Movimentoterraplana Costa 2022

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO


CENTRO DE EDUCAÇÃO

POLIANA LOPES DA COSTA

O MOVIMENTO TERRA PLANA A PARTIR DA EPISTEMOLOGIA DE LUDWIK


FLECK (1896 – 1961)

NATAL
2022
POLIANA LOPES DA COSTA

O MOVIMENTO TERRA PLANA A PARTIR DA EPISTEMOLOGIA DE LUDWIK


FLECK (1896 – 1961)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
para obtenção do Título de Mestra em Educação. Linha de
pesquisa: Educação, Construção das Ciências e Práticas
Educativas.

Orientador: Prof. Dr. André Ferrer Pinto Martins.

NATAL
2022
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Moacyr de Góes - CE

Costa, Poliana Lopes da.


O movimento terra plana a partir da epistemologia de Ludwik
Fleck(1896 - 1961) / Poliana Lopes da Costa. - 2022.
175 f.: il. color.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande


do Norte, Centro de Educação, Programa de Pós-Graduação em
Educação. Natal, RN, 2022.
Orientador: Prof. Dr. André Ferrer Pinto Martins.

1. Movimento terraplanista - Dissertação. 2. Ludwik Fleck -


Dissertação. 3. Estilo de pensamento - Dissertação. 4. Coletivo
de pensamento - Dissertação. 5. Ensino de ciências -
Dissertação. I. Martins, André Ferrer Pinto. II. Título.

RN/UF/Biblioteca Setorial Moacyr de Góes - CE CDU 37:5

Elaborado por Jailma Santos - CRB-15/745


POLIANA LOPES DA COSTA

O MOVIMENTO TERRA PLANA A PARTIR DA EPISTEMOLOGIA DE LUDWIK


FLECK (1896 – 1961)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação


da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para obtenção do
Título de Mestra em Educação. Linha de pesquisa: Educação,
Construção das Ciências e Práticas Educativas.

Orientador: Prof. Dr. André Ferrer Pinto Martins.

Aprovada em:

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________
Dr. ANDRE FERRER PINTO MARTINS (UFRN)
Presidente da Banca /Orientador

_____________________________________________
Dra. FLÁVIA POLATI FERREIRA (UFRN)
Examinadora Interna à Instituição

_____________________________________________
Dr. LUCIANO DENARDIN DE OLIVEIRA (PUCRS)
Examinador Externo à Instituição

_____________________________________________
Dra. BERNADETE BARBOSA MOREY (UFRN)
Examinadora Suplente Interna à Instituição

_____________________________________________
Dra. CRISTINA LEITE (USP)
Examinadora Suplente Externa à Instituição
AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, que diante de algumas renúncias, foram o suporte para que eu pudesse
ter acesso a formação superior e que mesmo diante de algumas dificuldades, continuaram me
auxiliando para que eu concluísse a Pós-Graduação. Maria Lúcia e Pedro Paulo, vocês
formaram uma filha Mestra. A primeira de nossa família, professora Maria Lúcia. Muito
obrigada! Vocês foram fundamentais para que eu chegasse até aqui. Minhas tias, professoras,
muito obrigada pelo suporte desde o ensino médio, Tia Carminha e Tia Zefinha (onde estiver).
Minha irmã, Maria Paula, te agradeço imensamente pelo seu apoio, tanto me
proporcionando momentos de descontração como me ajudando com materiais que necessitei.
Nossa relação foi fundamental.
Ao meu companheiro, Pedro, que me deu suporte nas crises, anseios, alegrias e
superação. Agradeço a sua família pelo acolhimento. E muito obrigada pela parceria construída
ao longo desses anos.
Obrigada as minhas amigas, Daniela, Virgínia, Érika e Adinha. Que me acompanham
há muitos anos, e que nos últimos meses nos aventuramos em um novo esporte. Obrigada pelas
manhãs terapêuticas jogando futvôlei, pelo carinho e suporte.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação que me apresentaram,
através de leituras, conhecimentos que me despertaram encantamento, aflições e curiosidade
sobre a Educação Brasileira.
Agradecimento em especial ao meu professor orientador André Ferrer, que me acolheu
no grupo de pesquisa e que ao longo desses 4 anos possibilitou um mundo de descobertas sobre
as ciências, me acrescentando reflexões e ensinamentos que carrego para minha formação
docente e pessoal. Muito obrigada! Sua orientação com paciência em minha jornada
inexperiente de pesquisadora foi essencial.
Agradeço ao grupo de pesquisa “ciência e cultura” e as pessoas que dele fizeram/ fazem
parte, em especial a Alana que me apresentou ao grupo. Vocês foram fundamentais para a
produção do meu trabalho, através do compartilhamento de experiências, ensinamentos e
amizade.
Sinto que devo agradecimentos ao meu referencial teórico: Ludwik Fleck. Através de
suas análises consegui lidar melhor com o processo de construção da pesquisa. Aliado as
discussões do grupo de pesquisa, compreendi que o peso de minhas limitações e erros fazem
parte do processo, e que alguns pesos não cabem somente a mim. Obrigada por sua
contribuição, para além da medicina, na área da epistemologia da ciência.
Obrigada à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
pelo período de bolsa concedido. O auxílio financeiro contribuiu para minha permanência na
Pós-Graduação.
Obrigada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Obrigada a todas e todos citados, que também foram essenciais no suporte desde o início
da pandemia do COVID-19, me auxiliando no processo de construção da dissertação.
COSTA, P. L. O movimento terra plana a partir da epistemologia de Ludwik Fleck (1896 –
1961) [dissertação]. Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio
Grande do Norte; 2022.

RESUMO

A Terra é plana, o homem nunca foi à Lua e o Sol gira sobre a Terra. Essas são algumas
afirmativas que encontramos no movimento Terra plana, que ganhou destaque nos últimos anos
para além das bolhas das redes sociais. Enquanto professores de ciências, as ideias defendidas
pelo movimento terraplanista causam curiosidade e preocupação. Este trabalho busca investigar
o movimento Terra plana a partir da epistemologia de Ludwik Fleck, como forma de contribuir
para o ensino de ciências. Para conhecer o movimento Terra plana, nos debruçamos no material
disponibilizado no site oficial da Flat Earth Society, que reúne “provas” da Terra plana
conduzidas por terraplanistas de todo o mundo. Para analisar esse material, utilizamos alguns
conceitos trabalhados por Fleck (2010) em sua obra Gênese e desenvolvimento de um fato
científico, publicada em 1935. Os dados foram agrupados de modo a caracterizar o estilo de
pensamento da Flat Earth Society, descrevendo seus métodos, explicações, julgamentos
evidentes e sua linguagem específica. Já o coletivo de pensamento foi caracterizado por seu
círculo esotérico e exotérico, dispositivos legais e costumários e formas de disseminação do
conhecimento. Encontramos um grande volume de conteúdos abordados pela Flat Earth
Society, abarcando diferentes áreas do conhecimento, como física, geografia, topografia,
astronomia, tecnologia e outras. Diversos temas tratados pela Flat Earth Society possuem
relação direta com a ciência e muitas de suas explicações fazem uso de termos científicos, mas
com significados diferentes, ou são permeadas por contra argumentações ao formato esférico.
Procurando expor como a ciência explica alguns dos fenômenos tratados pela Flat Earth
Society, selecionamos as evidências para o formato esférico da Terra e seus movimentos que
são apresentadas em livros didáticos aprovados no Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD) 2020 para o ensino fundamental. A partir disso, e das contribuições epistemológicas
fleckianas, identificamos diferenças e semelhanças entre o conhecimento acerca da Terra plana
e o conhecimento científico, entendendo que, por se tratar de coletivos de pensamento
diferentes, cada um é permeado por seu estilo de pensar e interpretar os fenômenos. Por fim,
refletimos sobre as implicações para o ensino de ciências a partir da questão: o que aprender
com o movimento Terra plana para discutir e ensinar ciências e sobre ciências?

Palavras-chave: movimento terraplanista; Ludwik Fleck; estilo de pensamento; coletivo de


pensamento; ensino de ciências.
COSTA, P. L. The flat earth movement from the epistemology of Ludwik Fleck (1896 – 1961)
[dissertation]. Graduate Program in Education, Federal University of Rio Grande do Norte;
2022

ABSTRACT

The Earth is flat, man has never been to the Moon and the Sun revolves around the Earth. These
are some of the statements they found in the Flat Earth movement, which has gained
prominence in recent years beyond the bubbles of social networks. While science teachers cause
ideas, the flat-earther movement advocates curiosity and attention. This work investigates the
Flat Earth movement from the epistemology of Ludwik Fleck, as a way to contribute to science
teaching. In order to know the movement of the Earth, we did not look at material available on
the official Earth Society website, which gathers “evidence” of the flat Earth found by flat-
Earthers from all over the world. To analyze this material, we used some concepts developed
by Fleck (2010) in his work Genesis and development of a scientific fact, published in 1935.
The data were grouped in order to characterize the Flat Earth Society's style of thought,
describing its methods, explanations, obvious explanations and their specific language. The
collective of thought, on the other hand, was characterized by its esoteric and exoteric circle,
legal and customary provisions and ways of disseminating knowledge. We found a large
volume of content from technology, technology and different areas of knowledge such as
technology, topography, astronomy, geography and other areas of knowledge. The topics
directly dealt with by the Flat Earth Society are related to science and many of its explanations
make use of scientific terms, but with different meanings, or are permeated by spherical
counter-arguments. Seeking to expose how the phenomena treated by the Flat Earth Society,
we selected as studies for the spherical shape of the Earth and its movements that are approved
in the National Book Program 2020 for elementary school. From this, and from the Fleckian
epistemological contributions, we identified differences and similarities between the
knowledge about scientific knowledge, understanding that, because they are collectives of
thought, each one is permeated by different styles of thought and interpreting the phenomena .
Finally, we reflect on the implications for science teaching based on the question: what can we
learn from the flat movement towards competition and teaching science and about science?

Keywords: Flat Earth movement; Ludwik Fleck; thought style; thought collective; science
teaching.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Modelo monopolo da Terra plana ....................................................................................... 49


Figura 2 - Modelo bipolar da Terra plana. ........................................................................................... 50
Figura 3 - Raios do Sol que cruzam com a Terra e formam um arco – Aceleração Eletromagnética. 53
Figura 4 - Fases da lua sobre a Terra Plana.......................................................................................... 56
Figura 5 - Léon Foucault põe o pêndulo em movimento para o público ............................................. 67
Figura 6 - Ilustração da visualização do barco à medida que se afasta. No último barco o casco do
navio parece se fundir com a superfície. ............................................................................................... 74
Figura 7 - Disposição das bandeiras ao longo do lago de Bedford. ..................................................... 82
Figura 8 - Disposição das bandeiras ao longo do lago de Bedford caso a Terra fosse esférica. .......... 83
Figura 9 - Etapas do método científico para a Flat Earth Society ........................................................ 95
Figura 10 - Representação esquemática de coordenadas celestes indicando a linha do horizonte e o
zênite. O observador encontra-se em um ponto no hemisfério Sul. .................................................... 111
Figura 11 - Fotos tiradas em três momentos ao longo do dia: manhã, meio-dia e tarde. As sombras
projetadas da árvore aparecem em pontos diferentes à medida que o Sol percorre o céu ................... 112
Figura 12 - Ilustração do nascer do Sol ao longo do ano. Legendas de cada figura pertencem à fonte
da imagem. .......................................................................................................................................... 113
Figura 13 - Ilustração das sombras do gnômon ao longo de um dia. É possível notar que ocorrem
mudanças de posição e de comprimento, pois a posição do Sol varia no céu durante o dia. .............. 115
Figura 14 - Representação do gnômon com a linha imaginária do zênite local ao meio-dia. ............ 116
Figura 15 - Representação dos zênites ao longo do ano. ................................................................... 116
Figura 16 - Observação da posição do Sol da janela do nascer do Sol nos solstícios e nos equinócios
............................................................................................................................................................. 117
Figura 17 - Variação do comprimento das sombras do gnômon ao longo do ano. ............................ 118
Figura 18 - Representação das estações do ano sendo causadas pela inclinação de 23,5° entre o
equador da Terra e a eclíptica. ............................................................................................................ 119
Figura 19 – As diferentes estações do ano na Terra plana. ................................................................ 120
Figura 20 - O ângulo (x) projetado pelas sombras em Alexandria é igual ao ângulo (y) criado pelos
dois raios cujo vértice está ao centro da Terra e que passa por Alexandria e Siena (o desenho não está
em escala) ............................................................................................................................................ 124
Figura 21 - Foto do céu do Quênia (África) obtida a partir da técnica chamada de “tempo de
exposição prolongado”, dessa forma cada estrela parece deixar um rastro luminoso por onde passa.
Com a câmera apontada para o lado leste a captura durou das 21h até as 2h. .................................... 127
Figura 22 - Foto tirada no Lago Titicaca (Chile) a partir da técnica de “tempo de exposição
prolongado”. As estrelas não nascem nem se põe e “realizam movimento aparente de rotação ao redor
um ponto, o Polo Sul Celeste”. ........................................................................................................... 128
Figura 23 - Vista do Cruzeiro do Sul por dois observadores em pontos diferentes da Terra, um
próximo à linha do equador enxerga a constelação próximo a linha do horizonte. Outro localizado
mais ao sul, para enxergar a mesma constelação precisa olhar para cima. ......................................... 129
Figura 24 - Fotos de um navio petroleiro. A de cima: capturada de uma altura do nível do mar de
apenas 1 metro. Foto inferior: foi capturada de uma altura de cerca de 5 metros acima do nível do mar.
............................................................................................................................................................. 131
Figura 25 - A distância ao horizonte (D) depende da altura da visada (H) e do raio da Terra. .......... 132
Figura 26 - Possibilidades de visualização do objeto com efeito de refração da luz. ........................ 133
Figura 27 - fases da Lua no mês de junho de 2022 para o hemisfério Sul. ........................................ 136
Figura 28 - Fases da Lua no mês de junho de 2022 para o hemisfério Norte. ................................... 136
Figura 29 - Fotos da Lua crescente em duas localidades diferentes, com deslocamento angular em
latitude e longitude de 70 graus........................................................................................................... 137
Figura 30 - Fotos da mesma Lua cheira em 11/02/2017 no Japão e no Brasil. .................................. 137
Figura 31 - Eclipse lunar .................................................................................................................... 139
Figura 32 - Fotos tiradas na missão Apollo 11. Esquerda: Terra fotografada da órbita lunar antes do
pouso. Direita: Terra crescente fotografada durante a viagem de volta .............................................. 140
Figura 33 - Imagem mostrada no vídeo terraplanista, indicando a convergência das sombras. ........ 141
Figura 34 - A sequência de imagens mostra uma fila de postes balizadores, as retas paralelas dos
postes aparecem como convergentes na imagem ................................................................................ 141
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Atuação e produções de Ludwik Fleck de 1914 a 1959. ..................................................... 16


Tabela 2 - Tópicos e subtópicos com os temas tratados na área wiki do site da Flat Earth Society. *:
referem-se a temas que se repetem em diferentes subtópicos. .............................................................. 45
Tabela 3 - Evidências do formato esférico da Terra e dos seus movimentos encontradas nos livros do
PNLD 2020 de ciências do 6° ano do ensino fundamental II ............................................................. 108
Tabela 4 - Lista de evidências que serão tratadas neste trabalho a partir do agrupamento da tabela 3.
............................................................................................................................................................. 109
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 4
CAPÍTULO 1 ........................................................................................................................................ 13
LUDWIK FLECK: VIDA E TRABALHO COMO MÉDICO E SUAS CONTRIBUIÇÕES
EPISTEMOLÓGICAS .......................................................................................................................... 13
1.1 VIDA E TRABALHO COMO MÉDICO ............................................................................. 13
1.2 FLECK NUNCA FOI EXCLUSIVAMENTE MÉDICO...................................................... 18
1.3 A EPISTEMOLOGIA FLECKIANA ................................................................................... 27
1.3.1. Por uma teoria comparada do conhecimento e conceitos fleckianos: Protoideias, coletivo de
pensamento, estilo de pensamento, harmonia das ilusões, construção dos fatos, acoplamentos ativos
e acoplamentos passivos...................................................................................................... 27
1.3.2. Aprofundando nos estilos e nos coletivos de pensamento: coletivos momentâneos e estáveis,
círculos esotéricos e exotéricos, tráfego intercoletivo e intracoletivo de ideias. ................. 37
CAPÍTULO 2 ........................................................................................................................................ 43
O MOVIMENTO TERRA PLANA A PARTIR DA FLAT EARTH SOCIETY ................................... 43
CAPÍTULO 3 ........................................................................................................................................ 92
ANALISANDO A FLAT EARTH SOCIETY A PARTIR DA ESPISTEMOLOGIA FLECKIANA .... 92
3.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .......................................................................... 92
3.2 IDENTIFICANDO ELEMENTOS REFERENTES AO ESTILO E AO COLETIVO DE
PENSAMENTO .................................................................................................................. 94
3.2.1 Estilo de pensamento ........................................................................................... 94
3.2.2 Coletivo de pensamento .................................................................................... 101
3.3 FLAT EARTH SOCIETY E O CONHECIMENTO CIENTÍFICO ACERCA DO FORMATO
DA TERRA: TRÁFEGO INTERCOLETIVO DE IDÉIAS ........................................................... 105
3.4 ENSINO DE CIÊNCIAS E O FORMATO DA TERRA: O QUE APRENDER COM O
MOVIMENTO TERRA PLANA PARA ENSINAR CIÊNCIAS. ................................................. 143
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................................. 158
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 163
4

INTRODUÇÃO

Terraplanistas viraram notícia, suas ideias saíram das bolhas de suas redes sociais
e seus representantes foram convidados para diversas entrevistas em canais aberto de
televisão, além de se tornarem história de um documentário da Netflix, chamado Behind
the Curve. São convidados para debater com cientistas, confrontando os mais diversos
argumentos sobre temáticas que envolvem o formato da Terra. Seja como pauta de crítica
ou apoio, o movimento terraplanista mobilizou discussões e reflexões.
Adeptos do movimento Terra plana podem ser encontrados em diversos lugares
do mundo. Em 2017 foi realizada a Flat Earth International Conference (FEIC), a
primeira Conferência Internacional da Terra Plana que ocorreu em Raleigh, na Carolina
do Norte, nos dias 9 e 10 de novembro, organizada pela Kryptoz Media. Alguns dos temas
encontrados na programação eram: NASA e outras mentiras espaciais; Terra plana com
método científico; e acordar para as principais mentiras da ciência. Em 2019, o presidente
de um clube de futebol de Madri alterou o nome do clube para Flat Earth Futebol Club
com o objetivo de “divulgar a verdade” sobre o mundo em que vivemos.
No Brasil, o Instituto Datafolha, em 2019, realizou uma pesquisa que estimou
quantos no país duvidam que o planeta seja esférico. A pesquisa contou com 2.086
entrevistados maiores de 16 anos em 103 cidades do país, e obteve o resultado de que 7%
dos brasileiros acreditam que o formato da Terra seja plano. Em 2019 também foi
realizada a primeira convenção da Terra plana no Brasil, a Flat Con Brasil 2019, que
ocorreu no dia 10 de novembro em São Paulo, no Teatro da Liberdade. A conferência
contou com os principais nomes do movimento Terra Plana no Brasil, sendo o primeiro
evento a reuni-los para palestrar sobre o assunto com o objetivo de levar conhecimento e
“ciência de verdade” para todos. Participaram, aproximadamente, 400 pessoas no evento,
alcançando o número de participantes da primeira convenção internacional em 2017.
Os motivos para o crescimento dos movimentos negacionistas da ciência e
pseudocientíficos são estudados por alguns pesquisadores. Segundo Perpétuo (2019), o
surgimento desses movimentos estaria ligado ao “simples afastamento do público leigo
em relação à ciência moderna” (PERPÉTUO, 2019). Perpétuo (2019) cita que o professor
Valdei Araújo, historiador e professor da Universidade Federal de Ouro Preto, credita o
crescimento desses movimentos à crise do
capitalismo contemporâneo que tem destruído comunidades e vínculos,
criando nas pessoas um sentimento de solidão, como se elas não pertencessem
5

a lugar algum. Essas pessoas, então, buscariam nesses “grupos de crença”


(terraplanismo, para usar o exemplo do documentário) interações sociais
básicas (PERPÉTUO, 2019, p. 31 – 32).

Alguns trabalhos relacionam a crescente onda de negacionismo científico à pós-


verdade, atrelada à crescente onda de fake news, tendo em vista que a pós-verdade é
“formada por narrativas desvinculadas da objetividade dos fatos, manipulando afetos e
mobilizando opiniões”, o que a torna “instrumento diário no combate ao conhecimento
científico, à universidade, ao jornalismo sério, enfim, a toda e qualquer atividade que
busque se fundar em critérios e parâmetros razoáveis e racionais” (SILVA;VIDEIRA,
2020). Já Barcellos (2020) reconhece a relação entre a crise da democracia, a ascensão da
extrema direita no mundo e as fakes News, porém, afirma que é ingenuidade “assumir que
passamos de uma fase da verdade para uma fase da pós-verdade” (BARCELLOS, 2020,
p. 1499). Barcellos (2020) discute que faz mais sentido pensarmos a pós-verdade como
uma “crise da verdade do que identificada diretamente com o fenômeno da
desinformação”, que está atrelada a uma educação bancária, antidialógica e autoritária.
As informações não deixaram de ser acessadas, as pessoas estão constantemente
acessando-as e compartilhando-as, porém, estão sendo negadas, desacreditadas ou
distorcidas. Marineli (2020) compartilha os dados do relatório 2019 Digital Global, o
qual aponta que, no ano de 2019 no Brasil:
70% da população fez uso da internet, mais de 149 milhões de pessoas, com
85% delas acessando todos os dias. Do total de utilizadores, 140 milhões
usavam mídias sociais (66% da população), sendo que 130 milhões por meio
de dispositivos móveis. [...]o tempo médio que os brasileiros passaram por dia
na internet em 2019: nove horas e vinte nove minutos, com três horas e trinta
e quatro minutos em mídias sociais. Ainda de acordo com o relatório citado,
100% dos usuários de internet no Brasil utilizavam redes sociais ou serviços
de mensagens e 98% deles assistiam vídeos online (MARINELI, 2020, p.
1175).

O acesso à informação a partir da internet nos possibilitou inúmeros benefícios,


educação à distância, comunicação, notícias sobre acontecimentos globais e outros.
Porém, não pode ser negada a imensa quantidade de equívocos e notícias falsas que
circulam nas diferentes redes. Desde 2019 estamos vivendo a pandemia do novo
coronavírus, e foi possível observarmos os cientistas atuando e lidando com as demandas
de contágio, medicamentos e vacinas. As notícias sobre a resolução dessas demandas
eram as mais variadas: descrença das vacinas, apoio a medicamentos com eficiência não
comprovada pela Organização Mundial da Saúde, dúvidas sobre isolamento e uso de
máscaras.
6

Com o isolamento e a forma de comunicação através da internet, podemos


perceber o que o Barcellos (2020) apresenta sobre a potência dessa comunicação como
uma indústria de alta produtividade que, através da dinâmica de cliques, impulsiona
conteúdos via redes sociais espalhando notícias falsas. Por meio do sistema de bolhas das
redes sociais são reforçados preconceitos e emoções (BARCELLOS, 2020). O
terraplanismo não está isolado desse mecanismo. Ideias como a da Terra plana
“encontram hoje em dia campo fértil na internet e nas mídias sociais, que levam esse tipo
de conteúdo a grandes audiências” (MARINELI, 2020).
No site Flat Earth Society, reconhecido como site oficial da Terra plana, é possível
observarmos uma defesa do ceticismo, assim como críticas à astronomia, ao ensino, ao
governo, às agências espaciais, dentre outros. Não estamos repudiando o ceticismo.
Críticas ao conhecimento científico são importantes e, por isso, precisamos diferenciar
ceticismo de negacionismo. Como colocado por Takimoto (2021), o ceticismo em relação
à ciência é positivo e necessário. A autora cita que, para Robert Merton, o ceticismo faz
parte do ethos científico e que, para Ilka Niiniluoto, a autocrítica presente na pesquisa
científica é um dos fatores que tornam a ciência confiável (TAKIMOTO, 2021, p. 42).
Mas o que difere o negacionismo do ceticismo? Takimoto (2021) traz uma
definição interessante para negacionista: é “aquele que nega os fatos, que rejeita a
realidade para escapar de uma verdade que lhe traga desconforto” (p. 28). A autora mostra
um dos resultados obtidos em uma pesquisa realizada pelo Centro de Gestão e Estudos
Estratégicos que notou uma diminuição do “percentual de pessoas que consideram a
ciência e a tecnologia como benéficas para a humanidade”, caiu de 54% em 2015 para
31% em 2019 o percentual de pessoas que “confiavam que a ciência trazia algo de
positivo para a sociedade” (TAKIMOTO, 2021, p. 84).
A desconfiança na ciência não é algo injustificável, afinal, temos exemplos de que
o conhecimento científico não foi sempre revertido para o bem comum (TAKIMOTO,
2021, p. 84). Com relação ao ceticismo, ele não é algo negativo, como dito anteriormente.
É considerado, inclusive, importante no processo de evolução do conhecimento
científico. Os movimentos anticiência, em contrapartida, utilizam-se do argumento de
ceticismo, mas desqualificam o conhecimento científico. Movimentos que negam a
ciência estão conectados com uma crise maior de legitimidade, crise que também está
ocorrendo com as esferas políticas, governamentais e econômicas (TAKIMOTO, 2021,
p. 84). É possível perceber essa relação nos dados da pesquisa realizada pelo Instituto
7

Gallup, encomendada pela organização britânica Wellcome Trust, que envolveu 144
países, incluindo o Brasil. Um dos resultados indica que não há um movimento amplo e
organizado contra a ciência, o que é encontrado
são bolhas que acabaram inchando por conta dos algoritmos das redes sociais,
e cujos principais atores agem de forma paranoica, suspeitando não somente
da ciência como também de consensos políticos e evidências históricas
(TAKIMOTO, 2021, p. 92).

É importante destacar que os diferentes movimentos que negam a ciência, como


antivacina e terraplanismo, por exemplo, apresentam características diferentes e não
necessariamente possuem relação. Portanto, a forma que a desconfiança ou negação do
conhecimento científico ocorrerá será diferente, podendo ocorrer por desconhecimento
do funcionamento da ciência ou por objetivos econômicos e políticos (nesse último caso,
são os exemplos que Takimoto (2021) expõe do trabalho realizado pelos historiadores da
ciência Naomi Oreskes e Erik Conway no livro Merchants of doubt “Mercados da
dúvida”).
Neste trabalho, focaremos no movimento Terra plana. E quais as motivações para
isso? Tratarei delas em 1° pessoa nos próximos parágrafos.
Em 2019, assisti ao documentário da Netflix “A Terra é plana” (Behind the Curve)
e passei a frequentar as reuniões do grupo de pesquisa Ensino de Ciências e Cultura na
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. O documentário me impactou muito,
fiquei extremamente inquieta e buscando conexões com as discussões sobre História,
Filosofia e Sociologia da Ciência (HFSC) no Ensino de Ciências que estava aprendendo
no grupo de pesquisa. Estávamos lendo a obra Gênese e desenvolvimento de um fato
científico de Ludwik Fleck (2010) e, ao assistir ao documentário, me peguei refletindo e
relacionando as discussões realizadas no grupo de pesquisa com o filme. Lembro que o
que mais me chamou atenção foi às manifestações de descontentamento dos terraplanistas
com o ensino de ciências, como o ensino tinha sido imposto não permitindo
questionamentos, e que hoje eles estavam fazendo ciência por conta própria.
Nesse mesmo período, fui apresentada à tese O debate evolução versus design
inteligente e o ensino da evolução biológica: contribuições da epistemologia de Ludwik
Fleck, de Sílvia Regina Groto (2016), em que um dos objetivos da autora foi caracterizar
o design inteligente e a evolução biológica a partir dos conceitos de coletivo de
pensamento e estilo de pensamento de Ludwik Fleck. Somada a essa atmosfera
8

acadêmica, eu havia trabalhado no ano anterior, em 2018, o conteúdo de astronomia com


uma turma do 6° ano.
Minha formação é em ciências biológicas licenciatura, e lecionar conteúdos de
astronomia foi um desafio. Precisei ensinar sobre a forma da Terra, movimento aparente
dos astros, eclipses e conteúdos afins, sem a formação adequada para ensiná-los. Diante
da necessidade de estudar esses conteúdos, me aproximei das discussões mais
contextualizadas da HFSC. A união desses fatores: necessidade de ensinar astronomia
para o ensino fundamental, documentário da Netflix, a epistemologia fleckiana, a tese da
Groto (2016), bem como todo o cenário político e econômico ligado a movimentos de
negação da ciência, especificamente do movimento Terra plana, impulsionaram essa
pesquisa (interrompo aqui, o uso da 1° pessoa).
As ideias compartilhadas pelos terraplanistas surpreendem diversas pessoas.
Parece inacreditável alguém não aceitar o fato de a Terra ser esférica. Mas é inacreditável
para quem? Por que, inicialmente, algumas pessoas julgam os terraplanistas como
“burros” e desinformados? Por que os terraplanistas julgam o conhecimento científico
uma farsa? A comunicação entre pessoas que defendem o formato esférico da Terra com
pessoas que defendem a Terra plana é possível? Por que esse diálogo pode ser difícil?
No início desta Introdução apresentamos trabalhos que apontam alguns motivos
que podem ter influenciado o crescimento dos movimentos negacionistas da ciência, tais
como o “afastamento do público leigo em relação à ciência moderna”; o enfraquecimento
dos nossos vínculos decorrente do nosso sistema econômico, o que impulsiona a busca
por “grupos de crenças”; a pós-verdade, em que a formação de opiniões está mais atrelada
a emoções e crenças populares do que a fatos objetivos, e a crise da verdade,
alternativamente à ideia de pós-verdade, aliada à educação bancária e ao ensino
autoritário. Com relação aos terraplanistas, qual a sua relação com a ciência? Suas crenças
e valores são mais fortes do que fatos objetivos? Como se dá o vínculo entre
terraplanistas?
Tratando especificamente do movimento Terra plana, Marineli (2020) percebe
que diante da crise epistemológica “relacionada à perda de confiança nas instituições
fundamentais da sociedade”, dentre elas a ciência, as pessoas tornaram-se mais
dependentes da utilização das próprias experiências e crenças para avaliar, inclusive, o
conhecimento científico, impulsionando fenômenos como o da pós-verdade. O autor se
apoia nas discussões “desenvolvidas por Alfred Schutz relacionadas a formas de
9

experienciar a realidade, seja no campo cotidiano, seja no científico” (MARINELI, 2020,


p. 1173) e identifica a utilização do campo cotidiano como modo de caracterizar a
realidade nas concepções dos terraplanistas, especialmente nos conhecimentos do
contexto científico, especificamente para avaliar o formato da Terra e de seu movimento.
Outro trabalho que estuda o movimento terraplanista é o da Pivaro (2019). A
autora analisou algumas discussões realizadas no fórum online da Flat Earth Society para
discutir “sobre a aprendizagem como uma forma de ascensão do abstrato ao concreto e
em como aqueles que acreditam em uma Terra plana falham em conseguir criar abstrações
generalizadas de um conteúdo e percebê-lo em seus diversos contextos” (PIVARO, 2019,
p. 1).
O trabalho de Albuquerque (2019), diferente dos citados acima, pertence à área
da mídia e propõe uma análise do canal Professor Terraplana no Youtube. Albuquerque
(2019) discute sobre os movimentos negacionistas em seu contexto histórico diante da
“emergência de uma cultura da conspiração na segunda metade do século XX” e explana
sobre a expansão dos movimentos negacionistas recentes, que encontra um terreno fértil
“no contexto de uma crise epistemológica, que abala consensos sociais”
(ALBUQUERQUE, 2019, p. 85). Além disso, “explora as características do Youtube” e
o aspecto da cultura terraplanista a partir do canal Professor Terraplana
(ALBUQUERQUE, 2019).
No trabalho intitulado Terraplanismo, Ludwik Fleck e o mito de Prometeu,
Martins (2020b) analisa o movimento Terra plana a partir do referencial teórico de
Ludwik Fleck, se aproximando estreitamente dessa Dissertação. O movimento Terra
plana foi estudado a partir da primeira Convenção Nacional da Terra plana, que ocorreu
em novembro de 2019 em São Paulo. O evento contou com aproximadamente 400
pessoas e 10 palestrantes, os quais, em sua quase totalidade, era composta por Youtubers
que possuíam canais focados na temática terraplanista.
Martins (2020b) participou do evento e construiu um “diário de campo” com o
máximo de anotações possíveis das palestras. Após o evento, com o conteúdo do diário
de campo, o autor procurou identificar, em cada palestra: “o tema central; as principais
ideias defendidas e os argumentos utilizados” (MARTINS, 2020b, p. 1202). Em seguida
foi realizado o agrupamento dessas ideias, alcançando um conjunto de seis características
encontradas no discurso terraplanista, sendo elas: 1. O Terraplanismo estaria fora de um
“sistema” que esconde a verdade; 2. Estabelecimento de uma relação bipolar com o
10

conhecimento científico; 3. Uso “particularizado” de termos e conceitos da ciência; 4.


Seletividade no uso de dados e informações; 5. Vínculo com questões de natureza
religiosa e, 6. Crítica à escola e ao ensino de ciências (MARTINS, 2020b, p. 1202 -
1203).
Após a identificação de tais características, o autor questiona: “Seria o
terraplanismo um estilo de pensamento? Os membros do movimento terraplanista
constituem-se em um coletivo de pensamento?” (MARTINS, 2020b, p. 1207). Como
resposta, o autor afirma:
Sim e não. [...] O TP (terraplanismo), em si, nos parece apresentar
características de um EP (estilo de pensamento) em formação, portanto, ainda
em busca da consolidação de certa característica que Fleck associa aos EPs,
[..], tais como a identificação de problemas que interessam e dizem respeito a
esse coletivo, os julgamentos e métodos, e um “estilo técnico e literário”
próprio (MARTINS, 2020b, p. 1207).

O autor percebe o terraplanismo como um movimento em busca por coesão na


defesa de ideias e argumentos. Fatores como a religião e diferenças de interpretação para
alguns fenômenos são exemplos de temas que não apresentam uma visão consensual entre
os membros do movimento. A relação que o movimento possui com a ciência, ao utilizar
alguns conhecimentos e negligenciar outros; críticas à escola e ao ensino de ciências;
oposição ao “sistema” que esconde a verdade e sua relação com o conhecimento religioso
parecem compor o estilo de pensamento terraplanista que é fruto dos tráfegos de ideias
nesses diferentes estilos, conferindo ao movimento o caráter de um estilo em formação.
O autor discute ainda as características referentes ao que identifica como: tráfego
intercoletivo e intracoletivo de ideias, círculos exotérico e esotérico, harmonia das
ilusões, protoideas, acoplamentos ativos e passivos, e as diferenças entre o terraplanismo
e a ciência institucionalizada.
Temos, também, a dissertação de Ferreira (2013), que buscou “investigar uma
proposta de ensino-aprendizagem do tema ‘A forma e os movimentos dos planetas no
Sistema solar’, que teve como eixo central a relação entre a observação cotidiana e os
modelos científicos atualmente aceitos” (FERREIRA, 2013, p. 4). Um dos resultados
importantes foi o de que alguns professores parecem não perceber a “contradição aparente
entre a forma da Terra observada no cotidiano e a forma descrita no modelo”
cientificamente aceito (FERREIRA, 2013, p. 5). A autora acredita que são necessárias
discussões, questionamentos e problematizações acerca das teorias físicas desenvolvidas
ao longo da história da humanidade relacionadas ao tema da forma da Terra, que busquem
11

desmistificar posturas dogmáticas que se referem ao conhecimento da astronomia. Para


isso, a autora realizou uma intervenção didática para professores de ciências em
formação.
Com relação ao nosso trabalho, para conhecer o movimento Terra plana nos
debruçamos no material disponibilizado no site oficial da Flat Earth Society, mais
especificamente na área wiki, que é composta de materiais com explicações e argumentos
a favor da Terra plana e contra o formato esférico. A Flat Earth Society foi fundada
em1956 e é posterior à Zetetic Society. A sociedade se intitula como sendo o lugar para
pensadores livres, onde ocorre a troca intelectual de ideias. Há dentro da sociedade
terraplanista diferentes modelos de como se configura a Terra plana, sendo o modelo
comumente aceito o de um disco circular com a Antártica servindo como uma barreira de
gelo.
A partir dos materiais da Flat Earth Society, nossa proposta é analisar o
movimento Terra plana utilizando alguns conceitos trabalhados por Fleck (2010) em sua
obra Gênese e Desenvolvimento de um fato científico, publicada em 1935. Fleck leva em
consideração aspectos históricos, sociológicos e psicológicos no processo de construção
do conhecimento. Nessa obra, o autor nos explica como se dá a construção do fato
científico e trata da importância da experiência coletiva para a construção do
conhecimento. O conhecimento se desenvolve a partir das transformações dos estilos de
pensamento, que resultam de um desenvolvimento histórico e socialmente condicionado,
formando um tecido entrelaçado pelo contato de seus representantes humanos.
A partir de Fleck, esperamos indicar algumas diferenças entre o conhecimento da
Terra plana e o conhecimento científico e, com isso, discutirmos sobre o que podemos
aprender com o movimento Terra plana para problematizar e ensinar ciências e sobre
ciências. De imediato, enquanto professores de ciências, tendemos a realizar uma defesa
do conhecimento científico frente às ideias negacionistas da ciência. Mas, antes de
realizar essa defesa, é importante perceber qual visão de ciência está sendo defendida.
Seguimos o mesmo alerta realizado por Takimoto (2021): “se for pra defender a ciência,
é necessário, antes, conhecê-la” (p.49).
Dito isso, nosso objetivo geral é compreender o movimento terraplanista a
partir da epistemologia de Ludwik Fleck, como forma de contribuir para o ensino
de ciências. Os objetivos específicos são:
12

• Descrever as características movimento terra plana a partir do site da Flat Earth


Society;
• Investigar a presença de elementos que marcam o coletivo e o estilo de
pensamento da Flat Earth Society;
• Indicar diferenças entre o conhecimento acerca da Terra plana e o conhecimento
científico;
• Discutir as possibilidades de diálogo entre coletivos de pensamentos diferentes;
• Problematizar o ensino de ciências a partir desta temática.

No primeiro capítulo, trataremos da vida e obra de Ludwik Fleck (1896 – 1961) e


seus principais conceitos referentes às suas investigações epistemológicas, os quais serão
utilizados para análise do nosso objeto de estudo. No segundo capítulo, descreveremos o
conhecimento acerca da Terra plana a partir dos materiais do site oficial da Flat Earth
Society.
No capítulo três, descrevemos o procedimento metodológico adotado para as
análises dessa pesquisa, identificamos elementos referentes ao estilo e ao coletivo de
pensamento da Flat Earth Society, discutimos o tráfego intercoletivo de ideias e
realizamos a exposição dos desvios de significados. Por fim, abordamos sobre o que
podemos aprender com o movimento Terra plana para discutir e ensinar ciências e sobre
ciências.
13

CAPÍTULO 1
LUDWIK FLECK: VIDA E TRABALHO COMO MÉDICO E SUAS
CONTRIBUIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS

Neste capítulo iremos tratar da vida e obra de Ludwik Fleck (1896 – 1961) e seus
principais conceitos referentes às suas investigações epistemológicas, os quais serão
utilizados para análise do nosso objeto de estudo.

1.1 VIDA E TRABALHO COMO MÉDICO

Ludwik Fleck nasceu no dia 11 de julho de 1896, na cidade de Lemberg,


(atualmente Lwów) na Ucrânia. No período do seu nascimento a cidade pertencia ao
Império Austro-Húngaro (LÖWY, 2012, p. 12). A região, nesse período, possuía certa
independência e autonomia cultural após um longo período de divisão territorial. Filho de
judeus poloneses, seu pai possuía um estabelecimento de pintura de classe média
(COHEN; SCHNELLE, 1986, p. 3). Fleck concluiu o ginásio em 1914 dominando a
língua polonesa (sua língua materna) e o alemão, “em 1914, matriculou-se no curso de
medicina na Universidade Jan Kazimierz, que concluiu com o doutorado em clínica geral,
depois de uma interrupção devido ao serviço militar na Primeira Guerra Mundial”
(SCHAFER; SCHNELLE, 2010, p. 4). Em 1919 a cidade torna-se polonesa, sendo
ocupada pelo exército soviético em 1939. Em seguida, no ano de 1941, foi conquistada
pelos alemães (LÖWY, 2012, p. 13). Diante de diversas disputas territoriais, Fleck teve
seu trabalho e vida completamente influenciados pelas turbulências políticas de sua
época.
Como médico realizou grandes contribuições na microbiologia, área que mais se
interessava, somando 37 trabalhos científicos voltados para a área sorológica geral,
publicados entre 1922 e 1939. Começou sua experiência com o especialista em tifo
Rudolf Weigl, em Przemysl no Laboratório de Pesquisa para Doenças Infecciosas, em
seguida tornou-se seu assistente na cátedra de biologia da faculdade de Medicina da
Universidade de Lwów, onde permaneceu até 1923 (SCHAFER; SCHNELLE, 2010, p.
5). Com Weigl, desenvolveu o procedimento de reação cutânea para diagnóstico do tifo,
a reação de Xantina, além de trabalhar investigando e aprimorando o diagnóstico para
sífilis, tuberculose (lúpus eritematosos) e pênfigo (SCHAFER; SCHNELLE, 2010, p. 4 -
14

5). Em 1928 ocupou o cargo de diretor do laboratório de microbiologia do fundo de saúde


de Lwów (FEHR, 2012, p. 36).
Em 1935 a onda antissemita se espalha na Polônia e, após esse período, Fleck não
conseguiu manter sua posição acadêmica, sendo o motivo da sua não continuidade
incerto. O que se sabe, como menciona Johannes Fehr, é que, segundo Fleck, esse
acontecimento foi “como consequência das atividades [da ala direita] do governo
Sanacja” e que por isso foi demitido de sua posição como diretor do laboratório de
microbiologia de sua região. Neste mesmo período, no ano de 1935, Fleck publica seu
livro “Gênese e desenvolvimento de um fato científico” pela editora Suíça Benno
Schewabe, na Basiléia (FEHR, 2012, p. 36).
Com o desenrolar da Segunda Guerra Mundial, a cidade em que residia passou a
pertencer ao poder soviético, com isso, a Faculdade de Medicina se tornou independente
e Fleck foi nomeado professor chefe do Departamento de Microbiologia e diretor do
Laboratório Sanitário-Bacteriológico Municipal e conselheiro de microbiologia e
sorologia do Instituto para Mãe e Filho. Em junho de 1941, a cidade de Lwów é atacada
pela Alemanha nazista. Com a ocupação alemã, Fleck é forçado a deixar os cargos e é
deportado para o gueto judeu com sua esposa e filho, onde passou a viver e trabalhar sob
as condições precárias (SCHAFER; SCHNELLE, 2010, p. 5).
No gueto, Fleck ganhou destaque por desenvolver um procedimento novo, pelo
qual conseguia extrair da urina dos infectados a vacina para o tifo, sendo considerado
como um dos mais importantes especialistas em tifo da Europa (SCHAFER;
SCHNELLE, 2010, p. 6). Nesse período, vivia-se uma epidemia do tifo, se tornando um
grande problema de saúde para as tropas alemãs, que incentivaram a produção em larga
escala da vacina que estava sendo desenvolvida por Fleck (LÖWY, 2012, p.13). Em
fevereiro de 1943, Fleck é deportado para o campo de concentração de Auschwitz, onde
sobrevive a uma pleurisia grave, serve como enfermeiro no bloco sanitário e, em seguida,
no bloco de higiene. Em 1944, Fleck é mandado para o laboratório construído pela
Schutzstaffel no campo de concentração de Buchenwald para elaboração da vacina contra
o tifo a mando da Administração Econômica da SS em Berlim (SCHAFER; SCHNELLE,
2010, p. 6). Essa atividade garantiu a sua sobrevivência e a de sua família (LÖWY, 2012,
p. 13).
Fleck foi libertado do campo de concentração de Buchenwald no dia 11 de abril
de 1945. Após passar vários meses no hospital, ele retorna para a Polônia. Em outubro de
15

1945 ele se muda para Lublin e torna-se diretor do Departamento de Microbiologia


Médica da Faculdade de Medicina na primeira universidade pólo do pós-guerra, a
Universidade Marie Curie-Sklodowska (SCHAFER; SCHNELLE, 2010, p. 6). Após a
guerra, Fleck assumiu diversos cargos, como é possível observar na Tabela I, situada no
fim desta seção.
O principal interesse de Fleck na área médica era “comportamento de leucócitos
em situações de infecção e estresse” (SCHAFER; SCHNELLE, 2010, p. 7). Trabalhou
esse tema durante a guerra, mesmo diante das limitações. No pós-guerra, com a ajuda de
um grupo maior de pesquisadores assistentes, ele formula melhor esse fenômeno, o
denominando de “leucergia” (Leukergie):
um mecanismo de defesa que se manifesta praticamente em todos os estados
de inflamação, bem como em infecções, na gravidez, em grave perda
sanguínea e numa série de outras situações de estresse. Nesses casos, os
glóbulos brancos (leucócitos) se aglutinam em grupos citologicamente
homogêneos e adesivos. O denominado ‘teste de Fleck’ era um procedimento
rápido e universal de comprovação de uma inflamação ou infecção
(SCHAFER; SCHNELLE, 2010, p. 7).

Vale ressaltar que, mais uma vez, devido ao contexto da época, a medicina
polonesa não era bem recebida pela comunidade médica ocidental, tendo a medicina
americana maior influência no período pós-guerra. Importante notar que a prática médica
exercida pelo grupo influente obtinha seus resultados a partir de instrumentos mecânicos
e analíticos e Fleck, por sua vez, era contra tais métodos por serem de cunho reducionista.
Ele propunha uma descrição integral e sintética (SCHAFER; SCHNELLE, 2010, p.8).
Nos anos entre 1946 e 1957 Fleck realizou muitas pesquisas e diversas
publicações, contando com uma equipe de 20 colaboradores científicos e sete técnicos,
tanto em Varsóvia como em Lublin. Foram: 50 orientações de teses de doutorado e uma
série de teses de livre-docência; 87 títulos científicos em medicina publicados em revistas
polonesas, francesas, americanas e suíças; participação em congressos e conferências na
Dinamarca, França, União Soviética, EUA e no Brasil, além de outros países. Fleck
recebeu o prêmio do Estado de Segundo Grau para Trabalhos Científicos e o prêmio da
Cruz dos Oficiais da Ordem do Renascimento da Polônia (SCHAFER; SCHNELLE,
2010, p. 9).
Esse período foi um marco de produção de Fleck na área médica. Em 1957,
infelizmente, ele começa a lidar com outros percalços. O seu estado de saúde começa a
piorar. Após sofrer um infarto, recebe em 1956 o diagnóstico de linfossarcoma, câncer
que ocorre nos linfonodos. Neste mesmo ano, ele se muda para Israel com sua esposa,
16

para viverem próximo ao filho, que vivia na Palestina desde o final da guerra. Em Israel,
Fleck ainda dá continuidade aos seus trabalhos, assumindo um cargo criado para ele
dentro do Israel Institute for Biological Research (Instituto Israelense para Pesquisa
Biológica). Suas pesquisas e publicações continuaram tratando sobre leucergia. Em 1959,
é nomeado professor visitante de Microbiologia na Faculdade de Medicina da Hebrew
University, em Jerusalém. Fleck, entretanto, sofreu uma piora no seu quadro de saúde, e
as dificuldades na língua hebraica fizeram com que sua atuação fosse limitada. Em 5 de
junho de 1961, aos 64 anos, Ludwik Fleck morreu em decorrência do seu segundo infarto,
na cidade de Ness-Ziona (SCHAFER; SCHNELLE, 2010, p.9).

Tabela 1 - Atuação e produções de Ludwik Fleck de 1914 a 1959.


