”, mas os livros completos são vendidos nos sites de
livrarias. Outra literatura sugerida é a segunda edição da “Zetetic Cosmogony” de 1889,
escrito por Thomas Winship. O livro contém 215 páginas e traz evidências que
demonstram que o mundo não é um globo. A obra trata de um aprofundamento e apoio
às evidências mostradas por Rowbotham em sua obra citada anteriormente.
Outros dois livros disponíveis na internet são: “King’s Dethroned” escrito por
Gerrard Hickson, que traz os erros cometidos ao longo da história da evolução da
astronomia desde o tempo do Império Romano; o livro “One Hundred Proofs the Earth
is Not a Globe” escrito por William Carpenter (1830-1896), que, através do estudo da
direção dos rios e do seu nível (o rio Nilo parece ter sido o estudado), sustenta a ideia de
que essas características são incompatíveis com a ideia de convexidade da Terra; o livro
“The Anti-Newtonian” escrito por autor desconhecido, é um trabalho de 1800 e acredita-
se que tenha sido a base para “Earth Not a Globe” do Rowbotham, porém, esse livro
apresenta a versão de três pólos da Terra Plana, ao contrário dos modelos mais recentes
91
de um ou dois pólos; e o livro “The Plain Truth” escrito por Robert Schadewaldt, que traz
um relato histórico do movimento Zetético dos séculos XIX e XX.
Além desses livros disponíveis na internet, a Flat Earth Society cita a literatura
offline “Flat Earth: The History of an Infamous Idea”, de Christine Garwood, que levanta
questões sobre a história e a filosofia da ciência e sua relação com a religião e a construção
do conhecimento humano sobre o mundo natural. Outra fonte de referência da Terra Plana
é o trabalho revisado por pares de Lady Blount que revisou o experimento do canal de
Bedford realizado por Rowbotham (este experimento está descrito no trecho que
discutimos sobre “Evidências experimentais”).
92
CAPÍTULO 3
ANALISANDO A FLAT EARTH SOCIETY A PARTIR DA ESPISTEMOLOGIA
FLECKIANA
Este capítulo está dividido nas seções: 1) Procedimentos metodológicos 101 , que
descreve o tipo de pesquisa, os materiais de análise e como os conceitos da teoria
comparada do conhecimento de Ludwik Fleck foram utilizados para caracterizar a Flat
Earth Society; a seção 2) Sobre o modelo Terra plana: identificando os elementos
referentes ao estilo e ao coletivo de pensamento, busca identificar os elementos que
compõem o estilo e coletivo de pensamento fleckiano; a seção 3) A Flat Earth Society e
o conhecimento científico acerca do formato da Terra: tráfego intercoletivo de ideias,
que analisamos comparativamente aspectos do pensamento terraplanista e da ciência; e a
seção 4) Ensino de ciências e o formato da Terra: o que aprender com o movimento Terra
plana para discutir e ensinar sobre ciências, que traz implicações da pesquisa ao ensino
de ciências.
101
Optamos por tratar sobre os procedimentos metodológicos neste momento, após a descrição da Flat
Earth Society, por focarmos na descrição procedimental referente à nossas análises, que estão situadas logo
em seguida.
93
102
No caso do trabalho citado, os dados analisados foram referentes ao contexto brasileiro (Flat Con Brasil).
94
103
Tradução nossa do original em inglês: Astronomy does not, and cannot, follow theScientificMethod;
whichisanempiricalmethodofinquirywhichdemandsthathypothesisistestedwithexperiment. The astronomer
cannot put the stars under controlled experimental conditions demonstrate ideas and come to the struthof a
matter, as a chemist can do withhisorhermaterials. The astronomer can only observe and interpret—a
scientific fallacy which hinders truth and progres.
96
ciência. Após expor esses significados, a Flat Earth Society pede para que o leitor decida
se a astronomia ou outro campo da ciência se encaixam na definição de pseudociência.
Ao longo do restante desse subtópico, são trazidas diversas citações de diferentes
autores: Edgar Zilsel, Roger Bacon, Maxim Sukharev e Max Planck. As citações remetem
à ideia de que a experimentação é a forma de atingir a verdade através do método
científico. Sobre as citações de Edgar Zilsel, destacamos o seguinte trecho:
Por que o experimento é tão essencial para a ciência empírica? A mera
observação é uma questão passiva. Significa apenas “esperar para ver” e
muitas vezes dependem do acaso. A experiência, por outro lado, é um método
ativo de investigação. O experimentador não espera até que os eventos
comecem, por assim dizer, para falar por si; ele sistematicamente faz perguntas
(FLAT EARTH: ASTRONOMYIS A PSEUDOSCIENCE)
104
O uso do termo ‘teoria’, nesse caso, não é no sentido estrito, uma vez que, por exemplo, a “aceleração
eletromagnética” e “aceleração universal”, tal como usadas pela Flat Earth Society, não correspondem a
um conjunto de leis, princípios e práticas experimentais articuladas para explicar os fenômenos. O uso é no
sentido de uma ideia com base em junções de termos teóricos da ciência, como: aceleração e
eletromagnetismo.
97
105
Tradução nossa do original em inglês: Many Believe That Antarctica is the Ice Wall encountered by Sir
James Clark Ross, whereas some believe that Antarctica is simply a 'rim continent' surrounding the known
Earth and that the term Ice Wall is misleading. Othersbelievethat Antarctica
isanisolatedanddistinctcontinentandthatthoughan Ice Wall exists, it isn't Antarctica. The latter model
generally assumes that the geography of the Earth is quite different to that outlined in the conventional
model.
98
encarem a conspiração como “verdade”106. Uma vez que nenhum fato é completamente
independente de outro (FLECK 2010, p. 153), a conspiração se conecta com o julgamento
a “teoria da Terra esférica é uma farsa”, e ambos atuam resistindo a ideias contrárias e
guiando a forma (Gestalten) de perceber os fenômenos. Com relação aos julgamentos “a
Terra é plana” e “a Terra não gira”, ambos estão ligados aos sentidos, mas que só se
esclarecem conectados aos julgamentos anteriores. Para uma pessoa que encara a Terra
esférica como fato, por exemplo, ela também não sente a Terra se mover, mas como esse
fato está conectado a outros, a ideia de que a Terra se move, mesmo não sentindo, faz
sentido e é encarado como verdade.
O último elemento do estilo de pensamento que vamos tratar é sobre a linguagem,
ou seja, o estilo técnico e literário que conseguimos identificar na Flat Earth Society. A
linguagem se torna um elemento de grande importância e marca o estilo de pensamento,
diferenciando-o de outros estilos. Sobre a importância das palavras para o fortalecimento
de um estilo/coletivo de pensamento, Fleck afirma que:
As palavras, antes simples designações, transformam-se em lemas; as frases,
antes simples constatações, transformam-se em gritos de batalha. É algo que
muda completamente seu valor social (denksozial): elas ganham uma força
mágica, não mais mentalmente pelo seu sentido lógico – até contra ele -, mas
por sua mera presença. (FLECK, 2010, p. 86)
Uma das características que identificamos nos textos da Flat Earth Society é que
há momentos em que os conteúdos são explicados em forma de perguntas e respostas.
Esse formato traz uma dinâmica para as explicações e pode contribuir para tirar dúvidas
que o leitor possivelmente venha a ter. Notamos também que em muitos momentos os
temas são tratados somente com citação direta dos autores de livros e artigos de blogs
(em sequência) sem expor nenhum entendimento da Flat Earth Society sobre o que está
sendo citado. Muitas citações não apresentam articulação umas com as outras. Os textos
também não apresentam indicação de autoria.
Com relação aos termos, a partir da relação que o movimento Terra Plana possui
com a ciência, muitos são similares, porém, com os desvios necessários. Termos
científicos que identificamos com alterações: Placa - alteração do termo “placas
tectônicas” da ciência; Teoria - termo que é utilizado como algo especulativo sem valor
científico; Universo - parece ser entendido como o conjunto de astros ao redor da Terra
106
Para Fleck, a “verdade não é uma convenção, mas um acontecimento no corte longitudinal no contexto
do momento: coerção do pensamento conforme o estilo” (FLECK 2010, p. 151 – grifos do autor), que deve
se alinhar ao interesse intelectual do respectivo coletivo (FLECK 2010, p. 152 – grifos do autor). Por isso,
portadores de estilos diferentes apresentam fatos diferentes.
