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volume 1 - teoria

Antonio Pedro Jota


Pedro Ivo de Assis Bastos

r:fJ CURSOS PRÁTICOS


� NOVA CULTUML I VESTIBULAR I
História Geral

SUMÁRIO

AS PRIMEIRAS CIVILIZAÇÕES .................. 3 O Renascimento fora da Itália . ....... .............. 69


Egito .............................................................. 4 REFORMA RELIGIOSA .......... .............. ....... 71
Mesopotâmia................................................. 6 Por que a Reforma começou
Hebreus......................................................... 8 na Alemanha? . ........................................ ... 71
Fenícios/ Medos e persas ... ............... ........... 1 O Calvinismo e anglicanismo . ............ ..... ...... ... 73
Ideologia e cultura das primeiras Contra-Reforma: a igreja Católica reage ...... 74
civilizações................................................. 1O ABSOLUTISMO E MERCANTILISMO ......... 76
GRÉCIA ANTIGA.......................................... 14 A monarquia absolutista na França ... .... ....... 76
Formação do povo grego . ............................. 14 A monarquia absolutista na Inglaterra . ......... 78
A Grécia nos tempos de Homero . .. .... ....... .... 15 REVOLUÇÕES INGLESAS
Evolução das cidades-estados . .. .................. 16 DO SÉCULO XVII...................................... 81
A oligarquia militar de Esparta ....... ............... 18 Guerra civil: o rei contra o Parlamento.......... 82
A democracia ateniense . . ... .... .... .... ... ........... 19 A arte barroca e o declínio do absolutismo... 83
Domínio macedônio ...................................... 23 REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
A civilização helenística................................ 25 E REVOLUÇÃO AMERICANA ........ .......... 85
ROMA ANTIGA . .... ....... ....... .......................... 27 A Inglaterra e a Revolução Industrial............ 85
O período da monarquia/ A República O Iluminismo: uma revolução intelectual ... ... 86
romana....................................................... 28 A Independência dos Estados Unidos .......... 90
O imperialismo romano ... .... .......................... 30 A GRANDE REVOLUÇÃO FRANCESA ...... 91
A crise da República . ................................... 33
. A Constituinte e o início da revolução........... 93
A HERANÇA DAS CULTURAS A proclamação da República . ............. ....... ... 94
CLÁSSICAS .. ........... ........... ....... ........... .... 38 O governo Termidoriano e o Diretório . .......... 95
A herança grega............................................ 38 O golpe do 18 Brumário . ... .................. .......... 96
O helenismo/ A herança romana................... 40 NAPOLEÃO, A EUROPA E A
A ALTA IDADE MÉDIA.................................. 42 AMÉRICA LATINA..................................... 97
Invasões bárbaras......................................... 42 A época napoleônica .... ............ .......... .......... 97
Os povos germânicos . .................................. 44 A Europa conservadora
Os francos e o império carolíngio .. .............. 45
. e o Congresso de Viena . ........................... 101
O Império Bizantino . ..................................... 45 A independência das colônias
Difusão do islamismo . ...... ............................. 4 7 ibéricas na América.................................... 101
NASCIMENTO DA ECONOMIA AS REVOLUÇÕES EUROPÉIAS:
DE MERCADO .................... .... .................. 49 1830 À 1848 ... ...................... ..................... 105
Crise e decadência do feudalismo................ 51 Contestação do absolutismo na Europa . ...... 106
A Guerra dos Cem Anos .. ....... .... .................. 53 A revolução de 1848 na Europa ....... ............ 107
FORMAÇÃO DAS MONARQUIAS 1848: Revolução em outros países
NACIONAIS . ...... ........ .......... ..... ... .............. 55 da Europa ......................................... ......... 110
Portugal e Espanha: os pioneiros .. ............... 55 LIBERALISMO ECONÔMICO
França: um exemplo clássico........................ 56 E SOCIALISMO ................ ....... ............. ... .. 112
A consolidação da monarquia A Revolução Industrial .. .... ....... ..................... 114
nacional inglesa . ........................................ 57 O Socialismo e a organização
COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA .................... 60 do movimento operário . . ......... ................... 116
Portugal, o pioneiro . ...................................... 60 UNIFICAÇÕES NACIONAIS
A Espanha, segunda grande potência E A COMUNA DE PARIS .......................... 118
marítima ..................................................... 61 A unificação da Itália . . ... ...................... .......... 118
A colonização inglesa . .................................. 63 A unificação da Alemanha ........ .................... 120
RENASCIMENTO CULTURAL ................. .. . 66 . Comuna de Paris: Primeira tentativa
O Renascimento na Itália.............................. 66 de um governo popular ............ .......... . ..... .. 122
OS ESTADOS UNIDOS APÓS FASCISMO E NAZISMO . ..................... .. ...... 160
A INDEPENDÊNCIA ................................. 124 A ascensão do fascismo na Itália ... .. .... ....... . 160
A Guerra de Secessão.................................. 126 A ascensão do nazismo na Alemanha. . ........ 163
No pós-guerra a emergência A li GUERRA MUNDIAL.................. ..... ........ 167
de um novo país . .......................... ............. 127 A gestação da 11 Guerra Mundial ...... ...... ...... 167
NEOCOLONIALISMO E IMPERIALISMO .... 130 A primeira fase da guerra: 1939 à 1942 ........ 168
O colonialismo europeu na Ásia . .. . .. ...... ..... .
. 131 1942 à 1944 a grande virada ...... .. ... ... ........
- 172
Japão: uma nova potência imperialista......... 132 A derrota da Alemanha e do Japão............... 173
A partilha da África........................................ 134 A SITUAÇÃO DO MUNDO DEPOIS
Modernização da Rússia . ....................... ...... 135 DA GUERRA . . ........... ... ............ . . ... .. ....
. . . . . . 175
Expansionismo norte-americano................... 136 A Europa socialista ...................... ...... ...... .
.. . . 178
PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL .......... ... ...... 138 A organização das Nações Unidas .......... ..... 180
A guerra: pretextos, motivos e intenções .. .... 140 As alianças militares .............. ...... ................
. 181
O fim da guerra: derrota da Alemanha .. .. ...... 142 O pacto de Varsóvia . ................................ ..... 182
Tratado de Versalhes ........... ......................... 142 A diminuição das tensões . ..... ....................... 183
REVOLUÇÃO DA RÚSSIA ............. .... ........ . . 145 DA POLARIZAÇÃO À INTEGRAÇÃO,
A situação da Rússia antes O MUNDO ATUAL .................................... . 184
da revolução .. ...................................... ...... 145 A situação política norte-americana.. ............ 184
A revolução que abalou o mundo ................. 147 A União Soviética . .......... .. ............... .... . .......
. . 186
Guerra civil: a reação Os países capitalistas: crise e expansão...... 187
contra-revolucionária . ...... ......... ................. 148 O fim da Europa socialista: novo mapa
A reconstrução . ............... .. ........ .................... 149 europeu ................ ...................................... 191
O PERÍODO ENTRE GUERRAS ................. 151 A luta pela independência das colônias........ 193
Os EUA depois da I Guerra Mundial............. 151 O Oriente Médio e o conflito
A crise e a Europa . .... .............. ..................... 153 árabe-israelense ..... ................. .................
. 195
O Japão após a I Guerra............................... 157 Revolução Chinesa: um novo país
A cultura no entre guerras............................. 157 socialista ...... .... .........................................
. 197
A América Latina no período A América Latina depois da guerra............... 198
entre guerras. .... .. ....................................... 158 Tendências atuais .... ..................................... 198
,

HISTORIA GERAL
Antônio Pedro Tota, Pedro Ivo de Assis Bastos

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?oucos registros restaram sobre a vida pessoal de Gaio, um jurisconsulto romano que viveu entre os anos
'130 e 180 d.C. da era cristã. Em compensação, ele nos legou importantes textos de sua autoria. Muitos
anos após sua morte, foi designado como um dos cinco juristas mais importantes do Império e suas opi­
niões deveriam ser seguidas para decidir as questões judiciais. Gaio viveu na época dos Antoninos, um
período de prosperidade e equilíbrio do Império Romano que ficou conhecido como "paz romana".
Vamos ler agora um trecho escrito por Gaio:
"Os escravos devem ser submetidos ao poder de seus amos. Esta espécie de domínio já é consagrada no direi­
to dos povos; pois podemos observar que, de um modo geral, em todos os povos, o amo tem sobre os escravos
poder de vida e morte, e tudo aquilo que se adquire por intermédio do escravo pertence ao amo. Mas, hoje
em dia, não é permitido nem aos cidadãos romanos, nem a nenhum dos que se acham sob o império do povo
romano, castigar excessivamente e sem motivos os escravos. Pois, em virtude de uma constituição do imperador
Antonino, aquele que matar sem motivo seu próprio escravo é passível de sanção, da mesma forma que aquele
que mata o escravo de outrem. ( ... )Não devemos fazer mau uso de nossos direitos; é em virtude do mesmo prin­
cípio, que se proibiu ao dissipador a administração dos próprios bens."

Para o historiador, o texto acima é um documento muito útil para interpretar e compreender os fatos
históricos. Mas os documentos não se resumem a textos escritos, são qualquer material que nos revele
algo sobre o passado do homem. Cabe ao historiador analisá-los, interpretá-los, para reconstituir as ins­
tituições jurídicas, sociais e econômicas, a vida cultural e social de cada povo ao longo das diversas épo­
cas. As interpretações dos historiadores podem variar, porque eles também vivem numa determinada
sociedade, possuem uma determinada posição social que influi sobre o seu modo de enxergar a vida.
O documento que acabamos de ler trata das relações entre senhores e escravos na Roma Antiga e justi­
fica a submissão dos escravos ao poder de seus amos, argumentando que a dominação é consagrada no
direito dos povos. Mas ele mesmo recomenda que ela não seja absoluta, pois os cidadãos romanos de
sua época, do Império Antonino, não deveriam castigar um escravo excessivamente e sem motivo.
O documento nos revela de maneira clara a situação do escravo na Roma Antiga: ele não possuía nada,
era apenas uma propriedade e um instrumento do senhor. Essa é a base da relação senhor-escravo, no
modo de produção escravista.
Você já sabe que existiram outras formas de os indivíduos se relacionarem entre si no processo de
produção, outras maneiras de justificarem as relações de dominação e outras formas de organizarem o
poder.
Essa mudança contínua, esse movimento perpétuo de transformação e os reajustes necessários às sem­
pre renovadas condições de existência tanto material como social, religiosa ou artística constituem o ob­
jeto de estudo da História. Esse conhecimento, por sua vez, nos permite compreender o nosso momento
histórico e nos ajuda a tomar uma posição diante dos fatos da vida.

Os primórdios
O processo histórico é tradicionalmente dividido em Pré-História e História, sendo o marco divisor
a invenção da escrita. O início do primeiro período é datado de acordo com os primeiros instrumentos
fabricados pelo homem, há cerca de 2 milhões de anos. E seu término corresponde ao surgimento
das primeiras civilizações no Egito e na Mesopotâmia.
A Pré-História é subdividida em Paleolítico ou Antiga Idade da Pedra e o Neolítico ou Nova Idade
da Pedra. Essa designação decorre do material usado na fabricação dos artefatos. No Paleolítico, as facas,
pontas de lanças e machados eram fabricados com lascas de grandes pedras. No Neolítico, os artefatos
eram obtidos com o desgaste e polimento das pedras.
Mas o que diferencia realmente um período do outro foi o início do cultivo de plantas e a domesticação
de animais. Durante o Paleolítico os homens eram nômades e coletores de alimentos. No Neolítico -

tornaram-se agricultores e sedentários, o que permitiu o início de uma organização social e política. Em 1
decorrência dessa profunda transformação, considera-se que nesse período houve uma verdadeira revo­
lução na história dos homens: a Revolução Agrícola.
No quadro abaixo estão detalhados os principais momentos e características desse processo:

Paleolítico Inferior

início: cerca de 2 milhões a.C. • objetos encontrados na natureza - ossos de animais, galhos de árvore e
primeiros hominídeos: pedaços de pedra - servem como instrumento.
Homo habilis
Homem de Java
Homem de Pequim

Homem de Neanderthal • sepultamento dos mortos com seus objetos pessoais;


Surgimento do H,omo sapiens • fabricação de instrumentos (pontas de lanças, raspadeiras, facas) com pedras
lascadas;
• uso do fogo;
• início da vida grupal.

PaleoHtico Superior

início: cerca de 30000 a.C. • instrumentos e artefatos (anzóis, arpões, agulhas, arco e flechas) fabrica-
término: por volta do ano 10000 a.C. (fim dos também com chifres de rena e com marflm, além da pedra lascada;
da última glaciação) • cozimento dos alimentos;

• início da vida grupal e da divisão de trabalho (caçadores, artistas e artesãos);

Homem de Cro-Magnon • semi-nômades, abrigavam-se em cavernas durante as épocas mais frias;

• pintura nas paredes das cavernas, representando a captura de animais de

caça (pintura rupestre);


• estátuas rudimentares de barro representando bisões e mamutes;

• uso de adornos e pinturas corporais.

Neolítico

início: em torno de 7000 a 10000 a.C. • fabricação de armas e instrumentos com pedras polidas;
término: surgimento das primeiras civili­ • desenvolvimento da tecelagem, fabricação de utensílios de cerâmica, pro-
za çõe s
gráficas. (Cerca de 3500 a.C . no Egito dução do fogo por atrito, uso de metais encontrados na natureza;
e na Mesopotâmia e cerca de 2000 a.C. na • desenvolvimento da agricultura e domesticação dos animais;

Eur opa). Até hoje existem povos que conti­ • com a sedentarização, inicia-se a organização social; desenvolvimento das

quam nesse; e st ági o nas ilhas do Pacífico, no instituições familiares, religiosas e políticas.
Artico, na Mrica, na América e na Austrália.

-
2
AS PRIMEIRAS lei##

ClVILIZAÇOES

As sociedades humanas podem ser estudadas a partir de seus restos materiais ou


de seus escritos.
Quando uma sociedade inventa ou adota um sistema de escrita para registrar os
acontecimentos, diz-se que ela tem uma história, pois as gerações futuras podem
estudar os fatos passados por meio de documentos escritos.
Dessa maneira é possível afrrmarque as sociedades sem escritaencontrsm-se numa
determinada fase da pré-história e as sociedades com escrita numa determinada fase
da História.
Como as sociedades que apresentam um sistema de escrita são civilizações, a His­
tória começa com o aparecimento das primeiras civilizações.
Quando surgiu a escrita, já havia a propriedade da terra, a metalurgia, o Estado,
e a sociedade estava dividida em classes. Portanto, a história das civilizações está mar­
cada por todos esses acontecimentos. É importante destacar que o aparecimento da
escrita foi resultado da formação do Estado. À medida que se estabeleciam as fun­
ções de reis e imperadores criava-se também um corpo de funcionários públicos (uma
burocracia de Estado) encarregados de anotar os gastos e cobrar impostos. Esses tra­
balhos exigiam o uso da escrita.
A época em que teve início a História, com o surgimento das primeiras civiliza­
A escrita nasceu na Mesopotâmia, en­
ções, é conhecida como Idade Antiga. A Idade Antiga inicia-se no ano 4000 a.C., tre os sumérios, criadores da escrita
aproximadamente, e termina em 476 d.C., com a queda do império romano. cuneiforme cujos vestígios foram localiza­
A maioria dos Estados de que se tem notícia formou-se na região conhecida como dos em pedaços de argil!i.
Oriente Próximo. Correspondem às civilizações que surgiram e se desenvolveram
O desenvolvimento da
por meio da agricultura praticada nas terras cultiváveis às margens de grandes rios
escrita. A escrita foi ( ... )
como o Nilo, o Tigre, o Eufrates e o Indo. inventada pelos primitivos
Essas civilizações controlavam a água dos rios, construindo açudes e canais de ir­ sumérios. Contudo, ( ... ) foram
rigação. Devido ao seu grande porte,asobras de controle das águas eram empreendidas necessários centenas de anos para
que a inovação tivesse um
pelo Estado, que passou a ser o grande proprietário de terras, além de dirigir todos
impacto profundo sobre a
os aspectos da sociedade. civilização.
A grande maioria da população compunha-se de camponeses, que pagavam ao Es­ A primeira fase (c. 3500 a . C . )
tado impostos em forma de produtos e de prisioneiros de guerra transformados em n a palavra escrita era um
escravos. desenho estilizado de um objeto,
hoje conhecido como pictograma.
Os pictogramas tinham duas
O modo de produção asiático grandes desvantagens: a
execução morosa e a limitação no
O chamado modo de produção asiátic� caracteriza os primeiros Estados surgidos que podiam representar. A fim de
no Oriente Próximo, India, China e Africa. adicionar verbos ao repertório da �
comunicação escrita, foram •O
A agricultura, base econômica desses Estados, era praticada por comunidades de
camponeses presos à terra, que não podiam abandonar seu local de trabalho e vi­
criados símbolos indicativos de �-
ação (por exemplo, um homem N
viam submetidos a um regime de servidão coletiva. ::i
reclinado para o conceito de
>
Todas as terras pertenciam ao Estado, representado pelas figuras do imperador, "dormir" ). A esses caracteres u
(inventados c. 3200 a . C . ) foi dado cn
rei ou faraó, que se apropriavam do excedente agrícola (produção que supera o con­
o nome de ideogramas.
sumo imediato), distribuindo-o entre a nobreza, formada por sacerdotes e guerreiros.
(Michael Cheilik- História Antiga)

üJ
Esse Estado todo-poderoso, onde os reis ou imperadores eram considerados ver­ :E
dadeiros deuses, intervinha diretamente no controle da produção. Nos períodos en­ ã:
a..
tre as safras, era comum o deslocamento de grandes levas de trabalhadores (servos (f)
<(
e escravos) para a construção de imensas obras públicas, principalmente canais de
-
irrigação e monumentos.
Esse tipo de poder, também denominado despotismo oriental, marcado pela for- 3
mação de grandes comunidades agrícolas e pela apropriação dos excedentes de pro­
dução, caracteriza a passagem das sociedades sem classe das primitivas comunidades
da pré-história para as sociedades de classe. Nestas, predominam a servidão coletiva
e o trabalho escravo, já existindo a exploração do trabalho e a divisão entre explora­
dos e exploradores, embora a propriedade privada ainàa fosse pouco difundida.
Guardadas as particularidades históricas, pode-se afirmar que os primeiros Esta­
dos surgidos no Oriente Próximo (egípcios, babilônios, assírios, fenícios, hebreus,
persas) desenvolveram esse tipo de sociedade.

Egito
O moderno Egito situa-se na mesma região em que se desenvolveu, na Antigüida­
de, a riquíssima civilização egípcia. Trata-se do nordeste da África, uma zona carac­
terizada pela existência de desertos e por uma vasta planície banhada pelo rio Nilo.
O desenvolvimento do Egito tornou-se possível graças à presença do rio Nilo, que
corta o país em toda a sua extensão. Assim, é natural que a população tenha se con­
centrado na região fértil situada às margens do grande rio. A fertilidade do solo é
devida à invasão das margens, na época das cheias, quando as águas deixam nas ter­
A agricultura egípcia vista por um visi­ ras um húmus fertilizante que resulta do apodrecimento dos restos vegetais deposi­
tante grego: tados no solo inundado.
Foi nessas terras fertilizadas que os an­
tigos egípcios desenvolveram a agricultu­
ra. Além de plantarem o trigo, cultivaram
Os habitantes do Delta são certamente aqueles que, de todos os homens vi-
0 papiro, uma palmeira usada na constru-
vendo noutros países ou no resto do Egipto, recolhem os frutos da terra com me-
nor fadiga; não penam abrindo regos com a charrua, nem se servem da enxada: ção de barcos e na fabricação do papel.
quando o rio regou, ele próprio, os seus campos e em seguida se retirou, cada A população do antigo Egito não teve
um deles semeia e larga no campo os porcos; quando estes, pisando, enterraram uma única origem. Houve uma mistura de
as sementes , só lhes resta esperar o tempo da ceifa.
povos diferentes. Os primeiros habitantes
(Heródoto, "Histórias';séc. V a.C., apud: Gustavo de Freitas"- 900 textos e documen-
tos) foram os hamíticos, aos quais se juntaram
'-------' mais tarde outros povos de origem semíti­

ca e núbia.
Até 4000 a.C., havia no Egito apenas aldeias, nas quais persistia o modo de vida
das comunidades primitivas. A partir dessa época, as aldeias próximas entre si, cu­
jos habitantes tinham relações de parentesco e se ajudavam reciprocamente, passa­
ram a se reunir, formando nomos.
Os nomos constituíam uma reunião de aldeias politicamente independentes. Cada
uma tinha seu próprio governo, exercido pela autoridade máxima local, o nomarca.
Embora os nomos fossem politicamente independentes, costumavam cooperar en­
tre si, principalmente para a construção de represas ou para a abertura de novos ca­
nais de irrigação. Com a unificação dos nomos, formaram-se dois reinos distintos:
o reino do sul (Alto Egito), que apresentava como símbolo uma coroa branca e cuja
capital era a cidade de Hieracômpolis; e o reino do norte (Baixo Egito), localizado
na região do delta do Nilo, com a capital na cidade de Buto e apresentando como
símbolo uma coroa vermelha.
Por volta de 3200 a.C., o rei Menés, do Alto Egito, conseguiu conquistar a região
norte, passando a usar as duas coroas como símbolo da unificação dos dois reinos.
A partir dessa data, o Egito transformou-se num império e passou a ter um gover­
no fortemente centralizado, isto é, um governo em que todos os poderes locais se
submetiam ao poder central absoluto, exercido pelo imperador.
(f)
w
•O
U· Ós faraós e a concentração do poder
<(
N
::::i
> Quando o imperador transformou-se em faraó, isto é, no momento em que pas­
G
(f) sou a ser adorado como um deus, ganhou direitos sobre todas as terras do Egito.
� Obedecendo ao faraó como ao deus dono de todas as terras, os camponeses traba­
üJ lhavam coletivamente como servos. Da produção agrícola tiravam para si apenas
::2:
a: o necessário para a sobrevivência; o restante era destinado ao faraó, como imposto
a..
(f) coletivo, e estocado nos armazéns do Estado. Além desse imposto coletivo, deviam
<( serviços ao faraó, trabalhando na abertura de canais de irrigação, na construção de
- represas, templos, palácios e pirâmides, recebendo como pagamento apenas o ali­
4 mento diário.
Com a unificação do Egito, a situação dos nomos e dos nomarcas se modificou.
Estes últimos passaram a ser escolhidos pelo faraó, entre os descendentes das famí­
lias mais importantes. E administravam os nomos como representantes do faraó. A
principal tarefa dos nomarcas era cobrar da população camponesa o imposto
coletivo (excedente agrícola).
Com esse tipo de administração, o faraó conseguiu acumular uma riqueza extraor­
dinária. Em troca, beneficiava os nomarcas, concedendo-lhes o direito de cobrar im­
postos especiais das aldeias.
Assim, a riqueza do Egito foi-se concentrando nas mãos do faraó e de seus funcio­
nários, enquanto a grande população, composta por camponeses que produziam a
riqueza do Estado, vivia na mais completa miséria.
Com o tempo, para manter a concentração da riqueza, o cargo de nomarca tornou­
se hereditário, passando de pai para filho.
Como o poder do faraó era atribuído à sua identificação como deus, o Egito era
o que se costumava chamar de Estado teocrático. Numa sociedade assim governa­
da, os sacerdotes compunham a camada social mais elevada, e sua função revestia-se
Os escribas formavam uma burocracia
de grande importância.
que ficava logo abaixo da nobreza, cama­
Os egípcios acreditavam que as práticas religiosas garantiam a fertilidade das ter­ da mais alta da sociedade egípcia.
ras, e cabia aos sacerdotes orientar o cultivo dos cereais em todo o território. Conse­ Os escribas estudavam doze anos,
qüentemente, estes gozavam de imenso prestígio social e recebiam favores especiais aprendendo Matemática, Geografia e Ad­
ministração.
do faraó; seu cargo também era hereditário.Possuíam extensas propriedades e não
O relato anônimo de um escriba des­
eram obrigados a pagar impostos.
taca as duas condições de trabalho dos
Para fiscalizar o cumprimento das decisões, existia uma classe de funcionários pú­ egípcios e a extorsiva cobrança de im­
blicos, os escribas, indivíduos muito cultos que supervisionavam toda a administra­ postos.
ção pública, responsabilizando-se pelas
leis e pela cobrança de impostos.
Até mesmo o artesanato era controlado Já pensaste na vida do camponês que cultiva a terra? O cobrador de impostos
fica no cais ocupado em receber os dízimos das colheitas. Está acompanhado
pelo faraó, que fornecia alimentos e mate­ de agentes armados de bastões e negros munidos de pedaços de pau. Todos gri­
riais para os artesãos. tam: Vamos, os grãos! Se o camponês não os possui , eles o atiram ao solo. Amar­
O comércio interno consistia na troca de rado, arrastado para o canal é j ogado de cabeça.
um produto por outro, apenas para satis­ O entalhador de pedra permanece agachado desde o nascer do sol, seus joe­
lhos e sua espinha dorsal estão alquebrados. O pedreiro fica sobre as vigas dos
fazer as necessidades imediatas da popu­
andaimes, exposto a todos os ventos, pendurado nos capitéis das colunas; seus
lação. Como objeto de troca utilizavam-se braços se gastam nos trabalhos, suas roupas ficam em desordem, ele só se lava
ferramentas de trabalho, roupas e utensí­ uma vez por dia.
lios domésticos, geralmente de fabricação Mas talvez o mister de oficial seja mais tentador? Conto-te a respeito do ofi­
cial de infantaria. Ainda pequeno, é levado e encerrado na caserna. Agora, queres
casetra.
que te conte suas expedições em países longínquos? Carrega seus víveres e água
Uma outra parte da população era cons­ nas costas como um burro de carga; sua s costas estão feridas. Bebe água podre.
tituída de guerreiros profissionais a servi­ Deve montar guarda sem cessar. Chega diante do inimigo? Não passa de um pás­
ço do faraó. Esse exército, além de vigiar saro trêmulo. Regressa ao Egito? Não é mais que um velho pedaço de madeira
o trabalho servil dos camponeses, atacava roído de vermes.
Só vi violência por toda parte! Por isso, consagra teu coração às letras. Con­
regiões vizinhas para conseguir metais e es­
templa os trabalhos manuais e, em verdade, nada existe acima das letras. Ama
cravizar os vencidos. A força do trabalho a literatura, tua mãe. Faze entrar suas belezas em tua cabeça. Ela é mais impor­
escravo era utilizada tanto nas obras públi­ tante do que todos os ofícios. Aquele que, desde a infância, se dispõe a tirar
cas quanto no serviço doméstico. proveito dela, será venerado.

