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3 - Brasil Por Suas Apareì Ncias Seì C XIX
3 - Brasil Por Suas Apareì Ncias Seì C XIX
3 - Brasil Por Suas Apareì Ncias Seì C XIX
Diploma
IMPÉRIO
UMA CIVILIZAÇÃO NOS TRÓPICOS
Crescimento industrial
A economia mundial, marcada pela Segunda Revolução Industrial, impunha seu
ritmo a todos os cantos do planeta. As máquinas a vapor, que haviam inaugurado a
industrialização, no final do século XIX, foram sendo substituídas pelos motores a
combustão e pelos motores elétricos. Além disso, a velha concorrência feita por empresas
de médio porte foi anulada pela constituição de grandes grupos empresariais que
estabeleceram o capitalismo monopolista que cresceu, engolindo tudo a sua volta, ao
longo do século XX.
1
Cunho- característica; marca; feição; sinal distintivo.
2
Barricadas-modo de defesa; trincheiras.
3
Materialismo histórico- O materialismo histórico é uma proposta teórica para o estudo da sociedade, da
economia e da história que foi pela primeira vez elaborada por Karl Marx (1818-1883), malgrado ele próprio
nunca tenha empregado essa expressão. De acordo com a tese do materialismo histórico defende-se que a
evolução histórica, desde as sociedades mais remotas até a atual, se dá pelos confrontos entre diferentes
classes sociais decorrentes da "exploração do homem pelo homem".
4
Anarquismo- doutrina que prega a eliminação de toda autoridade, a substituição da soberania do Estado
pelo contato livre; fundada na convicção de que todas as formas de governo interferem na liberdade
individual; ação ou movimento anarquista.
Porém, somente a Inglaterra tinha um parque industrial consolidado. Ferrovias e
indústria metalúrgica eram as grandes colunas de sustentação da forte economia inglesa.
A França, por sua vez, mantendo a política protecionista5 que vigorava desde o século
anterior, impediu o crescimento mais acelerado do seu parque industrial e, assim, em
1870, para cada 2 artesãos franceses havia apenas um operário. Este país manteve seu
diferencial, o artístico e artesanal como meios de produção do luxo.
5
Política protecionista- teoria que propõe um conjunto de medidas econômicas que favorecem as
atividades internas (produção nacional) em detrimento da concorrência estrangeira. O oposto desta doutrina
suas indústrias, com exceção da Espanha, Rússia e Portugal. Porém, os demais, eram
mais modestos na extensão de seus produtos, contudo, sustentáveis internamente e
independentes das produções industriais externas.
é o livre-comércio. Porque a economia é uma ciência de meios, o protecionismo é o meio econômico para
lograr o objetivo político de uma nação independente.
6
Incipiente- principiante; novato; que está em começo.
romantismo difundia. Os realistas instauraram uma estética adequada às exigências do
progresso material que a industrialização trouxera e, dialogando com o mundo urbanizado,
cientificista e até cruel, descreveram personagens, construíram enredos pictóricos e
literários nos quais o homem e suas misérias humanas e de caráter eram colocadas à
mostra. O grande nome da literatura brasileira foi filiado a esta escola: Machado de Assis.
Foi neste momento histórico que, nos bairros mais simples e independentes da
cultura européia, começou a despontar artistas como Chiquinha Gonzaga, a ser criado às
sociedades carnavalescas, os conjuntos de chorinho e tantas outras manifestações de
cunho artístico e popular.
Não apenas o mundo com sua segunda revolução industrial e seus ideais
vanguardistas estavam desintonizados com a figura do Imperador, como também o próprio
não alimentava mais os rituais que o sagravam constantemente seu reinado. O beija-mão
tão caro aos fidalgos nostálgicos e aos recém-chegados à Corte deixou de existir. As
roupas imperiais tornaram-se roupas de qualquer cidadão de posses, sendo os trajes
pomposos e simbólicos da condição de Imperador usado raramente, somente quando
eram imprescindíveis às comemorações oficiais.
7
SCHMARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador: Dom Pedro II, um monarca nos trópicos. São
Paulo: Cia das letras, 1998.
8
SCHMARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador: Dom Pedro II, um monarca nos trópicos. São
Paulo: Cia das letras, 1998, p. 410.
9
Apud SCHMARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador: Dom Pedro II, um monarca nos trópicos. São
Paulo: Cia das letras, 1998, p. 412.
Como analisado para a queda da monarquia francesa por Jean-Marie Apostólidès10,
quando corpo real e simbólico passa a existir independentemente um do outro se instala
um vácuo no poder, podendo a instituição chamada Estado, outrora fundida no corpo real
de um soberano, existir por si mesma e, logo, dar a possibilidade que um grupo social ou
outros corpos reais desprovidos de uma simbologia de soberania ocupe este lugar e aí
erija a expressão do poder nacional.
Entre 1887 e 1888 fez D. Pedro II duas viagens para as estações de tratamento de
saúde da Europa, a cada ida e volta, as especulações11 sobre suas doenças e sanidade
mental eram sempre numerosas. Seu aspecto idoso, com longas barbas brancas, evidente
calvície e passos lentos, somavam-se às críticas ferrenhas de suas condições de
governante. Se no período anterior a esta última década ele era acusado de ser
voluntarioso e interroper todas as legislaturas da Câmara, no período seguinte o Imperador
era delatado como inapto12 e ultrapassado para os desafios dos novos horizontes
mundiais.
10
APOSTOLIDES, Jean-Marie. O rei-máquina: espetáculo e política no tempo de Luis XIV. Rio de Janeiro:
J. Olympio; Brasília, DF: Edunb, 1993.
11
Especulações-ver, olhar atentamente, vigiar; observar; inquirir; estudar; meditar sobre qualquer matéria e
fazer dela estudo teórico; meter-se em negócios com a mira de lucros exagerados; traficar; agenciar; tirar
proveito, abusando da boa fé ou da credulidade de outrem.
12
Inapto- inadequado, não apto; inepto.
Dentre os muitos políticos da época que escreviam nos jornais, João Penido,
deputado liberal mineiro, pertencente ao grupo de oposição ao Gabinete conservador do
Conselheiro João Alfredo, usou mais de uma vez a palavra na Câmara para fazer
chacota13 das condições de governabilidade do Imperador:
Hoje sua Majestade reina, mas não governa, nem administra como fazia antes:
administram por ele, governam por ele. Isto é o que está na consciência de todos e é
a voz pública. Pela enfermidade que o persegue, a ação de Sua Majestade limita-se
a perguntar aos Ministros: ‘Que papéis temos para assinar? ‘ E assina-os sem
discutir, sem dar mesmo a sua opinião. Diz-se, e eu tenho a coragem de repetir sob a
minha responsabilidade, que o Imperador de fato é o Sr. Conde de Mota Maia! Sua
Majestade move-se ao aceno do Sr. Mota-Maia, a quem obedece como uma criança
dócil e bem educada. Se o Sr. Conde de Mota Maia diz que Sua Majestade saia, Sua
14
Majestade sai; se diz que fique, Sua Majestade fica.