Ano Atuação e/ou produções Observações
1914 Conclusão do ginásio polonês.
Houve uma interrupção devido ao
Matriculou-se no curso de medicina na Universidade
serviço militar na Primeira Guerra
1914 Jan Kazimierz, onde concluiu o doutorado em clínica
Mundial. Ele serviu ao Governo Austro-
geral.
Húngaro.
“Descobriu e elaborou com Rudolf
Weigl (orientador) um procedimento de
reação cutânea para diagnóstico do tifo
Assistente na cátedra de biologia da faculdade de
Até 1923 e investigou o diagnóstico para sífilis,
Medicina da Universidade de Lwów.
tuberculose (do lúpus eritematoso) e
pênfigo” (SCHAFER; SCHNELLE;
FLECK, 2010. p.4).
Carreira universitária interrompida devido a fatores políticos e econômicos
Laboratório bacteriológico do Departamento de
Até 1925
Medicina Interna do Hospital Geral, em Lwów.
Neste mesmo ano “teve a oportunidade
de passar um período de estudos no
Laboratório bacteriológico do Departamento de
Instituto Governamental de Soroterapia
Até 1927 Doenças Dermatológicas e Venéreas do Hospital Geral,
com o Prof. R. Kraus, em Viena”
em Lwów.
(SCHAFER; SCHNELLE; FLECK,
2010, p.4).
A partir de Assumiu a direção do Laboratório bacteriológico de
1928 Seguro Saúde da região.
17

A partir de Trabalhou exclusivamente no Laboratório


1935 bacteriológico particular fundado por ele em 1923.
Alemanha nazista ataca União Soviética e ocupa Lwów em 1941: Fleck é obrigado a deixar os cargos e é
deportado para gueto judeu.
Foi preso e deportado para a fábrica farmacêutica
12/1942
“Laakoon” para produzir a vacina contra o tifo.
Deportado para o campo de concentração de Auschwitz,
02/1943 e serve como enfermeiro no bloco sanitário e em seguida Sobrevive a uma pleurisia grave.
no bloco de higiene.
Mandado para o laboratório construído pela Enviado a mando da Administração
1944 Schutzstaffel no campo de concentração de Buchenwald Econômica da SS em Berlim.
para elaboração da vacina contra o tifo.
Fleck foi libertado do campo de concentração de Buchenwald no dia 11 de abril de 1945
Muda-se para Lublin e torna-se diretor do Departamento
de Microbiologia Médica da Faculdade de Medicina na Após passar vários meses no hospital,
1945
primeira universidade polonesa do pós-guerra, a ele retorna para a Polônia.
Universidade Marie Curie-Sklodowska.
Tornou-se professor extraordinário na faculdade que
1947 havia se tornado independente dentro da “Academia de
Medicina”.
Tornou-se professor ordinário da “Academia de
1950
Medicina”.
Assume o Departamento de Microbiologia e Imunologia
1952
do Instituto “Mãe e Filho” em Varsóvia.
1954 Tornou-se membro da Academia Polonesa de Ciências.
Tornou-se presidente da Academia Polonesa de
1955 Ciências e fundou e estruturou o VI Departamento
Médico da Academia.
Muda-se para viver em Israel após problemas de saúde
Assume um cargo criado para ele dentro do Israel
Institute for Biological Research (Instituto Israelense
1956
para Pesquisa Biológica). Suas pesquisas e publicações
continuam tratando sobre leucergia.
Nomeado professor visitante de Microbiologia na
1959 Faculdade de Medicina da Hebrew University, em
Jerusalém.
Fonte: Criação da autora com base em Fleck (2010).
18

1.2 FLECK NUNCA FOI EXCLUSIVAMENTE MÉDICO

Para além dos trabalhos desenvolvidos na área da microbiologia, Fleck dedicou-


se também, nas suas horas vagas, à leitura de textos de filosofia, sociologia e história da
ciência (COHEN; SCHNELLE, 1986, p. 5). Mesmo diante dos abusos realizados pelo
regime nazista, Fleck seguiu realizando pesquisas na área médica e, para, além disso,
refletindo sobre suas práticas. Johannes Fehr realiza um questionamento interessante: “O
que pode significar e o que significou ter que viver e trabalhar em tais condições?”
(FEHR, 2012, p. 37).
Johannes Fehr cita a apresentação realizada por Fleck em sua primeira aula, pós-
guerra, na Universidade de Medicina, na cidade Polonesa de Lublin, em janeiro de 1946,
na qual disse: “Eu sou Ludwik Fleck, um judeu, um microbiologista” (FEHR, 2012, p.
35). Para Fehr, dizer ser judeu simbolizava a sua sobrevivência ao Holocausto. E ser
microbiologista, amplamente reconhecido, simbolizava o motivo da sua sobrevivência
(FEHR, 2012, p. 38). Seguindo esse pensamento, Fehr questiona:
O que tudo isso tem a ver com o teórico da ciência? [...] por que um
microbiologista seguindo uma carreira profissional um tanto sóbria, sob as
circunstâncias de uma vida passando de ruim a pior, inicia e persiste em
trabalhar – e escrever – no campo da filosofia da ciência? [...] Há conexões
entre seu pensamento teórico e as condições sob as quais viveu e trabalhou?
(FEHR, 2012, p. 38).

As reflexões trazidas por Fleck em suas obras sobre a ciência são altamente
inovadoras, o que nos faz questionar, assim como Fehr, o contexto, as influências e as
motivações para a construção das suas ideias. Para Ilana Löwy, os fatores que podem
explicar as particularidades nas obras de Fleck estão na
sua marginalização no âmbito da profissão, tanto institucional quanto teórica
e, [...] na existência de uma tradição de reflexão na Polônia sobre a medicina
enraizada na observação das atividades dos médicos” (LÖWY, 2012, p. 14).

Fleck sai da bancada e realiza reflexões sobre suas atividades diárias. A


marginalização de Fleck está no desenvolvimento de ideias opositoras às dominantes em
sua disciplina. Ele desenvolve ideias “não ortodoxas sobre questões fundamentais da
ciência, tais como a estabilidade das espécies bacterianas e a especificidade química dos
anticorpos” (FREUNDENTAL; LÖWY, 1988: 625-652 apud CONDÉ, 2012, p. 14).
Fleck vai além, inclusive, das ideias desenvolvidas por seu professor, Rudolf Weigel. Ao
desenvolver a teoria da “ciclogenia”, na qual alguns organismos patogênicos possuem
ciclo de vida complexo nos organismos, Weigel afirmava que tais ciclos não podiam ser
19

observados em “condições padronizadas de cultura de bactéria em laboratório” e, para


Fleck, “todas as observações feitas no laboratório só podem ser artefatos” (LÖWY, 2012,
p. 15). Além de ter sido opositor da “visão dominante da imunidade como reação entre as
estruturas químicas fixas das bactérias (antígenos) e das moléculas bem definidas no soro
(anticorpos)”, Fleck possuía uma visão holística, não enxergando os anticorpos como
entidades fixas, mas propriedades físico-químicas do soro (LÖWY, 2012, p. 15).
Não é fácil averiguar uma influência sistematizada do pensamento de Fleck. A
tradição de reflexão na Polônia sobre a observação das atividades dos médicos vinha da
existência de uma série de círculos de discussões, os quais tornavam Lwów um ambiente
interdisciplinar. Fleck participava dos encontros, junto com outros jovens cientistas de
diversas áreas, além de manter contatos ativos com a escola filosófica de Lwów
(SCHAFER; SCHNELLE, 2010, p. 10).
Algumas das ideias apresentadas por Fleck em suas publicações epistemológicas
são similares às discussões realizadas pelos filósofos poloneses da medicina da geração
anterior, por mais que Fleck não referencie os trabalhos desses pensadores (LÖWY, 2012,
p. 16). Ilana Löwy discute a importância da Escola Polonesa de Filosofia da Medicina no
desenvolvimento das ideias de Fleck (LÖWY, 1994). O fundador da Escola Polonesa foi
Tytus Chalubinski (1820-1889). Dentre suas ideias, está a de que “as doenças não são
entidades naturais, mas construídas pelos médicos”, algo que Fleck também desenvolverá
mais à frente (LÖWY, 1994). Outros membros importantes da Escola Polonesa de
Filosofia da Medicina das gerações seguintes foram: Edmund Biernacki (1866-1911),
Wladyslaw Bieganski (1857-1911) e Zygmunt Kramsztyk (1948-1920) (LÖWY, 2012,
p. 17).
Zygmunt Kramsztyk ocupa um lugar importante na história dos pensadores da
Escola Polonesa. Ele foi fundador da revista Crítica Médica (LÖWY, 2012, p. 17).
Algumas ideias desenvolvidas por Kramsztyk possuem uma grande proximidade com as
desenvolvidas mais tarde por Fleck, entre elas:
a) A impossibilidade de uma ‘observação neutra’ livre de pressupostos
teóricos. [...]
b) Os perigos das explicações causais simplistas quando se estudam
fenômenos que apresentam fatores desconhecidos [...]
c) O papel heurístico das explicações ‘lógicas’ na medicina que, de fato,
justificam e ‘enobrecem’ práticas baseadas na experiência dos médicos
[...] (KRAMSZTYK, 1899 apud LÖWY, 1994).

De modo geral, Fleck compartilhava das premissas teóricas da Escola Polonesa


que envolvia a ideia das doenças como construção dos médicos, “a percepção dos fatos à
20

luz dos conhecimentos e conceitos preexistentes”, a prática de uma “reflexão teórica sobre
a ciência no estudo das práticas dos médicos e dos pesquisadores” e a “recusa de uma
epistemologia do imaginário que reflita sobre uma ciência ideal” (FLECK, 1979 apud
LÖWY, 1994). Além da Escola Polonesa, são localizadas bases teóricas de autores como
Durkheim, Jerusalem, Levy-Bruhl e a teoria da Gestalt (LÖWY, 1994).
A primeira publicação de Fleck na área da teoria das ciências é o artigo intitulado
“Algumas características específicas do pensamento médico”, publicado em 1927. Trata-
se de um texto escrito para uma palestra dada no ano anterior no “Círculo de amantes da
história da medicina” na cidade de Lvov, que correspondia a um órgão local da
Associação polonesa de história e filosofia da medicina (FLECK, 1927, p. 55-64 apud
LÖWY, 2012, p. 15). Esse artigo foi publicado no boletim dos Arquivos de história e
filosofia da medicina (revista que continuou a tradição da Crítica Médica) que possuía a
tradição de pensar sobre a história da profissão médica e reivindicava a construção da
Escola polonesa de filosofia da medicina (WRZOSEK, 1924, p. 1-13 apud LÖWY, 2012,
p. 16).
Neste seu primeiro trabalho, “Fleck explica que as “doenças” são entidades
fictícias que não existem na classificação construída pelos médicos”, o que pode ser
desenvolvido são pontos de vistas parciais e incomensuráveis (LÖWY, 2012, p. 19).
Além disso, Fleck enxerga duas características da medicina que são diferentes das outras
disciplinas das ciências da natureza. A primeira diz respeito ao interesse do conhecimento
na medicina, que não está voltado para fenômenos regulares, “normais”, “mas antes para
irregularidades, a saber, os estados patológicos dos organismos” (SCHAFER;
SCHNELLE, 2010, p. 11).
A segunda particularidade da medicina apontada por Fleck é que nela não há,
como em outras disciplinas, a possibilidade de “conceber satisfatoriamente as relações
entre as observações dos estados de doença como evoluções unidirecionais” (SCHAFER;
SCHNELLE, 2010, p. 12). Não há possibilidade de uma análise uniforme da medicina, o
que possui é a criação de metodologias e pensamentos condutores como pontos de vista
dominantes, porém, tais concepções são meramente específicas e temporárias, que se
encontram numa transição dinâmica para novas orientações (SCHAFER; SCHNELLE,
2010, p. 13). Além disso, por mais que a medicina não seja tão analisada nos estudos
sobre teoria da ciência quando comparada com outras áreas das ciências da natureza, ela
contém a particularidade de apresentar “a união de aspectos teórico-experimentais e
21

terapêutico-práticos, própria da medicina, possuindo um caráter cooperativo,


interdisciplinar e coletivo da pesquisa” (SCHAFER; SCHNELLE, 2010, p. 11).
No seu segundo trabalho no âmbito da teoria das ciências, intitulado “Sobre a crise
da realidade” e publicado em 1929 no periódico alemão Die Naturwissenschaften, Fleck
amplia sua análise e afirma que, assim como as doenças, é impossível compreender as
bactérias diante de um único ponto de vista uniforme. As mesmas bactérias estudadas por
especialistas diferentes são vistas através de métodos de medição distintos (LÖWY, 2012,
p. 19). Com isso, todo conhecimento científico depende do contexto de sua produção.
Os estudos epistemológicos devem sempre levar em consideração o contexto
social, cultural e histórico do desenvolvimento dos conhecimentos (FLECK,
1929 apud LÖWY, 2012, p. 19).

Neste segundo artigo, aparece pela primeira vez o conceito “pensamento


conforme um estilo” e “estilo de pensamento”, Fleck analisa a “relação entre objeto,
atividade de conhecimento e âmbito social das ciências naturais”, há um aprofundamento
sociológico da sua análise científica (SCHAFER; SCHNELLE, 2010, p. 13). Fleck coloca
que há três tipos de fatores sociais que influem em qualquer atividade de conhecimento o
“peso da educação”, o “peso da tradição” e o “efeito da sequência do processo de
conhecimento” (SCHAFER; SCHNELLE, 2010, p. 13). Enquanto atividade social, o
processo do conhecimento se encontra vinculado a pressuposições sociais dos indivíduos
envolvidos.
Em 1935, Fleck publica seu livro Gênese e desenvolvimento de um fato científico,
fruto da sua monografia. Fleck escolheu um dos fatos científicos mais aceitos da medicina
para a realização das suas considerações, o fato da chamada reação de Wassermann ser
relacionada com a sífilis (FLECK, 2010, p. 38). Segundo Fleck, esse seria um fato “que
apresenta uma configuração muito rica tanto no plano da história quanto no do conteúdo
e que ainda não passou por nenhum desgaste na teoria do conhecimento” (FLECK, 2010,
p. 37, grifos do autor). Ao contrário de fatos antigos do cotidiano e os clássicos da física,
este escolhido estaria mais apto a uma investigação imparcial. Fleck questiona: “ora,
como surgiu e em que consiste esse fato empírico?” (FLECK, 2010, p. 38, grifos do
autor).
Para desenvolver suas análises, Fleck investiga a história da sífilis, rastreando suas
fontes históricas. Tanto as descrições da doença como a sintomatologia passaram por
muitas mudanças. O período do século XV na Europa, com sua situação política, as
guerras, fome e as catástrofes elementares, tornavam as condições propícias para a
22

proliferação de doenças. Essa situação chamou a atenção dos pesquisadores para o


desenvolvimento da ideia de sífilis (FLECK, 2010, p. 40).
O conceito de sífilis que interessa na análise de Fleck, o qual está relacionado à
reação de Wassermann, se encontra associado com os conceitos desenvolvidos do século
XVIII à primeira metade do século XIX, são eles: o conceito de epidemia venérea, o
empírico-terapêutico e os conceitos patológicos experimentais (FLECK, 2010, p. 48). No
percurso da evolução posterior a essas ideias, estão os conceitos ligados à entidade
nosológica patogenética e da entidade especificamente etiológica, que ficaram reservadas
à segunda metade do século XIX e ao século XX. As ideias patogenéticas referem-se às
opiniões sobre o mecanismo das relações patológicas e estão ligadas à ideia de sangue
corrompido dos sifilíticos (FLECK, 2010, p. 51).
Havia inúmeras tentativas de se provar o sangue sifilítico através de exames de
sangue, “até se chegar ao sucesso da chamada reação de Wassermann” (FLECK, 2010,
p. 55). A reação de Wassermann se torna a expressão científica moderna de uma pré-ideia
existente há séculos que contribuiu para a construção do conceito de sífilis (FLECK,
2010, p. 65). Após a inserção da reação de Wassermann, novas delimitações sobre a sífilis
foram realizadas, definindo melhor seus estágios e a separando de outras doenças, além
do desenvolvimento da disciplina de sorologia enquanto ciência autônoma (FLECK,
2010, p. 55). Aliado às contribuições da reação de Wassermann para diagnóstico, a ideia
etiológica das pesquisas sobre a sífilis começa a mostrar resultados. Com a descoberta,
posteriormente, da Spirochaeta pallida (bactéria que pode causar a sífilis), foi possível
completar a delimitação dos estágios da sífilis.
A partir do estudo sobre o desenvolvimento dos conceitos de sífilis, Fleck destaca
que “o conceito da sífilis enquanto doença específica não é concluída, e nem o pode ser”,
pois o conceito atual de sífilis se entrelaça com todas as descobertas e inovações de
diferentes áreas (FLECK, 2010, p. 60). Esse conceito é resultado do enriquecimento de
detalhes a partir dos diferentes estudos, mas também é resultado de uma seleção em que
muitos elementos foram perdidos. Porém, a partir das transformações do conceito de
sífilis surgiram novos problemas e novos domínios do saber (FLECK, 2010, p. 60).
Fleck, ao longo do livro, desenvolve de modo entrelaçado conceitos que explicam
a construção do fato científico. Por vezes seus conceitos são introduzidos e retornam mais
à frente de modo mais detalhado. A partir do estudo da relação da reação de Wassermann
com a sífilis, Fleck nos mostra a importância da experiência coletiva e do estilo de
23

pensamento (conceito que será trabalhado mais à frente) para a construção dos fatos.
Além da influência do caráter histórico e a importância da experiência e das adaptações
sofridas durante o processo do conhecimento, que leva em consideração um “saber
prévio, de muitos experimentos bem e malsucedidos, de muita prática e educação e, o que
é mais importante em termos epistemológicos, de muitas adaptações e transformações
conceituais” (FLECK, 2010, p. 148, grifos do autor).
Contemporâneo ao livro, Fleck escreveu o artigo “Observação científica e
percepção em geral” (1935), no qual o conceito de estilo de pensamento é central
(MARTINS, 2020a). A observação direcionada e sua relação com o treinamento anterior
a ela são abordadas por Fleck, discutindo que o pesquisador não possui consciência de
suas escolhas, sendo estas impostas obrigatoriamente pelo estilo de pensamento
(MARTINS, 2020a).
Em 1936, Fleck publica o artigo intitulado “O problema da epistemologia”.
Segundo Martins (2020a), Fleck defende que a epistemologia seja entendida como a
ciência dos estilos de pensamentos. Fleck aprofunda a discussão sobre alguns dos
conceitos trabalhados no livro, como protoideas, estilo de pensamento, coletivo de
pensamento, tráfego de ideias e outros (MARTINS, 2020a).
Após a guerra, em 1946, Fleck escreve o artigo intitulado “Problema da ciência
da ciência” e reforça a ideia de epistemologia como uma ciência dos estilos de
pensamento, além de defender que “a ‘ciência das ciências’ esteja baseada na observação
e experimentação, e em investigações históricas e sociológicas” (MARTINS, 2020a,
1202). A ciência não pode ser percebida apenas como um conjunto de enunciados ou
como um sistema de pensamentos. Trata-se de um fenômeno cultural complexo,
estruturalmente organizado, com especificidades na linguagem, organização hierárquica,
modos de cooperação e tomadas de decisões (FLECK, 1946, p. 332-336 apud LÖWY,
2012, p. 23).
No artigo “Olhar, ver, conhecer”, de 1947, Martins (2020a) sinaliza que um dos
temas trabalhados por Fleck são as “raízes do processo de percepção da forma”, tratando
sobre a não neutralidade da observação, uma vez que, para ver, é preciso antes conhecer.
Em 1960, Fleck escreve seu último artigo, intitulado “Crise na ciência”. Segundo Martins
(2020a), umas das análises realizadas por Fleck neste trabalho é uma revisão de sua
percepção acerca do caráter democrático da ciência, defendendo que o estudo comparado
sobre os estilos de pensamento possibilitaria a compreensão da causa dos diferentes
24

modos de pensar. Sobre os artigos pós-guerra, Martins (2020a) traz que podemos
encontrar maiores elementos dos aspectos políticos de Fleck:
É sintomático que seja nos artigos do pós-guerra que encontremos a maior
quantidade de referências de Fleck a esse aspecto político, com críticas ao
fanatismo e à propaganda. Assim como é sintomático que haja, também aí,
certa preocupação com os rumos que a ciência de então vinha tomando. A
experiência da guerra lhe fora muito traumática, e as implicações de sua
sociologia do conhecimento no campo político não foram por ele
menosprezadas (MARTINS, 2020a, p. 1214).

Com relação à recepção das suas obras, Fleck começa a receber reconhecimento
pelas suas contribuições na área da epistemologia a partir da década de 1960. Fleck não
estava alinhado à ideia predominante de sua época acerca da epistemologia da ciência,
ele se posiciona contra as concepções neopositivistas do círculo de Viena, propositor da
epistemologia na sua época “que não se preocupava em pensar aspectos históricos e
sociais da ciência” (CONDÉ, 2010, p. viii). Alguns fatores que podem ter influenciado o
seu não reconhecimento em seu tempo, seriam: as dificuldades trazidas pela guerra;
originalidade das ideias: período que não levava em consideração aspectos da história e
sociologia na ciência; não abandonou a carreira de médico para se voltar especificamente
para a história e filosofia da ciência como Popper, Kuhn, Feyerabend etc.; e seu livro não
recebeu “apadrinhamento” (CONDÉ, 2010, p. viii). Sua principal obra, Gênese e
desenvolvimento de um fato científico, publicada em 1935, teve apenas 600 exemplares
em sua primeira edição (DELIZOICOV et al, 2002).
O ressurgimento de sua obra é muito ligado ao nome de Thomas Kuhn, que cita
brevemente a monografia de Fleck em A estrutura das revoluções científicas, em 1962,
inclusive, afirmando que Fleck antecipava muitas de suas próprias ideias (KUHN, 1970,
p. ix apud CONDÉ, 2010, p. ix). Além de Kuhn, Baldamuns, em 1966, também referência
Fleck (COHEN; SCHNELLE, 1986 apud DELIZOICOV et al., 2002). Na década de 70,
Thomas Schnelle aprofunda seus estudos sobre Fleck, culminando em sua tese de
doutorado (MARTINS, 2020a). Porém, é em 1979, quando o sociólogo Robert Merton
organiza a edição do livro Gênese e desenvolvimento de um fato científico para o inglês,
que há um estímulo maior para propagação de suas ideias (LÖWY, 1994). Nesta mesma
época, o livro é reeditado em alemão e os pesquisadores Barnes, Bloor, Edge e Shapin
(associados à escola de Edimburgo) reconhecem Fleck como pioneiro da sociologia das
ciências (LÖWY, 1994).
Com o avanço nas traduções, em 1979 foi realizado o congresso internacional que
resultou na publicação do livro Cognition and Fact, organizado por Robert Cohen e
25

Thomas Schnelle (1986). Essa obra contém os artigos de Fleck acerca da epistemologia,
além de trabalhos de comentadores (MARTINS, 2020a). Nos anos seguintes ao congresso
internacional, de 1981 a 1984, outros simpósios e colóquios também foram realizados
acerca da concepção de Fleck (DELIZOICOV, 2002). Atualmente, existem especialistas
em Fleck, na Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Holanda, Israel, EUA, e outros,
abordando suas ideias a partir de diferentes análises sobre a construção do conhecimento,
além de desenvolverem pesquisas a partir de suas bases epistemológicas (DELIZOICOV,
2002).
Com relação ao uso da epistemologia fleckiana para desenvolvimento de
pesquisas acadêmicas no Brasil, os trabalhos realizados por Lorenzetti et al. (2013) e,
posteriormente, Lorenzetti et al. (2018) trazem a análise da “Presença e recepção da
epistemologia de Fleck (1986; 2010) na pesquisa em Educação em Ciências realizada no
Brasil” (LORENZETTI et al., 2018). Os autores coletaram e analisaram teses e
dissertações do período de 1995 a 20151 que fizeram uso da epistemologia fleckiana em
suas análises e interpretações (LORENZETTI et al., 2018). Houve uma ascendência ao
longo dos anos na utilização dos estudos fleckianos, com um volume maior nos últimos
cinco anos. Os autores dividiram os trabalhos encontrados por área do conhecimento,
sendo a área de Ciências Humanas, a área multidisciplinar, e a área das Ciências da Saúde
as que tinham mais trabalhos realizados (LORENZETTI et al., 2018).
Importante mencionar que, até 2013, o predomínio das pesquisas com Fleck era
na área da saúde, e até 2018 houve um aumento das pesquisas na área das Ciências
Humanas e Multidisciplinar, com predominância na área da Educação em Ciências, com
uma importante observação de que essas pesquisas envolviam a temática da área da saúde,
mas que foram desenvolvidos em outros programas de pós-graduação (LORENZETTI et
al., 2018).
As contribuições da epistemologia fleckiana para a área do conhecimento de
Educação em Ciências citadas nos trabalhos analisados por Lorenzetti et al. (2018)
envolvem: o uso dos conceitos de estilo de pensamento para análise das concepções
educacionais e de práticas pedagógicas por parte dos professores; resgate e análise
histórico-epistemológica do processo de produção de determinado conhecimento o que

1
Os trabalhos foram coletados nas plataformas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) e da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações. As expressões utilizadas na
busca foram: “Ludwik Fleck”, “Fleck” e “estilo de pensamento” (LORENZETTI et al., 2018).
26

pode possibilitar uma compreensão mais adequada sobre natureza da ciência; estudos
histórico-epistemológicos para análise da produção acadêmica nas respectivas áreas de
conhecimento buscando identificar estilos e coletivos de pensamento e, discussão de
projetos curriculares e práticas formativas que contribuem para a formação profissional
realizando críticas ao currículo (LORENZETTI et al., 2018).
Outro trabalho que traz um panorama de publicações (no caso, artigos) que
fizeram uso da epistemologia de Fleck é o de Souza e Martins (2021). O foco da pesquisa
foram trabalhos na área de ensino de ciências e, para além da contabilização de trabalhos
na área, foi realizada a análise de “como os conceitos propostos por Fleck estão sendo
abordados, identificando variações e tendências na terminologia adotada e na
compreensão dos conceitos nos diversos trabalhos”2 (SOUZA; MARTINS, 2021, p. 88).
Foram encontrados 32 artigos que utilizaram a epistemologia de Fleck como
referencial teórico, sendo o maior número deles publicados a partir de 2011 (23 artigos).
Com relação aos conceitos utilizados nos trabalhos publicados, estilo de pensamento e
coletivo de pensamento foram os mais descritos, concordando com os resultados dos
trabalhos do Lorenzetti et al. citados anteriormente (2013, 2018).
Com relação às terminologias adotadas, foi identificada uma variação para os
conceitos de circulação de ideias, que em alguns trabalhos aparece como ‘tráfego’ e
outros como ‘circulação’; os conceitos de ‘acoplamento ativo e passivo’, que em alguns
trabalhos surgem como ‘acoplamento’ e em outros como ‘conexões’. É discutido que
essas diferenças estão relacionadas com as traduções do livro de Fleck. Os termos
‘tráfego’ e ‘acoplamento’ aparem na versão brasileira do livro (publicada em 2010),
enquanto que, na versão em espanhol (publicado em 1986), há a presença dos termos
‘conexões’ e ‘circulação’. Sobre as descrições dos conceitos, os termos ‘circulação
intercoletiva e intracoletiva’ foram os que apresentaram maiores divergências,
conceituando a comunicação dos coletivos de pensamento de modos diferentes. Os
termos menos descritos foram ‘conexões ativas e passivas’ (SOUZA; MARTINS, 2021).
Esse trabalho se torna importante para nossa pesquisa, pois, notamos a
importância de descrever e referenciar os conceitos fleckianos e identificar possíveis

2
Foi realizado o levantamento dos artigos publicados nos periódicos nacionais da área de Ensino
conceituados como Qualis A1, A2 e B1 pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) no quadriênio de 2013-2016.
27

desvios de significados de nossa leitura, e com isso melhorar nossa compreensão e


utilização nas análises.

1.3 A EPISTEMOLOGIA FLECKIANA

Os conceitos que serão apresentados nesta seção foram os desenvolvidos por


Fleck em seu livro Gênese e desenvolvimento de um fato científico que servirá como base
para análise do objeto de estudo deste trabalho. A edição utilizada é a brasileira, publicada
em 2010, com prefácio escrito por Mauro Lúcio Condé. A introdução, traduzida para o
português, é escrita por Lothar Schafer e Thomas Schnelle e prefácio escrito por Fleck.
O livro está dividido em quatro capítulos: como surgiu o conceito atual de sífilis;
consequências para a teoria do conhecimento da história apresentada de um conceito;
sobre a reação de Wassermann e sua descoberta; e aspectos epistemológicos da história
da reação de Wassermann. Iremos nos concentrar nos conceitos epistemológicos.

1.3.1. Por uma teoria comparada do conhecimento e conceitos fleckianos:


Protoideias, coletivo de pensamento, estilo de pensamento, harmonia das ilusões,
construção dos fatos, acoplamentos ativos e acoplamentos passivos.

“Em todos os tempos, o saber era, na opinião de todos os envolvidos,


sistematizável, comprovado e evidente” (FLECK, 2010, p. 63). Sobre esse modo de
enxergar o saber, Fleck questiona: “Não seria hora de tomar uma postura menos
egocêntrica e mais universal e de falar de uma teoria comparada do conhecimento?”
(FLECK, 2010, p. 64).
Fleck aponta para a importância e necessidade de estudos históricos ou
comparados para a teoria do conhecimento (FLECK, 2010, p. 62). A história do
pensamento, a psicologia e a sociologia do pensamento estão relacionadas com o
conteúdo das ciências, condicionando-os e os explicando (FLECK, 2010, p. 62). Os
conceitos estão, portanto, atrelados ao percurso histórico de sua construção, com isso,
Fleck alcança a compreensão de que um pesquisador moderno, por mais que esteja
munido de todo aparato material e intelectual não alcança isoladamente o diagnóstico de
uma doença reunindo-a em uma entidade (FLECK, 2010, p. 63). Esse alcance só é
possível ser realizado por uma comunidade organizada de pesquisadores, além disso, a
28

comunidade se apoia no saber popular e o conhecimento é construído durante algumas


gerações (FLECK, 2010, p. 63). Fleck defende que
Um princípio de pensamento que permite a percepção de um número maior de
detalhes e de acoplamentos compulsórios merece ser priorizado, como mostra
a história das ciências exatas. Acredito que os princípios aqui utilizados tornam
uma série de relações negligenciadas visíveis e dignas de serem estudadas
(FLECK, 2010, p. 64).

Esse pensamento é associado ao conceito de protoideias, que devem ser


consideradas:
[...] como pré-disposições histórico-evolutivas (entwicklungsgeschichtliche
Anlagen) de teorias modernas e sua gênese deve ser fundamentada na
sociologia do pensamento (denksozial) (FLECK, 2010, p. 66).

Muitos fatos científicos considerados altamente confiáveis estão associados a


ideias pré-científicas que contribuíram para sua construção. Ao dar alguns exemplos,
Fleck cita, inclusive, a forma esférica da Terra e o sistema heliocêntrico que foram
desenvolvidos “historicamente de pré-idéias mais ou menos confusas, que existiam muito
antes de sua comprovação científica e que obtiveram, nas diversas épocas,
fundamentações diversas, até encontrar sua expressão moderna” (FLECK, 2010, p. 65).
Um ponto importante é que as protoideias que serviram para construção de conceitos
continuam vivas nas pessoas, elas resistem aos séculos e estão imbricadas nos conceitos
modernos. Importante destacar que “nem toda ideia antiga que apresenta semelhanças
com uma descoberta posterior possui com ela uma relação histórica” (FLECK, 2010, p.
66).
Quando as protoideias são analisadas à frente do seu tempo, elas podem ser vistas
como ideias erradas e que ao longo do tempo a ciência buscou eliminá-las, descartando
os “erros” e adotando as ideias “corretas”. Sobre essa forma de enxergar a ciência, Fleck
diz ser insustentável (FLECK, 2010, p. 67). As pré-ideias “correspondem a outro coletivo
e a outro estilo de pensamento” (FLECK, 2010, p. 67). Se analisadas fora do seu tempo e
contexto histórico podem parecer inadequadas, mas para seus criadores certamente estão
corretas (FLECK, 2010, p. 67). O julgamento de “certo ou errado” não é adequado para
tais proposições.
Ao tratar sobre o “condicionamento social de qualquer processo do
conhecimento”, Fleck nos alerta para não considerar o processo do conhecimento como
uma relação binária entre sujeito e objeto (FLECK, 2010, p. 81). Para entender e chegar
a um sistema de opinião fechado e conforme a um estilo construído historicamente, o
29

estado do saber deve entrar como um terceiro elemento nessa relação. Há uma interação
entre objeto e o processo do conhecimento, de modo que “algo já conhecido influencia a
maneira do conhecimento novo; o conhecimento amplia, renova e refresca o sentido do
conhecido” (FLECK, 2010, p. 81). Para que conceitos novos sejam incorporados é
necessário um vínculo entre a comunidade de pessoas que trocam ideias e que partilham
de um passado intelectual comum. Esse vínculo possibilita o sentido de valor de verdade
(FLECK, 2010, p. 83). O processo do conhecimento é resultado de uma atividade social.
Com isso, introduzimos o conceito de coletivo de pensamento. Fleck o define como a:
[...] comunidade das pessoas que trocam pensamentos ou se encontram numa
situação de influência recíproca de pensamentos, temos, em cada uma dessas
pessoas, um portador do desenvolvimento histórico de uma área de
pensamento, de um determinado estado do saber e da cultura, ou seja, de um
estilo de pensamento (FLECK, 2010, p. 82 - grifos do autor).

Além do coletivo, existem mais dois fatores que participam do processo do


conhecimento: o indivíduo e a realidade objetiva “(aquilo que é para ser conhecido)”,
podendo ser estabelecidas diversas relações entre esses três fatores (FLECK, 2010, p. 83).
A parte coletiva do pensamento é formada pela constatação dos resultados inevitáveis sob
determinadas condições dadas, as condições são os acoplamentos ativos (conceito que
será trabalhado à frente). A realidade objetiva é formada pela percepção dos resultados
inevitáveis, esses são os acoplamentos passivos (conceito que será trabalhado à frente)
(FLECK, 2010, p. 83). O indivíduo, por sua vez, realiza a constatação.
É importante destacar que o indivíduo, geralmente, não é consciente do estilo de
pensamento coletivo, isso porque é “exercida uma força coercitiva em seu pensamento e
contra o qual qualquer contradição é simplesmente impensável” (FLECK, 2010, p. 84).
A força do coletivo é maior que a do indivíduo, até porque os conceitos são construídos
coletivamente. Sobre essa construção coletiva, é comum que as informações, ao passarem
de indivíduo para indivíduo, possam sofrer modificações, pois, ao receber uma
informação, o receptor pode realizar outras associações. Ao se espalhar, essa informação
ganha outras características, se tornando produto da construção de um conjunto de
pessoas, e não pertencente somente a um indivíduo:
Não importa se os conhecimentos são verdadeiros ou errôneos do ponto de
vista individual, se parecem ser entendidos corretamente ou não – peregrinam
no interior da comunidade, são lapidados, modificados, reforçados ou
suavizados, influenciam outros conhecimentos, conceituações, opiniões e
hábitos de pensar (FLECK, 2010, p. 84).
30

É através do coletivo que são geradas a “propaganda, imitação, autoridade,


concorrência, solidariedade, inimizade e amizade” (FLECK, 2010, p. 86). É por essas
análises que Fleck afirma diversas vezes que a teoria do conhecimento deve levar em
consideração o condicionamento social. É importante perceber que o coletivo é composto
por indivíduos diferentes, o que não implica na diminuição de diversidade, pois cada
indivíduo possui sua maneira particular de refletir e de se comportar. A forma coletiva dá
aos indivíduos novas construções de pensamento, como Fleck afirma: “uma conversa
animada de duas pessoas leva a um estado em que cada uma delas manifesta idéias que
não seria capaz de produzir sozinha ou em outra companhia” (FLECK, 2010, p. 87).
Individualmente possuímos elementos incongruentes, crenças e superstições, mas
que, ao chegarmos ao coletivo, ocorre obediência às suas imposições. Fleck cita que
Newton e Kepler tanto contribuíram para a concepção moderna da natureza como também
seguiam ritos religiosos. Isso mostra que os indivíduos pertencem a vários coletivos.
Fleck não quer descartar a importância do indivíduo ao destacar o poder do coletivo. Seus
argumentos são para defender que o “estudo da comunidade de pensamento confere
estabilidade à teoria do conhecimento” (FLECK, 2010, p. 88).
Ao tratar sobre a participação do indivíduo e do coletivo nas descobertas, Fleck
realizada uma exposição interessante de quando ele estava refletindo sobre como iria
apresentar a reação de Wassermann para uma pessoa que não fosse especialista, e chega
à conclusão de que nenhuma descrição que ele utilizasse seria capaz de transmitir a “idéia
que se adquire depois de lidar, durante muitos anos, com a reação na prática” (FLECK,
2010, p. 97). Então, como descrever tal reação? Ou, como descrever alguma descoberta
para um não especialista? Como são inseridos novos indivíduos em um coletivo?
O campo do saber científico, ou qualquer outro, não pode ser descrito
completamente em palavras, pois as palavras em si não possuem significados fixos, tendo
significados próprios a depender do contexto e da área do pensamento. Seus significados
podem ser sentidos por meio do que Fleck chama de uma “introdução” histórica ou
didática. De maneira histórica ela não pode ser construída de forma lógica, como se o
resultado do desenvolvimento fosse à conclusão lógica das premissas do passado. É
importante entender que:
Quanto mais um campo do pensamento apresentado é elaborado e
diferenciado, tanto mais seus conceitos se tornam complicados, intricados e
reciprocamente definidos. Transformam-se num entrelaçado inextrincável,
num conjunto orgânico que surgiu do desenvolvimento comum e cujas partes
se condicionam de forma interativa (FLECK, 2010, p. 98) .
31

Com relação à maneira didática, um ponto importante é a necessidade de uma


autoridade que envolve um tempo predominante de ensino puramente dogmático:
Prepara-se um intelecto para uma área, acolhe-se o mesmo num mundo
fechado, dá-se a ele uma espécie de bênção de iniciação. Se essa iniciação
passou a ser tão difundida como, por exemplo, no caso da introdução nos
difundida como no caso da física, ela se torna tão natural que as pessoas se
esquecem de tê-la recebido, uma vez que não têm contato com nenhum não
iniciado (FLECK, 2010, p. 99).

Fleck realiza uma “benção de iniciação” sobre a reação de Wassermann, mas,


claro, não deixa de mostrar os entrelaçamentos complexos da história dessa descoberta.
De todo modo, uma introdução didática é literalmente uma “condução para dentro”, uma
suave coerção (FLECK, 2010, p. 155).
Chegamos ao ponto em que podemos trazer a definição de estilo de pensamento.
Ele é estreitamente relacionado com o conceito de coletivo de pensamento e a coerção
exercida pelo coletivo:
O estilo de pensamento, assim como qualquer estilo, consiste numa
determinada atmosfera (Stimmung) e sua realização. Uma atmosfera
(Stimmung) possui dois lados inseparáveis: ela é a disposição (Bereitschaft)
para um sentir seletivo e para um agir direcionado correspondente. Ela gera as
formas de expressão adequadas: religião, ciência, arte, costumes, guerra etc,
de acordo com a predominância de certos motivos coletivos e dos meios
coletivos investidos. Podemos, portanto, definir o estilo de pensamento como
percepção direcionada em conjunção com o processamento correspondente
no plano mental e objetivo (FLECK, 2010, p. 149, grifos do autor).

A atmosfera social é que “cria a predisposição para o ‘sucesso’ de uma descoberta


e não de outra”, é o estilo de pensamento que, de maneira coercitiva, define as
“disposições mentais, a disposição para uma e não outra maneira de perceber e agir”
(FLECK, 2010, p. 110). Épocas inteiras vivem sob a coerção de um determinado
pensamento. Os que pensam diferentes, não participando da mesma atmosfera, são, por
vezes, considerados pelo coletivo como “criminosos”, podem ser ridicularizados com
suas ideias arcaicas e menosprezados (FLECK, 2010, p. 150). O estilo de pensamento
sofre fortalecimento social e passa por transformações ao longo das gerações. Tais
alterações contêm traços de elementos da história evolutiva dos seus conceitos (FLECK,
2010, p. 150). Além disso, pode ocorrer que algumas comunidades mantenham o estilo
antigo inalterado, mesmo que possam ser consideradas como figuras caricatas e até como
impostoras por não serem consideradas pessoas com formação. A produção do
conhecimento está relacionada às necessidades da sociedade, o que fazem com que as
descobertas se tornem analisáveis adotando um ponto de vista social, considerando-as
32

como acontecimento social. Sobre uma mesma necessidade coexistem diversas formas
de entendê-la e estudá-la, mas a atmosfera social cria uma predisposição para o “sucesso”
de uma descoberta e não de outra.
À medida que algum conceito sofre modificações ao longo do tempo, e tais
modificações são resultantes da descendência de muitos elementos da história evolutiva,
“surge uma coesão histórica dos estilos de pensamento”:
Uma vez que tais linhas evolutivas das idéias se entrelaçam entre si,
encontrando-se permanentemente numa relação com todo o saber do coletivo
de pensamento, sua respectiva expressão concreta ganha a marca da
singularidade de um acontecimento histórico (FLECK, 2010, p. 150).

A solução encontrada para qualquer problema está em conformidade com o estilo


de pensamento, somente possível de forma singular, sendo reconhecida pelo coletivo
como a verdade (FLECK, 2010, p. 150, grifos do autor). A verdade é colocada por Fleck
como sendo um acontecimento no corte longitudinal no contexto do momento: coerção
do pensamento conforme um estilo, isso porque podem existir coletivos de pensamento
diferentes (FLECK, 2010, p. 151, grifos do autor).
Sobre a gênese do conhecimento, a execução das observações e experimentos, por
parte de um pesquisador ou pesquisadora, a fim de encontrarem as respostas para um
problema inicial, já contém uma disposição para um sentir e agir de acordo com um
estilo, isto é, um sentir e agir direcionados e restritos (FLECK, 2010, p. 133, grifos do
autor). O indivíduo, durante seu processo de inserção nas tradições, na educação e nos
hábitos do coletivo, tem seu pensar, sentir e agir direcionados para fazer as perguntas.
Para Fleck, até a “observação mais simples é condicionada pelo estilo de pensamento, ou
seja, vinculada a uma comunidade de pensamento” (FLECK, 2010, p. 149), fortalecendo
a ideia de que o pensamento é, por isso, uma atividade social por excelência, não sendo
localizado completamente dentro dos limites do indivíduo (FLECK, 2010, p. 149).
Ao pertencer a um coletivo de modo tão específico, a pessoa que executa os
experimentos o faz de modo que outra pessoa, não pertencente ao mesmo coletivo,
provavelmente não o executaria. À medida que os aspectos desconhecidos de uma
pesquisa em uma área nova são numerosos, mais confusos os experimentos são. Quando
uma área de pesquisa é elaborada, carregada de constatações quantitativas, os
experimentos se tornam mais claros, mas isso se deve por essa área possui uma
racionalização e esquematização do caminho a ser desenvolvido no trabalho, “os
resultados são transformados em intenções” (FLECK, 2010, p. 136). Essa relação entre
33

sujeito e objeto é um exemplo da harmonia das ilusões, que Fleck também nomeia de
“harmonia interior do estilo do pensamento” e que:
Gera a aplicabilidade dos resultados científicos e a crença numa realidade que
existe independente de nós (FLECK, 2010. p. 136).

Tais análises sobre o experimento são ainda mais fortes com relação à observação:
Qualquer proposição sobre as “primeiras observações” é uma pressuposição;
e, quanto não se quiser fazer nenhuma pressuposição, colocando apenas um
ponto de interrogação, até este não deixa de ser uma pressuposição do caráter
questionável e da inserção na classe dos problemas científicos, ou seja, também
ele é uma pressuposição conforme determinado estilo de pensamento (FLECK,
2010, p. 139).

Como dito por Fleck: deixemos, pois, a questão da observação sem pressuposições
de lado (FLECK, 2010, p. 141) e explanemos sobre o que ele julga digno de investigação,
sua divisão sobre a observação. Ele divide a observação em dois tipos:
(1) como um olhar inicial pouco claro e (2) como uma percepção da forma
(Gestaltsehen) desenvolvida e imediata (FLECK, 2010, p. 142 – grifos do
autor).

As análises realizadas por Fleck sobre experiência e observação até aqui


explanada se encontram agora com o conceito de estilo de pensamento:
A percepção da forma (Gestaltsehen) imediata exige experiência
(Erfahrensein) numa determinada área do pensamento: somente após muitas
vivências, talvez após uma formação prévia, adquire-se a capacidade de
perceber, de maneira imediata, um sentido, uma forma e uma unidade fechada.
Evidentemente, perde-se, ao mesmo tempo, a capacidade de ver aquilo que
contradiz a forma (Gestalt). Mas essa disposição à percepção direcionada é a
parte mais importante do estilo de pensamento. Sendo assim, a percepção da
forma é uma questão que pertence marcadamente ao estilo de pensamento
(FLECK, 2010, p. 142).

A observação enquanto o olhar inicial pouco claro “é sem estilo” (FLECK, 2010,
p. 142). Faltam os elementos fixos, “as coisas podem ser vistas de uma maneira ou outra”
de forma arbitrária, não há coerção e nem resistência (FLECK, 2010, p. 142). Os
diferentes estilos se misturam e “disposições (Stimmungen) contraditórias impulsionam o
olhar não direcionado para lá e para cá” (FLECK, 2010, p. 142). A percepção da forma
imediata é segura para o estilo de pensamento, ela garante a percepção de muitos fatos
aplicáveis e pode ser definida como “sinal de resistência para o coletivo de pensamento”
(FLECK, 2010, p. 153).
Diante disso, Fleck nos alerta que a percepção da forma imediata garante a
harmonia das ilusões e, com isso, impossibilita uma percepção de formas diferentes e a
percepção de outros fatos. Por exemplo, o processo de evolução de uma protoideia ocorre
34

de modo gradativo, seu valor está no seu potencial a ser desenvolvido, os estilos de
pensamento podem sofrer mutações, mas podem ser resistentes a elas. De maneira ativa
há uma persistência ao que contradiga ideias inseridas em um “sistema de opiniões
elaborado e fechado, constituído de muitos detalhes e relações” (FLECK, 2010, p. 69).
Trata-se de uma “tendência à persistência dos sistemas de opinião e a harmonia das
ilusões”, que é dividida em cinco graus de intensidade:
1. Uma contradição ao sistema parece ser impensável.
2. Aquilo que não cabe no sistema permanece despercebido, ou
3. é silenciado, mesmo sendo conhecido, ou,
4. mediante um grande esforço, é declarado como não contradizendo o
sistema.
5. Percebem-se, descrevem-se e até se representam determinados estados das
coisas que correspondem aos pontos de vista em vigor, que, por assim
dizer, são sua realização – apesar de todos os direitos dos pontos de vista
contrários. (FLECK, 2010, p. 69).
No grau 1, contradições são impensáveis quando a concepção penetra o coletivo
de pensamento de modo a fazer parte da vida da pessoa, quando ela está cotidiana e
presente em suas expressões verbais. O grau 2 está ligado à fase clássica do
desenvolvimento do processo de conhecimento. Nessa fase, somente se percebem fatos
que se enquadram com exatidão na teoria vigente, podendo passar por complicações
quando as exceções se manifestam, porém, as teorias clássicas possuem um poder
promovedor, uma vez que se apresentam enraizadas à sua época, são fechadas e
propagáveis (FLECK, 2010. p. 73). No grau 3, o silenciamento das exceções ocorre
quando elas contradizem as opiniões dominantes, porém, caso elas venham a ser úteis,
podem ser comunicadas ao público (FLECK, 2010. p. 73).
No grau 4, uma vez que ocorrem contradições, é realizado um trabalho de
conciliação. É possível notar, neste grau, até que ponto a lógica é passível de interpretação
na prática. A persistência se dá conforme o estilo de pensamento, as contradições distantes
do estilo não penetram. Mesmo não fazendo sentindo lógico persistir, as contradições
serão reinterpretadas conforme o estilo (FLECK, 2010, p. 73). O grau 5 é o mais intenso,
ele é formado pela “ficção criativa, pela objetivação mágica das ideias, ou seja, pela
declaração de que os próprios sonhos científicos são realizados” (FLECK, 2010, p. 74).
Fleck aponta para como a ficção está moldada no estilo científico usando também o
exemplo das reproduções gráficas, como estas não estão “fiel à natureza”, quando ele
observava, por exemplo, os atlas de anatomia sobre ginecologia: “todos foram
35

visivelmente retocados, todos eram esquemáticos, quase simbólicos, todos fies à doutrina
e não à natureza” (FLECK, 2010, p. 76). Para além dos livros de anatomia, Fleck
acrescenta que:
Nas ciências exatas, assim como na arte e na vida, não existe outra fidelidade
à natureza senão a fidelidade à cultura (FLECK, 2010, p. 76).