(Relato de um escriba egípcio, in Malet/Isaac, História universal)

Fases do império egípcio


A história desse império divide-se em três fases.A primeira corresponde ao Antigo
Império (3200 a 2200 a.C.), quando surge a primeira das cinco dinastias dominan­
tes. No Antigo Império, a capital é transferida de Tlnis para Mênfis, no delta do (J)
LU
Nilo. Entre 2700 e 2600 a.C., foram construídas as famosas pirâmides de Gizé, atri­ •O

buídas aos faraós Quéops, Quéfrem e Miquerinos, da III dinastia. No final desse <(
N
período, a autoridade do faraó é enfraquecida pela ascensão dos nomarcas, apoiados ::J
>
pela nobreza, que conduzem o país a uma grave crise. u
A segunda fase corresponde ao Médio Império (2000 a 1750 a.C.). Com a capital (J)
<(
em Tebas, no Alto Egito, os faraós conseguem novamente restabelecer seu poder, a:
w
enfrentando com sucesso a anarquia militar. A descoberta de metais no deserto da :::;?;
Núbia e na Palestina fortalece a economia do Estado, possibilitando uma maior pro­ a:
a..
dução de armamentos. Entre 1800 e 1700 a.C., o Egito sofre inúmeras invasões, prin­ (J)
<(
cipalmente dos hicsos, povo de origem asiática que invade a região do delta cobrando
-
pesados impostos à população local. A dominação dos hicsos permaneceu durante
mais de um século (1750 a 1580 a.C.). 5
A terceira fase corresponde ao Novo Império (1580 a 1085 a.C.), iniciado com
r--����-�-�-,---�-��(:j-1�fJ!!J�----.;��rr-"-' a expulsão dos hicsos. o faraó reconquista
o poder que havia perdido para os nomar­
cas e, com os conhecimentos militares ad­
quiridos dos hicsos- utilização da cavala-
MAR MEDITERRÂNEO ria e de carros de combate -, os egípcios
desenvolvem uma classe de guerreiros. O
faraó, agora fortalecido, saqueia os povos
vizinhos (assírios e hititas), que, depois de
dominados, pagam pesados impostos ao
império egípcio.
Foi com a guerra que o Egito expandiu
seu domínio territorial. Porém, depois de
um longo período de grandeza, entrou em
decadência, atingido pelas invasões dos
chamados povos do mar, vindos das ilhas
do Mediterrâneo, ao norte, e de tribos da
Líbia, a oeste.
Em 525 a.C., o faraó Psamético III foi
derrotado por Cambises, rei dos persas, na
Batalha de Pelusa. Com isso, o Egito per­
deu sua independência. Nos séculos se­
guintes, os povos egípcios seriam domina­
dos pelos gregos, para, finalmente, em 30
M Êxodo dos hebreus
a.C., caírem sob o domínio do império
romano.
Por volta do ano 3200 a.C., os dois
reinos egípcios, o Alto e o Baixo Mesopotâmia
Egito, são unificados em um único
império, em torno de um Mesopotâmia significa ''entre rios''. Foi assim que os gregos chamaram a faixa
soberano - o faraó.
de terra localizada entre os rios Tigre e Eufrates. Para essa região convergiram vários
Esse império se divide em três
períodos: o Antigo, o Médio e o povos e nela se desenvolveram as civilizações dos sumérios, acádios, babilônios e as­
Novo Império. O Antigo Império foi sírios.
um período de grande Essa convergência étnica foi decorrência da situação geográfica, pois a região é
desenvolvimento da civilização
cercada de desertos montanhosos, onde são difíceis as condições de sobrevivência;
egípcia. No Médio Império ocorreu a
isso obrigou os povos vizinhos a migrarem para a Mesopotâmia. Limitava-se ao norte
invasão dos hicsos, povo nômade da
Ásia Menor, que conquistou e com as montanhas da Armênia do Sul, ao sul com os desertos da Arábia, a leste
dominou o delta do Nilo. Durante com o planalto persa e a oeste com os desertos da Síria. Constituía duas regiões dis­
esse período os hebreus migram da tintas: a Caldéia e a Assíria.
Palestina para o Egito. O domínio dos
A Assíria, localizada ao norte e cujo nome deriva do planalto de Asaur, era uma
hicsos durou cento e cinqüenta anos.
Após sua expulsão os faraós retomam região quente e seca, com vegetação escassa. Na Caldéia, ao sul, à medida que o
o poder marcando o início do Novo território se aproxima do mar, os pântanos e as terras alagadas pelos rios Tigre e
Império. Em 1250 a.C. os hebreus Eufrates oferecem melhores condições para a agricultura.
retornam à Palestina (Êxodo). Esse
Como aconteceu no Egito, também na Mesopotâmia a presença dos rios (Tigre
período caracteriza-se pela conquista
e Eufrates) foi essencial para que se desenvolvessem civilizações cuja base econômi­
dos povos vizinhos e pela expansão
econômica e territorial do Egito. Após ca era a agricultura. Nessa região predominou uma relação de trabalho em que os
a morte de Ramsés 11, 1224 a.C., o camponeses estavam presos à terra, e o Estado era o grande proprietário. Ou seja,
Império começa a se debilitar e a o sistema de servidão coletiva.
perder suas colônias. Ê dominado
O imperador, no entanto, era considerado um representante de Deus e não o pró­
pelos persas, pelos gregos e
finalmente, no ano 30 a.C., pelos prio Deus como acontecia no Egito.
romanos.
C/)
UJ
•O
Sumários e acádios
U· A primeira civilização mesopotâmica foi a sumeriana, desenvolvida no quarto mi­
<t:
rN lênio antes de Cristo. Originários da Ásia Central, os sumérios fixaram-se na Baixa
::J
> Mesopotâmia, localizada ao sul, próximo ao golfo Pérsico.
u Esses habitantes meridionais da Mesopotâmia estabeleceram-se a princípio em al­
C/)
<t: deias, dedicando-se à agricultura e à criação de animais.
0:::
w Com o aperfeiçoamento da atividade agrícola e o conseqüente surgimento do co­
::2: mércio, dos excedentes de produção e do artesanato, as aldeias transformaram-se em
0:::
a... cidades independentes. Cada uma delas tornou-se um Estado (Ur, Lagash, Nippur,
C/) Umma).
<t:
- A história da Suméria é marcada por lutas entre essas cidades-estados, na tentati­
va de unificação.
6
As cidades-estados mantinham total autonomia política, religiosa e econômica, não
estando presas, portanto, a nenhum poder central. Cada uma delas era governada
por um sacerdote, representante do povo, auxiliado por um conselho de anciãos. Um
grupo de burocratas-sacerdotes exercia a administração, dirigida principalmente pa­
ra a execução de grandes obras públicas que visavam o aproveitamento do potencial
dos rios: canais de irrigação e barragens.
Os templos constituíam o principal centro da atividade econômica, funcionando
como verdadeiros bancos. Emprestavam sementes aos camponeses e cobravam uma
espécie de juro (sibtu) sobre as sementes emprestadas.
Na base desse sistema existia uma configuração social semelhante à do antigo Egi­
to, nos moldes do modo de produção asiático.
Tal forma de governo evoluiu para uma espécie de autocracia chefiada pelos patesi,
que controlavam as instituições civis e religiosas, além de comandarem o Exército.
Com o passar do tempo, instituiu-se a hereditariedade também para esse cargo,
fundando-se as primeiras dinastias.
As atividades agropastoris ganharam grande impulso com a implantação de um
eficiente sistema de irrigação. No 111 milênio a.C., esse sistema cobria todo o vale
do curso inferior do T igre e do Eufrates.
Enquanto as cidades-estados lutavam entre si, os semitas começaram a se instalar
na Mesopotâmia. Originários do deserto da Arábia, esses povos pastores fundaram
algumas cidades às margens do Tigre. A mais conhecida era Acad (que deu origem
ao nome acádios), cujo rei, Sargão I, conquistou e unificou todas as cidades sumé­
rias por volta de 2300 a.C., criando o primeiro império mesopotâmico.
Esse império se expandiu, chegando a ocupar o território compreendido entre o
golfo Pérsico e o mar Mediterrâneo. O império acádio durou muito pouco, mas con­
seguiu assimilar e difundir a cultura suméria. Os acádios mantiveram uma organi­
zação centralizada e afastaram a influência dos sacerdotes.
Em 2 180 a.C., os acádios foram derrotados pelos guti, povo de origem asiática pro­
cedente das montanhas da Armênia. Mas a cidade de Ur conseguiu recuperar-se e
expulsar os invasores. Finalmente, em 2000 a.C., outro povo, os elamitas, pôs fim
à independência da Suméria.
Hamurabi (?- 1 750 a.C), import ant e
Babilônios rei babilônico, estendeu o poder d o Im­
pério Babilônico até o Golfo Pérsico e à
Síria. Escavações realizadas em Mari lo­
O enfraquecimento das cidades sumérias criou condições para a ascensão do im­ calizaram o primeiro código de leis es­
pério babilônico. Um outro povo de origem semita, os amoritas, instalou-se na Me­ critas, gravado em uma coluna de pedra.
sopotâmia e construiu a cidade de Babilônia, que viria a ser o centro de um poderoso Abaixo, trec!--os desse documento, onde
se propunha a Lei de Talião (olho por olho,
império.
dente por dente), penalizava conforme as
A extraordinária riqueza e o poder dos babilônios foram favorecidos pela localiza­
condições sociais e garantia o pagamen­
ção da cidade, em um dos principais pontos de passagem de caravanas comerciais to das dív idas. Esse código influencia­
vindas da Índia. O momento de maior esplendor é representado pela figura de Ha­ ria as leis mosaicas.

murabi, soberano que ampliou o império


através de conquistas territoriais, dominan­ Quando Marduk me instituiu governador dos homens para os conduzir e diri­
gir, estabeleci a Lei e a Justiça sobre a Terra, para o bem do povo.
do o Reino de Mari (médio Eufrates), a Se um mercador pediu emprestado trigo ou prata a um mercador e não tem
Assíria (ao norte) e estendendo as frontei­ trigo ou prata para pagar mas tem outros bens, deve mostrar tudo o que tem pe­
ras até o golfo Pérsico. rante testemunhas e dará do que possui ao seu prestamista. O mercador presta­
mista não pode recusar.
O rei Hamurabi é lembrado sobretudo Se um homem toma uma mulher, e não se estabeleceu um contrato, então essa
como um legislador, responsável pela cria­ mulher não é esposa.
ção do primeiro código de leis escritas que Se um homem tomou uma criança para adotar com o seu próprio nome, e a
educou, este filho adotivo não pode ser reclamado.
se conhece: o CÓdigo de Hamurabi. Foi Se um homem cegou o olho de um homem livre, o seu próprio olho será cego. (J)
I.U
um administrador eficiente e tornou a lín­ Se um homem cegou um olho de um plebeu , ou quebrou-lhe o osso, pagará •O

gua acádia oficial em todo o império. uma mina de prata. <(
Se cegou o olho de um escravo, ou quebrou-lhe um osso, pagará metade do N
:::i
Por volta de 1600 a.C., tribos cassitas, seu valor.
>
originárias do norte, invadiram e conquis­ Se um homem tiver arrancado os dentes a um homem da sua categoria, os u
seus próprios dentes serão arrancados. cn
taram a Babilônia, que já se encontrava en­ Se um médico tratou, com faca de metal, a ferida grave de um homem e lhe <(
a:
fraquecida pelas revoltas internas e por causou a morte ou lhe inutilizou o olho, as suas mãos serão cortadas. w
Se um médico tratou, com faca de metal, a ferida grave de um escravo e lhe ::2
outras invasões, como a dos hititas.
causou a morte, ele dará escravo por escravo. c:
o..
A miscigenação dos povos invasores do Se um construtor fizer uma casa e esta não for sólida e caindo matar o dono,
este construtor será morto. (J)<(
norte (assírios) com as populações de ori­
(Código de Hamurabi, apud Chilperic Edwards, The world's earliest laws in Coletânea -
gem suméria deu origem ao Império Assírio. de documentos históricos CENP)
�------� 7
Assírios
Procurando uma saída para o golfo Pérsico e para o mar Mediterrâneo, os assí­
rios, partindo de Assur e Nínive, conquistaram a Mesopotâmia, a Síria e o Egito.
A impressionante expansão dos assírios foi possível devido ao desenvolvimento de
novas táticas militares, como a utilização da cavalaria, das armas de ferro e dos car­
ros de combate.
Os assírios tiveram o primeiro exército organizado do mundo, com recrutamento
obrigatório e infantaria composta de arqueiros e lanceiros. Havia tropas de sapado­
res especializados na construção de pontes para travessias difíceis. Eram guerreiros
ferozes e impunham sua dominação pelo terror.
O império assírio alcançou seu apogeu no reinado de Assurbanipal (668-626 a.C.),
que empreendeu a conquista do Egito e a tomada da cidade de Tebas. Mas o tipo
de dominação imposta pelos assírios provocava constantes revoltas.
Com o auxílio de outros povos conquistados, os medos, povo oriundo das mar­
gens do mar Cáspio, tomaram Assur e Nínive em 612 a.C., pondo fim ao império
assírio.

O novo império babilônico


Desaparecido o império assírio, voltou a impor-se o domínio babilônico. b novo
império, construído por Nabopolassar e consolidado com Nabucodonosor, conquis­
tou praticamente todo o Oriente Próximo. Empreendendo diversas ações militares,
Nabucodonosor ocupou a Palestina por duas vezes e tomou Jerusalém em 587 a.C.
Como conseqüência, milhares de judeus foram levados cativos para a Babilônia.
Para comemorar suas vitórias, Nabucodonosor construiu grandiosas obras públi­
cas. Uma das mais famosas é a Torre de Babel, com 2 1 5 metros de altura.
Após a morte de Nabucodonosor, o império começou a entrar em decádência, sendo
dominado pelos persas.

Hebreus
Abaixo estão dois trechos da Bíblia. O
Povo de origem semita, os hebreus começaram seus deslocamentos por volta do
primeiro é designação de Moisés por lah­ II milênio antes de Cristo. No livro Gênesis (o começo), da Bíblia, conta-se como
weh Geová) para a libertação dos hebreus Abraão conduz seu povo para a terra que lhe fora prometida por Deus, o país de
do Egito. O Êxodo, a saída dos hebreus Canaã, ou Palestina. Historicamente, consta que os hebreus chegaram à Palestina
do Egito e a peregrinação pelo deserto
no século XVIII a.C.
até Canaã (Terra Prometida), ocorre por
volta de 1400 a 1200 a.C. Divididos em doze tribos, estabeleceram-se numa região montanhosa, de colinas
O segundo texto mosira a imposição áridas e vales, banhado pelo rio Jordão e mar Morto. Vivendo sobretudo da agricul­
da crença em um deus único, Iahweh, tura e do pastoreio, apresentavam uma formação social e econômica caracterizada
senhor todo-poderoso e eterno. Para ele
pelo patriarcado, sendo chefiados por um homem mais velho e mais sábio (o pa­
não eram suficientes as oferendas. Iah­
weh queria que seu povo obedecesse aos
triarca). Abraão e Isaac foram os primeiros patriarcas.
mandamentos que foram gravados numa As secas, nas terras prometidas da Palestina, levaram os h ebreus a migrarj)ara
placa de pedra e dados à Moisés. o Egito por volta de 1800 a.C. Nessa travessia, foram conduzidos por Jacó, tilho de
Isaac, através do delta do Nilo. Talvez te­
A missão de Moisés. Iahweh disse: "Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que
nham sido empurrados pelos hicsos, que
está no Egito. Ouvi o seu clamor por causa dos seus opressores; pois eu conheço avançavam em direção às planícies do Ni­
as suas angústias. Por isso desci a fim de libertá-lo da mão dos egípcios, e para lo; ou talvez tenham simplesmente acom­
fazê-lo subir daquela terra a uma terra boa e vasta, terra que mana leite e mel, panhado esse povo.
o lugar dos cananeus, dos heteus, dos amorreus, dos ferezeus, dos heveus e dos Os hicsos, invasores do Egito, permitiam
jebuseus. Agora, o clamor dos filhos de Israel chegou até mim, e também vejo
a opressão com que os egípcios os estão oprimindo. Vai, pois, e eu te enviarei liberdade aos hebreus. Depois de sua ex­
(f) a Faraó, para fazer sair do Egito o meu povo, os filhos de Israel". pulsão, entretanto, foram submetidos à es­
LU
•O Então disse Moisés a Deus: "Quem sou eu para ir ao Faraó e fazer sair do Egi­ cravidão pelos egípcios. Conduzidos por
U· to os filhos de Israel?" Deus disse: "Eu estarei contigo; e este será o sinal de que
<( Moisés, os hebreus deixaram o Egito por
p..J eu te enviei: quando fizeres o povo sair do Egito, vós servireis a Deus nesta
::i ·
volta de 1250 a.C. Essa grande viagem pe­
montanha".
> lo deserto do Sinai, narrada no livro Êxo­
u A revelação do nome divino. Moisés disse a Deus: "Quando eu for aos filhos
(f) de Israel e disser: 'O Deus de vossos pais me enviou até vós; e me perguntarem: do (fuga), da Bíblia, durou quarenta anos.
<( 'Qual é o seu nome?' que direi?" Disse Deus a Moisés:"Eu sou aquele que é". Os hebreus tiveram que lutar com per­
a:
w Disse mais: "Assim dirás aos filhos de Israel: 'EU SOU me enviou até vós'. "Disse
sistência para se instalar na Palestina. Na
:::?! Deus ainda a Moisés: "Assim dirás aos filhos de Israel: 'Iahweh, o Deus de vossos
ã: pais, o Deus de Abraão o Deus de Isaac e o Deus de Jacó me enviou até vós. luta contra cananeus e filisteus, Josué, o
c...
(f) Este é o meu nome para sempre, e esta será a minha lembrança de geração em sucessor de Moisés, agrupou as doze tri­
<( geração." bos, distribuindo-lhes as terras conquista­
- (Bíblia Sagrada, Velho Testamento, Êxodo) das. A necessidade de um comando militar
8 único criou a figura do juiz, escolhido pe-
las tribos para comandar a guerra e preservar a crença num único Deus. Os juízes
mais famosos foram: Gedeão, Jefté e Sansão (que liderou os hebreus na vitória con­
tra os filisteus) .

Formação do Estado hebreu

A unificação das tribos concretizou a formação do Estado hebreu, do qual Saul


foi o primeiro rei.
Davi, sucessor de Saul, consolidou o reino dos hebreus, realizando guerras de con­
quista e estabelecendo Jerusalém como a capital.
Com a morte de Davi, o trono foi ocu­
pado por seu filho Salomão (de 955 a 935
a.C.). Nessa ápoca, os hebreus realizaram
uma grande expansão comercial. Jerusa­
lém, que funcionava como uma conexão
entre o Egito e a Mesopotâmia, tornou-se
uma grande cidade, abrigo de luxuosos pa­
lácios e do templo de Jeová.
Salomão ficou conhecido por seu senso
de justiça e pelo fmo humor que caracte­
rizava suas decisões. Apôs sua morte, as tri­
bos se recusaram a obedecer um único rei,
procurando retomar o isolamento em
tribos.
Essa crise política provocou uma divisão
entre as tribos (cisma). A causa da sepa­
ração foram as diferenças sociais e as desi­
gualdades entre as duas regiões principais
da Palestina: o norte, correspondente ao
Reino de Israel, um centro mais urbaniza­
do e comercialmente desenvolvido; e o sul,
correspondente ao Reino de Judá, dedica­
do à agricultura e ao pastoreio. Em conse­
qüência, as tribos do norte se desviaram
do culto de Jeová, permitindo a penetra­
ção de divindades estrangeiras onde pre­
dominava a idolatria do deus Baal (de
procedência fenícia) e o culto do "veado
de ouro". Entretanto, as tribos do sul per­
maneciam fiéis à religião tradicional e à
crença na vinda de um Messias salvador.
Uma revolta popular pôs fim à crise, di­
vidindo o Estado hebreu em dois reinos:
Israel, ao norte, com a capital na Suméria; e judá, ao sul, com a capital em Jerusalém. Após o Êxodo, os hebreus
O reino de Israel foi invadido e destruído pelos assírios em 722 a.C., enquanto reconquistaram a Palestina,
o reino de Judá, apesar de mais pobre, conseguiu sobreviver até 587 a.C., quando derrot�ndo os canane�s e filis�eus que
. • .. • ah VIVIam. A umficaçao das tnbos
Nabucodonosor obngou o povo h�breu a viver em ca�lVelrO
. . . : - hebraicas na luta contra os inimigos
Os hebreus nunca mats conseguuam a mdependenc1a, pms Canaa passou a ser consolidou a formação do Estado.
dominada por vários povos: persas, egípcios e romanos. Apôs se revoltarem contra Com a morte do rei Salomão ocorre
o domínio romano (135 d.C.), os hebreus foram expulsos da Palestina, espalhando- uma revolta popular que �ividiu o CJ)
Estado hebreu �m dOis remos: Is :ael, w
se pelo mundo. A dispersão desse povo ficou conhecida como diáspora. •O
ao norte, e Juda, ao sul. Israel f01 U·
invadido e destruído pelos assírios, ex:
N
Religião: Os hebreus foram o único povo da Antigüidade a estabelecer uma religião enquanto Judá, apesar de mais pobre, :::i
monoteísta. Seu Deus não podia ser representado por estátuas e até seu nome - conseguiu resistir até 587 a.C., >
u
Jeová não devia ser pronunciado. quando Nabucodo�o�or levou os
· 1 CJ)
· · · · · ·
_

· hebreus para a Bab1loma onde <(


- dos hebreus - que mats tarde m · f1uenc1ar1a o lS amismo e o cnstlarus-
·

A religtao ficaram em cativeiro. a:


mo - ensinava que Deus fez uma aliança com o povo de Israel em troca da obediên- w
::!E
cia aos Dez Mandamentos ( Decálogo ) ,gravados nas Tábuas da Lei depositadas ã:
c..
numa caixa de madeira (a Arca da Aliança). CJ)
Todos os ensinamentos que o povo devia obedecer estão contidos na Bíblia (Anti­ <(
go Testamento), livro de narrativas históricas e profecias, a grande contribuição da -

cultura hebréia ao mundo ocidental. 9


Os povos que viveram no Oriente an­
tigo de maneira geral possuíam como ba­
Fenícios
se material a agricultura. Os fenícios se
destacaram como hábeis comerciantes e Os fenícios eram de origem semita, provavelmente provenientes das costas seten­
navegadores. Suas frotas percorriam o trionais do mar Vermelho e, ao longo dos séculos, se misturaram com povos de vá­
Mediterrâneo e o Mar Negro, realizaram rias raças diferentes.
um périplo pela África a mando do fa­ Localizada na região do atual Líbano, a Fenícia ocupava uma estreita faixa de ter­
raó Necau. No norte da África fundaram
a cidade de Cartago, que mais tarde foi
ra pressionada entre o mar e as montanhas. Não havia muita terra apropriada para
a grande rival de Roma. O texto abaixo a agricultura. Em compensação, as florestas abundantes, ricas em madeiras-de-lei,
destaca a relação dos fenícios com os po­ facilitaram e estimularam a confecção de embarcações aperfeiçoadas e resistentes.
vos vizinhos. Além disso, a construção de portos foi favorecida pela existência de um litoral re­
cortado.
O comércio fenício era
variadíssimo: além da exportação Essas condições geográficas obrigaram os fenícios a ater-se às atividades marítimas.
de seus tecidos de lã purpurina, Em seu estreito litoral desenvolveram-se várias cidades: Ugarit, Arad, Biblos, Si­
cabia-lhes abastecer o mundo don e Tiro. Ertun cidades independentes, verdadeiras cidades-estados. O poder po­
mediterrâneo com gêneros exóticos lítico era quase sempre exercido por um rei, assistido por um conselho de anciãos
provenientes do Oriente, por
vezes do Egito, pelo Mar
ou de magistrados escolhidos entre os grandes comerciantes e proprietários agríco­
Vermelho, com produtos de las. Os trabalhadores geralmente recebiam remuneração e o pequeno número de es­
primeira necessidade, vindos do cravos destinava-se ao trabalho doméstico.
grande Norte, como o estanho. A Fenícia mantinha um comércio bastante variado: além da exportação dos teci­
Seu proverbial enriquecimento
dos de lã, cabia-lhe abastecer o mundo mediterrâneo de gêneros exóticos provenien­
foi apenas contrariado pela
obrigação de pagar tributo aos tes do Oriente e de produtos de primeira necessidade.
assírios, a partir de meados do O grande crescimento do comércio levou os fenícios a fundarem feitorias na bacia
século IX, e pelas rivalidades que do Mediterrâneo. Mas sua prosperidade foi prejudicada pelo pagamento de tributos
fermentavam entre suas principais aos assírios, que dominaram a região no século IX a.C. Além disso, as rivalidades
cidades, notadamente Sidon e
e lutas entre as cidades fenícias impediram a formação de um império unificado.
Tiro, cada uma delas acabando
por dominar o norte e o sul da O impéno persa - constituído no século VI a.C. - acabou dominando as cidades
costa. Jamais tiveram governo fenícias, que se tornaram uma satrapia (província persa).
nacional: cada cidade tinha um
rei, por vezes substituído ou
neutralizado pelas aristocracias Medos e persas
marcadoras; seu mais célebre
soberano é Hirã de Tiro,
contemporâneo, aliado e amigo Os medos e os persas eram povos arianos que atravessaram o Cáucaso para se esta­
de Salomão. belecerem no planalto do Irã, às margens do mar Cáspio.
(Paul Petit - História Antiga) Por volta do século VIII a.C . , os medos formaram um reino e em 612 a.C. destruí­
ram Nínive, pondo fim ao império assírio. Em 539 a.C., Ciro, chefe dos persas, uni­
ficou os dois povos, possibilitando a formação de um novo império. Ciro fundou a
dinastia Aquemênida (existente até os dias de hoje) e consolidou o império persa
ao estender seus domínios do rio Indo ao Mediterrâneo e do Cáucaso ao mar Índico.
O império obteria novas conquistas com Dario, fllho de um governador e prova­
velmente aparentado com Ciro, reconhecido como soberano pelas grandes famílias.
Mas sua tentativa de conquistar a Grécia fracassou após a derrota na batalha de Ma­
ratona, em 490 a.C.
O rei dos persas não era considerado um deus, mas apenas um representante de
Deus diante dos homens. Cuidava da administração do país, a partir de grandes ca­
pitais como Pasárgada, Babilônia e Susa, deslocando-se muito pouco através do
império.
O império persa era dividido em vinte satrapias, unidades administrativas chefia­
das por um governador ou sátrapa. Como no Egito, a agricultura (base de sua eco­
nomia) dependia das cheias dos rios Tigre e E�frates. O controle econômico era
exercido pelo Estado, conforme os padrões do "modo de produção asiático". Plan­
cn
w tava-se a cevada, o trigo e o centeio.
•O

Apesar de manter um exército superequipado, os persas tiveram grande dificulda­
<(
N de em administrar os vastos territórios conquistados. Em conseqüência, o império
::i persa chegou ao fim em 331 a.C . , quando Alexandre Magno derrotou Dario III na
>
u Batalha de Arbelas.


a:
w Ideologia e cultura
das primeiras civilizações

ã:
o..
cn
<( Até este momento, você estudou a formação dos primeiros Estados. Aprendeu que
-
o Estado existe em conseqüência da divisão da sociedade em classes sociais. Ele as­
10 segura a dominação por parte das camadas superiores; e, para garantir essa domina-
ção, os reis, imperadores e príncipes organizaram os exércitos.
Mas não são apenas os exércitos que garantem o poder às classes dominantes. Nas
sociedades onde predominam as desigualdades sociais, idéias e crenças constituem
um importante instrumento de dominação, ao qual chamamos de ideologia; esse
instrumento é usado por uma camada superior, privilegiada, como forma de coação
das camadas inferiores, oprimidas.
A religião, a arte e até a ciência são manifestações externas de ideologia, que, por
sua vez, resultam da produção material, da divisão do trabalho e da forma de pro­
priedade.
Por meio da ideologia, os poderosos controlam o comportamento e a forma de pensar
da sociedade. Mas a História mostra também que apenas o que chamamos de cons­
ciência pode libertar as mentes. Assim, as expressões ideológicas que não aceitam
a dominação são formas de consciência.
Desde a origem do homem, ideologia e consciência coexistem.
Vamos estudar agora as ideologias dos primeiros povos, assim como os traços prin­
cipais de suas culturas.

O Estado egípcio
A vida cultural dos egípcios era marcada pela forte presença da religião. O ho­
mem, os animais e as forças da natureza eram objeto de adoração. Adeptos do poli­
teísmo (crença em vários deuses), os egípcios acreditavam numa existência
extraterrena. Assim, preparavam-se durante toda a vida para a morte.
A dependência econômica em relação às cheias e vazantes do rio Nilo explica, de
certa forma, a deificação da natureza. Por volta do IV milênio a.C., os primitivos
habitantes do Egito adoravam totens (objetos sagrados, animais ou vegetais, que os
nomos consideravam seus antepassados) . Mais tarde, esses totens passaram a conter
traços humanos, mas conservando alguns aspectos das divindades primitivas. Em
geral, apresentavam corpo de homem e cabeça de animal.
Para justificar a origem dos seus deuses, os egípcios contavam que nos primeiros
tempos, Set (o vento quente do deserto) matou Osíris (o Sol, o Nilo, deus da vegeta­
ção e dos mortos), lançando seu corpo no rio. Ísis (a deusa da vegetação e das se­ Para os egípcios, após a morte, a alma
mentes) encontrou seu corpo, mas Set voltou a atacá-lo, dividindo-o em catorze era admitida no reino de Osíris (deus dos
pedaços, que espalhou pelo Egito. Ajudada por Hórus, Ísis conseguiu juntar os pe­ Mortos). De tempos em tempos, a alma
podia retornar à vida através de um cor­
daços com palavras mágicas.
po, mas para que isso acontecesse era ne­
Essa explicação da morte e do renascimento de Osíris está de acordo com o ritmo cessário que o corpo P._ermanecesse intac­
da vida egípcia, totalmente dependente da natureza. to, assim a alma sobreviveria. Impedir a
Essas crenças religiosas foram substituídas por outras, introduzidas pela aristo­ decomposição do corpo era um dever sa­
cracia. Os sacerdotes impuseram o culto de Ra (deus-sol, criador de todos os deu­ grado. Além da mumificação cuidava-se
também dos túmulos onde eram coloca­
ses) ou Amon (deus supremo e protetor dos faraós) . Mesmo assim, os camponeses
das mobílias, provisões e estátuas dos
continuaram a cultuar animais como os gatos (perseguidores dos ratos que prejudi­ mortos. Abaixo, dois textos que descrevem
cavam as colheitas) , os cães (protetores das casas), os crocodilos e as serpentes. a técnica de mumificação.
No Egito, a religião era a mais impor-
tante forma de dominação ideológica. Em
nome dos deuses, o faraó e os sacerdotes O embalsamamento de rico "Primeiro, com a ajuda dum ferro curvo, ex­
traem o cérebro pelas narinas ... em seguida, com urna pedra ... cortante, fazem
cobravam pesados impostos dos campone­
uma incisão no flanco e retiram os intestinos, que limpam e purificam com vi­
ses. nho de palmeira e purificam uma segunda vez com arômatas moídas. Depois
A crença na vida depois da morte fez enchem o ventre de mirra pura triturada, de canela e de todos os outros arôma­
com que os egípcios desenvolvessem a téc­ tas, com exceção do incenso, e c,osem. Feito isso, salgam o corpo cobrindo-o
nica de conservar cadáveres (a mumifica­ de natrão (carbonato de sódio natural) durante 70 dias ... Lavam o corpo, enrolam­
no todo em faixas de linho fino, com uma camada de borracha (como cola) ...
ção), o que contribuiu decisivamente para cn
Metem o morto num estojo de madeira em forma de figura humana ... que guar­ UJ
os primeiros estudos da anatomia huma­ dam no interior de urna câmara funerária . . . 10
"

na. Apresentaram progressos notáveis tam­ Embalsamamento de pobre "Desinfetam os intestinos... metem-no no sal du­ <(
N
bém na medicina: além de descobrirem a rante 70 dias; entregam o corpo." ::J
(Heródoto, "Histórias", apud: Gustavo de Freitas - 900 textos e documentos de história) >
cura para certas doenças, praticavam cirur­
u
gias, inclusive a craniana.
Os cálculos feitos pelos escribas para o 5{l
a:
controle da produção agrícola na época das enchentes do Nilo levaram ao desenvol­ üJ

vimento do conhecimento da ciência matemática. ã:
a..
No Oriente Próximo, o artista da Antigüidade deixara de ser o mágico da Pré­ cn
história. Com uma sociedade caracterizada pela divisão social do trabalho, ele pas­ <(
sou a ser um artífice que modelava esculturas ou vasos e executava pinturas tal como -

outros faziam sapatos ou ferraduras. 11


Desde tempos imemoriais, o Os artistas trabalhavam para o faraó ou sacerdote como escravos ou com pequena
habitante do vale do Nilo remuneração. O Estado e os sacerdotes patrocinavam a arte, que possuía uma carac­
observava como o retorno
terística religiosa e era uma forina de afirmação da dominação do faraó. As pinturas
periódico das aves, sobretudo dos
palmípedes, anunciava a retirada e esculturas eram geralmente colocadas no fundo das tumbas, e as estátuas simboli­
das águas do Nilo e, por zavam a dominação das camadas superiores.
conseqüência, o momento mais
propício para o cultivo da terra.
Esta pontualidade levou os
O Estado mesopotâmico
antigos egípcios a dividir o ano
em estações que correspondessem Tal como no Egito, a religião para os povos mesopotãmicos era a forma mais im­
ao ano agrícola. A primeira portante de controle ideológico, sendo os deuses principais representados pelos astros.
estação começava quando a cheia
do Nilo fazia sentir os seus Devido à importância da água para as civilizações mesopotãmicas, muitas divin­
primeiros efeitos em Mênfis (por dades e mitos religiosos estavam vinculados a ela. Além dis�, por dependerem das
volta de 19 de Julho); chamou-se enchentes dos rios Tigre e Eufrates, os mesopotâmicos tornaram-se atentos observa­
a Inundação. A segunda, mais ou dores da natureza e do sistema solar, desenvolvendo a astronomia e formulando o
menos correspondente ao nosso
primeiro calendário sexagesimal.
Inverno, era conhecida por
Germinação (ou Emergência - o Construíram templos em forma de torres, os zigurates, que, além de celeiro para
aparecimento das terras, quando guardar o excedente agrícola, serviam de observatório astronômico.
as águas se retiravam). Na Mesopotâmia, como no Egito, os artistas eram empregados mal remunerados
Finalmente, a terceira, o Estio, dos sacerdotes, e a arte possuía um caráter religioso. Executavam baixos-relevos em
designado por Falta de Água (ou
Ceifa), marcava a época das barro; o que resultou num significativo desenvolvimento da olaria.
colheitas. Cada uma das três
estações compunha-se, assim, de O Estado hebreu
quatro meses, que nas datas eram
indicados com um simples
número progressivo. Dizia-se, por Os egípcios e mesopotãmicos possuíram uma economia, uma sociedade e uma cul­
exemplo: "Estação da Inundação, tura muito semelhantes, que podemos caracterizar como modo de produção asiáti­
terceiro mês". co. O mesmo não aconteceu com os hebreus, fenícios e persas, que desenvolveram
(Boris de Rachewiltz, A Vida no
Antigo Egito) o comércio, fugindo do modelo de economia agrícola. Dessa forma, a cultura dos
hebreus, fenícios e persas foi substancialmente diferente da dos egípcios e mesopo­
tãmicos.
A grande herança cultural hebraica foi o judaísmo que, junto com o cristianismo,
teve importância decisiva no desenvolvimento da civilização ocidental.
O monoteísmo judaico contido na Bíblia formou-se, como já vimos antes, durante
o êxodo. As condições físicas do deserto e a necessidade de união das tribos hebrai­
cas levaram à adoração de um só deus: Jeová.
Característico dos povos pobres e oprimidos, o culto a um único deus simbolizava
a austeridade e condenava o excessivo amor pelas coisas materiais.
Mas nem sempre os hebreus respeitaram esse compromisso. Em várias oportuni­
dades, os hebreus ricos e poderosos deixaram-se seduzir pela idolatria, esquecendo­
se de Jeová. Chegaram, inclusive, a cultuar deuses com formas de animais e dois
bezerros de ouro para representarem o próprio Deus. Contra tais desvios, levantaram­
se os profetas, entre os quais o mais célebre foi Elias.
A vida nômade no deserto e a diferenciação social produziram uma nova religião,
o judaísmo. Como no mundo antigo do Oriente Próximo a maioria dos povos era
politeísta, os hebreus sofreram perseguições e massacres, que no entanto serviram
para mantê-los unidos.
Essa profunda religiosidade marcaria ainda a arte e a literatura hebraicas.