13
Chacota- zombaria; troça; gracejo; trovas burlescas; seguidilhas satíricas; antiga canção popular; dança
antiga acompanhada de canto.
14
In: LYRA, Heitor. História de D. Pedro II. Vol. Declínio 1880-1891, Belo Horizonte: Editora Itatiaia
Limitada, 1977, p. 41.
15
Senil- relativo à velhice; próprio de velho; que apresenta os característicos da senectude, tais como
debilidade física e mental; decrépito, caduco.
16
BESOUCHET, Lídia. Pedro II e o século XIX. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993, p.132.
desconfortável diante de um corpo real que na sua idade mais avançada, nas suas
constantes viagens para tratamentos de saúde e nas críticas que recebia um sinal que a
queda do Imperador era semelhante a sua. Como se mirar num espelho que descascava e
se embaçava rapidamente? Diante deste mal estar a elite se via acuada para defender
com veemência17 ou fazer-se de surda diante de novos discursos que prometiam espelhos
novos e futuros brilhantes.
17
Veemência- qualidade do que é veemente; impulso rápido na alma ou nas paixões; impetuosidade;
energia calorosa; intensidade; centro; rigor; eloqüência arrebatadora; arrebatamento; ardor; instância; grande
interesse, entusiasmo; empenho.
luxo que provinham da Europa, do outro lado, bacharéis, importadores, comerciantes,
militares graduados, funcionários públicos de alto escalão que constituíam o incipiente
grupo urbano de poder aquisitivo médio e com ares de intelectualidade a flor da pele. Entre
esta gente urbana ainda havia os industriais, não muitos nem de grandes fortunas, mas
destacados o suficiente para serem apresentados com fidalguia nas rodas sociais.
Além de tudo isso, estes cafeicultores tinham um prazer ímpar por amantes caras,
as quais sustentavam com luxo e pompa numa casa urbana preparada para esse fim.
Quanto mais francesas ou parecendo ser fossem as ditas amantes, mais o cafeicultor se
18
Esmero- grande cuidado em qualquer serviço; perfeição, apuro, primor; correção, asseio (no trabalho ou
no vestuário).
19
MAESTRI, Mário. Uma História do Brasil Império. São Paulo: Contexto, 2001, p.113.
empenhava em sustentar sua beldade. Um prazer que não era gozado a público, mas que
correndo de boca em boca, dava a este senhor um coroamento especial em seu status.
Estudantes e intelectuais
Outro fator a destacar é o ensino, oferecido pelos liceus ou faculdades, atraia jovens
do interior e de outras capitais menos desenvolvidas para a cidade do Rio de Janeiro, São
Paulo e Salvador. Em São Paulo o Largo São Francisco, com sua Academia de Direito, na
capital a Escola de Belas Artes, em Salvador a Escola de Medicina, em todos lugares um
universo de discussões calorosas que reunia a elite juvenil do Brasil, de onde saíam muitos
dos intelectuais notáveis, juristas famosos e homens de poder. Nas salas, nos largos das
escolas e nas ruas da cidade essa massa, chamada estudantil, declamava o romantismo e
abraçava os ideais com fervor, lia os clássicos europeus e defendia em discursos
empoados as bandeiras da hora. Provindos dos meios abastados e vinculados à Europa
por sua formação, os estudantes reforçavam os ideais da aristocracia agrária também.
20
Apud ALENCAR, Francisco; RAMALHO, Lucia Carpi; RIBEIRO, Marcus Venicio Toledo. História da
sociedade brasileira. 15. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1996, P. 151.
21
Vicejava- ter viço; estar viçoso; vegetar exuberantemente; dar viço a; fazer brotar com exuberância.
Abolição e República
Tanto é intensa essa assimilação de ideais que não havia uma expressão de crítica
ou contextualização das verdades expressas nos veículos de comunicação de massa.
Estes em coro defendiam a abolição e a república enquanto seus leitores aplaudiam,
fascinados, a possibilidade dessa cumplicidade.
Foi exatamente por se sintonizarem com estes mesmo ideais que a camada média
urbana das cidades foi capaz de se mobilizar, a partir dos estudantes e militares, para
reivindicar a reforma do sistema eleitoral, que em 1881, através da Lei Saraiva, ficou
instituído as eleições diretas e a elegibilidade de não católicos, mantendo por outro lado
uma exigência de renda mínima para ser eleitor22.
22
ALENCAR, Francisco; RAMALHO, Lucia Carpi; RIBEIRO, Marcus Venicio Toledo. História da sociedade
brasileira. 15. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1996, p. 170.
anarquismo entoado pelos imigrantes italianos eram solitários, mas deixou no horizonte
político uma possibilidade a mais que o grupo urbano, em geral, preferiu ignorar.
Entre um ou outro, a República era uma bandeira desfraldada ora para acusar a
excessiva centralização do poder e defender o federalismo; em outros momentos,
especialmente diante do público das ruas, era a expressão da maior representação política
dos cidadãos, um sistema de governo que daria direitos e garantias individuais aos
cidadãos. Na boca dos abolicionistas, a República era a certeza do fim da escravidão.
23
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: EDUSP, 1997, p.228.
24
Utopia- que está fora da realidade, que nunca foi realizado no passado nem poderá vir a sê-lo no futuro;
plano ou sonho irrealizável ou de realização num futuro imprevisível; ideal; fantasia, quimera.
Minas Gerais e São Paulo que ele encontrava maior presença entre o eleitorado e tinha o
maior número de candidatos eleitos.
Onde estava a elite neste jogo é uma questão que interessa. A velha oligarquia
mantinha-se, mais silenciosa, entre a cerca e o portão, sonhando com um Imperador que
virasse a mesa, mas reconhecendo que ele estava acabado. Mais pobre que outrora, vivia
muito mais da lembrança dos dias de glória e fausto do que da possibilidade efetiva de
reviver tudo isso. A nova oligarquia tinha o queijo e a faca na mão. Possuía os recursos
necessários para se exibir sempre atual, européia, luxuosa. Vangloriava-se de sustentar a
Nação e estar sintonizada com o futuro, com os modelos externos de desenvolvimento e
lendo e entendendo as novas teorias que prometiam revolucionar o mundo, como o
positivismo.
Na crista desta onda, a nova oligarquia estava ao alcance dos olhos de todos, mas
distante das oportunidades de muitos. No alto se colocava como modelo e sua vontade
tornava-se uma ordem. Na Convenção de Itu, evento histórico que marcava o trabalho
político a ser feito pelo PR, dos 133 presentes, 76 eram fazendeiros do oeste paulista e,
assim, na maioria e nas exibições de sua retórica e aparência de quem possuía muito
dinheiro eles não apenas fizeram vencer suas propostas pela maioria numérica que
representavam, como se fizeram vencer como opção do novo mundo desejado25.