Segundo Fleck:
A tendência à persistência dos sistemas de opinião nos mostra que, de certa
maneira, devem ser considerados como unidades, como formações autônomas
de estilo. Os sistemas não são apenas a soma de proposições parciais; enquanto
totalidades harmoniosas, apresentam marcas específicas de estilo que
determinam e condicionam cada uma das funções de conhecimento (FLECK,
2010, p. 81).

Ao citar o rompimento da harmonia das ilusões na bacteriologia sobre o tema


variabilidade genética, Fleck traz elementos importantes para essa quebra. Os resultados
encontrados sobre a variabilidade não tinham como serem silenciados dentro do estilo de
pensamento, pois, os resultados foram encontrados dentro do padrão de experimentos
executados que eram confiáveis. Além disso, não representavam um regresso no conceito
de espécie, pois, nesse mesmo período, o conceito de espécie já não era encarado na
mesma forma que em períodos anteriores. Outro fator em que o contexto influenciou
positivamente o rompimento e aceitação da ideia foi o país em que ocorreram os
experimentos, que não era rígido com as tradições clássicas da bacteriologia da época.
Mas, geralmente, o que acontece é um “sinal de resistência” por parte dos
indivíduos de um coletivo. Quando um pesquisador ou uma pesquisadora se depara com
uma primeira observação confusa em relação ao estilo, os sentimentos viram um caos.
Misturam-se a busca por semelhanças, a surpresa, esperança e decepção, a repetição de
testes etc. Mas tudo encontrado não é compatível, não há referência firme. A procura pela
coerção e sua posição de passividade continuam, a tradição é resistir às suas vontades.
Essa é a firmeza que o coletivo de pensamento procura:
A tendência geral do trabalho de conhecimento é, portanto: um máximo de
coerção de pensamento (Denkzwang) com um mínimo de pensamento baseado
na própria vontade (FLECK, 2010, p. 144 – grifos do autor).

Esses elementos fazem com que nasça o fato:


[p]rimeiro um sinal de resistência no pensamento inicial caótico, depois uma
certa coerção de pensamento e, finalmente, uma forma (Gestalt) a ser
percebida de maneira imediata (FLECK, 2010, p. 144 – grifos do autor).

Os fatos se relacionam de forma tripla com o coletivo de pensamento:


(1) Cada fato tem que se alinhar ao interesse intelectual do respectivo coletivo
de pensamento, pois somente há resistência onde existe alguma aspiração. (...)
36

(2) A resistência tem que atuar enquanto tal no coletivo de pensamento a ser
intermediado, a cada participante enquanto coação de pensamento e ainda
enquanto forma (Gestalt) a ser vivenciada de maneira imediata. (...) (3) O fato
tem que ser expresso no estilo do coletivo de pensamento. (FLECK, 2010, p.
151-152 – grifos do autor).

A construção do fato também engloba os insucessos de muitos experimentos e os


erros cometidos, além de que os fatos não são independentes uns dos outros, cada fato
novo construído, por menor que seja sua alteração, repercute no sistema de maneira
harmoniosa “recriando o mundo inteiro de um coletivo de pensamento” (FLECK, 2010.
p, 153). Com isso é formado um universo coeso de fatos que agem de forma recíproca
uns sobre os outros:

Esse entrelaçamento interligado confere ao “mundo dos fatos” uma


persistência maciça, causando a sensação de uma realidade fixa, da existência
autônoma de um mundo (FLECK, 2010, p. 154).

Os fatos correspondem ao solo firme que todas as ciências procuram, e a


construção deste solo está ligada aos conceitos de acoplamentos (FLECK, 2010, p. 144),
divididos em ativos e passivos. Fleck, por vezes, em vez de mencionar “acoplamento”
utiliza o termo “elementos”, se referindo a elementos ativos e passivos do saber (FLECK,
2010, p. 143). Os conceitos podem possuir relação com os estilos de pensamentos de sua
época, relação essa que possui uma influência mútua, com isso, os conceitos construídos
dessa forma surgem em condições específicas, se relacionando com a história cultural,
tais conceitos correspondem aos acoplamentos ativos. Porém, os conceitos também são
construídos a partir de relações que “não se explicam psicologicamente, nem
historicamente”, passando a ideia de serem “reais”, “objetivos” ou “efetivos”, tais
conceitos correspondem aos acoplamentos passivos (FLECK, 2010. p. 50). É importante
perceber que ambos os acoplamentos se relacionam, de modo que acoplamentos ativos
podem dar origem a acoplamentos passivos e o inverso também pode ocorrer.
À medida que nos aprofundamos em uma área específica do saber, aumentamos
nosso vínculo com o coletivo de pensamento, vamos nos afastando do mundo da
experiência cotidiana passando a entrar cada vez mais no mundo especializado. Ao se
tornar especialista em uma área aumenta os elementos ativos do saber. Esses elementos,
enquanto uma escolha que corresponde a um contexto coercitivo faz com que se
aumentem também os elementos passivos. À medida que elementos ativos surgem,
diversas relações inevitáveis podem aparecer, crescendo o número de relações passivas,
constatando as relações entre esses dois elementos do saber (FLECK, 2010, p. 131). Ao
37

se tornar altamente elaborada, essa área do conhecimento terá menos diferenças de


opiniões. Acoplamentos passivos “passam a impressão de serem relações ‘reais’,
‘objetivas’ ou 'afetivas''' (FLECK, 2010, p. 50), a ciência procura absorver o máximo de
elementos passivos, inclusive essa é a diferença entre o conhecimento científico e o mito
(FLECK, 2010, p. 145).

1.3.2. Aprofundando nos estilos e nos coletivos de pensamento: coletivos


momentâneos e estáveis, círculos esotéricos e exotéricos, tráfego intercoletivo e
intracoletivo de ideias.

Um coletivo de pensamento se forma quando duas pessoas, ou mais, trocam ideias


em conversa e surge, nesses momentos de encontro, uma predisposição (Stimmung)
peculiar em que o que é sentido por essas pessoas é pensado de certa maneira. Quando
essas pessoas voltam a se encontrar com frequência, as mesmas predisposições surgem
novamente (FLECK, 2010, p. 154). Fleck nomeia esses coletivos de pensamento de
momentâneos ou casuais, que aparecem e desaparecem a cada momento. “Além dos
coletivos casuais e momentâneos do pensamento, há os estáveis, ou relativamente
estáveis” (FLECK, 2010, p. 154).
Os coletivos estáveis são formados por “grupos socialmente organizados” com
duração de tempo suficientemente longo para que o estilo de pensamento se fixe e ganhe
uma estrutura formal, apresentando uma execução mais realizadora e menos criativa, com
“certo nível disciplinado, equilibrado e discreto” (FLECK, 2010, p. 154). A ciência se
encontra nessa formação de coletivo de pensamento. Esses coletivos apresentam certo
fechamento na forma e no conteúdo (FLECK, 2010, p. 155), além de:
Dispositivos legais e costumários, linguagens específicas, em alguns casos, ou
pelo menos um vocabulário peculiar, fecham a comunidade de pensamento
formalmente, mesmo se não for de maneira absoluta (FLECK, 2010, p. 155).

O fechamento de cada coletivo de pensamento se torna importante, pois, para


ingressar em um coletivo com essas características é necessário tempo de aprendizado.
Aqui acontece a “benção de iniciação” que se trata da “condução-para-dentro”, a
introdução didática explicada na seção anterior. Além disso, esse fechamento faz com
que ocorra a limitação dos problemas admitidos dentro do estilo de pensamento e muitos
problemas podem ser rejeitados e considerados sem importância. Os coletivos estáveis
apresentam uma estrutura universal:
38

Em torno de qualquer formação do pensamento, seja um dogma religioso, uma


ideia científica ou pensamento artístico, forma-se um pequeno círculo
esotérico e um círculo exotérico maior de participantes do coletivo de
pensamento (FLECK, 2010, p. 157).

Um indivíduo pertence a vários círculos exotéricos e a poucos círculos esotéricos,


isso porque o nível de especialização no círculo esotérico é maior. Em um coletivo de
pensamento esses círculos se sobrepõem, de modo que o círculo esotérico é mais interno
que o círculo exotérico. Cabe intermediação do círculo esotérico para o entendimento das
pessoas presentes no círculo exotérico, que não apresentam uma “relação imediata com
aquela formação de pensamento” (FLECK, 2010, p. 157). A relação entre esses círculos
pode ser de modo recíproco, que Fleck chama de democrática, resgatando da sociologia
a relação entre a elite e as massas, quando as massas (círculos exotéricos) possuem uma
posição mais forte e a elite (círculos esotéricos) passa a conservar a confiança das massas
(FLECK, 2010, p. 157). Essa forma de organização é dita por Fleck como sendo a das
ciências exatas3. Outra forma de relação entre esses círculos é quando a posição da elite
é mais forte e se distancia das massas, se isolando e apresentando com isso uma posição
conservadora. Essa situação é dita por Fleck como sendo a dos coletivos religiosos
(FLECK, 2010, p. 157).
Cabe, nesse momento, uma exemplificação desses círculos para um melhor
entendimento: no ensino superior do curso de ciências biológicas, existem os estudantes
que estão sendo apresentados aos conceitos básicos do coletivo de pensamento da ciência,
recebendo a “benção de iniciação”. Os estudantes, portanto, estão presentes no círculo
exotérico. Quem os apresenta esses conceitos são os professores, especialistas na área e,
portanto, pertencem ao esotérico.
Os indivíduos que participam do mesmo coletivo se comunicam entre si. Essa
comunicação Fleck denomina de tráfego intracoletivo de pensamento. Esse tráfego pode
envolver uma diferença de nível hierárquico, o que Fleck chama de posição mental

3
A visão democrática da construção do conhecimento científico vem sendo debatida por alguns
pesquisadores. No trabalho intitulado “Pós-verdade para quem? Fatos produzidos por uma ciência racista”,
Katemari Rosa et al. realizam reflexões sobre a estruturação da argumentação científica da ciência
hegemônica, que é eurocêntrica e branca, e como essa constrói suas narrativas para defesa da ciência
desconsiderando que o comportamento de negação sempre existiu para as epistemologias negras. Além da
questão racial, questões de gênero também vêm sendo debatidas com relação ao espaço de construção do
conhecimento científico. O artigo intitulado “Reflexões da história do patriarcado para esses tempos de
pós-verdade”, de Marinês Domingues Cordeiro, realizada considerações sobre como a ciência e a educação
tiveram papeis importantes sobre a atual guerra de narrativas e sobre a política sexual seguindo com a
estrutura tradicional. Ao lermos o termo democrático nos escritos de Fleck, é importante que pensemos
sobre o quanto de democrático realmente há no processo de construção do conhecimento científico.
39

diferente, como no caso entre professor e estudante. O estudante possui certo grau de
confiança no que está sendo comunicado e se apresenta em uma posição de certa
“subordinação mental” (FLECK, 2010, p. 157). Outra situação em que ocorre tráfego
intracoletivo é quando os envolvidos apresentam uma posição mental igual, aqui se
apresenta um:
sentimento de solidariedade de pensamento a serviço de uma idéia
transpessoal, o que produz uma dependência intelectual recíproca entre os
indivíduos e uma atmosfera comum: nenhuma questão, uma vez levantada,
pode permanecer, em princípio sem efeito; cada uma é ponderada e ocupa seu
lugar dentro do estilo de pensamento (FLECK, 2010, p. 158).

Todo tráfego intracoletico envolve uma dependência do estilo de pensamento do


coletivo e leva ao fortalecimento das formações de pensamentos:
A confiança dos iniciados, a dependência por parte destes da opinião pública,
a solidariedade intelectual dos pares, que estão a serviço da mesma idéia, são
forças sociais alinhadas que criam uma atmosfera comum específica,
proporcionando às formações de pensamento solidariedade e adequação ao
estilo numa medida cada vez maior (FLECK, 2010, p. 158).

Caso o vínculo com o coletivo de pensamento seja uma educação desde a infância,
o seu vínculo é extremamente forte (FLECK, 2010, p. 158). Quanto mais durar a
mediação, mais seguro o coletivo se apresenta. Convivemos com coletivos de
pensamentos diversos, mas à medida que nos aprofundamentos nos níveis ou no tempo
em um coletivo, os hábitos e pensamentos nos parecem óbvios e os únicos possíveis, mas
Fleck nos alerta que, à medida que tomamos consciência dessa dependência, podemos
enxergar certo dogmatismo nessa relação com o estilo de pensamento. Ele cita como
exemplo a história das ciências como podendo ser o caminho para percebermos essa
relação (FLECK, 2010, p. 159).
Ao enxergar a sociedade moderna com suas possibilidades de relacionamento
espacial e temporalmente, Fleck via os coletivos de pensamento se entrecruzarem. Em
nossa época, com as redes sociais e os acessos rápidos à informação, esse
entrecruzamento fica ainda mais possível. Quanto mais especializado e restrito for o
coletivo, mais forte será sua vinculação, “ultrapassando as fronteiras da nação e do
Estado, da classe e da idade” (FLECK, 2010, p. 154).
Coletivos com estilos diferentes podem trocar ideias e essa troca é denominada
por Fleck de tráfego intercoletivo de ideias, porém, quanto maior é a diferença menor é o
tráfego de pensamento (FLECK, 2010, p. 160). Quando os princípios de um estilo de
pensamento alheio são notados, eles são vistos como
40

misticismo, as questões rejeitadas por ele são consideradas exatamente as mais


importantes, as explicações como não comprovadas ou errôneas e os
problemas, muitas vezes, como brincadeira sem importância ou sem sentido
(FLECK, 2010, p. 160 - 161).

Mesmo no caso de coletivos de pensamento que não possuem grande divergência,


“os fatos particulares e conceitos particulares” ainda serão interpretados de forma
diferente, “traduzidos e adotados numa outra linguagem de pensamento” (FLECK, 2010,
p. 160). A linguagem é uma característica marcante do estilo de pensamento e existe um
estilo técnico e literário próprio de cada estilo. Então, no caso de um tráfego intercoletivo,
pode haver desvios de significados, pois as palavras serão interpretadas de acordo com o
estilo de cada coletivo:
Resumindo, podemos dizer, portanto, que qualquer tráfego intercoletivo de
pensamentos traz consigo um deslocamento ou uma alteração dos valores de
pensamento (FLECK, 2010, p. 161).

O que Fleck aponta como sendo o significado epistemológico mais importante do


tráfego intercoletivo é que esse tráfego pode favorecer novas possibilidades de
descobertas, podendo ser criado um fato novo (FLECK, 2010, p. 162). Fleck vai além da
estrutura e regras gerais dos círculos esotéricos e exotéricos do coletivo de pensamento,
e escreve sobre como esses círculos impactam no âmbito na ciência. Ao examinar o
coletivo de pensamento dos especialistas que trabalham de forma criativa em um
problema, ele os localiza no círculo esotérico do pensamento. Aqueles que são os “leigos
mais ou menos instruídos" sobre o assunto se localizam no círculo exotérico. A estrutura
do coletivo da ciência é formada de uma “oposição entre o saber especializado e o saber
popular” (FLECK, 2010, p. 165). Esse saber especializado possui uma grande riqueza,
fazendo com que o círculo esotérico da ciência seja composto pelos profissionais
especializados e profissionais gerais. Os especialistas compõem a construção do que
Fleck sugere ser a ciência dos periódicos e a ciência dos manuais. Fleck também cita os
livros didáticos, esses servem como material para a iniciação na ciência que ocorre por
meio de métodos pedagógicos particulares (FLECK, 2010, p. 165).
Por mais que os especialistas estejam no círculo esotérico e construam o saber
especializado de um coletivo de pensamento, o seu repertório de conceitos possui muitas
de suas raízes no repertório da ciência popular. Segundo Fleck, a ciência popular:
Abastece a maior parte das áreas do saber de cada pessoa, e dado que também
o profissional mais meticuloso lhe deve muitos conceitos, muitas comparações
e seus pontos de vista gerais, ela representa um fator de impacto genérico de
qualquer conhecimento e deve ser considerada como um problema
epistemológico (FLECK, 2010, p. 165).
41

A ciência popular “é a ciência para não especialistas”, é a formação de leigos


adultos presentes em círculos amplos (exotéricos) com formação geral (FLECK, 2010, p.
166). Importante nos atentarmos que Fleck se refere à ciência ensinada para adultos, aqui
ainda não se trata de uma educação de ciências para o ensino básico, não é um ensino
introdutório. Essa ciência popular para “círculos amplos de leigos adultos” é caracterizada
por não serem apresentados detalhes e polêmicas dentro da construção dos conceitos que
estão sendo trabalhados, há uma simplificação artificial, apresenta uma “estética
agradável, viva e ilustrativa” (FLECK, 2010, p. 166), além de não conter espaços de
refutação e há a apresentação dos conceitos como sendo evidentes. O saber exotérico da
ciência é simples, ilustrativo e apodítico. Fleck chama atenção para outra característica
importante, a de que a formação da visão de mundo, que o saber popular tem como
objetivo alcançar, “tem suas origens numa seleção emotiva de um saber popular de
diversas áreas”, e isso vai ser importante, pois “confere ao saber a segurança subjetiva da
religiosidade ou do óbvio”, características presentes na periferia exotérica (FLECK, 2010,
p. 171).
A visão de mundo forma o pano de fundo que determina os traços gerais do estilo
de pensamento dos especialistas, que realizam a especialização dos problemas e
produzem conhecimento em seu círculo esotérico. Dessa forma, “fecha-se o círculo de
dependência intracoletiva do saber” (FLECK, 2010, p. 166). A ciência especializada
exige um resumo crítico num sistema ordenado, sendo dividida em ciência dos periódicos
e ciência dos manuais. A ciência dos periódicos é
provisória, incerta, não aditiva e marcada por aspectos pessoais, que apresenta
sinais soltos e arduamente elaborados de uma resistência ao pensamento,
transforma-se primeiro, em virtude da migração intracoletiva de pensamentos,
na ciência dos manuais. (FLECK, 2010, p. 173).

A ciência dos periódicos possui aspiração em entrar na ciência dos manuais. Esses
são construídos a partir de trabalhos isolados, que são selecionados e ordenados. Através
de um plano, que determina a seleção e a composição, são adquiridas as diretrizes para as
pesquisas posteriores. O plano é formado a partir do tráfego esotérico de pensamento, que
se dá por meio da
discussão entre os especialistas, mediante entendimento e desentendimento
recíproco, mediante concessões mútuas e pressões recíprocas que se polarizam
em posturas obstinadas (FLECK, 2010, p. 173).
42

Os manuais contêm um conjunto de proposições que se apresentam com mais


certeza e com caráter mais comprobatório do que a “exposição fragmentada dos
periódicos” (FLECK, 2010, p. 175). Os manuais se tornam instrumentos de coerção de
um estilo de pensamento, que determina o que pode e o que não pode ser pensado de outra
maneira, e os problemas a serem investigados e quais devem ser descartados (FLECK,
2010, p. 175). Devemos atentar a outra diferença entre os manuais e os períodos. Esses
últimos apresentam trabalhos mais recentes, são publicados e discutidos entre os pares e
podem ser atualizados com mais rapidez. Já os manuais demoram às vezes décadas para
serem atualizados, porém, são os manuais que conferem a firmeza e a posição fixa e
representativa da ciência para os especialistas.
A atmosfera científica, segundo Fleck, “se expressa na forma de venação de um
ideal comum”: verdade objetiva, clareza e exatidão; possui fé de que esse ideal se tornará
alcançado no futuro distante; “no voto de se sacrificar em seu serviço” e, “num certo culto
heróico e em uma determinada tradição” (FLECK, 2010, p. 198). De maneira
democrática e igualitária todos os especialistas pesquisadores, em princípio, possuem os
mesmo direitos e deveres, havendo a possibilidade de incorporação de indivíduos do
círculo exotérico para o esotérico (FLECK, 2010, p. 198). Essa atmosfera compõe o estilo
de pensamento que possui relação direta com a estrutura desse coletivo de pensamento.
A partir das análises de Fleck que expusemos até aqui, iremos nos debruçar na
comunidade terraplanista a partir dos seus materiais e interações no site oficial da Flat
Earth Society, afim de entender essa comunidade a partir da teoria comparada do
conhecimento proposta por Fleck, buscando investigar quais elementos do coletivo e
estilo de pensamentos podem ser encontrados ou não nessa comunidade. A partir da
caracterização desses elementos e comparações, almejamos pensar sobre a comunicação
entre os dois e o que podemos aprender e ensinar sobre ciências a partir das análises sobre
o movimento terraplanista.
43

CAPÍTULO 2
O MOVIMENTO TERRA PLANA A PARTIR DA FLAT EARTH SOCIETY

Neste capítulo descrevemos o conhecimento acerca da Terra plana a partir dos


materiais contidos no site oficial da Flat Earth Society 4 . Sobre a Flat Earth Society,
segundo o próprio site, ela se denomina como:
o lar da mundialmente famosa Sociedade da Terra Plana, um lugar para
pensadores livres e troca intelectual de ideias. Este site hospeda informações e
serve como um arquivo para a Teoria da Terra Plana. Também oferece uma
oportunidade de discutir isso com a comunidade da Terra Plana em nossos
fóruns5.

Anterior à Flat Earth Society havia a Zetetic Society, criada por Samuel
Rowbotham (1816-1884) (não foi encontrada a data precisa desse início). Após a morte
de Rowbotham, Lady Elizabeth Blount (1850-1935) fundou a Universal Zetetic Society,
baseada nas ideias do Rowbotham e nos resultados de seus experimentos. Em ambas as
sociedades eram dadas mais ênfase ao caráter bíblico para a teoria da Terra plana do que
atualmente (Flat Earth Society).
A Universal Zetetic Society teve alterado seu nome para Flat Earth Society em
1956, quando Samuel Shenton assumiu sua presidência. Em 1971, após a morte de
Shenton, Charles K. Johnson assumiu a presidência até sua morte em 2001. A partir daí,
a sociedade não recebeu novos membros, sendo “revivida” em 2004 como uma
comunidade online e oficialmente reativada em outubro de 2009. Em 2004, ela foi
presidida por Daniel Shenton (não relacionado a Samuel) que, ao que tudo indica,
permanece na presidência.
Atualmente, o site é mantido de modo colaborativo. Para encontrar o nome dos
membros foi necessário acessar a área chamada de “fórum” (quando acessado em 2020,
o site possuía uma área específica para os membros, a qual não existe mais). Como
membro do conselho Zetetic foi encontrado o nome de Tom Bishop, o qual possui uma
média de 3,15 publicações diárias no fórum da Flat Earth Society. Como administrador
do site, foi encontrado o nome Xasop, com média de 2,38 publicações diárias no fórum.

4
Link do site: https://www.tfes.org/
5
Tradução nossa do original em inglês: This is the home of the world-famous Flat Earth Society, a place
for free thinkers and the intellectual exchange of ideas. This website hosts information and serves as an
archive for Flat Earth Theory. It also offers an opportunity to discuss this with the Flat Earth community
on our forums.
44

Pete Svarrior está como moderador planar junto com Pongo, o primeiro com uma média
de 3,95 publicações diárias e o segundo com a média de 0,24.
Os nomes citados acima parecem ser fictícios. A identificação dos
administradores e moderadores, assim como informações pessoais, não são publicados.
Uma das regras para uso do site e publicações no fórum é não realizar nenhuma
divulgação acerca de informações pessoais sem o consentimento expresso do membro.
Caso seja realizada sem autorização, a publicação será excluída, e, caso ocorra uma
segunda infração, a pessoa será banida até segunda ordem do moderador.
Foram identificadas funções para esses membros citados (membro do conselho,
moderador e administrador), porém, no “Flat Earth Society Manifesto6” é apontado que
a definição de “membro” significa qualquer conta de usuário no fórum. Para se tornar
membro do fórum, a pessoa interessada deve concordar com todas as regras e criar uma
conta com usuário, senha e e-mail para que seja realizado o login no site. Atualmente, o
site conta com 6.949 membros.
O site oficial da Flat Earth Society é composto por um “fórum” 7 , em que as
pessoas podem conversar sobre os mais variados temas e trocar ideias e dúvidas sobre o
movimento Terra plana. Essa área é muito ativa e possui interações diariamente. Há a
área “wiki”8, que é composta por um repertório de informações sobre todos os conteúdos
e argumentos a favor da Terra plana e contra o formato esférico. O site possui também a
“biblioteca” 9 , onde estão as coleções de literatura da Terra plana, que compreende
boletins informativos, artigos de jornais e revistas, arquivos de correspondências e
publicações em jornais de época, incluindo escritos do século IX. Contém também o
espaço “loja” 10, onde as pessoas podem comprar camisetas, bolsas e outros produtos
oficiais.
A área do site que será utilizada para análise neste trabalho será a wiki. A área wiki
foi escolhida por ser o local do site que contém o maior número de conteúdos com
explicações e argumentos a favor da Terra plana e contra o formato esférico. Os conteúdos
possuem embasamento em argumentos históricos e, caso possuam reproduções atuais,
elas estão incorporadas nas explicações ao longo das páginas da área wiki. Como se trata

6
https://forum.tfes.org/index.php?topic=1219.0
7
Fórum: https://forum.tfes.org/
8
Wiki: https://wiki.tfes.org/The_Flat_Earth_Wiki
9
Library: https://www.tfes.org/library.php
10
Store: https://www.cafepress.com/theflatearthsociety
45

de um site oficial, o conteúdo é coletado de fontes de diversos lugares, representando


terraplanistas de todo o mundo:
Nessas páginas digitais, você pode esperar encontrar o ceticismo e a
compreensão necessários para se libertar das restrições do pensamento
dogmático convencional e enfrentar as águas pioneiras da verdadeira ciência e
aprendizado. Mais especificamente, você encontrará provas da Terra Plana
conduzidas por Terraplanistas em todo o mundo e conceitos, terminologia e
discurso da Terra Plana. Que as várias evidências da Terra Plana e os mapas
da Terra Plana guiem suas jornadas para lugares maravilhosos e para ideias
antes insondáveis. (FLAT EARTH SOCIETY).11

A área wiki contém 10 tópicos principais12, que são: Perguntas frequentes; Forma
e magnitude; O Cosmos; Os gregos antigos; Evidência experimental; A conspiração;
Figuras históricas da Terra Plana; Física geral; e Diversos. Cada tópico principal contém
subtópicos, e para cada subtópico há temas que são discutidos. A tabela 2 apresenta todos
os tópicos, subtópicos e temas.

Tabela 2 - Tópicos e subtópicos com os temas tratados na área wiki do site da Flat
Earth Society. *: referem-se a temas que se repetem em diferentes subtópicos.
TÓPICO PRINCIPAL SUBTÓPICO TEMAS N° de temas
Perguntas frequentes
(Introdução) Perguntas frequentes (Introdução) 1
Mapas da Terra Plana 2
Circunavegação 3
Eratóstenes em diâmetro 4
Cabos submarinos 5
Sistema Geodésico Mundial 1984 6
Mapeamento,
A ponte Hamber 7
navegação e
levantamento Ferrovias 8
Forma e magnitude
Pontes 9
Hemisfério sul 10
Distância do sul 11
Viagem aérea (distância do sul) 12
Viagem marítima (distância do sul) 13
A parede de gelo 14
Fenômenos naturais
Atmolayer 15

11
Tradução nossa do original em inglês: Within these digital pages you can expect to find the scepticism
and understanding needed to break free from the constraints of conventional dogmatic thinking and brave
the pioneering waters of true science and learning. More specifically, you will find Flat Earth proofs
conducted by Flat Earthers across the world and Flat Earth concepts, terminology, and discourse. May the
various Flat Earth evidence and Flat Earth maps guide your journeys to places wonderful and to ideas
formerly unfathomable.
12
Tradução nossa do original em inglês: Frequently Asked Questions (Introduction); Form and Magnitude;
The Cosmos; The Ancient Greeks; Experimental Evidence; The Conspiracy; Flat Earth Literature; Flat
Earth Historical Figures; General Physics and Miscellaneous.
46

Hipótese AtmolayerLip 16
Aurora 17
Formação de montanhas e vulcões 18
Efeito do navio afundando: ondas do
oceano 19
Efeito do navio afundando: falta de
resolução óptica 20
Efeito do navio afundando: causado pela
Tópicos ópticos refração 21
Fotografias de alta altitude 22
Distância de visão 23
Óptica 24
Uma vista do Everest 25
Pêndulo de Foucault 26
Efeito Coriolis 27
Rotação da Terra
Efeito Coriolis (clima) 28
Experiência Michelson-Morley 29
Aviação 30
O modelo bipolar 31
Diversos
Ilhas distantes 32
Expert Series: Flat Earth 33
Os cosmos 34
Astronomia é uma Pseudociência 35
Cosmos Problema de três corpos * 36
Citações que nos dizem que todos nós
mentimos 37
Problemas das galáxias ** 38
O sol 39
O sol: aceleração eletromagnética *** 40
O sol: Nascer e pôr do sol 41
O sol: Ampliação do sol ao pôr do sol 42
O sol: o pôr do sol como um efeito de
perspectiva 43
Sol
O sol: equinócio 44
Os cosmos O sol: Variação de temperatura da luz
solar 45
O sol: distância do sol 46
O sol: as estações 47
O sol: nuvens iluminadas por baixo 48
A lua 49
A lua: Marés 50
A lua: eclipse solar 51
A lua: eclipse lunar 52
Lua A lua: aceleração eletromagnética/perto
sempre visto *** 40
A lua: fases da lua 53
A lua: ilusão de inclinação da lua 54
A lua: um olhar mais atento sobre o
módulo lunar 55
47

Os planetas 56
Planetas
Problema de três corpos * 36
As estrelas 57
As estrelas: problema das galáxias ** 38
As estrelas: a cosmologia tem alguns
Estrelas
grandes problemas 58
As estrelas: princípio cosmológico 59
As estrelas: multiverso 60
Os gregos antigos Os gregos antigos Os gregos antigos 61
Evidência Evidência experimental 62
Evidência experimental
experimental Experiência do nível de Bedford 63
A conspiração 64
Projeto Apollo 65
Missões marte 66
A conspiração A conspiração Missão Cassini Saturn 67
Estação Espacial Internacional 68
Farsa Espacial Chinesa 69
GAO audita a NASA 70
Literatura da Terra Literatura da Terra Literatura da Terra Plana 71
Plana Plana Samuel Rowbotham 72
Figuras históricas da Figuras históricas da
Terra Plana Terra Plana Figuras históricas da Terra Plana 73
Tópicos relacionados à gravidade plana
da terra: Aceleração eletromagnética
(EA) 74
Gravidade plana da terra: Princípio da
equivalência 75
Gravidade plana da Terra: Evidências da
EA 76
Gravidade plana da Terra: variações na
gravidade 77
Física geral Física geral Gravidade plana da Terra: Dilatação do
tempo gravitacional 78
Gravidade terrestre redonda: variações
de pelo por latitude 79
Gravidade terrestre redonda:
experimento Cavendish 80
Gravidade terrestre redonda:
Gravimetria 81
Gravidade terrestre redonda: Isostasia 82
Sociedade da Terra Plana 83
Diversos Diversos
Falácia Lógica 84
Fonte: criação da autora.

Sobre a organização da área wiki descrita na tabela 2, é importante destacar que,


por mais que os temas estejam organizados em diferentes tópicos, alguns conteúdos de
um determinado tema se relaciona com os conteúdos de outros temas situados em outros
tópicos ou subtópicos. Isso ocorre porque em alguns momentos a Flat Earth Society
48

realiza o aprofundamento do tema ou ocorre o resgate de conteúdo em outro subtópico.


Iremos descrever a área wiki seguindo a ordem dos seguintes tópicos principais: Perguntas
frequentes, Cosmos, Física geral, Forma e magnitude, Evidências experimentais, A
conspiração, Figuras históricas da Terra Plana e Literatura da Terra Plana. Em alguns
momentos os temas de outros subtópicos poderão ser mencionados devido ao resgate
necessário para entender o tema.

Perguntas frequentes
O tópico “Perguntas frequentes” funciona como uma introdução, e foi organizado
com o objetivo de responder algumas perguntas realizadas por muitas pessoas que
acreditam no formato esférico da Terra e estão curiosas para conhecer o movimento Terra
Plana. Nesse tópico, a Flat Earth Society explica que, por definição, a Terra não é um
planeta, pois ela não está orbitando o Sol. A Terra está situada no centro do sistema solar,
e o Sol e os outros planetas giram acima dela. A definição de planeta aparece na questão
“Se os planetas são redondos, por que a Terra não é?13”. Abaixo a definição de planeta
citada pela Flat Earth Society:
Os planetas (do grego antigo ἀστὴρ πλανήτης [astērplanētēs, "estrela errante"]
ou apenas πλανήτης[planḗtēs, "andarilho"]) são objetos astronômicos em
órbita14. (Tópico Frequently Asked Questions).

A partir dessa definição, não pode haver comparação do formato da Terra com o
dos planetas, uma vez que ela não está em movimento como os planetas. O modelo mais
aceito entre os membros da Flat Earth Society é que a Terra possui forma de disco, com
o Pólo Norte no centro e a Antártica como uma parede que circunda os continentes
conhecidos que estão espalhados ao redor do Pólo Norte. Esse modelo é chamado de
monopólo, como mostra a imagem abaixo:

13
Tradução nossa do original em inglês: If The planets are round, why isn't the Earth?
14
Tradução nossa do original em inglês: Planets (from Ancient Greekἀστὴρ πλανήτης [astērplanētēs,
"wandering star"], orjust πλανήτης [planḗtēs, "wanderer"]) are orbiting astronomical objects.
49

Figura 1 - Modelo monopolo da Terra plana

Fonte: Flat Earth Society

A parede de gelo retém os oceanos e é pauta de interesse para os terraplanistas,


pois, diante do que sabem, ninguém nunca passou muito tempo nessa região e voltou para
contar sobre a jornada que vivenciou. Além disso, a Flat Earth Society se preocupa
principalmente com a “Terra conhecida”: a área que a luz do Sol afeta. O que se sabe, é
que além de reter os oceanos, a borda de gelo nos protege de tudo o que está além dela,
mas o que há além da parede de gelo ainda não é conhecido. Sua formação é natural e se
trata de uma “massa espessa de gelo flutuante que está ligada à terra”. A parede de gelo
não é uma parede completa, é composta por uma “série de paredes de mil milhas de
comprimento, divididas por cordilheiras transantárticas de até 11.500 pés de altura”.
Essas explicações estão contidas em um subtópico próprio: “A parede de gelo15”. Ao final
da explicação há uma referência adicional de um vídeo que mostra a dificuldade de
expedições para a Antártica, por estar “isolada do resto do mundo pela burocracia”.
É mostrado no subtópico “Mapas da Terra Plana16” que há várias teorias sobre a
natureza e a extensão da Antártica, bem como o layout geral dos continentes:
Muitos acreditam que a Antártica é a Parede de Gelo encontrada por Sir James
Clark Ross, enquanto alguns acreditam que a Antártica é simplesmente um
'continente da borda' em torno da Terra conhecida e que o termo Parede de
Gelo é enganoso. Outros acreditam que a Antártica é um continente isolado e
distinto e que, embora exista uma parede de gelo, ela não é a Antártica. O
último modelo geralmente assume que a geografia da Terra é bastante diferente
daquela delineada no modelo convencional17 (FLAT EARTH MAPS).

15
Tradução nossa do original em inglês: The Ice Wall. Link: https://wiki.tfes.org/The_Ice_Wall
16
Tradução nossa do original em inglês: Flat Earth Maps. Link: https://wiki.tfes.org/Flat_Earth_Maps
17
Tradução nossa do original em inglês: Many believe that Antarctica is the Ice Wall encountered by Sir
James Clark Ross, whereas some believe that Antarctica is simply a 'rim continent' surrounding the known
Earth and that the term Ice Wall is misleading. Others believe that Antarctica is an isolated and distinct
50

O outro modelo em questão, discutido entre os terraplanistas, é o bipolar (Figura


2), que apresenta dois polos e um continente Antártico que não é a parede de gelo.
Diferente do modelo mais recente, escrito no Earth Not a Globe por Rowbotham, o
modelo bipolar contém o polo Sul e foi criado pela Zetetic Society no início de 1900, após
alegações de maior exploração da Antártica e a descoberta do Polo Sul. Acredita-se que
Rowbotham tenha simplificado o seu modelo para conter somente um pólo central devido
à falta de evidência direta na época para polos adicionais, tendo em vista que o modelo
de mais de um polo era baseado em especulações. A Flat Earth Society indica um vídeo
com a explicação do modelo bipolar.

Figura 2 - Modelo bipolar da Terra plana.

Fonte: Flat Earth Society.

Outra pergunta presente no tópico “Perguntas frequentes” é a “Que provas você


tem?”. Como resposta, a Flat Earth Society afirma que a utilização dos próprios sentidos
serve como forma de “discernir a verdadeira natureza do mundo ao nosso redor”:
O mundo parece plano, o fundo das nuvens é plano, o movimento do Sol; todos
esses são exemplos de seus sentidos dizendo que não vivemos em um mundo
heliocêntrico esférico 18 . (FLAT EARTH: FREQUENTLY ASKED
QUESTIONS)

continent and that though an Ice Wall exists, it is not Antarctica. The latter model generally assumes that
the geography of the Earth is quite different to that outlined in the conventional model.
18
Tradução nossa do original em inglês: The world looks flat, the bottoms of clouds are flat, the movement
of the Sun; these are all examples of your senses telling you that we do not live on a spherical heliocentric
world.
51

Outra questão presente no tópico “Perguntas frequentes” é sobre como a Flat


Earth Society explica o dia e a noite. Diante dessa questão é afirmado que o dia e a noite
são definidos a partir do movimento do Sol:
O sol se move em círculos ao redor do Pólo Norte. Quando está sobre sua
cabeça, é dia. Quando não é, é noite. A luz do sol está confinada a uma área
limitada da Terra19 (FLAT EARTH: FREQUENTLY ASKED QUESTIONS).

O Cosmos
O próximo tópico que iremos descrever é “O Cosmos”. Esse é um dos tópicos
principais mais longos, ficando atrás somente de “Forma e magnitude”. O entendimento
sobre “Cosmos” é que este é o nome dado a tudo o que está acima do atmoplano terrestre
(atmosfera da Terra Plana). Iniciando a explicação sobre o Sol, ele possui formato
esférico, com diâmetro de 32 milhas, localizado acima da Terra a aproximadamente 3.000
milhas de distância da superfície (as maneiras de obter esses cálculos serão mostradas
mais abaixo, quando estivermos discutindo o tema “Distância do Sol”).
Segundo a Flat Earth Society, o ciclo diário ocorre através do movimento de
revolução, com duração de 24 horas. A área que receberá a luz do Sol “é limitada a uma
área elíptica de luz sobre a Terra” 20. Esse efeito é denominado de Spotlight, e a limitação
da extensão da luz pode ocorrer por vários fenômenos. O Sol possui formato esférico e
seu movimento de rotação é baseado em evidências de observação na mudança aparente
na forma das manchas solares. É apresentado como referência o livro “New Descriptive
Astronomy”21, publicado em 1884, de Joel Dorman Steele. São destacados os trechos que
explicam que pontos presentes no Sol mudam de forma à medida que se passam os dias.
Em alguns dias é possível observar a mancha mais ao centro com aparência circular e, à
medida que os dias passam, essa mancha parece se afastar do centro, tornando-se cada
vez mais oval até desaparecer. Essa alteração específica na forma é, segundo a Flat Earth
Society, uma evidência do formato circular do Sol, além da prova da rotação em seu
próprio eixo.

19
Tradução nossa do original em inglês: The Sun moves in circles around the North Pole. When it is over
your head, it's day. When it's not, it's night. The light of the sun is confined to a limited area upon the Earth.
20
Tradução nossa do original em inglês: is limited to anellipticarea of light upon earth.
21
Link disponibilizado pela Flat Earth Society para acesso a obra New Descriptive Astronomy, 1884:
https://ufdc.ufl.edu/UF00053283/00001/1
52

Com relação ao pôr do Sol, ele corresponde ao momento em que a luz do Sol se
põe na Terra Plana. “Não podemos ver, sentir ou detectar”22 a explicação do pôr do Sol
da Terra esférica, que ocorre devido movimento de rotação da Terra. A interpretação mais
direta e natural é que a luz do Sol está se movendo e se pondo devido a alguns mecanismos
como: “A aceleração eletromagnética”, “O pôr do Sol como um efeito de perspectiva”, e
“A ampliação do Sol ao pôr do sol”.
O pôr do Sol como um efeito de perspectiva é encontrado como explicação para
o pôr do Sol em Earth Not a Globe, de Samuel Rowbotham. O autor sugere que o
comportamento de perspectiva deve ser baseado em como o experimentamos. Um
exemplo dado por ele é o da observação de uma longa fileira de lâmpadas. O observador,
estando no início da série de lâmpadas, observará a segunda lâmpada mais baixa que a
primeira, a terceira mais baixa que a segunda, e assim por diante até o final da linha.
Quando a luz do Sol encontrar a linha do horizonte, ela cruzará com o ponto de fuga o
que impedirá de ser vista pelo olho humano. À medida que a luz é reduzida, inicia-se a
escuridão que é ocasionada por uma atmosfera não transparente.
Com relação à Aceleração Eletromagnética, ela é uma alternativa moderna à teoria
da perspectiva proposta por Samuel Rowbotham em Earth Not a Globe, e consiste em um
mecanismo que puxa, desvia ou empurra a luz para cima:
Astrônomos da antiguidade olhavam para a luz no céu e presumiam que a luz
era direta para deduzir uma Terra curva. Quando, na verdade, trajetórias em
linha reta geralmente não ocorrem na natureza, e era a luz para a qual eles
estavam olhando que era curva. 23 (FLAT EARTH: ELECTROMAGNETIC
ACCELERATION).

Uma vez que a luz possui natureza curva, é questionado pela Flat Earth Society:
“devemos supor que a luz está se curvando, ou que toda a Terra está se curvando?”.
Segundo a Flat Earth Society, a teoria da Aceleração eletromagnética possui evidências,
como as observações celestes que mostram as linhas retas acima de nós se tornando
curvas. O subconjunto desses efeitos da aceleração eletromagnética é que dá a aparência
de estarmos dentro de uma “cúpula”. O que se curva é a luz, e não a Terra. A luz é
“curvada” para cima enquanto viaja em direção à Terra, formando um arco parabólico
(Figura 3). Essa distribuição dos raios solares está associada ao nascer e pôr do Sol:

22
Tradução nossa do original em inglês: We cannot see, feel, or detect. Trecho retirado na página “Nascer
e pôr do sol”. Link: https://wiki.tfes.org/Sunrise_and_Sunset
23
Tradução nossa do original em inglês: Astronomers of antiquity looked at light in the sky and assumed
that light was straight to deduce a curved earth. When really, straight line trajectories do not generally occur
in nature, and it was the light they were looking at that was curved.
53

Quando o sol está muito longe, os raios são curvados em um arco parabólico
antes de chegarem à Terra, resultando na noite24. (FLAT EARTH: OPTICS).

Figura 3 - Raios do Sol que cruzam com a Terra e formam um arco – Aceleração
Eletromagnética.

Fonte: Flat Earth Society.

Com relação aos raios que não atingem a Terra, esses retornam para o espaço e
podem atingir a parte inferior das nuvens antes do nascer do Sol ou após o pôr-do-Sol,
sendo observado um brilho avermelhado nas nuvens. No tema “Nuvens iluminadas por
baixo”, os raios de luz podem ser refletidos pelo oceano e, quando iluminadas por baixo,
as nuvens podem apresentar coloração laranja ou vermelha. Isso ocorre devido à interação
dos raios de Sol com o vapor d’água atmosférico e aerossóis.
Outra observação explicada pela Flat Earth Society é a percepção aparente de que
o Sol muda de tamanho ao longo do dia, por exemplo, durante o pôr do Sol ele parece
maior em comparação com o horário de meio-dia. A Flat Earth Society explica que isso
ocorre a partir do mecanismo de “Ampliação do Sol ao pôr do Sol”, um efeito de
ampliação causado pelos intensos raios de luz que passam pelas camadas atmosféricas. A
extensão de brilho da luz do Sol é maior no ar atmosférico durante o seu nascer e quando
ele se põe, uma vez que nesses momentos os raios estão passando por uma camada
espessa de atmolayer horizontal (atmosfera da Terra Plana).
Com relação à distância do Sol à Terra, há um tema específico para tratar sobre
esse assunto. No tema “distância até o Sol” a Flat Earth Society tem como objetivo

24
Tradução nossa do original em inglês: When the sun is too far away rays are bent in a parabolic arc before
they reach earth, resulting in night time.
54

mostrar os métodos históricos que foram usados para determinar a altura do Sol e dos
corpos celestes, além de mostrar que o método de cálculo para a distância depende da
suposição da forma da Terra, por exemplo, a distância da Terra ao redor do Sol dada pela
ciência depende da ideia pré-estabelecida de que a Terra é uma esfera. Com relação aos
valores em uma Terra Plana, Rowbotham, no capítulo 5 da obra Earth Not a Globe,
calcula o valor de menos de 700 milhas de distância entre a superfície da Terra e o Sol, e
as estrelas a um raio de 1.000 milhas. Porém, membros da Universal Zetetic Society
estimaram, posteriormente, um valor de aproximadamente 3.000 milhas da superfície da
Terra até o Sol, e as estrelas a um raio acima de 100 milhas. Uma das formas citadas de
obter esse valor é através da adaptação dos cálculos de Eratóstenes, que será mostrado
quando estivermos descrevendo o tópico “Forma e magnitude” que trata o tema
“Eratóstenes em diâmetro”. Outro modo de obter esses valores é mencionado na obra
Zetetic Cosmogony de Thomas Winship. A Flat Earth Society cita o trecho:
De 21 a 22 de março, o sol está diretamente acima do equador e aparece 45
graus acima do horizonte a 45 graus de latitude norte e sul. Como o ângulo do
sol acima da terra no equador é de 90 graus, enquanto é de 45 graus a 45 graus
de latitude norte ou sul, segue-se que o ângulo do sol entre a vertical do
horizonte e a linha dos observadores a 45 graus norte e sul também devem ser
45 graus. O resultado são dois triângulos retângulos com catetos de igual
comprimento. A distância entre o equador e os pontos a 45 graus norte ou sul
é de aproximadamente 3.000 milhas. Logo, o sol estaria a uma distância igual
à do equador.25 (FLAT EARTH: DISTANCE TO THE SUN).

Com relação à Lua, há um link de acesso específico que trata sobre: As marés; O
eclipse solar; O eclipse lunar; Perto sempre visto; Fases da Lua; Ilusão de inclinação da
Lua; e Um olhar mais atento sobre o módulo lunar. Sobre as características da Lua:
A Lua é considerada esférica devido um leve balanço entre o seu verso para a
sua frente ao longo de seu ciclo mensal denominado Libertação Lunar, onde
mais de 50% da superfície lunar pode ser vista ao longo do tempo26. (FLAT
EARTH: MOON).

A Lua possui formato esférico com diâmetro de 32 milhas e distância de 3.000


milhas da superfície da Terra (mesmo tamanho e distância do Sol) e possui movimento

25
Tradução nossa do original em inglês: On March 21-22 the sun is directly overhead at the equator and
appears 45 degrees above the horizon at 45 degrees north and south latitude. As the angle of sun above the
earth at the equator is 90 degrees while it is 45 degrees at 45 degrees north or south latitude, it follows that
the angle at the sun between the vertical from the horizon and the line from the observers at 45 degrees
north and south must also be 45 degrees. The result is two right angled triangles with legs of equal length.
The distance between the equator and the points at 45 degrees north or south is approximately 3,000 miles.
Ergo, the sun would be an equal distance above the equato.
26
Tradução nossa do original em inglês: The Moon is thought to be spherical due to a sligh trocking back
and fourth over its monthly cycle called Lunar Liberation, where more than 50% of the lunar surface can
be seen over time.
55

giratório e é iluminada pelo Sol. A característica da Lua dita por astrônomos é criticada
na obra Earth Not a Globe, pois, ao utilizar o telescópio para visualizar a superfície lunar
e observar suas características, estas podem ser resultado de como ela realmente é ou
resultado de uma comparação com algo já pré-conhecido por quem a está observando,
resultado de um ensinamento anterior à observação. De modo similar a quem olha para
as nuvens e observam contornos de animais e rostos de humanos, um observador fazendo
uso do telescópio pode olhar para a Lua e afirmar que ela possui colinas e vales, condições
similares às da Terra, porém, qualquer semelhança com a superfície da Terra é totalmente
falaciosa.
As fases da Lua (Figura 4) resulta dos raios curvos do Sol iluminando a Lua a
qualquer momento, e sua variação cíclica ocorre devido à oscilação para cima e para baixo
da Lua e do Sol, que trocam de altitude à medida que giram em torno do Pólo Norte. A
Lua crescente ocorre quando a Lua e o Sol estão na mesma altitude, iluminando metade
da Lua. A Lua cheia ocorre quando a Lua está acima da altitude do Sol e oposta a ele,
sendo totalmente iluminada; e a Lua nova ocorre quando a Lua está abaixo do Sol e perto
dele, não sendo iluminada.
A Lua se move na mesma direção que o Sol em uma velocidade um pouco
mais lenta no céu, atrasando cerca de 50 minutos diariamente, causando o
intervalo de fases. O tempo entre duas Luas Cheias, ou entre ocorrências
sucessivas da mesma fase, é de cerca de 29,53 dias (29 dias, 12 horas, 44
minutos) em média 27 (FLAT EARTH: ELECTROMAGNETIC
ACCELERATION).