O Estado fenício

U) A religião dos fenícios estava associada ao desenvolvimento do comércio e à ex­


w
•O pansão marítima. Cada cidade da Fenícia tinha seu próprio deus protetor (Baill) ou

<( deusa protetora (Baalit) . Baal era símbolo das chuvas e das tempestades que interfe­
N
:::i riam no comércio e nas viagens marítimas.
> Em geral, o culto religioso era realizado ao ar livre, em locais elevados como as
u
colinas próximas das cidades. Era comum a prática de sacrifícios humanos, sendo

a: freqüe�te o uso da magia.
w Os fenícios desenvolveram a primeira escrita alfabética. As vantagens desse siste­
:::::?:
ã: ma, em comparação com o de outros povos do Oriente Próximo, é que ele permitiu
o...
U) um registro mais fácil, mais rápido e mais exato das atividades comerciais.
<( Mas, apesar da grande contribuição cultural representada pela escrita alfabéti­
- ca, em outras áreas os fenícios se limitaram a aprender com os povos com quem
12 comerciavam. Isso ocorreu principalmente no campo das criações artísticas.
O Estado persa

A religião dos persas, conhecida como zoroastrismo, estabelecia uma vida depois
da morte e um julgamento fmal, com um paraíso como prêmio para os bons e um
inferno para os maus. Predizia a vinda de um Messias, que aperfeiçoaria os bons,
preparando-os para o fim do mundo.
O zoroastrismo, embora admitisse a superioridade de alguns homens - eleitos,
desde o princípio do mundo para serem salvos -, reconhecia a liberdade do homem
de escolher entre as forças do bem e as do mal, isto é, entre a pureza e o pecado.
Havia Aura-Mazda, deus do bem, da luz e da verdade, e Ahriman, deus do mal,
das sombras e das trevas. Aqueles que seguissem Aura-Mazda seriam recompensa­
dos, enquanto os que seguissem Ahriman seriam castigados para sempre.
Na Pérsia não existiam templos ou cultos. Zoroastro acabou com as crenças nos
antigos ídolos ao demonstrar que a verdade e a pureza eram expressões do próprio
culto.
Muitas .características do zoroastrismo revelam sua influência sobre outras religiões,
como o cristianismo e o judaísmo.
Algumas virtudes recomendadas pelo zoroastrismo, como o cumprimento às obri­
gações de trabalho, obediência aos governantes, criação de muitos fllhos e cultivo
da terra, serviam também para convencer a camada mais inferior da sociedade persa
a não se revoltar contra a situação de exploração a que vivia submetida. Essa con­
cepção religiosa acabou por se transformar em importante fator de controle político
e social por parte dos reis e da aristocracia persa.
As criações artísticas e intelectuais sofreram influência das culturas dos povos vi­
zinhos. Os persas optaram a princípio pela escrita cuneiforme, inventada pelos su­
mêrios, que depois foi substituída por uma escrita alfabética. Adotaram o uso da
moeda (o dárico) , visando ao desenvolvimento do comércio.
Na arquitetura, os persas usaram como modelo as construções babilônicas e egíp­
cias, embora os grandes monumentos persas não fossem templos - como no Egito
e na Mesopotâmia - e sim palácios reais.
A grande herança cultural deixada pelos persas foi a religião, diferente de todas
as outras existentes no Oriente Próximo.

Exercício

(MACK-SP) Assinale a alternativa correta:


No Egito antigo as várias formas de organização política tinham como característica
predominante:
a) a organização teocrática do poder e os constantes conflitos entre o poder central
e os poderes locais.
b) a ausência de ligação entre religião e política e o desprestígio social dos sacerdotes.
c) o expansionismo e a política imperialista responsável pelo aumento da escravidão.
d) a preocupação com a igualdade social do povo através da posse coletiva da terra.
e) a grande mobilidade social e um poder central acentuadamente fraco.

Resposta

Alternativa a. O Estado Egípcio pode ser caracterizado como uma monarquia des­ c.n
w
pótica na qual o Faraó era considerado o próprio Deus. Além de ser dono de todo •O

o Egito antigo, concentrava em suas mãos enorme soma de nqueza. Os sacerdotes <
N
por sua vez desfrutavam de inúmeros privilégios constituindo-se a base de sustenta­ ::i
>
ção do Faraó. A ideologia religiosa era predominante, por isso, podemos afmnar que u
o Estado egípcio era teocrático. Embora possamos afirmar que o Faraó governava c.n
<
de maneira absoluta, houve durante toda a história do Egito vários momentos em CC
que esse poder foi abalado, como durante a ascensão dos nomarcas, e durante a inva­ w

são dos hicsos no Médio Império. ã:
a..


-

13
I

GRECIA ANTIGA

Foi devido ao poder econômico de seu império que a Pérsia conseguiu dominar
todo o Oriente Próximo. No entanto, vencidos na guerra contra os gregos, os persas
perderam o predomínio sobre outros Estados da Antigüidade. Dessa forma, a hege­
monia econômica se deslocou das civilizações do Oriente Próximo para a civilização
grega.
Veremos, a seguir, como a civilização grega se formou, conquistou o poderio
econômico sobre todo o mundo antigo e acabou perdendo-o para o Império Romano.
Existem várias maneiras de dividir a história da Grécia. O critério que escolhe­
mos baseia-se nas grandes divisões do processo histórico grego:
• Período Pré-Homérico (2500- 1 1 00 a. C.), período que antecedeu a formação do

povo grego .
• Período Homérico ( 1 1 00-800 a.C.), fase retratada pelos poemas de Homero,

Ilíada e Odisséia.
• Período Arcaico (800-500 a.C.), fase da formação das cidades-estados.

• Período Clássico (500-400 a.C.), fase correspondente ao apogeu da civilização

grega.
• Período Helenístico (336- 146 a. C.), fase da decadência da Grécia.

A Grécia está localizada a leste do mar Mediterrâneo, na penfnsula Balcânica, apre­


sentando relevo acidentado e um litoral recortado por golfos e baías, banhado pelo
mar Egeu e pelo mar Jônico.
O território grego é cortado ao meio pelo golfo de Corinto. Ao norte desse golfo
localiza-se a Grécia continental; ao sul, a Grécia peninsular. Vistos do mar Mediter­
râneo, esses dois territórios têm a forma de uma mão aberta. Existe ainda uma ter­
ceira parte, a Grécia insular, formada por um conjunto de numerosas ilhas espalhadas
pelo mar Egeu. A Grécia continental apresenta grandes relevos, intercalados com
planícies férteis, isoladas entre si. A Grécia peninsular, localizada mais ao sul, é re­
cortada por golfos e baías com uma orla marítima extremamente favorável à expan­
são para o seu interior.
Devido ao relevo marcadamente montanhoso, a prática da agricultura revelava-se
difícil na Grécia, restringindo-se a um quinto das terras. Assim, o comércio tornou­
se a atividade econômica básica.

Formação do povo grego

O período anterior à formação do povo grego é denominado pré-Homérico, ou


da Grécia Primitiva. Na região, ocupada pela população autóctone - isto é, originá­
ria da própria região -, desenvolveu-se a civilização creto-micênica, cujos princi­
<(
(.!) pais centros eram a cidade de Micenas e a ilha de Creta.
1-
:z Os cretenses foram fundadores do primeiro império marítimo de que se tem notí­
<( cia. Provavelmente eram de raça ariana, chegando à ilha de Creta procedentes da
<(
u Ásia Menor através das diversas ilhas que percorrem o mar Egeu.

LU
a: Vivendo nas planícies mais férteis da ilha, os cretenses cultivavam vinhas, cereais
(.!) e oliveiras que utilizavam para seu próprio consumo ou para exportar para outras
- regiões. Ensinados por outros povos do Oriente, tornaram-se hábeis artesãos, traba­
14 lhando principalmente com metais e cerâmica. Utilizando as madeiras da ilha, cons-
truíram navios de até vinte metros de comprimento. São famosos seus edifícios
públicos, embora não tenham ficado vestígios dessas construções.
Cnossos, a capital de Creta, era uma cidade de grandes palácios, onde viviam reis
(chamados minos) cercados de uma poderosa nobreza, o que refletia sua pujança
econômica. A civilização cretense possuía organização política semelhante à egípcia
no Antigo Império.
A história de Creta e de seu povo foi considerada lendária até o século XIX; sua
existência só seria confirmada pelo traba-
lho de arqueólogos, como Arthur Evans,
que tornou possível reconstituir a história O Rei reveste-se de bronze cintilante. Primeiramente, ele coloca ricas pernei­
de seus palácios e documentos e estudar de ras presas com fivelas de prata. Depois, cobre o peito com uma bela couraça,
forma científica seu passado. presente de um rei, testemunho de boa amizade. Tem ela d�z estrias de esmalte
escuro, doze de couro e vinte de estanho. Três dragões de esmalte brilham até
A partir do século XX a.C . , sucessivas o pescoço ( ... ) Em torno das espáduas (Agamenon) lança o seu gládio cintilante
invasões de tribos nômades, de origem de tauxias de ouro, encerrado em bainha de prata presa por um cinto de ouro.
indo-européia, abalaram o vigor cultural Cobre-se inteiramente com um bonito escudo fácil de manejar, trabalho maravi­
creto-micênico. Aqueus, jônios, eólios e lhoso: dez círculos de bronze formam-lhe o debrum, depois vêm vinte saliên­
cias de estanho brancas, e no centro uma saliência de esmalte enegrecido, coroada
dórios saquearam e destruíram a região e
pela Górgone de olhar feroz, cercado pelo Medo e pelo Terror. Um talabarte
assimilaram parte dos costumes e das ins­ sulcado por uma serpente de esmalte cujo pescoço termina em três cabeças sus­
tituições, formando, pela mistura racial e tenta o escudo. Sobre a cabeça, Agamenon coloca um elmo de rebordo bom­
cultural, o povo grego. beado, de quatro cones e crina flutuante; o penacho que o encima agita-se em
O primeiro grupo indo-europeu a che­ terríveis ondulações. Finalmente, ele segura dois fortes dardos cuja ponta de bron­
ze rebrilha até o céu.
gar à Grécia foram os aqueus. Originários (Ilíada, in Malellsaac, História Universal)
da Ásia, vieram com seus rebanhos em
busca de melhores pastagens.Ocuparam as
melhores porções do território, localizadas na Grécia central. Com o tempo, tornaram­ Antes das descobertas arqueológicas,
se um povo sedentário, vivendo da agricultura e do pastoreio. Formaram pequenos as fontes históricas do período pré­
núcleos urbanos, cujo centro mais importante foi Micenas. helênico eram as obras atribuídas a Ho­
mero, Ilíada e Odisséia·. A Ilíada narra
O contato de Mjcenas com os cretenses fez nascer a civilização creto-micênica, a guerra entre Agamenon, rei de Mice­
resultante da integração entre as duas culturas. nas, e os habitantes de Ílio (Tróia), e a
Os cretenses tinham muito a ensinar aos aqueus: técnicas agrícolas, construção Odisséia trata das aventuras de Ulisses,
naval e cultura religiosa. Os aqueus foram alunos tão aplicados que por volta de 1400 (Odisseu) rei de Ítaca. Acima, um texto
da Ilíada que descreve o esplendor das
a.C. acabaram destruindo a civilização cretense e tomando Cnossos, sua principal
armas de Agamenon.
cidade.

A Grécia nos tempos de Homero


Por volta de 1200 a.C. a civilização micênica atingiu seu apogeu e expandiu-se em
direção à Ásia. Nesse ínterim, chegaram os dórios, último povo indo-europeu a pe­
netrar na Grécia. Aguerridos, ainda nômades, sabendo utilizar armas de ferro, os
dórios massacraram as cidades gregas. Destruíram Micenas e fizeram com que a vi­
da urbana praticamente desaparecesse.
A população retornou para um tipo de vida mais primitivo, voltando a se organi­
zar em pequenas comunidades, cuja célula básica era a grande família ou gens. A
história da Grécia entra, então, num novo período.
A civilização que começa a se formar tem como base econômica a produção agrá­
ria doméstica. O centro da vida econômica e social é o oikos, unidade familiar de
produção : a grande família (clã), trabalhando numa vasta extensão de terra e produ­
zindo o necessário para seus habitantes. Os membros desse clã moravam juntos em
grandes casas e obedeciam a um chefe, denominado páter. Vários clãs, ou gens, for­
mavam uma fratria; várias fratrias uma tribo. O chefe de cada tribo era o basileu.
A princípio, vivia-se num regime de comunidade primitiva. Não havia proprieda­
de privada e todos os membros tinham direitos iguais. Quem não desejasse trabalhar
era imediatamente expulso. A posição social dependia do grau de parentesco com
o páter-família. Mas esse sistema deteriorou-se, devido principalmente a duas causas:
<(
• o crescimento da população, que não foi acompanhado pelo crescimento da produ­ c.?
ção, pois as técnicas de cultivo eram muito rudimentares; 1-
:z
• a tendência dos gens a se dividirem em pequenas famílias, que causou o afrouxa­ <(
<(
mento dos laços familiares. A repartição dos bens comuns era realizada pelo chefe
u
da comunidade, que beneficiava-seus filhos mais próximos, em prejuízo dos paren­ •LU
a::
tes mais afastados. Mais tarde, repartiu-se a própria terra. Com isso, a posse da ter­ c.?
ra, de coletiva, passou a privada. Formou-se, então, uma classe de grandes -
proprietários (a aristocracia). 15
As conseqüências da desintegração do sistema gentílico foram inúmeras. No pla­
no social, ocorreu um aumento das diferenças sociais: havia grandes proprietários
de terras férteis; pequenos proprietários de terras pouco férteis e muitos que perde­
ram tudo. Para estes, só havia um caminho: procurar outras atividades. Tomavam-se
artesãos ou se aventuravam em busca de outras terras além-mar.
No plano político, essa desintegração provocou a passagem do poder do páter-fàm.ília
para os parentes mais próximos, os eupátridas (filhos do pai). Estes passaram a con­
trolar os equipamentos de guerra, a justiça e a religião. Os eupátridas d(!ram origem
à aristocracia grega, cujo poder resultou da posse da terra.
Os aristocratas não possuíam a força coletiva dos gens. Para se defenderem,
apoiaram-se· nas fratrias e nas tribos, e fmalmente, formaram as cidades-estados.
Os costumes e a própria história dessa época foram narrados de forma lendária
por Homero, autor da Ilíada e da Odisséia, os dois grandes poemas épicos da mitolo­
Nos poemas de Homero gia grega.
encontramos já a maior parte das Na Grécia de Homero, além dos aristocratas, a sociedade era composta por ho­
tribos gregas formando pequenos mens livres, sem posses, os tetas, e por artesãos, os demiurgos. Existia também um
povos, no seio dos quais o gens
pequeno número de escravos, utilizados em trabalhos domésticos.
conservava ainda completa
independência, o mesmo se
dando com as fratrias e as tribos.
Esses povos já viviam em cidades Evolução das cidades-estados
amuralhadas; a população
aumentava paralelamente com o
rebanho, o desenvolvimento da O crescimento da desigualdade social através da consolidação de uma sociedade
agricultura e o nascimento dos
de classes resultou na desintegração dos oikos e dos gens e na formação das cidades­
ofícios manuais; ao mesmo tempo,
cresciam as diferenças de estados gregas.
riqueza, e com estas o elemento Para terem segurança da dominação social e se defenderem das constantes inva­
aristocrático dentro da velha e sões, os parentes do páter, os aristocratas, passaram a residir em refúgios fortifica­
primitiva democracia, que tinha
dos, chamados acrópoles. Em volta da acrópole, os demiurgos faziam artesanato e
nascido naturalmente. Os
diferentes povos mantiveram praticavam o comércio, surgindo daí uma concentração popular que originou a pó­
incessantes guerras pela posse lis (cidade) .
dos melhores territórios e também No início, essas cidades-estados eram essencialmente núcleos de proprietários de
com o objetivo de saque, pois já latifúndios (aristocratas) e lavradores. Viviam dentro de muralhas e saíam todos os
era uma instituição reconhecida a
dias para trabalhar no campo, regressando à noite. O território de uma cidade grega
escravização dos prisioneiros
de guerra. (Engels, F.A., A incluía um perímetro agrário, com toda a população ali existente. Em algumas cida­
origem da família, da propriedade des, o crescimento do comércio e do artesanato, com uma divisão social de trabalho •

privada e do estado) mais intensa, fortaleceu uma camada média de demiurgos.


As cidades gregas apresentavam características muito especiais. Havia a acrópole,
templo construído numa elevação; a ágora, praça central onde se reuniam os habi­
tantes; o asty, mercado onde se realizavam as trocas comerciais. No momento em
que esse tipo de cidade se firmou, a economia passou do sistema gentílico para o
urbano, embora prevalecessem ainda alguns elementos da economia familiar.
Entretanto, a organização social ainda refletia o passado tribal do período homéri­
co. Os habitantes das cidades permaneciam divididos em clãs e fratrias, sendo os
clãs de composição essencialmente aristocrática.
Formaram-se aproximadamente duas centenas de cidades, com um desenvolvimento
histórico diferente. As duas principais foram Atenas e Esparta.
Apesar de contarem com poucas terras férteis, Atenas, Corinto e outras cidades
gregas estabeleceram governos onde o poder era exclusividade de quem possuía gran­
des extensões de terras (latifúndios) . O aumento da população e a concentração da
riqueza provocaram conflitos sociais, nos quais as camadas médias se chocavam com
a aristocracia, pois a classe de comerciantes e artesãos tornava-se rica e forte.
O pequeno proprietário rural levava uma existência precária. A pequena proprie­
dade era engolida pela grande e a subdivisão das pequenas propriedades entre os
herdeiros tornava impossível uma agricultura eficaz. A solução para todos esses pro­
blemas foi a colonização.
<(
(.!)
1- A colonização grega
:z:
<(
<(
u Os mesmos fenômenos sociais que provocaram a desintegração dos gens a partir
•W
c: do século VIII a.C. passaram a agir com intensidade nos séculos seguintes. Os fi­
(.!) lhos mais novos ou os deserdados da fortuna começaram a abandonar a Grécia, indo
-
em busca de novos lugares, com o objetivo de ter uma vida mais lucrativa e agradá­
16 vel. A noheza de nascimento, mas sem bens, assim como o pequeno proprietário
empobrecido tinham na colonização uma saída para seu crônico problema social.
Logo essa dispersão provocou a formação de novas cidades, entre as quais Marse­
lha, no mar Mediterrâneo, e Bizâncio, onde hoje se localiza Istambul.
O desenvolvimento do comércio e do artesanato exigia novos mercados consumi­
dores para ânforas, azeite e outros produtos. Precisava-se, também, de fornecedores
de alimentos, pois o árido solo grego não conseguia alimentar toda a população.
Além disso, a fundação de colônias, com saques das tribos nativas, er.a um impor­
tante recurso de aquisição de escravos; e o escravismo crescia, junto com o comér­
cio e o artesanato.
Desse modo, além das condições sociais, a busca de novas terras e a necessidade
de alimentos foram dois outros importantes fatores da expansão dos domínios da
Grécia.
As colônias gregas possuíam governo próprio, mas mantinham com a cidade-mãe, Aristóteles, como outros pensadores
a metrópole, laços culturais e econômicos. gregos, refleúa uma concepção de mun­
do das camadas superiores gregas que ti­
A ampliação do comércio entre a metrópole e a colônia resultou no desenvolvi­
nham acesso à cidadania e aos direitos
mento, na metrópole, do artesanato e do comércio. Algumas cidades gregas, como políticos. No trecho abaixo, Aristóteles
Atenas e Corinto, transformaram-se em cidades rodeadas de bairros de comerciantes justifica a necessidade da escravidão.
e artesãos.
Com a separação entre o artesanato e a ( . . . ) As propriedades são uma reunião de instrumentos e o escravo é uma pro­
agricultura, o trabalho escravo cresceu lar­ priedade instrumental animada (. .. ) Se cada instrumento pudesse executar por
gamente, sobretudo porque a escravidão si próprio a vontade e o pensamento do dono( ... ) os senhores não teriam neces­
não se devia apenas ao endividamento do sidade de escravo( . . . )
Todos aqueles que nada têm de melhor para nos oferecer que o uso do seu
pequeno proprietário, mas também ao co­ corpo e dos seus membros são condenados pela Natureza à escravidão. É me­
mércio, saque e importação de escravos es­ lhor para eles servir que serem abandonados a si próprios. Numa palavra, é na­
trangeiros. turalmente escravo quem tem tão pouca alma e tão poucos meios que deve
O crescimento do comércio e do artesa­ resolver-se a depender de outrem ( . . . ) o uso dos escravos e dos animais é aproxi­
madamente o mesmo ( ... )
nato, assim como o desenvolvimento das
(Aristóteles, A política)
forças produtivas, consolidou na Grécia
uma sociedade de classes, com predomí-
nio do trabalho escravo .
A ampliação das camadas médias (de-
miurgos) e do escravismo, bem como a expansão do colonialismo, provocou a
contestação do poder da aristocracia, originando conflitos sociais e políticos que ca­
racterizaram a passagem do período arcaico para o período clássico.
Reformas como a de Sólon, em Atenas, e a tirania, como a de Pisístrato, também
em Atenas, foram reflexos políticos das mudanças sociais e econômicas resultantes
da colonização grega.

O escravismo grego

O desenvolvimento da propriedade privada no século VIII a.C. - quando a eco­


nomia era ainda essencialmente rural, baseada na exploração agrícola - favoreceu
o poder da aristocracia. Em toda a Grécia continental, ocorreram violentos conflitos
sociais motivados pelo incremento das relações mercantis, que privilegiavam comer­
ciantes e artesãos, e por uma inadequada distribuição da propriedade fundiária.
A crise política tornou-se mais grave quando os aristocratas perderam definitiva­
mente o poder militar. Com a introdução de armas baratas - lanças e escudos de
madeira -, os pobres puderam ter a chance de defender-se mais ativamente. Desse
modo, os aristocratas viram-se atacados por dois inimigos: comerciantes e artesãos
enriquecidos que queriam participar do governo e defender seus interesses; e pobres
marginalizados que, na ânsia de melhorar sua condição econômica, reivindicavam
o fim da escravidão por dívida e uma repartição mais justa da propriedade.
Embora nas cidades mercantis, como resultado das lutas sociais, o peso dos estra­
tos urbanos tenha permitido a transição das aristocracias tradicionais para as demo­
cracias do período clássico (cujo melhor exemplo é Atenas) , os escravos pouco
<{
ganharam com esses movimentos. t!J
Os escravos continuaram a ser o principal sustentáculo da economia grega, j á que i=
2
tanto proprietários rurais como comerciantes e artesãos necessitavam de seu serviço <{
<{
para expandir os negócios. u
•LU
Na verdade, o trabalho escravo existia na Grécia desde o período homérico, quan­ a:
t!J
do a forma mais comum de escravidão era a doméstica. Inicialmente, predominou
a escravidão por dívida, isto é , o devedor passava a ser propriedade do credor, ou -

os pais vendiam os fllhos ou fll.has considerados rebeldes, ato comum em sociedades 17


patriarcais. Com a colonização e o desenvolvimento do escravismo, no fmal d o pe­
ríodo arcaico, houve uma diversificação das tarefas atribuídas aos escravos. A econo­
mia das cidades gregas passou a depender cada vez mais da mão-de-obra escrava
para desenvolver suas atividades produtivas.
Os escravos desempenhavam desde as funções de um trabalhador braçal até ativi­
dades administrativas, recolhendo impostos para o Estado. Juridicamente, eles sim­
plesmente não existiam; dessa forma, não possuíam nenhum direito e o proprietário
(ou o Estado) podia fazer deles o que bem entendesse.
As mulheres escravas eram utilizadas como objeto de prazer, sendo submetidas
a uma operação que as impedia de gerar ftlhos.
O valor do escravo variava conforme suas habilidades. No período helenístico, es­
se tipo de mão-de-obra alcançou um preço maior devido ao grande afluxo de ouro
e prata.
As guerras do período clássico também resultaram no aumento do escravismo, a
partir do jugo imposto aos povos vencidos. Nesse período, entre setenta a oitenta
por cento da população era constituída de escravos. O cidadão era aquele que não
era escravo ou estrangeiro. Como praticamente não trabalhava, podia dedicar-se ao
exercício da cidadania, participando da política e interessando-se pelo desenvolvi­
mento da ciência e a ftlosofia.
O auge da cultura grega coincide com a existência de uma massa escrava explora­
da. Quando o escravismo entrou em crise, o brilho cultural da civilização grega en­
trou em decadência.