25
Apud ALENCAR, Francisco; RAMALHO, Lucia Carpi; RIBEIRO, Marcus Venicio Toledo. História da
sociedade brasileira. 15. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1996, P. 171
26
MORAES, Evaristo de. Da Monarquia para a República (1870-1889) 2º Edição. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1985. p. 17.
na rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro. Nos finais de tarde, quem quisesse se reunir aos
republicanos mais famosos ou vê-los reunidos bastava passar pela Rua do Ouvidor e dar
uma paradinha em frente ao Café nomeado. Desta forma, o amor aos ideais por uma
sociedade mais democrática, ser republicano também passava por algumas práticas e
exibições culturais e sociais que davam, no cenário da cidade, visibilidade certa.
Abolicionistas
Ser abolicionista e republicano não era obrigatório. Mesmo que tenha havido
conhecidos republicanos, como Vicente de Sousa, Lopes Trovão, José do Patrocínio,
Ubaldino do Amaral, Ciro de Azevedo que eram defensores das duas causas, existiu,
também, aqueles que eram pelo fim da escravidão com a manutenção da Monarquia. Esse
é o caso de André Rebouças e Joaquim Nabuco, entre tantos outros27.
27
[MORAES, Evaristo de. Da Monarquia para a República (1870-1889) 2º Edição. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1985. p. 59.
Dentro da lógica de análise que é desenvolvida neste trabalho, entende-se que a
defesa do fim da abolição era uma crítica severa a manutenção de um ranço do passado
colonial, o que destoava, na imagem que a elite fazia de si própria, da condição de
semelhante a elite européia, espelho e meta, do grupo nacional.
Por décadas a elite brasileira conviveu diariamente com o trabalho servil e criou
mecanismos para “naturalizá-lo”, dando a crer que a existência deste tipo de trabalho, tão
distante dos ideais de liberdade e igualdade que na Europa querida defendia-se com tanto
fervor, em nada manchava sua reputação de co-irmã das gentes abastadas e requintadas
do Velho Continente. A forma íntima como tratavam seus escravos domésticos, dando-lhes
apelidos que hoje nos soam como carinhosos: nonô, dadá, pretinha ou muitos outros no
diminutivo, por exemplo, ou a distância que impunha aos seus escravos rurais, deixando-
os nas mãos de capatazes que cumpriam suas funções sem incomodar seus patrões,
foram meios de fazer de conta que a escravidão não era problema de alguém. Quando um
negro fugia ou se rebelava o problema estava nesse indivíduo, que não “prestava” e que
açoitado iria se repor em seu lugar, a servidão.
Durante as décadas de 1870 e 80, com as leis paliativas aprovadas (Lei do Ventre
Livre, dos Sexagenários) o que estava em jogo era a negociação entre as versões de
28
Revista de História. Ano 1, nº1 julho 2005. p. 137.
29
Dissensões/ dissensão - divergência, discrepância; desavença; desinteligência.
30
Sine qua non- ou condição sine qua non originou-se do termo legal em latim para “sem o qual não pode
ser”. Refere-se a uma ação, condição ou ingrediente indispensável e essencial.
31
Inalienável-que se não pode alienar; que se não pode ceder, dar ou vender.
república e a questão da abolição. Porém, foram jogos precisos de vaidades e relações
íntimas que precipitaram a abolição da escravidão em 1888.
Relata Evaristo Moraes que foi a ação de José do Patrocínio, movido por ciúmes e
disputas com João Alfredo, junto à Princesa Isabel que a convenceu, com bajulações e
pressões contínuas a assinar a Lei Áurea. Promulgada a Lei, Patrocínio se empenhou mais
um tanto para imortalizar a Princesa como a “loura mãe dos cativos” e atribui-lhe o
epíteto32 de Redentora33.
Abolição é modernidade
Entre ideais republicanos mais ou menos propensos à abolição e as intrigas
palacianas ou que se deve concluir é que também a defesa do fim da escravidão se
constituiu numa voga social, na qual estar a favor dela era estar sintonizado com o futuro,
ser intelectualizado e preocupado com o desenvolvimento da Nação, esta cada vez mais
32
Epíteto-palavra que qualifica um substantivo; atributo ou acessório; cognome; alcunha.
33
MORAES, Evaristo de. Da Monarquia para a República (1870-1889) 2º Edição. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1985. p. 60.
34
PATROCÍNIO, José do. Campanha Abolicionista: Coletânea de Artigos. Rio de Janeiro: Fundação
Biblioteca Nacional, Departamento Nacional do Livro, 1996. p. 9.
independente do corpo real de um Imperador. Por isso, a partir de 1885, os próprios lideres
do partido republicano paulista, como Prudente de Moraes e Campos Sales, passaram a
defender a abolição pelo viés da dignidade, da não propriedade do homem pelo homem e
a convencer seus correligionários35 que qualquer reação para conter a abolição seria
desgaste necessário, seria busca ingrata de querer fazer parar a roda do tempo e do
progresso e que mais valia a pena acelerar as mudanças do regime de governo e, regendo
a máquina estatal, encontrar as soluções mais baratas para a substituição da mão-de-obra
escrava.
Portanto, nada mais moderno para um Brasil do futuro que ser republicano,
abolicionista e branco, promovendo a vinda da Europa para as fazendas e lavouras
brasileiras, através da mão branca do imigrante italiano, alemão, polonês, austríaco etc.
Além disso, cabe salientar, que a causa do abolicionismo, na medida em que não
implicava necessariamente na defesa da República surgiu, segundo José Murilo de
Carvalho, “como o movimento que permitiu falar-se no Brasil, pela primeira vez, em algo
35
Correligionários- que ou aquele que tem a mesma religião que outrem; por ext. o que é da mesma
opinião, do mesmo partido, da mesma seita.
parecido com uma opinião pública, uma vontade nacional”36, ou seja, congregou elite,
pensantes e população em geral em torno de um ideal de Nação Brasileira, aquela que
seria livre da escravidão e tanto pelo seu assunto – a Nação – como pelo seu processo fez
com que se constituísse uma comunidade imaginada entre este viventes de um país com
escravidão.
O meio urbano era constituído, majoritariamente, pelo Rio de Janeiro, que tinha 522
mil habitantes em 1890 e que, segundo Boris Fausto, era “o único grande centro urbano”37.
Seguindo-a vinham Salvador, Recife, Belém e São Paulo, que possuía na mesma data
apenas 65 mil habitantes juntas.