27
Tradução nossa do original em inglês: The curve drays of the Sun results in the Moon's surface. The
plane of the Moon's route atanin clinationtothe plane of the Sun's Ecliptic, with its high eastside opposite
from Sun. When the Moon is far from the Sun and higher than it, the Full Moonoccurs. When the Moon Is
closer to the Sun andlowerthan it, the New Moon occurs1. The Moon moves in the same direction as the
Sun at a slightlys slower rate across the sky, lagging gabout 50 minutes behind daily, causing the range of
phases. The time between two Full Moons, orbiting between successive occurrences of the same phase,
isabout 29.53 days (29 days, 12 hours, 44 minutes) on average.
56

Figura 4 - Fases da lua sobre a Terra Plana.

Fonte: Flat Earth Society

Sobre os eclipses, o eclipse lunar pode ocorrer quando uma área escurecida é
observada na superfície da Lua, podendo acontecer de duas a cinco vezes por ano. O
eclipse lunar é ocasionado devido à “aceleração eletromagnética”. Quando a Lua é
iluminada por raios curvos do Sol e, ocasionalmente e temporariamente, se move para
além da borda dessa luz, tem-se o eclipse lunar. Além dessa explicação, ele também pode
ocorrer devido ao Shadow object:
Foi sugerido que pode haver um corpo celeste invisível que se move ao redor
do Sol, localizado sobre o lado diurno da Terra. Conhecido como Objeto de
Sombra ou Antimoon, este corpo ocasionalmente cruza a luz entre o Sol e a
Lua e causa o Eclipse Lunar.28 (FLAT EARTH: THE LUNAR ECLIPSE)

Sobre o eclipse solar, ele ocorre quando:


a Lua bloqueia o caminho da luz entre o Sol e o observador e quando a Lua
está perto da eclíptica. Em um eclipse solar total, o disco do Sol é totalmente
obscurecido pela lua.29 (FLAT EARTH: SOLAR ECLIPSE).

No tema “Marés”, a Flat Earth Society afirma que se trata da subida e descida do
nível do mar que ocorrem nos oceanos e mares interiores, havendo praticamente nenhum
efeito sobre lagos e rios. Segundo a Flat Earth Society, a explicação para o fenômeno das

28
Tradução nossa do original em inglês: It has been suggested that there may be an unseen celestial body
which moves around the Sun, located over the daylight side of the Earth. Known as the Shadow Object or
the Antimoon, this body occasionally intersects light between the Sun and Moon and causes the Lunar
Eclipse.
29
Tradução nossa do original em inglês: This happens when the Moon blocks the path of light between the
Sun and the observer, and when the Moon is close to the ecliptic. In a total solar eclipse, the disk of the Sun
is fully obscured by the Moon.
57

marés não é completamente dada pela ciência, sendo considerada por Isaac Newton a
parte menos satisfatória da teoria da gravidade.
Outra crítica realizada pela Flat Earth Society é sobre o equinócio. A sociedade
considera falsas as seguintes afirmações sobre o equinócio, que frequentemente são
usadas a favor da esfericidade da Terra:
- O sol nascerá do Leste neste dia para todos os locais da Terra
- A Terra terá momentos iguais de dia e noite.30
(FLAT EARTH: EQUINOX).

Levando em consideração as afirmações acima, a Flat Earth Society advoga que


o Sol não nasce no Leste em todos os locais da Terra, assim como não é em todos os
locais da Terra que o dia e a noite terão o mesmo tempo de duração. Isso não ocorre neste
dia específico, assim como semanas antes ou depois do equinócio. Para definir equinócio,
a Flat Earth Society cita a definição do dicionário de Oxford31 e, em seguida, discute dois
“mitos”. O primeiro mito é com relação à direção do nascer do Sol e do pôr do Sol. É
referenciado o artigo “Astronomical refraction and the equinox sunrise” (2000), do autor
Russell D. Sampson, e destacado um trecho em que afirma que, aparentemente, o único
local onde o nascer do Sol no equinócio ocorre exatamente no ponto leste é no equador.
O segundo mito é com relação à igualdade do dia e da noite, sendo referenciado o trabalho
“Ancient Observatories–Timeless Knowledge” (2015), da autora Deborah Scherrer, e
destacado um trecho em que afirma que não há nenhum lugar na Terra onde o dia e a
noite tenham a mesma duração nos dias indicados (22 de setembro e 20 de março). O que
ocorre é que há dias em que essa igualdade de duração é próxima das 12 horas, porém,
isso depende da latitude do local e pode variar em semanas. É mostrada uma tabela que
indica os dias de março e setembro que possuem aproximações de igualdade na duração
entre o dia e a noite, e as latitudes correspondentes, porém, a Flat Earth Society deixa
claro que a tabela não possui as referências de quais longitudes essas informações foram
obtidas. Como argumento para a diferença na duração entre o dia e a noite em uma Terra
plana, a Flat Earth Society explica:
o argumento da refração é usado como uma refutação completa para qualquer
um que vê o sol por mais tempo do que deveria, mais curto do que deveria ser,
ou como uma refutação para quem o vê surgir de um local onde não deve
surgir. Quando se trata de afirmações específicas, o modelo da Terra Redonda

30
Tradução nossa do original em inglês: - The sun will rise from the East on this day for all locations on
earth. - The earth will experience equal times of day and night
31
Definição que está na página da Flat Earth Society: equinox / ˈɛkwɪnɒks // ˈiːkwɪnɒks / substantivo “A
hora ou data (duas vezes por ano) em que o sol cruza o equador celestial, quando o dia e a noite têm a
mesma duração (cerca de 22 de setembro e 20 de março).”
58

não pode ser justificado com uma previsão que se encaixa na realidade. 32
(FLAT EARTH: EQUINOX).

Com relação às estações do ano, essas são definidas a partir da proximidade do


Sol ao Pólo Norte, “Quando o sol está mais longe do Pólo Norte é inverno no hemiplano
norte (ou hemisfério) e verão no Sul”. A Flat Earth Society também discute sobre a
variação de temperatura da luz solar ao longo da Terra. Em forma de perguntas e
respostas, a Flat Earth Society apresenta o seguinte questionamento: Por que no Equador
é mais quente do que nos pólos? A Flat Earth Society responde:
Quando a luz do sol brilha de cima (à esquerda), um pé quadrado de luz solar
incide sobre um pé quadrado de solo. Quando ela brilha em um ângulo raso (à
direita), cada metro quadrado de luz do sol se espalha por muitos metros de
solo33. (FLAT EARTH: TEMPERATURE VARIATIONS).

Sobre as características dos planetas, segundo a Flat Earth Society eles possuem
formato esférico e giram acima da Terra, seguindo uma rota diária semelhante ao Sol no
céu. A Flat Earth Society cita cinco planetas, os quais são visíveis a olho nu: Mercúrio,
Vênus, Marte, Júpiter e Saturno. Independente de podermos visualizar os movimentos
dos planetas acima de nós, isso não significa que a Terra seja um planeta do sistema solar,
ela é um corpo fundamentalmente diferente. A Flat Earth Society acredita que a definição
de que a Terra é um planeta esférico com movimento ao redor do Sol foi construída a
partir da dedução de que ela possuiria as mesmas características dos planetas observados.
O site trata dos astrônomos que contribuíram para os conhecimentos sobre o
movimento dos planetas. A seguir, iremos descrever como a Flat Earth Society discute
as contribuições dos astrônomos: Cláudio Ptolemeu (90 - 168), Nicolau Copérnico (1473
– 1543), Tycho Brache (1546 – 1601) e Johannes Kepler (1571 – 1630).
A Flat Earth Society realiza uma síntese sobre os sistemas Ptolomaico e
Copernicano e faz uma comparação entre os dois. Para criticar o sistema Ptolomaico a
Flat Earth Society faz uso do livro “Beyond Reason: Essays on the Philosophy of Paul K.
Feyerabend”, editado por Gonzalo Munévar. Destacam o trecho que discute a busca de
Ptolomeu em mapear e predizer as aparências, abandonando a explicação das causas. A

32
Tradução nossa do original em inglês: the refraction argument is used as a sweeping rebuttal to anyone
who sees the sun for longer than it should be, shorter than it should be, or as a rebuttal to anyone who sees
it rise from a location where it should not rise from. When it comes to specific assertions, the Round Earth
model is unable to be justified with a prediction that fits reality.
33
Tradução nossa do original em inglês: When sunlight shines from overhead (on left), one square foot of
sunlight falls on one square foot of ground. When it shines at a shallow angle (on right), each square foot
of sunlight spreads out over many feet of ground.
59

preocupação está centrada na previsão dos movimentos, mais do que na explicação das
suas origens:
Ptolomeu se contentou em “salvar as aparências” e não especulou sobre a
estrutura subjacente dos céus.34 (FLAT EARTH: PLANETS).

Ao contrário de Ptolomeu, Copérnico propõe um sistema solar com o Sol no


centro e os planetas girando ao seu redor, apoiando-se nas seguintes evidências, segundo
a Flat Earth Society:
Mercúrio e Vênus sendo fisicamente mais agradáveis com um Sol como ponto
central, o movimento retrógrado de Marte como resultado de um sistema
centrado no Sol e o fato de Júpiter ter luas (Galileu) - uma prova de que a Terra
não era necessariamente o centro de tudo, como Ptolomeu sugeriu 35 (FLAT
EARTH: PLANETS).

A Flat Earth Society também realiza críticas ao modelo de Copérnico. Uma das
referências utilizadas para discutir sobre o modelo Copernicano é o livro “What Is This
Thing Called Science?”, de Alan Chalmers, em que é destacado o trecho que apresenta
os fatores que contribuíram para a aceitação da teoria copernicana. A aceitação reside na
maneira mais simples de explicar as características do movimento dos planetas em
comparação à maneira menos atraente e mais superficial utilizada pelo modelo
Ptolomaico. Porém, por mais que algumas características matemáticas estivessem a favor
da teoria de Copérnico, existe um fator que não é muito discutido no ensino, que é a
necessidade de epiciclos no sistema copernicano. Copérnico também necessitou adicionar
epiciclos ao seu modelo, e o número destes é similar à quantidade de epiciclos do sistema
de Ptolomeu. Os dois modelos possuem a mesma complexidade. Fazendo uso de mais
algumas referências, a Flat Earth Society destaca trechos que mostram comentários de
que Copérnico inflacionou o número de epiciclos do seu oponente, fazendo parecer que
o modelo de Ptolomeu possuía 80 epiciclos e não 40, para que a teoria rival parecesse
pior que a sua.
A teoria copernicana demorou a ser aceita e sofreu diversas críticas. A Flat Earth
Society cita um trecho da obra “Beng to Eternity and Betwixt: cosmo”, de John Hussey,
que mostra os argumentos do teólogo e astrônomo dominicano Giovanni Maria Tolosani,

34
Esse trecho possui o número indicando citação, porém a Flat Earth Society não realiza a referência.
Tradução nossa do original em inglês: Ptolemy was content to “save appearances” and did not speculate
about the underlying fabric of the heavens.
35
Tradução nossa do original em inglês: Mercury and Venus being more physically pleasing with a Sun as
center point, the retrograde motion of Mars as the result of a Sun-centered system, and the fact that Jupiter
had moons (Galileo) -- a piece of evidence that the Earth was not necessarily the center of everything as
Ptolmy suggested.
60

do Convento de São Marcos, em Florença, em meados de 1545, contra o


“copernicanismo”. Segundo Tolosani, Copérnico não ofereceu uma teoria física. Em vez
de observar os fenômenos e deduzir deles a ideia do que os causou, ele buscou fenômenos
para sustentar a sua posição. Ao fazer uso da matemática (os epiciclos eram vistos como
dispositivos matemáticos), que são produtos do intelecto humano e não baseado em
realidade física, Copérnico não forneceu causas físicas na investigação da natureza:
Assim, Copérnico parecia estar minando todo o sistema da filosofia da ciência
na época. Tolosani sustentava que Copérnico cometeu um erro filosófico
porque não era versado em física e lógica; qualquer pessoa sem tal
conhecimento daria um péssimo astrônomo e seria incapaz de distinguir a
verdade da mentira. Como o copernicanismo não atendeu aos critérios de
verdade científicos estabelecidos por Tomás de Aquino, Tolosani sustentou
que só poderia ser visto como uma teoria selvagem não comprovada36( FLAT
EARTH: trecho de referência utilizado da obra Beng to Eternity and Betwixt:
cosmo de John Hussey).

Após tratar sobre o sistema Copernicano e Ptolomaico, a Flat Earth Society trata
do sistema do astrônomo dinamarquês Tycho Brahe que propõe que os planetas giram em
torno do Sol, sendo o centro das revoluções planetárias, mas com o Sol girando em torno
da Terra estacionária. Esse modelo também é conhecido como “geoheliocêntrico”. O
funcionamento dos movimentos na Terra Plana é semelhante ao modelo semi-
heliocêntrico de Tycho Brahe, com o Sol em movimento girando em torno da Terra uma
vez por dia, enquanto os planetas giram em torno do Sol com várias circunferências
orbitais. A partir da interpretação da Terra plana tem-se:
Mercúrio e Vênus giram em torno do Sol próximo a ele, enquanto os planetas
superiores giram em torno do Sol em círculos maiores que abrangem o pólo
norte em caminhos semelhantes ao caminho principal do Sol, e que ficam entre
os trópicos.37 (FLAT EARTH: PLANETS).

Sobre Johannes Kepler, a Flat Earth Society cita que ele foi um sucessor de Tycho
Brahe, porém, apoiava o heliocentrismo. Foi um dos grandes contribuintes para os
conhecimentos sobre o movimento dos planetas, associou a variação na taxa de
velocidade de um planeta ao longo de sua órbita com sua posição relativa ao Sol. Quando

36
Trecho citado pela Flat Earth Society da obra Beng to Eternity and Betwixt: cosmo de John Hussey,
Tradução nossa do original em inglês: Thus Copernicus seemed to be undermining the whole system of the
philosophy of science at the time. Tolosani held that Copernicus had fallen into philosophical error because
he had not been versed in physics and logic; anyone without such knowledge would make a poor astronomer
and be unable to distinguish truth from falsehood. Because Copernicanism had not met the criteria for
scientific truth set out by Thomas Aquinas, Tolosani held that it could only be viewed as a wild unproven
theory.
37
Tradução nossa do original em inglês: Mercury and Venus would rotate around the Sun near to it while
the superior planets rotate around the Sun on larger circles encompassing the northern pole on paths similar
to the Sun's main path, and which sit between the tropics.
61

um planeta está mais próximo ao Sol, ele se move mais rápido, e quando está mais
afastado, ele se move mais devagar. Kepler sugeriu o magnetismo como explicação para
o fenômeno da atração pelo Sol, diferente de Newton que sugeriu a gravidade.
Porém, a Flat Earth Society chama atenção para a ideia de que suas contribuições
provariam o heliocentrismo. Seguindo o raciocínio de que ideias pré-existentes
influenciam resultados, a Flat Earth Society discute que os resultados de Kepler estariam
baseados nas suas preferências (ao heliocentrismo). Segundo a Flat Earth Society, Kepler
sabia que tais modificações elípticas também podiam ser realizadas no modelo
geocêntrico. As contribuições dele somente ajudam a resolver o entendimento acerca das
órbitas planetárias que não são círculos perfeitos, e sim elipses, independente do modelo
(seja ele heliocêntrico e geocêntrico).
Ao fim do tema “Planetas”, a Flat Earth Society realiza algumas citações38sobre
o movimento da Terra, em que frisam o argumento de que os movimentos dos planetas
observados nos céus não provam que a Terra também gire, afinal, não podemos sentir. As
observações de Galileu com seu telescópio podem ser acomodadas ao sistema de Tycho
Brahe. A escolha de qual modelo seguir é filosófica.
Sobre as estrelas, a Flat Earth Society informa que estão localizadas acima do Sol,
da Lua e dos planetas. São elementos luminosos e se movem girando “acima da Terra no
ritmo do Dia Sideral, que é cerca de uma rotação a cada 23,93 horas, ou 4 minutos a
menos que o Dia Solar” 39.
Continuando com as temáticas discutidas no tópico “Cosmos”, a Flat Earth
Society também discute sobre o “Princípio cosmológico”:
O Princípio Cosmológico e o Princípio Copernicano são filosofias que
afirmam que os humanos na Terra não são observadores privilegiados do
universo. Devido a essa filosofia, as observações astronômicas devem
consequentemente, ser interpretadas sob o contexto das teorias astronômicas
atuais, independentemente do que a realidade possa sugerir40 (FLAT EARTH:
COSMOLOGICAL PRINCIPLE).

38
Citações realizadas: Físico I. Bernard Cohen, Birth of a New Physics, revisado e atualizado, New York:
WW Norton, 1985, p.78; Philosopher and Mathematician Bertrand Russell, Citado de Dennis W. Sciama's,
The Unity ofthe Universe, New York: Doubleday, 1961, p. 102-103; Astrônomo Sir Fred Hoyle e
Cosmologist George Ellis em Scientific American, “Thinking Globally, Acting Universally”, outubro de
1995.
39
Tradução nossa do original em inglês: The stars revolve above the Earth at the rate of the Sidereal Day,
which is defined as the time between two consecutive transits of the First Point of Aries, which is about
one rotation every 23.93 hours, or 4 minutes shorter than the Solar Day.
40
Tradução nossa do original em inglês: The Cosmological Principle and the Copernican Principle are
philosophies which state that humans on the Earth are not privileged observers of the universe. Due to this
philosophy astronomical observations must consequently be interpreted under the context of current
astronomical theories, regardless of what reality might otherwise suggest.
62

Segundo a Flat Earth Society, o princípio cosmológico41 atual compreende que o


universo se expande indefinidamente em todas as direções e a posição da via láctea não
é peculiar ou atípica, além de afirmar que a Terra não está no centro de tudo. A teoria
copernicana desvincula a Terra do centro do Universo, fazendo uso do argumento de que
isso seria impensável diante de tantas galáxias existentes. Porém, contrariando essa
afirmação, a Flat Earth Society apresenta citações que argumentam que a Terra está no
centro42 do Universo. De modo geral, a Flat Earth Society não apoia a ideia de retirada
da Terra do centro do universo.
A ideia de “Multiverso” também é discutida. Segundo a Flat Earth Society, a
teoria de muitos universos permite que pensemos na existência de diferentes universos
com diferentes características, e o que habitamos é o universo que “funciona”. Segundo
a Flat Earth Society, a partir da teoria do multiverso não é necessário pensar na existência
de um ser divino que criou apenas o universo que contém o planeta que habitamos, ou
seja, que apresenta as características que permite a existência da vida. Essa ideia parece
incomodar a Flat Earth Society, justamente pela retirada do ser divino.
Outra discussão realizada é acerca do caráter científico da teoria de múltiplos
universos, pois a existência de outros universos não pode ser provada ou refutada e isso
coloca o empreendimento científico em risco. As teorias científicas bem-sucedidas fazem
previsões que podem ser testadas. A teoria do multiverso não realiza previsões e sim
explicações que são acomodadas de forma flexível em qualquer observação.
Após discutir os astros, seus movimentos e o seu modelo de funcionamento, a Flat
Earth Society discute ainda, neste tópico “Cosmos”, o problema dos três corpos. Segundo
a Flat Earth Society, o problema dos três corpos é uma tentativa – sem sucesso – de
simular um sistema heliocêntrico Sol-Terra-Lua43. Segundo a Flat Earth Society, caso
três corpos entrem em órbita, o corpo menor tenderá a ser expulso desse sistema. Nos
casos em que é possível um sistema ser composto por três corpos, dois deles necessitam
ter a mesma massa, espaçamento simétrico e magnitudes específicas em configurações
específicas. Uma vez que o sistema não é composto por tais características, há uma reação

41
Foi difícil de detectar o objetivo desse tópico (Cosmological principle) devido à forma que é discutido o
tema: são apresentadas diversas citações que foram copiadas e coladas sem que fosse realizada uma
discussão ou comentários sobre elas, não ficando explícito qual delas é apoiada ou não pela Flat Earth
Society. Algo encontrado também em outros subtópicos e temas.
42
Mais especificamente, a Flat Earth Society utiliza o termo “parecemos estar no centro”, se referindo a
nós estarmos no centro.
43
Tradução nossa do original em inglês: simulate a heliocentric Sun-Earth-Moon system.
63

de caos. Segundo a Flat Earth Society, tais especificações não são compatíveis com as
características do sistema de astronomia proposto por Copérnico.
Como expresso no site da sociedade, o desafio de resolver o problema dos três
corpos foi encarado por diversos cientistas, entre eles, Isaac Newton (1643-1727), porém
sem sucesso 44 . A previsão de órbitas elípticas para além da órbita circular continha
cálculos mais complicados e os matemáticos foram incapazes de obter soluções exatas do
modelo para além dos dois corpos 45 . Para resolver esse problema, Newton invoca a
intervenção divina.
Além de Newton, outra solução citada é a proposta por Henri Poincaré (1854-
1912). A Flat Earth Society cita por completo a publicação realizada no site do físico do
Caltech Sean Carroll46, que descreve o envolvimento de Henri Poincaré com o problema
dos três corpos. Poincaré participou de uma competição matemática em 1885, em
homenagem ao 60° aniversário do Rei Oscar II da Suécia. Seu ensaio demonstrava a
estabilidade dos movimentos planetários em um sistema em que um corpo se move no
campo gravitacional gerado por dois outros corpos. Tal ensaio foi muito aclamado e
estava sendo preparado para publicação na Acta Matemática.
Antes da publicação do artigo de Poincaré, algumas dúvidas foram enviadas pelo
editor assistente da revista. Mas, ao tentar solucionar os problemas, Poincaré percebeu
que estava “provando o oposto de sua afirmação original – as órbitas de três corpos não
eram estáveis de forma alguma” 47. Mesmo diante do resultado, a publicação do artigo
ocorreu, pois, havia a expectativa que Poincaré solucionasse o problema, porém essa
solução não aconteceu. Em vez de entender a dinâmica de três corpos em órbita e provar
a sua estabilidade, Poincaré acabou inventando a teoria do caos48. O autor da publicação
que está sendo usada como referência para expor a relação de Poincaré com o problema
dos três corpos finaliza afirmando que as órbitas de três corpos são caóticas e que foram

44
A referência utilizada pela Flat Earth Society foi The PhysicsProblemthat Isaac Newton Couldn't Solve,
publicado no site Cosmic Yarus em 2017 pelo professor de física Robert Scherrer.
45
A referência utilizada pela Flat Earth Society foi um trecho do documentário The Strange New Science
of Chaos.
46
Link disponibilizado pela Flat Earth Society da publicação:
https://web.archive.org/web/20180816124720/http://www.preposterousuniverse.com/blog/2006/07/23/n-
bodies/
47
Tradução nossa do original em inglês: proving was the opposite of his original claim — three-body orbits
were nots tableatall.
48
Tradução nossa do original em inglês: Poincaré ended up inventing chaos theory.
64

descobertas como altamente assimétricas. A Flat Earth Society finalizada esse trecho da
seguinte forma:
Os leitores devem decidir por si próprios se o sistema Sol-Terra-Lua ou outros
sistemas propostos pela Astronomia contemporânea são sistemas “altamente
simétricos” 49. (FLAT EARTH: THE THREE BODY PROBLEM).

Diversas outras citações são realizadas pela Flat Earth Society para mostrar como
as soluções encontradas para o problema dos três corpos são restritas a casos tão
específicos que os diferentes modelos não condizem com a teoria heliocêntrica.
A Flat Earth Society discute também que os movimentos das galáxias também
não condizem com as teorias newtonianas e einsteinianas. De acordo com o site, essas
teorias predizem que o centro da galáxia deveria girar mais rápido que suas bordas,
porém, observa-se que elas giram como se fossem discos sólidos. A Flat Earth Society
expõe que, para a ciência explicar a rotação das galáxias, é necessário adicionar a
explicação de que há algum tipo de substância que mantenha as estrelas fortemente
unidas, essa substância é a matéria escura. De acordo com a Flat Earth Society, essa é a
forma de explicar esses pontos que não são condizentes com a teoria. A velocidade que
as galáxias giram é superior ao que equivale ao seu suposto tamanho, e, de acordo com a
teoria, as estrelas deveriam saltar para longe umas das outras. Além disso, as galáxias são
observadas se movendo de forma sincronizada, mesmo estando muito distantes umas das
outras para haver algum tipo de interação entre elas, o que contradiz o conceito de grande
universo.

Física geral
A seguir iremos descrever o tópico “Física geral”, que se relaciona com o tópico
anterior, aprofundando suas explicações. Nesse tópico, a Flat Earth Society trata sobre a
gravidade. Em “Perguntas frequentes” é questionado: “Por que a gravidade não puxa a
Terra para uma forma esférica?”. A resposta é que a gravidade, diferente do que é
ensinado, é causada pela “Aceleração Universal (UA)” da Terra, responsável pela
aceleração constante da Terra para cima. Com isso, é essa força que empurra os objetos
para baixo. Ela é a “teoria da gravidade do Modelo Terra Plana”:
Imagine sentar-se em um carro que nunca para de acelerar. Você será
empurrado para sempre em seu assento. A Terra funciona da mesma maneira.
Ele está constantemente acelerando para cima sendo empurrado por um

49
Tradução nossa do original em inglês: Readers should decide for themselves whether the Sun-Earth-
Moon system or other systems proposed by contemporary Astronomy are “highly symmetric” systems.
65

acelerador universal (UA) conhecido como energia escura ou vento etérico 50·.
(FLAT EARTH: FREQUENTLY ASKED QUESTIONS).

No tema “Aceleração Universal (UA)”, a Flat Earth Society afirma que a teoria
tradicional da gravidade junto com a teoria da relatividade geral é incompatível com o
modelo Terra plana, por necessitarem “de uma grande massa esférica puxando os objetos
uniformemente em direção ao seu centro”. Todos os corpos celestes suficientemente
massivos aceleram para cima por aproximadamente 9,8 m/s2, e isso provoca o peso dos
objetos na superfície da Terra. Sempre somos puxados para baixo e não é possível
perceber essa aceleração. Essa não percepção é explicada a partir do “princípio da
equivalência na física”:
Este princípio na física afirma que em um referencial relativo, não é possível
discernir localmente se o referencial está acelerando para cima ou se o objeto
dentro do referencial é afetado pela gravidade 51 (FLAT EARTH:
UNIVERSAL ACCELERATION).

Uma das questões que podem ser levantadas e que a Flat Earth Society responde
é com relação aos objetos excederem a velocidade da luz ao acelerarem continuamente
ao longo do tempo. É respondido que isso não é possível, e utilizam a Teoria da
Relatividade Especial para explicar essa impossibilidade e afirmar que a Terra pode
acelerar para sempre sem atingir a velocidade da luz. Ao fazer uso da relatividade especial
é colocado:
Neste ponto, muitos leitores questionarão a validade de qualquer resposta que
use termos da física avançados e que soam intimidantes para explicar uma
posição. No entanto, é verdade 52 (FLAT EARTH: UNIVERSAL
ACCELERATION).

É afirmado que existem várias explicações para a Aceleração Universal (UA), e


que devido à falta de verbas para pesquisas científicas é praticamente impossível
determinar qual das teorias sobre a UA é a correta. São mostradas duas teorias: o modelo
da energia escura e o avião Davis (mais recente). A primeira propõe que o disco esteja
sendo elevado pela energia escura (ainda desconhecida) e que “segundo os físicos
globularistas, representa cerca de 70% do universo”. A segunda “afirma que existe um

50
Tradução nossa do original em inglês: Imagine sitting in a car that never stops speeding up. You will be
forever pushed into your seat. The Earth works much the same way. It is constantly accelerating upwards
being pushed by a universal accelerator (UA) known as dark energy or aetheric wind.
51
Tradução nossa do original em inglês: This principle in physics states that in a relative frame of reference,
it is not possible to locally discern whether the frame is accelerating upwards, or if the object inside the
frame is affected by gravity.
52
Tradução nossa do original em inglês: At this point, many readers will question the validity of any answer
that uses intimidating-sounding advanced physics terms to explain a position. However, it's true
66

plano infinito de matéria exótica em algum lugar abaixo do disco, empurrando na maneira
oposta da gravidade tradicional”.
Sobre a gravidade da Terra Plana, segundo a Flat Earth Society não há variação
da gravidade ao longo da superfície da Terra ou à medida que aumenta a altitude, além
disso, o Sol e a Lua não exercem atração gravitacional sobre a Terra. É informado que
experimentos de equilíbrio de torção muito sensíveis foram conduzidos durante um período
de 24 horas, cujos resultados mostram que a variação de gravidade é inexistente e os poucos
efeitos que surgiram são questionáveis. São apresentadas, mais uma vez, citações a favor do
princípio da equivalência, desta vez no tema “dilatação do tempo gravitacional”, para
apoiar a não existência nas variações de gravidade. É criticada a forma com que a
gravidade é defendida pelos cientistas: ela deveria ser baseada em experimentos
empíricos e não em “rumores ou teorias”.
Sobre a gravidade na Terra esférica, é negado que os diferentes valores de peso
nas diferentes localidades da Terra sejam causados pela interferência gravitacional. A
variação do peso dos corpos possuiria relação com outras condições, como, por exemplo,
pressão e umidade. Além disso, a gravimetria é frequentemente usada como evidência de
que o campo gravitacional da Terra varia com a latitude e com a localização, porém, a
gravimetria não mede diretamente a gravidade. Ela funciona como sismógrafos que
medem pequenos impactos de ruídos sísmicos que são interpretados como variações na
gravidade.
Outro estudo que a Flat Earth Society coloca como incoerente para provar a
gravidade é o experimento realizado pelo cientista britânico Henry Cavendish (1731 –
1810) sobre a medição da força da gravidade entre massas, que prova a atração universal
entre corpos massivos. Este experimento estaria repleto de resultados errados com
interferências de outros efeitos que não seriam da gravidade:
O experimento Cavendish deve ser considerado pelo que é: um experimento
inconsistente que é reconhecidamente perturbado e dominado por efeitos
desconhecidos ou não mitigados, e que podem ou não incluir "gravidade" nos
resultados vistos53( FLAT EARTH: CAVENDISH EXPERIMENT).

O último tema sobre a gravidade da Terra redonda trata de isostasia, “conceito na


Geologia invocado para explicar por que as estruturas da Terra não se comportam de
acordo com a Gravidade”. Tendo em vista que corpos de maior massa atraem mais

53
Tradução nossa do original em inglês: the Cavendish Experiment should be regarded for what it is: An
inconsistent experiment which is admittedly disturbed and dominated by unknown or unmitigated effects,
and which might or might not include "gravity" in the results seen.
67

fortemente outros corpos, é esperado, segundo a Flat Earth Society, que montanhas
possuam atração gravitacional maior que colinas e planaltos. Porém, são mostrados casos
de estudos com fio de prumo não defletor que obtiveram resultados não compatíveis com
o esperado pela teoria da gravidade54.
A Flat Earth Society traz comentários que fazem crítica ao dogmatismo em torno
da teoria gravitacional, sendo considerada a mesma relação que há na religião. Uma vez
que não pode contradizer a autoridade, se a teoria afirma que matéria atrai matéria, por
exemplo, um estudo que mostre o contrário terá seus resultados questionados e mudarão
os argumentos para que possa se moldar à teoria. Essa crítica surge em diversos
subtópicos e temas dentro do tópico de “Física geral”.

Forma e magnitude
Seguindo com as discussões acerca do movimento da Terra, o próximo tópico que
será descrito é “Forma e magnitude”. Nesse tópico há o tema “rotação da Terra”, e, para
discutir sobre o movimento da Terra, a Flat Earth Society crítica o experimento do
pêndulo de Foucault e o Efeito Coriolis. O experimento do pêndulo de Foucault (Figura
5), introduzido em 1851, é apresentado como uma suposta evidência que prova a rotação
da Terra. Segundo a Flat Earth Society, Foucault afirmou que os movimentos rotacionais
oscilantes do pêndulo de seu experimento eram a prova da rotação da Terra.

Figura 5 - Léon Foucault põe o pêndulo em movimento para o público

Fonte: Flat Earth Society.

54
Não há maiores detalhes destes experimentos, nem como foram realizados.
68

Atualmente, esse experimento é exposto em museus e se utiliza de motores para


que o movimento não cesse devido à resistência do ar, porém, segundo a Flat Earth
Society, é a maquinaria repetitiva que cria os resultados regulares:
Assim, o experimento é totalmente inválido como demonstração da rotação
diurna. O fato de um pêndulo em uma linha poder girar conforme oscila indo
e voltando tem mais a ver com as condições iniciais que o colocaram em
movimento do que com a suposta rotação da Terra 55 (FLAT EARTH:
FOUCAULT PENDULUM).

É citada a obra “The Romance of Science”, de Lady Blount, como crítica ao


experimento do pêndulo:
Agora, para provar que a Terra realmente tem esses movimentos, um pêndulo
é suspenso no show; o showman põe em movimento e pede ao mundo
escancarado de homens e mulheres irrefletidos para 'contemplar uma prova' de
que estamos vivendo em um globo giratório que está se distanciando pelo
espaço! 56(FLAT EARTH: FOUCAULT PENDULUM).

A Flat Earth Society traz algumas citações para informar como foi a recepção
histórica do experimento de Foucault. Uma citação importante é o artigo “The Popular
and Scientific Reception of the Foucault Pendulum in the United States”, de 1999, do
professor Michael F. Conlin. É destacado que o experimento do pêndulo de Foucault não
foi bem recebido e até mesmo rejeitado pelo astrônomo Real George Airy. O experimento
foi aceito como uma “questão prática”, mas estava “sem dúvidas aberto a todo tipo de
dúvida”. Airy conduziu seus próprios experimentos de maneira adequada e concluiu “que
a dificuldade de iniciar um pêndulo livre, de modo a fazê-lo vibrar primeiro no plano, é
extremamente grande”. Essas opiniões se mantiveram em segredo, mas periódicos
populares souberam de suas rejeições ao experimento e iniciaram uma busca pela
validade do pêndulo de Foucault.
São destacados alguns trechos pela Flat Earth Society, como, por exemplo, do
jornal London Literay Gazette, que publicou que se deve ter cautela “porque pessoas não
qualificadas pelos hábitos anteriores de pesquisa e investigação precisa haviam falhado”.
O Illustrated London News “expressou reservas semelhantes, observando que o
experimento agora está gerando muita controvérsia”. Outra citação realizada é a de um
correspondente da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS) que

55
Tradução nossa do original em inglês: Thus, the experiment is entirely invalid as a demonstration of
diurnal rotation. That a pendulum on a line can rotate as it swings back and fourth has more to do with the
initial conditions which set it into motion than the supposed rotation of the earth.
56
Tradução nossa do original em inglês: Now to prove that the earth really has these motions a pendulum
is suspended at the show; the showman sets motion, and bids the gaping world of thoughtless men and
women to ‘behold a proof’ that we are living on a whirling globe which is rushing away through space!
69

realizou uma repetição do experimento sem sucesso. Houve uma explicação em um artigo
da Appletons ‘Mechanics and Engineer’ Journal:
que os cientistas “chegaram a uma conclusão precipitada e prematura” ao
afirmar que um pêndulo vibratório poderia fornecer uma prova visível da
rotação da Terra devido a duas suposições “injustificáveis”: que o atrito no
ponto de suspensão não era nada e que o pêndulo podia vibrar
independentemente do movimento da Terra57 (FLAT EARTH: FOUCAULT
PENDULUM).

Outras citações realizadas pela Flat Earth Society fazem referência a erros
mecânicos. Alguns resultados apresentaram o sentido esperado, anti-horário no
Hemisfério Sul e horário no Hemisfério Norte, e algumas replicações não apresentaram
o resultado esperado, e isso mostraria o fracasso dos astrônomos. Rowbotham também
informa, em sua obra Earth Not a Globe, que a variação do pêndulo é inconstante, não
podendo ser usado como instrumento para nenhum experimento. Caso o movimento da
Terra existisse, ele poderia ser sentido.
Sobre o Efeito Coriolis, segundo a Flat Earth Society, ele é um efeito fictício que
nunca foi devidamente demonstrado com evidências experimentais, e as evidências
mostradas parecem ser baseadas inteiramente no “conhecimento comum”. A Flat Earth
Society coloca que são realizadas “previsões” de como as coisas “deveriam ser”, todos os
documentos e artigos apresentados a favor desse efeito são sem referência e não contêm
demonstração experimental crítica necessária para provar diretamente esse assunto.
A Flat Earth Society advoga que os primeiros estudos do Efeito Coriolis teriam
sido realizados por Giovanni Borelli, na década de 1660, “em uma análise teórica” em
que ele descobriu que os corpos em queda “sofrerão uma pequena deflexão para o leste”.
Essas informações foram obtidas de uma publicação intitulada “History of the Coriolis
force” do site do Laboratório de Fluxos Geofísicos e Industriais (LEGI), da França. A
partir dessa informação, a Flat Earth Society começa a discutir sobre artilharia e de como
a ideia do Efeito Coriolis pode interferir no momento de acertar o tiro em um alvo. É
analisada a “Tabela Coriolis da Artilharia do Exército dos EUA” 58, que, segundo a Flat

57
Tradução nossa do original em inglês: that scientists had "jumped to a hasty and premature conclusion"
in asserting that a vibrating pendulum could provide a visible proof of the earth's rotation because of two
"unjustifiable" assumptions: that friction at the point of suspension was nothing and that the pendulum
could vibrate independently of the earth's motion.
58
Link para a tabela analisada: <https://wiki.tfes.org/File:Army-coriolis-table.png>. Documentos da
artilharia que também forama analisados: artilharia de 1967 e de 1973, o documento do suposto especialista
Guy Schuchman de 2016, além do documento do Serviço de Pesquisa de Armamento da Austrália, de 2017.
70

Earth Society, supostamente leva em consideração o Efeito Coriolis no momento do tiro


e contém os ajustes necessários para que o alvo possa ser atingido.
Foi visto nesses documentos que, mesmo fazendo uso da tabela de precisão, os
alvos somente são acertados após algumas tentativas. Os membros da Flat Earth Society
encontram depoimentos de atiradores que nunca levaram em consideração o Efeito
Coriolis ao atirar. Além disso, foram encontrados manuais 59 que não fazem nenhuma
menção ao Efeito Coriolis. Segundo a Flat Earth Society os documentos mencionam:
perspectiva, ponto de fuga, desenho em perspectiva, delineamento e áreas geográficas de
operações de inteligência, mas nada sobre o Efeito Coriolis.
Esse tema se relaciona com a lei da queda dos corpos, que também é discutida
pela Flat Earth Society. Na obra “Earth Not a Globe”, de Samuel Rowbotham, há o
capítulo “Deflexão de corpos em queda”, que é inteiramente dedicado aos experimentos
realizados sobre esse assunto mostrando suas inconsistências. Segundo a Flat Earth
Society, os resultados encontrados nos experimentos possuem um valor “tão pequeno que
se torna praticamente inestimável”. Ao mesmo tempo em que se encontram resultados
que comprovam a deflexão do objeto em queda para o leste, também é visto um desvio
para o sul, resultado que não é o esperado do Efeito Coriolis.
A Flat Earth Society mostra o experimento realizado por Barron Rosland von
Eötvös para detectar a força de Coriolis. Uma análise desse experimento é encontrada no
trabalho Foundations of Modern Cosmology de John F. Hawley e Katherine A. Holcomb.
Nele, conclui-se que o princípio da equivalência foi testado nesse experimento, provando
que “a massa inercial e gravitacional eram iguais”, porém, a Flat Earth Society expõe que
nenhum efeito da força de Coriolis foi encontrado.
Experimentos sobre a torção da água 60 em ralos de piscinas, banheiras e pias
também foram realizados e alguns explicados a partir do Efeito Coriolis, pois a rotação
da Terra influencia a direção com que os fluidos giram na superfície do planeta. Eles
tendem a girar no sentido anti-horário no hemisfério norte e no sentido horário no
hemisfério sul. Porém, em pequenas escalas o Efeito Coriolis é praticamente nulo, mas

59
Manuais analisados: os manuais de atiradores do Corpo de Fuzileiros Navais do EUA, do Exército dos
EUA e da Marinha dos EUA.
60
A Flat Earth Society usa as seguintes referências para mostrar que o direcionamento da água não é em
decorrência do Efeito Coriolis: o livro “Trivia Questionos That Even Know-It-Alls Get Wrong”, de Rod L.
Evans, 1956; publicação do site Earth Science –Semester 1: The World’sWater; publicação do site
“Science Project”; O livro A student’sGuide Earth Science, Words na Terms, Volume 1, 2004; publicação
do site Scientific American e publicação do site New Scientist.
71

alguns experimentos foram realizados como demonstração do Efeito Coriolis sobre a


direção da água ao se encaminhar para o ralo. A Flat Earth Society conclui que:
Muitas dessas discussões são frequentemente encerradas após um simples
pedido de provas. Afirma-se que existem "montanhas" de evidências para
fenômenos como este, mas quando o proponente da Terra Redonda é
questionado de maneira simples e educada sobre a demonstração necessária,
descobrimos que a resposta é geralmente, para qualquer padrão razoável,
lamentavelmente insuficiente. [...]. É bastante curioso que este efeito não
possa ser demonstrado claramente, e seja tão facilmente derrotado com um
questionamento tão simples, apesar do acesso de nosso oponente ao vasto
acervo de conhecimento humano que é a internet. 61 ( FLAT EARTH:
CORIOLIS EFFECT).

Sobre o tema “Efeito Coriolis (Clima)” é mostrado que os “sistemas permanentes


de vento e água da Terra” não giram na direção proposta pelo efeito Coriolis, o qual alega
que “no hemisfério norte os sistemas de vento giram no sentido anti-horário, e no
hemisfério sul os sistemas de vento giram no sentido horário”. Segundo a Flat Earth
Society, o direcionamento dos ventos é proporcionado pelos sistemas “Prevailing Winds”
e “Trade Winds”, que “são os maiores sistemas de ventos permanentes do mundo que
colocam os sistemas oceânicos em movimento”. A Flat Earth Society mostra alguns
mapas62 para destacar que o direcionamento dos ventos está no sentido anti-horário no
Hemisfério Sul e sentido horário no Hemisfério Norte, o contrário do indicado pelo Efeito
Coriolis.
Além do pêndulo de Foucault, outro experimento relacionado com o movimento
da Terra, segundo a Flat Earth Society, é a experiência Michelson-Morley. Em uma carta
escrita para o seu pai, Morley disse que o objetivo do experimento era observar se a luz
viaja com a mesma velocidade em todas as direções. Como resultado, a luz viajou com a
mesma velocidade nas várias direções horizontais testadas. Além disso, segundo a Flat
Earth Society, os resultados mostraram que a Terra não se moveu ao redor do Sol de
forma mensurável, em contradição com todas as expectativas do modelo astronômico

61
Tradução nossa do original em inglês: Many of these discussions are often put to an end after a simple
request of evidence. 'Mountains' of evidence are claimed to exist for phenomena such as this, yet when the
Round Earth proponent is questioned in a simple and polite manner on the necessary demonstration, we
find that the response is generally, to any reasonable standard, woefully insufficient.[...] It is quite curious
that this effect cannot be clearly demonstrated, and is so easily defeated with such simple questioning,
despite our opponent's access to the vast collection of human knowledge that is the internet.
62
Mapa de 1943 das correntes oceânicas mundiais e gelo marinho do Atlas de Mapas Mundiais da Forças
de Serviço do Exército dos Estados Unidos, Divisão de Treinamento Especializado do Exército, e um mapa-
múndi que não possui referência, mas que possui como objetivo mostrar a direção das setas.
72

aceito, falhando em detectar o movimento da Terra (FLAT EARTH: MICHELSON-


MORLEY EXPERIMENT).
É citado um trecho escrito por Ronald W. Clark (um dos biógrafos de Albert
Einstein), em que ele afirma que a ciência enfrenta um problema considerável com os
resultados do experimento de Michelson e Morley, pois, caso aceitasse a alternativa de
que a Terra está parada, a teoria copernicana se tornaria impensável. Além disso, citam
que outros cientistas reproduziram o experimento várias vezes e, segundo a Flat Earth
Society, os resultados também conduziram a uma conclusão de que a Terra era imóvel.
Com a influência da Teoria da Relatividade Especial de Einstein, que “forneceu uma
ilusão onde a velocidade da luz é constante para todos os observadores,
independentemente do movimento”, os resultados de Michelson e Morley foram
explicados. Isso favoreceu a sobrevivência da teoria heliocêntrica mesmo com
“evidências experimentais contraditórias diretas”.
A Flat Earth Society cita também G. J.Whitrow, “um matemático, cosmólogo e
historiador da ciência britânico”. Ele realizou uma “perspectiva história” afirmando que,
se o experimento de Michelson e Morley tivesse sido realizado no século XVI ou no
século XVII, quando ocorriam os debates sobre o sistema copernicano e ptolomaico, os
resultados obtidos certamente teriam sido interpretados como evidência conclusiva da
imobilidade da Terra, uma defesa triunfante do sistema ptolomaico e uma falsificação
irrefutável da hipótese copernicana. Entretanto, este experimento foi realizado no ano de
63
1887 e foi apontado, numa visão retrospectiva, como um dos fundamentos
experimentais da relatividade, rendendo a Michelson o Prêmio Nobel em 1907.
Outro experimento mostrado é o da Contração de Lorentz-FitzGerald, que
também foi apoiada por Einstein e tornou-se parte da Relatividade Especial. Com relação
à influência dos experimentos de Michelson-Morley para a relatividade, são utilizadas as
referências da palestra realizada por Einstein intitulada “Como criei a Teoria da
Relatividade” 64 (1922), realizada em Quioto. Segundo a Flat Earth Society, os resultados
negativos de Michelson-Morley e o experimento da contração de Lorentz impulsionaram
o desenvolvimento da teoria da relatividade por Einstein. Uma vez que para provar o
movimento da Terra o experimento de Michelson-Morley não é útil, ele teria sido
adaptado à teoria heliocêntrica. Com isso, postulou-se que a luz se propaga em todas as

63
E repetido em diversas outras ocasiões.
64
Link disponibilizado: https://artsandculture.google.com/exhibit/QQpRfXM-
73

direções com a mesma velocidade constante em todos os sistemas de referência legítimos


(em movimento uniforme). Segundo a Flat Earth Society, ao invés do experimento de
Michelson-Morley ter servido de impulso para a teoria da relatividade, ele deveria ter sido
aceito como prova da imobilidade da Terra. Esse seria um caminho mais fácil, porém,
não queriam ir contra a teoria de Copérnico.
Outro subtópico que também contém críticas a experimentos é o que discute o
experimento realizado por Eratóstenes65 (246 a. C – 194 a. C). Segundo a Flat Earth
Society, é um equívoco a afirmação de que Eratóstenes estava medindo a circunferência
da Terra redonda em seu famoso experimento da sombra:
Na verdade, ele estava medindo o diâmetro da terra plana (distância
transversal), que é uma figura idêntica à circunferência da terra redonda
(distância ao redor)66 (FLAT EARTH: ERATOSTHENES ON DIAMETER).