A oligarquia militar de Esparta


Localizada na Lacônia, uma fértil planície situada na região central da península
do Peloponeso, Esparta foi uma das primeiras cidades-estados gregas. Foi fundada
pelos dórios, povo de origem indo-européia, que invadiu a região no século XII a .C .
e dominou os aqueus. O s aqueus viviam n a região desde o século XVI a.C. , moran­
No texto abaixo, o historiador grego
Xenofonte descreve a educação esparta· do em pequenas vilas agrárias. Alguns se submeteram aos dórios, tornando-se seus
na voltada para a preparação física e a aliados; outros resistiram e foram escravizados.
guerra. As terras conquistadas pelos dórios foram distribuídas entre os guerreiros,
constituindo-se as explorações familiares,
Em toda a Grécia, o costume dos que pretendem dar boa educação aos filhos base do sistema gentílico do período ho­
é o seguinte: logo que atingem a idade adequada são entregues aos cuidados
mérico. A propriedade da terra era coleti­
do pedagogo ou tutor. Com esses criados são enviados à escola de algum pro­
fessor onde aprendem gramática, música e diversos exercícios físicos. Além disso, va e o regime, patriarcal. Existiam poucas
recebem sapatos que tornam seus pés macios e seus corpos são debilitados por diferenças entre as classes sociais. A cons­
diversas mudas de roupa. E a medida da comida é seu apetite. tituição de Esparta (Grande Retra) esta­
Mas Licurgo, em vez de deixar a cada cidadão o encargo de escolher um
belecia que o governo da cidade deveria ser
escravo-tutor para seu filho, designou um paidônomo como guardião público dos
meninos espartanos com total autoridade sobre eles. regido por dois reis (diarquia), um conse­
Para auxiliar o educador, criou um corpo de jovens fortes, portando chicotes lho e uma assembléia. A sucessão era he­
para infligir castigos quando necessário. O resultado feliz foi que em Esparta reditária, existindo apenas duas grandes
a humildade e a obediência vão sempre de mãos dadas e não existe falta de qual­ famílias: os ágidas e os euripôntidas.
quer delas.
Havia três camadas na sociedade: os es­
Em vez de amolecer seus pés com sapatos ou sandálias, decretou que deve­
riam endurecê·los andando descalços. Para que não se tornassem efeminados partiatas ou espartanos, descendentes dos
com uma variedade de roupas determinou que usassem um só traje o ano inteiro invasores dórios, que formavam a aristocra­
porque desta maneira suportariam melhor as variações de calor e frio. cia e exploravam o trabalho servil na agri·
O prefeito ou cabeça de bando vigiava para que seu grupo não comesse de­
cultura. Os hilotas - camada que corres
mais nas refeições coletivas, para que não se tornasse indolente ou desconhe­
cesse as agruras da vida pobre.
pondia à massa da população vencida e sub
Sua crença era que, com este ensinamento na infância, os espartanos pode­ metida à servidão coletiva - pertenciar
riam lutar com estômago vazio quando fosse necessário. ao Estado ou a particulares e trabalhavam
Para que os meninos nunca ficassem sem autoridade em caso de ausência do na agricultura, entregando grande parte da
guardião, deu a qualquer cidadão que estivesse presente o direito de admoestá­
produção aos espartiatas. E os periecos,
los ou castigá-los por qualquer infração. Com isso criou nos meninos de Esparta
a. mais rara humildade e reverência.
que não tinham direitos políticos, mas
<(
c..:;l Todos sabemos que não há Estado no mundo onde seja demonstrada maior obe­ eram livres. Trabalhando como comercian­
i= diência aos magistrados e às leis do que Esparta. tes e artesãos, possuíam pequenas proprie­
:z
<( Noutros países , nenhum líder quer cjue nem mesmo se pense que tem medo dades, embora não pudessem adminis­
<( dos magistrados. Isso seria encarado como símbolo da submissão.
u Em Esparta, ao contrário, quanto mais poderoso o homem, mais facilmente se
trá-las fora dos limites da cidade.
•LU
a: curva perante a autoridade constituída. Somente os espartiatas eram considera­
c..:;l (Xenofonte, "A Constituição dos Lacedemônios' ' in Coletânea de documentos históricos CENP) dos cidadãos espartanos. Iniciavam sua
- preparação militar aos sete anos de idade,
18 praticando pesados exercícios físicos e acos-
tumando-se a dormir em camas de bambu, a passar fome e sede. Os jovens espartia­
tas participavam de uma competição anual que consistia em matar o maior número
possível de servos. Era uma das formas encontradas para limitar o crescimento da
população hilota.
Por volta de 650 a.C . , esse sistema sofreu profundas alterações. A conquista da
planície de Messênia, motivada pela escassez de terras, provocou o aumento do
número de servos. Os messênios revoltaram-se, obrigando Esparta a tomar medidas
drásticas para impedir o crescimento das rebeliões. A cidade passou a viver pratica­
mente em função do problema servil. As conquistas externas foram interrompidas
e o governo limitou-se a manter a sua política de aliança com os povos vizinhos.
Redefinindo a economia, Esparta aboliu a grande propriedade familiar e estabele­
ceu, em seu lugar, uma vasta propriedade estatal, chamada terra cívica, dividida
em lotes. Distribuídos entre os guerreiros dórios (espartiatas), esses lotes não podiam
ser cedidos ou divididos. O Estado conservava a posse legal da terra, cabendo aos
cidadãos o seu usufruto. O controle dos servos também passou para a competência
exclusiva do Estado, que os distribuía em lotes e podia dispor de suas vidas. As com­
petições anuais visando a morte dos servos também foram abolidas.
As mudanças políticas acompanharam as transformações econômicas. Esparta
tornou-se definitivamente uma oligarquia e somente os espartiatas passaram a ter
Algumas características da educação es­
direito às decisões políticas. O poder supremo foi monopolizado por um Conselho partana, segundo o historiador grego
de Anciãos (Gerúsia), composto de 28 gerontes, um grupo de cinco magistrados Plutarco.
(éforos) e dois reis (diarcas). Mais tarde, a diarquia perdeu parte de suas funções
executivas, conservando apenas as funções militares e sacerdotais. Os magistrados mandavam os
jovens mais inteligentes
Apenas os espartiatas com mais de trinta anos podiam participar das assembléias percorrerem o país, tendo apenas
que escolhiam os gerontes. E para �:>er membro do Conselho de Anciãos era preciso punhais e víveres necessários.
ter mais de sessenta anos. O mesmo procedimento era exigido para a escolha dos Disseminados aqui e ali, durante
magistrados que compunham a éfora. o dia, mantinham-se ocultos em
esconderijos; à noite, saíam e
Cumpria ao Conselho de Anciãos redigir as leis votadas durante as assembléias.
estrangulavam os hilotas que lhes
Nesse sentido, a Gerúsia exercia um poder meramente consultivo. Por outro lado, caíam nas mãos. Muitas vezes
atribuía-se aos éforos um poder executivo quando assumiam as principais decisões também obrigavam os hilotas a
do governo. beber à força vinho puro, depois
Esse sistema caracterizou Esparta como uma cidade extremamente conservadora. conduziam-nos a salas de refeição
pública para mostrar aos jovens o
Como resultado de uma economia estática, fundamentada na mão-de-obra servil e que é a embriaguez. Em Esparta,
nos privilégios de uma minoria aristocrática, a cidade começou a regredir cultural o homem livre é inteiramente
e socialmente. O seu desenvolvimento foi muito diferente do de Atenas que, a partir livre, e o escravo é inteiramente
das mudanças do período arcaico ao período clássico, conseguiu derrubar as bases escravo.
(Plutarco in Malet/Isaac,
da oligarquia e instaurar a democracia.
História Universal)

A democracia ateniense

Graças a sua localização na península Ática, que se estende por todo o mar Egeu,
Atenas escapou das grandes correntes invasoras (principalmente os dórios) . Com pou­
cas terras férteis, os atenienses dedicaram-se ao comércio marítimo, favorecido pela
existência de portos naturais e de minas de prata, que facilitaram a emissão de moe­
das. O desenvolvimento do comércio transformou Atenas em grande centro eco­
nômico.
Seus primitivos habitantes eram de origem ariana (aqueus , jônios .e eólios), mas
os atenienses se consideravam apenas jônios. Essa população distribuiu-se em vilas
espalhadas pela planície, organizadas, segundo a estrutura patriarcal, em fratrias e
gens. Por volta do século X a.C . , essas vilas aglutinaram-se pacificamente em diver­
sas pólis, da qual Atenas se tornou capital.
Dois séculos depois, a estrutura econômica da cidade mantinha-se ainda essen­
cialmente rural, baseada na grande propriedade. Já se notava, porém, o desenvolvi­
<(
mento de atividades artesanais e mercantis que ultrapassavam os limites da própria (.!)
Atenas. A camada social dominante era constituída pelos eupátridas (bem-nascidos), 1-­
z
cujas grandes propriedades eram cultivadas por escravos, rendeiros e assalariados. <(
<(
Embora o governo fosse monopolizado pelos eupátridas, o regime era monárquico u
•LU
e hereditário, sendo chefiado por um monarca (o basileu, que era chefe de guerra, c:
juiz e sacerdote), cujo poder era limitado por um conselho de aristocratas, o areópago. (.!)
-
A colonização provocada pela diáspora ampliou o.s horizontes do mundo grego.
O contato dos colonos com a metrópole intensificou-se e Atenas transformou-se em 19
As reformas de Sólon diminuíram o importante centro comercial. Como resultado, os comerciantes e artesãos tornaram­
poder da aristocracia eupátrida, prote· se cada vez mais numerosos, iniciando um processo de ascensão na escala social.
gendo os endividados e lançou as bases
As leis do legislador Dracon (623 a.C . ) , embora reforçassem os privilégios dos
da democracia ateniense, mais tarde con­
solidada por Clístenes . O texto abaixo
eupátridas, foram as primeiras leis escritas destinadas a impedir abusos em relação
descreve isso: às classes inferiores.
Outro legislador, Sólon, promulgou uma
série de leis que limitavam o poder dos eu­
Não houve a abolição das dívidas, mas os juros foram reduzidos e os pobres,
aliviados, deram-se por satisfeitos. Deram o nome de "seisachteia" a esta deci·
pátridas. Sólon determinou o fim do mo­
são plena de humanidade e à operação concomitante do aumento de peso e das nopólio do poder pela aristocracia (que se
medidas e da desvalorização monetária. Sólon, com efeito, fixou o valor da mina baseava no critério de nascimento) e insti­
em cem dracmas, que até então era somente setenta e três. Desta maneira, os tuiu um novo sistema de participação de
devedores que saldavam as dívidas entregavam numericamente a mesma quan·
poder baseado na riqueza dos cidadãos
tia, mas, na realidade, davam menos; ganhavam assim bastante, sem lesar em
nada seus credores. (eclésia). Nessa assembléia, que dividia os
cidadãos em quatro classes políticas, todos
(Plutarco in J. Pinsky, 100 textos de história antiga) podiam participar igualmente das decisões.
Todavia, poucos podiam votar, já que o di-
l
reito de voto era baseado exc usivamente
na riqueza. Sólon também acabou com a escravidão por dívida, mas a situação do
escravo continuou a mesma.
As reformas de Sólon não puderam ser devidamente aplicadas devido à rivalidade
entre os partidos políticos e sociais. Essas desavenças provocaram o aparecimento
dos tiranos, homens que se apoderavam do poder sem respeitar a legislação estabe­
lecida, ou seja, de forma ilegítima. Vale a pena ressaltar que o termo tirano não en­
volvia, então, o sentido pejorativo que carrega atualmente.
Pisístrato foi o principal tirano. Líder do partido diacranos (partido das monta­
nhas) , formado por pequenos proprietários (gergois) e por trabalhadores remunera­
dos, tomou o poder, derrotando os pedianos (partido da aristocracia) e os paralianos
(partido dos grandes comerciantes) .
Ao assumir o poder, confiscou grande parte das terras dos eupátridas e distribuiu­
as aos camponeses pobres. Foi criado um sistema de crédito estatal aos camponeses
(pequenos proprietários rurais) para que estes não recorressem aos empréstimos dos
eupátridas.
Com a morte de Pisístrato (527 a .C . ) , o poder passou a Hiparco e Hípias, seus
filhos . Sem a mesma popularidade, foram derrubados pelos eupátridas,
restabelecendo-se a oligarquia em Atenas .
A volta da oligarquia uniu diacranos e paralianos que, liderados por um aristocra­
ta progressista, Clístenes, realizaram uma série de reformas políticas. Clístenes im­
plantou a democracia em Atenas.
As reformas de Clístenes limitavam o poder do arcondato e do areópago, concen­
trando o poder na assembléia popular (eclésia) , onde todo cidadão ateniense podia
A organização social grega caracteri­
falar e propor leis. O poder passou a ser exercido pela bulê, ou conselho dos 500,
zava-se por um excessivo patriarcalismo.
O texto abaixo, do historiador Xenofon­ composto por 50 elementos dos 10 demos de Atenas, que foi dividida por Clístenes
te, revela a condição da mulher ateniense. em três regiões: cidade (asty) , interior (mesogia) e litoral (paralia) .
A democracia ateniense era o regime do
povo, que constituía a parcela menor da
Eis os conselhos que um bom marido dá à sua mulher: "É mais honesto para população, pois excluía escravos, estrangei­
a mulher ficar em casa do que estar sempre saindo; e é mais vergonhoso para ros e mulheres. Ao povo pertenciam ape­
o homem ficar em casa do que fora, tratando de negócios. Portanto, deverás (tu, nas os que tinham direitos políticos e eram
mulher) permanecer em casa, mandar acompanhar teus servos encarregados dos
considerados, por isso, cidadãos atenienses.
trabalhos externos e fiscalizar pessoalmente aqueles que trabalham dentro de
casa. Deverás receber o que for trazido e distribuir as provisões que deverr: ser A democracia fez com que o poder, an­
usadas; com relação ao supérfluo, tu deverás zelar para que nâo se gaste num tes dominado pelos eupátridas, passasse a
mês o que estiver destinado ao ano i nteiro. Quando te trouxerem lã, tu manda· ser exercido pelos pequenos proprietários,
rás fiar e tecer vestuário para aqueles que deles estiverem necessitando; igual­
artesãos e comerd.antes, submetendo uma
mente, terás que zelar para que as provisões secas estejam boas para comer.
Entretanto, uma das tuas funções que, talvez, te agradará menos: se algum de
massa de escravos, metecos (estrangeiros)
teus escravos ficar doente, deverás cuidar dele até sua cura completa". e mulheres.
<(
c.:J (Xenofonte, Economia) A democracia ateniense tornou-se um
1-­ exemplo para muitas cidades gregas e a ci­
z
<( dade de Atenas passou a ser o centro polí­
<(
tico e cultural da Grécia no século V a.C.
u
·L.U Por outro lado, as reformas de Clístenes produziram um período de estabilidade
a:
c.:J em Atenas. Essa estabilidade permitiu a formação de um sistema coeso, capaz de
- enfrentar um longo período de perturbações externas - provocadas pelas guerras
20 contra os persas - que ajudaram a consolidar ainda mais as instituições atenienses.
As guerras greco-pérsicas A Batalha de Maratona (490 a.C.) foi
contra os persas. Milcíades, o grande es·
trategista ateniense, soube atacar as for­
trategista ateniense soube atacar as for­
ças persas nos seus pontos mais fracos .
. Quase todas as colônias gregas situadas no Oriente foram ocupadas pelas tropas
O inimigo não conseguiu se defender e
persas desde os tempos do rei Ciro. No início, os persas respeitavam a autonomia perdeu mais de 6 000 homens. Heródo­
das cidades gregas da Ásia, das quais recebiam contribuições aparentemente espon­ to conta como os atenienses arremês­
tâneas. Com o passar do tempo, entretanto, a exigência cada vez maior de impostos saram-se a passo acelerado contra os
persas.
obrigou muitas dessas cidades a se revoltarem, principalmente Mileto, que contou
com a ajuda dos atenienses. Esse foi o motivo para a guerra total entre gregos e persas.
Primeira guerra. A cidade de Mileto foi
arrasada e seus habitantes deportados pa­
Os Persas , vendo os adversários na fúria da corrida, esperaram o choque. Por
ra a Mesopotâmia. Em seguida, uma ex­
seu pequeno número, por essa maneira de atacar correndo, j ulgaram-nos presa
pedição militar persa submeteu a Trácia e de uma loucura que iria, em um abrir e fechar de olhos, perdê-los, tanto mais
a Macedônia. Em 492 a.C. , Dario exigiu que não tinham cavalaria nem arqueiros. Os Atenienses meteram-se na confu­
a rendição incondicional dos gregos. Atra­ são e combateram com bravura digna de memória. A manobra surtiu: No cen­
tro, os Bárbaros levaram vantagem. Mas, nas duas alas, os Atenienses e os
vessando o mar Mediterrâneo, Dario de­
Plateienses (soldados de Platéia, cidade vizinha e amiga) derrotaram os corpos
sembarcou o exército persa na planície que lhes opunham resistência; tendo-se reunido, voltaram-se contra os que des­
grega de Maratona, a poucos quilômetros barataram o seu centro. A vitória dos Atenienses foi completa. Desbarataram os
de Atenas. Avisados a tempo, os atenien­ fugitivos empurrando-os até o mar.
ses conseguiram se organizar. Comandados (Heródoto in Malet!Isaac, História Universal)
por Milcíades e ajudados pelas irregulari­
dades do terreno - que dificultaram a ação
da cavalaria persa -, conseguiram vencer os persas. Com a vitória, o prestígio de
Atenas aumentou como nunca entre os gregos.
Segunda guerra. Dez anos depois, os persas voltaram a ameaçar a Grécia. Xerxes,
sucessor de Dario em 486 a.C. , preparou uma nova ofensiva. Para atravessar o es­
Na tragédia Os Persas, de Ésquilo, um
treito de Dardanelos, os persas chegaram ao requinte de construir uma ponte feita
dos personagens, um mensageiro persa,
com barcos. Mas a iminência da dominação uniu ainda mais os gregos: formou-se narra a batalha de Salamina, vitória grega
uma confederação de cidades - a Confederação ou Liga de Delos - para lutar liderada pelo ateniense Temístocles.
contra os invasores.
Cerca de 6 000 espartanos, comandados
Quando o dia de brancos corcéis lança sua claridade sobre a terra, eis que,
pelo rei Leônidas, tentaram barrar os per­ sonoro, um clamor se eleva do lado dos gregos( . . . ) E o terror se apodera de todos
sas no desfiladeiro das Termópilas. Mas es­ os bárbaros, pois se os gregos entoavam esse canto solene, era para marchar ao
tes descobriram outra passagem, no alto combate( . . . ) e os apelos da trombeta inflamavam toda a sua linha. Logo os remos
das montanhas. Para permitir a retirada de ruidosos ferem a água profunda em cadência, logo todos surgem à plena vis­
ta( ... ) e podia-se ouvir então, muito próximo, um imenso apelo: "Ide, filhos dos
seus homens, Leônidas e mais 300 solda­
Gregos, libertar a pátria, libertar vossos filhos e vossas mulheres, os santuários
dos resistiram no desfiladeiro, acabando dos deuses de vossos pais e os túmulos dos vossos antepassados: é a luta supre­
massacrados pelos persas. Os persas ata­ ma"( . . . ) Um navio grego deu o sinal de abordagem( . . . ) O afluxo dos vasos persas
caram Atenas depois de a população ter si­ resistia a princípio; mas todos eles amontoando-se em um passo estreito onde
se abordam mutuamente chocando as suas faces de bronze, quebram a apare­
do retirada. Embora vazia, Atenas foi
lhagem dos remos, e então as trirremes gregas destramente os envolvem, batendo­
incendiada. os; os cascos reviram-se; o mar desaparece sob um amontoado de destroços, de
Temístocles, comandante dos atenienses, cadáveres sangrentos, e uma fuga desordenada arrebata em todos os remos o
atacou a frota persa no golfo de Salamina que resta dos navios bárbaros - enquanto os Gregos, como se fossem atuns,
e destruiu-a. Em seguida, Pausânias, rei peixes sem lombo, ferem, matam, com restos de remos, fragmentos de destro­
ços! . . . A soma das nossas perdas, mesmo que eu levasse dez dias para relacioná­
de Esparta, comandando um exército gre­
las, não saberia estabelecê-la ... "

go unificado, derrotou os persas na bata­ (Ésquilo, "Os Persas", in Malet/Isaac, op. cit. )
lha de Platéia.
O poderoso império persa foi obrigado
a curvar-se diante dos gregos que, na ofen-
siva conduzida pela Liga de Delos, forçaram os persas a aceitar a paz e sair da Ásia
Menor.

A época de Péricles: apogeu de Atenas


<(
(.!:)
i=
z
Atenas atingiu seu momento de maior esplendor durante o governo de Péricles, <(
que assumiu a liderança política do Estado depois do ostracismo de Címon, filho <(
u
de Milcíades. Péricles governou durante quinze anos (de 444 a 429 a.C.) e durante •u.J
0:
seu governo as instituições de Atenas funcionaram harmoniosamente. (.!:)
-
Péricles realizou uma série de reformas políticas, instituindo o pagamento aos mem­
bros dos tribunais e da assembléia. Iniciou ainda a construção de diversas obras pú- 21
blicas, tanto para embelezar a cidade e reforçar sua defesa, quanto para dar emprego
aos desocupados. Soldados e marinheiros passaram a receber salários; a assembléia
popular conseguiu deter amplos poderes políticos. Mas as reformas de Péricles não
conseguiram alterar a situação dos escravos. O esplendor cultural de Atenas atingiu
um de seus pontos mais altos. Houve um
Graças à elevação do seu caráter, à largueza de suas vistas, ao seu desinteres­ grande desenvolvimento do teatro, assim
se sem limites, Péricles exercia em Atenas uma incontestável ascendência. Per­
como das artes em geral. Os cidadãos re­
manecia livre dirigindo a multidão. Não devendo o seu crédito senão a meios
honestos, não tinha necessidade de lisonjear as paixões populares; a sua consi­ cebiam o theoricon, uma quantia em di­
deração pessoal permitia-lhe afrontá-los com autoridade. Quando via que os ate­ nheiro para assistirem aos espetáculos
nienses se entregavam a uma audácia intempestiva, aterrorizava-os com a sua teatrais. Péricles cercou-se dos maiores in­
palavra. Quando abatidos sem motivos, ele tinha a arte de reanimá-los. Em uma telectuais de seu tempo, como o escultor
palavra, a democracia subsistia nominalmente: em realidade era o governo do
primeiro cidadão.
Fídias, o poeta trágico Sófocles, o histo­
(Tucídides, livro 11, in, Malet!Isaac, op. cit.) riador Heródoto e o filósofo Anaxágoras.
As escolas de Atenas eram freqüentadas
por estudantes de toda a Grécia.
Atenas após a vitória contra os persas, Entretanto, a expansão de Atenas entrou em choque com a de Esparta, provocan­
atingiu seu momento de maior prosperi­ do uma guerra entre as duas cidades , conhecida como Guerra do Peloponeso.
dade e poder. Nesse período os atenien­
ses escolheram como estratego um ho­

A rivalidade entre as cidades gregas


mem excepcional: Péricles que governou
a cidade cerca de trinta anos (461 -429
a.C.). No texto acima, o historiador Tu­
cídides louva as qualidades pessoais de
Péricles. O êxito de Atenas despertou a rivalidade de Esparta e de Corinto. Nessa época,
muitos aliados atenienses desejavam desligar-se da Confederação de Delas, já que
não havia mais razão para a sua existência depois da vitória contra os persas. No
entanto, Atenas exigiu que continuassem na Liga e mantev� a cobrança dos tributos
de guerra. Algumas cidades se revoltaram, entre elas, Naxos e Tasos, sendo destruídas.
Depois das guerras greco-pérsicas, Atenas se transformou em grande potência co­
mercial e marítima. Os atenienses se orgulhavam de viver no maior centro econômi­
co e cultural da Grécia.
O dinheiro da Liga de Delos, originalmente guardado para combater uma possí­
vel ameaça persa, foi usado na fortificação de Atenas. Assim, a hegemonia ateniense
na Grécia tornava inevitável o choque com Esparta.
Corinto, rival comercial de Atenas, pertencia à Liga do Peloponeso, liderada por
Esparta. O conflito eclodiu inicialmente em 43 1 a.C . , entre Corinto e Atenas, provo­
Ainda no governo de Péricles
cando logo a intervenção de Esparta. Começou assim a guerra do Peloponeso, que
ocorre a guerra do Peloponeso: Atenas durante 27 anos devastaria as cidades gregas.
entra em guerra com Esparta, a sua Péricles, então governante de Atenas, resistiu ao forte ataque dos espartanos por
antiga rival. Atenas favorecia as
democracias e Esparta os regimes
oligárquicos. A guerra teve duas
fases, a primeira se inida em 431 e
sua causa foi a disputa de Atenas e
Corinto (aliada de Esparta) pela
hegemonia das rotas comerciais do
Mediterrâneo Ocidental . Nesta fase da
guerra ocorreu uma peste em Atenas
e acabou vitimando Péricles. Em 42 1,
Esparta e Atenas celebram a Paz de
Nícias que no entanto teve curta
duração. A segunda fase da guerra se
inicia em 4 1 3 a.C., quando Atenas
resolve conquistar as cidades gregas
da Sicaia. A esquadra ateniense é
derrotada em Siracusa. Esparta recebe
ajuda dos persas e se alia a várias
cidades-estados formando a Liga do
Peloponeso e Atenas forma a Liga de
Delos unindo-se a Argos, Elis e
<( Mantinéia (veja o mapa ao lado) . Os
(,!) MAR JÓN/0

, ... iÍÍodes
1---
atenienses são derrotados pelos 1:) 4
2 espartanos nas batalhas de Egos
<(

'dl /t
Potamos (405 a.C.). Após ser
<(
u
•UJ
bloqueada por terra e por mar,
Atenas assina a paz com Esparta em )f
.. scarpanto
.
0::: 404 a.C . , os atenienses são obrigados
(!)
a derr1,1bar as muralhas que cercavam
-

22
a cidade, entregar sua esquadra e
reconhecer a hegemonia de Esparta. Esparta a s
e seus ali d o O t A ena s e seus aliados = Neutros
terra, enquanto no mar os atenienses, comandados por Temístocles, devastaram a Filipe II da Macedônia, após centra­
frota de Corinto, aliada de Esparta. lizar o poder lançou-se na conquista da
Grécia. Ésquines, importante político e
Como os ataques espartanos eram constantes, toda a população vizinha refugiou­
orador ateniense, era a favor da submis­
se dentro da cidade de Atenas. Como conseqüência, uma terrível peste atingiu a ci­ são dos gregos aos macedônios assim co­
dade, dizimando grande número de pessoas. O próprio Péricles foi vítima da peste, mo Isócrates. Demóstenes, outro famoso
morrendo em 429. orador, era a mais importante voz que
As cidades dominadas pela Liga de Delos aproveitaram-se do enfraquecimento de clamava em defesa da soberania das cida­
des-estados gregas.
Atenas e se revoltaram. Com o poderio da cidade abalado, o governo foi retomado
pela aristocracia. Em 421 a.C., Nícias, um aristocrata, assinou um tratado de paz Na luta diplomática entre a
com Esparta,mas essa !régua duraria pouco. Em 415 a guerra recrudesce. Contando Macedônia e a Pérsia, a Grécia
com o apoio do rei da Pérsia, Esparta consegue derrotar Atenas no mar e por terra, tinha um difícil papel a
impondo-lhe a rendição em 404 a.C. Começa assim um período de hegemonia de desempenhar. Logo compreendeu
as aspirações de Filipe. Havia um
Esparta. grupo de idealistas no país -
No entanto, não interessava aos persas fortalecer qualquer das cidades gregas. As­ Isócrates, o mais importante deles
sim é que, em 396 a.C., apoiaram uma liga de cidades gregas que se insurgiam con­ - viu que a cidade-estado não
tra Esparta, entre as quais se destacavam Atenas e Tebas. Os conflitos entre as cidades tinha poderes para efetuar uma
união de nação e compreendeu o
gregas sucederam-se. Atenas recobrou seu poderio e conseguiu voltar a impor-se,
perigo persa. Portanto, os
por um curto período. componentes desse grupo estavam
Ao assinar o acordo de paz com o rei da Pérsia, Esparta reconheceu o domínio inclinados a suportar a
dele sobre os gregos da Ásia, enfraquecendo-se cada vez mais. Na verdade, através dependência da Macedônia ( ... ) e
de sucessivos conflitos, as cidades gregas foram se alternando no poder, culminando na submissão a ela viam a única
solução possível, o único meio de
com a hegemonia de Tebas, que se impôs graças à liderança de Epaminondas. Mas preservar para a Grécia sua
o domínio tebano durou pouco (371 a 362 a.C.). Marcada pelas conseqüências das importância e proeminência na
guerras do Peloponeso e por rivalidades internas, a Grécia tornara-se um alvo fácil vida política e na civilização
para outros conquistadores. mundial. Um dos defensores mais
ativos dessa política em Atenas
A Macedônia, região situada ao norte e governada por Filipe II, conquistou toda
era Ésquines, um eloqüente
a Grécia. orador.
Mas a maioria na Grécia
Domínio macedônico adotava um ponto de vista
diferente, encontrando um líder
A Macedônia localizava-se ao norte da Grécia. Cercada de grandes montanhas e em Demóstenes, orador retórico e
vales férteis, essa região possuía uma economia fundamentada na agricultura e no estadista, inimigo ferrenho da
Macedônia e defensor das antigas
pastoreio; em comparação com as cidades gregas, comercialmente desenvolvidas e tradições. Para Demóstenes e seus
urbanizadas, era considerada atrasada. seguidores, a questão em pauta
Os macedônios eram povos de origem ariana. Sua organização política, baseada era a liberdade da Grécia, que
na nobreza territorial, apoiava-se numa economia agrária bastante rudimentar. Os identificavam com a cidade­
estado, sua independência, seu
ricos proprietários de terras, em número muito pequeno, exploravam os campone­
direito de resolver seus próprios
ses pobres e escravos. Por outro lado, devido a sua posição geográfica, eram freqüen­ assuntos, nacionais e estrangeiros,
temente ameaçados por regiões vizinhas como a Ilíria, a Trácia e o Epiro. Esses fatores sem interferência externa. Oposta
obrigaram os macedônios a se tornarem um povo prático e extremamente combativo. a essa liberdade estava a
monarquia, na qual eles viam o
A conquista da Grécia por Filipe 11 inimigo mortal dos princípios
constitucionais peculiares tão
Em meados do século IV a.C . , Filipe II da Macedônia, alguns anos antes de assu­ caros aos gregos. (Rostautzeff, M . ,
História da Grécia)
mir o poder, viajou por toda a Grécia para conhecer seu moâo de vida e costumes.
Em Tebas, percebeu que as guerras e rivalidades entre as cidades haviam enfraque­
cido os Estados gregos. Observou, também, a organização do exército teban:) e
familiarizou-se com o uso das longas lanças de madeira introduzidas pelo grande
estrategista Epaminondas.
Ao assumir o poder em 356 a.C . , uma das primeiras medidas de Filipe II foi limi­
tar o poder da nobreza, distribuindo suas terras entre os camponeses pobres. Dessa
forma, passou a contar com o apoio de uma classe numerosa, o que lhe permitiu
a formação de um exército de milhares de soldados . Armadas de escudos e lanças
de madeira, essas forças militares - que tinham na falange seu ponto forte - conse­
guiram vencer os tradicionais inimigos da Macedônia. Ao mesmo tempo, Filipe II
fortaleceu a economia do país, desenvolvendo o comércio e aumentando a explora­
<(
ção das jazidas de ouro. (!)
As reformas econômicas e militares de Filipe II criaram a base de um aparelho i=
z:
de Estado destinado, acima de tudo, a manter uma política imperialista. <(
<(
Aproveitando a forte crise que enfraquecia as cidades gregas - resultado das lutas u
•W
internas iniciadas com a Guerra do Peloponeso -, Filipe II conquistou alguns alia­ a:
(!)
dos entre os gregos, que viam na dominação macedônica a única forma de união
-
e de superação das divergências internas.
Filipe II usou toda a sua habilidade para conseguir adeptos. Para isso, instigava 23
os gregos contra os persas e procurava demonstrar a necessidade de se unirem para
combatê-los . Nesse sentido, contou com a importante colaboração de lsócrates, pre­
gador de uma cruzada grega contra os persas.
As intenções imperialistas de Filipe 11 eram evidentes . No entanto, somente De­
móstenes, o grande orador ateniense, tinha consciência do perigo e passou a alertar
seus concidadãos na Eclésia de Atenas. Em coy.seqüência, formaram-se dois grupos
políticos: os filomacedônios, liderados por Esquines, que viam em Filipe II o sal­
vador da Grécia; e os antimacedônios, liderados por Demóstenes, que pregavam
a união dos gregos contra Filipe 11.
Quando os gregos perceberam o perigo que representava a política macedônica,
já era tarde. Apoiando-se nos grupos filomacedônios, organizados em todas as cida­
des gregas, a falange macedônica derrotou atenienses e tebanos na Batalha de Que­
ronéia, em 338 a.C. Em seguida, Filipe 11 apoderou-se do resto da Grécia.
Todavia, conhecedor do individualismo das cidades gregas, Filipe 11 preservou
sua autonomia e respeitou suas instituições. Desse modo, pôde reivindicar o direito
de chefiar uma liga militar contra os persas - a Liga de Corinto.
Filipe II j á havia assentado as bases militares para a invasão da Pérsia quando foi
assassinado, durante a cerimônia de casamento de sua fllha.
1ão logo se espalhou a notícia da morte do rei da Macedônia, cidades gregas como
Após a conquista da Grécia, Alexan­ Tebas e Atenas começaram a se revoltar. Por outro lado, os numerosos filhos de Fili­
dre volta-se para a Ásia. O primeiro ini­
migo a enfrentar foram os persas sob a pe reivindicavam a sucessão do pai. Alexandre, filho legítimo de Filipe 11, que con­
liderança de Dario. Ao desembarcar, em tava na época apenas 20 anos de idade, resolveu a questão por meio da violência.
334 a.C., perto da antiga Tróia, vence a Montou uma armadilha para os irmãos, assassinando-os no meio de um banquete.
primeira batalha contra os persas. Segue Além disso, usou de extrema brutalidade para com os revoltosos. As cidades gregas
para a Síria, onde trava a batalha de Is­
rebeldes foram arrasadas e seus habitantes escravizados.
sos (333 a.C.), liderada pelo próprio Da­
rio. A cidade de tiro continuava nas
mãos dos persas. No texto abaixo, Ale­ Conquistas de Alexandre Magno
xandre explica as razões da tomada de Ti­
ro, antes de continuar a conquista do Com um exército de 35 000 homens e 1 69 navios, constituído na maioria por ma­
Império persa. Alexandre, após um as­
cedônios e pequenos contingentes das cidades gregas, Alexandre desembarcou na
sédio de sete meses, toma de assalto a ci­
dade e segue para o Egito onde é acolhido Ásia. Na primeira batalha, em 334 a.C. , venceu os sírios junto ao rio Górdio. No
como libertador. ano seguinte, desbaratou um imenso exército persa comandado pelo próprio Dario
111 na planície de lssos. Em seguida, to­
Amigos e aliados, vejo que a marcha em direção ao Egito não está assegurada mou o porto de Tiro, na Fenícia. Fiel a sua
enquanto os persas dominarem o mar; não é prudente de muitos pontos de vista, política de enfraquecer ao máximo o ini­
sobretudo no que concerne aos gregos, perseguir Dario, deixando atrás esta du­
migo antes de chegar ao centro do impé­
vidosa cidade de Tiro, enquanto que o Egito e Chipre continuam em mãos dos
persas. Se algum dia os persas dominarem novamente as regiões próximas ao rio, Alexandre deslocou-se para o Egito,
mar - enquanto nossas forças avançam em direção à Babilônia e a Dario - com onde encontrou pouca resistência, sendo re­
uma armada reforçada eles fariam a guerra na Grécia, onde existe a hostilidade cebido como um verdadeiro deus pelos sa­
dos lacedemônios e a neutralidade atual dos gregos, devida mais ao temor do
cerdotes locais.
que à simpatia. No entanto, se Tiro fosse tomada, dominaríamos a Fenícia, e lo­
gicamente a frota fenícia (isto é, a melhor parte da frota persa) estaria do nosso
Alexandre incorporou o exército egípcio
lado, pois nem os marinheiros nem as tropas enviadas da Fenícia correriam o às suas divisões e invadiu o território per­
risco de uma batalha em benefício de outrem, se dominássemos suas cidades. sa em 331 a.C. , defrontando-se com o ini­
Após isso, Chipre se j untaria a nós sem dificuldades, ou seria derrotada facil­ migo na planície de Gaugamela. A vitória
mente por uma expedição. Uma vez reunidas as frotas fenícia e egípcia e ainda
abriu-lhe caminho para a conquista das ci­
Chipre, dominaríamos seguramente o mar, tornando a expedição ao Egito um
golpe fácil. Com o Egito submetido à nossa dominação, não teremos mais que dades persas. O rei Dario III foi assassi­
nos inquietar pelos nossos problemas ou dos gregos, e marcharíamos em dire­ nado, e Alexandre coroado rei da Pérsia.
ção à Babilônia, não somente livres de toda a preocupação, mas com um trunfo As tropas macedônicas continuaram a
a mais, uma vez que teremos tirado da dominação persa todo o mar e as terras
marchar até a Índia. Porém, ao chegarem
aquém do Eufrates.
(Jaime Pinsky - 100 textos de História Antiga) às margens do rio Indo, os soldados se re­
cusaram a avançar. Alexandre, então, di-
vidiu seu exército e voltou à Mesopotâmia.
Na Babilônia, foi acometido por uma fe­
bre vindo a falecer em 323 a.C., com 33 anos de idade.
Alexandre não deixou herdeiros. Devido às diferenças sócio-culturais, o imenso
<(
(.!) império que conquistou foi dividido entre seus generais, formando os Estados hele­
1-­ nísticos.
:z
<( O reino do Oriente incluía a dinastia dos Selêucidas e compunha-se da Síria, Me­
<(
u
sopotâmia e Ásia Menor; o reino do Egito foi herdado por Ptolomeu; e o reino da
•LU
CC Macedônia, que incluía toda a Grécia, ficou com o general Antígono. Além disso,
(.!) formaram-se em outras regiões do Império pequenos reinos, como o de Pérgamo,
-
que teve grande desenvolvimento. As cidades gregas voltaram a ter um curto período
24 de relativa independência, mas no século II a.C. foram conquistadas pelo romanos.
Macedônia Estados aliados ou inde p endentes - Roteiro d e Alexandre
Im p ério de Alexandre