101
(extensão mais limitada do que a científica). Além desses termos, também encontrados
termos próprios, como: Atmolayer - a Flat Earth Society cria seu próprio termo para se
referir à atmosfera (as subcamadas da atmosfera também receberam modificações, como
podemos ver no capítulo anterior); Aceleração eletromagnética – termo com palavras
advindas da ciência, mas que recebem significados e aplicações próprias na Flat Earth
Society; Aceleração Universal – utilizada como alternativa ao conceito de gravidade;
Modelo giratório - se refere ao modelo da Terra esférica da ciência; e globolistas – se
refere às pessoas que acreditam no formato esférico da Terra.
Em alguns momentos ao longo dos textos da Flat Earth Society esses termos são
utilizados no início dos conteúdos e, logo após, é escrito o termo “original”, utilizado na
ciência. Além disso, há casos em que os fenômenos possuem mais de uma forma de serem
explicados, não sendo essas explicações usadas de modo complementar e sim
concorrentes. Por exemplo, a atmosfera (atmolayer) pode ser entendida como a contenção
de gases formando gradiente de concentração, mas, em outro modelo de Terra Plana, ela
pode simplesmente não existir. Há diferenças de opiniões sobre diferentes conteúdos,
correspondendo a um grupo que possivelmente não se encontra no estágio altamente
elaborado de um coletivo de pensamento estável, pois, segundo Fleck:
quanto mais elaborada uma área do conhecimento, quanto mais desenvolvida,
tanto menores as diferenças de opinião. (FLECK, 2010, p. 132).
Essa inconstância no uso dos termos que foram criados ou modificados parece
mostrar uma busca de identidade, concordando com a análise realizada por Martins
(2020b) de um estilo em formação. Com o objetivo de aprofundarmos essa questão, na
seção 3 será tratado o tráfego intercoletivo de ideias e os desvios de significados.
Facebook). Além disso, há a área chamada fórum, onde ocorre a troca de informações, e
qualquer membro pode sugerir alterações no site. As interações ocorrem diariamente
sobre qualquer tema que se relacione com a Terra plana e sobre atualidades (há fóruns
sobre a pandemia do COVID-19, por exemplo). O membro do conselho, Tom Bishop,
apresenta no fórum as modificações que irá realizar na área wiki, e os demais membros
podem opinar, sugerindo correções ou acréscimos107. Qualquer pessoa que acesse o site
pode visualizar esse diálogo. Sugestões de edição são realizadas por qualquer membro,
sendo necessário acessar o site com login e senha, e sua postagem fica publicada no
fórum, mas, para que as alterações sejam incorporadas na área wiki, elas devem ser
realizadas pelo conselheiro Tom Bishop.
Sobre os dispositivos legais e costumários, a Flat Earth Society é o site oficial da
Terra plana, sendo a principal fonte de busca do conhecimento acerca da temática. Trata-
se de um dispositivo on-line. Não há nenhuma instituição física construída da Flat Earth
Society. Seus estudos são todos realizados de forma “livre”, não institucionalizada. Não
há indicação da realização de cursos ou algo nessa perspectiva.
Dispositivos legais e costumários ligados à linguagem específica são elementos
muito importantes, uma vez que irão contribuir para o fechamento do coletivo de
pensamento formalmente. Fleck coloca que o mais importante é “o fechamento de cada
coletivo de pensamento como um mundo particular de pensamento em termos de
conteúdo” (p. 155) em que se faz necessário um tempo de aprendizagem por parte do
novato, que ocorre de modo autoritário e que não pode ser substituído por uma estrutura
“universalmente racional” (FLECK, 2010, p. 155). Ao notarmos os dispositivos legais da
Flat Earth Society questionamos: o novato, ao entrar no site da Flat Earth Society sofre
algum tipo de coerção de pensamento? A coerção está sendo praticada por algum
especialista? O conhecimento do especialista é compreendido somente por seus pares ou
o novato da área consegue compreender? A “benção de iniciação” do coletivo da Flat
Earth Society provavelmente não ocorre de modo similar aos conhecimentos
institucionalizados, como o da ciência. Estudos realizados de modo “livre” podem
conferir a esse coletivo um caráter menos estável.
Como mostrado no capítulo anterior, para se tornar membro da Flat Earth Society
a pessoa interessada deve concordar com as regras para participar do fórum, o que permite
107
É possível perceber essa interação no link a seguir, que mostra a indicação de alteração na página
“Erastóstenes em diâmetro”: https://forum.tfes.org/index.php?topic=18523.0
103
à pessoa acessar o site e, também, interagir com outros membros e sugerir melhorias. De
forma geral, as regras são: 1. Não deve haver ataques pessoais (caso a pessoa seja
chamada atenção duas vezes, será banida); 2. Sem assédio de outros membros (com dois
avisos a pessoa é banida por uma semana); 3. O membro deve manter-se no assunto que
está sendo tratado no tópico do fórum (em casos de reincidência de pessoas que desviem
o foco, elas receberão advertência); 4. Não é permitida a divulgação de informações
pessoais (duas infrações resultam banimento); 5. As postagens devem ser realizadas no
fórum apropriado; 6. Inclusão de materiais que não contribuem para o ponto de vista de
quem está realizando a publicação devem ser evitados; 7. Não devem ser publicados
materiais pornográficos; 8. Contas alternativas devem ser utilizadas desde que respeitem
as regras, e 9. É recomendado o uso de canais apropriados para buscar ajuda. Caso o
membro possua algum problema pode ser enviada uma mensagem diretamente para o
moderador ou criar um tópico próprio com “sugestões e preocupações”.
Sobre os componentes do coletivo da Flat Earth Society, na descrição do site e
das redes sociais (Twitter, Facebook e reddit), eles se intitulam como “pensadores livres”.
É difícil saber quem contribui na escrita dos textos, pois, nenhum dos textos lidos
apresentava autoria. Foi identificado na área fórum que Tom Bishop é o responsável pelas
edições da área wiki, que ocorre de modo colaborativo, porém, não há seu nome e nem
dos colaboradores nos textos. Informações como a formação acadêmica (caso possua),
grau de escolaridade, qual área trabalha e onde vive não são publicadas.
Quando o site da Flat Earth Society foi acessado, em março de 2020, possuía uma
área “Equipe” que apresentava o presidente, vice-presidente e secretário da Flat Earth
Society, porém, acessando o site em 2022, essa área não existe mais. Em 2020, Daniel
Shenton era apresentado como presidente, informando que o mesmo residia em Hong
Kong e era “conhecido por viajar pelo mundo e espalhar a verdade”. Não era informado
se o mesmo possuía alguma formação acadêmica e qual área trabalhava. O vice-
presidente era Michael Wilmore, que morava na Irlanda. Ele havia sido entrevistado por
vários meios de comunicação e participava de discussões “céticas em torno do avião”.
Também não foi informado se ele possuía alguma formação acadêmica e qual área
trabalhava. Como secretário, a pessoa apresentada era John Davis, terraplanista há mais
de 10 anos e que também foi entrevistado por vários meios de comunicação. Sua formação
acadêmica foi em engenharia de software, era cientista da computação e gostava de
epistemologia e matemática.
104
que datam de 1800, com quase nenhuma fonte atual. O que há são reproduções ou
adaptações de experimentos realizados por Rowbotham sem o acréscimo de elementos
que gerem novos elementos passivos.
Sobre o tráfego de ideias do coletivo de pensamento da Flat Earth Society,
notamos que, a partir da área denominada “Fórum”, pode ocorrer a presença dos
iniciantes, que recebem informações, conteúdos, vídeos e instruções. Também pode haver
a presença de componentes que já compactuam com o estilo de pensamento Terra Plana,
ou de pessoas que não conhecem o movimento e nem compactuam com o estilo. Todos
esses participantes interagem uns com os outros e com os moderadores do fórum, que
respondem e apresentam o material acumulado da Flat Earth Society.
Caso essa troca de ideias ocorra entre pessoas que compactuam com o estilo de
pensamento terraplanista, essa troca de informações possibilitará a existência do tráfego
intracoletivo de ideias. Esse tipo de comunicação é de extrema relevância, pois reforça e
mantém o coletivo de pensamento coeso (FLECK, 2010, p. 158).
Sobre a relação que há entre certos termos utilizados pela Flat Earth Society e a
ciência, muitas temáticas em comum, sendo tratadas e interpretadas de modo diferente,
podem envolver o que Fleck denomina de tráfego intercoletivo de ideias. Tráfego de
ideias corresponde à comunicação entre componentes de um mesmo coletivo de
pensamento que compartilham o mesmo estilo, ou entre componentes de coletivos de
pensamentos diferentes. Muitos termos expostos pela Flat Earth Society são estudados
pelo coletivo científico, porém, com diferenças. O tráfego que propomos ocorrer entre a
Flat Earth Society e o conhecimento científico acerca do formato da Terra é do tipo
intercoletivo. Como apresentado no capítulo 1, os conceitos de um coletivo, quando
utilizados por outro, são “traduzidos”, recebendo novos significados (FLECK, 2010, p.