O experimento da sombra de Eratóstenes, segundo a Flat Earth Society, foi


utilizado para determinar o diâmetro da Terra plana, com o resultado no valor de 25.000
milhas de diâmetro. Mesmo diante da afirmação de que esse resultado é a medição da
Terra Plana, é dito logo adiante que a Terra é “fisicamente muito maior”, e que o valor de
25.000 milhas corresponde à área da Terra que a luz do Sol afeta, e que esta área
representa o “nosso mundo conhecido67”. Há uma indicação de que isso seria óbvio, pois
é escrito:
68
A Terra é fisicamente muito maior, é claro (FLAT EARTH:
ERATOSTHENES ON DIAMETER).

Outro experimento discutido é o “Efeito do navio afundando no horizonte” 69. Este


tema está incluso no subtópico “Tópicos ópticos”. Segundo a Flat Earth Society, a causa
desse efeito do navio afundado pode ser explicada de diferentes maneiras: protuberâncias
na superfície do oceano; refração; e falta de resolução óptica. Por protuberâncias na
superfície do oceano, a Flat Earth Society utiliza como fonte a obra Zetetic Astronomy,
de Parallax (pseudônimo do Samuel Rowbotham, 1881), que mostra que um dos fatores

65
Este experimento realizado por Eratóstenes é regularmente utilizado para argumentação da Terra esférica.
É importante perceber como os terraplanistas o enxergam e o traduzem como evidência para a defesa da
Terra Plana.
66
Tradução nossa do original em inglês: He was actually measuring the diameter of the flat earth (distance
across), which is a figure identical to the circumference of the round earth (distance around).
67
Parece contraditório afirmar que o resultado de Eratóstenes foi utilizado como medição do diâmetro da
Terra plana e logo em seguida afirmar que a Terra é “fisicamente muito maior”, mas não houve maiores
explicações para o porquê da segunda afirmação.
68
Tradução nossa do original em inglês: The earth is physically much larger, of course.
69
Tradução nossa do original em inglês: Sinking Ship Effect. https://wiki.tfes.org/Sinking_Ship_Effect
74

para não vermos objetos que vão se aproximando do horizonte é por estarem sendo
cobertos pelas ondas do oceano.
A causa por refração é explicada pela Flat Earth Society a partir de Rowbotham,
que afirma que as condições do local interferem na visualização do casco no navio, sendo
mais provável ocorrer em ambientes oceânicos agitados e mais difícil em águas menos
movimentadas, como em lagos e canais. Essa inconsistência retira o argumento de que o
efeito seja causado devido a Terra ser esférica.
Na explicação da “falta de resolução óptica”, a fonte utilizada também é
Rowbotham, que descreve o mecanismo para ocorrência desse fenômeno:
O casco do navio fica tão perto da superfície da água à medida que recua que
eles parecem se fundir. Onde os corpos ficam tão próximos uns dos outros que
parecem se fundir é chamado de Ponto de Fuga70. (FLAT EARTH: SINKING
SHIP EFFECT CAUSED BY LIMITS TO OPTICAL RESOLUTION).

É citado que esse conteúdo é estudado nas escolas de arte, porém, de forma errada.
Ocorre que o ponto de fuga está localizado a uma distância infinita do observador, mas,
devido ao ser humano não conseguir enxergar o infinito, as “linhas de perspectiva são
modificadas e colocadas a uma distância finita do observador”, e a distância finita é o
ponto de fuga “que permite que os navios encolham no horizonte e desapareçam quando
seus cascos se cruzam com o ponto de fuga de baixo para cima”, como indicado na figura
6.

Figura 6 - Ilustração da visualização do barco à medida que se afasta. No último barco


o casco do navio parece se fundir com a superfície.

Fonte: Flat Earth Society.

A Flat Earth Society sabe que essa explicação é verdadeira porque “há relatos de
navios meio afundados restaurados olhando-os por meio de telescópios”, portanto, esse

70
Tradução nossa do original em inglês: The ship's hull gets so close to the surface of the water as it recedes
that they appear to merge together. Where bodies get so close together that they appear to merge is called
the Vanishing Point
75

efeito é “puramente perceptivo”, pois, com o uso de um telescópio é possível adquirir a


vista completa do navio. São citados diversos relatos sobre o uso do telescópio encontrado
no livro Zetetic Cosmogony de Thomas Winship. Ao invés desse fenômeno provar a
curvatura da Terra, ele prova que a Terra é plana:
O fato de que um telescópio pode restaurar um navio meio afundado demonstra
que o navio não está viajando por trás de uma terra convexa71 (FLAT EARTH:
SINKING SHIP EFFECT CAUSED BY LIMITS TO OPTICA
RESOLUTION).

A Flat Earth Society também explica o efeito do navio afundando a partir de


relatos de testemunhas que, inicialmente, não conseguiam observar o casco e, após a
utilização de um binóculo, conseguem vê-lo mesmo a uma distância de 12 milhas.
Assim como citado no experimento de Eratóstenes, o efeito do navio afundando
seria lógica e matematicamente a prova de que a Terra é plana e não um globo. Devido
ao “desejo inconquistável” de apoiar uma teoria, segundo a Flat Earth Society, a lei de
perspectiva foi erroneamente ensinada pelas escolas e não é aplicada pelos astrônomos
para explicar o efeito do navio afundando.
Dentro de “Tópicos ópticos”, é discutido sobre as fotografias. A “Flat Earth
Society não dá muita credibilidade às evidências fotográficas”, uma vez que as
consideram facilmente manipuladas e alteradas, não sendo consideradas confiáveis.
Segundo a Flat Earth Society, as câmeras modernas fazem com que a imagem seja
distorcida através da “distorção de barril”, “quando tiradas do vidro torto de uma cabine
pressurizada” ou devido às “condições atmosféricas externas”. As fotografias que
mostram um horizonte curvo não representam um problema para a Flat Earth Society,
pois:
A curvatura resulta do fato de que no limite da atmosfera estamos olhando para
a área circular iluminada da luz do sol. O observador está olhando para um
círculo. Um círculo é sempre curvo em duas dimensões. Ao olhar para a área
circular da luz do Sol sobre a Terra, vemos uma curvatura elíptica 72 (FLAT
EARTH: HIGH ALTITUDE PHOTOGRAPHS).

Além da visualização da Terra através de fotografias, a Flat Earth Society chama


atenção para a visualização a olho nu. Por mais que a Terra seja plana, não é possível

71
Tradução nossa do original em inglês: The fact that a telescope can restore a half-sunken ship
demonstrates that the ship is not traveling behind a convex land.
72
Tradução nossa do original em inglês: Curvature results from the fact that at the edge of the atmosphere
we are looking down at the illuminated circular area of the sun's light. The observer is looking down at a
circle. A circle is always curved in two dimensions. When looking down at the circular area of the sun's
light upon the earth we see elliptical curvature
76

observar continentes distantes a milhares de quilômetros porque há um limite para a visão


humana e porque a atmosfera não é perfeitamente transparente: “os átomos e as moléculas
não são transparentes e, portanto, os objetos distantes se desvanecem com a distância”. A
distorção da visualização de objetos distantes também está ligada à altitude que o
observador se encontra (quanto mais elevada a altitude, há uma mudança na linha de
perspectiva em relação à Terra, distanciando o ponto de fuga e possibilitando que se
enxergue mais longe) e à poluição da atmosfera.
Seguindo com o tópico principal “Forma e magnitude”. Iremos descrever o
subtópico “fenômenos naturais” 73, em que são discutidos os temas: parede de gelo, a
‘atmolayer’ (atmosfera da Terra plana), aurora e formação de montanhas e vulcões.
Atmolayer é o termo da Terra plana para a atmosfera e compreende uma série de camadas
de gases acima da parte habitada da Terra, consistindo nas seguintes subcamadas:
Tropolayer - até 18km
Stratolayer - até 50km
Mesolayer - até 90km
Ionolayer - cerca de 480 km
(FLAT EARTH: ATMOLAYER)

Para a contenção dos gases presentes na atmolayer a Flat Earth Society apresenta
algumas hipóteses: através da parede de gelo (atualmente desacreditado); por um campo
de energia escura, em que os fluxos de energia escura na borda do mundo retêm os gases;
há a hipótese Atmolayer Lipe a hipótese de que não há necessidade de retenção dos gases
(a Terra é eterna e não é necessário reter a atmolayer, pois, “não teria nada de onde cair”).
Essa hipótese de a Terra ser infinita é utilizada por alguns terraplanistas como “uma
analogia para o que existe além da parede de gelo”, “um pedaço de terra incompreensível
para os padrões humanos” (FLAT EARTH: ATMOLAYER74).
A hipótese Atmolayer Lip compreende que a pressão barométrica tem seu
aumento e diminuição influenciada pelo calor proveniente do Sol e do movimento das
correntes de vento. Além disso, à medida que se aproxima da parede de gelo, a
temperatura diminui e consequentemente a pressão diminui a um ponto que se aproxima
de zero. Com isso, é afirmado que:
A atmosfera pode muito bem existir como uma borda sobre a superfície da
Terra, mantida por vastos gradientes de pressão decrescente 75 . (FLAT
EARTH: HIPÓTESE ATMOLAYER LIP)

73
Tradução nossa do original em inglês: Natural Phenomena.
74
Link: https://wiki.tfes.org/Atmolayer
75
Tradução nossa do original em inglês: The atmosphere may very well exist as a lip upon the surface of
the earth, held in by vast gradients of declining pressure.
77

Para fortalecer essa hipótese, são mostrados trechos publicados no site da


Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, Estado Unidos (UCSB Science Line), que
tem como objetivo proporcionar uma interação entre alunos e professores do ensino
fundamental e médio, onde questões científicas são respondidas por cientistas da UCSB.
Os trechos citados pela Flat Earth Society são usados para fortalecer o argumento de que
há o congelamento de átomos e seu desaparecimento completo do ar, sendo esse o
“destino dos átomos do atmoplano em seus extremos”. À medida que a Terra é iluminada
pelo Sol, o calor proporciona aumento de pressão, fazendo com que aumente a presença
dos gases. Ao se aproximar da Antártica a temperatura cai e, com isso, a presença de
gases também.
Com relação ao fenômeno do surgimento da aurora boreal, é afirmado que a aurora
é “um fenômeno atmoplânico luminoso que geralmente aparece como faixas de luz
coloridas brilhantes” (tema aurora 76 ). Com relação às montanhas e os vulcões, suas
formações são explicadas da seguinte forma:
Abaixo da crosta, há uma pressão tremenda devido à aceleração, que criou um
vasto oceano subterrâneo de magma dentro do manto terrestre. As montanhas
são formadas por vulcanismo, erosão e distúrbios ou uma elevação na crosta
terrestre plana 77 (FLAT EARTH: HIPÓTESE ATMOLAYER LIP
FORMATION OF MOUNTAINS AND VOLCANOES)

Abaixo da crosta terrestre há placas (somente placas, em vez de placas tectônicas)


que se encaixam e se movimentam. A Parede de Gelo também contém placas de
“subducção” e os “continentes recuam e reciclam”, “quando duas placas da crosta
terrestre se chocam, a terra pode ser empurrada para cima, formando montanhas”. Os
diferentes tipos de montanhas recebem denominações diferentes e são separados de
acordo com suas características externas e como sua formação ocorreu (tema Formation
of Mountains and Volcanoes78). Durante a explicação dos vulcões, a palavra “tectônica”
é utilizada, contrariamente ao que haviam mencionado que as placas tectônicas se
chamam apenas placas.
Ainda no tópico “Forma e magnitude”, iremos descrever, a seguir, o subtópico
“Mapeamento, navegação e levantamento”. Nesse subtópico, a Flat Earth Society traz

76
Link: https://wiki.tfes.org/Aurora
77
Tradução nossa do original em inglês: Below the crust there is tremendous pressure due to acceleration,
which has created a vast underground ocean of magma within the earth's mantle. Mountains are formed by
volcanism, erosion, and disturbances or an uplift in the flat earth's crust.
78
Link: https://wiki.tfes.org/Formation_of_Mountains_and_Volcanoes
78

explicações importantes sobre construções e sistemas de coordenadas geográficas para


explicar como estes funcionam na Terra plana. É extensamente explicado o “Sistema
Geodésico Mundial 198479” e seu sistema WGS84 de coordenada datum, com o objetivo
de mostrar que, por mais que esse sistema represente a Terra como uma esfera e, com
isso, acredita-se que essa seja uma evidência para Terra esférica, ao avaliar o sistema
WGS84 a Flat Earth Society afirma:
verifica-se que o processo é um sistema complexo que extrai informações de
uma grande coleção de mapas planos menores para fornecer informações aos
usuários. As informações de medição e coordenadas são temporariamente
reprojetadas e recuperadas de mapas planos com coordenadas planas para
fornecer dados geoespaciais precisos. O sistema de coordenadas de latitude e
longitude é descrito como não confiável e não é usado para medir distâncias
ou áreas80 (FLAT EARTH: WORLD GEODETIC SYSTEM 1984).

O objetivo da Flat Earth Society neste tema é mostrar como o sistema de


coordenadas projetadas tem seu início em um modelo idealizado da Terra que é a Terra
Redonda. Porém, seções curvas desse modelo são temporariamente reprojetadas fazendo
uso de mapas planares para coletar dados precisos de distância e medição.
Outro tema dentro do subtópico “Mapeamento, navegação e levantamento” que
se conecta com coordenadas geográficas é o chamado “distância do sul81”. Esse tema diz
respeito à divergência ou convergência das linhas de longitude. No modelo clássico onde
a borda é a Antártica, as linhas serão divergentes, ao contrário do modelo esférico da
Terra (tendo visto que as linhas convergem nos pólos). Para argumentar sobre o assunto
é explorado o tema de coordenadas geográficas em viagens marítimas a partir de trechos
do livro “Zetetic Cosmogony”, de Thomas Winship, e do livro “Is the Bible from Heaven?
de Alexander Gleason. Os trechos remetem a viagens marítimas e troca de informações
entre os viajantes sobre suas localizações geográficas, com o objetivo de discutir que as
dimensões da Terra não são tão precisas como se afirma.
O objetivo da Flat Earth Society em discutir o tema acima é mostrar que há uma
deficiência em tratar sobre essa problemática, porém, por mais que seja um tema de
grande interesse, também é um dos “assuntos mais negligenciados, já que os defensores
da Terra plana tendem a concentrar suas energias em coisas que podem ver e testar”.

79
Tradução nossa do original em inglês: World Geodetic System 1984.
80
Tradução nossa do original em inglês: found that the process is a complex system which pulls information
from a large collection of smaller flat maps to provide information to users. The measurement and
coordinate information is temporarily reprojected and retrieved from flat maps with planar coordinates in
order to provide accurate geospatial data.The Latitude and Longitude coordinate system is described as
unreliable and is not used to measure distances or área.
81
Tradução nossa do original em inglês: Distances in the South.
79

Para defender o formato plano da Terra, também é explicado como a construção


de pontes e ferrovias apoiam a ideia da Terra plana, uma vez que, em suas construções,
não há presença de cálculos para a curvatura da Terra. São realizadas citações de uma
engenheira respondendo à questão “Como a Grande Ponte Danyang – Kunshan na China
foi projetada para se curvar com a Terra (104 milhas de comprimento)?”. A ponte
Danyang-Kunshan é a maior ponte do Mundo com 164,8 km de extensão, a pergunta e a
82
resposta são encontradas no website chamado Quora, que é um espaço de
“compartilhamento de conhecimento” de perguntas e respostas realizadas pelos
integrantes da comunidade de usuários. A engenheira afirma:
Como engenheira civil eu nunca considerei a curva da Terra em nenhum
cálculo. Não há cálculo para a curva da Terra. Você pega dois pontos e constrói
um em direção ao outro. No meio pode haver alguma elevação adicional da
rodovia na ponte para levar em conta a inclinação, drenagem da água e a
estabilidade geral (como a maioria das pontes suspensas), mas as extremidades
são praticamente levantadas para serem dois pontos de nível medidos em uma
altura de elevação acima do nível do mar. Os fundamentos da ponte devem ser
nivelados ou o projeto será defeituoso. Portanto, não há curva 83 ( FLAT
EARTH: BRIDGES).

Sobre as ferrovias, um dado interessante citado pela Flat Earth Society é que o
movimento zetético teve o seu início junto com a “Era de Ouro das Ferrovias”, de 1800
até o início de 1900, período em que milhares de quilômetros de ferrovias foram
construídos em todo mundo. Com isso, houve discussões sobre a montagem, medição e
disposição horizontal das ferrovias sem a utilização de “cálculo matemático ou tolerância
para qualquer curvatura”. Citando alguns trechos da “Zetetic Cosmogony” de Thomas
Winship, de 1899, são mostrados argumentos de que a construção das ferrovias não leva
em consideração a curvatura da Terra. O Trecho abaixo traz um exemplo que é citado
explicitamente como prova:
Que em todos os levantamentos não há tolerância para curvatura, o que seria
uma necessidade em um globo; que uma linha horizontal é em todos os casos
a linha de referência, sendo a mesma linha contínua ao longo de toda a extensão
da obra; e que o teodolito corta uma linha em altitudes iguais em cada lado
dele, cuja altitude é a mesma que a do instrumento, prova claramente, para

82
Link disponibilizado pela Flat Earth Society: https://www.quora.com/How-was-the-
Danyang%E2%80%93Kunshan-Grand-Bridge-in-China-engineered-to-curve-with-the-Earth-104-miles-
long
83
Tradução nossa do original em inglês: As a civil engineer, I have never taken the curve of the earth into
any calculation. There is no calculation for the curve of the earth. You take two points and you build toward
each other. In the middle may be some additional elevation of the roadway on the bridge to account for
pitch, drainage of water and the overall stability (as most suspension bridges), but the ends are pretty much
surveyed to be two level points measured at an elevation height above sea level. The footings of the bridge
must be level or the design will be flawed. So there’s no curve.
80

aqueles que aceitarão a prova quando for fornecido, que o mundo é um plano
e não um globo84 (FLAT EARTH: RAILROADS).

Seguindo no tópico “Forma e magnitude”, a Flat Earth Society também discute


sobre as viagens de avião. A Flat Earth Society explica que não conseguimos observar a
curvatura da Terra em uma viagem de avião e que, por isso, não há a possibilidade de
alguém ter observado a esfericidade da Terra:
É provável que aqueles que afirmam ter pessoalmente discernido visualmente
a curvatura de um avião estejam experimentando uma forma de viés de
confirmação85 (FLAT EARTH: FREQUENTLY ASKED QUESTIONS).

Para que fosse observada a curvatura da Terra, as aeronaves deveriam sobrevoar


de uma altitude de 60.000 pés, o observador deveria assumir um campo de visão de pelo
menos 90° e em condições atmosféricas ideais, mas os aviões comerciais sobrevoam entre
33.000 pés e 42.000 pés. Outro fator que impossibilita ver a curvatura da Terra estando
em um avião é que as janelas são pequenas e fortemente curvadas, então, por mais que o
avião sobrevoe o suficiente, a pessoa não iria ver a curvatura real e sim a provocada pelas
condições da aeronave.
No tema “Aviação” 86, a Flat Earth Society mostra que os pilotos são ensinados a
voar sobre uma Terra plana e sem rotação. Ao trazer como referência a edição da revista
New Scientist, de 16 de agosto de 1979, volume 83, página 543, é mostrado que cada
pessoa pode acreditar no que quiser, porém, quando envolve questões de sobrevivência,
a crença precisa corresponder com a realidade. No caso da aviação, é ensinado que:
As estrelas estão fixas na esfera celeste, que está centrada em uma Terra fixa e
em torno da qual gira de acordo com leis claramente dedutíveis da observação
do senso comum. O Sol e a Lua movem-se pela superfície interna desta esfera
e, portanto, forçosamente circundam a Terra.87 (FLAT EARTH: AVIATION).

Esse ensinamento faz com que muitos alunos tenham que “desaprender muito dos
confusos dogmas que aprenderam na escola”, uma vez que dogma compreende aquilo
“que pode ser”, porém, o “mundo real é como o percebemos”.

84
Tradução nossa do original em inglês: That in all surveys no allowance is made for curvature, which
would be a necessity on a globe; that a horizontal line is in every case the datum line, the same line being
continuous throughout the whole length of the work; and that the theodolite cuts a line at equal altitudes on
either side of it, which altitude is the same as that of the instrument, clearly proves, to those who will accept
proof when it is furnished, that the world is a plane and not a globe.
85
Tradução nossa do original em inglês: It is likely that those claiming to have personally visually discerned
curvature from an aeroplane are experiencing a form of confirmation bias.
86
Tradução nossa do original em inglês: Aviation. Link: https://wiki.tfes.org/Aviation
87
Tradução nossa do original em inglês: the stars are fixed to the celestial sphere, which is centered on a
fixed earth and around which it revolves according to laws clearly deducible from common sense
observation. The Sun and Moon move along the inner surface of this sphere and therefore necessarily
revolve around the Earth.
81

Sobre a circunavegação na Terra plana, a Flat Earth Society leva em consideração


o modelo monopolo. A circunavegação se torna possível com o auxílio de uma bússola
para guiar a direção. Uma vez que o “Leste e o Oeste estão sempre em ângulo reto com o
Norte”, ao se direcionar para o Leste a pessoa será direcionada ao redor do Polo Norte.
Através do formato de perguntas e respostas é explicado que não é possível que a
navegação seja realizada sem algum auxílio de orientação. Como o formato é plano e
circular, “viajar para o leste continuamente leva você em um círculo ao redor do Polo
Norte. Leste e Oeste estão curvos”.

Evidência experimental
Tendo em vista as críticas realizadas pela Flat Earth Society aos experimentos
descritos anteriormente, a seguir iremos descrever o tópico “Evidência experimental” que
possui como objetivo mostrar evidências experimentais a favor de uma Terra Plana. O
experimento do nível de Bedford é colocado como sendo, possivelmente, o melhor
experimento para a prova da Terra plana.
Esse experimento foi realizado por Samuel Rowbotham, que o descreveu em seu
livro Earth Not a Globe, e compõe um conjunto de experimentos realizados por ele no
canal de Bedford, um lago localizado em Norfolk, Inglaterra. Rowbotham morava
próximo do lago e realizou o experimento várias vezes durante um longo período (não é
mencionado o período nem a quantidade de vezes).
O lago de Bedford foi frequentemente utilizado por algumas pessoas para
realização de experimentos durante o século XIX e início do século XX. A maioria dos
resultados serviu para “provar” que a Terra é plana, e são utilizados até hoje como o
exemplo mais aceito pelos terraplanistas. O lago possui condições favoráveis para
realização das observações, pois apresenta uma drenagem de fluxo lento.
Historicamente, o primeiro experimento foi realizado no verão de 1838, por
Samuel Rowbotham. Utilizando um telescópio a oito polegadas acima da água, ele entrou
no rio e observou um barco com uma fileira de mastro que estava a uma distância de um
metro e meio. Ele relata que foi possível continuar visualizando o barco mesmo ele
estando a seis milhas completas distante dele. Caso a superfície da água fosse curvada
com a circunferência aceita de uma terra esférica, o topo do mastro deveria, segundo
Rowbotham, estar cerca de 3,5 metros abaixo de sua linha. Esses resultados não ganharam
tanta repercussão, até que, em 1870, um defensor da Terra Plana chamado John Hampden
82

propôs a Alfred Russel Wallace que o experimento realizado por Rowbotham fosse
reproduzido por ele. Realizado o experimento, a Flat Earth Society informa que Wallace
“ganhou a aposta”, o que indica que os resultados não foram a favor da teoria da Terra
plana, porém, é informado que Wallace havia trapaceado e que esse caso levou a
processos judiciais. Hampden foi acusado de difamação, porém, posteriormente, foi
confirmado que Wallace trapaceou (segundo a Flat Earth Society).
Lady Anne Blount, em 11 de maio de 1904, também reproduziu o experimento de
Rowbotham. Ela contratou um fotógrafo comercial para tirar uma foto de um grande
lençol que tocava a superfície do lago, estando posicionada a seis milhas de distância do
local que iria ser capturada a foto. Foi possível obter a foto do alvo, o que deixou o
fotógrafo surpreso, pois não era esperado que ele conseguisse capturar o lençol daquela
distância.
Nesse tópico é mostrado o experimento número 2 presente na obra do Rowbotham.
Porém, são apresentados links de acesso para mais 8 experimentos diferentes realizados
por Rowbotham. No experimento 2 foram distribuídas sete bandeiras ao longo da borda
da água do canal, a uma distância de uma milha uma da outra, de modo que ficassem 5
pés da superfície ao topo da bandeira. Após a sétima bandeira foi fixada uma mais longa
com 8 pés acima da superfície da água (figura 7).

Figura 7 - Disposição das bandeiras ao longo do lago de Bedford.

Fonte: Flat Earth Society.

Após a distribuição das bandeiras foi realizada uma observação com o telescópio
sobre e ao longo das bandeiras. Como resultado, foi avistada a parte inferior da bandeira
maior, marcado na imagem acima como B, provando que a superfície de CD é
equidistante da linha de visão AB, e, com isso, uma vez que AB forma uma reta, CD que
são paralelas, também formam uma reta.
83

Caso a Terra fosse curva, a água seguiria a sua curvatura, e não seria possível
observar objetos fixados ao longo do lago presentes no mesmo nível na linha do horizonte.
Haveria uma curvatura de C a D, cada bandeira teria apresentado um valor abaixo entre
a linha de A até B, e não seria possível observar a parte inferior da bandeira maior como
indicado na figura 8.

Figura 8 - Disposição das bandeiras ao longo do lago de Bedford caso a Terra fosse
esférica.

Fonte: Flat Earth Society.

São realizadas reproduções atuais desse experimento. A Flat Earth Society


disponibiliza dois links de vídeos que mostram essas reproduções. O primeiro vídeo é o
“Teste de Four Light Rock Lake Manitoba” 88, com duração de 3 minutos e 23 segundos,
e mostra um experimento realizado em um lago congelado em Manitoba, uma província
no Canadá. Foram distribuídas em linha reta quatro luzes de cores diferentes com altura
de 30 cm da superfície do gelo. Foi posicionada uma câmera na direção das luzes de modo
que esta se encontrava 13 km distantes da luz vermelha, 11 km distante da luz azul, 10
km da luz amarela e 8 km da luz laranja.
Ao observar as luzes é possível vê-las todas no mesmo plano. Caso a Terra fosse
redonda, haveria uma diferença no plano de visão no horizonte, e observaríamos a luz
vermelha (que é a luz mais distante) abaixo das demais. Após essa primeira observação,
a câmera fotográfica é colocada a uma altura mais baixa para ver se ainda é possível
observar a luz vermelha, e como resultado, as luzes são vistas no mesmo plano, provando
que não há curva física que bloqueie a visão da luz. O comentarista do vídeo aponta como
é espantoso que tenham mentido sobre isso durante tanto tempo e como a mídia, nossa

88
Link de acesso do vídeo: https://youtu.be/cAe8AxCUda8
84

educação e o governo são controlados. Outros links de vídeos com evidências da Terra
plana, que trazem resultados similares aos dos experimentos acima, são mostrados pela
Flat Earth Society.

Conspiração
Muitos dos temas apresentados acima possuem relação com o tópico principal que
iremos apresentar a seguir, a “Conspiração”. Segundo a Flat Earth Society, ‘Conspiração’
é um termo utilizado para se referir à falsificação ativa de viagens espaciais, geralmente
associadas à Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço (NASA), incluindo os seus
constituintes e aqueles que obtêm informações dela, como o governo. Essa conspiração
teve início durante a “corrida espacial” da Guerra fria, e os envolvidos, a URSS e os EUA,
mantêm essa conspiração atualmente por motivos de ganância e por ganhos políticos
O início do uso dessa denominação com esse significado é incerto, mas as
primeiras referências indicam terem sido realizadas por Samuel Shenton quando liderava
a Flat Earth Society 89 . A Flat Earth Society explica que Terra plana não é uma
conspiração e a NASA não está escondendo a verdade sobre a forma da Terra. A NASA
não realiza um programa espacial real, com isso, não tem como saber a real forma da
Terra, a NASA pensa que a Terra é redonda. Devido às crenças gregas sobre o formato
esférico da Terra, essa ideia continuou sendo propagada e todos aprendem sobre ela desde
criança, inclusive as pessoas que trabalham na NASA. Há uma conspiração da viagem
espacial em que o objetivo da NASA:
É falsificar o conceito de viagem espacial para promover o domínio militarista
dos Estados Unidos no espaço90. (FLAT EARTH: THE CONSPIRACY).

Controlar as viagens espaciais com o lema de fachada de que essa exploração


científica é a nova fronteira para toda humanidade tem como propósito esconder o
objetivo de controle: “controlar o espaço significa controlar o mundo”91. As pesquisas
iniciais realizadas pela NASA foram um fracasso, e, possivelmente, após o fracasso da
operação Apollo foi decidido falsificar o programa espacial utilizando foguetes que

89
Link: https://wiki.tfes.org/The_Conspiracy
90
Tradução nossa do original em inglês: The purpose of NASA is to fake the concept of space travel to
further America's militaristic dominance of space
91
Essa frase é citada pela Flat Earth Society e foi pronunciada em 7 de janeiro 1958 por Lyndon Johnson,
líder da maioria do senado dos Estados Unidos e, posteriormente, presidente.
85

conseguem voar até um ponto e, em seguida, desaparecem da vista de quem os está


observando.
A Flat Earth Society mostra as provas da existência dessa conspiração e começa
tratando do projeto Apollo. É mostrado um vídeo de um estúdio com câmeras gravando
o que seria a Lua, mostrando como as imagens e filmagens foram criadas. A Flat Earth
Society afirma que não é possível notar atraso no tempo de fala durante a comunicação
realizada entre os astronautas que estavam na nave Apollo e os controladores que estavam
na Terra, e isso não seria possível, pois a distância entre a Lua e a Terra deveria provocar
um atraso de poucos segundos.
Sobre os materiais da nave Apollo, a Flat Earth Society informa que ela é feita de
materiais que não resistiriam a uma viagem até a Lua. É possível ver nas imagens 92
mostradas pela Flat Earth Society que a nave é feita de materiais como papelão e cortinas
velhas. São mostradas também imagens do Apollo Moonbuggy percorrendo a superfície
lunar que indicam a ausência de rastros das rodas no chão, apoiando a ideia de que as
imagens foram criadas e essas falhas não foram corrigidas. Além disso, é mostrada a
marca de um tênis no chão que não é mesma marca que o calçado dos astronautas deixaria.
Sobre as provas da farsa do projeto Apollo, a Flat Earth Society mostra as
reclamações realizadas por Thomas Ronald Baron, ex-diretor de segurança da NASA.
Durante o início das missões Apollo, Thomas Baron anunciou que a operação realizada
pela NASA não estava sendo um programa espacial real, ela continha fraudes e baixo
controle de qualidade. Após essas reclamações, Baron sofreu um acidente junto com sua
família e o relatório contendo as deficiências do projeto Apollo nunca foi encontrado.
Também haveria provas de que as missões a Marte foram fraudes, as imagens
foram modificadas e é possível observar a alteração de cores do céu marciano93. Sobre a
Estação Espacial Internacional (ISS), a Flat Earth Society coloca o link94 de um site que
analisou imagens da ISS e indica que montagens foram feitas. Ao observar uma imagem
da ISS supostamente capturada do ônibus Espacial Atlantis STS-106, em 10 de setembro
de 2000, somos mostrados que, no fundo da imagem, houve a duplicação de estrelas, o
que indica uma montagem. Com isso, é questionado qual o motivo de editar uma foto se

92
Mesma imagem citada na nota de rodapé 42. Link disponibilizado pela Flat Earth Society da imagem:
https://history.nasa.gov/alsj/a11/AS11-40-5922HR.jpg
93
Link da página da Flat Earth Society para ler mais sobre as provas mostradas.:
https://wiki.tfes.org/NASA_Faking_the_Colors_of_the_Martian_Sky
94
Link disponibilizado pela Flat Earth Society: http://www.marsanomalyresearch.com/evidence-
reports/2010/184/fake-starfield.htm
86

ela é real. Outra análise parecida é realizada com imagens 95 retiradas do Google Maps,
que indicam que a afirmação da NASA sobre a altitude da ISS ser sempre a mesma é
falsa. Em uma imagem, os países são vistos como pequenas manchas e, em outras
imagens, é possível ver alguns países nitidamente. Porém, vale a pena indicar que a
primeira imagem não é a foto do planeta Terra sendo capturada da ISS, mas é uma
imagem da ISS com o planeta Terra ao fundo. E as outras imagens em que é possível ver
nitidamente os planetas podem ter sido capturados pela ISS.
Além da ISS, “os chineses também estão fingindo suas missões espaciais”. A Flat
Earth Society indica dois vídeos, porém, eles não estão mais disponíveis, e um site96 que
discute sobre as discrepâncias durante a transmissão ao vivo realizada pela Televisão
Central da China (CCTV) do lançamento da Shenzhou VII. A transmissão ao vivo se
refere ao Projeto 921 do Partido Comunista Chinês (PCC) e foi realizada no ano de 2008,
porém, ao analisar o vídeo da transmissão, foram encontrados alguns fenômenos físicos
inexplicáveis, como: anomalias na transmissão, nenhuma evidência de atmosfera terrestre
e a ausência de ruídos durante a comunicação espacial que geralmente ocorre. Há
suspeitas de que a transmissão tenha sido uma fraude, assim como o Projeto Espacial
chinês.
Além disso, a Flat Earth Society traz dois documentos: o livro National
Aeronautics and Space Administration (2005), escrito por Gregory D. Kutz, e o livro
NASA’s Financial Reports are Based on Unreliabre Data (1992), escrito por Charles A.
Bowsher. O primeiro mostra que os relatórios financeiros da NASA não são baseados em
dados confiáveis, e o segundo afirma que as demonstrações financeiras da NASA
permanecem não auditáveis. Ambos são para apoiar a ideia de que a NASA não consegue
documentar para onde seu dinheiro está sendo direcionado, além de não haver auditorias
financeiras.

Figuras históricas da Terra Plana e Literatura da Terra Plana


O próximo tópico principal que iremos tratar é “Figuras históricas da Terra Plana”,
que se conecta com o tópico principal “Literatura da Terra Plana”. Em “Figuras históricas
da Terra Plana” são mostradas pessoas que contribuíram para o conhecimento acerca da

95
Link para ver as imagens: https://wiki.tfes.org/Google_Maps_background
96
Link disponibilizado pela Flat Earth Society:
https://web.archive.org/web/20090213161624/http://www.theepochtimes.com/n2/china/shenzhou-vii-
fake-spacewalk-5809.html
87

Terra Plana. O primeiro a ser mencionado é Pirro (c. 360 a.C. - c. 275 a.C.), filósofo grego
de Elis, que recebeu os créditos por ser o primeiro filósofo extremamente cético que
inspirou a escola conhecida como pirronismo. Ele não se relaciona com a formação do
movimento Terra Plana, mas é utilizado como referencial:
Seus seguidores adotaram o rótulo "zetético" (grego que significa "buscador")
e enfatizaram a importância da observação e da experiência pessoal como
caminho para a verdade, afirmando que o homem só pode conhecer o mundo
como ele lhe parece97. (FLAT EARTH: PIRRO).

Outro filósofo citado é Tales de Mileto (624 a.C. - 546 a.C.). Sua relação com a
Terra Plana está ligada às suas teorias sobre os terremotos. A causa dos terremotos não é
intervenção divina ou forças sobrenaturais, mas sim “que a terra flutua em um oceano de
água”. Não são explicadas maiores relações com o movimento da Terra Plana.
John Hampden (1819-1891) foi outra grande figura na história da Terra Plana. Ele
era um cientista inglês da Royal Academy e realizou o experimento de nível de
Bedford várias vezes. Ele quem provocou Alfred Russel Wallace e apostou que seus
resultados provaram que a Terra é plana.
Joseph Holden (1815-1900) foi outro contribuinte da Terra plana, que apelava
para as evidências de bom senso para defender sua posição:
Um de seus experimentos mais famosos foi colocar um balde de água em cima
de um poste durante a noite e verificá-lo pela manhã. Sua afirmação era que
uma Terra giratória teria movido o balde. Como esperado, o balde estava em
seu lugar original na manhã seguinte98 (FLAT EARTH: JOSEPH HOLDEN).

Outra figura histórica citada é John Alexander Dowie (1987–1907), um


evangelista e curandeiro. Seu foco principal era o ensino da Terra Plana na América no
início do século 20. Outro contribuinte foi Wilbur Glenn Voliva (1870-1942), que
disseminava a idéia da Terra Plana através dos ensinamentos religiosos. A Bíblia era sua
biblioteca científica, e declarou que os astrônomos eram “tolos ignorantes”. Defendia
fortemente que o Sol estava situado próximo da Terra, e não à distância que os cientistas
afirmavam, pois, Deus projetou para que o Sol ficasse perto da Terra. É impensável que
alguém construa uma casa e coloque a lâmpada tão longe.

97
Tradução nossa do original em inglês: His followers adopted the label "zetetic" (Greek meaning "seeker")
and stressed the importance of observation and personal experience as a path to truth claiming that man can
only know the world as it appears to him
98
Tradução nossa do original em inglês: One of his more famous experiments was to set a pail of water
atop a pole overnight and check it in the morning. His assertion was that a revolving Earth would have
moved the pail. As expected, the pail was in its original place the next morning.
88

Lady Blount (1850-1935) é uma figura histórica bastante citada ao longo dos
diferentes tópicos da Flat Earth Society e contribuiu, junto com mais 20 pessoas, na
fundação da Universal Zetetic Society. Ela associava os argumentos bíblicos com
experimentos para defender a Terra Plana. Albert Smith (não encontrada data de
nascimento) também é citado como figura histórica e trabalhou bastante com Lady
Blount, além de ter atuado como editor da Earth Not a Global Review na Universal Zetetic
Society.
Outro grande contribuinte da Terra plana foi Thomas Winship (1860 - 1942),
autor sul-africano que trabalhou no final do século XIX e início do século XX. Ele
escreveu o livro Zetetic Cosmogony que traz evidências conclusivas sobre a Terra não ser
esférica e não possuir movimento giratório. David Wardlaw Scott também é citado como
importante para história do movimento terraplanista, pois publicou seu trabalho intitulado
Terra Firma: the Earth Not a Planet, Proved from Scripture, Reason, and Fact discutindo
sobre as evidências da Terra plana. Mais um nome citado é do inglês Ebenezer Breach
(não encontrada data de nascimento), que compartilhava publicamente a ideia da Terra
plana através de modelos criados por ele mesmo, além de produzir panfletos e distribuí-
los.
Mais recente, uma pessoa importante é Samuel Shenton (1903-1971), que fundou
a Flat Earth Society em 1956, alterando o nome anterior Universal Zetetic Society. Ficou
na presidência da Flat Earth Society de 1956 até sua morte em 1971, quando Charles K.
Johnson assumiu a presidência. Shenton contribuiu na coleta de dados, palestras,
publicidade e adquirindo novos seguidores.
Charles Kenneth Johnson (1924-2001) foi o segundo presidente da Flat Earth
Society e assumiu a administração junto com sua esposa Marjory Johnson (1921 - 1996).
Johnson acreditava no raciocínio bíblico para apoiar a Terra plana e seguiu com as
contribuições realizadas pelo presidente anterior, aumentou o número de membros de
1000 para 3000. Sua esposa, Marjorie, atuou como Secretária na Flat Earth Society e
colaborava regularmente na produção do Flat Earth News, e possuía uma postura
antivivisseccionista.
De todas as “figuras histórias”, a mais destacada, sendo considerado o “pai da
Terra Plana”, é Samuel Birley Rowbotham (1816-1884). Rowbotham foi um médico
inglês e inventor. Denominou seu método científico de Astronomia Zetética, descrevendo
a Terra como um disco plano com o Pólo Norte no centro e as bordas da Terra limitadas
89

por uma parede de gelo com o Sol, a Lua, os planetas e as estrelas estando apenas algumas
milhas de quilômetros distantes da superfície da Terra.
Junto com seus seguidores, Rowbotham participava de diversos debates públicos
com os principais cientistas da época. Um dos confrontos mais intensos foi com o
naturalista Alfred Russel Wallace em um caso que envolveu difamação e fraude
(mencionado no tópico sobre as evidências experimentais). Ao longo de várias décadas,
Rowbotham ministrou diversas palestras em universidades e instituições proeminentes da
época na Grã-Bretanha. Ao fim das palestras ocorriam debates com “as mentes mais
brilhantes presentes sobre a forma da Terra”:
Dr. Rowbotham foi bem sucedido em influenciar muitos membros da
audiência para sua posição. A partir de seus esforços, um movimento Zetético
generalizado começou gerando várias sociedades Zetéticas, que exigiam que o
governo analisasse a questão da esfera 99 (FLAT EARTH: SAMUEL
ROWBOTHAM).

A Flat Earth Society cita alguns comentários de divulgadores da imprensa da


época sobre as palestras realizadas que comentam desde o uso do seu pseudônimo
“Parallax” aos argumentos e evidências sobre a forma da Terra ser Plana. Seu pseudônimo
“Parallax” foi escolhido por Rowbotham para que ele não ficasse ligado enquanto
indivíduo que quer ganhar notoriedade por ter a coragem de ser proponente de uma
filosofia ousada que está em desacordo com a de grandes astrônomos do passado e do
presente.
A postura de Rowbotham é mencionada nesses comentários da imprensa 100
citados pela Flat Earth Society. Ele é descrito como sendo um homem muito inteligente,
que apresenta seus argumentos em uma linguagem simples, assim como as experiências
também são simples de entender e desprovidas de muitas técnicas, sendo compreensível
para todos, e mesmo que não seja verdade seu raciocínio e experimentos com certeza
fazem os cientistas pensarem. É mencionado como suas colocações podiam deixar as
pessoas descrentes da teoria newtoniana e de todas as outras. Rowbotham morreu em 23
de dezembro de 1884 e, após sua morte, os “seus milhares de seguidores estabeleceram a
Universal Zetetic Society, publicaram uma revista intitulada The Earth Not a Globe

99
Tradução nossa do original em inglês: Dr. Rowbotham was successful in swaying many members of the
audience over to his position. From his efforts a widespread Zetetic movement began, spawning several
Zetetic societies, which demanded that the government look into the sphere issue.
100
Citações de jornais: South Mid-land Free Press, 14 de agosto de 1858; Greenwich Free Press, 19 de
maio de 1862 e Warrington Advertiser, 24 de março de 1866.
90

Review e permaneceram ativos até o início do século XX” (Tópico figuras históricas, Flat
Earth Society).
No que diz respeito à religião, Rowbotham rejeita a ideia de que sua única base
seja apenas a crença. A religião necessita ter seus ensinamentos demonstrados, por
exemplo, as escrituras descrevem uma Terra Plana, então, uma vez demonstrada que a
Terra é plana, essa evidência está a favor das escrituras. Para Rowbotham o fato supera a
crença.
Os estudos da Terra plana são uma evidência física para a Bíblia. Segundo a Flat
Earth Society, no último capítulo do seu livro, Rowbotham responde à questão: o que
importa se a Terra é Plana? Ele responde que os estudos “podem sugerir que a alguém ou
alguma coisa lhes deu esse conhecimento”, pois, o resultado da Terra ser Plana está
compatível com os antigos textos religiosos.
Sobre as obras indicadas pela Flat Earth Society a principal é “A Terra não é um
globo” do Samuel Birley Rowbotham. O autor inicialmente escreveu um panfleto que
contém 16 páginas, no ano de 1849. Posteriormente, ele aprofundou seus estudos e em
1865 lança a primeira edição de “Earth Not a Globe” com 225 páginas, e em 1881 é
lançada a segunda edição com 416 páginas. Todas essas obras estão disponíveis na
internet. O panfleto pode ser encontrado no site da Flat Earth Society, assim como alguns
capítulos de “Earth Not a Globe”, mas os livros completos são vendidos nos sites de
livrarias. Outra literatura sugerida é a segunda edição da “Zetetic Cosmogony” de 1889,
escrito por Thomas Winship. O livro contém 215 páginas e traz evidências que
demonstram que o mundo não é um globo. A obra trata de um aprofundamento e apoio
às evidências mostradas por Rowbotham em sua obra citada anteriormente.
Outros dois livros disponíveis na internet são: “King’s Dethroned” escrito por
Gerrard Hickson, que traz os erros cometidos ao longo da história da evolução da
astronomia desde o tempo do Império Romano; o livro “One Hundred Proofs the Earth
is Not a Globe” escrito por William Carpenter (1830-1896), que, através do estudo da
direção dos rios e do seu nível (o rio Nilo parece ter sido o estudado), sustenta a ideia de
que essas características são incompatíveis com a ideia de convexidade da Terra; o livro
“The Anti-Newtonian” escrito por autor desconhecido, é um trabalho de 1800 e acredita-
se que tenha sido a base para “Earth Not a Globe” do Rowbotham, porém, esse livro
apresenta a versão de três pólos da Terra Plana, ao contrário dos modelos mais recentes
91

de um ou dois pólos; e o livro “The Plain Truth” escrito por Robert Schadewaldt, que traz
um relato histórico do movimento Zetético dos séculos XIX e XX.
Além desses livros disponíveis na internet, a Flat Earth Society cita a literatura
offline “Flat Earth: The History of an Infamous Idea”, de Christine Garwood, que levanta
questões sobre a história e a filosofia da ciência e sua relação com a religião e a construção
do conhecimento humano sobre o mundo natural. Outra fonte de referência da Terra Plana
é o trabalho revisado por pares de Lady Blount que revisou o experimento do canal de
Bedford realizado por Rowbotham (este experimento está descrito no trecho que
discutimos sobre “Evidências experimentais”).
92

CAPÍTULO 3
ANALISANDO A FLAT EARTH SOCIETY A PARTIR DA ESPISTEMOLOGIA
FLECKIANA

Este capítulo está dividido nas seções: 1) Procedimentos metodológicos 101 , que
descreve o tipo de pesquisa, os materiais de análise e como os conceitos da teoria
comparada do conhecimento de Ludwik Fleck foram utilizados para caracterizar a Flat
Earth Society; a seção 2) Sobre o modelo Terra plana: identificando os elementos
referentes ao estilo e ao coletivo de pensamento, busca identificar os elementos que
compõem o estilo e coletivo de pensamento fleckiano; a seção 3) A Flat Earth Society e
o conhecimento científico acerca do formato da Terra: tráfego intercoletivo de ideias,
que analisamos comparativamente aspectos do pensamento terraplanista e da ciência; e a
seção 4) Ensino de ciências e o formato da Terra: o que aprender com o movimento Terra
plana para discutir e ensinar sobre ciências, que traz implicações da pesquisa ao ensino
de ciências.

3.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Esta pesquisa se caracteriza como qualitativa, fazendo uso da pesquisa


documental como fonte de dados. Em uma abordagem de pesquisa do tipo qualitativa,
entende-se que o sujeito não se encontra indissociável do mundo objetivo. Possui caráter
descritivo, sendo que o foco desse tipo de pesquisa está no processo e seus significados
(SILVIA, 2005). A fonte de dados consiste nos materiais da área wiki do site da Flat
Earth Society, descritos no capítulo 2, conferindo o caráter de pesquisa documental, pois,
se trata de um material que ainda não recebeu tratamento analítico e servirá como matéria-
prima a partir do qual iremos desenvolver nossa investigação e análise (SEVERINO,
2007).
Para o tratamento do objeto de estudo, foram utilizados alguns elementos que
marcam estilos de pensamento e coletivos de pensamento, na perspectiva fleckiana. Sobre
os conceitos fleckianos e seu uso para essa caracterização é importante destacar o alerta
realizado por Martins (2020b): é necessário ter cuidado ao associarmos imediatamente o

101
Optamos por tratar sobre os procedimentos metodológicos neste momento, após a descrição da Flat
Earth Society, por focarmos na descrição procedimental referente à nossas análises, que estão situadas logo
em seguida.
93

terraplanismo a um estilo de pensamento ou a um coletivo de pensamento. A teoria do


conhecimento de Fleck pode ser útil para estudar o movimento do terraplanismo enquanto
um fenômeno social contemporâneo, pois ele apresenta características de pensamentos
próprios, tornando-o um grupo com certo nível de fechamento. Mas é necessário cuidado
nessa categorização (MARTINS, 2020b). Martins (2020b) percebe o movimento do
terraplanismo enquanto um estilo de pensamento em formação102. Além dos coletivos em
formação, há os coletivos estáveis ou relativamente estáveis, que “cultivam um certo
fechamento na forma e no conteúdo”, apresentam “dispositivos legais e costumários,
linguagens específicas e vocabulário peculiar” (FLECK, 2010, p. 155). Um exemplo de
coletivo estável é a ciência.
Fleck, ao discorrer sobre o estilo de pensamento, descreve-o como podendo ser
marcado por alguns elementos, tais como as características comuns dos problemas que
interessam ao coletivo, os métodos e julgamentos evidentes, assim como pelo uso de uma
linguagem específica (FLECK, 2010, p. 149). Já o coletivo de pensamento é marcado por
suas características estruturais, ou seja, pelos círculos esotéricos e exotéricos, pelas
formas de disseminação do conhecimento e pelo uso de dispositivos legais e costumários
(regras, metas e vínculos institucionais oficiais) (FLECK, 2010, p. 155).
Seguindo de perto essas ideias de Fleck, a Tese de Sílvia Regina Groto (2016)
buscou caracterizar os coletivos design inteligente e evolução biológica. A autora
considerou os seguintes elementos em sua análise: para o estilo de pensamento, métodos,
explicações, julgamentos evidentes e linguagem específica; para o coletivo de
pensamento, círculos esotéricos e exotéricos, dispositivos legais e costumários e formas
de disseminação do conhecimento
Neste trabalho, optamos pela abordagem de Groto (2016). Identificamos a
presença desses elementos do coletivo e do estilo de pensamento e descrevemos como se
caracterizam. Para isso, a primeira etapa consistiu na leitura de todas as páginas da área
wiki (Tabela 2). Em seguida, foi realizado o agrupamento dos conteúdos das páginas nos
elementos que compõem o estilo e o coletivo de pensamento, ou seja, dentro de cada tema
buscou-se identificar a presença dos elementos que podem caracterizar o estilo e o
coletivo de pensamento. Portanto, os dados estão agrupados de modo que caracterizam o
estilo de pensamento da Flat Earth Society descrevendo seus métodos, explicações,
julgamentos evidentes e sua linguagem específica. E caracterizamos o coletivo de

102
No caso do trabalho citado, os dados analisados foram referentes ao contexto brasileiro (Flat Con Brasil).
94

pensamento descrevendo seu círculo esotérico e exotérico, os dispositivos legais e


costumários e as formas de disseminação do conhecimento.
Percebemos esses elementos como “elementos aglutinadores”, ou seja, eles estão
sobrepostos. Por exemplo, os métodos, em muitos momentos, estão vinculados às
explicações. Esses elementos se relacionam, podendo sofrer influência mútua. Não
devemos enxergar tais elementos como blocos separados que compõem o estilo ou o
coletivo de pensamento.