A civilização helenística Após o assassinato de Filipe II


ascende ao poder da Macedônia,
A civilização helenística é resultado da fusão entre a cultura grega e a cultura do Alexandre Magno, seu fllho, com
apenas vinte anos. Alexandre
Oriente, principalmente persa e egípcia. Em função do expansionismo macedônico, continua a expansão macedônica
o centro econômico deslocou-se da Grécia continental para outros centros do Orien­ iniciada por Filipe. Em 334 a.C.,
te, como Pérgamo, Alexandria e Antioquia. Essas regiões beneficiaram-se economi­ Alexandre desembarca na costa da
camente dos novos caminhos abertos por Alexandre e da circulação de moedas, Ásia Menor e com um exército de
35 000 homens vence os persas
decorrente do aumento da produção de ouro e prata. A cidade de Alexandria funda­
(batalha de Grânico). Em seguida,
da no Egito transformou-se em centro da civilização helenística e seus museus e bi­ avançou em direção à Frígia. Na
bliotecas tornaram-se conhecidos no mundo inteiro. Por outro lado, manteve-se a planície de Issos, venceu o grande
importância da economia agrícola, baseada no uso intensivo da mão-de-obra escrava. exército de Dario III, imperador dos
Os reinos helenísticos constituíam-se de Estados centralizados, governados por dés­ persas, que consegue fugir.
Submetida a Síria, toma Tiro depois
potas considerados divinos e cercados por uma imensa e privilegiada burocracia. Um de 7 meses de assédio. Desloca-se
poderoso aparato de Estado assegurava o domínio de uma massa miserável de servos para o Egito, onde funda a cidade de
e escravos. Alexandria. Segue para o centro do
A filosofia desenvolveu-se de maneira extraordinária, com correntes filosóficas co­ Império Persa e, na planície' de
Gaugamela, prôximo à cidade de
mo o epicurismo e o estoicismo, que criticavam com vigor o escravismo. Mas foi
Arbelas, derrota novamente o exército
principalmente nas ciências que o helenismo conseguiu suas maiores conquistas. persa, abrindo caminho para as
grandes cidades do Império. Foi
aclamado rei dos assírios e entra
triunfalmente na Babilônia. Continua
*Exercícios suas conquistas em direção à Índia e
só não chega até o rio Ganges porque
os soldados se recusaram a segui-lo.
1. (F.M. SANTA CASA-SP) A sociedade espartana caracterizou-se, entre outros as­ Retornando para Susa é acometido de
pectos por: uma febre violenta, morre em
a) apresentar uma estrutura apoiada num sistema militarista. Babilônia em 323 a.C., aos 33 anos.
b)seguir a evolução natural das cidades-estados na Grécia, fixando-se na democracia. de idade, deixando um dos maiores
impérios até então criados.
c) estabelecer uma grande abertura em suas relações com as demais cidades-estados
<(
da Grécia. <!)
d) abolir o rígido sistema de classes que vigorou na maioria das cidades gregas. 1-
z
e) basear-se numa classe média que procurou dar às massas plena liberdade. <(
<(
u
2. (FUVEST-SP) Qual a principal característica da democracia ateniense na época •LU
a:
clássica? <!)
a) Atenas era uma cidade-estado autônoma. -
b) O governo era exercido pelo Conselho dos Éforos. 25
c) Os poderes estavam concentrados na Assembléia popular.
d) Os governantes eram eleitos por todos os residentes na cidade.
e) Os metecos tinham direito à propriedade da terra.

3. (PUCCAMP- SP) O século V a.C. também conhecido como o "século de Péri­


cles' ' corresponde à época:
a) em que ocorreram as guerras médicas e a guerra do Peloponeso, relatadas por
Homero em seus poemas.
b) de desagregação da comunidade gentílica e de surgimento das cidades-estados.
c) de grande desenvolvimento da filosofia, arquitetura, ciências, poesia, teatro e tam­
bém das instituições da magistratura e do Senado.
d) do grande desenvolvimento cultural da Grécia e também do apogeu da democra­
cia escravista negra.
e) de início da decadência da Grécia, devido à presença do trabalho escravo na pólis.

Respostas

1 . Alternativa correta a. Toda a sociedade espartana estava voltada para a guerra.


Os descendentes dos dórios (povos que chegaram no séculoXI a.C. do Peloponeso
e que fundaram Esparta) formavam a camada social dominante, eram guerreiros por
excelência e recebiam uma educação militar especial desde muito jovens. Estavam
proibidos de se dedicarem à agricultura e ao comércio. Eram soldados profissionais.
Embora tivessem propriedades, era o Estado que administrava a produção econômi­
ca. A segunda camada era constituída pelos periecos que não tinham direitos políti­
cos, eram camponeses, comerciantes e artesãos, mas serviam no exército porque o
serviço militar era obrigatório. A última camada era formada pelos hilotas que
eram a massa da população trabalhadora que habitava as terras do Estado.

2. Na democracia ateniense havia dois órgãos fundamentais: o dos Quinhentos,


que preparava as leis, e a Assembléia popular ou do povo, do qual faziam parte
todos os cidadãos, filhos de pais atenienses e maiores de 1 8 anos. Estavam excluí­
dos os estrangeiros, as mulheres e os escravos . Portanto, a resposta correta é a c .

3. Durante a época de Péricles, as cidades-estados se envolveram nas guerras greco­


pérsicas e na guerra do Peloponeso (que, aliás, não foram relatadas por Homero) .
Esse período caracterizou-se não apenas pelo apogeu de Atenas mas também pelo
expansionismo grego. Em Atenas foram construídas grandes obras públicas, os es­
petáculos e diversões públicas foram incrementados e surgiram na Literatura,
na Escultura e na Arquitetura destacados nomes, que são lembrados até hoje.
Atenas também tenta nesse período aumentar seu poderio no mundo grego atra­
vés de intervenções políticas e militares tanto em outras cidades-estados como nas
colônias. Alternativa correta: c.

<(
(.!)
1-
z
<(
<(
u
•W
a:
(.!)

26
ROMA ANTIGA
Roma localiza-se na região central da península Itálica, às margens do rio Tibre.
Entrando pelo mar Mediterrâneo, a península Itálica situa-se entre a península Bal­
cânica, à direita, e a península Ibérica, à esquerda. Apresenta a costa leste banhada
pelo mar Adriático e a costa oeste banhada pelo mar Tirreno. Ao sul, localiza-se o
mar Jônio.
O relevo da península Itálica é constituído ao norte pela cordilheira dos Alpes,
O Império Romano, de início
cuja altitude vai diminuindo em direção ao sul, até a planície do rio Pó. Daí até
talvez o mais fraco e que se
o extremo sul, na direção norte-sul, estende-se a região montanhosa dos Apeninos, tornou, por suas conquistas, o
que separa as duas planícies litorâneas paralelas. Estado mais poderoso que jamais
Toda essa região, extremamente fértil, sempre permitiu à população local, princi­ existiu na face da terra, tem sua
origem em Rômulo, filho de uma
palmente das planícies, produzir seu próprio alimento. Essa era uma condição in­
sacerdotisa de Vesta e, ao que se
dispensável para a sobrevivência dos povos que habitavam o território, pois as acredita, de Marte.
montanhas de um lado e o mar de outro provocavam um relativo isolamento de toda Rômulo nasceu com Remo, seu
a Itália. irmão gêmeo. Depois de viver
Entre os primitivos habitantes da península Itálica encontravam-se, ao norte, os entre os pastores, as armas
sempre na mão, aos dezoito anos
lígures e ao sul, os sículos (ou sicilianos). ele ergue uma pequena cidade no
A partir de 2000 a .C . , povos indo-europeus, aparentados com os arianos gregos, monte Palatino ( . . . )
deslocaram-se para o centro e para o sul da península. Esses povos, conhecidos co­ Após fundar a cidade, que
mo italiotas ou itálicos, formaram vários núcleos de povoação: latinos, samnitas, chamou Roma, nome que tirou do
úmbrios, volscos e sabinos. seu, faz o que se segue: recebeu,
na nova cidade, todos seus
Os latinos fixaram-se na planície do Lácio, às margens do rio Tibre, onde pratica­ vizinhos; escolheu cem dos mais
vam a agricultura e o pastoreio. Viviam em comunidades primitivas, tendo como velhos para que o aconselhassem
chefe o mais velho do grupo: o páter-família. em todas suas ações; deu-lhes o
Na época da colonização pelos latinos, Roma era nada mais que um forte militar, nome de senadores, por causa da
idade avançada. Mas como ele e
construído para evitar a invasão de povos vizinhos.
seu povo não tinham mulheres,
A partir do século VIII a.C . , enquanto o nível de vida das tribos italiotas era ainda convidou para os jogos as nações
muito rudimentar, os gregos que começaram a colonizar o sul já apresentavam notá­ vizinhas de Roma e mandou
vel desenvolvimento econômico e cultural. Na mesma época chegaram também os raptar as moças. Este ultraje logo
provocou guerras; os ceninenses,
etruscos, vindos provavelmente da Ásia Menor, que ocuparam a planície a oeste do
os antenates, os crustuminenses,
Tibre. os sabinos, os fidenates e os
Distribuídos em doze cidades , os,etruscos formavam uma confederação. A partir veientanos, cujas cidades estavam
de sua área de ocupação inicial, estenderam seus domínios para o sul, até chegar ao redor de Roma, foram
às planícies do Lácio e da Campãnia. Ao norte, expandiram-se em direção ao vale vencidos. E, tendo Rômulo
desaparecido durante urna súbita
do Pó. Ao sul, chegaram a competir com os gregos, principalmente depois de se
tempestade - após um reinado
aliarem aos fenícios de Cartago. de trinta e seis anos - acreditou­
Ocupando toda a região do Lácio, os etruscos conseguiram dar à cidade de Roma se que tinha sido recebido no
uma nova estrutura. Empregaram novas técnicas, desconhecidas pelos latinos, e fi­ céu: /oram-lhe rendidas as honras
zeram da agricultura a atividade econômica predominante. Desenvolveram também da apoteose.
(Eutrópio in J. Pinsky, 100 Texws
atividades tipicamente urbanas, como o comércio e o artesanato, contribuindo para de História Antiga)
a transformação da aldeia em cidade.
<(
As mudanças econômicas ocorridas em Roma conduziram a transformações na or­ (.!)
ganização social. i=
z
Com o surgimento da propriedade privada, a comunidade primitiva teve frm e as <(
famíliasligadas ao páter-família apropriaram-se das melhores terras, formando uma <(
:2:
aristocracia de patrícios (palavra cujo significado se aproxima de "pai", pater em o
ex:
latim). Constituindo a camada social dominante, os patrícios eram denominados gen­
tes por estarem agrupados numa única unidade básica, o gens ou clã. Os membros -
do gens reuniam-se em torno do mesmo chefe e cultuavam o mesmo antepassado. 27
Essa unidade compreendia os parentes po­
Mas o que manifestamente separa o plebeu do patrício é o fato de aquele não
possuir a religião da cidade. Não pode, por impossível, ser investido no sacer­ bres ou clientes e os patrícios agrupa­
dócio. Pode-se mesmo acreditar que a oração, nos primeiros séculos, lhe esti­ vam-se em associações religiosas chamadas
vesse interdita e não pudessem os ritos serem-lhe revelados. ( ... ) O plebeu é um cúrias.
estranho, e, por conseqüência, a sua presença profana o sacrifício. O plebeu
é repelido pelos deuses. Entre o patrício e o plebeu existe toda a desproporção Todos os que não pertenciam ao gens
resultante da religião não poder estabelecer-se entre dois homens. ( . . . ) Todo o eram considerados plebeus . Em geral, a
contato com plebeu é impuro. Os decênviros, nas suas dez primeiras tábuas,
esqueceram-se de interditar o casamento entre as duas classes; sucedeu isto por­ camada dos plebeus era formada por es­
que estes primeiros decênviros eram todos patrícios e nem acudira ao espírito trangeiros, comerciantes, artesãos e peque­
de nenhum deles a possibilidade de semelhante casamento. nos proprietários de terras pouco férteis.
Vê-se como as classes, na idade primitiva das cidades, estavam sobrepostas
uma à outra. No cimo, estava a aristocracia dos chefes de família, os que a lin­ Os plebeus que conseguiam enriquecer
guagem oficial de Roma chamava palres, os clientes apelidavam de reges ( . . . ). podiam reivindicar a condição de clientes,
Abaixo dos palres, os ramos mais novos das famílias; abaixo ainda, os clientes, desde que se colocassem sob a proteção le­
e, só depois, mais abaixo, muito mais para baixo e fora de todos os mais, se en­
gal de uma família patrícia. Em troca, pres­
contrava a plebe.
Da religião proveio esta distinção de classes. Porque, no tempo em que os an­ tavam determinados serviços e adotavam o
tepassados gregos, dos ítalos e dos hindus vi·,riam ainda juntos na Á sia central, mesmo culto religioso da família. Desse
a religião lhes havia dito: "O primogênito fará a oração". Daqui, a superiorida­ modo, conseguiam assegurar seu direito à
de do primogênito em todas as coisas; o ramo primogênito foi em cada família
propriedade perante as leis romanas. Tais
o ramo sacerdotal e proprietário. Todavia, a religião, estimava em muito aos ra­
mos mais novos, por estes serem espécie de reserva para um dia substituírem plebeus enriquecidos compunham a clien­
o ramo primogênito, quando extinto, e assim salvarem o culto da família. A reli­ tela que, dependendo da família patricia,
gião contava ainda em alguma coisa o cliente, e até mesmo o escravo, porque poderia tornar-se hereditária.
estes assistiam aos atos religiosos. Mas o plebeu, não tomando parte alguma no ·
culto, a esse, a religião não considerava absolutamente em nada. Deste modo Havia, ainda, os escravos que, em pe­
estavam as classes estabelecidas. queno número, limitavam-se aos serviços
(F. de Coulanges - A cidade antiga) domésticos ou a atender as necessidades
pessoais dos patrícios.

No texto acima Fustel de Coulanges,


importante historiador do século passa­
O período da monarquia
do explica a divisão de classes na Repú­
blica romana e a distância entre patrícios Durante o século VI a.C. , o regime de governo era monárquico e o poder real apre­
e plebeus. Os romanos estavam divi­
sentava caráter divino. O rei acumulava a chefia militar, administrativa, j urídica e
didos em grande s famílias (gens) que
possuíam um ascendente comum religiosa. Era eleito pelo Senado e governava durante toda a vida. Para governar,
(pater). Aos membros dessas farnilias apoiava-se em duas instituições: o Senado, um conselho de anciãos composto pelos
davam-se o nome de patrícios. Os clien­ patrícios mais importantes, e a Assembléia Curiata, que reunia todos os patrícios
tes eram pobres que viviam junto da fa­
adultos, membros das trinta cúrias romanas.
mília dos patrícios. Além disso havia os
que não pertenciam a nenhuma família Os patrícios estavam divididos em três tribos e estas em dez cúrias. Cada tribo
patricia, os plebeus, os vencidos, os aven­ contribuía para a defesa do Estado com cem cavaleiros e dez centúrias (unidade bási­
tureiros e estrangeiros. ca do Exército romano).
A eleição do rei envolvia um complexo sistema, onde cabia ao Senado selecionar
um membro de cada tribo e à Assembléia Curiata escolher um entre os três selecio­
nados para o cargo.
A partir de 625 a.C., Roma passou a ser governada por reis etruscos. O último
deles, Tarqüínio, o Soberbo, foi deposto e expulso da cidade em 509 a. C. Tarqüínio
teria se aproximado das classes mais baixas da sociedade, provocando a ira do patri­
ciado. Mas o império etrusco já estava em decadência, principalmente pelos cons­
tantes ataques dos gauleses e da forte presença dos gregos na Sicília.
O nascimento da República romana foi uma reação dos patrícios, que procuravam
reaver o poder político perdido para os reis etruscos.

A República romana
A substituição da Monarquia pela República foi um ato reacionário dos patrícios,
<(
(.? que afastaram a realeza, cada vez mais comprometida com as classes empobrecidas.
1-­
z
O monopólio do poder voltou às mãos dos patrícios, com as instituições romanas
<( assegurando a manutenção desse poder.
<(
::2:
Plebeus e escravos continuaram sem direitos políticos, mas alguns plebeus, enri­
o
a:
quecidos com o comércio, chegaram a ter certos privilégios resultantes de sua condi­
ção de clientes. Entretanto, dependiam inteiramente dos benefícios concedidos pelos
-
patrícios.
28 A base da República romana era o Senado, formado por trezentos patrícios, com
a responsabilidade de propor leis. Os cargos eram vitalícios, abrigando outras fun­
ções: garantir a integridade da tradição e da religião, supervisionar as tinanças pú­
blicas , conduzir a política externa e administrar as províncias. A presidência do
Senado era exercida pelo magistrado, que o convocava, podendo ser um cônsul, um
pretor ou um tribuno.
Existiam duas assembléias encarregadas de votar as leis sugeridas pelo Senado.
A Assembléia Curiata, que perdeu quase toda a sua importância durante a Repú­
blica, e a Assembléia Centuriata, formada pelas centúrias (divisões políticas e mili­
tares compostas de cem cidadãos) , a quem cabia de fato discutir e votar as propostas.
O poder executivo era exercido pelos magistrados, pertencentes na maioria das
vezes à classe dos patrícios. Com exceção do censor, todos os magistrados eram elei­
tos pela Assembléia Centuriata para um mandato de um ano. Coletivas, as magistra­
turas exigiam a presença de dois ou mais magistrados para cada cargo.
Os magistrados eram os seguintes:
• Cônsules: Detinham o maior poder, equivalente ao dos antigos reis . Eram dois,

eleitos para o período de um ano. Tinham como atribuições comandar o Exército,


convocar o Senado e presidir os cultos. Nos períodos de crise, indicavam um dita­
dor, que exercia o poder de forma absoluta durante o período máximo de seis meses.
• Pretores: Ministravam a justiça, existindo dois: um para as cidades, chamado de

urbano, e outro para o campo e para os estrangeiros, chamado de peregrino.


• Censores: Sua função era fazer o recenseamento dos cidadãos. Calculavam o nível

de riqueza de cada um e vigiavam a conduta moral do povo.


• Quesiores: Encarregados de administrar as finanças públicas.

• Tribunos da plebe: Surgiram em decorrência das lutas da plebe por seus direitos.

Os tribunos podiam vetar todas as leis contrárias aos interesses dos plebeus, menos
em épocas de guerras ou de graves perturbações sociais, quando todas as leis fica­
vam sob controle exclusivo do ditador. Os tribunos da plebe eram considerados in­
violáveis e quem os agredisse era condenado à morte.

As lutas de classe na República


A marginalização política da plebe vinha desde os tempos da Monarquia, conti­
nuando até a República. Como conseqüência, os plebeus sofriam sérias discrimina­
ções. Nas guerras, ficavam com os piores despojos; quando se endividavam e não
podiam pagar suas dívidas, tornavam-se escravos. Nessa época, as leis não eram es­
critas, mas orais, baseadas na tradição, o que concedia grandes privilégios ao patri­
ciado devido à sua complexa interpretação. As Leis das Doze Tábuas foram a gran­
O monopólio do poder pelos patrícios (que controlavam o Senado, a Assembléia de conquista dos plebeus após muitos anos
Centuriata e as principais magistraturas) , impedindo que os plebeus fossem nomea­ de luta. Antes dessas leis, os plebeus eram
dos cônsules ou censores, levou a sucessivas revoltas. julg;�.dos por tribunais compostos apenas
por patrícios e segundo leis não escritas.
Na primeira delas, ocorrida em 494 a.C. , os plebeus de Roma realizaram a primei­
Em 493 a.C., os plebeus resolveram dei­
ra greve da história. Retirando-se para o Monte Sagrado, ameaçaram formar ali uma xar Roma e fundar nova cidade: Monte
nova república, deixando a cidade totalmente desprotegida e à mercê de possíveis Sagrado. Os patrícios resolveram então
invasores. Os patrícios foram obrigados a ceder, criando-se então os Tribunos da fazer uma série de concessões aos ple­
Plebe, cargo exercido exclusivamente por plebeus para defender seus interesses de beus. Mas a justiça continuava nas mãos
dos patrícios. Foi apenas em 450 a.C. que
classe.
os plebeus conseguiram que as leis fos­
Como os tribunos eram eleitos pelas Assembléias Centuriatas, onde os patrícios sem redigidas, gravadas em 12 tábuas de
tinham maioria absoluta de votos, a ação dos Tribunos da Plebe ficou bastante limi­ cobre e expostas em praça pública.
tada. Por isso, os plebeus continuaram a
lutar e, em 47 1 a.C . , foi criada a Assem­ Eis algumas prescrições das Leis das Doze Tábuas. Se o devedor nao puder
bléia da Plebe, composta exclusivamente reembolsar o seu débito, "que o credor o condene à morte, ou , se o preferir, que
por membros das camadas inferiores para o venda em país estrangeiro, além do Tibre, na Etrúria. E se ele tiver diversos cre­
escolher seus próprios tribunos. dores que, no fim de sessenta dias, cortem em pedaços o corpo do devedor". As
I.,eis das Doze Tábuas sào também um código penal: "Aquele que·, por maldade
Como não havia nenhuma legislação es­
crita que garantisse os direitos dos plebeus,
estes novamente se revoltaram em 450 a.C.
Desta vez, o resultado da revolta foi a cria­ ( . . . ) Aquele que fraturar um membro de alguém sofrerá a pena de Taliao a menos <(
<.::l
ção dos decênviros, com a fmalidade de que pague por membros e danos. Quem contundir alguém no rosto batendo-lhe 1-
com a mão ou com um bastão deverá dar-lhe uma indenização de trezentos as­ z
redigir novas leis que, prontas, receberam ses (74 francos-ouro) se for um homem livre ou de cento e cinqüenta asses se <(
o nome de Leis das Doze Tábuas: for um escravo". A lei contém também prescrições sobre os enterramentos e o <(

Mas, quando a Lei das Doze Tábuas fi­ luxo dos funerais: "É proibido sepultar um morto ou queimar os seus restos mor· o
tais no interior da cidade de Roma. Proibiçao de colocar ouro junto ao morto". a:
cou pronta, os plebeus perceberam que a
(As Leis das Doze Tábuas in Malet llsaac, História Universal)
�----------------�----�--------� 29
situação anterior pouco havia mudado. En­ -
tre as proibições mantidas, continuava ve-
tado o casamento entre patrícios e plebeus,cuja finalidade era preservar a pureza do
sangue patrício e, portanto, fixar seu direito exclusivo ao poder. Certos de que com
os casamentos mistos poderiam quebrar a hegemonia patrícia, os plebeus passaram
a exigir o fim dessa lei, o que foi atendido através da instituição da Lei Canuléia.
Mas seu efeito ficou bastante reduzido, já que beneficiou apenas os plebeus ricos.
Os plebeus revoltaram-se pela última vez em 247 a.C. , quando retornaram para
o Monte Sagrado. Desta vez, os patrícios concordaram que as leis votadas pela plebe
na sua assembléia tivessem validade para todo o Estado. Essas decisões foram cha­
madas de plebiscito, o que significa "a plebe aceita".
Embora os progressos entre a primeira e a última revolta tivessem sido grandes,
essas leis, na prática, continuaram a beneficiar apenas os plebeus ricos, principal­
mente os comerciantes, que, por casamento, podiam almejar os melhores cargos da
República. A exploração dos pobres, no entanto, continuou, não havendo a mínima
condição de alcançarem o poder.
Apesar disso, por volta do século III a.C . , a República de Roma se caracterizava
pelo equílibrio de poder entre as classes, o que, no fundo, escondia o fato de que
havia um Estado Patrício e um Estado Plebeu.

O imperialismo romano
A República romana foi marcada por conquistas que expandiram seu domínio por
toda a bacia do Mediterrâneo.
Em Roma, escravos e terras constituíam riqueza, e a forma de os grandes proprie­
tários e comerciantes romanos consegui-los era por meio de guerras e conquistas.
Assim, o imperialismo romano manifestou-se como uma política de conquista de
novos territórios, para aumentar a mão,de-obra escrava e atender aos interesses dos
grandes proprietários de terras e de escravos.

A conquista da Itália

Os romanos levaram 230 anos para conquistar toda a Itália. As primeiras guerras
tiveram um caráter diferente: a prosperidade de Roma atraía a cobiça dos vizinhos
e, para defender-se, os romanos acabavam ocupando novos territórios. Nessa fase ini-

Os romanos levaram mais de 230


anos para conquist2r toda a Itália e
obtiveram o controle total da
península por volta de 260 a.C., após
derrotar os etruscos . Na sua expansão
pelo Mediterrâneo ocidental tiveram
que enfrentar Cartago, poderosa
potência marítima, situada ao norte
da África. Três longas guerras foram
necessárias para transformar Cartago
em província romana (146 a.C.).
Durante essas guerras Roma anexou
as ilhas da Córsega, Sardenha e da
Sicília, conquistou a Gália Cisalpina e
<{ anexou a Península Ibérica. Após a
t9 conquista do Mediterrâneo ocidental,
f- os romanos se voltaram para o
:z
<t: Oriente. A Grécia já havia sido
<t: submetida em 27 1 a.C. No século I

� a.C. foram conquistados os reinos da


a: Asia menor, a Síria e fmalmente o
Egito (30 a.C.). Roma atingia a sua
• Roma e a comunidade militar italiana IBJ Conquistas romanas até 201
-
máxima expansão, era a dona absoluta Zona de i nfluê nc ia romana Conquistas romanas até 121
3O do Mediterrâneo.
cial, foram vencidos os volscos e os sábinos; as cidades latinas foram tomadas
em 338 a.C.
No outro lado do rio Tibre estavam os etruscos, dominadores dos romanos duran­
te vários séculos. Cinqüenta anos depois.da conquista das cidades latinas, os roma­
nos anexaram toda a Etrúria Meridional. Entretanto, a expansão romana pelo
continente foi interrompida pelos gauleses, que chegaram a saquear Roma. Após a
saída dos gauleses, que ainda eram · seminômades, os romanos continuaram sua
campanha.
O passo seguinte foi a conquista da fértil planície de Campânia. Mas a presença
romana ao sul da península alertou os gregos da Magna Grécia, principalmente Ta­
rento, que pediram ajuda a Pirro, rei do Epiro, e seu exército de mercenários e
elefantes.
A derrota de Pirro e seus aliados abriu aos romanos a possibilidade de conquistar
toda a Itália, o que foi confirmado com a anexação da Etrúria, em 265 a.C., e a vitó­
ria sobre os gauleses da costa do Adriático.
Os territórios conquistados pelos romanos na Itália não apresentavam uma organi­
zação uniforme. Havia uma imensa variedade de culturas e sistemas de governo, e
em toda parte os romanos procuravam manter os vencidos unidos numa confedera­
ção. Tentavam, assim, estabelecer uma ligação permanente entre o Estado romano
e o resto da Itália. Além disso, adotaram uma hábil política diplomática, conceden­
do o direito de cidadania a muitos povos conquistados. A construção de um sistema
de estradas também permitiu o rápido deslocamento e a presença do seu forte exér­
cito em qualquer parte da Itália.