160). Ou seja, há um deslocamento ou alteração de valores de pensamento (FLECK, 2010,
p. 161). É aquilo que Fleck denomina de desvios de significado.
O conhecimento científico pode ser acessado pelos terraplanistas de diferentes
formas. Trata-se de um conhecimento que está disponível para a população através de
livros, artigos, materiais de divulgação científica etc., e que pode ser consultado na
internet e em bibliotecas físicas, além da via escolar, do convívio que os componentes
tenham possuído ou possuem com a escola.
Alguns desvios que conseguimos identificar podem parecer, à primeira vista,
incoerências, pois, para o nosso estilo de pensamento não faz sentido a forma com que
alguns resultados ou conceitos foram interpretados. Mas é importante ter em mente que
se trata de coletivos e estilos de pensamentos diferentes. A Flat Earth Society, por
exemplo, critica o conhecimento acerca da força da gravidade e afirma que a forma como
ela é ensinada na escola está errada. O que mantém os corpos na superfície da Terra é a
107
“Aceleração Universal (UA)”, responsável pela aceleração constante da Terra para cima.
Notamos, nesse tema, que a Flat Earth Society afirma não fazer uso da teoria da gravidade
e da relatividade geral, mas utiliza a teoria da relatividade especial e o princípio da
equivalência da relatividade geral. Há um desvio (que pode ser percebido como
incoerência para nós).
Nesse tema, a Flat Earth Society realiza a defesa de um movimento para cima que
não estamos sentindo e que, embora seja difícil entendê-lo, existe, contrariando a sua
defesa metodológica baseada na percepção a partir dos sentidos. Para isso, faz uso do
princípio da equivalência, mesmo descartando a relatividade geral. Algo estranho ao
contexto da ciência, onde essas teorias foram desenvolvidas. Não seria possível a
segregação da relatividade geral ao princípio de equivalência, descartando por completo
uma da outra. Nota-se a junção dos termos “Aceleração” e “Universal” para utilização
alternativa à força da gravidade. Ao longo da seção, quando estivermos expondo as
evidências científicas, buscaremos identificar a presença de ressignificação dos resultados
ou desvios que a Flat Earth Society parece ter realizado quando trata os mesmos
conteúdos.
O importante no tráfego intercoletivo é a sua possibilidade de favorecer novas
descobertas, podendo serem criados novos fatos a partir disso (FLECK, 2010, p. 162).
Possivelmente, o uso de conhecimentos científicos – como no caso de conceitos de
aceleração, eletromagnetismo, desvios nos resultados dos experimentos que provariam a
esfericidade para provar o formato plano – agrega-se a fatos já estabelecidos no coletivo
da Flat Earth Society, mas não há o surgimento de mais elementos passivos. Além disso,
a ciência continuou a explicar o formato da Terra a partir de suas evidências, sem adotar
as novas linguagens que o coletivo da Terra plana construiu.
Para além dos desvios de significado de alguns termos utilizados para argumentar
a favor da Terra plana, há diferenças entre os coletivos de pensamento que não
necessariamente advêm de desvios, mas são marcas de cada estilo e de seus modos de
explicação. Com o objetivo de descrever essas diferenças na forma de explicar certos
fenômenos, segundo o modelo aceito pela ciência, selecionamos algumas evidências
científicas para a esfericidade da Terra que são citadas e criticadas pela Flat Earth Society.
Tendo em vista o grande volume de conteúdos que encontramos na área wiki, e
diante das inúmeras fontes de estudos científicos para esses temas, para escolher quais
evidências científicas da esfericidade da Terra iremos abordar, buscamos os livros
108
Tabela 4 - Lista de evidências que serão tratadas neste trabalho a partir do agrupamento
da tabela 3.
Como vimos no capítulo 2, a Flat Earth Society considera a Terra plana já a partir
da observação inicial. Em contrapartida, os materiais de ciências explicam que, a partir
de uma observação mais atenciosa dos movimentos diários dos astros, por exemplo, é
possível ir além das impressões iniciais. Para isso, é importante considerar o ponto de
vista do observador, qual a posição de quem observa os fenômenos. Os autores Filho e
111
Saraiva (2017) expõem que a impressão de estarmos no meio de uma grande esfera repleta
de estrelas e astros se movimentando inspirou os antigos gregos a ideia da esfera celeste.
Ela corresponde a uma esfera imaginária, centrada na Terra, onde observamos os
movimentos aparentes dos astros e estrelas. A determinação de alguns pontos na esfera
celeste é útil para a determinação da posição dos astros no céu (FILHO; SARAIVA,
2017). Como citado acima, o horizonte corresponde à linha que parece ser a intersecção
entre o céu e o solo (ou o mar). Também é possível traçar uma linha imaginária acima do
observador que intercepta a esfera celeste em um ponto denominado zênite (Figura 10).
Boczko (1984) afirma que “não há quem, observando o Sol diurnamente, não
tenha notado seu movimento no céu” (BOCZKO, 1984, p. 30). A partir dessa observação,
nota-se que, de manhã, o Sol está próximo ao horizonte e, com o decorrer do dia, “ele se
movimenta aproximando-se do zênite do local”, ao passo que, com o decorrer do tempo,
ele retorna a se aproximar no horizonte, porém, do lado contrário àquele que estava de
manhã (BOCZKO, 1984, p. 30).
Esse movimento que o Sol parece realizar “para um observador na Terra durante
a parte clara do dia”, chama-se Movimento Diurno Aparente do Sol (BOCZKO, 1984, p.
30 – grifos do autor). O livro Inovar ciências (HIRANAKA; HORTENCIO, 2018) mostra
3 imagens tiradas no mesmo dia em horários diferentes, para mostrar a mudança na
sombra das árvores à medida que o Sol aparentemente percorre o céu (Figura 11).
112
Figura 11 - Fotos tiradas em três momentos ao longo do dia: manhã, meio-dia e tarde.
As sombras projetadas da árvore aparecem em pontos diferentes à medida que o Sol
percorre o céu
Com isso, uma questão pode ser levantada: Por que há mudanças nos pontos ao
longo do ano de onde o Sol nasce e se põe? Por que os autores usam o termo “movimento
aparente”? A seguir, descreveremos as evidências mostradas na tabela 4, a fim de
responder a essas perguntas e explicar os argumentos científicos para o formato esférico
e os movimentos da Terra. Como explicado anteriormente, condensamos e elencamos as
evidências a partir da similaridade do conteúdo, com isso, iremos tratá-las na seguinte
ordem: Gnômon: os movimentos da Terra e as estações do ano; Eratóstenes e sua medida
do raio da Terra; Observação de estrelas e constelações; O desaparecimento no horizonte;
Eclipse lunar e Exploração espacial: vendo com os próprios olhos - As fotos tiradas por
satélites em órbita da Terra mostram que o planeta é esférico.
Importante destacar que estamos reproduzindo as explicações apresentadas nos
materiais de ensino escolhidos. Outro ponto importante é que as evidências para a
esfericidade da Terra e seus movimentos não se resumem ao utilizados nestes materiais.
Há inúmeros outros argumentos científicos.
Figura 13 - Ilustração das sombras do gnômon ao longo de um dia. É possível notar que
ocorrem mudanças de posição e de comprimento, pois a posição do Sol varia no céu
durante o dia.
Fonte: Adaptação feita pela autora baseada das figuras do BOCZKO (1984, p. 120).
Fonte: Adaptação feita pela autora baseada das figuras do BOCZKO (1984, p. 120).
A partir das observações, caso a passagem da sombra por esse ponto intermediário
ocorra após o inverno, dizemos que está se iniciando a primavera no instante em que a
distância zenital do Sol é zp, denominado de equinócio de primavera. Com isso, “caso a
passagem se dê após o verão, teremos então o início do outono: é equinócio de outono”
(BOCZKO, 1984, p. 120 - 121). Diante de tais resultados observacionais, Boczko (1984)
afirma que podemos concluir que:
Zo = Zp = │Ø│
O que “leva a verificar que nos instantes dos equinócios o Sol se encontra sobre o
Equador, ao passo que nos solstícios ele se encontra mais afastado possível do Equador”
(BOCZKO, 1984, p. 121).
Realizando uma associação com a observação proposta por Boczko (1984) do
nascer do Sol através da janela do quarto, e com as explicações acima, veríamos através
da janela o nascer do Sol nos solstícios e nos equinócios como indicados na figura 16
mostrada no livro Companhia das Ciências (USBERCO et al., 2018, p. 32). Na figura 17
verificamos como as sombras ficam projetadas através do gnômon.