3.2 IDENTIFICANDO ELEMENTOS REFERENTES AO ESTILO E AO


COLETIVO DE PENSAMENTO
3.2.1 Estilo de pensamento

Com relação ao estilo de pensamento, iniciaremos tratando o objeto de estudo. O


objeto de estudo central é o formato da Terra, mas, ao analisarmos todos os documentos,
observamos que outros objetos se entrelaçam com o formato da Terra. Ao passo que
partem da premissa de que a Terra possui o formato plano, a comunidade também afirma
questionar a “doutrina da Terra Redonda e desafiar as autoridades”. Ao observar a Tabela
2, podemos ver objetos de estudos que envolvem as áreas de cartografia, tecnologia,
meios de transporte, construções, e aqueles ligados à física, como óptica e assuntos que
envolvem relatividade, leis de Newton, problema dos três corpos e outros.
Sobre os métodos, esse elemento corresponde ao modo que a Flat Earth Society
explica a forma com que os conhecimentos acerca da Terra Plana são construídos, quais
métodos são aplicados no desenvolvimento de seus conhecimentos. Além disso, é
possível notar a visão de “método científico” que a Flat Earth Society possui e que julga
utilizar. Como visto no capítulo anterior, a utilização dos próprios sentidos é usada para
“discernir a verdadeira natureza do mundo ao nosso redor”. O uso dos sentidos é colocado
pela Flat Earth Society como sendo a abordagem empírica. Há também,
“alternativamente”, a utilização do “método da dúvida cartesiana de Descartes para ver o
mundo ao nosso redor com ceticismo”.
No tópico “O cosmo”, no tema “Astronomia é uma pseudociência”, foi
identificada a noção de método científico que a Flat Earth Society possui, e,
possivelmente, é essa interpretação de método científico que a faz julgar a astronomia
como uma pseudociência:
95

A astronomia não segue e não pode seguir o método científico; que é um


método empírico de investigação que exige que a hipótese seja testada com
experimentos. O astrônomo não pode colocar as estrelas sob condições
experimentais controladas para demonstrar ideias e chegar à verdade de uma
questão, como um químico pode fazer com seus materiais. O astrônomo só
pode observar e interpretar - uma falácia científica que impede a verdade e o
progresso103 (FLAT EARTH: ASTRONOMYIS A PSEUDOSCIENCE).

O método científico é, para a Flat Earth Society, a forma de se realizar uma


investigação onde experimentos são realizados para confirmar ou refutar hipóteses. Sem
experimentação não há método científico, e o restante das suas etapas não se realizam. A
imagem 9 é usada pela Flat Earth Society para ilustrar o método científico.

Figura 9 - Etapas do método científico para a Flat Earth Society

Fonte: Flat Earth Society

A Flat Earth Society traz o significado de pseudociência do dicionário Oxford:


uma coleção de crenças ou práticas erroneamente consideradas como baseadas em
métodos científicos. Além do dicionário Oxford, a Flat Earth Society expõe os
significados trazidos pelos sites da Wikipedia, Phys.org, Livescience e da Suprema Corte
dos EUA. De forma geral, todos os significados demarcam a importância da presença do
método científico para que o conhecimento que está sendo produzido seja considerado

103
Tradução nossa do original em inglês: Astronomy does not, and cannot, follow theScientificMethod;
whichisanempiricalmethodofinquirywhichdemandsthathypothesisistestedwithexperiment. The astronomer
cannot put the stars under controlled experimental conditions demonstrate ideas and come to the struthof a
matter, as a chemist can do withhisorhermaterials. The astronomer can only observe and interpret—a
scientific fallacy which hinders truth and progres.
96

ciência. Após expor esses significados, a Flat Earth Society pede para que o leitor decida
se a astronomia ou outro campo da ciência se encaixam na definição de pseudociência.
Ao longo do restante desse subtópico, são trazidas diversas citações de diferentes
autores: Edgar Zilsel, Roger Bacon, Maxim Sukharev e Max Planck. As citações remetem
à ideia de que a experimentação é a forma de atingir a verdade através do método
científico. Sobre as citações de Edgar Zilsel, destacamos o seguinte trecho:
Por que o experimento é tão essencial para a ciência empírica? A mera
observação é uma questão passiva. Significa apenas “esperar para ver” e
muitas vezes dependem do acaso. A experiência, por outro lado, é um método
ativo de investigação. O experimentador não espera até que os eventos
comecem, por assim dizer, para falar por si; ele sistematicamente faz perguntas
(FLAT EARTH: ASTRONOMYIS A PSEUDOSCIENCE)

Sobre as citações de Roger Bacon:


Sem experiência, nada pode ser conhecido de forma adequada. Um argumento
prova teoricamente, mas não dá a certeza necessária para remover todas as
dúvidas; nem a mente repousará na visão clara da verdade, a menos que a
encontre por meio de experimentos (FLAT EARTH: ASTRONOMYIS A
PSEUDOSCIENCE)

Sobre as citações de Maxim Sukharev:


Houve um tempo em que não havia ciência alguma. Havia apenas
pseudociência o tempo todo: astrologia, leitura de mãos etc. Lentamente, o
método científico emergiu do abismo da ignorância quando as pessoas
começaram a perceber que a verdade objetiva só pode ser entendida por meio
de um escrutínio científico meticuloso, que não pode ser subjetivo (FLAT
EARTH: ASTRONOMYIS A PSEUDOSCIENCE)

Sobre as citações de Max Planck:


Experimentar é o único meio de conhecimento à nossa disposição. Todo o resto
é poesia, imaginação (FLAT EARTH: ASTRONOMYIS A
PSEUDOSCIENCE)

Sobre o elemento explicações, a Flat Earth Society utiliza diferentes tipos de


argumentos para explicar como os fenômenos funcionam em uma Terra Plana e como
esses fenômenos não podem ocorrer em uma Terra esférica. Há explicações baseadas em
observação direta; explicações especulativas; explicações de cunho “teórico” 104 ;
explicações baseadas em experimentação (experimentos que provam a Terra Plana e
experimentos científicos criticados) e explicações a partir da negação do conhecimento
científico.

104
O uso do termo ‘teoria’, nesse caso, não é no sentido estrito, uma vez que, por exemplo, a “aceleração
eletromagnética” e “aceleração universal”, tal como usadas pela Flat Earth Society, não correspondem a
um conjunto de leis, princípios e práticas experimentais articuladas para explicar os fenômenos. O uso é no
sentido de uma ideia com base em junções de termos teóricos da ciência, como: aceleração e
eletromagnetismo.
97

As explicações baseadas em observação direta são aquelas que levam em


consideração a capacidade sensório-motora humana para captar verdadeiramente os
fenômenos que ocorrem ao nosso redor. As explicações para o nascer e o pôr do Sol no
modelo da Terra esférica não podem ser detectadas pelo sentido humano (não sentimos a
Terra girar), com isso, são descartadas pela Flat Earth Society. Seguindo essa mesma
explicação, os resultados do experimento do pêndulo de Foucault também são
descartados, pois, se a Terra estivesse em movimento, poderíamos sentir. Temas que são
explicados a partir da observação direta são: o formato esférico do Sol e da Lua, o
tamanho do Sol e da Lua ser o mesmo e a Terra ser plana.
Notamos o uso de explicações especulativas quando abordada a parede de gelo
responsável por reter a água dos oceanos. Como afirmado pela própria Flat Earth Society,
“diante do que sabem ninguém nunca passou muito tempo nessa região e voltou para
contar sobre a jornada que vivenciou”, porém, a parede de gelo está no modelo da Terra
Plana mais aceito pela comunidade. Mesmo o modelo monopolar sendo o comumente
aceito, e sendo uma atualização de Rowbotham ao modelo bipolar, que é de caráter mais
especulativo, o modelo monopolar também envolve especulação. No subtópico “Mapas
da Terra Plana” há várias teorias sobre a natureza e a extensão da Antártica, bem como o
layout geral dos continentes:
Muitos acreditam que a Antártica é a Parede de Gelo encontrada por Sir James
Clark Ross, enquanto alguns acreditam que a Antártica é simplesmente um
'continente da borda' em torno da Terra conhecida e que o termo Parede de
Gelo é enganoso. Outros acreditam que a Antártica é um continente isolado e
distinto e que, embora exista uma parede de gelo, ela não é a Antártica. O
último modelo geralmente assume que a geografia da Terra é bastante diferente
daquela delineada no modelo convencional105 (FLAT EARTH: MAPS).

Explicações com base “teórica” são encontradas para explicar fenômenos


observáveis. Por mais que seja observado o Sol se pôr, é necessária a explicação de como
esse fenômeno ocorre. As explicações de cunho “teórico” são as seguintes: explicação
da Aceleração Eletromagnética para a distribuição de incidências de luz ao longo do dia
e para os eclipses; Aceleração Universal, para explicar a força que empurra a Terra para
cima, causando o efeito similar ao da gravidade; a ampliação do Sol ao pôr do Sol para

105
Tradução nossa do original em inglês: Many Believe That Antarctica is the Ice Wall encountered by Sir
James Clark Ross, whereas some believe that Antarctica is simply a 'rim continent' surrounding the known
Earth and that the term Ice Wall is misleading. Othersbelievethat Antarctica
isanisolatedanddistinctcontinentandthatthoughan Ice Wall exists, it isn't Antarctica. The latter model
generally assumes that the geography of the Earth is quite different to that outlined in the conventional
model.
98

explicar a percepção aparente de que o Sol muda de tamanho ao longo do dia; e a


explicação da atmosfera da Terra Plana, que sofre influência da parede de gelo.
Com relação às explicações baseadas em experimentação, os experimentos são
citados em duas ocasiões diferentes: há experimentos que são usados para provar e
explicar o formato plano da Terra e há experimentos que são utilizados para explicar que
seus resultados, ao invés de serem evidências para Terra esférica, provam o formato plano
da Terra. O experimento citado que prova o formato plano da Terra é o experimento do
nível de Bedford, colocado em um subtópico que trata justamente de “evidência
experimental”. É o experimento mais utilizado para provar que a Terra é plana. Esse
experimento é reproduzido desde o século XIX com modificações apenas dos seus
materiais e da localidade, mas seus protocolos e medidas permaneceram os mesmos.
Os demais experimentos citados, como o de Eratóstenes e o efeito do navio
afundando, são trazidos com o objetivo de negar seus resultados como prova da
esfericidade da Terra e explicar que seus resultados provam que a Terra é plana. Sobre o
“efeito do navio afundando” há a utilização de relato de testemunhas: outras pessoas
conseguiram enxergar o casco no navio com o uso do telescópio ou binóculo, o que torna
esse efeito “puramente perceptivo”, se relacionando com a utilização do método a partir
dos sentidos. Há críticas sobre conteúdos ensinados nas escolas. Afirma-se que o conceito
de ponto de fuga é ensinado de modo errado, por isso, os cientistas não relacionam o
efeito do navio afundando à explicação do ponto de fuga. Essa não percepção do ponto
de fuga como modo de explicar esse efeito é segundo a Flat Earth Society, consequência
de um “desejo inconquistável” de apoiar a teoria heliocêntrica e o formato esférico da
Terra. Há uma ideia presente nas argumentações da Flat Earth Society de que o pré-
julgamento de que a Terra é esférica induz conclusões precipitadas para os demais
fenômenos que estejam sendo analisados.
Uma vez que o pré-julgamento influencia o resultado final, é argumentado pela
Flat Earth Society que os resultados obtidos por Erastóstenes podem possuir outro
resultado se houver a suposição prévia de que a Terra é plana, sendo possível utilizá-lo
para provar essa ideia. Seguindo a mesma argumentação, os experimentos de Michelson-
Morley e da Contração de Lorentz também são criticados pela Flat Earth Society, que
não enxerga os resultados desses experimentos como provas ou relacionados ao formato
esférico da Terra, mas sim ao formato plano da Terra.
99

Foram identificadas temáticas do conhecimento científico que a Flat Earth Society


julga como falso. Identificamos essas como explicações a partir da negação do
conhecimento científico. Essas explicações estão relacionadas ao movimento
conspiracionista. Como vimos no capítulo 2, o termo conspiração é utilizado pela Flat
Earth Society para se referir à falsificação das viagens espaciais. Os programas espaciais
não são reais, com isso, não há como saber a forma real da Terra. Como descrito no
capítulo anterior, “a NASA pensa que a Terra é redonda”. Com isso, os resultados
provenientes de pesquisas espaciais também são falsos.
Outro conhecimento científico negado é o efeito Coriolis. Uma vez que a Flat
Earth Society não reconhece os resultados do pêndulo de Foucault legítimos, o efeito
Coriolis é visto como não comprovado. A Flat Earth Society também nega
conhecimentos científicos advindos de meios fotográficos. Não é creditada confiança em
imagens de satélites e nem de câmeras fotográficas.
Além dos métodos e explicações específicas, o estilo de pensamento também é
marcado pelos julgamentos evidentes. Esse elemento é determinado pelo estilo de
pensamento e está ligado ao que Fleck vai explicar como sendo um fato. O estilo de
pensamento, enquanto uma atmosfera que direciona o sentir, pensar e agir, provoca um
sinal de resistência no pensamento inicial caótico, em seguida uma coerção do
pensamento e, por fim, a forma a ser percebida de maneira imediata (FLECK, 2010. p.
144). São julgamentos considerados óbvios, estão relacionados com os acoplamentos
passivos do saber, se tratando daquilo que é percebido como realidade objetiva (FLECK,
2010, p. 83). Por mais que estejam relacionados com os acoplamentos ativos (afinal, é
“impossível reproduzir apenas elementos passivos do saber” (FLECK, 2010, p. 145), são
os acoplamentos passivos os mais buscados (FLECK 2010, p. 145).
Identificamos alguns exemplos que podem ser considerados como “julgamentos
evidentes” pela Flat Earth Society, são eles: a Terra é plana porque a vemos plana; a Terra
não apresenta movimento giratório porque não sentimos girar; a teoria da Terra esférica
é uma farsa; há uma conspiração por parte da NASA e outras estações espaciais para que
as pessoas continuem acreditando que a Terra é redonda; a teoria é uma especulação.
A ideia acerca da existência da conspiração ser um fato está ligada à sua
capacidade de resistência, fazendo com o portador do estilo de pensamento terraplanista
100

encarem a conspiração como “verdade”106. Uma vez que nenhum fato é completamente
independente de outro (FLECK 2010, p. 153), a conspiração se conecta com o julgamento
a “teoria da Terra esférica é uma farsa”, e ambos atuam resistindo a ideias contrárias e
guiando a forma (Gestalten) de perceber os fenômenos. Com relação aos julgamentos “a
Terra é plana” e “a Terra não gira”, ambos estão ligados aos sentidos, mas que só se
esclarecem conectados aos julgamentos anteriores. Para uma pessoa que encara a Terra
esférica como fato, por exemplo, ela também não sente a Terra se mover, mas como esse
fato está conectado a outros, a ideia de que a Terra se move, mesmo não sentindo, faz
sentido e é encarado como verdade.
O último elemento do estilo de pensamento que vamos tratar é sobre a linguagem,
ou seja, o estilo técnico e literário que conseguimos identificar na Flat Earth Society. A
linguagem se torna um elemento de grande importância e marca o estilo de pensamento,
diferenciando-o de outros estilos. Sobre a importância das palavras para o fortalecimento
de um estilo/coletivo de pensamento, Fleck afirma que:
As palavras, antes simples designações, transformam-se em lemas; as frases,
antes simples constatações, transformam-se em gritos de batalha. É algo que
muda completamente seu valor social (denksozial): elas ganham uma força
mágica, não mais mentalmente pelo seu sentido lógico – até contra ele -, mas
por sua mera presença. (FLECK, 2010, p. 86)

Uma das características que identificamos nos textos da Flat Earth Society é que
há momentos em que os conteúdos são explicados em forma de perguntas e respostas.
Esse formato traz uma dinâmica para as explicações e pode contribuir para tirar dúvidas
que o leitor possivelmente venha a ter. Notamos também que em muitos momentos os
temas são tratados somente com citação direta dos autores de livros e artigos de blogs
(em sequência) sem expor nenhum entendimento da Flat Earth Society sobre o que está
sendo citado. Muitas citações não apresentam articulação umas com as outras. Os textos
também não apresentam indicação de autoria.
Com relação aos termos, a partir da relação que o movimento Terra Plana possui
com a ciência, muitos são similares, porém, com os desvios necessários. Termos
científicos que identificamos com alterações: Placa - alteração do termo “placas
tectônicas” da ciência; Teoria - termo que é utilizado como algo especulativo sem valor
científico; Universo - parece ser entendido como o conjunto de astros ao redor da Terra

106
Para Fleck, a “verdade não é uma convenção, mas um acontecimento no corte longitudinal no contexto
do momento: coerção do pensamento conforme o estilo” (FLECK 2010, p. 151 – grifos do autor), que deve
se alinhar ao interesse intelectual do respectivo coletivo (FLECK 2010, p. 152 – grifos do autor). Por isso,
portadores de estilos diferentes apresentam fatos diferentes.
101

(extensão mais limitada do que a científica). Além desses termos, também encontrados
termos próprios, como: Atmolayer - a Flat Earth Society cria seu próprio termo para se
referir à atmosfera (as subcamadas da atmosfera também receberam modificações, como
podemos ver no capítulo anterior); Aceleração eletromagnética – termo com palavras
advindas da ciência, mas que recebem significados e aplicações próprias na Flat Earth
Society; Aceleração Universal – utilizada como alternativa ao conceito de gravidade;
Modelo giratório - se refere ao modelo da Terra esférica da ciência; e globolistas – se
refere às pessoas que acreditam no formato esférico da Terra.
Em alguns momentos ao longo dos textos da Flat Earth Society esses termos são
utilizados no início dos conteúdos e, logo após, é escrito o termo “original”, utilizado na
ciência. Além disso, há casos em que os fenômenos possuem mais de uma forma de serem
explicados, não sendo essas explicações usadas de modo complementar e sim
concorrentes. Por exemplo, a atmosfera (atmolayer) pode ser entendida como a contenção
de gases formando gradiente de concentração, mas, em outro modelo de Terra Plana, ela
pode simplesmente não existir. Há diferenças de opiniões sobre diferentes conteúdos,
correspondendo a um grupo que possivelmente não se encontra no estágio altamente
elaborado de um coletivo de pensamento estável, pois, segundo Fleck:
quanto mais elaborada uma área do conhecimento, quanto mais desenvolvida,
tanto menores as diferenças de opinião. (FLECK, 2010, p. 132).

Essa inconstância no uso dos termos que foram criados ou modificados parece
mostrar uma busca de identidade, concordando com a análise realizada por Martins
(2020b) de um estilo em formação. Com o objetivo de aprofundarmos essa questão, na
seção 3 será tratado o tráfego intercoletivo de ideias e os desvios de significados.

3.2.2 Coletivo de pensamento

Nesta subseção, iremos descrever os elementos que identificamos como


característicos do coletivo de pensamento da Flat Earth Society. Temos no coletivo uma
comunidade de pessoas que compartilham e são portadoras de um determinado estado do
saber e da cultura. Iniciaremos buscando identificar as formas de disseminação do
conhecimento do coletivo de pensamento da Flat Earth Society. A disseminação do
conhecimento se dá por meio do compartilhamento de materiais de estudo na área wiki e
biblioteca. Muitos conteúdos apresentam vídeos presentes no Youtube. Na página
principal do site há links para acessar as redes sociais da Flat Earth Society (Twitter e
102

Facebook). Além disso, há a área chamada fórum, onde ocorre a troca de informações, e
qualquer membro pode sugerir alterações no site. As interações ocorrem diariamente
sobre qualquer tema que se relacione com a Terra plana e sobre atualidades (há fóruns
sobre a pandemia do COVID-19, por exemplo). O membro do conselho, Tom Bishop,
apresenta no fórum as modificações que irá realizar na área wiki, e os demais membros
podem opinar, sugerindo correções ou acréscimos107. Qualquer pessoa que acesse o site
pode visualizar esse diálogo. Sugestões de edição são realizadas por qualquer membro,
sendo necessário acessar o site com login e senha, e sua postagem fica publicada no
fórum, mas, para que as alterações sejam incorporadas na área wiki, elas devem ser
realizadas pelo conselheiro Tom Bishop.
Sobre os dispositivos legais e costumários, a Flat Earth Society é o site oficial da
Terra plana, sendo a principal fonte de busca do conhecimento acerca da temática. Trata-
se de um dispositivo on-line. Não há nenhuma instituição física construída da Flat Earth
Society. Seus estudos são todos realizados de forma “livre”, não institucionalizada. Não
há indicação da realização de cursos ou algo nessa perspectiva.
Dispositivos legais e costumários ligados à linguagem específica são elementos
muito importantes, uma vez que irão contribuir para o fechamento do coletivo de
pensamento formalmente. Fleck coloca que o mais importante é “o fechamento de cada
coletivo de pensamento como um mundo particular de pensamento em termos de
conteúdo” (p. 155) em que se faz necessário um tempo de aprendizagem por parte do
novato, que ocorre de modo autoritário e que não pode ser substituído por uma estrutura
“universalmente racional” (FLECK, 2010, p. 155). Ao notarmos os dispositivos legais da
Flat Earth Society questionamos: o novato, ao entrar no site da Flat Earth Society sofre
algum tipo de coerção de pensamento? A coerção está sendo praticada por algum
especialista? O conhecimento do especialista é compreendido somente por seus pares ou
o novato da área consegue compreender? A “benção de iniciação” do coletivo da Flat
Earth Society provavelmente não ocorre de modo similar aos conhecimentos
institucionalizados, como o da ciência. Estudos realizados de modo “livre” podem
conferir a esse coletivo um caráter menos estável.
Como mostrado no capítulo anterior, para se tornar membro da Flat Earth Society
a pessoa interessada deve concordar com as regras para participar do fórum, o que permite

107
É possível perceber essa interação no link a seguir, que mostra a indicação de alteração na página
“Erastóstenes em diâmetro”: https://forum.tfes.org/index.php?topic=18523.0
103

à pessoa acessar o site e, também, interagir com outros membros e sugerir melhorias. De
forma geral, as regras são: 1. Não deve haver ataques pessoais (caso a pessoa seja
chamada atenção duas vezes, será banida); 2. Sem assédio de outros membros (com dois
avisos a pessoa é banida por uma semana); 3. O membro deve manter-se no assunto que
está sendo tratado no tópico do fórum (em casos de reincidência de pessoas que desviem
o foco, elas receberão advertência); 4. Não é permitida a divulgação de informações
pessoais (duas infrações resultam banimento); 5. As postagens devem ser realizadas no
fórum apropriado; 6. Inclusão de materiais que não contribuem para o ponto de vista de
quem está realizando a publicação devem ser evitados; 7. Não devem ser publicados
materiais pornográficos; 8. Contas alternativas devem ser utilizadas desde que respeitem
as regras, e 9. É recomendado o uso de canais apropriados para buscar ajuda. Caso o
membro possua algum problema pode ser enviada uma mensagem diretamente para o
moderador ou criar um tópico próprio com “sugestões e preocupações”.
Sobre os componentes do coletivo da Flat Earth Society, na descrição do site e
das redes sociais (Twitter, Facebook e reddit), eles se intitulam como “pensadores livres”.
É difícil saber quem contribui na escrita dos textos, pois, nenhum dos textos lidos
apresentava autoria. Foi identificado na área fórum que Tom Bishop é o responsável pelas
edições da área wiki, que ocorre de modo colaborativo, porém, não há seu nome e nem
dos colaboradores nos textos. Informações como a formação acadêmica (caso possua),
grau de escolaridade, qual área trabalha e onde vive não são publicadas.
Quando o site da Flat Earth Society foi acessado, em março de 2020, possuía uma
área “Equipe” que apresentava o presidente, vice-presidente e secretário da Flat Earth
Society, porém, acessando o site em 2022, essa área não existe mais. Em 2020, Daniel
Shenton era apresentado como presidente, informando que o mesmo residia em Hong
Kong e era “conhecido por viajar pelo mundo e espalhar a verdade”. Não era informado
se o mesmo possuía alguma formação acadêmica e qual área trabalhava. O vice-
presidente era Michael Wilmore, que morava na Irlanda. Ele havia sido entrevistado por
vários meios de comunicação e participava de discussões “céticas em torno do avião”.
Também não foi informado se ele possuía alguma formação acadêmica e qual área
trabalhava. Como secretário, a pessoa apresentada era John Davis, terraplanista há mais
de 10 anos e que também foi entrevistado por vários meios de comunicação. Sua formação
acadêmica foi em engenharia de software, era cientista da computação e gostava de
epistemologia e matemática.
104

Uma característica importante dos coletivos de pensamento são seus círculos


exotéricos e esotéricos. Buscando fazer o exercício de identificar os componentes da Flat
Earth Society em tais círculos, temos, historicamente, que Rowbotham e Thomas Winship
pertenciam ao círculo esotérico, pois contribuíram para a construção da Flat Earth Society
e o desenvolvimento acerca do formato plano da Terra, produzindo experimentos e
cálculos novos. Pessoas como: John Hampden, Lady Blount, Samuel Shenton e Charles
Kenneth, trabalharam reproduzindo os experimentos do Rowbotham e Winship, e
atuando de modo ativo para continuidade da Flat Earth Society buscando novos
membros. Percebemos esses componentes situados no círculo esotérico.
Atualmente, o conselheiro Tom Bishop, o administrador identificado como Xasop
e os moderadores Pete Svarrior e Pongo, são os componentes potencialmente associados
ao círculo esotérico. São as pessoas que atuam respondendo a fóruns, atualizando a área
wiki com pesquisas, buscando novos membros, realizando a atualização das regras e
executando as advertências e vigilância do uso adequado do site. Indicamos como
potencialmente associados ao círculo esotérico porque entendemos que esses membros,
ao pesquisarem argumentos e reuni-los, podem, em certa medida, articular novas
“evidências” para a Terra plana, entretanto, coletando materiais e reproduzindo
conhecimentos já criados anteriormente.
Com relação ao círculo exotérico, estão presentes os demais 6.945 membros. Tais
componentes pertencem a esse círculo, pois recebem as informações sobre os
conhecimentos da Terra plana a partir da intermediação dos componentes do círculo
esotérico. Sobre a identificação dos componentes do círculo exotérico, não é possível
obter maiores informações devido à regra que não permite essa divulgação. O que é
possível identificar são as estatísticas de uso do site divulgadas pela Flat Earth Society,
como: presença de homens é maior que de mulheres; é possível identificar os membros
que passam mais tempo online; os 10 membros que possuem os tópicos mais visualizados;
os 10 membros que possuem os tópicos com mais respostas, e os 10 membros que
possuem os melhores pôsteres.
A partir da área wiki, notamos que o núcleo esotérico parece atuar
predominantemente na replicação de experimentos, mas pouco dessa produção se
manifesta como acoplamento passivo. Não há publicação de estudos recentes
aumentando a quantidade de evidências que apoiam a ideia da Terra Plana. Como
indicado no capítulo anterior deste trabalho, nas explicações observa-se o uso de fontes
105

que datam de 1800, com quase nenhuma fonte atual. O que há são reproduções ou
adaptações de experimentos realizados por Rowbotham sem o acréscimo de elementos
que gerem novos elementos passivos.
Sobre o tráfego de ideias do coletivo de pensamento da Flat Earth Society,
notamos que, a partir da área denominada “Fórum”, pode ocorrer a presença dos
iniciantes, que recebem informações, conteúdos, vídeos e instruções. Também pode haver
a presença de componentes que já compactuam com o estilo de pensamento Terra Plana,
ou de pessoas que não conhecem o movimento e nem compactuam com o estilo. Todos
esses participantes interagem uns com os outros e com os moderadores do fórum, que
respondem e apresentam o material acumulado da Flat Earth Society.
Caso essa troca de ideias ocorra entre pessoas que compactuam com o estilo de
pensamento terraplanista, essa troca de informações possibilitará a existência do tráfego
intracoletivo de ideias. Esse tipo de comunicação é de extrema relevância, pois reforça e
mantém o coletivo de pensamento coeso (FLECK, 2010, p. 158).

3.3 FLAT EARTH SOCIETY E O CONHECIMENTO CIENTÍFICO ACERCA


DO FORMATO DA TERRA: TRÁFEGO INTERCOLETIVO DE IDÉIAS

Essa seção possui o objetivo de descrever algumas explicações científicas acerca


de determinadas temáticas discutidas pela Flat Earth Society que foram apresentadas no
capítulo 2. Diferentemente do que foi realizado anteriormente com a Flat Earth Society,
não iremos apresentar o estilo de pensamento do coletivo da ciência. Nosso objetivo é tão
somente descrever como a ciência explica algumas evidências para a esfericidade da
Terra. Essa exposição é importante devido às referências científicas utilizadas nas
argumentações para a Terra Plana. Como vimos, muitas de suas explicações fazem uso
de termos científicos, mas com significados diferentes, ou são permeadas por contra
argumentações ao formato esférico. Sua base de explicações se relaciona fortemente com
a ciência. Mas, como a ciência explica os fenômenos expostos pela Flat Earth Society?
Como a ciência explica as evidências para o formato esférico da Terra? Essa apresentação
também é importante tendo em vista a inserção deste trabalho no meio acadêmico
científico, com isso, cabe um espaço para expor a visão consensual da ciência acerca do
formato esférico da Terra.
Além disso, enquanto professores de ciências, tratar das evidências em favor da
esfericidade da Terra se torna relevante, pois, essa é uma das habilidades a serem
106

desenvolvidas dentro dos objetos de conhecimento das unidades temáticas da Base


Nacional Comum Curricular (BNCC) para o 6° ano do ensino fundamental II. Além das
evidências da esfericidade da Terra, evidências dos movimentos da Terra também devem
ser trabalhadas. A seguir, as habilidades descritas na BNCC:
(EF06CI13) Selecionar argumentos e evidências que demonstrem a
esfericidade da Terra.

(EF06CI14) Inferir que as mudanças na sombra de uma vara (gnômon) ao


longo do dia em diferentes períodos do ano são uma evidência dos movimentos
relativos entre a Terra e o Sol, que podem ser explicados por meio dos
movimentos de rotação e translação da Terra e da inclinação de seu eixo de
rotação em relação ao plano de sua órbita em torno do Sol (BRASIL, p. 344 -
345)

Sobre a relação que há entre certos termos utilizados pela Flat Earth Society e a
ciência, muitas temáticas em comum, sendo tratadas e interpretadas de modo diferente,
podem envolver o que Fleck denomina de tráfego intercoletivo de ideias. Tráfego de
ideias corresponde à comunicação entre componentes de um mesmo coletivo de
pensamento que compartilham o mesmo estilo, ou entre componentes de coletivos de
pensamentos diferentes. Muitos termos expostos pela Flat Earth Society são estudados
pelo coletivo científico, porém, com diferenças. O tráfego que propomos ocorrer entre a
Flat Earth Society e o conhecimento científico acerca do formato da Terra é do tipo
intercoletivo. Como apresentado no capítulo 1, os conceitos de um coletivo, quando
utilizados por outro, são “traduzidos”, recebendo novos significados (FLECK, 2010, p.
160). Ou seja, há um deslocamento ou alteração de valores de pensamento (FLECK, 2010,
p. 161). É aquilo que Fleck denomina de desvios de significado.
O conhecimento científico pode ser acessado pelos terraplanistas de diferentes
formas. Trata-se de um conhecimento que está disponível para a população através de
livros, artigos, materiais de divulgação científica etc., e que pode ser consultado na
internet e em bibliotecas físicas, além da via escolar, do convívio que os componentes
tenham possuído ou possuem com a escola.
Alguns desvios que conseguimos identificar podem parecer, à primeira vista,
incoerências, pois, para o nosso estilo de pensamento não faz sentido a forma com que
alguns resultados ou conceitos foram interpretados. Mas é importante ter em mente que
se trata de coletivos e estilos de pensamentos diferentes. A Flat Earth Society, por
exemplo, critica o conhecimento acerca da força da gravidade e afirma que a forma como
ela é ensinada na escola está errada. O que mantém os corpos na superfície da Terra é a
107

“Aceleração Universal (UA)”, responsável pela aceleração constante da Terra para cima.
Notamos, nesse tema, que a Flat Earth Society afirma não fazer uso da teoria da gravidade
e da relatividade geral, mas utiliza a teoria da relatividade especial e o princípio da
equivalência da relatividade geral. Há um desvio (que pode ser percebido como
incoerência para nós).
Nesse tema, a Flat Earth Society realiza a defesa de um movimento para cima que
não estamos sentindo e que, embora seja difícil entendê-lo, existe, contrariando a sua
defesa metodológica baseada na percepção a partir dos sentidos. Para isso, faz uso do
princípio da equivalência, mesmo descartando a relatividade geral. Algo estranho ao
contexto da ciência, onde essas teorias foram desenvolvidas. Não seria possível a
segregação da relatividade geral ao princípio de equivalência, descartando por completo
uma da outra. Nota-se a junção dos termos “Aceleração” e “Universal” para utilização
alternativa à força da gravidade. Ao longo da seção, quando estivermos expondo as
evidências científicas, buscaremos identificar a presença de ressignificação dos resultados
ou desvios que a Flat Earth Society parece ter realizado quando trata os mesmos
conteúdos.
O importante no tráfego intercoletivo é a sua possibilidade de favorecer novas
descobertas, podendo serem criados novos fatos a partir disso (FLECK, 2010, p. 162).
Possivelmente, o uso de conhecimentos científicos – como no caso de conceitos de
aceleração, eletromagnetismo, desvios nos resultados dos experimentos que provariam a
esfericidade para provar o formato plano – agrega-se a fatos já estabelecidos no coletivo
da Flat Earth Society, mas não há o surgimento de mais elementos passivos. Além disso,
a ciência continuou a explicar o formato da Terra a partir de suas evidências, sem adotar
as novas linguagens que o coletivo da Terra plana construiu.
Para além dos desvios de significado de alguns termos utilizados para argumentar
a favor da Terra plana, há diferenças entre os coletivos de pensamento que não
necessariamente advêm de desvios, mas são marcas de cada estilo e de seus modos de
explicação. Com o objetivo de descrever essas diferenças na forma de explicar certos
fenômenos, segundo o modelo aceito pela ciência, selecionamos algumas evidências
científicas para a esfericidade da Terra que são citadas e criticadas pela Flat Earth Society.
Tendo em vista o grande volume de conteúdos que encontramos na área wiki, e
diante das inúmeras fontes de estudos científicos para esses temas, para escolher quais
evidências científicas da esfericidade da Terra iremos abordar, buscamos os livros
108

selecionados no PNLD 2020 que estão atualizados de acordo com as indicações da


BNCC. O PNLD de 2020 é composto por doze livros de ciências do 6° ano, desses,
conseguimos acesso a nove livros. Todos os livros acessados possuem um capítulo para
tratar sobre o formato da Terra. Os livros apresentam diferentes evidências para o formato
esférico da Terra e para os seus movimentos. Foi realizada uma primeira triagem
identificando, em todos os livros acessados, quais evidências são apresentadas para o
formato esférico da Terra e para o seu movimento, que estão listadas na tabela 3.

Tabela 3 - Evidências do formato esférico da Terra e dos seus movimentos encontradas


nos livros do PNLD 2020 de ciências do 6° ano do ensino fundamental II

LIVROS PNLD 2020


Livro Editora Evidências - Forma da Terra Evidências - Movimento da Terra
A sombra da Terra na Lua: eclipse lunar O gnômon e os movimentos da Terra
Posição das estrelas
Ciências vida e Eratóstenes e sua medida do raio da Terra
FDT
universo O desaparecimento do navio no horizonte
Exploração espacial: vendo com os
próprios olhos
Observação de fotografias ao longo
Observação de estrelas e constelações do dia: mudanças nas sombras -
movimento aparente do sol
Inspire ciências FDT Eclipse lunar O gnômon e os movimentos da Terra
O desaparecimento do navio no horizonte Relógio do Sol
Variação da incidência de luz solar
Eratóstenes e sua medida do raio da Terra no planeta
O desaparecimento do navio no horizonte O gnômon e os movimentos da Terra
Mudanças nas sombras - movimento
Moderna O experimento de Eratóstenes aparente do sol
Araribá mais
LTDA
Estações do ano
A duração do dia claro no inverno e
no verão

O desaparecimento do navio no horizonte O gnômon e os movimentos da Terra


Mudanças nas sombras - Eratóstenes Relógio do Sol
Eclipse lunar
Ciências naturais
- aprendendo Moderna Satélites (não geoestacionários) em órbita
com o cotidiano* da Terra desaparecem na linha do
horizonte e, tempos depois,
reaparecem do outro lado.
As fotos tiradas por satélites em órbita da
Terra mostram que o planeta é esférico.
Observatório de Eclipse lunar O gnômon e os movimentos da Terra
Moderna
ciências Observação de constelações A duração dos dias ao longo do ano
109

Observações das sombras


Eclipse lunar O gnômon e os movimentos da Terra
Teláris Ciências Ática S. A
O desaparecimento do navio no horizonte Relógio do Sol
Geração Alpha Eratóstenes e sua medida do raio da Terra O gnômon
SM LTDA
ciências Eclipse lunar Mudanças nas sombras
O desaparecimento do navio no horizonte O gnômon e os movimentos da Terra
Comparação com o formato dos outros
Companhia das
Saraiva astros que também são esféricos
ciências
Eclipse lunar
Observação de estrelas e constelações
Eclipse lunar Observação das sombras
Inovar ciências O experimento de Eratóstenes Relógio do Sol
Saraiva
da natureza Ida do Homem à Lua O gnômon e os movimentos da Terra
Imagens de satélites
Convergências
SM LTDA
ciências Sem acesso Sem acesso
Apoema Editora Brasil Sem acesso Sem acesso
Tempo Editora Brasil Sem acesso Sem acesso
* as evidências para o formato esférico da Terra apontadas neste livro são só vistas no livro do professor, como
suporte para o professor comentar em sala de aula relacionando com o conteúdo. As evidências são listadas no canto
da página.
Fonte: criação da autora

A partir dessa triagem, realizamos o agrupamento das evidências, resultando na


tabela 4. Buscamos condensá-las de acordo com a similaridade dos conteúdos e por
perceber as relações estabelecidas entre elas. Por exemplo, ao tratar sobre as observações
das sombras projetadas do gnômon, poderemos abordar a mudança no comprimento das
sombras ao longo do ano e, dessa forma, trabalhar as estações do ano e como essas se
relacionam com o formato esférico da Terra. Dessa forma, conseguimos obter uma
seleção de quais evidências abordar. Apresentaremos, em seguida, a explicação para cada
uma delas.

Tabela 4 - Lista de evidências que serão tratadas neste trabalho a partir do agrupamento
da tabela 3.

Evidências para o formato esférico e o movimento da Terra


1 O gnômon e os movimentos da Terra/Mudanças nas sombras
2 Estações do ano
3 Eratóstenes e sua medida do raio da Terra
4 Observação de estrelas e constelações
5 O desaparecimento no horizonte
6 Eclipse lunar
110

7 Exploração espacial: vendo com os próprios olhos


Fonte: criação da autora

Os materiais que utilizamos para descrever as explicações científicas foram:


manuais (livros didáticos de ensino superior); livros didáticos da educação básica do
PNLD de 2020; e os sites de universidades que realizam trabalho de divulgação científica.
No capítulo 1 é possível notar a importância que Fleck atribui aos manuais e a sua
diferença dos artigos publicados em periódicos. Importante destacar que foi percebido
que, nos manuais de astronomia escolhidos, como Astronomia & Astrofísica de Filho e
Saraiva (2017) e Conceitos de Astronomia de Boczko (1984), os autores não tratam as
evidências listadas na tabela 3 no âmbito de uma discussão sobre o formato da Terra. Esse
não é o objetivo dos manuais. Encontramos os conteúdos de astronomia sendo explicados
e os utilizamos como forma de agregar na nossa descrição acerca de como a ciência trata
essas temáticas. Nos livros didáticos da educação básica é que esses conteúdos aparecem
explicitamente como evidências para o formato da Terra esférica, tal como é orientado
pela BNCC. Infelizmente, aspectos históricos desses conhecimentos pouco aparecem nos
materiais. Não é explicado como, historicamente, esses conhecimentos foram
construídos, exceção feita no caso da medição da Terra realizada por Eratóstenes.
Antes de tratar as evidências listadas na tabela 4, cabe apontar que encontramos,
de forma geral, os materiais didáticos tratando de alguns conceitos importantes que serão
úteis para abordar as evidências, e que possuem relação com observações que realizamos
no cotidiano.
No livro didático Inspire ciência (HIRANAKA; HORTENCIO, 2018) os autores
chamam atenção para uma observação importante:
Para um observador no espaço, distante do planeta, é fácil constatar que a Terra
é esférica. Para quem está na superfície do planeta, no entanto, não é tão fácil
chegar a essa conclusão. Dizer que a Terra é esférica pode até parecer
contraintuitivo, pois, quando observamos o horizonte, linha imaginária que
separa a superfície do planeta da atmosfera, não conseguimos constatar
nenhuma curvatura (HIRANAKA; HORTENCIO, 2018, p. 159, grifos dos
autores).

Como vimos no capítulo 2, a Flat Earth Society considera a Terra plana já a partir
da observação inicial. Em contrapartida, os materiais de ciências explicam que, a partir
de uma observação mais atenciosa dos movimentos diários dos astros, por exemplo, é
possível ir além das impressões iniciais. Para isso, é importante considerar o ponto de
vista do observador, qual a posição de quem observa os fenômenos. Os autores Filho e
111

Saraiva (2017) expõem que a impressão de estarmos no meio de uma grande esfera repleta
de estrelas e astros se movimentando inspirou os antigos gregos a ideia da esfera celeste.
Ela corresponde a uma esfera imaginária, centrada na Terra, onde observamos os
movimentos aparentes dos astros e estrelas. A determinação de alguns pontos na esfera
celeste é útil para a determinação da posição dos astros no céu (FILHO; SARAIVA,
2017). Como citado acima, o horizonte corresponde à linha que parece ser a intersecção
entre o céu e o solo (ou o mar). Também é possível traçar uma linha imaginária acima do
observador que intercepta a esfera celeste em um ponto denominado zênite (Figura 10).

Figura 10 - Representação esquemática de coordenadas celestes indicando a linha do


horizonte e o zênite. O observador encontra-se em um ponto no hemisfério Sul.

Fonte: CARNEVALLE, 2018 apud FILHO; SARAIVA, 2017, p. 111.

Boczko (1984) afirma que “não há quem, observando o Sol diurnamente, não
tenha notado seu movimento no céu” (BOCZKO, 1984, p. 30). A partir dessa observação,
nota-se que, de manhã, o Sol está próximo ao horizonte e, com o decorrer do dia, “ele se
movimenta aproximando-se do zênite do local”, ao passo que, com o decorrer do tempo,
ele retorna a se aproximar no horizonte, porém, do lado contrário àquele que estava de
manhã (BOCZKO, 1984, p. 30).
Esse movimento que o Sol parece realizar “para um observador na Terra durante
a parte clara do dia”, chama-se Movimento Diurno Aparente do Sol (BOCZKO, 1984, p.
30 – grifos do autor). O livro Inovar ciências (HIRANAKA; HORTENCIO, 2018) mostra
3 imagens tiradas no mesmo dia em horários diferentes, para mostrar a mudança na
sombra das árvores à medida que o Sol aparentemente percorre o céu (Figura 11).
112

Figura 11 - Fotos tiradas em três momentos ao longo do dia: manhã, meio-dia e tarde.
As sombras projetadas da árvore aparecem em pontos diferentes à medida que o Sol
percorre o céu

Fonte: HIRANAKA; HORTENCIO (2018).

A partir da observação do nascer do Sol (aparecimento deste pela manhã) e do pôr


do Sol ou ocaso (desaparecimento deste à tarde), costuma-se dizer que ele nasce do lado
Leste e se põe no lado Oeste. Mas essa afirmação não é muito precisa. Boczko (1984)
chama atenção para a observação do nascer ou pôr do Sol durante vários dias, e expõe
que “veremos que este não se dará sempre na mesma direção” (BOCZKO, 1984, p. 30):
Uma forma fácil de comprovar essa variação é observar o Sol nascente sempre
do mesmo ponto do quarto, assinalando na janela a posição de seu nascer.
Conforme os dias vão passando, a posição vai variando, atingindo limites
extremos em junho e em dezembro, e passando pelo ponto médio do segmento
definido pelos extremos nos meses de março e setembro (BOCZKO, 1984, p.
30).

Uma observação similar é proposta no livro didático Inspire ciência


(HIRANAKA; HORTENCIO, 2018). Ao observar com cuidado ao nascer ou o pôr do
Sol, será notado que esses fenômenos ocorrem em pontos diferentes ao longo do ano
(Figura 12). Esse ciclo se repete e ocorre com uma regularidade bem definida, sendo
percebida desde a antiguidade e utilizada por diferentes civilizações como uma forma de
marcar o tempo.
113

Figura 12 - Ilustração do nascer do Sol ao longo do ano. Legendas de cada figura


pertencem à fonte da imagem.

Fonte: HIRANAKA; HORTENCIO, 2018, p. 166.

Com isso, uma questão pode ser levantada: Por que há mudanças nos pontos ao
longo do ano de onde o Sol nasce e se põe? Por que os autores usam o termo “movimento
aparente”? A seguir, descreveremos as evidências mostradas na tabela 4, a fim de
responder a essas perguntas e explicar os argumentos científicos para o formato esférico
e os movimentos da Terra. Como explicado anteriormente, condensamos e elencamos as
evidências a partir da similaridade do conteúdo, com isso, iremos tratá-las na seguinte
ordem: Gnômon: os movimentos da Terra e as estações do ano; Eratóstenes e sua medida
do raio da Terra; Observação de estrelas e constelações; O desaparecimento no horizonte;
Eclipse lunar e Exploração espacial: vendo com os próprios olhos - As fotos tiradas por
satélites em órbita da Terra mostram que o planeta é esférico.
Importante destacar que estamos reproduzindo as explicações apresentadas nos
materiais de ensino escolhidos. Outro ponto importante é que as evidências para a
esfericidade da Terra e seus movimentos não se resumem ao utilizados nestes materiais.
Há inúmeros outros argumentos científicos.