Roma contra Cartago:


as guerras púnicas
Cartago, colônia fundada pelos fenícios no século VIII a.C. , era a grande rival de
Roma na região do Mediterrâneo Ocidental. Os mercadores cartagineses domina­
vam o comércio, transformando Cartago num grande entreposto, que contava com
uma poderosa força naval e um eficiente exército composto de mercenários.

Primeira Guerra Púnica: Os cartagineses ocupavam parte da Sicília. Aproveitando­


se de uma disputa que envolveu piratas italiotas e habitantes cartagineses da Sicília,
Roma entrou em guerra contra Cartago em 264 a.C. Depois de várias lutas, que du­
raram 23 anos, Roma venceu a batalha decisiva, realizada na ilha de Égales. Lidera-
das por Amílcar Barca, as forças cartaginesas tiveram que pagar um pesado tributo o historiador Tito Lívio faz 0 seguin-
aos vencedores e entregar a Roma as ilhas da Sicília, da Córsega e da Sardenha. te retrato de Aníbal:

Segunda Guerra Púnica: Para compensar


as perdas no mar Tirreno, Cartago passou Com ninguém os soldados eram mais confiantes nem mais corajosos. Cheio
a explorar intensamente as minas de prata de audácia para afrontar o perigo, era cheio de sangue-frio mesmo no perigo.
da Espanha. Era uma forma de conseguir Nenhum trabalho fatigava o seu corpo nem abatia o seu espírito. Suportava igual­
recursos para a desforra. Na tentativa de mente o frio e o calor. Para comer e beber, consultava as suas necessidades e
não o prazer. Para velar e para dormir, não fazia nenhuma diferença entre o dia
evitar novas guerras, uma delegação roma­
e a noite. O tempo que os trabalhos lhe deixavam destinava ao sono ( . . . ) Era
na chegou a ser enviada a Cartago, com o visto muitas vezes, coberto com um sobretudo de soldado, deitado no chão no
objetivo de delimitar as áreas de influên­ mei a" das sentinelas e dos corpos da guarda. Era o melhor cavaleiro e o melhor
cia dos dois contendores. Mas a iniciativa infante. O primeiro a marchar para o combate e o último a voltar.
não obteve êxito e, em 2 1 6 a.C. , Aníbal
(Tito Lívio in Malet/Isaac, op. cit)
Barca, filho de Amílcar, partiu de Cartago
com uma formidável força de sessenta mil
homens, mais de dez mil cavalos e grande
número de elefantes.
O Exército cartaginês rumou na direção norte e, depois de atravessar os Alpes,
derrotou os romanos, conseguindo chegar perto de Roma. Entretanto, a rebelião das
cidades gregas contra a Macedônia privou Aníbal de um precioso aliado. Aos pou­ <(
(!)
cos, o Exército romano foi reconquistando posições até que, na Batalha de Zama, i=
:z:
em 202 a.C . , os cartagineses foram fmalmente vencidos. <(
O resultado da guerra foi doloroso para os cartagineses: perderam a Espanha e <(
:E
o resto da Península Ibérica e tiveram que entregar sua esquadra naval aos romanos. o
a:
Terceira Guerra Púnica: Na terceira e última guerra (150-146 a.C.), um exército -
de oitenta mil homens, liderados pelo general Cipião Emiliano, foi enviado à África 31
e reduziu Cartago a uma simples província. A cidade foi totalmente destruída, seus
quarenta mil habitantes escravizados e as terras conquistadas divididas entre os inva­
sores. Assim, Roma completou seu domínio sobre todo o Mediterrâneo Ocidental.

A conquista do Mediterrâneo Oriental


Como a Macedônia auxiliara os cartagineses em sua luta contra Roma durante a
Dois historiadores antigos, primeiro
um romano, depois um grego, falam-nos Segunda Guerra Púnica, os romanos decidiram intervir na Macedônia e em todo o
da agonia de Cartago: Oriente Médio. Assim, em pouco mais de trinta anos, foram respectivamente ocu­
padas a Macedônia, a Grécia, a Síria e a
.------. Palestina. O Egito foi o último império me-
É quando são feridos de morte que os animais dão mordidas mais veneno- diterrâneo a ser conquistado, sendo acu-
sas. Assim Cartago meio destruída causou mais tormentos do que quando esta-
pado pelas tropas romanas em 30 a.C.
va de pé. Os romanos repeliram o inimigo na cidadela, bloqueavam a entrada
do porto. Os Cartagineses cavaram algures uma outra desembocadura para o Finalmente, com as vitórias dos exércitos
mar, e isso não com a esperança de escaparem mas para atacarem o adversário de Júlio César nas campanhas da Gália,
de surpresa, e a sua esquadra surgiu logo miraculosamente. Não se passava um completou-se o quadro de conquistas ro-
dia ou uma noite em que não construíssem uma nova máquina de guerra, em
manas na fase da República.
que não inventassem uma astúcia inédita, em que não fizessem surgir das mu-
ralhas um punhado de homens decididos a morrer. Quando não houve mais ne- Roma passou a dominar toda a bacia do
nhuma esperança, 40 000 homens renderam-se e, cousa incrível, o seu chefe Mediterrâneo. Estabeleceu sua própria ad-
Asdrúbal rendeu-se com eles ( . . . ) Mas sua mulher, arrastando seus dois filhos, ministração nas regiões conquistadas e em
atirou-se do alto da sua casa ao meio das chamas. Faltava tomar a cidadela, casa cada província colocou um governador
por casa, e essa carnificina e o incêndio duraram oito dias.
(procônsul), designado para 0 cargo por
Vendo a cidade inteiramente destruída, Cipião Emiliano, dizem, fundiu-se em um ano mas que, na maioria das vezes, per­
lágrimas e não teve vergonha de chorar sobre as desgraças do inimigo. Perma­ manecia durante vários anos. O poder do
neceu por muito tempo meditativo e concluiu que o destino de uma cidade, de procônsul era absoluto, exercendo tanto
um povo, de um reino está sujeito às mesmas vicissitudes que as de um homem.
funções militares como civis.
(Malet!lsaac, op. cit)
Roma respeitava as instituições e os cos-
tumes locais, e o tratamento dispensado a
cada província variava muito. Em geral, limitava-se a tomar escravos e a cobrar im­
postos .

As conseqüências do imperialismo
O domínio romano na bacia do Mediterrâneo resultou em grandes transformações
econômicas, sociais e políticas , que conduziram à crise e ao fim da República,
formando-se o Império.
A economia romana passou a se fundamentar na venda de escravos capturados
entre os povos vencidos e na cobrança de tributos das regiões conquistadas. Um dos
reflexos dessa mudança foi a formação de uma classe de ricos comerciantes, os cava­
leiros.
O trabalho escravo passou a ocupar todas as atividades profissionais, �obretudo
nas grandes propriedades, que chegavam a atingir a extensão de 80 000 hectares.
Enquanto na Grécia, durante o período clássico, o escravismo coincidiu com a esta­
bilização da pequena propriedade e a formação de um grupo de cidadãos composto
principalmente por pequenos proprietários, em Roma o resultado foi o latifúndio
e o domínio de uma poderosa aristocracia.
Com o progresso econômico resultante do imperialismo ocorre o surgimento de
uma nova classe social, a dos homens novos ou cavaleiros. Eram antigos plebeus
que possuíam algum capital e que, aplicando-o em atividades rendosas - cobrança
de impostos, fornecimento de víveres para o exército durante as campanhas milita­
res, arrendamento da exploração de minas e florestas pertencentes ao poder público,
construção de pontes, estradas etc. - obtinham grandes lucros, tornando-se imen­
samente ricos.
Porém, a classe plebéia, sustentáculo do Exército, tendia a desaparecer. A agricul­
tura em grande escala exigia cada vez mais capital e tanto o escravo quanto os peque­
nos proprietários estavam sendo totalmente arruinados. Como o trabalho livre
praticamente não existia (a maioria das tarefas era executada pelos escravos), os ple­
beus proletarizados , cada vez em maior número passaram a viver em torno de Roma
com o pão e o circo fornecidos pelo Estado.
Essas mudanças, resultantes da exploração imperialista, abriram um novo quadro
em Roma, marcado por violentas lutas políticas e sociais. Inicialmente ocorreram
conflitos entre patrícios e plebeus e, depois, entre patrícios e cavaleiros, que reivin�
clicavam o direito de ocupar cargos na magistratura e no Senado, pois isso lhes au­
- mentaria o poder econômico. Essas lutas iriam destruir as bases da República romana
32 e formar o Império.
A Crise da República
Os Graco e a reforma agrária

A plebe prolet:arÍZl!,da tinha seus tribunos no Senado para defender seus interesses .
O tribuno Tibério Graeo propôs, em 133_ a.C . , a Lei Agrária, destinada a realizar
em Roma a redistribuição de terras inativas (não cultivadas) entre os plebeus desem­
pregados.
De origem nobre e rica, Tibério Graco
teve educação esmerada, sendo influencia­ Os animais selvagens espalhados na Itália têm cada um a sua toca, o seu co­
do pela cultura grega. Seu modelo de con­ vil, a sua furna; e aqueles que combatem e morrem pela Itália têm apenas o ar
e a luz, e depois nada mais: sem casa, sem morada fixa, erram com suas mulhe­
duta era a democracia ateniense, principal­
res e seus filhos. Os generais mentem quando, nas batalhas, animam os solda­
mente os ensinamentos de Péricles. Como dos a combaterem os inimigos para a defesa dos túmulos e dos lugares de culto:
tribuno da plebe, retomou antigas leis, que entre tantos romanos, não há um que possua um altar familiar, uma tumba de
nunca haviam sido postas em prática, re­ antepassados. Guerreiam e morrem unicamente para o incremento do luxo e da
opulência dos outros: são chamados senhores do mundo, e não têm para eles
ferentes ao uso das terras públicas por par­
uma nesga de terra!
ticulares. Propôs um limite à propriedade (Tibério Graco in Malet !I saac, op. cit.)
de 125 hectares. As que ultrapassassem es­
se número, voltariam ao Estado e seriam
redistribuídas aos mais pobres. Uma co-
missão agrária composta por três membros faria o cadastramento. Após as Guerras Púnicas, Roma pas­
A reforma agrária não interessava aos patrícios proprietários de terras, que come­ sou por um período de intensoo confli­
çaram a boicotar as propostas de Tibério Graco. Com o fim do mandato, o tribuno tos internos. Foi a época dos levantes de
escravos sob a chefia de Espártaco.
candidatou-se novamente (o que não era permitido por lei) . Mas, apesar de sua vitó­ Os irmãos Graco, embora de ascendên­
ria na reeleição, sem o apoio dos camponeses presos à terra e da plebe urbana desin­ cia aristocrática, propuseram um progra­
teressada, tornou-se presa fácil dos inimigos. Cercado no Capitólio por senadores ma de reformas que visava diminuir os
e membros do partido dos nobres, Tibério foi massacrado junto com trezentos parti­ conflitos: dar terra aos camponeses, rea­
bilitando o pequeno proprietário e assim
dários. fortificando o Estado. Eleito tribuno em
A semente da revolta plebéia brotou novamente com Caio Graco, irmão de Tibé­ 1 3 3 a.C., Tibério Graco, pronunciou na
rio, em 123 a.C. Caio Graco reivindicou melhores condições de vida para a plebe Assembléia Popular um brilhante discur·
e conseguiu que o senado aprovasse a Lei Frumentária, que distribuía pão à plebe. so (acima).
Mas Caio Graco pretendia radicalizar o movimento, conseguindo terras para a ple­
be. ·os cavaleiros, que também eram proprietários, retiraram o apoio a Caio, impe­
dindo assim a sua reeleição como tribuno. Tentando impor sua proposta pela força,
o movimento foi reprimido e os principais discípulos de Caio decapitados. Caio
pediu a um escravo que o matasse.
O movimento dos plebeus, liderado pelos irmãos Graco, não alcançou seus objeti­
vos. O proletariado romano, sustentado pelo Estado, relutou em apoiar o movimen­
to, prejudicado também pela união entre patrícios e cavaleiros.

A luta entre patrícios e plebeus


A aliança entre cavaleiros e patrícios era frágil, principalmente porque existia, en­
tre eles, uma incansável luta pelo poder.
Depois da morte dos irmãos Graco, a plebe, órfã de liderança política, aliou-se
ao Partido Democrata, formado por ricos comerciantes - os cavaleiros -, que luta­
vam para tirar o poder dos patrícios.
Os patrícios, por sua vez, eram incapazes de resolver os graves problemas que amea­
çavam a República. Enquanto isso, generais vitoriosos em inúmeras batalhas alcan­
çavam enorme popularidade e usavam seu prestígio para fazer carreira política.
Mário era um exemplo desse novo homem político. Depois de vencer muitas bata­
lhas na África, aliou-se à facção radical do Partido Democrata, o Partido Popular,
elegendo-se ilegalmente cônsul por seis vezes consecutivas (105- 100 a.C.). Devido
a sua origem plebéia, Mário era detestado pelo Senado. Mas sua popularidade cres­
ceu ainda mais depois da vitória sobre os teutões.
Sila, grande rival de Mário e seu subalterno na África, tornou-se famoso quando,
a serviço dos patrícios, reprimiu com violência as guerras sociais que eclodiram em
toda a Itália. Da rivalidade entre os dois resultou uma violenta guerra civil que só
terminaria com a morte de Mário, em 86 a.C. Com o apoio do Senado, Sila alcançou
um poder quase absoluto. Entretanto, o domínio de Sila durou pouco. Depois de
derrotar os últimos partidários de Mário, abandonou a vida pública.
Com a perda de expressão política e econômica dos patrícios, desenvolveu-se um -

novo período de lutas, solucionado com um acordo entre as classes dominantes. Es- 33
se acordo permitiu a formação do primei­
E agora, Romanos, a esses nobres soberbos comparai Mário, homem novo. O
que eles ouvem contar, o que lêem, eu o vi , eu mesmo fiz; o que aprendem nos ro triunvirato, em 60 a.C., composto por
livros, aprendi-o nos acampamentos ( . . . ) Cada vez que, por assim dizer, tomam Crasso, rico cavaleiro, Pompeu, represen­
a palavra, seja perante vós, seja no Senado , não tem na boca senão o elogio" aos tante dos patrícios, e Caio Júlio César, po­
seus antepassados, como se, lembrando as belas ações desses grandes homens,
lítico de origem nobre mas com enorme
se tornassem eles mesmos mais ilustres! É j ustamente ao contrário: quanto mais
a vida de uns teve brilho, ma1s a nulidade dos outros é degradante( ... ) Não posso,
prestígio entre a população pobre.
para justificar a vossa confiança, exibir nem os bustos de meus antepassados, nem As guerras que envolveram Roma, des­
os triunfos, nem os consulados de meus avós; mas, se for preciso, mostrarei dardos, de Sila a Mário, demonstraram que a Re­
um estandarte, colares'cie honra, muitas outras recompensas militares; mostrarei , pública dos patrícios chegava ao frm e que
principalmente, as cicatrizes que sulcam o meu peito. Aí estão os meus bustos,
surgiam novos instrumentos do poder, co­
aí está a minha nobreza: bustos, nobreza que eu não tenho, como eles, adquirido
por herança, mas conquistado por mim mesmo à força de trabalhos e perigos! mo a plebe urbana e o exército profissional.
(Salústio in Malet/Isaac, op. cit.)

No ano 1 1 1 a.C., Roma inicia uma Dos triunviratos à formação


guerra contra a Numídia, none da Áfri­
ca. A princípio, os romanos sofrem der­ do Império
rotas, porém, com a eleição de Mário
(general chefe da guerra) para cônsul, a
situação muda. NQ texto acima estão tre­ As forças políticas adversas e a morte de Crasso na luta contra os partas (53 a. C.)
chos do discurso de Mário perante a
conseguiram derrubar o precário equilíbrio do primeiro triunvirato. Sob o pretexto
assembléia popular tentando convencer
os tribunos de suas qualidades pessoais de reprimir os grupos armados, formados por exércitos particulares que espalhavam
para o cargo de cônsul. Mário venceu a o terror em Roma, o Senado nomeou Pompeu cônsul único, com a missão de resta-
'
Numídia e foi reeleito para o cargo de belecer a ordem.
cônsul seis vezes. Fez importantes mo­ Para evitar uma nova crise de poder, Júlio César propôs que todos os exércitos par­
dificações na organização do exército,
permitiu o alistamento de plebeus que ticulares fossem desmobilizados. Além de recusar a proposta, o Senado exigiu que
se transformaram em soldados profissio­ ele próprio desmobilizasse suas tropas e abandonasse seus títulos.
nais. As reformas de Mário traziam em No entanto, ao conquistar a Gália, importante fonte de fornecimento de escravos,
seu germe a ditadura dos generais. César ganhou forte simpatia dos cavaleiros, assim como do proletariado protegido
pela política do pão e circo.
Sentindo-se suficientemente forte para enfrentar Pompeu e o Senado, César, auxi­
liado por suas tropas da Gália, cruzou o rio Rubicão e invadiu a Itália. Após o assas­
sinato de Pompeu, no Egito, César instaurou a ditadura.
Como ditador, César limitou o poder do Senado, acumulou cargos e restringiu a
influência do patriciado. Armado de poder quase absoluto, iniciou amplas reformas.
Pôs fim ao longo período de guerra civil e restabeleceu a pàz em todo o Império.
Distribuiu terras aos soldados, obrigou os proprietários a empregar homens livres
e reformou o calendário romano.
Júlio César pretendia tornar seus pode­
..------, res hereditários, o que significava o fim do
No momento em que César entra no Senado, o Senado inclina-se e levanta-se
para honrá-lo. Cúmplices de Bruto, uns cercam por detrás a cadeira de César,
Senado e da República. Isso :6oi suficiente
outros vão à sua frente como para j untar as suas instâncias às de Túlio Cimber para que, liderada por Cássio e Bruto, a
que pede a volta de seu irmão exilado. César, sentando-se, repele as suas súpli- aristocracia conspirasse. Aproveitando-se
cas e, como eles instam mais vivamente, encoleriza-se contra cada um deles. Então de uma visita de César ao Senado, um gru-
Túlio agarra-lhe a toga com ambas as mãos e leva-a para baixo do pescoço; era
po de senadores aristocratas 0 assassinou
o sinal do ataque. Casca, primeiro, fere-o com a sua espada no pescoço; mas
a ferida não é mortal nem profunda. César volta-se, torna a espada e prende-o. a punhaladas (44 a.C.).
Ambos gritam ao mesmo tempo, a vítima em latim: "Casca celerado, que fazes?" Mas Cássio e Bruto não conseguiram as-
e o matador em grego a seu irmão: "Irmão, socorro ! " Nesse momento, os conju- cender ao poder. Marco Antônio, general
rados sacam as espadas, envolvendo César; para onde quer que se dirijam os
e amigo pessoal de César, sublevou 0 povo
olhares, só se encontram ferros que ferem nos olhos e no rosto ( . . . ) Alguns con-
tam que César percebendo a presença de Bruto com a espada desembainhada,
de Roma contra os conspiradores, que fo-
envolveu a cabeça no manto e abandonou-se aos golpes; ( . . . ) vários dos conju- ram perseguidos e mortos.
rados feriram-se mutuamente desferindo tantos golpes em um só corpo. Temeroso e seguindo o conselho de Cí-
(Plutarco in Malet/Isaac, op. cit) cero - advogado famoso, defensor do re-
.__
___.
_______________________
__
gime republicano e da Constituição -, o
Após a conquista do Egito, e a vitória Senado entregou o poder a Caio Otávio, so­
sobre as forças de Pompeu, César volta brinho e herdeiro legítimo de César. Apesar de Otávio atacar Marco Antônio em
<( a Roma Em 46 a.C. torna-se ditador
t!J Módena, os dois litigantes chegaram a um acordo e, com Lépido, formaram o se­
perpétuo. Apesar do Senado e da Assem­
!z bléia Popular continuarem funcionando, gundo triunvirato. Otávio ficou com as províncias da Sicília e da África; Marco An­
<( César era um monarca absoluto. Diante tônio com a Gália Cisalpina; Lépido com a Gália Harbonesa e a Hispânia. Mais tarde,
<( de tanto poder, o Senado organizou uma uma nova divisão estabeleceu que Lépido ficava com a África, Marco Antônio com
ê5 conspiração contra a sua vida, tendo à
. o Oriente e Otávio com o Ocidente.
a: frente os republicanos Bruto e Cássio, e
no dia 15 de março de 44 a.C., César foi
Em conseqüência da nova divisão do poder e do enfraquecimento dos patrícios,
- realizou-se um numeroso expurgo no Senado. Milhares de inimigos foram presos
assassinado. No texto acima, Plutarco
34 conta a morte de César. e cassados. Cícero foi um deles. Suas mãos foram cortadas; depois, acabou assassi-
nado por Herênio.
Como ocorreu no primeiro triunvirato, o novo acordo durou pouco. Lépido foi
rapidamente afastado e indicado para a anódiJ:?.a função religiosa de sumo-sacerdote.
Marco Antônio deixou-se ficar no Oriente, onde acostumou-se com os hábitos e o
luxo locais. Essa atitude deu liberdade a Otávio que, depois de fortalecer sua posi­
ção em Roma, sob a alegação de que seu rival queria criar um império romano no
Oriente, atacou Marco Antônio, derrotando-o na Batalha de Ácio. Marco Antônio
fugiu com Cleópatra para o Egito, perseguidos pelos exércitos de Otávio. Quando Otávio que ficou conhecido na Histó­
as tropas romanas tomaram Alexandria, Antônio e Cleópatra suicidaram-se (30 a.C.). ria com o nome de Augusto, título reser­
vado apenas aos deuses, governou Roma
Com a vitória no Egito e a posse dos imensos tesouros do faraó, Otávio acumulou
durante 44 anos (31 a.C. - 14 d.C.). Rea­
uma fortuna que lhe permitiu formar um poderoso exército, composto de setenta lizou várias reformas políticas e sociais
legiões, e abastecer de trigo a plebe de Roma. além de desestimular os hábitos santuá­
Tendo sob seu controle as principais fontes de poder (o Exército e a plebe), Otávio rios por seu próprio exemplo de vida mo­
derada, como nos relata Suetônio,
começou a estabelecer uma nova forma de governo. Mais cuidadoso do que César,
historiador romano, no trecho que segue:
procurou disfarçar seu próprio poder, man-
tendo nas aparências o regime republicano.
Com receio de perder seus privilégios,
Habita ele, no Palatino, a modesta casa de Hortênsia; não é espaçosa nem ele­
o Senado cumulou Otávio de títulos: Po­ gante; nos quartos, não se viam mármores, nem mosaicos preciosos. Pode-se julgar
der Tribunício (que o tornava sacrossanto da sua economia pelos paramentos e mobiliário, pelos leitos e as mesas que dele
e inviolável); Imperador Consular (que lhe restam e que são apenas dignos, na maioria, de um particular abastado. Quase
não vestia senão roupas feitas em casa por sua irmã, sua mulher, sua filha e suas
confiava o comando supremo do exército
netas ( ... ) Comia pouco e a sua alimentação era quase comum. Gostava princi­
em todas as províncias); Pontífice Máxi­ palmente de pão caseiro, pequenos peixes, queijo de leite de vaca prensado com
mo (que o tornou chefe da religião roma­ a mão, e figos frescos ( . . . )
na); Princeps Senatus (que lhe dava o Um dia em que assistia a jogos, um ator tendo pronunciado as palavras: "0',
direito de governar o Senado); lmperator o senhor equitativo e bom", e todos os espectadores batido palmas com entusias­
mo como se se tratasse de Augusto, este mandou logo cessar essas adulações
(título reservado aos generais vencedores)
inconvenientes e no dia seguinte censurou-os em um edito muito severo ( . . ) Quan­
e, finalmente, Augusto (título reservado do era cônsul, andava quase sempre a pé. Nos dias de recepção geral, admitia
aos deuses). Marcando o início do Impé­ perto de si o povo baixo e acolhia as solicitações que se lhe apresentavam com
rio e o final da República, formou-se um tanta afabilidade, que ralhou com um homem "por haver-lhe apresentado uma
petição com tanta hesitação, como se desse uma moeda a um elefante". Nos dias
regime político caracterizado pelo absolu­
de assembléia, esperava, para sauda;r os senadores, que estes estivessem na Cú­
tismo teocrático, muito semelhante aos ria e sentados. À sua partida, os senadores permaneciam sentados.
antigos impérios orientais. (Suetônio in Malet/Isaac, op. cit.)

O Alto Império

Ao assumir o Império, Otávio - agora Augusto -, reforçando sua base de poder,


criou o Conselho do Imperador, composto exclusivamente por seus amigos, que
passou a ter um papel mais importante que o do Senado. Enquanto isso, os antigos
magistrados passaram a desempenhar funções puramente civis e o Senado a ter ape­
nas o controle administrativo de Roma.
O Exército estabeleceu armas em todas as províncias, passando também a cobrar
impostos - cujo sistema foi totalmente "reorganizado" - e impondo pela força a
chamada Pax Romana. Devido à grande extensão do Império Romano e à variada
composição de povos e costumes, havia um clima de permanente instabilidade que
cabia ao Exército reprimir.
Augusto estendeu os domínios de seu Império aos países situados ao sul do rio
Danúbio, delimitando novas fronteiras para a região setentrional . No Oriente, ane­
xou a Galácia e a Judéia, estabelecendo também sua soberania sobre os armênios.
No campo administrativo, criou novos impostos sobre as heranças e sobre as ven­
das para aumentar a arrecadação do Estado. Aperfeiçoou o sistema de justiça e de­
senvolveu um correio especial, o que lhe permitiu um controle mais eficaz da
administração pública.
No campo social, modificou a estrutura da sociedade. Em substituição ao critério
de nascimento, que era usado até então para hierarquizar a sociedade, introduziu
uma escala econômica, pela qual os cidadãos teriam direitos políticos proporcionais <(
(.!)
aos bens. 1-
:z:
Com a morte de Augusto (14 d.C.), a dinastia Júlio- Claudiana teve continuidade <(
com T ibério, filho adotivo de Augusto e seu herdeiro. T ibério foi um administrador <(
::2:
eficiente, mas sua participação na morte do general germânico tornou-o impopular. o
a:.
Calígula, seu sucessor, com sintomas de desequilíbrio mental, passou a perseguir
senadores e tentou criar um estilo oriental de governo. Foi assassinado por um guar­ -
da pretoriano em 41 d.C. 35
Ao assumir o poder no meio de uma
Calígula tinha o rosto pálido, o corpo enorme, o pescoço e a s pernas muito
compridos, os cabelos raros, faltando inteiramente no alto da cabeça; o resto conspiração palaciana, Nero (54-68 d.C.),
do corpo, peludo. Assim, à sua passagem era um crime passível de morte olhá­ o último imperador da dinastia Júlio­
lo de um ponto elevado, ou pronunciar, mesmo que não fosse por mal, a palavra Claudiana, depois de um início feliz de go­
cabra. verno, foi obrigado a renunciar no meio de
Engolia, após dissolvê-las em vinagre, as mais preciosas pérolas. Na constru­
ção das suas residências da cidade e do campo, procurava somente o que lhe uma revolta popular (68 d.C.). Nero per­
parecia impraticável. Eram diques lançados em um mar tempestuoso e profun­ deu seu prestígio após ter sido acusado de
do, rochedos da pedra mais dura de cortar, planícies elevadas no nível das mon­ haver provocado o incêndio de Roma.
tanhas, colinas cavadas e aplainadas, e tudo com incrível rapidez ( ... ) Deu ao Nesse período, a grande extensão terri­
seu cavalo uma estrebaria de mármore, uma grade de manjedoura de marfim,
torial do império dificultava cada vez mais
criados para tratarem "dos convidados em nome do animal. Conta-se que deseja­
va fazê-lo cônsul ( ... ) sua administração,que passava a depender
(Suetônio in Malet!lsaac, op. cit) da fidelidade dos generais que controlavam
L-----l as províncias. Estes, fortalecidos, também
começaram a participar ativamente da lu­
Após a morte de Augusto, sucederam­ ta pelo poder, o que serviu para aumentar a instabilídade de Roma.
se no governo de Roma imperadores pouco Com o fim da dinastia Júlio-Claudiana, três generais - Galba, Otão e Vitélio ­
capazes (exceto Cláudio). Calígula foi um.
assumiram provisoriamente o poder. Vespasiano (69-79 d.C.), rico comerciante ori­
deles: era meio louco, entregava-se às
piores extravagâncias. Foi assassinado pe- ginário da classe dos cavaleiros italianos e não da aristocracia romana, coroou-se im­
la guarda pretoriana em 41 d.C. Suetô­ perador e fundou uma nova dinastia, a Flaviana.
nio descreve no texto acima algumas de No auge do escravismo e da expansão romana, essa nova dinastia representava os
suas extravagâncias . senhores donos de escravos. Os imperadores da dinastia Flaviana caracterizaram­
se, sobretudo, por serem administradores competentes, que melhoraram as condi­
ções gerais do Império. Vespasiano restaurou a paz e as fmanças; Tito (79-81 d.C.)
foi ótimo governante, mas Domiciano (81-96 d.C.) quis governar como soberano ab­
soluto e foi assassinado numa conspiração palaciana (96 d.C.).
O período em que a dinastia dos Antoninos esteve no poder (96- 192 d:C.) marcou
o apogeu de Roma. O império atingiu sua maior extensão territorial, conheceu gran­
de prosperidade econômica, gozou de paz interna e foi administrado com eficiência.
Entre os imperadores que mais se destacaram nesse período merecem ser lembra­
dos: Trajano (98- 1 17 d.C.), excelente administrador e respeitador das instituições
civis e do Senado; Adriano ( 1 1 7- 138 d.C.), homem pacífico que contribuiu para me­
lhorar o direito romano, e Marco Aurélio ( 161-180 d.C.), que se destacou pelo gran­
de espírito de justiça.
Com a morte de Cômodo ( 1 80-192 d.C.), que se divertia combatendo gladiadores
na arena, teve fim a dinastia dos Antoninos. O Império de Roma entrou em gradati­
va crise e estagnação. Os Severos, substitutos dos Antoninos, procuraram dar um
caráter ainda mais oriental ao Império, apoiados na burocracia e no exército. Dura­
ram apenas quarenta anos.