3.4.1 Negros
A vida dos negros, no final do II Império, quando seus filhos já nasciam livres
perante a lei, mas nem sempre perante os seus proprietários, ganhou opções distintas,
especialmente para os escravos urbanos, portadores de maiores informações do que os
seus congêneres rurais. Amparados por leis que propunham variáveis a sua condição de
36
PATROCÍNIO, José do. Campanha Abolicionista: Coletânea de Artigos. Rio de Janeiro: Fundação
Biblioteca Nacional, Departamento Nacional do Livro, 1996. p. 16.
37
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: EDUSP, 1997. p. 237.
escravos, como a do Ventre Livre, a do pecúlio para fins de alforria, a que impedia a
divisão dos grupos familiares por venda, e, ainda, presenciando os debates dos
abolicionistas, acoitados por clubes e ligas pelo fim da escravidão, estes negros passaram
a vislumbrar, como luta pessoal e experiência individual, a liberdade38.
38
Ver SCHWARZ, Reis, Lilia Moritz; Letícia Vidor de Souza (orgs). Negras imagens, ensaios sobre cultura
e escravidão no Brasil. São Paulo: EDUSP, 1996. p. 135.
39
Apud ALENCASTRO, Luiz Filipe de. (org). História da vida privada no Brasil: Império: a corte e a
modernidade nacional. Vol 2. São Paulo: Companhia das Letra, 1997. p.357.
“roubado os domingos e dias santos”40. Importante, sobretudo, pensar que a existência
destes processos e julgamentos dá indício de duas coisas: primeiro que o escravo, nestes
casos, entendia-se como trabalhador e, logo, portador de direitos e merecedor de respeito
e, segundo, que a justiça da época como outros homens brancos, reconheciam este negro
como tal. Se não é o caso de falar de direito, propriamente dito, é ao menos pertinente
pensar em condições de respeito que eram solicitadas.
40
Apud ALENCASTRO, Luiz Filipe de. (org). História da vida privada no Brasil: Império: a corte e a
modernidade nacional. Vol 2. São Paulo: Companhia das Letra, 1997. p.357.
41
In: ALENCASTRO, Luiz Filipe de. (org). História da vida privada no Brasil: Império: a corte e a
modernidade nacional. Vol 2. São Paulo: Companhia das Letra, 1997. p.345.
tentar diminuir a oposição dos negros, cujos valores tornaram-se cada vez mais lucrativo
para quem vendia.
Como se pode observar nas tabelas abaixo, numa proporção direta, desde o fim do
tráfico negreiro a população escrava foi ficando mais escassa, o que repercutia no valor
desta mão-de-obra.
Fonte: MARTINS, J. de S. O cativeiro da Terra. 2 edição. São Paulo: LECH, 1981. p. 27.
A feijoada, por sua vez, além de prato típico constituído pelo apelo exótico de uma
indústria turística, também expressa na sua composição e sabores uma lógica social e
cultural que compõe, como agente que é, uma lógica de identidade nacional. A mistura de
restos não nobres de carnes, submersos em um caldo espesso e bem temperado, alça
aquilo que era lixo à condição de quitute e a composição em sua densidade oferece
mistério e curiosidade ao paladar aguçado pelo odor forte e apetitoso. A criatividade
brasileira, nos mercados internacionais, se destaca pela apropriação de materiais
inusitados que incorporados, transformados, agregados à composições originais também
aguçam os paladares. A sensualidade da mulher brasileira também é revestida de uma
lógica semelhante, onde a voluptuosidade das formas mais generosas dos quadris, mesmo
que distinto dos padrões clássicos de beleza, associada a uma ginga, a um negacear
marcado na fala, no gestual e no comportamento se constituíram como padrão de beleza e
a sensualidade se significa, como o caldo de feijão, em não revelar por todo o que contém
e exigir do interessado o degustar para bem reconhecer o que está comendo.
A mistura, como diz Roberto Damatta43, é um traço cultural que marca a identidade
do brasileiro, fazendo-nos capaz, mais que os anglo-saxônicos, de negociar, de sobreviver
42
SCHWARZ, Reis, Lilia Moritz; Letícia Vidor de Souza (orgs). Negras imagens, ensaios sobre cultura e
escravidão no Brasil. São Paulo: EDUSP, 1996. p. 38.
43
DAMATTA, Roberto. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1991.
em meio a diversidade e conseguir, apesar das dificuldades, se caracterizar como um povo
alegre e hospitaleiro.
3.4.2 Mulatos
Nestes mesmos projetos de Nação também se fazem presentes os mulatos e
mulatas. Todavia, este termo não designa com muita clareza quem são estes sujeitos e
mesmo nos jornais e documentos da época o termo é difuso. Tal como pardo, caboclo,
curiboca, cabra são termos genéricos que tem como unidade mais recorrente a idéia de
um mestiço, quase sempre associada de forma pejorativa a algo não puro e que,
contextualmente, aparecem muito mais em meio aos “jogos de xingamentos e atribuições
de identidades”44, como afirma Ivana Lima, do que como expressão provinda de reflexões
científicas apuradas. Entre estes sujeitos, o mulato é alguém bastante peculiar.
44
LIMA, Ivana Stolze. Cores, marcas e falas. Sentido da mestiçagem no Império do Brasil. Rio de
Janeiro: Arquivo Nacional. p. 51.
branco. A população inquirida, afirma Maria Ângela d’Incao, era contrária a esses registros
de cor, e mesmo de nascimento ou casamento, pois desconfiava que dando uma definição
de sua etnia estaria selando sua sorte diante do Estado, pois afirmar pertencer a esta ou
aquela etnia ou cor, como diriam naquele tempo, era definir lugares sociais, pois somente
a cor branca possuía cidadania na sociedade imperial. Assim sendo, o mulato, nestas
ocasiões sentiu-se a vontade para responder, diante do censor, que sua cor era branca
desde que possuísse liberdade, casa, sustento e independência.
Ocupando as profissões intermediárias entre o trabalho manual e os quadros
superiores: pequeno comércio, artesanato, técnicos agrícolas ou industriais, empregos
menores da administração, os mulatos eram “muito bem adaptados ao clima, à ecologia
brasileira”45. Vivendo nas ruas, ocupando-se de quase tudo que era consumido ou
prestado na forma de serviço, o mulato construía sua identidade como sendo um sujeito no
limite entre a elite e a marginalidade, dono das negociações, meio capoeira meio feijoada,
atacava negaceando46, transformava lixo em iguaria.
Preconceito e trabalho
Porém numa sociedade em que o modelo europeu vigorava a todo custo e em que
brancos tinham prioridade, a vinda dos imigrantes europeus transformou a balança étnica
imperial. Com a escassez de mão-de-obra escrava teria sido mais racional a adoção dos
trabalhadores brancos e pobres de outras regiões do Brasil nas lavouras cafeeiras.