Mas ainda se faz necessário explicar melhor qual o motivo das diferentes estações
do ano. Por que há diferenças nas estações do ano entre o Hemisfério Sul e o Hemisfério
Norte? Por que nos polos há a ocorrência de 24h de luz enquanto no polo oposto há 24 de
noite? Por que há meses em que o dia e a noite duram 12h, mas, nesse mesmo período,
há crepúsculo nos polos?
A explicação científica para essas perguntas remete à esfericidade da Terra,
havendo uma “inclinação do eixo de rotação da Terra com relação ao seu eixo
perpendicular à sua órbita”. É devido a essa inclinação que “os raios solares incidem mais
diretamente em um hemisfério ou em outro, proporcionando mais horas com luz durante
o dia a um hemisfério ou a outro e, portanto, aquecendo mais um hemisfério ou outro”
(BOCZKO, 1984, p. 122 - 123).
Pode haver a impressão de que as diferentes estações se deem em decorrência da
aproximação e distanciamento da Terra do equador, porém, os materiais explicam outro
motivo que tem relação com o formato esférico da Terra e seu movimento ao redor do
Sol, podendo ser complementada a explicação para as variações das observações vistas
no experimento do gnômon. Partindo de que a Terra é esférica, a diferença do
comprimento da sombra do gnômon ao longo do ano para diferentes hemisférios da Terra
decorre da inclinação do eixo da Terra. Caso não houvesse essa inclinação, não
observaríamos que no hemisfério Norte da Terra é inverno em janeiro, enquanto neste
mesmo mês é verão no hemisfério Sul da Terra (BOCZKO, 1984, p. 122 - 123).
119
Figura 18 - Representação das estações do ano sendo causadas pela inclinação de 23,5°
entre o equador da Terra e a eclíptica.
A Flat Earth Society responde à pergunta das diferentes estações do ano, porém,
encontramos explicações diversas, sem consenso para as questões realizadas
anteriormente: Por que nos polos há a ocorrência de 24h de luz enquanto no polo oposto
há 24h de noite? Por que há meses em que o dia e a noite duram 12h, mas, nesse mesmo
período, há crepúsculo nos polos? Essas variações ocorreriam devido a possíveis
anomalias no hemisfério Sul. Além disso, as explicações são diferentes a depender do
modelo de Terra plana (monopolo ou bipolo). No modelo monopolo (modelo mais aceito
pelo coletivo), o Polo Norte é o centro da Terra e não existe Polo Sul. Com isso,
questionamos: Não são levadas em consideração as observações dessa região do planeta?
Percebemos que o aparato conceito e argumentativo para explicar as estações do ano
possui distâncias significativas com os argumentos científicos, não havendo
necessariamente uma relação de desvio de significado. São criadas especulações novas
baseadas no movimento do Sol (oposto da Terra esférica).
A Flat Earth Society expõe que considera falsas as seguintes afirmações que,
segundo a sociedade, seriam propagadas pela ciência sobre o dia do equinócio:
Com isso, de fato não é em toda a Terra que é observada a duração de 12h para o
dia e a noite. Nos polos não haverá o nascimento do Sol, tendo em vista que a luz solar
incide diretamente no equador.
Outra observação importante é a de que, em um mesmo hemisfério, nas diferentes
latitudes, as estações do ano serão percebidas de forma diferente.
Regiões próximas à linha do Equador não vão perceber o inverno e o verão
como estações de tempo frio ou quente. São lugares quentes praticamente o
ano todo, ou seja, a variação de temperatura nesses locais é bem pequena.
(CARNEVALLE, 2018, p. 120).
porque a Terra gira no sentido de Oeste para Leste. Devido ao seu formato esférico, um
lado da Terra é iluminado por vez. Por isso que localidades com longitudes tão distantes
não podem ser iluminadas no mesmo instante:
Como a Terra é esférica, sua superfície nunca fica completamente iluminada
pelo Sol. Na face do planeta voltada para o Sol, é dia. Na metade que fica do
lado oposto e, portanto, não recebe a luz solar, é noite. Conforme o planeta
gira ao redor de si, a porção da superfície que era iluminada pelo Sol se move
e adentra a região de sombra. Por isso, a rotação é responsável pela alternância
entre dias e noites (HIRANAKA; HORTENCIO, 2018, p. 164)
Figura 20 - O ângulo (x) projetado pelas sombras em Alexandria é igual ao ângulo (y)
criado pelos dois raios cujo vértice está ao centro da Terra e que passa por Alexandria e
Siena (o desenho não está em escala)
Como ilustrado na figura 18, em Siena (A), durante o solstício, o Sol está
diretamente em sua direção não sendo projetadas sombras, correspondendo à linha AB.
125
Devido aos raios de Sol serem paralelos, em Alexandria (E) há uma projeção similar
correspondendo à linha CD, porém, devido à curvatura da Terra, eles foram um pequeno
ângulo (x) com a vertical local. Através dos conhecimentos de geometria, é possível
calcular a circunferência terrestre (CREASE, 2011, p. 24):
De acordo com Euclides, são iguais os ângulos interiores de uma linha em
interseção com duas linhas paralelas. Portanto, o ângulo (x) projetado pelas
sombras em Alexandria é igual ao ângulo (y) criado pelos dois raios cujo
vértice está no centro da Terra e que passa por Alexandria e Siena (BC e BA).
Isso significa que a razão entre o comprimento do arco de um gnômon (FE) e
o círculo completo ao redor do gnômon [...] é a mesma que a razão entre a
distância entre Siena e Alexandria (AE) e a circunferência da Terra (CREASE,
2011, p. 24).
108
Como citado anteriormente, segundo Crease (2011), esse valor de 40 mil quilômetros é uma estimativa.
Esse valor foi arredondado, pois, o valor para estádios não é precisamente conhecido.
126
a Terra era uma esfera em seu experimento, baseado na obra de Aristóteles” e, assumindo
previamente que a Terra é plana, seu experimento também pode ser usado e o valor obtido
será o mesmo. Percebemos, aqui, uma ressignificação dos resultados, havendo uma
adaptação ao estilo de pensamento da Terra plana.
Por mais que o objetivo de Eratóstenes não tenha sido provar a esfericidade da
Terra, os conhecimentos aplicados por Eratóstenes são coerentes com o formato esférico
da Terra. Caso a Terra fosse plana, não haveria diferenças nos ângulos das sombras
projetadas no mesmo horário pelo gnômon, entre as cidades. Essa diferença ocorre porque
as cidades estão situadas em latitudes diferentes em um planeta esférico, e, com isso,
durante o solstício os raios incidem de forma diferente em cada cidade.
109
Link: https://cref.if.ufrgs.br/?contact-pergunta=distancia-ao-horizonte-navio-afundado
131
Fonte: CREF
Com isso, o professor responde que, tendo em vista a noção de que a altura
interfere na distância do horizonte, é possível calculá-la levando em consideração a altura
132
Fonte: CREF
Eclipse Lunar
134
Antes de explicar a ocorrência dos eclipses e como o eclipse lunar está associado
às evidências para a esfericidade da Terra, achamos válido apresentar a explicação para
as fases da Lua. Os livros didáticos focam em apresentar somente o eclipse lunar, pois o
objetivo é mostrar as evidências para a esfericidade da Terra. Os manuais, antes de tratar
sobre os eclipses, explicam como ocorrem as fases da Lua. Iremos seguir esse mesmo
caminho tendo em vista que os eclipses ocorrem devido ao encontro do plano orbital da
Lua com o da Terra durante as fases de Lua Nova ou Lua Cheia.
A Lua é o corpo celeste mais próximo da Terra. Segundo Filho e Saraiva (2017),
a distância que a Lua se encontra da Terra foi conhecida por meio do uso de laser,
utilizando um espelho colocado na superfície da Lua pelos astronautas e medido “o tempo
de ida e de volta de um feixe disparado da Terra na direção da Lua” (FILHO; SARAIVA,
2017, p. 43). O resultado obtido é que sua distância varia de 356.800 km a 406.400 km,
com o valor médio de 384.000 km (FILHO; SARAIVA, 2017).
A explicação para as fases da Lua foi dada por Aristarco no século III a.C. Elas
ocorrem devido às posições relativas entre a Lua, o Sol e a Terra. Além de Aristarco, as
fases também eram explicadas por Anaxágoras (430 a. C.) e Aristóteles (384 – 322 a. C.),
o qual explicou que a causa das fases é o “fato de que ela não é um corpo luminoso, e sim
iluminado pela luz do Sol (FILHO; SARAIVA, 2017, p. 43).