O Baixo Império
A economia de Roma, baseada quase exclusivamente no uso de trabalhadores es­
cravos, passou a se ressentir, a partir do século 11 d.C . , com a falta desse tipo de
mão-de-obra. O longo período de paz afetou a oferta de escravos (fornecidos princi­
palmente pelas guerras), que não pôde ser devidamente superada com a compra de
novos contingentes nas regiões de fronteira. Como esse tipo de população apresenta­
va um baixo índice de natalidade e crescimento demográfico, o preço dos escravos
começou a subir acentuadamente. Em menos de um século, seu preço chegou a re­
presentar mais de dez vezes o seu custo inicial. Como era considerada uma mercado­
ria perecível e de alto risco, tornou-se cada vez mais oneroso para os proprietários
rurais fazerem esse tipo de investimento.
Assim, a produção dos grandes latifúndios começou a declinar, caindo também
o lucro dos proprietários. Com menos impostos a receber, em conseqüência da crise
econômica, o Estado romano viu-se obrigado a tomar uma série de medidas: deixou
de sustentar a plebe urbana (que foi trabalhar no campo) e limitou os gastos com
<( a corte imperial; aumentou também o valor dos impostos (quem não pudesse pagá­
(.!;)
i= los fugia para o campo) e, finalmente, reduziu os contingentes militares.
z:
<( Como saída para a crise, os proprietários rurais escolheram um novo sistema de
<( arrendamento. Pelo novo sistema, os trabalhadores sustentavam-se com o próprio

o trabalho, nos pedaços de terra fornecidos pelos donos. Em troca, tinham que traba­
ex:
lhar uns dias por semana para o proprietário. Esse tipo de arranjo tornava auto­
- suficiente a produção de alimentos, mas dificultava a produção de excedentes para
36 o comércio.
Desse modo, foram gradativamente transformados em colonos plebeus da cidade,
bárbaros que fugiam das guerras no mundo germânico, pequenos proprietários agrí­
colas e escravos que conseguiam obter seu pedaço de terra.
A cidade deixou de ser o centro do Império. O núcleo econômico passou a ser
a vila, onde os grandes proprietários de terras, em uma ou mais construções protegi­
das, dirigiam a vida econômica, social e militar de toda a propriedade.
Esse processo de ruralização econômica e de descentralização política enfraquecia
o Império e preparava o surgimento do feudalismo. Por outro lado, à medida que
o Império se enfraquecia, suas dificuldades aumentavam. Povos bárbaros, na fron­
teira ocidental, como os germânicos e os gauleses, ameaçavam invadir. O mesmo ocor­
ria no Oriente com os persas, berberes e mauritânios.
A partir de 235 d.C., o Império Romano passou a ser governado por imperadores­
soldados. Eram comandantes do exército que tinham como prioridade a defesa do
território. Para melhorar a eficiência administrativa do Estado, Diocleciano introdu­
ziu,· em 284 d.C., a tetrarquia, sistema pelo qual o Império seria governado ao mes­
mo tempo por quatro imperadores. Mas essa forma de governo logo entrou em crise,
após a morte de Diocleciano.
Por outro lado, o cristianismo, seita religiosa que começava a se expandir pelo
Império, com a adesão de plebeus, mulheres e escravos, minava as bases do regime,
já que por seu caráter pacifista e monoteísta, negava o militarismo e a configuração
divina do imperador. Em 313 d.C . , o imperador Constantino, pelo Edito de Milão,
deu liberdade de culto a seus seguidores. Sessenta anos mais tarde, outro imperador,
Teodósio, oficializaria o cristianismo, tentando criar uma nova base ideológica para
o governo, e dividiria definitivamente o Império Romano em duas partes: o Império
Romano do Ocidente, que ficou com seu filho Honório; e o Império Romano do
Oriente, com capital em Constantinopla, que passou para seu outro filho, Àrcádio
(395 d.C.).
O Império do Ocidente, depois de enfrentar e sofrer sucessivas invasões de povos
bárbaros, foi finalmente destruído por Odoacro, rei dos hérulos, em 476 d.C. Como
conseqüência do esfacelamento do Império do Ocidente, acentuou-se o processo de
descentralização econômica, dando origem ao feudalismo, que marcaria a Idade Mé­
dia. No outro lado do mundo, porém, desenvolveu-se no Império Romano do Oriente
a civilização bizantina, que duraria mais de mil anos.

Exercício

(UNESP) A partir do século 111, o Império Romano caminhou da crise para a deca­
dência. E, a propósito, considerando as afirmações:
1) O exército romano fazia e desfazia imperadores.
2) A decisão de tolerar o estabelecimento dos bárbaros que forçaram as fronteiras,
com o tempo, mostrou-se perigosa.
3) A fixação dos camponeses à terra contribuiu para o desenvolvimento do colonato,
em detrimento do modo escravista de produção.
4) Os invasores liquidaram com o Império do Ocidente, não restando uma única
instituição.
Assinale:
a) se todas as afirmativas estão incorretas.
b) se todas as afirmativas estão corretas.
c) se apenas a afirmativa 2 está correta:.
d) se apenas a afirmativa 4 está incorreta.
e) se apenas a afirmativa 4 está correta.

Resposta

O 111 século marcou o início da decadência do Império Romano. Com a interrup­


ção da oferta da mão-de-obra escrava, o trabalho livre tomou-se a opção menos one­
rosa. Assim os grandes proprietários começ_aram a arrendar a terra, dando surgimento
ao colonato. Outra característica desse período foi o chamado anarquismo militar:
os imperadores eram colocados no poder e depostos pelo exército. Além disso, as
fronteiras estavam cada vez mais vulneráveis diante da pressão dos povos gçrmanos,
-
o que redundou por volta do século V, na queda do Império. A alternativa correta
é a b, pois todas as afirmações estão corretas. 37
A HERANÇA D�
CULTURAS CLASSICAS

A Grécia Antiga constitui para a cultura ocidental um permanente ponto de refe­


rência. Nela encontram-se as raízes históricas, científicas e filosóficas do Ocidente.
A arte ocidental, a Grécia forneceu modelos que, copiados, reinterpretados e discu­
tidos, ressurgem com freqüência, determinando a orientação artística de diversas
épocas. A dinâmica experiência social e política dos gregos legou ao Ocidente suges­
tões teóricas e práticas que até hoje servem de base para diferentes formas de governo.
A conquista da Grécia pelos romanos influenciou a cultura destes últimos. Assim,
excetuando a poesia satírica e o direito, a cultura romana consistiu em uma conti­
nuidade do conhecimento dos gregos. A perda de autonomia das cidades gregas não
O homem dos primeiros tempos significou o aniquilamento de sua cultura. Representou, ao contrário, a sua expan­
achava-se continuamente em são e difusão para além das fronteiras da Grécia clássica e do seu tempo.
presença da natureza; os
costumes da vida civilizada ainda
nao haviam estabelecido uma
separaçao entre a natureza e o A herança grega
homem. O seu olhar deliciava-se
perante todas essas belezas ou Religião: A religião grega não era caracterizada por dogmas, ou seja, não estava as­
mostrava o seu deslumbramento
perante as suas grandezas. ( . . . ) O
sociada a verdades absolutas. Cada um podia imaginar, por exemplo, a vida depois
homem experimentava em si, da morte, como bem entendesse.
perpetuamente, um misto de O culto aos deuses tinha por fmalidade pedir proteção para a família, a tribo e
veneraçao, de amor e de terror, a pátria. Assim, as orações eram feitas com o objetivo de solicitar auxílio para as
perante a poderosa natureza.
necessidades pessoais e nunca para pedir perdão por eventuais erros cometidos. Em
Este sentimento n11o o trouxe
imediatamente à concepçao do geral, as cerimônias eram realizadas no jazigo da família, no túmulo de heróis ou
Deus único governando o nos templos e moradias dos deuses. Com essa fmalidade, cada cidade possuía sua
universo, por ser desconhecedor divindade protetora e seu templo.
ainda de toda a idéia de universo. Dentro da família, o pai exercia a função de sacerdote, mantendo sempre aceso
O homem deste tempo ignorava a
terra, o sol e os astros, como
o fogo sagrado. As cerimônias de nascimento, casamento e morte eram acompanha­
partes do mesmo corpo, e !.'lo das de festas sagradas, nas quais participava toda a família. Em todas as cidades
pouco lhe ocorria pudessem estes realizavam-se anualmente comemorações em homenagem aos mortos.
ser governados por um mesmo e As lendas, criadas pela imaginação popular, deram origem aos mitos. Chamamos
único Ser. ( ... )
de mitologia o conjunto de narrativas sobre a vida dos deuses, responsáveis pela cria­
(F. de Coulanges
ção do mundo e pelo destino do homem. Esse saber mitológico explicava para a época
-

�c;;
A cidade antiga.)
e para o momento histórico as principais questões da existência humana, da nature­
U) za e da sociedade. Revelava de forma lendária a origem dos reis, do homem, do povo
·<
.....1
u grego, das g1lerras, do amor, da doença, da morte e dos sentimentos .
No mundo grego, principalmente no período homérico, os mitos justificavam as

a: estruturas sociais, as relações de trabalho e parentesco e as formas de dominação
::::>
!:J política.
,::::> A mitologia grega possuía muitos deuses. Zeus, o principal deles, reinava no monte
u
U) Olimpo e era senhor dos fenômenos atmosféricos, dos rios, das chuvas, controlando
ê§ todos os outros deuses. Hera, esposa de Zeus, protegia o casamento, a maternidade
(). e a família; Apolo protegia as artes e era o deus do Sol; Dioniso protegia os agricul­
z
<
tores e era o deus do vinho.
a:
w Muitos heróis, em função de seus feitos e ações, eram elevados à categoria de deu­
:X: ses. Assim, Perseu matou a Gorgone, monstro de dentes afiados e cabeça coroada
<
de serpentes; Teseu destruiu o Minotauro e Hércules realizou doze trabalhos para
-
·

escapar da fúria de Hera.


38
_

Filosofta e ciência: Atenas foi o grande centro cultural da Grécia antiga., desde o
século VII a.C., mas floresceram impor1lllites escolas de pensamento por toda a Magna
Grécia. Os primeiros pensadores gregos são freqüen�mente chamados físicos, pois
procuravam uma explicação física para o Universo, isto é, seu objeto principal de
pesquisa era a origem do Universo e de toda a Natureza.
As condições materiais prol?iciadoras do apareciniento dessas idéias foram a ex­
pansão comercial marítima grega e o crescimento da riqueza das cidades. Com o con­
seqüente fortalecimento dos comerciantes e artesãos, surgiu a necessidade de uma
crítica à ideologia hegemônica da aristocracia rural, que se fundamentava no pensa­
mento mitológico.
Os físicos inauguraram o método científico sob o nome de fllosoflll e, dentre eles,
destacam-se:
Tales de Mileto (630-545 a.C.). Autor do teorema que leva seu nome, afirmava
que tudo se origina da água, negando o pensamento mitológico que atribuía aos deuses
e mitos á origem do Universo.
Anaximaodro (610-545 a.C.). Para ele, o princípio da physis é um elemento fun­
damental, que chamou de apeiron, o "indeterminado" ou "ilimitado". Do cons­
tante movimento• do apeiron resulta uma série de pares opostos (água e fogo, frio
e calor), que constituem o mundo.
Anaxímeoes (588-528 a.C.). Foi o terceiro grande precursor da ftlosoflll. Para ele,
o princípio que governa o mundo é o ar, do qual tudo provém.
Outra vertente filosófica, a dos pitagóricos, aftrmava que o número era a essência
de todas as coisas e desenvolveu uma doutrina que buscava uma base matemática
para explicar a religião e a moral. Pitágoras nasceu na ilha de Saníos, Ásia Me­
nor, por volta do século VI a.C., e morreu no fmal do mesmo século. Teria sido
discípulo de Ferécides e Anaximandro. Instalando-se em Crotona, fi.mdou uma
seita baseada no orftsmo. Seu sistema numérico foi objeto de estudos profundos
e, no campo da geometria, chegou a resultados notáveis, como o expresso através
do chamado teorema de Pitágoras. Sócrates (469-399 �.C.) foi o mais im·
Heráclito (536-470 a.C.). Fez uma crítica ao pensamento pitagórico, pois para ele portante fllósofo da Grécia Antiga. Não
a natureza estava em constante contradição, sendo responsável não apenas pela uni­ deixou nada escrito. Tudo o que sabemos
dade do mundo mas pela sua transformação. Muitos filósofos modernos consideram sobre a sua vida e suas idéias é através
de Platão, seu principal discípulo. A&re­
Heráclito o pai âa dialética. A dialética é uma forma de interpretar o mundo, a na­ ditava que o homem poderia alcançar o
tureza e a sociedade do ponto de vista das transformações. conhecimento através de um método,
Com a consolidação da democracia escravista em Atenas e a ascensão das camadas que consistia em descobrir a verdade
médias da população, surgiram os sofistas. Insistindo sobre a relatividade e instabi­ através de um constante interrogatório
lidade das verdades e dos valores, os sofistas criaram uma argumentação lógica (lo­ que levava a descobrir as contradições.
Sócrates foi condenado à morte sob a acu­
gomaquia) e elevaram a oratória à condição de arte. Um dos seus principais sação de inimigo da democracia e de cor­
representantes foi Protágoras (c.480-410 a.C.), que afmnava que "o homem é a me­ romper os jovens. Abaixo, Platão relata
dida de todas as coisas, das que são enquanto são e das que não são enquanto não são". a morte de Sócrates.
A fllosof1a dos sofistas era o reflexo ideo-
lógico de um novo momento histórico em Como o sol declinasse, o executor trouxe-lhe a taça que continha o veneno:
Atenas: o apogeu da democracia. E nesse Sócrates tomou-a com a maior calma ( ... ) mas olhando esse homem de olhar fir­
momento viveu o controvertido Sócrates me e seguro como de costume: Dize-me, é permitido fazer uma libaçao com esta
(469-399 a.C.). Sua crítica aos sofistas, que beberagem? - Sócrates, respondeu-lhe esse homem, nao nos aborrecemos por
se diziam sábios, era sintetizada na frase isso contanto que seja bebida. - Compreendo, disse Sócrates , mas pelo menos
é permitido e é justo fazer as suas orações aos deuses, a fim de que eles aben­
"tudo o que sei é que nada sei". Preten­ çoem a nossa viagem e a tornem feliz: é o que lhes peço; que eles ouçam o meu
dia chegar à verdade e ao saber através do pedido! Após ter dito isso levou a taça aos lábios e bebeu·a com uma tranqüili­
diálogo e da dúvida, método que chamou dade e uma doçura maravilhosas. Até entao tivemos quase todos força para re­
de maiêutica. ter as lágrimas, mas vendo-o beber, nc'io fomos mais senhores ( ... ) Que fazeis,
meus amigos? disse-nos. Não foi para isso que eu fizera sair as mulheres, com
Possuindo fma ironia e sólido espírito receio dessas fraquezas inconvenientes? ( ... ) Testemunhai pois mais firmeza. Es­
crítico, Sócrates combateu o patriotismo sas palavras encheram-nos de confusc'io e retivemos as lágrimas.
vulgar de Atenas e as falsas verdades, que Entretanto Sócrates, que passeava, disse que sentia as pernas pesarem e deitou­
sustentavam os grupos hegemônicos no po­ se de costas, como o homem lhe ordenara (. . . ) O corpo gelava e entorpecia-se,
e o homem, tocando-o, disse-nos que, logo que o frio chegasse ao coraçc'io, Só­
der. Foi condenado à morte como inimigo
crates nos deixaria. Entao Sócrates ( ... ) Criton, disse ele (e foram as suas últimas
da democracia, acusado de corromper a ju­ palavras), devemos um galo a Esculápio, nao esqueças de pagar essa dívida. �
ventude e de pretender substituir a religião Isso será feito, respondeu Criton, mas vê se tens ainda alguma coisa para nos
tradicional por um ser supremo criador do dizer. Sócrates nada respondeu, e pouco tempo depois fez um movimento. O ho­
universo. Sócrates não deixou nada escri­ mem entao tendo-o descoberto, o seu olhar estava fixo. Crtton ( ... ) fechou-lhe
os olhos e a boca.
to, limitando-se a transmitir oralmente suas Eis aí qual foi o fim do nosso amigo, podemos dizê-lo, que foi o melhor dos ho­
idéias. mens que conhecemos nos nossos tempos·, o mais sábio e o mais justo dos homens.
O grande discípulo de Sócrates foi Pla­
tão (427-347 a.C.). Representante da aris­ (Platão, Phedon apud Malet t1saac, História Universal)
tocraCia, escrev�u A República, onde defl-
Tucídides (465-395 a.C.) foi o mais nia o governo ideal como sendo uma república aristocrática escravista governada por
profundo historiador da Antigüidade. filósofos e guerreiros. Quanto aos escravos e ao trabalho braçal, mantinha uma ati­
Heródoto, que é considerado o pai da tude de desprezo. O mérito de Platão foi sintetizar as idéias dos filósofos que o pre­
História, tinha uma concepção funda­
cederam, recolocando-as em novos termos.
mentalmente religiosa dos fatos e Tucí­
dides uma visão realista e racional. Estava Platão fundou a Academia de Atenas, onde transmitiu sua visão de mundo, se­
preocupado em narrar os acontecimen­ gundo a qual as idéias seriam as formas básicas de todas as coisas do Universo. Por
tos com imparcialidade e precisão, expli­
essa razão, alguns pensadores costumam chamá-lo de idealista.
cando suas causas. No trecho abaixo
Tucídides relata algumas características
Aristóteles (384-322 a.C.). Foi o grande filósofo grego. Fez uma crítica ao idealis­
de seu método. mo platônico em Organon, propondo o empirismo e a lógica formal. Escreveu sobre
quase tudo: moral, política, religião, física e arte. Sua teoria literária se configura
Pelo que se refere aos fatos, numa obra importante, a Poética, onde trata a poesia em sua forma por excelência,
não me baseei no dizer do isto é, a tragédia. Aristóteles, como outros pensadores gregos, considerava a escravi­
primeiro que chegou ou nas
minhas impressões pessoais; não dão necessária.
narrei senão aqueles de que eu
próprio fui espectador ou sobre O estudo da história
os quais obtive informações
precisas e de inteira exatidão. Heródoto, chamado ' 'Pai da História' ', costumava registrar os fatos de maneira
Ora, eu tinha dificuldade em essencialmente narrativa: contava os acontecimentos em ordem cronológica, sem ex­
conseguir isso, porque as plicar suas causas e conseqüências, retratando ao mesmo tempo casos históricos e
testemunhas oculares nem sempre
mitológicos e admitindo a intervenção dos deuses no desenvolvimento da História.
estavam de acordo sobre o mesmo
acontecimento e variavam Thcídides, outro historiador, narrou os acontecimentos da Guerra do Peloponeso,
segundo as suas simpatias ou a preocupado com suas causas e conseqüências. Retratou as lutas entre escravos e se­
fidelidade da sua memória. nhores na Grécia, iniciando uma história- metodologicamente científica.
Talvez as minhas narrativas,
Depois de Tucídides, o método de estudo da história recebeu contribuições va­
despidas do prestígio das fábulas,
perderão o seu interesse; basta­ liosas de Xenofonte que, em As Helênicas, retrata a vida e os costumes de Atenas
me que sejam consideradas úteis no século IV a.C . , e em Anabase as guerras Greco-Pérsicas.
a quem quer que deseje, fazer
uma idéia justa das coisas
passadas e prejulgar os
O Helenismo
incidentes mais ou menos
semelhantes, cuja volta o jogo das A formação de um império mundial por Alexandre Magno não sobreviveu à sua
paixões humanas deve levar à morte. Mas seu ideal foi realizado pelo menos no plano cultural. Em conseqüência
repetição. Eu quis legar à de suas muitas conquistas, formou-se um vasto mundo cultural relativamente ho­
posteridade um documento a mogêneo que exerceria enorme influência até mesmo sobre os romanos.
consultar sempre e não oferecer
Alexandre Magno abre um novo período para o pensamento: a civilização helenís­
um fragmento de ostentação a
ouvintes de um instante. tica, uma mescla de culturas que sobrevive à desagregação do império entre dinas­
(Tucídides, I , 22, in Glotz, tias rivais do Egito, da Macedônia, da Pérsia e de outras regiões. No helenismo, uma
Lectures historiques.) série de correntes, como o cinismo, o epicurismo, o estoicismo, alteram o curso da
filosofia: a busca da felicidade pessoal torna-se um tema onipresente.
Nos grandes centros de cultura que então substituíram Atenas - Antioquia, Pér­
gamo e Alexandria - a arte e a literatura se confmaram num círculo restrito de afi­
cionados, que para cultivá-las só tinham o estímulo do gosto. Este foi o novo clima
de uma produção de letrados que se acercavam das bibliotecas - a do museu de
Alexandria, no Egito, tinha setenta mil volumes - fascinados diante da massa impo­
nente de obras-primas catalogadas.
Sem o brilhantismo do período clássico, a filosofia do período helenístico destacou­
se pela drástica guinada em direção ao individualismo.
O estoicismo, cujo expoente foi Zenon de Cício (335-265 a.C.), exaltava a igual­
dade humana pela razão e procurava a completa autonomia individual. Os estóicos
procuravam um subjetivismo moral e o individualismo, que eram o reflexo da Gré­
cia dominada e da decadência da pólis.
O epicurismo, formado a partir das idéias de Epicuro (341-270 a.C.), afirmava
que o fim único da existência era o prazer e o gozo.
Já o ceticismo, criado por Diógenes, era fruto do desespero e da crise do mundo
antigo e desprezava os bens materiais considerando todo o conhecimento relativo.

A herança romana
Religião:No início, a religião romana apresentava caráter doméstico. Em cada casa
havia um altar, representado pelo fogo sagrado. Gradativamente, com a expansão ter­
ritorial e a formação do Império, essa religão primitiva e doméstica tornou-se uma
religião do Estàdo, passando a ter um. corpo hierarquizado de sacerdotes. O próprio
-
imperador passou a ser visto como um deus.
40 Os deuses gregos antropomórficos e outras divindades orientais foram assimilados
pelos romanos e receberam outros nomes:
Zeus Júpiter Apolo Apolo
Hera Juno Hermes Mercúrio
Atena Minerva Ares Marte
Todas as fontes históricas para estudar
Artemis Diana Hefesto Vulcano
a origem do cristianismo sio os quatro
Mrodite Vênus Posêidon Netuno Evangelhos que furam escritos após os f.t..
Demeter Ceres Héstia Vesta tos que relatam e estio comprometidos
Durante Ó Baixo Império, época de crise em Roma, o cristianismo surgiu como com a nova religião. Abaixo seguem al­
guns textos dos Evangelhos do qual po­
uma crítica ao politeísmo e ao caráter divino de César, propondo o pacifismo e a demos dedu.W algJlllS dos mais imponan­
liberdade. Essa nova religião atraiu as populações oprimidas de escravos, proletários tes princípios do cristianismo.
e mulheres, tornando-se uma espécie de "consciência rebelde" para essas camadas
sociais. A partir do século VI d.C. , o Estado romano assimilou o cristianismo, O novo mandamento: Eu dou­
vos um novo mandamento: Que
transformando-o em religião oficial.
vos ameis uns aos outros,
Com as invasões bárbaras e a queda do Império Romano, a igreja cristã manteve assim como eu vos amei, para
o poder e aliou-se aos chefes bárbaros que se tornaram reis e se converteram ao cris­ que vós também mutuamente vos
tianismo. ameis. (Evangelho segundo S. João,
cap. XIII)
Direito: Durante a realeza, no início de sua história, existia em Roma um direito
O Serméio da Montanha:
fundamentado nos costumes, isto é, consuetudinário, que constituía uma parte da
· Bem-aventurados os pobres:
religião. porque deles é o reino dos Céus.
A conquista romana do Mediterrâneo e a· criação de uma economia mercantil es­ Bem-aventurados os mansos:
cravista tornou necessária a formação de uma administração, dando condições para porque eles possuirao a Terra.
Bem-aventurados os que
o desenvolvimento do direito.
choram: porque eles
A lei aplicada aos povos submetidos a Roma era chamada de Jus Gentiun, sendo serao consolados.
considerada a fonte do direito internacional. Bem-aventurados os que têm
Em Roma já existia uma nítida diferença entre o direito público, que regulamen­ sede de justiça: porque eles
serao fartos.
tava as relações entre o cidadão e o Estado, e o direito privado, que tratava das rela­
Bem-aventurados os
ções entre os cidadãos. misericordiosos: porque eles
O desenvolvimento do direito privado ocorreu no império, destacando-se impor­ alcançarao misericórdia.
tantes jurisconsultos, como Gaio, Ulpiano, Modestino e Paulo. Bem-aventurados os limpos de
A diversidade cultural e étnica do império, assim como as relações comerciais en­ coraçao: porque eles verao Deus.
Bem-aventurados os pacíficos:
tre Roma e as províncias, fez com que fosse concedida a cidadania a todos os homens
porque eles serao chamados filhos de
livres do Império, universalizando o direito. Deus.
O Direito foi a grande herança dos romanos ao mundo atual. Bem-aventurados os que
padecem perseguiçao por amor
Exercício da justiça: porque deles é o reino
dos Céus.
(UF-PR) As Leis das Doze Tábuas constituem um código de direito privado,
(Evangelho segundo S. Mateus, cap.
com prescrições no setor do direito penal e alguns artigOs referentes .ao direito V; Evangelho segundo S. Lucas,
religioso. Apresentam como elementos constitutivos e preponderantes: cap. VI.)
a) a dominação dos povos, exaltando, o espírito bélico dos romanos.
b) a garantia à liberdade pessoal e à igualdade dos cidadãos.
c) a inobservância de dispositivos legais na redação de contratos e testamentos, pre­
dominando o direito de primogenitura.
d) a isenção de penalidades nos crimes de lesa-majestade.
e) a arbitrariedade dos magistrados patrícios em relação aos plebeus face à hierar­
quia social.

Resposta
As Leis das Doze Tábuas foram a primeira compilação de leis realizada em Ro­

c;;
cn
ma, constituindo-se no primeiro código esCrito. Surgiram por volta do século' V •<(
-I
a.C. e foram a base de todo Direito Romano. Este foi muito influenciado pelas u
préscrições religiosas, fundamento das leis naquela época. Seguem abaixo alguns cn
<(
a:
dos artigos que compunham as leis: :::>
"Se alguém comete furto à noite e é morto em flagrante, o que matou não será !:J
:::>
punido. u
O pai terá sobre os filhos nascidos de casamento legítimo o direito de vida e de
morte e o poder de vendê-los. �
<(
O escravo a quem foi concedida a liberdade por testamento, sob a condição de U·
z
pagar uma certa quantia, e que é vendido em seguida, tomar-se-á livre se pagar a <(
a:
mesma quantia ao comprador. w
::z:
Que não se estabeleçam privilégios em leis. <(
Que a última vontade do povo tenha força de lei".
-
· Portanto foi a primeira tentativa de estabelecer os direitos e os deveres dos cida­
dãos romanos. Alternativa correta: b. 41
A ALTA
IDADE MEDIA

A Idade Média é o período compreendido entre os séculos V e XV. Normalmente,


costuma-se chamar de Alta Idade Média à fase correspondente aos séculos V a XI
e de Baixa Idade Média ao período que se estende do século XI ao século XV.
Na Europa ocidental, a Alta Idade Média caracterizou-se pela crise do escravis­
mo romano, que colidiu com as comunidades germânicas em desagregação e origi­
nou o feudalismo. Ou seja, a colisão catastrófica de dois modos de produção em
dissolução, o primitivo e o antigo, resultou na ordem feudal.
Por ter sido um período de estagnação econômica e atraso das forças produtivas,
muitos chamaram a Idade Média de "Idade das Trevas". Na verdade, a expressão
justifica-se apenas em parte. Embora apresente um quadro de guerras incessantes,
retração da economia, do desenvolvimento técnico e da vida urbana - além da ocor­
rência da catastrófica peste negra, que dizimou grande parte da população européia
no século XIV -, a Idade Média conseguiu preservar, principalmente dentro dos
mosteiros, a cultura e o pensamento greco-romano.
No Oriente, o período correspondente à Alta Idade Média caracterizou-se pela for­
mação do Império Bizantino, resultado da divisão do Império Romano, e pela ex­
pansão do islamismo.
Durante os séculos IV e V o escravismo passou por uma profunda crise. A falta
de mão-de-obra escrava gerou um grande aumento nos preços desse tipo de traba­
lhador, inviabilizando sua compra.
A solução encontrada pelos grandes proprietários rurais romanos foi a gradual subs­
tituição da mão-de-obra escrava pelo meeiro (colonato), onde o lavrador entregava
uma parte de sua produção ao proprietário.
Com a instituição do sistema de colonato, a força de trabalho deixou de ser uma
mercadoria e a circulação monetária reduziu-se bastante, resultando no quase desa­
parecimento da moeda, na decadência do comércio e na estagnação econômica. As
grandes propriedades romanas (as vilas) , antes totalmente dependentes da estrutura
escravocrata, tomaram-se cada vez mais auto-suficientes.
Devido ao caráter predominantemente especulativo de sua economia, a região oci­
dental do Império, que possuía Roma como centro, foi a mais atingida pela crise
do escravismo, pois os romanos viviam da venda de escravos e da cobrança de tribu­
tos das regiões conquistadas.
Essa situação criou desajustes na superestrutura, com crise administrativa e défi­
cit público. Além disso, o cristianismo, ao tornar-se religião oficial do Império, au­
mentou ainda mais o déficit público, pois o clero passou a ser sustentado pelo Estado.