Todavia, isso não ocorreu por dois motivos, todos ligados ao preconceito: primeiro que o
trabalhador branco, mesmo que pobre via como indigno de sua condição o trabalho
substitutivo do escravo e, segundo, que o cafeicultor, admirador das teorias européias e de
seus ares intelectuais, compartilhava das noções de Buckle e Gobineau que consideravam
os mestiços como gente de má índole e má formação orgânica. Desta feita, quanto mais a
República se firmou mais a presença dos imigrantes representou um embranquecimento
desejado da população brasileira, processo que os imigrantes pareciam garantir com sua
pele clara47.
45
FREDERIC, Mauro. O Brasil no tempo de D. Pedro II: 1831-1889. São Paulo: Cia das Letras, 1991, p.34.
46
Negaceando- atrair por meio de negaças (engodo; isca; chamariz; convite; sedução; engano; logro;
provocação; recusa); fazer negaças a; provocar, seduzir, enganar; recusar.
47
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: EDUSP, 1997. p. 204.
Confirmando isso, mesmo com as terríveis secas que castigaram o nordeste no fim
do século XIX, a maioria dos retirantes se direcionou para o Norte, para a região da
extração da borracha para tentar a vida como “empresário” de si.
48
Ostracismo- desterro por dez anos, a que eram condenados os atenienses por crimes políticos; por ext.
exclusão, especialmente da governação pública; exclusão, isolamento, proscrição; atitude de indiferença ou
desprezo que os membros de um grupo assumem para com indivíduos refratários a padrões de
comportamento estabelecidos; esquecimento. MATTOS, Hebe Maria. Escravidão e cidadania no Brasil
monárquico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2004, p. 60.
49
Olhar enviesado- com suspeitas, desconfiado.
50
Ver Volume 1 do CD-rom Brasil por suas aparências.
QUEM SOU EU?
58
E com tretas e com furtos
Quem sou eu? Que importa quem? Vão subindo a passos curtos;
Sou um trovador proscrito, Fazem grossa pepineira,
Que trago na fronte escrito
esta palavra "Ninguém!" Só pela arte do Vieira,
A.E. Zaluar - "Dores e Flores" E com jeito e proteções.
Galgam altas posições!
Amo o pobre, deixo o rico, Mas eu sempre vigiando
Vivo como o Tico-tico; Nessa súcia vou malhando
Não me envolvo em torvelinho ,
51 De tratante, bem ou mal,
Vivo só no meu cantinho; Com semblante festival
Da grandeza sempre longe Dou de rijo no pedante
Como vive o pobre monge. De pílulas fabricante
59
Tenho mui poucos amigos, Que blasona arte divina
Porém bons, que são antigos, Com sulfatos de quinina
Fujo sempre à hipocrisia, Trabusanas, xaropadas,
60
52
À sandice , à fidalguia; E mil outras patacoadas .
Das manadas de Barões? Que, sem pingo de rubor
Anjo Bento, antes trovões. Diz a todos que é DOUTOR!
Faço versos, não sou vate ,
53 Não tolero o magistrado,
61
Digo muito disparate, Que do brio descuidado,
Mas só rendo obediência Vende a lei, trai a justiça
À virtude, à inteligência: - Faz a todos injustiça -
Eis aqui o Getulino Com rigor deprime o pobre
54
Que no pletro anda mofino .
55 Presta abrigo ao rico, ao nobre,
Sei que é louco e que é pateta E só acha horrendo crime
Quem se mete a ser poeta; No mendigo, que deprime.
Que no século das luzes, - neste dou com dupla força,
56 57 Té que a manha perca ou torça.
Os birbantes mais lapuzes ,
Compram negros e comendas, Fujo às léguas do lojista,
Têm brasões, não - das Kalendas; Do beato e do sacrista -
Crocodilos disfarçados,
51
Torvelinho - de *torbelhão, turbilhão ; Fr. Que se fazem muito honrados
tourbillon; redemoinho. Mas que, tendo ocasião,
52
Sandice- dito tolo; caráter ou qualidade de São mais feros que o Leão
sandeu; parvoíce, tolice; falta de senso; fraseado Fujo ao cego lisonjeiro,
sem lógica. Que, qual ramo de salgueiro,
53
Vate- aquele que fez vaticínios; profeta; poeta Maleável, sem firmeza
ao qual eram atribuídos dons proféticos, 58
especialmente na Roma antiga; poeta; profetisa. Tretas- mutreta; ardil, manha; artimanha;
54 palavreado.
Pletro- antiga medida de 100 pés gregos ou 59
104 romanos (30 metros); antiga medida agrária Blasona/blasonar- do Cast. Blasonar; pintar
de 100 pés quadrados (9 ares). ou esculpir escudo de armas ou brasão em;
55
Mofino- infeliz; desastrado; tacanho; mostrar com alarde, ostentar; vangloriar-se,
turbulento; mal sucedido; avarento; s. m., Brasil, gabar-se.
60
doentio; aquele que é mofino. Patacoadas- disparate; ostentação ridícula;
56
Birbantes- bigorrilha, patife, biltre. pantominice; jactância; fanfarronice; Brasil, léria,
57
Lapuzes- grosseiro; rude. mentira.
61
Brio- sentimento de dignidade, pundonor; zelo,
coragem, ânimo; garbo.
65
Vive à lei da natureza Belas damas emproadas
66
Que, conforme sopra o vento, De nobreza empantufadas ;
Dá mil voltas, num momento Repimpados principotes,
O que sou, e como penso, Orgulhosos fidalgotes,
Aqui vai com todo o senso, Frades, Bispos, Cardeais,
Posto que já veja irados Fanfarrões imperiais,
62
Muitos lorpas enfurnados Gentes pobres, nobres gentes
Vomitando maldições, Em todos há meus parentes.
Contra as minhas reflexões. Entre a brava militança
Eu bem sei que sou qual Grilo, Fulge e brilha alta bodança;
63
De maçante e mau estilo; Guardas, Cabos, Furriéis
E que os homens poderosos Brigadeiros, Coronéis
Desta arenga receosos Destemidos Marechais,
Hão de chamar-me Tarelo Rutilantes Generais,
Bode, negro, Mongibelo; Capitães de mar-e-guerra
Porém eu que não me abalo - Tudo marra, tudo berra -
Vou tangendo o meu badalo Na suprema eternidade,
Com repique impertinente, Onde habita a Divindade,
Pondo a trote muita gente. Bodes há santificados,
Se negro sou, ou sou bode Que por nós são adorados.
Pouco importa. O que isto pode? Entre o coro dos Anjinhos
Bodes há de toda casta Também há muitos bodinhos.
Pois que a espécie é muito vasta... O amante de Syringa
Há cinzentos, há rajados, Tinha pêlo e má catinga;
Baios, pampas e malhados, O deus Mendes, pelas costas,
Bodes negros, bodes brancos, Na cabeça tinha pontas;
E, sejamos todos francos, Jove, quando foi menino,
Uns plebeus e outros nobres. Chupitou leite caprino;
Bodes ricos, bodes pobres, E segundo o antigo mito
Bodes sábios importantes, Também Fauno foi cabrito.