Gnômon: os movimentos da Terra e as estações do ano


114

A Flat Earth Society não faz menção ao experimento do gnômon. A


variação de luz solar é derivada do efeito da aceleração eletromagnética,
que curva a luz solar fazendo com que ocorra o nascer e o pôr do Sol. O
Sol se move em círculos ao redor do Polo Norte e “quando está sobre sua
cabeça, é dia. Quando não é, é noite”. As diferentes estações do ano
ocorrem devido à mudança da posição do Sol em relação ao Polo Norte,
“quando o sol está mais longe do Polo Norte é inverno no hemisfério
norte e verão no Sul”.

O gnômon é apresentado como forma de investigar os movimentos de rotação e


translação realizados pela Terra. A partir da observação da mudança na sombra projetada
pela sua haste, é possível detectar os efeitos desses movimentos. O uso do gnômon nos
manuais aparece como método para determinação dos pontos cardeais, observação das
sombras durante um dia e durante os meses do ano. Os ângulos formados a partir das
sombras projetadas servem como forma de diferenciar as estações do ano. Nos livros
didáticos, aparece com a mesma finalidade, mas com menos detalhes.
Foi observando a variação do tamanho da sombra do gnômon que os antigos
determinaram a duração das estações do ano, ou ano tropical (FILHO; SARAIVA, 2017,
p.37). O gnômon corresponde a uma vara presa verticalmente no chão que deve ser
observada ao longo do dia, com atenção ao tamanho e direção da sombra projetada por
ele. O resultado é que, ao decorrer do dia, as sombras mudam de direção, de modo que
no nascer do Sol as sombras são grandes, ao meio-dia são mínimas, e ao pôr do Sol, com
a direção alterada, as sombras são grandes novamente. Essa mudança na posição e
comprimento das sombras também pode ser vista nas sombras de árvores, postes e
prédios. Quanto mais baixo estiver o Sol em relação ao horizonte, maior será a sombra
do gnômon, e quanto mais alto ele estiver menor será a sombra (Figura 13).
115

Figura 13 - Ilustração das sombras do gnômon ao longo de um dia. É possível notar que
ocorrem mudanças de posição e de comprimento, pois a posição do Sol varia no céu
durante o dia.

Fonte: GODOY (2018, p. 224).

Além de diária, a observação do gnômon também pode ser realizada ao longo do


ano. Boczko (1984) apresenta o esquema das sombras de um gnômon ao longo do ano. O
autor informa que a distância zenital (z) do Sol varia ao longo do ano, mesmo ele sendo
observado nos mesmos horários. Se observássemos as sombras do gnômon na figura 12,
que mostra os diferentes pontos do nascer do Sol ao longo do ano, as sombras projetadas
no mesmo horário iriam ser diferentes ao longo dos dias.
Na figura 14 temos a representação do gnômon com a linha Z correspondendo ao
zênite ao meio dia do local, e a figura 15 com as diferentes angulações formadas ao longo
do ano, medidas sempre ao meio-dia, porém as sombras estão representadas em uma
esfera celeste. Boczko (1984) explica que “no dia em que a distância zenital do Sol for
mínima (zv), dizemos que se inicia o verão naquele hemisfério: é o solstício de verão
(sv)” (BOCZKO, 1984, p. 120). Quando o Sol está com sua máxima distância zenital (Zi),
“dizemos que começa o inverno naquele hemisfério: é o solstício de inverno” (Si)
(BOCZKO, 1984, p. 120).
116

Figura 14 - Representação do gnômon com a linha


imaginária do zênite local ao meio-dia.

Fonte: Adaptação feita pela autora baseada das figuras do BOCZKO (1984, p. 120).

Figura 15 - Representação dos zênites ao longo do ano.

Fonte: Adaptação feita pela autora baseada das figuras do BOCZKO (1984, p. 120).

Um ponto importante nessa observação é que, duas vezes ao ano, o gnômon


projeta uma sombra no mesmo local com a mesma distância zenital intermediária entre
Zv e Zi, podendo ser afirmado que:
117

A partir das observações, caso a passagem da sombra por esse ponto intermediário
ocorra após o inverno, dizemos que está se iniciando a primavera no instante em que a
distância zenital do Sol é zp, denominado de equinócio de primavera. Com isso, “caso a
passagem se dê após o verão, teremos então o início do outono: é equinócio de outono”
(BOCZKO, 1984, p. 120 - 121). Diante de tais resultados observacionais, Boczko (1984)
afirma que podemos concluir que:
Zo = Zp = │Ø│
O que “leva a verificar que nos instantes dos equinócios o Sol se encontra sobre o
Equador, ao passo que nos solstícios ele se encontra mais afastado possível do Equador”
(BOCZKO, 1984, p. 121).
Realizando uma associação com a observação proposta por Boczko (1984) do
nascer do Sol através da janela do quarto, e com as explicações acima, veríamos através
da janela o nascer do Sol nos solstícios e nos equinócios como indicados na figura 16
mostrada no livro Companhia das Ciências (USBERCO et al., 2018, p. 32). Na figura 17
verificamos como as sombras ficam projetadas através do gnômon.

Figura 16 - Observação da posição do Sol da janela do nascer do Sol nos solstícios e


nos equinócios

Fonte: USBERCO et al., 2018, p. 32.


118

Figura 17 - Variação do comprimento das sombras do gnômon ao longo do ano.

Fonte: GEWANDSZNAJDER; PACCA (2018, p. 94)

A partir dessas observações, conseguimos responder à questão do porquê existem


mudanças nos pontos em que há o nascer e o pôr do Sol:
Nos solstícios, o Sol nasce no lado leste, porém voltado mais para o norte ou
para o sul, em sua distância máxima em relação ao ponto cardeal leste. Depois
do solstício, o Sol nasce, dia após dia, cada vez mais próximo do ponto leste.
Essa é a explicação para as variações do tamanho das sombras que se podem
notar nos gnômons ao longo do ano (LOPES; AUDINO, 2018, p. 136)

Mas ainda se faz necessário explicar melhor qual o motivo das diferentes estações
do ano. Por que há diferenças nas estações do ano entre o Hemisfério Sul e o Hemisfério
Norte? Por que nos polos há a ocorrência de 24h de luz enquanto no polo oposto há 24 de
noite? Por que há meses em que o dia e a noite duram 12h, mas, nesse mesmo período,
há crepúsculo nos polos?
A explicação científica para essas perguntas remete à esfericidade da Terra,
havendo uma “inclinação do eixo de rotação da Terra com relação ao seu eixo
perpendicular à sua órbita”. É devido a essa inclinação que “os raios solares incidem mais
diretamente em um hemisfério ou em outro, proporcionando mais horas com luz durante
o dia a um hemisfério ou a outro e, portanto, aquecendo mais um hemisfério ou outro”
(BOCZKO, 1984, p. 122 - 123).
Pode haver a impressão de que as diferentes estações se deem em decorrência da
aproximação e distanciamento da Terra do equador, porém, os materiais explicam outro
motivo que tem relação com o formato esférico da Terra e seu movimento ao redor do
Sol, podendo ser complementada a explicação para as variações das observações vistas
no experimento do gnômon. Partindo de que a Terra é esférica, a diferença do
comprimento da sombra do gnômon ao longo do ano para diferentes hemisférios da Terra
decorre da inclinação do eixo da Terra. Caso não houvesse essa inclinação, não
observaríamos que no hemisfério Norte da Terra é inverno em janeiro, enquanto neste
mesmo mês é verão no hemisfério Sul da Terra (BOCZKO, 1984, p. 122 - 123).
119

Com relação ao termo “movimento aparente” os livros didáticos e os manuais


explicam que:
O movimento diário do Sol no céu é aparente porque é a Terra que está se
movendo em relação ao Sol. Mas, como nós fazemos a observação a partir da
Terra, temos a impressão de que é o Sol que se move (GEWANDSZNAJDER;
PACCA, 2018, p. 90).

A representação do movimento da Terra ao redor do Sol é mostrada nos materiais


(Figura 18), assim como a inclinação do eixo de rotação no valor de 23,5° entre o equador
da Terra e a eclíptica (FILHO; SARAIVA, 2017, p. 40).

Figura 18 - Representação das estações do ano sendo causadas pela inclinação de 23,5°
entre o equador da Terra e a eclíptica.

Fonte: FILHO; SARAIVA, 2017, p. 40. Versão colorida.

Essa explicação se contrapõe ao motivo da existência das diferentes estações do


ano da Terra Plana, que ocorreriam devido à mudança orbital do Sol, que quando este
está mais próximo do Polo Norte é verão nesta região e inverno no hemiplano oposto.
120

Figura 19 – As diferentes estações do ano na Terra plana.

Fonte: Flat Earth Society.

A Flat Earth Society responde à pergunta das diferentes estações do ano, porém,
encontramos explicações diversas, sem consenso para as questões realizadas
anteriormente: Por que nos polos há a ocorrência de 24h de luz enquanto no polo oposto
há 24h de noite? Por que há meses em que o dia e a noite duram 12h, mas, nesse mesmo
período, há crepúsculo nos polos? Essas variações ocorreriam devido a possíveis
anomalias no hemisfério Sul. Além disso, as explicações são diferentes a depender do
modelo de Terra plana (monopolo ou bipolo). No modelo monopolo (modelo mais aceito
pelo coletivo), o Polo Norte é o centro da Terra e não existe Polo Sul. Com isso,
questionamos: Não são levadas em consideração as observações dessa região do planeta?
Percebemos que o aparato conceito e argumentativo para explicar as estações do ano
possui distâncias significativas com os argumentos científicos, não havendo
necessariamente uma relação de desvio de significado. São criadas especulações novas
baseadas no movimento do Sol (oposto da Terra esférica).
A Flat Earth Society expõe que considera falsas as seguintes afirmações que,
segundo a sociedade, seriam propagadas pela ciência sobre o dia do equinócio:

- O sol nascerá do Leste neste dia para todos os locais da Terra;


- A Terra experimentará momentos iguais do dia e da noite
(FLAT EARTH SOCIETY: EQUINOX).
121

A partir de observações (que podem ser realizadas com o auxílio do gnômon), os


autores Filho e Saraiva (2017) expõem o seguinte sobre o equinócio:
• No equinócio de março (em torno do dia 20), o Sol cruza o
equador celeste. Indo do hemisfério sul (HS) para o hemisfério
norte (HN); na Terra incide diretamente sobre o equador. O dia
claro e a noite dura 12 horas em toda a Terra (nos polos, 24h de
crepúsculo); No HS, é equinócio de outono e no HN, é equinócio
de primavera.
• Durante o equinócio de setembro (em torno do dia 22), o Sol
cruza o equador, indo do hemisfério norte para o hemisfério
sul. Na Terra, há incidência direta da luz solar sobre o equador.
Dia claro e a noite dura 12 horas em toda a Terra (nos polos, 24
horas de crepúsculo). No HS é equinócio de primavera, no HN e
equinócio de outono.

Com isso, de fato não é em toda a Terra que é observada a duração de 12h para o
dia e a noite. Nos polos não haverá o nascimento do Sol, tendo em vista que a luz solar
incide diretamente no equador.
Outra observação importante é a de que, em um mesmo hemisfério, nas diferentes
latitudes, as estações do ano serão percebidas de forma diferente.
Regiões próximas à linha do Equador não vão perceber o inverno e o verão
como estações de tempo frio ou quente. São lugares quentes praticamente o
ano todo, ou seja, a variação de temperatura nesses locais é bem pequena.
(CARNEVALLE, 2018, p. 120).

Realizando um contraponto com a explicação da Terra plana, o Sol em


movimento, ao se distanciar ou se aproximar do Polo Norte, ocasionaria uma variação
mais brusca ao longo do ano em latitudes mais elevadas. Porém, observamos o que está
mencionado na citação acima, regiões onde as estações durante o ano não variam
significativamente.
Os livros didáticos explicam conceitualmente e com ilustrações dos movimentos
de rotação e de translação da Terra. A Terra gira em torno do seu próprio eixo. Esse
movimento é denominado de rotação, seu sentido se dá de Oeste para Leste, e é devido a
esse movimento que o Sol parece se mover no céu ao longo do dia. Relembrando as
observações descritas anteriormente, vemos o Sol nascer no Leste e se pôr no Oeste, isso
122

porque a Terra gira no sentido de Oeste para Leste. Devido ao seu formato esférico, um
lado da Terra é iluminado por vez. Por isso que localidades com longitudes tão distantes
não podem ser iluminadas no mesmo instante:
Como a Terra é esférica, sua superfície nunca fica completamente iluminada
pelo Sol. Na face do planeta voltada para o Sol, é dia. Na metade que fica do
lado oposto e, portanto, não recebe a luz solar, é noite. Conforme o planeta
gira ao redor de si, a porção da superfície que era iluminada pelo Sol se move
e adentra a região de sombra. Por isso, a rotação é responsável pela alternância
entre dias e noites (HIRANAKA; HORTENCIO, 2018, p. 164)

A partir da citação acima conseguimos realizar um contraponto com a explicação


do dia e da noite da Flat Earth Society. Em uma Terra plana, a variação de luminosidade
ao longo do dia seria devida ao efeito da aceleração eletromagnética. Como vimos no
capítulo 2, a luz se curvaria e, à medida que o Sol se movimenta acima da Terra, haveria
a alternância do dia e da noite. Pensando no que discutimos no início desta seção, essa
explicação utiliza termos também usados na ciência: aceleração e eletromagnetismo.
Porém, nesse caso, houve um desvio de significado desses termos que passaram a ser
aplicados a contextos diferentes dos encontrados nos materiais de ciências a que
recorremos.
O movimento de translação corresponde ao movimento da Terra ao redor do Sol,
o qual leva em torno de 365 dias para completar uma volta. O movimento de rotação leva
24 horas, 56 minutos e 4 segundos. O período da translação e da rotação é compatível
com as observações descritas anteriormente. Na figura 10, vemos o Sol mudar de posição
durante o nascer. O tempo que leva para ele retornar ao ponto inicial da observação dura
cerca de 365 dias, 05 horas, 48 minutos e 46 segundos.
Outra observação que pode ser realizada é durante o pôr do Sol. Ao invés de focar
somente no Sol, Boczko (1984) sugere que prestemos atenção no aspecto do céu,
observando a posição das estrelas próximas ao Sol. Ele explica que, à medida que os dias
e meses vão passando, “o Sol parece, cada dia está (sic) numa região estelar mais a Leste”
(BOCZKO, 1984, p. 118). A explicação para a diferença do aspecto do céu e a posição
das estrelas, é porque, à medida que a Terra gira ao redor do Sol, são observadas novas
estrelas e outras não são mais visíveis.
123

Eratóstenes e sua medida do raio da Terra

A Flat Earth Society afirma que é um equívoco que Eratóstenes estivesse


medindo a circunferência da Terra redonda, pois, na verdade, ele estava
medindo o diâmetro da Terra plana, que é uma figura idêntica à
circunferência da Terra redonda. Há uma ressignificação do resultado
que é divulgado nos materiais de ciências e astronomia por parte da Flat
Earth Society.

A seguir, iremos descrever as explicações encontradas para a medição da


circunferência da Terra realizada por Eratóstenes. Eratóstenes (276 – c. 195 a. C.),
astrônomo alexandrino, no século III a. C. realizou a primeira medição conhecida do raio
da Terra, há 2.500 anos (CREASE, 2011). Antes de Eratóstenes, outros estudiosos
também realizaram estimativas da circunferência da Terra, como Aristóteles com a
medida de 400 mil estádios, um pouco mais de 64.372 km, e Arquimedes, com a medida
de 300 mil estádios, um pouco mais de 48.000 km, porém, tais cálculos com fontes ou o
raciocínio desses resultados não é conhecido (CREASE, 2011).
Além de astrônomo, Eratóstenes era filósofo, geógrafo, matemático, gramático e
poeta. Em Alexandria, foi convidado pelo rei do Egito a ocupar o cargo de chefe da
biblioteca da cidade, onde ocorriam diversas atividades de pesquisas, se tornando “um
ponto de encontro para os sábios do mundo inteiro” (CREASE, 2011, p. 20). Ele possuía
conhecimentos de geografia, e foi o primeiro a mapear o mundo usando paralelos e
meridianos, publicando seus resultados na obra Geográfica (com 3 volumes), além de ter
publicado a primeira descrição conhecida de um método para medir o comprimento da
Terra, publicado em Medidas do mundo. Porém, infelizmente tais obras se perderam e
possuímos conhecimento sobre elas a partir de comentários de outros autores da
antiguidade (CREASE, 2011, p. 20 - 21). Sobre a medida da Terra:
Eratóstenes partiu do raciocínio de que se a Terra fosse um corpo pequeno e
esférico em um vasto universo, então os outros corpos, como o Sol, deveriam
estar muito distantes – tão distantes que seus raios estariam essencialmente em
paralelo, não importa onde atingissem a Terra (CREASE, 2011, p. 21).

Havia um pergaminho na biblioteca que relatava em detalhes uma observação


feita em Siene (atualmente, Assuã). Eratóstenes soube que no dia mais longo do ano um
objeto (como um obelisco ou uma torre) não projetava sombra ao meio-dia e que, nesse
mesmo instante, o fundo de um poço era totalmente iluminado pela luz do Sol. Era de
conhecimento que o dia mais longo do ano correspondia ao início do solstício de verão,
124

e independente do calendário adotado, Eratóstenes tinha conhecimento sobre o dia que


iniciava o solstício de verão a partir de observações. Em contrapartida, em Alexandria,
nesse mesmo período, o Sol projetava uma sombra ao meio-dia. Sobre a distância entres
as cidades:
graças aos pesquisadores que o faraó enviava para viajar pelo rio Nilo e mapear
as terras todo ano depois das enchentes periódicas, Eratóstenes sabia que as
duas cidades estavam separadas por cerca de cinco mil estádios (o número foi
arredondado, então não podemos usar essa informação para estabelecer o
equivalente preciso de um estádio em unidades de medida moderna)
(CREASE, 2011, p. 21).

Eratóstenes propôs observar em Alexandria, no solstício de verão, um objeto


aprumado e sua sombra ao meio-dia. Com o gnômon posicionado a 90°, ele observou
uma sombra de mais de 10% do tamanho da haste. Ao utilizar da trigonometria,
Eratóstenes conclui que os raios de Sol formavam um ângulo de 7,2° em relação à haste
(Figura 20). Com o resultado de 7,2° de seu experimento em Alexandria, ele soube que
as cidades estavam inclinadas a 7,2° em relação à outra. A partir do resultado da distância
entre as cidades, era possível medir a circunferência da Terra, tendo uma ideia do tamanho
do planeta em que ele vivia.

Figura 20 - O ângulo (x) projetado pelas sombras em Alexandria é igual ao ângulo (y)
criado pelos dois raios cujo vértice está ao centro da Terra e que passa por Alexandria e
Siena (o desenho não está em escala)

Fonte: Adaptação da autora a partir de CREASE (2011, p. 23).

Como ilustrado na figura 18, em Siena (A), durante o solstício, o Sol está
diretamente em sua direção não sendo projetadas sombras, correspondendo à linha AB.
125

Devido aos raios de Sol serem paralelos, em Alexandria (E) há uma projeção similar
correspondendo à linha CD, porém, devido à curvatura da Terra, eles foram um pequeno
ângulo (x) com a vertical local. Através dos conhecimentos de geometria, é possível
calcular a circunferência terrestre (CREASE, 2011, p. 24):
De acordo com Euclides, são iguais os ângulos interiores de uma linha em
interseção com duas linhas paralelas. Portanto, o ângulo (x) projetado pelas
sombras em Alexandria é igual ao ângulo (y) criado pelos dois raios cujo
vértice está no centro da Terra e que passa por Alexandria e Siena (BC e BA).
Isso significa que a razão entre o comprimento do arco de um gnômon (FE) e
o círculo completo ao redor do gnômon [...] é a mesma que a razão entre a
distância entre Siena e Alexandria (AE) e a circunferência da Terra (CREASE,
2011, p. 24).

Eratóstenes mediu a fração do ângulo em relação ao círculo completo (360°) e


obteve o resultado “de que o ângulo da sombra era 1/50 de um círculo completo”, o que
corresponde à distância entre Alexandria e Siena sendo o “um quinquagésimo da distância
através de todo o meridiano” (CREASE, 2011, p. 24). A distância entre as cidades era de
cinco mil estádios, valor obtido por pesquisadores enviados pelo faraó. Com isso, cinco
mil estádios multiplicados por 50 equivalem ao total da circunferência da Terra. O valor
total foi de 250 mil estádios, que equivale a 40 mil quilômetros108.
Atualmente, o valor aceito para a circunferência do planeta Terra na linha do
equador é de 40.076 quilômetros. Porém, o resultado de 40 mil quilômetros alcançado
por Eratóstenes foi aceito por centenas de anos, sendo a medida mais confiável para a
circunferência da Terra. Seu experimento transformou a geografia e a astronomia, e
“permitiu a qualquer geógrafo estabelecer a distância entre dois lugares quaisquer cuja
latitude seja conhecida”, além de poder tentar medir distâncias cósmicas (CREASE, 2011,
p. 26).
Alguns materiais colocam que esse experimento foi realizado para provar a
esfericidade da Terra, no entanto, Eratóstenes já possuía conhecimento da esfericidade da
Terra e sua questão era descobrir o tamanho do planeta. Possivelmente, em decorrência
da propagação dessa ideia distorcida, a Flat Earth Society também lança suas críticas ao
experimento, fazendo uso dessa distorção como forma de diminuir o potencial do
experimento como evidência para o formato esférico. A Flat Earth Society inicia a
explicação em sua página com a afirmação que Eratóstenes “simplesmente presumiu que

108
Como citado anteriormente, segundo Crease (2011), esse valor de 40 mil quilômetros é uma estimativa.
Esse valor foi arredondado, pois, o valor para estádios não é precisamente conhecido.
126

a Terra era uma esfera em seu experimento, baseado na obra de Aristóteles” e, assumindo
previamente que a Terra é plana, seu experimento também pode ser usado e o valor obtido
será o mesmo. Percebemos, aqui, uma ressignificação dos resultados, havendo uma
adaptação ao estilo de pensamento da Terra plana.
Por mais que o objetivo de Eratóstenes não tenha sido provar a esfericidade da
Terra, os conhecimentos aplicados por Eratóstenes são coerentes com o formato esférico
da Terra. Caso a Terra fosse plana, não haveria diferenças nos ângulos das sombras
projetadas no mesmo horário pelo gnômon, entre as cidades. Essa diferença ocorre porque
as cidades estão situadas em latitudes diferentes em um planeta esférico, e, com isso,
durante o solstício os raios incidem de forma diferente em cada cidade.

Observação de estrelas e constelações:

Sobre as estrelas e seus movimentos, a Flat Earth Society discute sobre


“a rotação celestial do Sul”, que se refere à anti-rotação das estrelas
observada nas regiões do Sul da Terra. Para cada modelo da Terra plana
a forma de explicar as mudanças no movimento das estrelas é diferente.
No modelo monopolo (mais aceito), a rotação oposta à rotação do Norte
surge devido à visualização de objetos que se movem na mesma direção,
mas que estão sendo vistos por observadores situados em posições
opostas.

Seguindo a explicação científica, assim como o Sol, também é possível ver o


movimento aparente das estrelas do Leste para o Oeste. São percebidas mudanças na
posição das estrelas ao longo do tempo a partir da observação diária ou mensal destas no
mesmo local (Figura 21). Algumas constelações (agrupamento aparente de estrelas) são
vistas durante um período, mas com o passar do tempo, elas deixam de ser visualizadas
(BOCZKO, p. 34). Como citado no livro Ciências naturais:
As estrelas próximas ao lado oeste da linha do horizonte vão descendo até se
ocultar abaixo dela. As estrelas próximas ao lado leste da linha do horizonte
vão subindo gradualmente, de modo que aquelas que estavam ocultas abaixo
dela vão ficando visíveis (CANTO; CANTO, 2018, p. 229).
127

Figura 21 - Foto do céu do Quênia (África) obtida a partir da técnica chamada de


“tempo de exposição prolongado”, dessa forma cada estrela parece deixar um rastro
luminoso por onde passa. Com a câmera apontada para o lado leste a captura durou das
21h até as 2h.

Fonte: CANTO; CANTO (2018, p. 229).


.

Mudanças também são percebidas dependendo da posição do observador sobre a


Terra. Algumas estrelas não irão nascer ou se pôr, estando sempre posicionadas acima do
horizonte. É o que acontece na região dos polos da Terra. Para um observador em um dos
polos da Terra, essas estrelas “pareceriam girar em torno de um centro em circunferências
com raios tanto maiores quanto mais afastadas estivessem do polo” (BOCZKO, p. 36).
Essas estrelas são chamadas de circumpolares (BOCZKO, p. 34). No Hemisfério Norte,
a estrela Polar é, atualmente, a estrela α da constelação da Ursa Menor. Outra diferença
importante é que, no hemisfério Norte, as estrelas circumpolares parecem girar no sentido
anti-horário, enquanto as estrelas circumpolares do hemisfério Sul parecem girar no
sentido horário (Figura 22) (BOCZKO, p. 38).
128

Figura 22 - Foto tirada no Lago Titicaca (Chile) a partir da técnica de “tempo de


exposição prolongado”. As estrelas não nascem nem se põe e “realizam movimento
aparente de rotação ao redor um ponto, o Polo Sul Celeste”.

Fonte: CANTO; CANTO (2018, p. 229).

Para observadores situados no hemisfério Norte, durante o nascer e o pôr das


estrelas, elas parecem se deslocar para o Sul até atingir seu zênite, caminhando para o
oeste, lado que irá se pôr. Enquanto isso, no hemisfério Sul, as estrelas parecem se
deslocar ao norte do zênite (BOZKO, 1984, p. 35). Além disso, o tempo que as estrelas
ficam visíveis e o ângulo que formam com o horizonte também variam a depender do
hemisfério em que o observador esteja situado.
Alguns exemplos são citados nos materiais, como a constelação do Cruzeiro do
Sul. Ela é formada por cinco estrelas, possuindo quatro delas mais brilhantes que parecem
estar ligadas por uma linha imaginária formando uma cruz no céu. Quando visualizado
por um observador próximo à linha do equador, o Cruzeiro do Sul nunca fica posicionado
muito acima da linha do horizonte. Quando visualizado por alguém situado mais ao sul,
a constelação parece estar situada bem mais alta no céu, como indicado na Figura 23
(HIRANAKA; HORTENCIO, 2018).
129

Figura 23 - Vista do Cruzeiro do Sul por dois observadores em pontos diferentes


da Terra, um próximo à linha do equador enxerga a constelação próximo a linha do
horizonte. Outro localizado mais ao sul, para enxergar a mesma constelação
precisa olhar para cima.

Fonte: HIRANAKA; HORTENCIO, 2018, p. 160.

Desde a antiguidade, na Grécia Antiga, Aristóteles chamou atenção para a


mudança no aspecto do céu “conforme o observador se encontra em diferentes latitudes”
(SILVEIRA, 2017, p. 8). Ele observou que no Egito era possível ver estrelas que não
apareciam em regiões mais ao norte. Além de Aristóteles, essas observações foram
confirmadas por “navegadores que cruzaram oceanos e puderam criar cartas celestes,
mapas do céu noturno usados em navegação para determinação da localização e direção”
(THOMPSON; RIOS, p. 219). Aristóteles deduziu que a Terra não era plana, pois, se
fosse, “todas as estrelas e constelações poderiam ser observadas de todos os locais do
planeta” (THOMPSON; RIOS, p. 219).
A defesa encontrada nos materiais é de que, se a superfície terrestre fosse plana,
as mudanças na visualização das estrelas, citadas anteriormente, não deveriam ocorrer.
No entanto, “essa diferença pode ser explicada se assumirmos que a Terra é esférica”
(HIRANAKA; HORTENCIO, 2018, p. 160). A Flat Earth Society levanta um termo novo
para explicar esse fenômeno: anti-rotação das estrelas, e leva em consideração a posição
do observador, onde está localizado. Por mais que esse seja um fator importante na
explicação científica, em uma Terra plana a explicação não se justifica somente com a
130

posição oposta do observador. É necessário o movimento diferente sendo realizado pelas


estrelas.

O desaparecimento no horizonte – O efeito do navio afundando

A Flat Earth Society não aceita esse efeito como resultado da


esfericidade da Terra e entende que ele ocorre devido: às ondas do
oceano, que cobrem parte do caso; por falta de resolução óptica, em que
o casco do navio pode se fundir com o mar; e através do efeito de
refração, uma miragem pode ocorrer fazendo com que o casco não seja
observado.

Os materiais de ciências e astronomia que contêm a explicação para esse efeito


apontam que ela foi apresentada por Aristóteles como mais uma evidência a favor da
esfericidade da Terra. Esse efeito diz respeito ao fato de que, ao observar um navio partir
em direção ao horizonte, ele desaparece gradualmente de baixo para cima, e, ao vermos
ele se aproximar, enxergamos primeiro a sua parte superior e depois a parte inferior. É
explicado que isso ocorre porque “a parte de baixo dele começa a ser ‘escondida’ pelo
planeta. Depois de se afastar o suficiente, ele some completamente” (HIRANAKA;
HORTENCIO, 2018, p. 161). Essa observação é antiga e realizada por marujos que, para
avistar o continente, costumavam se posicionar acima do tombadilho da nau (parte mais
elevada do navio) (SILVEIRA, 2017, p. 9). Essa diferença de altura proporciona a
visualização, e ela interfere também para o observador situado na praia que visualiza o
objeto.
A questão “Como saber quanto de um navio que vemos no horizonte se encontra
atrás do horizonte?” foi realizada no site do Centro de Referência para o Ensino de Física
(CREF)109 na área “Pergunte ao CREF”, e respondida pelo professor Fernando Lang da
seguinte forma:
Um navio afastado o suficiente de um observador pode estar além do horizonte
aparente desse observador. Se tal acontecer parte do navio se encontra abaixo
da linha do horizonte do observador e a extensão dessa parte escondida
depende do afastamento do navio para trás do horizonte. Portanto,
rigorosamente a tua pergunta não possui uma resposta bem definida (CREF).

109
Link: https://cref.if.ufrgs.br/?contact-pergunta=distancia-ao-horizonte-navio-afundado
131

Como forma de experimentar esse efeito, o professor Fernando Lang publicou no


site do CREF duas imagens tiradas por ele à beira mar, em Tramandaí/Rio Grande do Sul,
de um navio petroleiro que estava atracado na boia da Petrobrás a uma distância de 3 km
da linha costeira. Na Figura 24, a foto superior foi capturada de uma altura do nível do
mar de apenas 1 metro. A foto inferior foi capturada de uma altura de cerca de 5 metros
acima do nível do mar (o professor estava em cima de uma duna). Na imagem superior,
parte do casco do navio não é visto, estando aparentemente atrás do horizonte, e na
segunda imagem o horizonte parece se distanciar e é possível enxergar parte do casco.

Figura 24 - Fotos de um navio petroleiro. A de cima: capturada de uma altura do nível


do mar de apenas 1 metro. Foto inferior: foi capturada de uma altura de cerca de 5
metros acima do nível do mar.

Fonte: CREF

Com isso, o professor responde que, tendo em vista a noção de que a altura
interfere na distância do horizonte, é possível calculá-la levando em consideração a altura
132

do observador e o raio da Terra (D = √2. H. R), aplicando-se o teorema de Pitágoras ao


triângulo retângulo da Figura 25.

Figura 25 - A distância ao horizonte (D) depende da altura da visada (H) e do raio da


Terra.

Fonte: SILVEIRA (2021, p. 9).

Além da altura do observador, as condições do tempo também são influentes na


percepção desse efeito. Segundo Silveira (2017), a refração da luz pode fazer com que
“objetos normalmente invisíveis devido à curvatura da Terra sejam percebidos”, dando a
impressão “errônea de que a curvatura seja inexistente ou até que a superfície da Terra
seja côncava ao invés de convexa” (SILVEIRA, 2017, p. 9). A refração ocorre quando o
“ar se encontra aquecido em relação às águas de oceanos, mares, lagos e canais”
(SILVEIRA, 2017, p. 9), o que provoca a visualização de um objeto onde na verdade ele
não está (Figura 26). Levando em consideração a explicação da Flat Earth Society,
possivelmente algumas das observações realizadas por terraplanistas podem ter
acontecido em momentos em que a refração da luz estivesse acontecendo. A ciência não
descarta essa possibilidade. Sobre a causa a partir do limite de resolução óptica da Flat
Earth Society, não encontramos um contraponto nos materiais de ciências.
133

Figura 26 - Possibilidades de visualização do objeto com efeito de refração da luz.

Fonte: CREF

Levando em consideração que “não haja relevo na superfície da Terra até o


horizonte e que a luz se propaga em linha reta”, além de não haver os possíveis efeitos da
refração da luz, é possível “estimar a distância a que o horizonte é percebido por um
observador”. Utilizando a expressão D = √2. H. R, o autor mostra o seguinte exemplo:
Como o raio da Terra é aproximadamente 6370 km (R = 6,37 x 10 6 m), obtém-
se que a distância ao horizonte, quando a visada se encontra a dois metros (H
= 2,0 m) do solo, é 5,04 x 103m ou 5 km aproximadamente. Para um observador
no topo de uma torre com 20 m de altura, o horizonte encontra-se a 16 km de
distância (SILVEIRA, 2017, p. 9).

O cálculo é possível porque leva em consideração o raio de curvatura da Terra. O


efeito do navio afundando é provocado pela esfericidade da Terra, por isso, a altura é um
componente que influencia a observação, além da distância. “Se a Terra fosse plana, as
observações ao nível do mar ou elevadas sobre ele permitiriam avistar objetos distantes
da mesma forma”, além disso, “na beira do mar, caso exista alguma elevação, é fácil
verificar que o horizonte se afasta à medida que o observador sobe” (SILVEIRA, 2017,
p. 9).

Eclipse Lunar
134

Para a Flat Earth Society os eclipses ocorrem devido ao encontro das


órbitas do Sol e da Lua. Ambos se movem, sendo a Lua iluminada pelo
Sol acima da Terra (imóvel). No eclipse Lunar uma área escurecida
aparece na superfície da Lua e o fenômeno é explicado a partir da
aceleração eletromagnética, em que ocasionalmente e temporariamente
a Lua se move além da borda da Luz solar. Outra explicação é a
ocorrência através do Shadow object: “Foi sugerido que pode haver um
corpo celeste invisível que se move ao redor do Sol”, e esse corpo
ocasionalmente cruza a luz entre o Sol e a Lua.

Antes de explicar a ocorrência dos eclipses e como o eclipse lunar está associado
às evidências para a esfericidade da Terra, achamos válido apresentar a explicação para
as fases da Lua. Os livros didáticos focam em apresentar somente o eclipse lunar, pois o
objetivo é mostrar as evidências para a esfericidade da Terra. Os manuais, antes de tratar
sobre os eclipses, explicam como ocorrem as fases da Lua. Iremos seguir esse mesmo
caminho tendo em vista que os eclipses ocorrem devido ao encontro do plano orbital da
Lua com o da Terra durante as fases de Lua Nova ou Lua Cheia.
A Lua é o corpo celeste mais próximo da Terra. Segundo Filho e Saraiva (2017),
a distância que a Lua se encontra da Terra foi conhecida por meio do uso de laser,
utilizando um espelho colocado na superfície da Lua pelos astronautas e medido “o tempo
de ida e de volta de um feixe disparado da Terra na direção da Lua” (FILHO; SARAIVA,
2017, p. 43). O resultado obtido é que sua distância varia de 356.800 km a 406.400 km,
com o valor médio de 384.000 km (FILHO; SARAIVA, 2017).
A explicação para as fases da Lua foi dada por Aristarco no século III a.C. Elas
ocorrem devido às posições relativas entre a Lua, o Sol e a Terra. Além de Aristarco, as
fases também eram explicadas por Anaxágoras (430 a. C.) e Aristóteles (384 – 322 a. C.),
o qual explicou que a causa das fases é o “fato de que ela não é um corpo luminoso, e sim
iluminado pela luz do Sol (FILHO; SARAIVA, 2017, p. 43).
A Lua (corpo iluminado) reflete a luz que recebe do Sol (corpo luminoso).
Observamos a parte iluminada quando essa está voltada para a Terra. Fase da Lua é o
aspecto de sua face iluminada quando vista da Terra (BOCZKO, 1984, p. 269). A Lua
135

realiza movimento de rotação ao redor da Terra, e durante esse movimento ela passa por
um ciclo de fases. A duração desse ciclo é de aproximadamente 29,5 dias110.
Há uma fase em que o hemisfério da Lua voltado para Terra não se encontra
iluminado, não sendo possível a enxergar da Terra. Ela está na fase de Lua Nova
(BOCZKO, p. 269). Isso ocorre porque os dois astros se encontram na mesma direção
(embora não alinhados), a Lua nasce e se põe aproximadamente junto com o Sol. À
medida que a Lua se movimenta ao redor da Terra, sua posição “vai ficando cada vez
mais a leste do Sol” possibilitando que parte da sua face fique iluminada aos poucos, “até
que, aproximadamente uma semana depois, temos o Quarto crescente, com 50% da face
iluminada” (FILHO; SARAIVA, 2017, p. 44).
Na fase Quarto Crescente “a Lua nasce aproximadamente ao meio-dia e se põe
aproximadamente a meia-noite”. A sua porção iluminada visível da Terra continua a
crescer, até atingir a fase Cheia (FILHO; SARAIVA, 2017, p. 44). A Lua Cheia
corresponde à fase em que “todo o hemisfério da Lua se encontra visível da Terra”
(BOCZKO, p. 269). “A Lua está no céu durante toda a noite, nasce quando o Sol se põe
e se põe quando o Sol nasce” até que com o passar dos dias, “a porção da face iluminada
passa a ficar cada vez menor” e “aproximadamente sete dias depois, a fração iluminada
já reduziu a 50% e temos o Quarto Minguante” (FILHO; SARAIVA, 2017, p. 44). Na
fase Quarto Minguante a Lua nasce aproximadamente à meia-noite e se põe
aproximadamente ao meio-dia. Nos dias seguintes a Lua continua a minguar, até atingir
o dia 0 do novo ciclo (FILHO; SARAIVA, 2017, p. 44).
As fases da Lua dependem somente da posição desse astro em sua órbita, o que
faz com que ele seja iluminado de modo diferente, com isso, independentemente da
posição do observador na Terra, a fase da Lua será a mesma. Porém, uma observação
importante e que se relaciona com as evidências para a esfericidade da Terra é que
observadores situados em localidades diferentes visualizam a orientação da fase da Lua
de forma diferente. As Figuras 27 e 28 mostram as fases da Lua no mês de junho de 2022
no hemisfério Sul e no hemisfério Norte. Por mais que em ambos a fase da Lua seja a
mesma, a orientação da face visualizada possui diferenças.
No site do CREF, o professor Fernando Lang explica essa mudança de
orientação 111 . A variação percebida em localidades diferentes depende da distância

110
Fonte: http://astro.if.ufrgs.br/lua/lua.htm
111
Fonte: https://cref.if.ufrgs.br/?contact-pergunta=a-aparencia-da-lua-e-a-forma-esferoidal-da-terra
136

angular entre os dois locais de observação. Um exemplo mostrado pelo professor Lang é
a comparação entre duas imagens captadas no mesmo dia da Lua crescente em Roma, na
Itália, e em Torres, no Rio Grande do Sul (Figura 29).

Figura 27 - fases da Lua no mês de junho de 2022 para o hemisfério Sul.

Figura 28 - Fases da Lua no mês de junho de 2022 para o hemisfério Norte.

Fonte figura 27 e 28: MOONCONNECTION


137

Figura 29 - Fotos da Lua crescente em duas localidades diferentes, com deslocamento


angular em latitude e longitude de 70 graus.

Fonte: CREF

Outro exemplo mostrado no site do CREF, é a diferença entre duas pessoas


situadas em regiões diametralmente opostas na superfície do planeta, observadores
antípodas, em que ambos observam a Lua ao mesmo tempo. É mostrada uma imagem que
compara a foto da Lua capturada no Japão com a tirada no Brasil (Figura 30). As setas
com as mesmas cores indicam as estruturas na superfície da Lua que são similares nas
imagens.
Figura 30 - Fotos da mesma Lua cheira em 11/02/2017 no Japão e no Brasil.

Fonte: CREF
138

É possível perceber que as estruturas da Lua indicadas pelas setas nas cores
semelhantes diferem umas das outras com uma rotação de aproximadamente 180°,
estando posicionadas praticamente na posição oposta. Então, por mais que a posição do
observador na Terra não interfira na diferenciação da fase da Lua, a orientação desta irá
mudar conforme a localização do observador e isso ocorre devido à esfericidade da Terra.
Portanto, a diferença na visualização das fases da Lua a depender da distância angular
entre os dois locais que os observadores estão situados é mais uma evidência para o atual
modelo da Terra. A Flat Earth Society explica essas observações descritas acima de forma
similar às mudanças observadas na posição das estrelas e constelações. As diferenças nas
fases da Lua ocorrem devido à posição oposta dos observadores na Terra plana.
Após a discussão sobre as fases da Lua, encaminhamos a explicação do eclipse
Lunar como evidência para o formato esférico da Terra. Aristóteles (384-322 a.C.)
trabalhou a hipótese da esfericidade da Terra a partir da observação de um eclipse Lunar,
onde a sombra observada na Lua durante o eclipse era arredondada e corresponderia à
sombra da Terra.
“Um eclipse acontece sempre que um corpo entra na sombra de outro” (FILHO;
SARAIVA, 2017, p. 45). Durante o movimento realizado pela Lua em torno da Terra, seu
plano orbital não coincide com o plano orbital da eclíptica terrestre. Há uma inclinação
de 5° entre os planos. Porém, há pontos de interseção entre as duas órbitas, chamados de
nodos. Quando, eventualmente, a Lua se encontra nas fases Nova ou Cheia, pode ocorrer
de a Lua estar no plano da eclíptica, ou seja, em um dos nodos ou próxima a ele (FILHO;
SARAIVA, 2017, p. 50). “Assim, quando a Lua entra na sombra da Terra, acontece o
eclipse lunar” e “quando a Terra é atingida pela sombra da Lua, acontece o eclipse solar”
(FILHO; SARAIVA, 2017, p. 45). Ao notarmos o significado dos eclipses para a ciência,
percebemos que, para a Flat Earth Society, esse mesmo termo possui outro significado.
A sociedade usa o termo eclipse, mas que não se refere sempre à ocorrência de um corpo
passando na sombra de outro. Inclusive, a explicação do Shadow object não é consensual.
A ideia mais aceita é a curvatura da luz do Sol, que por um momento deixa de iluminar a
Lua (aceleração eletromagnética).
Tendo em vista a concepção de eclipse na ciência, e os conhecimentos acerca dos
movimentos da Lua e da Terra em relação ao Sol, a sombra arredondada projetada na Lua
vista pelo observador na Terra durante o eclipse Lunar é uma evidência do seu formato
esférico (Figura 31).
139

Figura 31 - Eclipse lunar

Fonte: THOMPSON; RIOS (2018, p. 229)

Exploração espacial: vendo com os próprios olhos

Como visto no capítulo 2, a Flat Earth Society trata das viagens especiais
no tema “conspiração”. A NASA falsificou as viagens espaciais, assim
como agências espaciais de outros países. “A NASA pensa que a Terra
é redonda” e com isso propaga essa informação. O homem nunca foi à
Lua, e as imagens capturas na missão Apollo são resultado de
montagens.

No livro Ciência vida e universo é exposto que “o desenvolvimento da tecnologia


permitiu ao ser humano observar o formato da Terra com seus próprios olhos” (GODOY,
2018, p. 219). Além da construção de instrumentos que permitiram a observação direta
dos planetas, o desenvolvimento tecnológico auxiliou a construção de satélites e a
possibilidade de viagens ao espaço. Em 1961, o astronauta russo Yuri Gagarin (1934-
1968) foi o primeiro ser humano a executar uma volta completa em órbita na Terra e
observou as características do planeta Terra, incluindo o seu formato.
Em 1969, ocorreu outra viagem importante: a chegada do ser humano à Lua. A
missão Apollo 11, realizada pela Agência Espacial Norte-americana (NASA), permitiu
que astronautas presentes nessa missão registrassem com fotografias as características da
Lua e da Terra112 (Figura 32).

112
Outras missões já haviam realizados fotografias da Terra e da Lua. A diferença é que não havia ocorrido
o pouso na Lua.
140

Figura 32 - Fotos tiradas na missão Apollo 11. Esquerda: Terra fotografada da órbita
lunar antes do pouso. Direita: Terra crescente fotografada durante a viagem de volta

Fonte: NASA.gov

Para a Flat Earth Society, as fotografias da Terra publicadas pela NASA são falsas
e fruto de manipulação. No site do CREF113 uma pessoa questiona uma publicação no
canal do Youtube de um terraplanista alegando que as imagens registradas durante a
viagem à Lua na missão Apollo 16 são falsas, e que seria possível identificar a montagem
devido à posição das sombras. Como o Sol é a única fonte de luz, “as sombras dos objetos
da Lua deveriam ser paralelas”, porém, segundo o terraplanista, na imagem divulgada
pela NASA as sombras não são paralelas (Figura 33). A pessoa que realiza a pergunta
para o CREF questiona o professor Lang sobre a possibilidade de isso acontecer e como
essas imagens se relacionam com as leis ópticas.

113
https://cref.if.ufrgs.br/?contact-pergunta=sombras-nao-paralelas-nas-fotos-das-missoes-apollo-seriam-
as-fotos-falsas
141

Figura 33 - Imagem mostrada no vídeo terraplanista, indicando a convergência das


sombras.

Fonte: CREF.

O professor Lang responde, através de exemplos de algumas fotografias, que o


não paralelismo das imagens capturadas na missão Apollo são resultados do tipo de lente
da câmera fotográfica e que conhecimentos de óptica geométrica explicam por que
visualizamos as sombras em posições não paralelas.

Figura 34 - A sequência de imagens mostra uma fila de postes balizadores, as retas paralelas
dos postes aparecem como convergentes na imagem

Fonte: CREF.

A sequência de imagens mostra uma fila de postes balizadores, alinhados e com


espaçamento uniforme. As fotos foram registradas em um fim de tarde no Parque de
Redenção (Porto Alegre/RS). As retas paralelas dos postes aparecem como convergentes
na imagem:
Nossas imagens na retina para retas paralelas apresentam a mesma propriedade
e por isso a nossa percepção espacial decorrente da visão leva a que retas
paralelas sejam no fenômeno (fenômeno: aquilo que se apresenta para um
142

observador) retas convergentes. As chamadas leis da perspectiva não dizem


respeito ao mundo em si (o númeno), expressando como o mundo se apresenta
para nós (o fenômeno) (CREF).

Além disso, é mostrado no site do CREF que condições de não uniformidade do


solo dão a impressão de que as sombras estão “entortadas”. Em um ambiente
desconhecido para pessoas, como a Lua, e caso o solo não uniforme não seja perceptível
na fotografia, o “comportamento” estranho das sombras é utilizado pelos negacionistas
como fraude. Segundo o professor Lang:

Desta forma fica evidente que o não paralelismo das sombras observadas em
muitas das fotografias das missões Apollo NÃO são provas de uma suposta
fraude, indicando por outro lado um terrível deficiência cognitiva dos
negacionistas das viagens à Lua (CREF – grifos do autor).

A utilização dos sentidos foi algo muito ressaltado pela Flat Earth Society como
forma de “obter a verdade” sobre a forma da Terra. Mas, como percebemos nessa seção,
muitas das evidências científicas também possuem relação com a observação, recorrendo
a elas. Entretanto, essa característica da ciência não é ressaltada pela Flat Earth Society.
143

3.4 ENSINO DE CIÊNCIAS E O FORMATO DA TERRA: O QUE APRENDER


COM O MOVIMENTO TERRA PLANA PARA ENSINAR CIÊNCIAS.