A Lua (corpo iluminado) reflete a luz que recebe do Sol (corpo luminoso).
Observamos a parte iluminada quando essa está voltada para a Terra. Fase da Lua é o
aspecto de sua face iluminada quando vista da Terra (BOCZKO, 1984, p. 269). A Lua
135
realiza movimento de rotação ao redor da Terra, e durante esse movimento ela passa por
um ciclo de fases. A duração desse ciclo é de aproximadamente 29,5 dias110.
Há uma fase em que o hemisfério da Lua voltado para Terra não se encontra
iluminado, não sendo possível a enxergar da Terra. Ela está na fase de Lua Nova
(BOCZKO, p. 269). Isso ocorre porque os dois astros se encontram na mesma direção
(embora não alinhados), a Lua nasce e se põe aproximadamente junto com o Sol. À
medida que a Lua se movimenta ao redor da Terra, sua posição “vai ficando cada vez
mais a leste do Sol” possibilitando que parte da sua face fique iluminada aos poucos, “até
que, aproximadamente uma semana depois, temos o Quarto crescente, com 50% da face
iluminada” (FILHO; SARAIVA, 2017, p. 44).
Na fase Quarto Crescente “a Lua nasce aproximadamente ao meio-dia e se põe
aproximadamente a meia-noite”. A sua porção iluminada visível da Terra continua a
crescer, até atingir a fase Cheia (FILHO; SARAIVA, 2017, p. 44). A Lua Cheia
corresponde à fase em que “todo o hemisfério da Lua se encontra visível da Terra”
(BOCZKO, p. 269). “A Lua está no céu durante toda a noite, nasce quando o Sol se põe
e se põe quando o Sol nasce” até que com o passar dos dias, “a porção da face iluminada
passa a ficar cada vez menor” e “aproximadamente sete dias depois, a fração iluminada
já reduziu a 50% e temos o Quarto Minguante” (FILHO; SARAIVA, 2017, p. 44). Na
fase Quarto Minguante a Lua nasce aproximadamente à meia-noite e se põe
aproximadamente ao meio-dia. Nos dias seguintes a Lua continua a minguar, até atingir
o dia 0 do novo ciclo (FILHO; SARAIVA, 2017, p. 44).
As fases da Lua dependem somente da posição desse astro em sua órbita, o que
faz com que ele seja iluminado de modo diferente, com isso, independentemente da
posição do observador na Terra, a fase da Lua será a mesma. Porém, uma observação
importante e que se relaciona com as evidências para a esfericidade da Terra é que
observadores situados em localidades diferentes visualizam a orientação da fase da Lua
de forma diferente. As Figuras 27 e 28 mostram as fases da Lua no mês de junho de 2022
no hemisfério Sul e no hemisfério Norte. Por mais que em ambos a fase da Lua seja a
mesma, a orientação da face visualizada possui diferenças.
No site do CREF, o professor Fernando Lang explica essa mudança de
orientação 111 . A variação percebida em localidades diferentes depende da distância
110
Fonte: http://astro.if.ufrgs.br/lua/lua.htm
111
Fonte: https://cref.if.ufrgs.br/?contact-pergunta=a-aparencia-da-lua-e-a-forma-esferoidal-da-terra
136
angular entre os dois locais de observação. Um exemplo mostrado pelo professor Lang é
a comparação entre duas imagens captadas no mesmo dia da Lua crescente em Roma, na
Itália, e em Torres, no Rio Grande do Sul (Figura 29).
Fonte: CREF
Fonte: CREF
138
É possível perceber que as estruturas da Lua indicadas pelas setas nas cores
semelhantes diferem umas das outras com uma rotação de aproximadamente 180°,
estando posicionadas praticamente na posição oposta. Então, por mais que a posição do
observador na Terra não interfira na diferenciação da fase da Lua, a orientação desta irá
mudar conforme a localização do observador e isso ocorre devido à esfericidade da Terra.
Portanto, a diferença na visualização das fases da Lua a depender da distância angular
entre os dois locais que os observadores estão situados é mais uma evidência para o atual
modelo da Terra. A Flat Earth Society explica essas observações descritas acima de forma
similar às mudanças observadas na posição das estrelas e constelações. As diferenças nas
fases da Lua ocorrem devido à posição oposta dos observadores na Terra plana.
Após a discussão sobre as fases da Lua, encaminhamos a explicação do eclipse
Lunar como evidência para o formato esférico da Terra. Aristóteles (384-322 a.C.)
trabalhou a hipótese da esfericidade da Terra a partir da observação de um eclipse Lunar,
onde a sombra observada na Lua durante o eclipse era arredondada e corresponderia à
sombra da Terra.
“Um eclipse acontece sempre que um corpo entra na sombra de outro” (FILHO;
SARAIVA, 2017, p. 45). Durante o movimento realizado pela Lua em torno da Terra, seu
plano orbital não coincide com o plano orbital da eclíptica terrestre. Há uma inclinação
de 5° entre os planos. Porém, há pontos de interseção entre as duas órbitas, chamados de
nodos. Quando, eventualmente, a Lua se encontra nas fases Nova ou Cheia, pode ocorrer
de a Lua estar no plano da eclíptica, ou seja, em um dos nodos ou próxima a ele (FILHO;
SARAIVA, 2017, p. 50). “Assim, quando a Lua entra na sombra da Terra, acontece o
eclipse lunar” e “quando a Terra é atingida pela sombra da Lua, acontece o eclipse solar”
(FILHO; SARAIVA, 2017, p. 45). Ao notarmos o significado dos eclipses para a ciência,
percebemos que, para a Flat Earth Society, esse mesmo termo possui outro significado.
A sociedade usa o termo eclipse, mas que não se refere sempre à ocorrência de um corpo
passando na sombra de outro. Inclusive, a explicação do Shadow object não é consensual.
A ideia mais aceita é a curvatura da luz do Sol, que por um momento deixa de iluminar a
Lua (aceleração eletromagnética).
Tendo em vista a concepção de eclipse na ciência, e os conhecimentos acerca dos
movimentos da Lua e da Terra em relação ao Sol, a sombra arredondada projetada na Lua
vista pelo observador na Terra durante o eclipse Lunar é uma evidência do seu formato
esférico (Figura 31).
139
Como visto no capítulo 2, a Flat Earth Society trata das viagens especiais
no tema “conspiração”. A NASA falsificou as viagens espaciais, assim
como agências espaciais de outros países. “A NASA pensa que a Terra
é redonda” e com isso propaga essa informação. O homem nunca foi à
Lua, e as imagens capturas na missão Apollo são resultado de
montagens.
112
Outras missões já haviam realizados fotografias da Terra e da Lua. A diferença é que não havia ocorrido
o pouso na Lua.
140
Figura 32 - Fotos tiradas na missão Apollo 11. Esquerda: Terra fotografada da órbita
lunar antes do pouso. Direita: Terra crescente fotografada durante a viagem de volta
Fonte: NASA.gov
Para a Flat Earth Society, as fotografias da Terra publicadas pela NASA são falsas
e fruto de manipulação. No site do CREF113 uma pessoa questiona uma publicação no
canal do Youtube de um terraplanista alegando que as imagens registradas durante a
viagem à Lua na missão Apollo 16 são falsas, e que seria possível identificar a montagem
devido à posição das sombras. Como o Sol é a única fonte de luz, “as sombras dos objetos
da Lua deveriam ser paralelas”, porém, segundo o terraplanista, na imagem divulgada
pela NASA as sombras não são paralelas (Figura 33). A pessoa que realiza a pergunta
para o CREF questiona o professor Lang sobre a possibilidade de isso acontecer e como
essas imagens se relacionam com as leis ópticas.
113
https://cref.if.ufrgs.br/?contact-pergunta=sombras-nao-paralelas-nas-fotos-das-missoes-apollo-seriam-
as-fotos-falsas
141
Fonte: CREF.
Figura 34 - A sequência de imagens mostra uma fila de postes balizadores, as retas paralelas
dos postes aparecem como convergentes na imagem
Fonte: CREF.
Desta forma fica evidente que o não paralelismo das sombras observadas em
muitas das fotografias das missões Apollo NÃO são provas de uma suposta
fraude, indicando por outro lado um terrível deficiência cognitiva dos
negacionistas das viagens à Lua (CREF – grifos do autor).
A utilização dos sentidos foi algo muito ressaltado pela Flat Earth Society como
forma de “obter a verdade” sobre a forma da Terra. Mas, como percebemos nessa seção,
muitas das evidências científicas também possuem relação com a observação, recorrendo
a elas. Entretanto, essa característica da ciência não é ressaltada pela Flat Earth Society.