E também alguns tratantes... Nos domínios de Plutão,
Aqui, nesta boa terra, Guarda um bode o Alcorão;
64
Marram todos, tudo berra; Nos lundus e nas modinhas
Nobres, Condes e Duquesas, São cantadas as bodinhas:
Ricas Damas e Marquesas Pois se todos têm rabicho,
Deputados, senadores, Para que tanto capricho?
Gentis-homens, vereadores; Haja paz, haja alegria,
Folgue e brinque a bodaria;
62
Lorpas- imbecil; parvo; grosseiro; boçal; Cesse pois a matinada,
pateta. Porque tudo é bodarrada!
63
Maçante- chato, repetitivo; enfadonho.
64 65
Marram- arremeter com os chifres; bater com a Emproadas/ emproado – tolo; presumido;
cornada; dar marrada; turrar; bater com o marrão; orgulhoso.
66
encontrar-se de frente com alguém. Empantufadas- pessoas que utilizam sapatos
de ambiente doméstico, delicados e bastante
confortáveis; metáfora para vida ociosa.
[In: http://bayo.sites.uol.com.br/luisgama.htm]
3.4.3 Imigrantes
Todo o Império era uma terra de imigrados. Porém nem todos gozavam deste
status. Desde a implantação do sistema de capitanias hereditárias foi grande o número de
estrangeiros que vieram para as terras brasileiras. O ouro de Minas Gerais, no século
XVIII atraiu milhares. Contudo, foi no II Reinado que a imigração se constituiu numa
política expansionista e ocupacional do governo, fazendo campanhas e dando incentivos
para que europeus viessem para cá. Eles, por sua vez, alimentados pelas narrações mais
ou menos fantasiosas da fartura americana, sonhavam com uma vida melhor nestas
paragens. A política imperial visou formar uma população livre de pequenos proprietários
que ocupasse as terras ainda virgens, os rincões esquecidos e que com a atividade
agrícola, pastoril e mesmo manufatureira viesse a desenvolver o comércio interno,
abastecendo as grandes cidades de gêneros alimentícios. Além disso, era dessa gente
branca e saudável, como diriam os médicos da época, que o Império teria os jovens para
as forças armadas e gerações de brancos livres.
O abandono da terra natal constituiu uma saída para a crise vivida por multidões de
camponeses italianos. Partia-se para a América para fugir da fome, do trabalho
fatigante, da desnutrição, do salário irrisório, do alto aluguel da terra. A emigração
era uma forma de revolta surda e silenciosa contra os donos da terra. Ela prometia
67
um futuro risinho para todos
67
MAESTRI, Mario. Uma História do Brasil Império. São Paulo: Contexto, 2001, p.123.
Os governos dos países de origem destes imigrantes viam com alegria sua partida.
Afinal sua vinda para a América iria descomprimir as tensões em torno da terra e ainda
deu surgimento a uma empresa lucrativa: a de Navegação, Colonização e Imigração.
Estas faziam o recrutamento dos migrantes, organizavam o transporte marítimo e ainda
negociavam terras no novo continente.
Colonos chineses foram trazidos por franceses e ingleses para as sua colônias e
inspiraram alguns políticos brasileiros a fazer o mesmo, porém a opção foi ferrenha68.
Nicolau Moreira, presidente da Associação Auxiliadora da Indústria Nacional, escreveu
em 1881 na revista de sua Instituição:
Não aceito o chim por ser, como dizem seus apologistas, simplesmente produtor. O
bom operário, em minha opinião, deve ser rigorosamente produtor e consumidor; é
produzindo e consumindo que se desenvolvem as indústrias, (...). Não aceito o
69
chim, porque afugenta a imigração européia livre e inteligente .
A dívida nunca se esgotava e ainda, a parceria não era muito equilibrada, pois
quem negociava a colheita de café era o próprio latifundiário, a lavoura de subsistência
era dividida ao meio por conta do uso da terra e o endividamento dos colonos não
68
Ferrenha- com afinco; determinação; com força.
cessava. Reclamando das condições com que eram tratados, os locais onde moravam, o
tipo de sementes que recebiam e outras coisas do trato diário, o sistema teve pouco
sucesso e, logo, os defensores da boa gente européia desconfiavam de sua escolha
mediante seus objetivos escravocratas.
Imigração subvencionada
A elite rural tratou logo de pressionar o governo para tomar conta da imigração,
dando início ao sistema de “imigração subvencionada”, por volta de 1860. Por este
sistema as primeiras despesas eram arcadas pelo governo imperial e os fazendeiros
ficavam responsáveis pelos gastos dos colonos no primeiro ano no país. Além disso, foi
previsto um salário fixo anual e mais um salário que variava de acordo com o volume das
colheitas. Com estas medidas o colono tinha menor possibilidade de ficar preso por
dívidas com o seu patrão inicial e, assim, muitos foram com o tempo se tornando
produtores independentes, buscando terras mais distantes, a despeito da Lei de Terras de
1850, e fundando seu sonho de prosperidade na América. Muitos também foram para as
cidades dar início a uma vida de pequenos comerciantes ou industriais, cujos trabalhos
feitos em família, geraram lucros rápidos numa sociedade emergente.
69
apud ALENCAR, Francisco; RAMALHO, Lucia Carpi; RIBEIRO, Marcus Venicio Toledo. História da
sociedade brasileira. 15. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1996, P. 146.
Focos das primeiras colônias
Calcula-se que em 1888 mais de 200 mil italianos chegaram ao Brasil, somado as
outras levas que haviam entrado antes da abolição da escravatura70. Também é
importante lembrar que além do sudeste, principalmente no sul, foram constituídas
grandes colônias italianas e alemães, além de outras nacionalidades, que se tornaram
responsáveis pela ocupação e desenvolvimento de regiões até então desprovidas da
presença branca. Esse processo custou a vida de milhares de indígenas e recuou para
mais longe a fronteira entre o império civilizado e o selvagem.
Segundo os dados de Fazoli a colonização alemã teve seu primeiro núcleo em São
Leopoldo, no Rio Grande do Sul. Já em Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro, quase na
mesma época, aportaram cerca de dois mil imigrantes alemães dando início a este
povoado. Em 1849 ocorreu a chegada dos imigrantes no Vale do Itajaí, no Estado de
Santa Catarina através da Companhia Colonizadora de Hamburgo, criando com esta
iniciativa as futuras cidades de Joinville, Brusque e Blumenau. No Rio de Janeiro, em
1855, através de uma outra companhia colonizadora, a “Central de Colonização” foi
introduzido cerca de 20 mil novos imigrantes de origem européia. Em São Paulo, uma
leva significativa de norte-americanos, após a Guerra da Secessão, se fixaram no interior
do Estado, fundando Americana. Já em 1875, um alto número de imigrante vindo da
Rússia, Polônia e Ucrânia originaram a cidade de Ponta Grossa, no Paraná. No fim do
70
COSTA, Virginia. História da Imigração no Brasil. As Famílias. São Paulo: Serviço Nacional de
Divulgação Cultural Brasileiro, 1986, p.13.