Na seção 3.2 analisamos a Flat Earth Society identificando os elementos do


coletivo e do seu estilo de pensamento. Na seção 3.3 expusemos como certas evidências
para a esfericidade da Terra são explicadas e descritas em alguns materiais de ensino.
A partir do que Fleck expõe em “algumas características do coletivo de
pensamento na ciência moderna” no capítulo 4 do seu livro Gênese e desenvolvimento de
um fato científico (FLECK, 2010, p. 164) podemos aprofundar a análise sobre o coletivo
da ciência, entendendo sua conformação. Dessa forma, poderemos realizar aproximações
e distanciamentos entre o movimento Terra plana (tomando como base a Flat Earth
Society) e a ciência. E, em seguida, discutir sobre o que podemos aprender a partir do
manifestado pelo coletivo terraplanista para pensar sobre o ensino de ciências.
Em sua análise das características da ciência, Fleck realiza uma abstração das
particularidades desse coletivo de pensamento a partir dos “especialistas (como físicos,
dos sociólogos etc.), uma vez que a estrutura da ciência ocidental moderna apresenta
muitos traços comuns” (FLECK, 2010, p. 164). Caracterizando os círculos da ciência,
Fleck coloca os físicos, por exemplo, na posição de “trabalhadores especializados”
(lidando de forma criativa com algum problema) ou na posição de “profissionais gerais”,
ocupando o círculo esotérico. Em contraposição, no círculo exotérico, encontraram-se os
“leigos mais ou menos instruídos” (FLECK, 2010, p. 165).
Fleck menciona que a riqueza presente na área da ciência faz com que haja, dentro
do círculo esotérico, diferenciações entre os profissionais especializados e os gerais.
Nessa distinção, há a ciência dos periódicos e a ciência dos manuais, descritas no capítulo
1, que possuem como responsáveis os profissionais especializados. Além dessas, há a
ciência dos livros didáticos que também possui características específicas, com métodos
pedagógicos particulares necessários para o propósito de apresentação inicial do estilo.
Fleck também cita a ciência popular, para não especialistas, de caráter simplificado e
ilustrativo.
Ao utilizar os livros didáticos no nosso trabalho para descrever algumas
evidências da esfericidade da Terra, percebemos que detalhes históricos sobre a
construção dessas evidências não aparecem, em geral, bem como possíveis polêmicas que
possam ter ocorrido durante a construção dos conceitos. Como alertado por Fleck (2010)
e exposto no capítulo 1, essa é uma característica desses materiais (FLECK, 2010, p. 166).
144

Provavelmente, devido à instrução na BNCC e ao tema sobre o formato da Terra ter sido
pauta de discussões na mídia, alguns materiais didáticos apresentam o movimento e a
esfericidade da Terra como algo “contraintuitivo” e que, à primeira vista, não se configura
como algo “evidente”, característica que Fleck (2010) também aponta como sendo
apresentada por esses materiais. Porém, a maioria dos materiais, ao tratar desse tema, não
faz essa ressalva. Comparando o conteúdo dos livros didáticos com o dos manuais (livros
didáticos do ensino superior), percebemos simplificações, o uso bem maior de ilustrações
e de exemplos do cotidiano. Todas essas características identificadas “são as marcas mais
importantes do saber exotérico” (FLECK, 2010, p. 166). Mas é importante ressaltar que
os manuais também apresentam características apodíticas.
Seria exaustiva e confusa a apresentação do saber especializado no contexto da
ciência popular, e até mesmo sem utilidade. Fleck (2010), ao discutir sobre essa ciência,
expõe brevemente que o especialista busca na ciência popular crenças e valores enquanto
ideal do saber (FLECK, 2010, p. 168). “O auge, o objetivo do saber popular, é a visão de
mundo”, que, por mais que pareça insignificante para as pretensões de um especialista, é
a visão de mundo “que determina os traços gerais do seu estilo de pensamento” (FLECK,
2010, p. 166). Que crenças e valores podem ser buscados pelos especialistas que os fazem
produzir a ciência popular? O que faz com que o conhecimento esotérico seja traduzido
para o exotérico? Pode se tratar “da crença na possibilidade de uma ciência universal, ou
da crença na capacidade, embora limitada, de desenvolvimento da ciência” (FLECK,
2010, p. 166). Temos no saber popular (exotérico) a construção da “opinião pública
específica e a visão de mundo” contendo o saber científico a partir do saber especializado
(esotérico), fechando dessa forma o “círculo da dependência intracoletiva” (FLECK,
2010, p. 166). Segundo Fleck (2010), por mais que o saber popular não seja rico em
detalhes, ele é seguro e possui a forma “mais bem acabada e sólida” do conhecimento
científico que se propõe a apresentar (FLECK, 2010, p. 166).
Em relação ao nosso objeto de estudo, será que o ensino acerca do formato esférico
da Terra para enriquecimento da visão de mundo a partir do estilo de pensamento
científico, está sendo efetiva para continuação/fortalecimento do círculo exotérico?
Vamos adiante, e depois retornaremos para essa questão. Pensando na importância
da ciência popular para o fechamento do coletivo de pensamento da ciência,
possivelmente esse seja um fator (mesmo que inconsciente) que impulsione o Há uma
ameaça frente à visão de mundo que o estilo de pensamento científico construiu e vem
145

propagando por meio da educação. Uma ameaça que confronta seus argumentos, ao
mesmo tempo que se relaciona com a ciência utilizando vários de seus conceitos, com os
desvios necessários, de modo que parece buscar ocupar o seu lugar: “a Terra é plana, não
redonda”.
Quando postos a debater sobre as ideias alheias, percebemos o que Fleck (2010)
alerta sobre o diálogo entre adeptos de estilos de pensamentos diferentes. Nos materiais
do CREF podemos notar as denominações “esdrúxula”, “mítica”, “um terra-chato” se
referindo à Terra plana, e, quando apresentada nos materiais didáticos, a nomenclatura
“mítica” também apareceu. Analogamente, a Flat Earth Society se refere ao formato
esférico como “farsa” e “pseudociência”. As conotações de “chacota” são encontradas
em ambos os coletivos quando se referem ao outro, concordando com o que expusemos
no capítulo 1 sobre encarar o estilo alheio com “misticismo” e “como brincadeira sem
sentido” (FLECK, 2010, p. 160 - 161).
Ambos os coletivos resistem. Essa resistência ao pensamento alheio é a ação da
coerção causada pelos estilos de pensamento correspondentes. Não importa se parecem
mais certos ou errados do ponto de vista individual, “a força do coletivo é maior”. Como
exposto no capítulo 1, é o estilo de pensamento que, de maneira coercitiva, define as
“disposições mentais, a disposição para uma e não outra maneira de perceber e agir”
(FLECK, 2010, p. 110). Percebemos, com isso, que ambos os coletivos sofrem o que
Fleck denomina de “harmonia das ilusões”. É comum observarmos componentes do
círculo exotérico, que consomem a ciência popular, também ridicularizar as ideias
terraplanistas, mesmo que seu saber não contenha em detalhes as explicações para as
evidências da esfericidade da Terra, concordando com a análise realizada por Fleck
(2010) sobre como componentes exotéricos atuam fortalecendo o estilo de pensamento.
Mesmo que ambos resistam, persistindo em seus respectivos “sistemas de
opinião” e mantendo a “harmonia das ilusões”, é importante pensarmos com mais atenção
sobre esse conceito aplicado aos coletivos terraplanista e da ciência. Ambos possuem sua
vida cotidiana dominada por seu estilo de pensamento114, “qualquer contradição parece
ser impensável e inimaginável” (FLECK, 2010, p. 70). Ambos podem passar por
momentos de silenciamento das exceções e, caso a contradição não possa ser silenciada,
é realizado um trabalho de conciliação. A Flat Earth Society, por exemplo, concilia

114
Mas é importante percebermos que os terraplanistas convivem com a ciência, seja na escola, através da
medicina, da tecnologia e outros. Enquanto o coletivo da ciência não convive com as práticas terraplanistas.
146

contradições para explicar o eclipse solar e o que há além da parede de gelo, entre outros
aspectos. Além disso, ambos são formados pela “ficção criativa” de que “os próprios
sonhos científicos são realizados”. A Flat Earth Society, mesmo criticando a ciência,
afirma que seus métodos são científicos (valendo-se da empiria), enquanto a astronomia
não, pois seus conhecimentos teóricos não são correspondentes à ciência. Os textos de
ciências, por sua vez, mostram o conhecimento atual e consensual como sendo o mais fiel
à natureza e aos fenômenos.
Queremos chamar a atenção para o “grau 2” da harmonia das ilusões, que diz
respeito à percepção de fatos que se enquadram com exatidão à teoria vigente, sendo
caracterizada como a fase clássica do desenvolvimento do processo de conhecimento.
Essa fase pode passar por complicações quando as exceções se manifestam, mas ocorre
uma resistência para a manutenção da teoria vigente. Entretanto, Fleck (2010) mostra
exemplos em que houve um rompimento dessa harmonia.
Como vimos na seção 3.3, a noção de que a Terra é esférica data da antiguidade,
sendo, inclusive, o formato comum nos modelos do geocentrismo e heliocentrismo. Mas
ideias com relação à não existência do movimento da Terra já foram consideradas. Assim
como a ideia de que era o Sol que se movia sobre a Terra. A partir de Fleck (2010),
podemos notar que o uso da história da ciência nos possibilita enxergar as mudanças que
o estilo de pensamento científico sofre (FLECK, 2010, p. 144). Parece-nos que a visão de
ciência que a Flat Earth Society possui a faz acreditar que a comunidade científica não
pode considerar seus erros e mudar suas teorias a partir de novas evidências. A visão se
senso comum da ciência pode passar a impressão de que o conhecimento que possuímos
atualmente é o verdadeiro e evidente, e que embates entre especialistas não podem
acontecer. A partir dos estudos históricos propostos por Fleck, percebemos um número
maior de detalhes e de acoplamentos compulsórios, permitindo que relações
negligenciadas se tornem visíveis e dignas de serem estudadas (FLECK, 2010, p. 64). Ao
olhar, por exemplo, para teorias passadas, como a de Ptolomeu e o percurso para domínio
da teoria de Copérnico, houve, sim, embates e pessoas que não eram a favor dos
argumentos em defesa do movimento da Terra e de sua retirada do centro do universo
(como mostrado pela Flat Earth Society). A ciência sofre mudanças em seu estilo de
pensamento e a história da ciência nos possibilita enxergá-las.
O ponto que queremos chegar é que, como encontrado por Martins (2020b) em
relação à Flat Con Brasil, a Flat Earth Society também seleciona argumentos em favor
147

da Terra plana que existiram no passado, mas que foram superados ao longo da história
da ciência. E essa superação faz parte do processo de construção do conhecimento
científico. Então, por mais que haja a ocorrência da fase clássica, há também fases em
que a harmonia das ilusões é rompida e o estilo se transforma. Ao analisar os documentos
da área wiki da Flat Earth Society, não conseguimos identificar períodos de rompimento
da harmonia das ilusões. Parece haver apenas incorporações de argumentações para
fortalecer a ideia defendida do que mudanças na forma de enxergar os fenômenos.
Voltando à questão levantada anteriormente: em relação ao nosso objeto de
estudo, será que o ensino acerca do formato esférico da Terra para enriquecimento da
visão de mundo a partir do estilo de pensamento científico, está sendo efetiva para
continuação/fortalecimento do círculo exotérico?
Enquanto professores de ciências da natureza, iremos nos deparar com as
instruções da BNCC para ensinar as evidências da esfericidade da Terra e seus
movimentos, lidando com os livros didáticos alinhados a essa orientação curricular.
Professores de ciências da natureza atuam fortalecendo o vínculo do coletivo a partir do
tráfego intracoletivo, mediando a construção da visão de mundo acerca do formato
esférico da Terra. Pensemos sobre essa mediação a partir de Fleck e demais referências.
Há uma insatisfação terraplanista com o ensino de ciências. Encontramos
passagens na Flat Earth Society afirmando que o conceito de gravidade foi ensinado
erroneamente na escola, assim como as explicações para o efeito do navio afundando,
eclipses, e outros fenômenos. As pessoas foram educadas para acreditar na Terra esférica
e cresceram com essa visão a partir de um ensino dogmático, segundo eles. Esse
ensinamento perdura e, inclusive, guia o resultado das pesquisas, como no caso dos
astronautas da NASA que possuem a visão da Terra esférica e, por isso, propagam essa
ideia (“a NASA pensa que a Terra é esférica”). Esse resultado vai ao encontro do descrito
por Martins (2020b), em que essa característica também foi encontrada no evento da Flat
Con Brasil 2019. Segundo o autor, foi percebida uma insatisfação com o ensino de
ciências, onde a escola e o ensino de ciências fariam parte do “sistema”, alienando e
mantendo a mentira sobre a “verdadeira” forma da Terra.
Percebemos que há uma insatisfação não somente no âmbito conceitual, mas
crítica ao modo como esses conceitos teriam sido ensinados: de forma dogmática e
autoritária. Esse sentimento terraplanista com relação ao ensino de ciências possui relação
com a análise fleckiana sobre a “introdução didática” a um estilo de pensamento. No
148

capítulo 1 apresentamos esse conceito ao discutir sobre as questões: como descrever


alguma descoberta para um não especialista? Como são inseridos novos indivíduos em
um coletivo? (páginas 30 - 31 do capítulo 1). Ao discutir sobre a apresentação de um
estilo a um iniciante, Fleck (2010) afirma que “toda introdução didática numa área
envolve um tempo em que predomina um ensino puramente dogmático” (FLECK, 2010,
p. 99), o iniciante recebe uma “bênção de iniciação”. Essa bênção requer um tempo de
aprendizagem “durante o qual acontece uma sugestão puramente autoritária de ideias, que
não pode ser substituída por uma estrutura universalmente racional” (FLECK, 2010, p.
155). Esse processo de introdução didática é uma “suave coação” (FLECK, 2010, p. 155).
A introdução didática é realizada por uma autoridade e é parte do tráfego
intracoletivo de pensamento entre os círculos esotérico e exotérico. No caso da introdução
didática discutida por Fleck na área da ciência, ela é realizada por um especialista na área,
e o iniciado, ao receber a bênção de iniciação, lidará com um conhecimento permeado
por elementos “apodíticos”, “ilustrativos” e simplificados (FLECK, 2010, p. 168). O
círculo exotérico não lida de forma criativa com o conhecimento, esse é o papel do
especialista. Ao se afastar cada vez mais do círculo esotérico, alcançado o que Fleck
chama de o círculo grande dos “universalmente cultos”, o saber simplifica-se ainda mais,
“tudo se torna mais apodítico” (FLECK, 2010, p. 168). Os componentes do círculo
exotérico recebem o conhecimento produzido pelo círculo esotérico de
maneira despersonalizada e mais coercitiva [...] É uma coerção da mais
violenta espécie, uma vez que não se torna consciente como um poder, mas
como uma necessidade óbvia (FLECK, 2010, p. 160).

Como vimos, a insatisfação dos terraplanistas com o ensino de ciências é um


aspecto a ser avaliado. Barcellos (2020) proporciona, em seu artigo, uma análise freireana
frente à crise da verdade (alternativamente à pós-verdade), fazendo uso da ideia de
educação bancária. É importante apontarmos para isso, porque, segundo a autora, a crise
que estamos vivendo possui relação com a educação bancária que é antidialógica e
autoritária, impedindo o “debate e a possibilidade de leitura crítica do mundo”
(BARCELLOS, 2020, p. 1501). Podemos, em certa medida, relacionar a educação
bancária com o que expusemos de Fleck sobre a “benção de iniciação”, e pensar sobre
essa relação no ensino de ciências. Barcellos apresenta que a educação bancária
reafirma a cultura do silêncio e se reafirma a autoridade do saber,
antagonicamente a qualquer liberdade que pudesse se oferecer aos educandos
em relação aos conteúdos programáticos ou à condução do processo educativo
(BARCELLOS, 2020, p. 1501).
149

Além disso, a autora expõe o tipo de discurso científico a que o grande público
tem acesso, que se trata de um discurso ingênuo sobre a ciência (BARCELLOS, 2020, p.
1500). Poderíamos relacionar com o exposto anteriormente e pensar com isso que uma
educação bancária ou uma introdução didática baseada numa bênção em que se
transmite o conhecimento como evidente, apodítico, ilustrativo, sem diálogo, pode acabar
por transmitir uma visão ingênua de ciência que, quando desnudada (como na pandemia
do novo coronavírus, por exemplo), pode ser reconhecida como um conhecimento falho,
não confiável, totalmente desacreditado, e o seu ensino, pouco atrativo e sem sentido.
Segundo Barcellos:
enquanto a educação bancária existir na sua prática hierarquizante de fazer
depósitos do que julga conhecimento num aluno, mais objeto do que sujeito,
não haverá verdadeira educação científica. As verdades científicas da educação
bancária são apenas verdades autoproclamadas porque nunca são
problematizadas perante o povo. Nesse contexto, o discurso da Ciência é
apenas mais um discurso tão dogmático quanto tantos outros existentes na vida
cotidiana do povo. A Ciência é apenas mais um discurso branco, masculino e
europeu como tantos outros, como tantos outros discursos que excluem, como
tantos outros que oprimem (BARCELLOS, 2020, p. 1500).

Assim como Barcellos (2020), Takimoto (2021) também discute a importância do


diálogo. Pensemos: por que dialogar com um negacionista? Por que estudar sobre o
movimento terraplanista é importante? Martins (2020b) discute que uma “cola social”
percebida no coletivo terraplanista foi o “compartilhamento de frustrações com a escola
e o ensino de ciências”, além da “própria projeção social que pertencer ao movimento
terraplanista trouxe ou pode trazer (ainda que com risco do desprezo de outros grupos)”
aos membros do coletivo (MARTINS, 2020b, p. 1208). Percebemos que frustração, afeto,
status, disputa, entre outros, podem ser fatores que estão em jogo contribuindo para a
adesão ao coletivo. Martins (2020b) alerta que afetos podem estar influenciando as
relações “tanto quanto argumentos racionais” (MARTINS, 2020b, p. 1208).
Uma característica importante encontrada na Flat Earth Society e que pode ser
detectada facilmente no documentário da Netflix “A Terra plana” é como esse coletivo
“gosta”115 de ciências. Os métodos aplicados pela Flat Earth Society não foram realizados
em uma escola ou em um laboratório universitário. São pessoas que em suas casas, no
caminho para o trabalho, na roda de amigos, nas redes sociais e entre familiares discutem
o Sol, a Lua, as Estrelas, os Cosmos e os planetas que observam e contemplam. São

115
Pode ser entendida também como uma relação de “amor e ódio”, como apontado por Martins (2020b),
diante dos ataques realizados à ciência, considerando alguns dos seus resultados falsos.
150

pessoas que param para observar os céus, que experimentam os fenômenos, que pensam
e articulam resultados e argumentos. O que podemos aprender com o manifestado pelo
coletivo Terra plana para discutir e ensinar ciências?
Enquanto professores ciências, percebermos que, se há o peso de um ensino
eventualmente autoritário na frustração da comunidade terraplanista, esse já é um
importante motivo para buscar entendê-los. A relação que o coletivo possui com a ciência,
mediante a utilização de alguns conhecimentos, é mais um motivo. Percebermos que,
diante de toda a nossa autoridade social, a comunidade terraplanista se sente atraída por
temáticas científicas, buscando entender os fenômenos, enquanto para muitas pessoas
pode parecer algo banal. Não nos limitaremos a justificativas utilitaristas, no sentido de
que estudar a forma da Terra será importante para salvar vidas ou empreender em algum
negócio financeiro. Entendê-los é um importante passo para a construção de um professor
que almeja diálogo. Que tenta ser ouvinte das dúvidas, sem julgar o estilo alheio.
Quando Barcellos (2020) propõe o diálogo e cita Paulo Freire, indica que não
podemos promover o diálogo se a postura de “donos da verdade e do saber” existe perante
“nativos inferiores”, e se a ignorância é sempre vista no outro (BARCELLOS, 2020, p.
1501). Takimoto (2022), em sua proposta de diálogo, realiza uma reflexão sobre as
similaridades entre negacionista e quem defende a ciência. Martins (2020b) expõe:
que ciência devemos apresentar aos estudantes? A ciência dogmática, a ciência
como conjunto de resultados fixos e absolutos, a ciência benevolente e
benfeitora da humanidade etc., não contribuem para um diálogo inteligente
com o mundo (MARTINS, 2020, p. 1212).

Ao passo que iniciamos a defesa do conhecimento científico, a questão levantada


por Martins (2020) acima é crucial. Se seguirmos o caminho de um ensino pautado na
continuidade da visão dogmática da ciência “como conjunto de resultados fixos e
absolutos”, notem que estaremos de acordo com a visão de ciência que a Flat Earth
Society possui. Mas essa visão de ciência é a mais compatível com a forma com que o
conhecimento científico se desenvolve?
De acordo com o que mostramos no capítulo 1, para Fleck, a ciência é um
fenômeno cultural complexo, e não deve ser interpretada apenas como um conjunto de
enunciados ou como um sistema de pensamentos. Há especificidades em sua linguagem,
organização hierárquica, modos de cooperação e tomadas de decisões (FLECK, 1946, p.
332-336 apud LÖWY, 2012, p. 23). Lida com a reformulação de suas ideias e sofre
transformações conceituais. Leva em consideração o saber prévio de muitos experimentos
151

bem e mal-sucedidos. É influenciado pelo “peso da educação”, o “peso da tradição” e o


“efeito da sequência do processo de conhecimento” (SCHAFER & SCHNELLE, 2010,
p. 13). E, enquanto atividade social, o processo do conhecimento se encontra vinculado a
pressuposições sociais dos indivíduos envolvidos.
Pode parecer que essa apresentação de ciência enfraqueça nossa defesa, porém:
O fato de um determinado conhecimento ser fruto de um processo de criação
e escolhas não implica que não haja racionalidade nesse processo ou que não
haja diferença, por exemplo, entre o conhecimento religioso e científico. É
verdade que o conhecimento científico passa pelas exigências de culturas e
valores particulares (TAKIMOTO, 2020, p. 73).

Levar em consideração os erros e novas evidências se alinhando às mudanças


sociais, sendo construído coletivamente, é o que faz da ciência um conhecimento
confiável. E a proposta de Takimoto e de Barcellos? Será que possuímos semelhanças
com o movimento terraplanista? Diante do que expusemos, estamos sujeitos em nossas
relações, enquanto pertencentes a diferentes coletivos de pensamentos, a enxergar e agir
impulsionados por uma coerção provocada por nosso estilo de pensamento. Interpretar
que somente o coletivo de pensamento alheio está sujeito a questões não racionais é um
equívoco. Ao percebermos aproximações com o coletivo terraplanista nos tornamos mais
sensíveis a não reduzir o outro estilo de pensar o mundo como sendo uma “fantasia sem
sentido”. São estilos oriundos de questões sociais complexas.
E aqui cabem algumas ressalvas importantes. Focamos, até então, nas
manifestações com relação ao ensino de ciências e, enquanto professores, naquilo que
podemos refletir sobre o manifestado pelos terraplanistas. Discutimos a partir de Fleck
como a introdução didática pode ser coercitiva. A partir da relação estabelecida entre o
círculo esotérico e o saber popular, podemos pensar que essa introdução didática na área
de ensino de ciências não funcionou com relação à continuação/fortalecimento do círculo
exotérico acerca do formato esférico da Terra, uma vez que o movimento Terra plana
ganhou destaque nos últimos anos. O pode nos fazer questionar: onde erramos?
Professores de ciências não são os únicos componentes que compartilham o estilo
de pensamento da ciência. A visão de ciência apresentada pela Flat Earth Society, por
exemplo, é semelhante a que pode ser encontrada disseminada para além dos muros da
escola. É fortalecida na mídia, nas redes sociais, em uma propaganda de medicamentos,
em notícias de grandes descobertas etc. Além disso, na prática escolar, como trabalhar
com perspectivas alternativas das ciências se essas não são apresentadas nos livros
didáticos? Como trabalhá-las se a estrutura curricular da escola – com conteúdos e metas
152

a cumprir – não permite tempo hábil para o professor? Como foi a formação do professor
de ciências com relação a discussões sobre a construção do conhecimento científico?
Questões problemáticas internas e externas à escola se entrecruzam.
Mencionamos como o processo do conhecimento se encontra vinculado a pressuposições
sociais dos indivíduos envolvidos. Nossa atenção ao ensino autoritário não pode se
desvincular de elementos autoritários presentes na sociedade ao longo da história.
Schwarcz (2019) reconhece algumas raízes do autoritarismo no Brasil e como
essas podem estar presentes atualmente, sendo acionadas como “armas para uma
batalha”. A autora reconhece que elementos da nossa história de mais de cinco séculos
podem se encontrar em grande ressonância atualmente. O mito da democracia racial, por
exemplo, ajuda a entender como se formaram e se consolidaram práticas e ideias
autoritárias no Brasil, além de outros elementos presentes em nossa história como o
patriarcalismo, o mandonismo, a violência, a desigualdade, o patrimonialismo e a
intolerância social que se encontram em uma crescente nos últimos anos. Nota-se que o
autoritarismo é um fenômeno abrangente, correspondendo a:
“[...] um conjunto de crenças, sentimentos e atitudes antidemocráticas e
preconceituosas, relacionadas à submissão e agressividade autoritária e à
defesa de valores e instituições convencionais ou conservadores (LIMA et al.,
2020 apud CROCHIK, 2005).

Um dos trabalhos que nos ajudam a ter um panorama atual com relação ao
autoritarismo no Brasil é o apresentado por Lima et al. (2020). Nesse trabalho, um dos
resultados apresentados é a dimensão do autoritarismo na população brasileira. Os dados
foram coletados pelo “Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o
Datafolha em março de 2017” (LIMA et al., 2020, p. 40). Foi construído um índice de
apoio a posições autoritárias “de acordo com as três subdimensões estruturantes que
Adorno e, posteriormente, Crochík conceituaram como fenômenos associados a posturas
autoritárias”. Foram elas: submissão à autoridade, agressividade autoritária e
convencionalismo (LIMA et. al., 2020, p. 41). A pesquisa foi aplicada pelo Datafolha
para 2.087 pessoas com 16 anos ou mais, em 130 municípios. Alguns dos principais
resultados foram:
93% dos entrevistados concordam (em parte, mediana ou totalmente) com a
assertiva 3, “A obediência e o respeito à autoridade são as principais virtudes
que devemos ensinar às nossas crianças”. Na mesma direção, 85%
concordaram com a assertiva 1, “O que este país necessita, principalmente,
antes de leis ou planos políticos, é de alguns líderes valentes, incansáveis e
dedicados em quem o povo possa depositar a sua fé”. [...]. Cerca de 78% dos
entrevistados concordam (em alguma medida) com a assertiva 11, “Todos
153

devemos ter fé absoluta em um poder sobrenatural, cujas decisões devemos


acatar”. [...]
O escore médio de apoio a posições autoritárias no país foi de 8,10, indicativo
de forte propensão de adesão às questões da escala de autoritarismo. As
assertivas que mais se destacam no Brasil são aquelas relacionadas à dimensão
originalmente nomeada de submissão à autoridade. Encontrar um “salvador”,
que “coloque ordem na casa”, parece ser uma necessidade nacional premente,
à luz da pesquisa. (LIMA et. al., 2020, p. 42 - 43).

Os resultados obtidos, segundo os pesquisadores, é fruto de uma combinação de


elementos simbólicos. Um deles é a desigualdade social. A adesão dos mais ricos pode
estar ligada ao sentimento de ameaça diante da ampliação dos direitos das minorias, pois
enxergam suas conquistas pessoais como “meritocracia” e, portanto, a ampliação dos
direitos não seria algo justo. Os mais pobres, com a desconfiança e incerteza com relação
ao Estado e às políticas públicas, se veem decepcionados com os retrocessos nas políticas
sociais, [...] “abrindo espaço para o reforço de posições salvacionistas e autoritárias”
(LIMA et. al., 2020, p. 55).
Como esses fatores se relacionam com a escola e a educação? À medida que
governos autoritários se instalam no poder, as escolas sofrem intervenções moldadas aos
seus interesses. Germano (2008), em seu artigo, realiza uma explanação sobre o discurso
político de base autoritária, além das políticas educacionais implementadas pós-64. A
discussão produzida por Germano nos ajuda a enxergar as influências provocadas por um
governo autoritário sobre o sistema de ensino. Através do discurso salvacionista, a
intervenção militar no campo educacional seria a responsável por garantir uma das
promessas do Regime Militar: o desenvolvimento econômico e a grandeza do país.
Porém, o autor discute que, se tratando de um regime autoritário, essa promessa ocorrera
por meios de métodos em que a pluralidade e o diálogo político foram banidos, se
tornando inexistentes. Houve controle de “todas as manifestações públicas, culturais,
artísticas, sociais, esportivas, o entretenimento, os meios de comunicação e o sistema
educacional, da educação básica à universidade” (GERMANO, 2008. p. 85).
Anos se passaram pós o Regime Militar, e as manifestações autoritárias
continuaram de diferentes formas. Tommaselli (2018) nos mostra um panorama de
períodos em que raízes autoritárias se fizeram presentes no Brasil, a fim de entender o
avanço do autoritarismo focando no projeto Escola Sem Partido (ESP). Esse projeto havia
sido proposto em 2004, mas ficou engavetado. Em 2013 o projeto ganha notoriedade, ano
em que, segundo o autor, foi propício para sua disseminação, pois se aliou a pautas que
lutavam contra a doutrinação ideológica “marxista” e a “ideologia de gênero”. Pautas
154

ligadas ao movimento conservador, além do potencial fascista que cresceu no país desde
2013.
Pacheco e Derisso (2018) discutem como há diversos mecanismos de
descaracterização da escola pública visando o “seu fim de socializar conhecimentos
acumulados e elaborados historicamente no âmbito da ciência, da filosofia e da arte”
(PACHECO; DERISSO, 2018, p. 646). Alguns mecanismos citados no trabalho são: o
Ensino Religioso, instituído em 1931, como uma negação do caráter laico da escola e do
Estado; o combate à abordagem da questão de gênero sob o argumento de defesa da
família; o Programa Escola Sem Partido e a Reforma do Ensino Médio.
Outra proposta em que o direito à educação como um bem público e dentro de um
contexto maior que envolve o Estado Democrático de Direito passa a ser possivelmente
ameaçado, é a prática do homeschooling (BARBOSA, 2016). Essa prática se refere ao
ensino da criança e do adolescente sendo integralmente responsabilidades dos pais, que
podem contratar professores particulares ou não, e essa decisão ocorre sem mediação ou
custeio do Estado (STEFANELLO; TOZETTO, 2021).
Diante da pandemia, e pós aulas remotas, essa prática pode ter se tornado mais
conhecida, e as famílias brasileiras possivelmente mais propensas a adotá-la. Porém, as
aulas remotas ocorridas no Brasil recentemente se configuram de forma diferente do
homeschooling, pois, durante a pandemia as escolas atuavam junto às famílias na
educação dos estudantes. Mundialmente, o modelo é praticado em diversos países e,
mesmo sem regulamentação específica, muitas famílias brasileiras adotam o
homeschooling. Em meados de 2016 cerca de 2.500 famílias eram praticantes116. Mais
recentemente:
De acordo com informações encontradas na ANED (2019a), no Brasil, 7.500
famílias praticam o homeschooling atualmente, o que configura um total de
15.000 estudantes entre 4 e 17 anos de idade. A associação menciona que o
modelo de educação domiciliar ocorre nas 27 unidades de Federação brasileira
e que cresce aproximadamente 55% ao ano (STEFANELLO; TOZETTO,
2021, p. 5).

O modelo ainda não é aprovado no Brasil, pois ainda não há uma lei específica
que o regulamente. Porém, não houve condenações nesse sentido. As famílias alegam que
a socialização oferecida pela escola seria negativa. Que o ensino individualizado possui
maior qualidade e que a ideologia predominante nas escolas tende a desvalorizar o papel

116
Segundo dados da Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED), publicados no artigo Barbosa
(2016).
155

das famílias, desmerecendo seus valores. Além disso, há a propagação de ideologias de


cunho materialista e cientificista (STEFANELLO; TOZETTO, 2021 apud MOREIRA,
2017).
Inúmeras críticas são realizadas a esse movimento, como possíveis risco ao direito
à educação e à democratização do ensino no Brasil. Crianças e adolescentes estariam
sendo submetidas ao comprometimento de seu desenvolvimento cognitivo e social. Além
disso, a desvalorização da profissão docente, pois qualquer pessoa estaria apta a ensinar
(STEFANELLO; TOZETTO, 2021, p. 12).
Reconhecemos que os apontamentos realizados em relação ao autoritarismo,
conservadorismo e educação foram extremamente breves, mas, gostaríamos de relacionar
esses apontamentos com o que tínhamos discutido sobre o nosso objeto de estudo e o
ensino de ciências. Pensar que o ensino de ciências e o professor podem ser os únicos
“culpados” frente à disseminação e fortalecimento do movimento terraplanista é injusto
e incoerente. A descrença nas instituições, propagada pelos mecanismos autoritários
mencionados anteriormente, pode impulsionar a busca de algumas pessoas em formar
grupos com outros indivíduos que possuam anseios compatíveis, como a descrença na
ciência, na educação escolar, nas políticas de combate a desigualdades e outros.
Porém, vimos que vias autoritárias na educação podem ser prejudiciais, sejam elas
realizadas na prática docente, nas políticas educacionais ou no convívio social fora dos
muros da escola. Essa atmosfera autoritária presente historicamente em nossa sociedade
afeta, inclusive, as dinâmicas educacionais.
Para alguns participantes, o movimento Terra plana pode despertar outras
inúmeras motivações que estão para além do âmbito conceitual. Com isso, se torna
importante nos preocuparmos com características outras que configuram esse coletivo,
ligadas as suas influências sociais como: será que o coletivo terraplanista, por ser
construído fora do ambiente escolar, não considera o homeschooling o melhor para seus
filhos(as)? Como a democracia e o ensino público podem ser afetados com mais um
coletivo adotando elementos conservadores e autoritários?
E, para a ciência, cremos que seja importante atentar-se aos elementos coercitivos
mencionados, à introdução didática, aos elementos apodíticos dos materiais didáticos e a
qual visão de ciência está sendo trabalha em sala de aula. A busca não é de uma visão
única de enxergar o mundo e de que a lente usada seja somente a da ciência. Nossas
ressalvas e defesas são em busca de um ensino de ciências menos autoritário, que
156

apresente uma visão menos deturpada e ingênua sobre a sua produção, e de que o ataque
ao pluralismo é característico de posturas autoritárias. Além de possibilitar aos
professores e demais interessados uma forma de interpretar o movimento Terra plana a
partir da ciência dos estilos de pensamento.
Em sala de aula, poderemos não receber de nossos estudantes a manifestação de
sua concepção acerca do formato da Terra. Esse comportamento pode ser oriundo, como
explicamos anteriormente, da posição de autoridade discutida por Fleck. Expusemos,
previamente, algumas comparações entre os dois coletivos de pensamento no intuito de
percebermos como os nossos estilos de pensamento atuam sobre nossa forma de enxergar
o mundo. Segundo Martins (2020b):
Fleck defendia que a epistemologia fosse considerada “a ciência dos EPs”,
incorporando em toda a sua profundidade as dimensões social e histórica, e
promovendo a tolerância entre os grupos e pessoas com pensamento diferentes
e, eventualmente conflitantes (MARTINS, 2020b, p. 1211).

O caminho da introdução didática de forma dogmática, mostrando o


conhecimento como evidente e acabado, propaga uma visão de ciência que não condiz
com a forma com que ela se desenvolve. Essa visão perdura em outros coletivos de
pensamento, configurando o imaginário de ciência problemático e mais difícil de
desmistificar. Será que se a visão de ciência da Flat Earth Society fosse outra, seguindo
uma perspectiva mais fleckiana, ainda julgariam a astronomia como uma pseudociência?
Será que julgariam como método científico somente os passos contidos na explicação que
mostram em seu site? Caso enxergassem a ciência como um desenvolvimento histórico
com mudanças, ainda levariam em consideração as argumentações que já foram
superadas pela ciência?
A ausência de aspectos históricos nos materiais didáticos dificulta o entendimento
acerca do desenvolvimento dos conhecimentos científicos. Sentimos essas lacunas na
construção da seção anterior deste trabalho. Fleck defende a ciência dos estilos de
pensamento para entendermos melhor a profundidade das dimensões sociais e históricas
do conhecimento. Que esse trabalho possa auxiliar professores e interessados como um
dos materiais de consulta sobre esse autor e sobre uma perspectiva acerca do
desenvolvimento de um fato científico.
Que possa ser um local de consulta sobre o movimento Terra Plana com as
informações coletadas do site oficial do movimento (que está em língua inglesa). A partir
do capítulo 2, professores de diferentes disciplinas podem consultar explicações e,
157

possivelmente, encontrar similaridades com as chamadas “concepções alternativas”, algo


também sinalizado por Martins (2020b). Algumas das formas da Flat Earth Society
explicar os fenômenos podem possuir, em certa medida, correspondência com algumas
interpretações que também podem ser realizadas pelos estudantes. Explicar e entender os
movimentos da Terra e seu formato esférico não é algo simples.
A partir da seção 3.2 deste trabalho, almejamos ter possibilitado uma maneira de
interpretar o coletivo terraplanista (sua linguagem, métodos, explicações, o que julgam
como evidente etc.). Seguindo com a seção 3.3 esperamos auxiliar, mesmo que
limitadamente, a consulta de evidências para o formato esférico da Terra e seus
movimentos. Que professores e interessados possam consultar as principais evidências
trazidas nos livros didáticos do ensino fundamental (com explicações dos manuais).
Que o modo de interpretar o movimento Terra plana a partir da ciência dos estilos
de pensamento possa auxiliar os educadores a pensar sobre a introdução didática, além
de possibilitar uma visão mais ampla sobre as possibilidades de relações outras que
afetam e que cruzam a escola e os diversos coletivos de pensamentos de que fazemos
parte e com os quais convivemos. Que possamos olhar os céus e desfrutar das diferentes
formas de interpretá-lo. E que, através da ciência, possamos expandir nossa visão não se
limitando aos olhos.
158

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente, quase 3 anos após a escolha do nosso objeto de estudo, a presença do


movimento terraplanista nas mídias parece ter caído. É comum ouvirmos o termo
“terraplanista” sendo usado em outros contextos que não para se referir a pessoas que
acreditam que a Terra é plana, mas de modo geral a negacionistas da ciência. O que nos
mostra como, possivelmente, a maioria das pessoas interpretam esse movimento.
Entretanto, o movimento não deixou de existir ou perdeu sua relevância.
Estatísticas da Flat Earth Society mostram que, desde que coletamos os dados com
relação ao número de membros, mencionado no capítulo 3, novas pessoas se cadastraram.
A Flat Earth Society possui uma média de 5,37 novas inscrições por dia.
Ao estudarmos a Flat Earth Society, nos surpreendemos com a quantidade de
conteúdos discutidos, sendo esse um resultado que não esperávamos. No capítulo 2
procuramos explicar como a sociedade interpreta tais conteúdos, mas entendemos que,
por se tratar de outro coletivo de pensamento, pode ter ocorrido uma limitação em
conseguir compreender por completo sua linguagem. O grande volume de conteúdos
discutidos na área wiki nos mostrou como os membros estão articulados e buscando
informações ativamente. As páginas são atualizadas em um período relativamente curto.
Percebemos que, desde que realizados a coleta de dados para o capítulo 2, algumas
páginas da área wiki já sofreram pequenas alterações.
Com relação ao estilo de pensamento, à luz da perspectiva fleckiana, a Flat Earth
Society não possui um consenso com relação ao modelo da Terra plana, que pode ser
monopolo ou bipolo. O comumente aceito é o monopolo, com o polo Norte no centro,
apresentando uma borda de gelo (Antártica). A sociedade julga construir o seu
conhecimento baseado em métodos empíricos, em que os sentidos são utilizados para
discernir a verdade sobre a natureza do mundo. A visão de método científico está baseada
nas etapas: objetivo; pesquisa; hipóteses; experimentação; análises e conclusões. Sem
experimentação não há método científico, e o restante das suas etapas não se realizam.
Para a Flat Earth Society, a teoria científica sobre o formato da Terra possui caráter
especulativo e, portanto, se trata de uma pseudociência.
Os experimentos tratados pela Flat Earth Society, com exceção do lago de
Bedford, são experiências realizadas pela ciência e que a sociedade critica, afirmando que
os resultados provam que a Terra é Plana. O experimento do lago de Bedford foi
159

desenvolvido pelo “pai da Terra plana”, Samuel Rowbotham, no século XIX, e até os
tempos atuais é reproduzido de diferentes formas pelos terraplanistas de diversos países.
Alguns fenômenos explicados pela Flat Earth Society possuem caráter
especulativo, como por exemplo: o que há além da borda da Terra plana (a parede de
gelo, que é a Antártica); o que necessariamente impulsiona a força da “Aceleração
Universal” que empurra a Terra para cima constantemente; especulações para o eclipse
lunar e a observação dos movimentos das constelações. O que parece ser contraditório
com relação à defesa do método experimental, em que, para ser considerado confiável,
deve ser posto à prova por via experimental.
A Flat Earth Society nega ser um movimento conspiracionista. O termo
conspiração é utilizado pela sociedade terraplanista para se referir à falsificação das
viagens espaciais. A NASA não sabe a verdade, mas é de interesse que propague que a
Terra é esférica por questões políticas. Uma vez que esse resultado foi divulgado e
ensinado dessa forma, a “farsa” continua sendo propagada.
Praticamente todos os conteúdos científicos são negados. Alguns resultados e
conceitos da ciência são utilizados, mas com significados diferentes para se enquadrar ao
estilo. Além disso, há uma inconsistência no uso dos temos criados pela sociedade. Em
um mesmo texto há momentos em que são usados com determinado sentido e, mais à
frente, usam o termo que seria o equivalente na linguagem da ciência.
Com relação as nossas analises acerca da Flat Earth Society, o coletivo de
pensamento é marcado por regras e, caso algum membro não as respeite, há punições a
serem executas com eventual banimento total do membro. Os estudos são todos
realizados de forma “livre”, não institucionalizada, e não há nenhuma instituição física
construída pela Flat Earth Society. Seus membros não são identificados, sendo essa uma
das regras: não pode haver divulgação da identidade dos membros ou veiculação de
informações pessoais.
Consideramos que, diante da característica do círculo esotérico do coletivo em
atuar coletando materiais e reproduzindo conhecimentos já criados anteriormente, o
coletivo seja limitado quanto à presença de materiais que se manifestem como
acoplamentos passivos.
Inconsistências na utilização dos termos; divergências no modelo da Terra plana;
pouca manifestação de acoplamentos passivos; não delimitação de como ocorre a benção
de iniciação (tendo em vista que estudos realizados de modo “livre” podem conferir a
160

esse coletivo um caráter menos estável) são características que nos mostram que esse
coletivo parece estar em formação, concordando com a análise de Martins (2020b).
Ao buscar apresentar, já no capítulo 3, como a ciência explica fenômenos
discutidos pela Flat Earth Society, algumas dificuldades foram sentidas. Diante do grande
volume de evidências citadas pela Flat Earth Society, não teríamos tempo para contrapor
cada uma. Nosso objetivo inicial (antes da pandemia) era trabalhar as evidências
científicas para formato esférico da Terra analisando-as da mesma forma que fizemos
com a Flat Earth Society, porém, o tempo foi um fator limitante. Compreendemos que
seria interessante uma análise específica para o conteúdo sobre a forma da Terra.
Sobre as evidências científicas, percebemos o quanto a observação é algo
importante. Foi a partir dela que os diferentes seres humanos se conectaram com os céus
e se comunicavam com o mundo. Esse fator não é mencionado pela Flat Earth Society
quando realiza críticas sobre a ciência, mesmo julgando a observação e utilização dos
sentidos algo importante. Mas, há uma diferença entre a observação construída ao longo
dos séculos pela ciência e a observação defendida pela Flat Earth Society.
A partir dos materiais, percebemos que a ciência não se limita à observação de
enxergar o horizonte plano e, diante da impressão inicial, definir o planeta como
possuindo o formato plano. Ou por enxergar aparentemente que a Lua e o Sol possuem o
mesmo tamanho, eles realmente sejam de tamanhos iguais. Há inúmeras observações que
se somam: as mudanças das sombras ao longo dos dias e dos anos; a variação das sombras
à medida que há variação na latitude; a mudança do ponto do nascimento e pôr do Sol; a
mudança na posição das constelações ao longo do ano; as diferentes posições das fases
da Lua; a observação do eclipse lunar etc.
Essas observações foram registradas ao longo dos séculos e as conclusões
decorrentes não se limitam a impressões iniciais. Há, aliado a isso, a utilização de
instrumentos que possibilitam observações outras que nossa visão não é capaz de captar.
Algo que a Flat Earth Society não considera, mesmo citando em alguns momentos que
possuímos limitações em nossa visão. E, é claro, toda uma construção teórica baseada
nesses dados e observações, formando um todo coerente e organizado.
As evidências para o formato esférico da Terra foram construídas (e ainda
apoiadas) através de um coletivo que, por séculos, revisou as análises advindas de tais
observações. Que aliou a essas evidências resultados advindos de recursos tecnológicos
também revisados por seus pares. Coletivo que foi capaz, mesmo com resistências, de
161

mudar o estilo de pensamento quando novas evidências se mostravam incongruentes com


o estilo anterior.
Fleck (2010) cita o caráter democrático da ciência, em decorrência da sua
dependência, em certa medida, da “opinião pública” e da relação que é estabelecida entre
o iniciado e o especialista. Citamos que essa relação possui caráter coercitivo, mas as
pessoas que atuam produzindo o conhecimento científico ativamente, possuem seus
objetos de estudos relacionados a uma certa necessidade social. A escolha do que estudar
também é permeada por uma atmosfera social, e o coletivo científico julga o que é
pertinente ser estudado, existindo uma relevância da “opinião pública”, o que se
caracteriza como algo democrático. Diante das críticas realizadas na seção 3.4, achamos
pertinente apontar essa defesa. Ressaltamos as problemáticas em torno das questões
autoritárias, e como elas podem se relacionar com a escola e o ensino de ciências. Mas a
ciência e a escola não se resumem a esse elemento.
Com relação ao terraplanismo, gostaria de apontar outra relação. No ano de 2016,
quando ‘pós-verdade’ foi eleita a palavra do ano, isso ocorreu devido às inúmeras
publicações que usavam esse termo ao analisarem as eleições presidenciais dos Estados
Unidos, relacionando-a com o método de campanha utilizado, em que a opinião pública
foi mais guiada por emoções e crenças pessoais do que por fatos objetivos. Mencionamos,
na Introdução, como as redes sociais podem ser uma indústria de alta produtividade, onde
diversas publicações com notícias falsas possuem potencial de serem utilizadas como
instrumento de manipulação. O local ideal para manipulação de afetos, crenças e
formação de opinião.
No ano seguinte, em 2017, a Flat Earth Society praticamente triplicou o número
de membros, atingindo o maior número de novos membros em 2018117. A Flat Earth
Society é exclusivamente um veículo de divulgação on-line, e no ano de 2017 ocorreu a
primeira conferência internacional da Terra plana, onde os terraplanistas se reuniram
presencialmente. Na Introdução, citamos alguns trabalhos que relacionam a pós-verdade
com o movimento terraplanista e, de fato, tais relações parecem pertinentes. Gostaríamos
de acrescentar que crenças conservadoras parecem estar fortemente ligadas ao
movimento, o que se relaciona com algumas citações realizadas na seção 3.4 sobre o

Número de novos membros: 2015 - 445; 2016 - 876; 2018 – 2726; 2019 – 2600; 2020 – 1726; 2021 –
117

1837, 2022 – 1553 (até o momento). Fonte: https://forum.tfes.org/index.php?action=stats


162

aumento, nos últimos anos, de práticas autoritárias. Porém, necessitaríamos de maiores


aprofundamentos em nossas análises para além de aspectos conceituais do movimento
terraplanista para discorrer mais sobre essa perspectiva.
Com relação ao nosso objetivo de tratar sobre as possibilidades de diálogos entre
adeptos de coletivos de pensamentos diferentes, acreditamos que foi em parte alcançado,
mas não completamente. Os primeiros passos foram dados. Realizamos algumas
aproximações a partir de Fleck, almejando que elas possibilitem a conexão para o diálogo.
A importância da escuta, também, esperamos ter apontado. Procuramos, mesmo sendo
componentes de outro estilo de pensamento, apresentar em nosso capítulo 2 as ideias
terraplanistas. Tecemos algumas críticas em diante, porque julgamos importante
estabelecer relações. Críticas também foram lançadas ao nosso coletivo de pensamento.
Tratando-se do nosso objetivo com relação a problematizar o ensino de ciências a
partir do nosso objeto de estudo, esperamos que nosso trabalho possa servir como material
de consulta de umas das perspectivas acerca do desenvolvimento de um fato científico a
partir do nosso referencial teórico: Ludwik Fleck (2010); que possa ser um local de
consulta sobre o movimento Terra Plana com as informações coletadas do site oficial do
movimento (que está em língua inglesa) e que possa auxiliar na consulta das evidências
para o formato esférico da Terra e seus movimentos. Além disso, que possibilite uma
forma de interpretar o movimento terra plana a partir da ciência dos estilos de
pensamento.
163

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