143
Provavelmente, devido à instrução na BNCC e ao tema sobre o formato da Terra ter sido
pauta de discussões na mídia, alguns materiais didáticos apresentam o movimento e a
esfericidade da Terra como algo “contraintuitivo” e que, à primeira vista, não se configura
como algo “evidente”, característica que Fleck (2010) também aponta como sendo
apresentada por esses materiais. Porém, a maioria dos materiais, ao tratar desse tema, não
faz essa ressalva. Comparando o conteúdo dos livros didáticos com o dos manuais (livros
didáticos do ensino superior), percebemos simplificações, o uso bem maior de ilustrações
e de exemplos do cotidiano. Todas essas características identificadas “são as marcas mais
importantes do saber exotérico” (FLECK, 2010, p. 166). Mas é importante ressaltar que
os manuais também apresentam características apodíticas.
Seria exaustiva e confusa a apresentação do saber especializado no contexto da
ciência popular, e até mesmo sem utilidade. Fleck (2010), ao discutir sobre essa ciência,
expõe brevemente que o especialista busca na ciência popular crenças e valores enquanto
ideal do saber (FLECK, 2010, p. 168). “O auge, o objetivo do saber popular, é a visão de
mundo”, que, por mais que pareça insignificante para as pretensões de um especialista, é
a visão de mundo “que determina os traços gerais do seu estilo de pensamento” (FLECK,
2010, p. 166). Que crenças e valores podem ser buscados pelos especialistas que os fazem
produzir a ciência popular? O que faz com que o conhecimento esotérico seja traduzido
para o exotérico? Pode se tratar “da crença na possibilidade de uma ciência universal, ou
da crença na capacidade, embora limitada, de desenvolvimento da ciência” (FLECK,
2010, p. 166). Temos no saber popular (exotérico) a construção da “opinião pública
específica e a visão de mundo” contendo o saber científico a partir do saber especializado
(esotérico), fechando dessa forma o “círculo da dependência intracoletiva” (FLECK,
2010, p. 166). Segundo Fleck (2010), por mais que o saber popular não seja rico em
detalhes, ele é seguro e possui a forma “mais bem acabada e sólida” do conhecimento
científico que se propõe a apresentar (FLECK, 2010, p. 166).
Em relação ao nosso objeto de estudo, será que o ensino acerca do formato esférico
da Terra para enriquecimento da visão de mundo a partir do estilo de pensamento
científico, está sendo efetiva para continuação/fortalecimento do círculo exotérico?
Vamos adiante, e depois retornaremos para essa questão. Pensando na importância
da ciência popular para o fechamento do coletivo de pensamento da ciência,
possivelmente esse seja um fator (mesmo que inconsciente) que impulsione o Há uma
ameaça frente à visão de mundo que o estilo de pensamento científico construiu e vem
145
propagando por meio da educação. Uma ameaça que confronta seus argumentos, ao
mesmo tempo que se relaciona com a ciência utilizando vários de seus conceitos, com os
desvios necessários, de modo que parece buscar ocupar o seu lugar: “a Terra é plana, não
redonda”.
Quando postos a debater sobre as ideias alheias, percebemos o que Fleck (2010)
alerta sobre o diálogo entre adeptos de estilos de pensamentos diferentes. Nos materiais
do CREF podemos notar as denominações “esdrúxula”, “mítica”, “um terra-chato” se
referindo à Terra plana, e, quando apresentada nos materiais didáticos, a nomenclatura
“mítica” também apareceu. Analogamente, a Flat Earth Society se refere ao formato
esférico como “farsa” e “pseudociência”. As conotações de “chacota” são encontradas
em ambos os coletivos quando se referem ao outro, concordando com o que expusemos
no capítulo 1 sobre encarar o estilo alheio com “misticismo” e “como brincadeira sem
sentido” (FLECK, 2010, p. 160 - 161).
Ambos os coletivos resistem. Essa resistência ao pensamento alheio é a ação da
coerção causada pelos estilos de pensamento correspondentes. Não importa se parecem
mais certos ou errados do ponto de vista individual, “a força do coletivo é maior”. Como
exposto no capítulo 1, é o estilo de pensamento que, de maneira coercitiva, define as
“disposições mentais, a disposição para uma e não outra maneira de perceber e agir”
(FLECK, 2010, p. 110). Percebemos, com isso, que ambos os coletivos sofrem o que
Fleck denomina de “harmonia das ilusões”. É comum observarmos componentes do
círculo exotérico, que consomem a ciência popular, também ridicularizar as ideias
terraplanistas, mesmo que seu saber não contenha em detalhes as explicações para as
evidências da esfericidade da Terra, concordando com a análise realizada por Fleck
(2010) sobre como componentes exotéricos atuam fortalecendo o estilo de pensamento.
Mesmo que ambos resistam, persistindo em seus respectivos “sistemas de
opinião” e mantendo a “harmonia das ilusões”, é importante pensarmos com mais atenção
sobre esse conceito aplicado aos coletivos terraplanista e da ciência. Ambos possuem sua
vida cotidiana dominada por seu estilo de pensamento114, “qualquer contradição parece
ser impensável e inimaginável” (FLECK, 2010, p. 70). Ambos podem passar por
momentos de silenciamento das exceções e, caso a contradição não possa ser silenciada,
é realizado um trabalho de conciliação. A Flat Earth Society, por exemplo, concilia
114
Mas é importante percebermos que os terraplanistas convivem com a ciência, seja na escola, através da
medicina, da tecnologia e outros. Enquanto o coletivo da ciência não convive com as práticas terraplanistas.
146
contradições para explicar o eclipse solar e o que há além da parede de gelo, entre outros
aspectos. Além disso, ambos são formados pela “ficção criativa” de que “os próprios
sonhos científicos são realizados”. A Flat Earth Society, mesmo criticando a ciência,
afirma que seus métodos são científicos (valendo-se da empiria), enquanto a astronomia
não, pois seus conhecimentos teóricos não são correspondentes à ciência. Os textos de
ciências, por sua vez, mostram o conhecimento atual e consensual como sendo o mais fiel
à natureza e aos fenômenos.
Queremos chamar a atenção para o “grau 2” da harmonia das ilusões, que diz
respeito à percepção de fatos que se enquadram com exatidão à teoria vigente, sendo
caracterizada como a fase clássica do desenvolvimento do processo de conhecimento.
Essa fase pode passar por complicações quando as exceções se manifestam, mas ocorre
uma resistência para a manutenção da teoria vigente. Entretanto, Fleck (2010) mostra
exemplos em que houve um rompimento dessa harmonia.
Como vimos na seção 3.3, a noção de que a Terra é esférica data da antiguidade,
sendo, inclusive, o formato comum nos modelos do geocentrismo e heliocentrismo. Mas
ideias com relação à não existência do movimento da Terra já foram consideradas. Assim
como a ideia de que era o Sol que se movia sobre a Terra. A partir de Fleck (2010),
podemos notar que o uso da história da ciência nos possibilita enxergar as mudanças que
o estilo de pensamento científico sofre (FLECK, 2010, p. 144). Parece-nos que a visão de
ciência que a Flat Earth Society possui a faz acreditar que a comunidade científica não
pode considerar seus erros e mudar suas teorias a partir de novas evidências. A visão se
senso comum da ciência pode passar a impressão de que o conhecimento que possuímos
atualmente é o verdadeiro e evidente, e que embates entre especialistas não podem
acontecer. A partir dos estudos históricos propostos por Fleck, percebemos um número
maior de detalhes e de acoplamentos compulsórios, permitindo que relações
negligenciadas se tornem visíveis e dignas de serem estudadas (FLECK, 2010, p. 64). Ao
olhar, por exemplo, para teorias passadas, como a de Ptolomeu e o percurso para domínio
da teoria de Copérnico, houve, sim, embates e pessoas que não eram a favor dos
argumentos em defesa do movimento da Terra e de sua retirada do centro do universo
(como mostrado pela Flat Earth Society). A ciência sofre mudanças em seu estilo de
pensamento e a história da ciência nos possibilita enxergá-las.
O ponto que queremos chegar é que, como encontrado por Martins (2020b) em
relação à Flat Con Brasil, a Flat Earth Society também seleciona argumentos em favor
147
da Terra plana que existiram no passado, mas que foram superados ao longo da história
da ciência. E essa superação faz parte do processo de construção do conhecimento
científico. Então, por mais que haja a ocorrência da fase clássica, há também fases em
que a harmonia das ilusões é rompida e o estilo se transforma. Ao analisar os documentos
da área wiki da Flat Earth Society, não conseguimos identificar períodos de rompimento
da harmonia das ilusões. Parece haver apenas incorporações de argumentações para
fortalecer a ideia defendida do que mudanças na forma de enxergar os fenômenos.