Império chegaram os primeiros imigrantes vindos da Síria, Líbano, Palestina e em menos
quantidade os Turcos71.
Contudo, a maioria dos imigrantes que aqui chegaram, serviram como mão-de-obra
para o cultivo de café, provenientes de cidades européias, principalmente da Itália,
Portugal e Alemanha.
Ano Imigrantes
1860\1869 108.187
1870\1879 193.931
1880\1889 453.781
Fonte: FAZOLI, Arnaldo Filho. História do Brasil: 2º Grau. São Paulo: Ed do Brasil,
1977. p.215.
71
FAZOLI, Arnaldo Filho. História do Brasil: 2º Grau. São Paulo: Ed do Brasil, 1977. p.216.
Identidades estrangeiras
Esses milhares de imigrantes, cada um trazendo a marca de ser um estrangeiro,
produziram processos identitários diversos. Mesmo que pertencentes a grupos étnicos,
conforme a região de onde provinham, foram sendo construídos no olhar do Outro, aquele
que se reconhecia como o brasileiro, como uma unidade homogênea de caracteres, na
qual se fundia imagens idealizadas da condição de europeu, os pressupostos raciais de
superioridade, o estereótipo do bom trabalhador, religioso fervoroso, sério, briguento,
tímido, sovina e outros tantos que povoam nosso imaginário social. Para estes imigrantes,
distantes de suas terras natais, acuados diante do desafio de constituir uma nova vida em
terras estranhas, ancorar-se numa identidade grupal era uma importante estratégia de
sobrevivência e sucesso.
E a Naçao
72
ALENCASTRO, Luiz Filipe de. (org). História da vida privada no Brasil: Império: a corte e a
modernidade nacional. Vol 2. São Paulo: Companhia das Letra, 1997. p.303.
73
ALENCASTRO, Luiz Filipe de. (org). História da vida privada no Brasil: Império: a corte e a
modernidade nacional. Vol 2. São Paulo: Companhia das Letra, 1997. p.294.
74
ALENCASTRO, Luiz Filipe de. (org). História da vida privada no Brasil: Império: a corte e a
modernidade nacional. Vol 2. São Paulo: Companhia das Letra, 1997. p.312.
3.5 Última valsa
A guerra do Paraguai já desaparecia da memória da maioria, porém a disputa
interna de como as eleições deveriam ocorrer ainda fazia os seus respingos; em Belém e
Recife a ação judicial que o Imperador impetrou contra os Bispos Dom Vital Maria e Dom
Antônio Macedo, devido a expulsão dos maçons das irmandades religiosas, era ainda
assunto de muita conversa e muita discussão entre maçons e republicanos. Do púlpito
estes e outros religiosos acusavam a Monarquia e na platéia os republicanos aplaudiam
de pé. A proibição de discussão pública de assuntos militares e manifestações
exageradas pró-república pelos oficiais do Exército deu ainda mais sabor e munição para
as críticas que os militares, alçados à herói da Pátria, após a vitória de Humaitá, faziam à
Monarquia inspirados pelo positivismo de August Comte. E, principalmente, o fim da
escravidão fazia com que os últimos latifundiários monarquistas deixassem de apoiar o
Imperador, influenciado pela finanças alteradas que a partida de sua mão-de-obra deixou
e pela ameaça que a sucessão e o III Reinado fossem marcados por estas crises
Propaganda Imperial
O rei enfermo
76
SCHWARCZ, Liliam Moritz. As Barbas do Imperador: Dom Pedro II, um monarca nos trópicos. São
Paulo: Companhia das Letras. 1998. p. 445-446.
77
Condescendia /condescendência- ação de condescender; qualidade de quem é condescendente;
propensão para condescender; complacência; transigência; ceder; anuir voluntariamente; aceitar.
D. Pedro cansado, muito abatido com seus males físicos não provoca para si as
críticas feita à Monarquia, ao contrário, se ela ainda sobrevivia, em meio a toda a crise,
era graças ao respeito e consideração que a população em geral possui para com ele.
Seus íntimos percebiam que o Soberano não era aquele homem de sempre,
“inclinado ao trabalho, andarilho incansável, ocupando-se de tudo e de todo, dando o que
fazer aos ministros” e que já havia deixado de ler aos jornais. Numa outra nota à impressa
o neto de Pedro II afirmou que: “Infelizmente, nunca mais teremos aquele homem ativo de
há cinco anos”. Visconde de Taunay escreveu em seu diário em abril de 1889 que “O
Imperador está cada vez mais esquecido das coisas presentes e alheios aos assuntos
políticos”78, em maio percebeu que ao abrir a sessão legislativa, ele se apresentava fraco
e de pernas bambas.
Portanto, não tendo maiores esperanças em reverter o quadro nem de sua saúde
real ou simbólica, D. Pedro II se retirou com a família para o Palácio de Petrópolis e lá,
como um cidadão, um marido, pai e avô zeloso viveu distante das disputas da Corte,
vestido em seu jaquetão, tendo sempre um livro na mão, realizando pequenas
caminhadas pelo jardim e fazendo poses para fotografias familiares, como qualquer casal
burguês e seus herdeiros tinham o costume de fazer naquela época.
Como destaca Schwarcz: “(...) D. Pedro vivia alheio em seu mundo, distante das
tensões políticas da Corte. Mais uma vez, as imagens cumpririam uma função oficial:
retratar uma família unida e acima dos dissabores do mundo da política”79.
78
Todas citações e dados destas folhas IN: MORAES, Evaristo de. Da Monarquia para a República
(1810-1889), 2º edição. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985. p. 66-67.
79
SCHWARCZ, Liliam Moritz. As Barbas do Imperador: Dom Pedro II, um monarca nos trópicos. São
Paulo: Companhia das Letras. 1998. p. 450.
Preto, que logo a frente dos Ministérios propôs um amplo programa reformista, que
incluía:
Dois dias depois a Ilha Fiscal foi engalanada para homenagear oficiais da Marinha
chilena presentes na Corte. D. Pedro II e a família real desceram de Petrópolis para se
apresentar pela derradeira vez como majestades do Brasil. Pela manhã inauguraram, no
Caju, o Hospital São Sebastião, a tarde, ele, presidiu o Conselho de Ministros e, à noite,
se preparou adequadamente para se apresentar no baile.