Voltando à questão levantada anteriormente: em relação ao nosso objeto de
estudo, será que o ensino acerca do formato esférico da Terra para enriquecimento da
visão de mundo a partir do estilo de pensamento científico, está sendo efetiva para
continuação/fortalecimento do círculo exotérico?
Enquanto professores de ciências da natureza, iremos nos deparar com as
instruções da BNCC para ensinar as evidências da esfericidade da Terra e seus
movimentos, lidando com os livros didáticos alinhados a essa orientação curricular.
Professores de ciências da natureza atuam fortalecendo o vínculo do coletivo a partir do
tráfego intracoletivo, mediando a construção da visão de mundo acerca do formato
esférico da Terra. Pensemos sobre essa mediação a partir de Fleck e demais referências.
Há uma insatisfação terraplanista com o ensino de ciências. Encontramos
passagens na Flat Earth Society afirmando que o conceito de gravidade foi ensinado
erroneamente na escola, assim como as explicações para o efeito do navio afundando,
eclipses, e outros fenômenos. As pessoas foram educadas para acreditar na Terra esférica
e cresceram com essa visão a partir de um ensino dogmático, segundo eles. Esse
ensinamento perdura e, inclusive, guia o resultado das pesquisas, como no caso dos
astronautas da NASA que possuem a visão da Terra esférica e, por isso, propagam essa
ideia (“a NASA pensa que a Terra é esférica”). Esse resultado vai ao encontro do descrito
por Martins (2020b), em que essa característica também foi encontrada no evento da Flat
Con Brasil 2019. Segundo o autor, foi percebida uma insatisfação com o ensino de
ciências, onde a escola e o ensino de ciências fariam parte do “sistema”, alienando e
mantendo a mentira sobre a “verdadeira” forma da Terra.
Percebemos que há uma insatisfação não somente no âmbito conceitual, mas
crítica ao modo como esses conceitos teriam sido ensinados: de forma dogmática e
autoritária. Esse sentimento terraplanista com relação ao ensino de ciências possui relação
com a análise fleckiana sobre a “introdução didática” a um estilo de pensamento. No
148
Além disso, a autora expõe o tipo de discurso científico a que o grande público
tem acesso, que se trata de um discurso ingênuo sobre a ciência (BARCELLOS, 2020, p.
1500). Poderíamos relacionar com o exposto anteriormente e pensar com isso que uma
educação bancária ou uma introdução didática baseada numa bênção em que se
transmite o conhecimento como evidente, apodítico, ilustrativo, sem diálogo, pode acabar
por transmitir uma visão ingênua de ciência que, quando desnudada (como na pandemia
do novo coronavírus, por exemplo), pode ser reconhecida como um conhecimento falho,
não confiável, totalmente desacreditado, e o seu ensino, pouco atrativo e sem sentido.
Segundo Barcellos:
enquanto a educação bancária existir na sua prática hierarquizante de fazer
depósitos do que julga conhecimento num aluno, mais objeto do que sujeito,
não haverá verdadeira educação científica. As verdades científicas da educação
bancária são apenas verdades autoproclamadas porque nunca são
problematizadas perante o povo. Nesse contexto, o discurso da Ciência é
apenas mais um discurso tão dogmático quanto tantos outros existentes na vida
cotidiana do povo. A Ciência é apenas mais um discurso branco, masculino e
europeu como tantos outros, como tantos outros discursos que excluem, como
tantos outros que oprimem (BARCELLOS, 2020, p. 1500).
115
Pode ser entendida também como uma relação de “amor e ódio”, como apontado por Martins (2020b),
diante dos ataques realizados à ciência, considerando alguns dos seus resultados falsos.
150
pessoas que param para observar os céus, que experimentam os fenômenos, que pensam
e articulam resultados e argumentos. O que podemos aprender com o manifestado pelo
coletivo Terra plana para discutir e ensinar ciências?
Enquanto professores ciências, percebermos que, se há o peso de um ensino
eventualmente autoritário na frustração da comunidade terraplanista, esse já é um
importante motivo para buscar entendê-los. A relação que o coletivo possui com a ciência,
mediante a utilização de alguns conhecimentos, é mais um motivo. Percebermos que,
diante de toda a nossa autoridade social, a comunidade terraplanista se sente atraída por
temáticas científicas, buscando entender os fenômenos, enquanto para muitas pessoas
pode parecer algo banal. Não nos limitaremos a justificativas utilitaristas, no sentido de
que estudar a forma da Terra será importante para salvar vidas ou empreender em algum
negócio financeiro. Entendê-los é um importante passo para a construção de um professor
que almeja diálogo. Que tenta ser ouvinte das dúvidas, sem julgar o estilo alheio.
Quando Barcellos (2020) propõe o diálogo e cita Paulo Freire, indica que não
podemos promover o diálogo se a postura de “donos da verdade e do saber” existe perante
“nativos inferiores”, e se a ignorância é sempre vista no outro (BARCELLOS, 2020, p.
1501). Takimoto (2022), em sua proposta de diálogo, realiza uma reflexão sobre as
similaridades entre negacionista e quem defende a ciência. Martins (2020b) expõe:
que ciência devemos apresentar aos estudantes? A ciência dogmática, a ciência
como conjunto de resultados fixos e absolutos, a ciência benevolente e
benfeitora da humanidade etc., não contribuem para um diálogo inteligente
com o mundo (MARTINS, 2020, p. 1212).
a cumprir – não permite tempo hábil para o professor? Como foi a formação do professor
de ciências com relação a discussões sobre a construção do conhecimento científico?
Questões problemáticas internas e externas à escola se entrecruzam.
Mencionamos como o processo do conhecimento se encontra vinculado a pressuposições
sociais dos indivíduos envolvidos. Nossa atenção ao ensino autoritário não pode se
desvincular de elementos autoritários presentes na sociedade ao longo da história.
Schwarcz (2019) reconhece algumas raízes do autoritarismo no Brasil e como
essas podem estar presentes atualmente, sendo acionadas como “armas para uma
batalha”. A autora reconhece que elementos da nossa história de mais de cinco séculos
podem se encontrar em grande ressonância atualmente. O mito da democracia racial, por
exemplo, ajuda a entender como se formaram e se consolidaram práticas e ideias
autoritárias no Brasil, além de outros elementos presentes em nossa história como o
patriarcalismo, o mandonismo, a violência, a desigualdade, o patrimonialismo e a
intolerância social que se encontram em uma crescente nos últimos anos. Nota-se que o
autoritarismo é um fenômeno abrangente, correspondendo a:
“[...] um conjunto de crenças, sentimentos e atitudes antidemocráticas e
preconceituosas, relacionadas à submissão e agressividade autoritária e à
defesa de valores e instituições convencionais ou conservadores (LIMA et al.,
2020 apud CROCHIK, 2005).
Um dos trabalhos que nos ajudam a ter um panorama atual com relação ao
autoritarismo no Brasil é o apresentado por Lima et al. (2020). Nesse trabalho, um dos
resultados apresentados é a dimensão do autoritarismo na população brasileira. Os dados
foram coletados pelo “Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o
Datafolha em março de 2017” (LIMA et al., 2020, p. 40). Foi construído um índice de
apoio a posições autoritárias “de acordo com as três subdimensões estruturantes que
Adorno e, posteriormente, Crochík conceituaram como fenômenos associados a posturas
autoritárias”. Foram elas: submissão à autoridade, agressividade autoritária e
convencionalismo (LIMA et. al., 2020, p. 41). A pesquisa foi aplicada pelo Datafolha
para 2.087 pessoas com 16 anos ou mais, em 130 municípios. Alguns dos principais
resultados foram:
93% dos entrevistados concordam (em parte, mediana ou totalmente) com a
assertiva 3, “A obediência e o respeito à autoridade são as principais virtudes
que devemos ensinar às nossas crianças”. Na mesma direção, 85%
concordaram com a assertiva 1, “O que este país necessita, principalmente,
antes de leis ou planos políticos, é de alguns líderes valentes, incansáveis e
dedicados em quem o povo possa depositar a sua fé”. [...]. Cerca de 78% dos
entrevistados concordam (em alguma medida) com a assertiva 11, “Todos
153
ligadas ao movimento conservador, além do potencial fascista que cresceu no país desde
2013.