O Baile da Ilha Fiscal
O Baile da Ilha Fiscal foi um grande evento, para o qual foi distribuído 3 mil convites,
sendo o palácio iluminado por milhares de velas, o que visava representar a imponência
da monarquia. O traje do Imperador naquela noite foi a invariável “casaca preta folgada” e
na lapela continha o seu “fiel carneirinho”, broche presente na maioria das fotos e
ilustrações, que representava a Ordem do Tosão de Ouro. A Imperatriz disfarçou o luto
que guardava ainda da filha com vestido de renda de Chantilly pretas, guarnecidas de
vidrilhos. O salão estava decorado com as bandeiras dos dois países.
80
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem. Teatro das Sombras. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ,
1996.
“Monarquia tropeça, mas não cai”, frase que ficou como emblema de um imperador que
pouco acreditava na crise que o rondava.
O Baile da Ilha Fiscal ficou parecendo uma grande confraternização dos herdeiros
do império, onde no mesmo salão estavam os liberais e conservadores, a corte e seus
barões, até mesmo o primeiro tenente da Marinha, José Augusto Vinhaes, que teve um
grande papel no golpe que destituiu a Monarquia dias depois, expressando assim uma
marca política inconfundível do Brasil, qual seja, todos são amigos no poder.
O povo, como sempre, ficou fora do baile, envoltos com seus fandangos e lundus,
coroando seus reis81.
O golpe e a posse
Deodoro, no dia 15, apenas com um regimento, entrou no Paço e depôs o Gabinete
liberal de Ouro Preto. Retornou pelas principais ruas da cidade, acompanhado por um
séqüito que se formou de militares e populares atraídos pelo movimento, que pela
passagem da cavalaria e dos adeptos deduziram os fatos.
81
SCHWARCZ, Liliam Moritz. As Barbas do Imperador: Dom Pedro II, um monarca nos trópicos. São
Paulo: Companhia das Letras. 1998. p. 455.
A falta de um ritual e de maior performance descontentou alguns colegas, que, de
pronto, organizaram manifestações e um ato público na Câmara Municipal do Rio de
Janeiro para proclamar o fim da monarquia e o advento da República. Esse grupo
composto por Aníbal Falcão, José do Patrocínio e Pardal Mallet convidaram o povo a
comparecer na Câmara Municipal, onde seria proclamada a República, hasteando uma
bandeira simbólica. Arranjada a bandeira, a comissão partiu da Rua do Ouvidor rumo à
Câmara Municipal, no Campo de Aclamação. Ali, de fato, foi proclamada a República e
hasteada a bandeira, mais tarde formou-se um enorme cortejo com muitas pessoas, que
percorreram a cidade e cantavam a Marselhesa. Às 7 horas estavam os manifestantes
em frente à casa do marechal Deodoro, onde era aclamado, assim como aos outros
chefes militares do movimento. Em frente ao povo eles declararam que estava organizado
o Governo Provisório, o qual convocaria uma Constituinte, para que assim “a Nação fosse
definitivamente liberada do governo monárquico”. Os tais atos instituidores do Governo
Provisório só foram lavrados, tarde da noite e após a adesão da Marinha de Guerra,
Deodoro supôs que tudo estava resolvido e voltou para sua casa.
- Concidadãos!
O Povo, o Exercito e a Armada Nacional, em prefeita comunhão de sentimentos
com os nossos concidadãos residentes nas províncias, acabam de decretar a
deposição da dinastia imperial e conseqüentemente à extinção do sistema
monárquico representativo. Como resultado imediato desta revolução nacional, de
caráter essencialmente patriótico, acaba de ser instituído um Governo Provisório,
cuja principal missão e garantir a ordem pública, a liberdade e os direitos dos
cidadãos. Para comporem esse governo, enquanto a Nação soberana, pelos seus
órgãos competentes, não proceder à escolha do governo definitivo, foram
nomeados pelo Chefe do Poder Executivo da Nação os cidadãos abaixo assinados.
Concidadãos! – O Governo Provisório, simples agente temporário da soberania
nacional e o governo da paz, da liberdade, da fraternidade e da ordem. No uso das
atribuições e faculdades extraordinárias de que se acha investido para a defesa da
integridade da Pátria e da ordem pública o Governo Provisório, por todos os meios
ao seu alcance, promete e garante a todos os habitantes do Brasil, nacionais e
estrangeiros, a segurança da vida e da propriedade, o respeito aos direitos
individuais e políticos, salvas, quando a estes, as limitações exigidas pelo bem da
Pátria e pela legítima defesa do governo proclamado pelo Povo, pelo Exercito e pela
82
Armada Nacional .
82
Apud MORAES, Evaristo de. Da Monarquia para a República (1810-1889), 2º edição. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1985. p. 86-87.
Ninguém entendia bem essa improvisação de golpe.
A monarquia acabou
O Conde d’Eu, presente na Corte, foi informado por terceiros dos acontecimentos
e, mesmo deduzindo que a Monarquia não podia sobreviver nessa agitação, entendeu os
primeiros passos apenas como a imposição do exército para a troca de ministério. Relata
Alencar que após ser informado da ação do exército junto ao Ministério da Guerra, o
Príncipe Consorte disse, conformado e astuto, que “Nesse caso, a monarquia acabou” 83.
83
ALENCAR, Francisco; RAMALHO, Lucia Carpi; RIBEIRO, Marcus Venicio Toledo. História da sociedade
brasileira. 15. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1996, p. 173.
filha e o genro, a confusão permanecia e todos não entendiam que golpe era aquele em
que os próprios líderes desconfiavam do que haviam feito. Relatos da época afirmam que
o Imperador ao chegar no Paço havia dito: “Isso é fogo de palha, conheço os meus
patrícios” e assim negou a ajuda do Almirante Bannen, que havia disponibilizado o navio
Cochrane da Marinha Chilena.
A constituição do governo provisório foi outra novela, pois tudo foi feito de uma hora
para outra. Contudo, quando o Imperador quis negociar com Deodoro e deu a ele tempo
de se organizar melhor, então, nada mais restou a fazer do que partir. A queda de uma
coroa estava decretada e a diplomação de um presidente da República agendada.
Seguiu com ele para a Europa alguns nobre mais chegados, como André Rebouças,
o Barão de Loreto e esposa, o Barão de Mutitiba e esposa, os Condes de Aljezur e Mota
Maia, a Viscondessa de Fonseca Costa e o Sr. M. Stoll, professor dos filhos do Conde
d’Eu, além da esposa, filha, netos e genro.
Do Brasil o Imperador quis apenas levar “a mais saudosa lembrança”84 , pois nem
mesmo a pensão de 5 mil contos ele aceitou.
84
Apud MORAES, Evaristo de. Da Monarquia para a República (1810-1889), 2º edição. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1985. p. 95.
85
Antropofágico- relativo à antropofagia, que é condição, estado ou ato de antropófago; canibalismo. Var:
androfagia.
86
BENJAMIN, Walter. Sociologia. São Paulo: Atica, 1991.