Pacheco e Derisso (2018) discutem como há diversos mecanismos de
descaracterização da escola pública visando o “seu fim de socializar conhecimentos
acumulados e elaborados historicamente no âmbito da ciência, da filosofia e da arte”
(PACHECO; DERISSO, 2018, p. 646). Alguns mecanismos citados no trabalho são: o
Ensino Religioso, instituído em 1931, como uma negação do caráter laico da escola e do
Estado; o combate à abordagem da questão de gênero sob o argumento de defesa da
família; o Programa Escola Sem Partido e a Reforma do Ensino Médio.
Outra proposta em que o direito à educação como um bem público e dentro de um
contexto maior que envolve o Estado Democrático de Direito passa a ser possivelmente
ameaçado, é a prática do homeschooling (BARBOSA, 2016). Essa prática se refere ao
ensino da criança e do adolescente sendo integralmente responsabilidades dos pais, que
podem contratar professores particulares ou não, e essa decisão ocorre sem mediação ou
custeio do Estado (STEFANELLO; TOZETTO, 2021).
Diante da pandemia, e pós aulas remotas, essa prática pode ter se tornado mais
conhecida, e as famílias brasileiras possivelmente mais propensas a adotá-la. Porém, as
aulas remotas ocorridas no Brasil recentemente se configuram de forma diferente do
homeschooling, pois, durante a pandemia as escolas atuavam junto às famílias na
educação dos estudantes. Mundialmente, o modelo é praticado em diversos países e,
mesmo sem regulamentação específica, muitas famílias brasileiras adotam o
homeschooling. Em meados de 2016 cerca de 2.500 famílias eram praticantes116. Mais
recentemente:
De acordo com informações encontradas na ANED (2019a), no Brasil, 7.500
famílias praticam o homeschooling atualmente, o que configura um total de
15.000 estudantes entre 4 e 17 anos de idade. A associação menciona que o
modelo de educação domiciliar ocorre nas 27 unidades de Federação brasileira
e que cresce aproximadamente 55% ao ano (STEFANELLO; TOZETTO,
2021, p. 5).
O modelo ainda não é aprovado no Brasil, pois ainda não há uma lei específica
que o regulamente. Porém, não houve condenações nesse sentido. As famílias alegam que
a socialização oferecida pela escola seria negativa. Que o ensino individualizado possui
maior qualidade e que a ideologia predominante nas escolas tende a desvalorizar o papel
116
Segundo dados da Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED), publicados no artigo Barbosa
(2016).
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apresente uma visão menos deturpada e ingênua sobre a sua produção, e de que o ataque
ao pluralismo é característico de posturas autoritárias. Além de possibilitar aos
professores e demais interessados uma forma de interpretar o movimento Terra plana a
partir da ciência dos estilos de pensamento.
Em sala de aula, poderemos não receber de nossos estudantes a manifestação de
sua concepção acerca do formato da Terra. Esse comportamento pode ser oriundo, como
explicamos anteriormente, da posição de autoridade discutida por Fleck. Expusemos,
previamente, algumas comparações entre os dois coletivos de pensamento no intuito de
percebermos como os nossos estilos de pensamento atuam sobre nossa forma de enxergar
o mundo. Segundo Martins (2020b):
Fleck defendia que a epistemologia fosse considerada “a ciência dos EPs”,
incorporando em toda a sua profundidade as dimensões social e histórica, e
promovendo a tolerância entre os grupos e pessoas com pensamento diferentes
e, eventualmente conflitantes (MARTINS, 2020b, p. 1211).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
desenvolvido pelo “pai da Terra plana”, Samuel Rowbotham, no século XIX, e até os
tempos atuais é reproduzido de diferentes formas pelos terraplanistas de diversos países.
Alguns fenômenos explicados pela Flat Earth Society possuem caráter
especulativo, como por exemplo: o que há além da borda da Terra plana (a parede de
gelo, que é a Antártica); o que necessariamente impulsiona a força da “Aceleração
Universal” que empurra a Terra para cima constantemente; especulações para o eclipse
lunar e a observação dos movimentos das constelações. O que parece ser contraditório
com relação à defesa do método experimental, em que, para ser considerado confiável,
deve ser posto à prova por via experimental.
A Flat Earth Society nega ser um movimento conspiracionista. O termo
conspiração é utilizado pela sociedade terraplanista para se referir à falsificação das
viagens espaciais. A NASA não sabe a verdade, mas é de interesse que propague que a
Terra é esférica por questões políticas. Uma vez que esse resultado foi divulgado e
ensinado dessa forma, a “farsa” continua sendo propagada.
Praticamente todos os conteúdos científicos são negados. Alguns resultados e
conceitos da ciência são utilizados, mas com significados diferentes para se enquadrar ao
estilo. Além disso, há uma inconsistência no uso dos temos criados pela sociedade. Em
um mesmo texto há momentos em que são usados com determinado sentido e, mais à
frente, usam o termo que seria o equivalente na linguagem da ciência.
Com relação as nossas analises acerca da Flat Earth Society, o coletivo de
pensamento é marcado por regras e, caso algum membro não as respeite, há punições a
serem executas com eventual banimento total do membro. Os estudos são todos
realizados de forma “livre”, não institucionalizada, e não há nenhuma instituição física
construída pela Flat Earth Society. Seus membros não são identificados, sendo essa uma
das regras: não pode haver divulgação da identidade dos membros ou veiculação de
informações pessoais.
Consideramos que, diante da característica do círculo esotérico do coletivo em
atuar coletando materiais e reproduzindo conhecimentos já criados anteriormente, o
coletivo seja limitado quanto à presença de materiais que se manifestem como
acoplamentos passivos.
Inconsistências na utilização dos termos; divergências no modelo da Terra plana;
pouca manifestação de acoplamentos passivos; não delimitação de como ocorre a benção
de iniciação (tendo em vista que estudos realizados de modo “livre” podem conferir a
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esse coletivo um caráter menos estável) são características que nos mostram que esse
coletivo parece estar em formação, concordando com a análise de Martins (2020b).
Ao buscar apresentar, já no capítulo 3, como a ciência explica fenômenos
discutidos pela Flat Earth Society, algumas dificuldades foram sentidas. Diante do grande
volume de evidências citadas pela Flat Earth Society, não teríamos tempo para contrapor
cada uma. Nosso objetivo inicial (antes da pandemia) era trabalhar as evidências
científicas para formato esférico da Terra analisando-as da mesma forma que fizemos
com a Flat Earth Society, porém, o tempo foi um fator limitante. Compreendemos que
seria interessante uma análise específica para o conteúdo sobre a forma da Terra.
Sobre as evidências científicas, percebemos o quanto a observação é algo
importante. Foi a partir dela que os diferentes seres humanos se conectaram com os céus
e se comunicavam com o mundo. Esse fator não é mencionado pela Flat Earth Society
quando realiza críticas sobre a ciência, mesmo julgando a observação e utilização dos
sentidos algo importante. Mas, há uma diferença entre a observação construída ao longo
dos séculos pela ciência e a observação defendida pela Flat Earth Society.
A partir dos materiais, percebemos que a ciência não se limita à observação de
enxergar o horizonte plano e, diante da impressão inicial, definir o planeta como
possuindo o formato plano. Ou por enxergar aparentemente que a Lua e o Sol possuem o
mesmo tamanho, eles realmente sejam de tamanhos iguais. Há inúmeras observações que
se somam: as mudanças das sombras ao longo dos dias e dos anos; a variação das sombras
à medida que há variação na latitude; a mudança do ponto do nascimento e pôr do Sol; a
mudança na posição das constelações ao longo do ano; as diferentes posições das fases
da Lua; a observação do eclipse lunar etc.
Essas observações foram registradas ao longo dos séculos e as conclusões
decorrentes não se limitam a impressões iniciais. Há, aliado a isso, a utilização de
instrumentos que possibilitam observações outras que nossa visão não é capaz de captar.
Algo que a Flat Earth Society não considera, mesmo citando em alguns momentos que
possuímos limitações em nossa visão. E, é claro, toda uma construção teórica baseada
nesses dados e observações, formando um todo coerente e organizado.
As evidências para o formato esférico da Terra foram construídas (e ainda
apoiadas) através de um coletivo que, por séculos, revisou as análises advindas de tais
observações. Que aliou a essas evidências resultados advindos de recursos tecnológicos
também revisados por seus pares. Coletivo que foi capaz, mesmo com resistências, de
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Número de novos membros: 2015 - 445; 2016 - 876; 2018 – 2726; 2019 – 2600; 2020 – 1726; 2021 –
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REFERÊNCIAS
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discurso anti-ciência do canal “Professor terra plana”. Revista Mídia e Cotidiano, Artigo
Seção Temática, volume 13, número 3, dezembro de 2019.
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