<(
Invasões '"bárbaras"
Cl
•W Aproveitando-se da crise, os povos que viviam nos limites do Império Romano in­
:::;'!:
w vadiram as províncias, estabelecendo reinos bárbaros. "Bárbaro", para os romanos,
Cl era qualquer povo estrangeiro que tivesse civilização diferente da romana, conside­
� rada a mais evoluída.
i:!;
:......1
<( Os hunos, povos orientais que chegaram à Europa em 375, foram os principais
<( agentes da penetração bárbara. Atraídos pelas terras quentes e férteis do Império
-
Romano, os bárbaros tinham medo dos hunos, excelentes guerreiros que, saindo da
42 Mongólia, atravessaram a Ásia e chegaram às -planícies da Ucrânia. Ali derrotaram
os alanos e dominaram os ostrogodos.
Pressionados pelos hunps, os visigodos estabeleceram-se dentro do Império Ro­
mano. Alojados na Macedônia, tornaram­
se aliados, encarregados de defender a Quando ainda muito jovens, fazem-lhes com um ferro profundos ferimentos
fronteira romana contra o ataque dos no rosto, .a fim de que as cicatrizes que nele se formarem impeçam a saída do
primeiro pêlo: envelhecem desfigurados e sem barba. Todos eles têm, aliás, os
hunos. membros vigorosos e o pescoço grosso: têm aspecto extraordinário e tc'lo curva­
Os visigodos começaram a expandir-se dos que poderao ser tornados por animais de dois pés ou por esses pilares gros­
na região, mas encontraram resistência na seiramente esculpidos em figuras humanas que se vêem nas bordas das pontes.
figura do imperador Valente, que tentou Nao têm eles necessidades de fogo nem de comidas temperadas, mas vivem de
raízes selvagens e de toda espécie de carne que comem meio crua, depois de
expulsá-los. Com a morte de Valente, na
tê-la aquecido levemente sentando-se em cima durante algum tempo quando estao
Batalha de Adrianópolis (378), Teodósio, a cavalo. Nao têm casas; nc'lo se encontra entre eles nem mesmo urna cabana co­
seu substituto, deu terras aos visigodos para berta de caniço. Vestem-se de pano ou peles de ratos dos campos; têm apenas
acalmá-los. Conseguiu, assim, que eles o urna única roupa e nao tiram a túnica senao quando cai em farrapos. Cobrem
ajudassem nas lutas contra os vândalos, cu­ a cabeça com pequenos bonés caídos, e as pernas com peles de bode. Sao cola­
dos a seus cavalos, que sc'lo, é verdade, robustos mas feios; nao existe nenhum dentre
ja invasão ocorrera através da região do eles que nao possa passar a noite e o dia sobre a montaria; é a cavalo que bebem,
curso superior do Danúbio. comem e, abaixando-se sobre o pescoço estreito do animal. dormem. Nenhum cul·
Com a divisão do Império Romano em tiva a terra nem toca mesmo em um arado. Sem morada fixa, sem casas, erram por
duas partes (Império Romano do Ociden­ tOdos os lados e parecem sempre fugir com as suas carriolas. Corno animais des­
providos de razao, ignoram inteiramente o que é o bem e o que é o mal; nao têm
te e Império Romano do Oriente), os visi­
religiao, nem superstiçao; nada iguala a sua paixao pelo ouro.
godos iniciaram a sua grande invasão. (in Malet/lsaac, História Universal)
Cercaram Constantinopla, mas foram des­
viados para o oriente pelo imperador Ar-
cádio. Em 410, conseguiram saquear Roma e continuaram seus avanços até ocuparem Nos fms do século IV, o Império Ro­
a península Ibérica e o sul da Gália. Considerando-se aliados dos romanos, os visi­ mano estava dividido em dois (o Impé­
godos formaram seu reino (Reino Visigótico) dentro das fronteiras do Império Ro­ rio do Ocidente e o do Oriente). Total­
mano do Ocidente. mente debilitado, foi incapaz de deter a
gigantesca horda a cavalo que se lançou
Em 406, um grupo de vândalos, suevos, alanos e quados atravessou a fronteira: sobre o Ocidente: os hunos. No texto acima,
do Danúbio superior e invadiu o império, liderados por Radagásio. Os vândalos ocu­ ó historiador Arniano Marcelino, oficial do
param a Espanha e atingiram a África. Lá formaram o Reino dos Vândalos. Exército rómano, descreve os hunos.

Os burgúndios, por sua vez, ocuparam o vale do rio Ródano, em 443, fundando
o Reino dos BUrgúndios.
Os anglos, saxões e jutos fixaram-se na Bretanha, onde formaram vários reinos.
Na Gália do norte estabeleceram-se os francos sálios e os francos ripuários.
Em 476, o Império Romano ruiu por completo. Nesse mesmo ano, Rômulo Au­
gústulo, imperador de Roma, foi derrubado por Odoacro, rei dos hérulos. O Oci­
dente estava totalmente dominado pelos bárbaros. Odoacro proclamou-se rei da Itália,
mas não reinou muito tempo: em 488, outro povo germânico, os ostrogodos, vindo
das margens do Danúbio, invadiu a Itália. Por volta do século VI, a Europa
apresentava a divisão territorial
segundo o mapa ao lado. As tribos
germânicas de anglo-saxões, que
se instalaram na ilha da Britânia,
estavam ampliando seu território.
Ao norte da Gália e a leste do
Reno estava o Reino dos Francos,
chefiados por Clóvis. Ao sul viviam
os visigodos, que dominavam parte
da Gália e da Espanha. No norte
da Africa estavam os vândalos. E
na Itália, os ostrogodos sob a
chefia de Teodorico. A maioria
desses reinos teve curta duraçao,
pois os chefes germanos
desconheciam as instituições
políticas e administrativas. Assim,
os suevos e os alamanos foram
conquistados pelos visigodos <
(século VI). O Reino dos Vândalos C5
•W
foi derrotado pelo exército de �
Bizâncio. O Reino dos Burgúndios w
foi anexado pelos francos e o Reino
o
dos Ostrogodos foi destruído pelos �
bizantinos. Por outro lado, os
visigodos se fortaleceram com a �
:...I
<
conversão ao cristianismo. Em 711,
<
os muçulmanos invadem a
Península 11:5érica e a transformam -
em provúicia do Império
Muçulmano. 43
O estabelecimento de novos reinos
Os reinos bárbaros formados por volta do século V, com a crise do Império Roma­
no do Ocidente, evoluíram durante toda a Idade Média e viriam a originar os Esta­
dos Nacionais europeus da época moderna.
Estimulou-se muito a idéia errônea de Com a decadência da economia européia, praticamente desapareceram as ativida­
que os germanos eram povos selvagens des comerciais. O mercado limitava-se à compra e venda de artigos de luxo, lã, ar­
e ferozes que destruíam o Império Ro­ mas e escravos. A indústria se resumia ao trabalho dos artesãos e os comerciantes
mano. Mas essa idéia é falsa. Eles eram
eram na maioria judeus e sírios.
chamados bárbaros por que não pos­
suíam a cultura romana. Praticavam a A economia tendia à ruralização e começava a apresentar as características do mo­
agricultura, dedicavam-se ao fabrico de do de produção feudal.
instrumentos e armas. Antes que os ger­
manos conquistassem Roma houve um
,

prolongado contato entre esses dois po­


vos. Partilhavam fronteiras comuns e
Os povos germânicos
mantinham relações comerciais. Tácito
(55-122 d.C.), historiador latino, descreve Os povos germânicos (vândalos, ostrogodos, visigodos, burgúndios, anglo-saxões)
no texto abaixo a vida conjugal dos
germanos.
trouxeram novos hábitos e costumes, tomando-se com o tempo, a base do sistema
feudal.
Na Germâma, · VIVIa-se de manerra quase
·

· ·

Na Germânia, os casamentos são castos, e entre seus costumes são os que mais primitiva. As habitações eram rústicas; a
merecem elogios. Pois os bárbaros são quase os únicos que se contentam, ca­ caça e a pesca os elementos básicos para a
da um, com uma só esposa, com exceção de alguns personagens que, pondo subsistência. A população vestia peles de
de lado a sensualidade, são solicitados para várias uniões por causa de sua no­ animais e tecidos grosseiros. A guerra,
breza. Não é a esposa que traz o dote ao marido, mas o marido à esposa. O pai
principal atividade, estava reservada aos
e a mãe, assim como os parentes, assistem à cerimônia e apreciam os presentes,
os quais são escolhidos, não para o encanto de uma mulher nem para adornar guerreiros e homens livres. Mulheres e es­
a jovem esposa, mas sao bois, um cavalo com rédeas, um broquei com uma lan­ cravos cuidavam dos rebanhos e do culti­
ça e um gládio. Em troca desses presentes, a esposa é recebida e ela, por sua vo da terra. O pastoreio constituía o sus­
vez, traz ao marido alglimas armas: tal é o laço supremo, tais são os ritos místi­
tentáculo da agricultura. Quando as pas­
cos, tais são, para eles, os deuses do matrimônio. Para que a mulher não pense
que os nobres projetos e os imprevistos da guerra são para os outros, os auspí­ tagens escasseavam, abandonava-se a área
cios de seu casamento que começa, advertem-na de que ela vai compartilhar de cultivo e o rebanho era conduzido para
os trabalhos e os perigos, assumir e encarar o mesmo destino durante a paz, o outro local. Assim, os germanos manti­
mesmo destino durante o combate: é o que anunciam os bois atrelados, o cavalo nham uma atividade agrícola itinerante.
equipado, as armas presenteadas. Assim deverá ela viver e conceber; o que re­
O modo de produção dos germanos com­
cebe, entregará intacto e puro a seus filhos, suas noras recebê-lo-ão e tudo pas­
sará, mais tarde, a seus netos. binava a propriedade comum e a proprie­
dade individual do solo. A propriedade
(Tácito, a Germânia in Pinsky, 100 texws de História Antiga) comunitária era o complemento funcional
da propriedade privada (terreno de pasta-
gem, caça etc.).Dessa forma, a comunida­
de agrícola constituía uma associação de proprietários individuais.
A partir do século I, o contato das tribos bárbaras com os romanos trouxe a desin­
tegração desse sistema comunitário germânico. O comércio com os romanos gerou
disputas no interior das famílias e tribos germânicas. Alguns chefes atacavam outras
tribos para obter prisioneiros e vendê-los aos romanos. A terra passou a ser proprie­
dade individual e não mais comunitária, resultando na formação da propriedade
privada.
Essas mudanças alteraram a sociedade primitiva germânica, com o surgimento de
uma aristocracia ávida de promover guerras, com o intuito de aumentar suas rique­
zas. Os chefes passaram a ter um poder semelhante ao dos reis. Em conseqüência,
formou-se uma nobreza germânica proprietária de terras que explorava os camponeses.
A sociedade dos germanos era patriarcal, ou seja, o chefe da família tomava todas
as decisões. Eram animistas, adoravam as forças da natureza. Seu deus principal era
Odin ou Votan, protetor da guerra. Acreditavam num paraíso onde as valquírias,
virgens guerreiras, entretinham os felizes guerreiros, que se ocupavam com a caça,
a guerra e os banquetes.
Sua organização social e política compreendia a família, a aldeia, o cantão e a tri­
bo. Independentes, as tribos se reuniam em época de guerra ou com uma finalidade
determinada. Organizados essencialmente em tribos, os povos germânicos impediam
a existência de um Estado organizado.
As relações políticas eram temporárias, baseadas em contratos e no princípio da
reciprocidade. Os chefes deviam comportar-se com justiça e os guerreiros deviam
obedecer ao chefe. Quem não cumprisse essas obrigações deveria pagar pelo erro.
-
Essa organização política chamava-se comitatus, bando de guerra, e exerceu grande
44 influência na formação do feudalismo.
Os francos e o império carolíngio Carlos Magno foi o mais importante rei
da dinastia carolíngia; ampliou as fron­
teiras do reino, anexando quase toda a
Entre os vários reinos bárbaros formados com o esfacelamento do Império Roma­ Itália. Em 800, é coroado imperador pelo
papa Leão III, titulo que havia sido uti­
no, muitos não sobreviveram devido à ausência de uma estrutura administrativa e lizado pela última vez no Ocidente em
de uma estrutura de poder, que mantivesse a coesão das tribos. 476. O monge Eginhard, amigo de Car­
Alguns reinos, entretanto, conseguiram estruturar um sistema administrativo, prin­ los Magno deixou-nos uma história de­
cipalmente pela dominação de populações que antes haviam estado submetidas à au­ talhada de sua vida. Abaixo, um trecho
dessa obra.
toridade romana.
Para a formação desses Estados foi fundamental a aliança entre a Igreja Católica Carlos Magno era de estatura
e os chefes bárbaros, com sua conversão ao cristianismo. Na ordem feudal em ascen­ elevada, espadaúdo, sem nada de
são, sobrevivia o poder da Igreja Católica. As divisões administrativas tornavam-se excessivo aliás ( ... ) Tinha o alto
clericais (bispados, arcebispados), com a Igreja monopolizando todo o saber e da cabeça arrendondado, olhos
grandes e vivos, nariz um pouco
tornando-se o principal aparelho ideológico. mais comprido do que a média,
Portanto, a Igreja foi uma ponte indispensável entre a época antiga e a Idade Mé­ belos cabelos brancos, fisionomia
dia, numa passagem conturbada, marcada por invasões e destruições da velha or­ alegre e aberta. Dava
dem romana . exteriormente, tanto sentado como
de pé, uma forte impressão de
Nesse contexto, formou-se o reino dos francos, o mais poderoso da Europa oci­
autoridade e dignidade. ( ... ) A
dental. Subdivididos em francos sálios (estabelecidos perto da atual Bélgica) e francos voz era clara, sem corresponder
ripuários (na região do Baixo Reno), ocuparam as margens do rio Reno, penetran­ entretanto ao seu físico. Dotado
do, no século V, na Gália do Norte como aliados dos romanos. de boa saúde, só ficou doente nos
Descendente de Meroveu, Clóvis (481-51 1) foi o primeiro grande rei franco, fun­ quatro últimos anos da sua
vida( ... ) Fazia quase tudo o que
dador da dinastia dos merovíngios. Realizou numerosas campanhas militares, am­ lhe dava na cabeça, em vez de
pliando as fronteiras do reino e aliou-se à Igreja Romana. As ligações de Clóvis com ouvir a opinião dos seus médicos:
a igreja fortaleceram o poder real, com os bispados servindo de base para organizar tinha-lhes aversão porque
a administração do reino. aconselhavam-no a renunciar às
carnes assadas ( ... ) e substituí-las
Os sucessores de Clóvis ficariam conhecidos como os "reis indolentes", pois, mar­
por carnes cozidas.
cados pelo passado tribal recente, não tinham uma preocupação administrativa e dei­ Usava, diretamente sobre o
xaram os negócios públicos nas mãos de um administrador, o prefeito do paço, que corpo, uma camisa e ceroulas de
aos poucos incorporou a autoridade do monarca. linho; por cima, uma túnica de
O prefeito Carlos Martel (714-740), depois de vencer os muçulmanos na Batalha seda bordada e calçOes; faixas em
torno das pernas e dos pés; ( ... )
de Poitiers, ganhou força militar e política e conseguiu unificar ainda mais o Reino envolvia-se em uma capa
Franco. Seu filho, Pepino, o Breve, assumiu o poder com o título de rei, dando (pelerine) azul e trazia suspensa
início à dinastia carolíngia. Foi sagrado oficialmente pela Igreja Católica. do flanco uma espada cujo punho
Com essa dinastia, tornou-se ainda mais forte a aliança entre os reis francos e a assim como o talim eram de ouro
e prata ( ... )
Igreja, criando condições para a expansão das conquistas dos carolingios.
Apreciava as águas termais e
Carlos Magno (768-814), sucessor de Pepino, o Breve, construiria um grande Im­ entregava-se muitas vezes ao
pério, à custa de trinta anos de campanhas militares contra saxões, eslavos e mu­ prazer da natação em que
çulmanos. sobressaía a ponto de não ser
ultrapassado por ninguém. Foi o
A Igreja Cristã obtinha poder político e formava-se uma elite de guerreiros, que,
que o levou a construir um
através de guerras, recebiam terras. No Natal do ano 800, Carlos Magno foi coroado palácio em Aix-la-Chapelle, onde
imperador romano do Ocidente pelo papa Leão 111. residia constantemente nos
O império carolíngio, tinha uma administração simples, mas eficiente. Era dividi­ últimos anos da sua vida.
do em províncias, chamadas de marcas, condados e ducados, fiscalizados por fun­ (Eginhard in Maletllsaac, História
Universaf)
cionários de Carlos Magno, os missi dominici (mensageiros do Senhor).
Apesar da estrutura política centralizadora, o império carolíngio, pela sua base
econômica agrária de subsistência, criou condições para a formação do poder local
de uma nobreza.
As cidades não possuíam um papel econômico, mas apenas militar e administrati­
vo. Antes de morrer, Carlos Magno nomeou seu filho, Luís, o Piedoso, como seu
sucessor. Pelo Tratado de Verdun, de 843, o Império foi dividido entre seus três ne­
tos: Luís, o Germânico, ficou com a Alemanha; Carlos, o Calvo, com a França; e
Lotário com o norte da Itália.
<{
Os condados, ducados e marcas tornaram-se hereditários, gerando uma poderosa i5
nobreza de condes, duques, marqueses, e adquiriram crescente autonomia econô­ ......
::::?:
mica e política, o que contribuiu para a formação do feudalismo. LU
o

O império bizantino �
:....J
<{
<{
Durante a Alta Idade Média, enquanto o Império Romano do Ocidente desapare­
-
cia sob as ondas das invasões bárbaras do século V, Constantinopla, antiga colônia
grega de Bizâncio, tornava-se o centro de um império que sobreviveria por um milênio. 45
Abrangendo a península Balcânica, a Ásia Menor, a Síria, a Palestina, o norte da
Mesopotâmia e o nordeste da África, Constantinopla conseguiu manter a unidade
do Império Oriental e representou a síntese do mundo greco-romano e do mundo
oriental.
O Império Bizantino mantinha um ativo comércio com regiões do Oriente, de on­
de eram trazidas pedras preciosas, sedas e especiarias. Nas principais cidades bizan­
tinas, existia uma produção artesanal de vidros, tecidos e prata, que eram vendidos
na Europa ocidental.
Na agricultura, predominava a grande propriedade, onde camponeses submeti­
dos à escravidão trabalhavam para a riquíssima nobreza bizantina.
Formado da união de vários povos, o Império Bizantino apresentava uma estrutu­
ra política multirraci�l, sendo a língua oficial o grego. O poder político estava con­
centrado nas mãos do imperador que, aliado à Igreja, exercia o despotismo total sobre
seus súditos.
Durante o governo do imperador Justiniano (527-565), o Império Bizantino atin­
giu o seu máximo esplendor. De origem camponesa, Justiniano chegou ao trono
apoiado pelo tio, Justino, que o adotou como herdeiro. Casado com Teodora, uma
atriz, depois de coroá-la imperatriz, Justiniano tomou-a ativa participante das deCi­
sões do Império.
Justiniano iniciou sua carreira de legislador logo depois de tomar-se imperador.
Constituiu uma comissão de juristas para a a elaboração de um corpo de leis ade­
Justiniano (527�565) tentou restabe­ quadas à organização política do Império, e no fim de dois anos fez publicar os pri­
lecer o esplendor e a grandeza do Impêrio
meiros resultados: o Código, revisão sistemática de todas as leis promulgadas desde
Romano. Destruiu o Reino c,ios Vãndalos,
ocupou o sul da Espanha e des·
a época de Adriano. A seguir, as Novelas, que continham a legislação de Justiniano,
truiu o Reino dos .Ostrogodos, retomando e em 532, o Digesto, sumário de todos os escritos dos grandes juristas. O produto
a Península Itãlica após trinta anos final foram as Instituta, compêndio dos princípios legais, que orientavam o Digesto
de luta. Um poeta contemporâneo de Justi· e o Código� A reunião dos quatro trabalhos em um só códice configurou o Corpus
nianó, Coripo, descreve (abaixo) uma
audiência concedida pelo imperador a em·
Juris Civilis.
baixadores ãvaros - um povo parente Além de legislador, Justiniano era teólogo. Tentou unir o mundo oriental e oci­
próximo dos hunos. dental através da religião. Para isso, governou como representante de Deus.
Pretendendo uma igreja unificada, Jus­
Quando o Príncipe benevolente subiu ao seu trono elevado e foi envolvido em
tiniano imprimiu ao Estado feições abso­
seu manto de púrpura, o camareiro da Corte divina anunciou que os enviados lutistas. Era o resultado de uma evolução
dos ávaros solicitavam o favor de ver os pés sagrados do clemente soberano. Com desencadeada por Constantino, que,
uma palavra cheia de bondade, como a sua alma, o imperador ordenou que fos­ ligando-se à Igreja, a transformou na mo­
sem introduzidos. Presas de admiração, os bárbaros contemplavam o vestíbulo
e as salas imensas, e os guardas de porte gigantesco que aí se mantinham de
la propulsora do Estado. Pela intimidade
pé. Viam os escudos de ouro erguiam os olhares para os dardos de ouro cuja com o governo, tão cristão quanto ela pró­
pónta cintilava sobre os capacetes dourados e os penachos· escarlates. Parecia­ pria, a Igreja fortificou-se e enriqueceu.
lhes que os palácios romanos eram um outro céu ( ... ) Mas, uma vez puxada a Ainda que o patriarca tivesse grande im­
cortina, quando as portas que levavam aos apartamentos interiores do palácio
portância, nã<J podia resolver as questões
foram abertas e as salas do teto de ouro brilharam com todo o seu esplendor,
o ávaro Targitas elevou a vista para a cabeça de César. Estava ela cingida por de Estado. O imperador, por outro lado,
um diadema sagrado que brilhava. Dobrando três vezes o joelho, adorou-o, pros­ tinha poder de decisão mesmo nas ques­
ternado e permaneceu com a fronte tocando o solo. Os outros ávaros presas de tões de fé, independentemente das doutri­
igual terror, seguiam-lhe o exemplo e lançaram-se de face para o chao. nas do papa de Roma. O imperador acu­
(Coripo in Malet/lsaac, op. cit.)
mulava, portanto, as funções de chefe da
Igreja e do Estado, união que recebeu o no­
me de cesaropapismo.
Constantinopla era uma grande cidade, repleta de palácios e igrejas suntuosas, on­
de destacava-se a de Santa Sofia. O poder e a grandeza do governo de Justiniano
se fez pelas guerras e pela cobrança excessiva de impostos aos súditos bizantinos que
viviam miseravelmente, o que resultava em revoltas populares. Em 532, explodiu
uma violenta revolta no hipódromo, conhecida como Revolta Nika, reprimida com
a matança total dos revoltosos.
c( As lutas internas e a instabilidade política eram constantes. Ao longo de toda a

"Ü.. sua história, existiram 360 imperadores em Bizâncio. A instabilidade era resultado
:E
u.r da situação de miséria da população e do caráter multinacional do Império, que difi­
o
cultava uma dominação política estável.
(!§ No século VIII, o grande poder do clero, dono de vastas regiões, foi combatido

:....1
pelo imperador Leão m, com o movimento iconoclasta. Com o decreto de 725,
c( proibiu-se o uso de imagens nos templos. Na igreja oriental, qualquer imagem de
<(
Cristo ou de santos, chamava-se fcone. Iconoclastas, quebradores de imagens, eram
- denominados os que condenavam o uso de ícones no culto. Os proventos, as rique­
46 zas dos sacerdotes, derivavam grandemente da manumtura e venda de ícones. A ten-
tativa de aboli-los, porém, limitou•se à eliminação das esculturas: as pinturas foram
poupadas.
O movimento iconoclasta representou um estágio importante na reformulação das
tradições romanas e> orientais, foi um prenúncio da separação definitiva entre os dois
ramos da Igreja, o grego e o romano, que se concretizaria em 1504, através do Gran­
de Cisma.
O Império Bizantino entrou em decadência com a expansão islâmica, e, em 1453,
enfraquecida pelo avanço dos muçulmanos, Constantinopla foi tomada pelos solda­
dos de Maomé li.
A influência bizantina se fez sentir durante toda a Idade Média, emanada princi­
palmente de Constantinopla. Sobretudo a Europa oriental recebeu seus legados: a
antiga Rússia assimilou suas instituições, inclusive a Igreja Ortodoxa, sua arquitetu­
ra, seu calendário e parte do alfabeto. Também o Ocidente recebeu dos bizantinos
os benefícios de sua cultura.

Düusão do islamismo
No Oriente Médio, desenvolveu-se o islamismo, religião nascida entre os árabes Maomé, fundador da religião islâmi­
a qual se converteram muitos povos, desde a Índia até o norte da África. Com 600 ca, nasceu em Meca por volta do ano 570
e morreu em 632, quando a nova !e já era
milhões de adeptos, o islamismo é atualmente a religião que possui maior número
aceita por quase todas as tribos árabes.
de seguidores, depois do cristianismo. No Alcorão, livro que reúne as anotações
Antes de Maomé, a desértica e árida península Arábica era habitada por tribos feitas por seus discípulos estão expostas
nômades, que praticavam um paganismo primitivo, politeísta, ou seja, cada tribo as regras práticas que os fiéis devem se­
possuía seus próprios deuses. guir, baseadas na integridade moral e na
compaixão em relação ao próximo.
Apesar das diferenças e rivalidades, essas tribos do deserto tinham como centros
as cidades de Meca e Iatreb. Em Meca ficava a Caaba, o templo onde a Pedra Negra Oh, crentes! Fazei esmola das
era adorada por todas as tribos. Esse local de peregrinação funcionava como pólo melhores coisas que adquiristes.
mercantil. Nêio distribuais com largueza a
parte mais vil dos vossos bens ( .. . )
Nos séculos V e VI, através do comércio Oriente-Ocidente, do qual a Arábia era
Dais esmola durante o dia
intermediária, formou-se uma classe de comerciantes e proprietários que, para ga­ claro? É louvável; Vós a fazeis
rantir o poder sobre os nômades do deserto (beduínos), precisava unir os árabes e secretamente e socorreis os
formar um Estado. pobres? Isso vos aproveitará
Maomé nasceu em 570, em Meca. Comerciante até os quarenta anos, tivera, co­ muito. Tal conduta apagará os
vossos pecados. Deus é sabedor
mo condutor de caravanas, contato com cristãos e judeus e assim conhecera reli­ do que fazeis.
giões que cultuavam um só Deus. Acreditando no monoteísmo, adaptou-o ao seu A piedade nao consiste em
povo e lutou para converter a Arábia à sua fé, que aceitou como dogma a existência voltar o rosto para o lado do
de um só Deus, com Maomé como seu apóstolo e profeta. Maomé era um grande Levante ou do Poente. Melhor é o
que crê em Deus e no julgamento
místico, mas também um líder político que conhecia a realidade de seu país e com­
final, nos anjos e no Livro, nos
preendia que sua unidade estava na dependência de um ideal comum. profetas; quem, por amor de
Meca, além de centro de peregrinação, era um entreposto comercial entre a Ará­ Deus, dá do seu ao próximo, aos
bia e terras do Oriente: Índia e China. Uma oligarquia mercantil detinha o poder órfaos, aos pobres, aos viajares
dominando a Caaba. Maomé contrapôs-se aos comerciantes, defendendo os oprimi­ e aos que pedem; quem resgata
os cativos, quem observa a
dos e os pobres. Por isso, em 622, foi obrigado a fugir de Meca para latreb. Essa oração, quem dá esmola, cumpre
data até hoje é venerada como a Hégira, o início da era muçulmana. as suas obrigações; quem é
Em Iatreb (Medina) , Maomé foi bem recebido: o prestígio econômico deslocava­ paciente na adversidade, nos
se já para essa cidade que com simpatia aceitou a possibilidade de se transformar tempos maus e nos tempos de
violência.
também no centro religioso. Nos dez anos que separam sua fuga e sua morte (em
A carne e o sangue das vítimas
632), Maomé converteu a maioria das tribos árabes, às vezes usando a força por meio nêio vao até Deus, mas a piedade
dos exércitos que formara. E impôs aos convertidos uma série de leis morais e civis, sobe até ele.
compiladas no livro sacro denominado Alcorão (O Discurso), que prometia aos bons O melhor é o primeiro a
e corajosos o paraíso de Alá. Alá é o nome do Deus único. reconciliar-se com o adversário.
(Alcorão in Malet/Isaac, op. cit. )
Conquistas árabes
Em sua expansão, os arábes demonstraram ser conquistadores bravos e tolerantes: <(
o
as regras que impunham não afetavam a vida corrente; a civilização dos povos sub­ •W

metidos não era destruída, mas incorporada. Capturaram Damasco, Jerusalém, An­ w
tioquia; dominaram o Egito e a Pérsia; atingiram a margem africana do Atlântico o

e os confms da Índia. E assim, sucessivamente, ao longo dos anos, atravessaram os t§


Pirerleus e penetraram na França; conquistaram a Sardenha, a Córsega, a Sicília, �
:....J
Creta e o sul da Itália. <(
Devido às diferenças étnicas, o mundo muçulmano foi dividido em Estados, cha­ <(
mados de califados. Assim, o Egito transformou-se no Califado dos Fatímidas; a -
Síria no Califado dos Abâssidas e a Espanha no dos Almorávidas. 47
Os califados dominaram o comércio do Mediterrâneo no século X, praticando uma
divisão internacional de trabalho, pela qual regiões como a da Síria, por eXemplo,
exportavam produtos artesanais e importavam produtos agrícolas.
A destruição do comércio cristão no Mediterrâneo tomou a economiá européia
cada vez mais agrária e fechada, acentuando um processo iniciado com a queda do
Império Romano e com as invasões bárbaras. Para alguns historiadores, esse fenô­
meno econômico foi o fator fundamental na formação do modo de produção feudal.

A cultura islâmica
Como os muçulmanos eram extremamente tolerantes, não rejeitavam os sistemas
filosóficos de outros povos ou religiões. Traduziam os pensamentos de Platão ou de
Aristóteles, pouco se preocupando com o "paganismo" dos antigos gregos.
Assim, através das traduções árabes, o mundo europeu acabou conhecendo, em
plena Idade Média, os pensamentos dos filósofos gregos que, rejeitados como pa­
gãos pelo cristianismo primitivo, eram simplesmente ignorados na Europa dos sécu­
los anteriores à invasão árabe._
O contato com o mundo grego, descoberto graças aos seguidores de Alá, não so­
mente modificou a filosofia cristã (como ocorreu, por exemplo, · com Sartto Tomás
de Aquino) mas também apressou as modificações sócio-culturais que geraram o
Renascimento.
O primeiro grande filósofo árabe foi AI Kindi. Viveu no século IX e considerava­
se neoplatônico. lbn Sina - chamado Avicena -, de origem persa, viveu no século
X e foto introdutor da indução na filosofia; realizou estudos de psicologia, influen­
ciando Santo Tomás e Albert Magnus. lbn Rush - chamado Averróis -, natural
de Córdoba, viveu no século XII e transmitiu as idéias aristotélicas ao mundo oci­
qental europeu, aceitando a doutrina da dupla verdade: religiosa e intelectual.
Os árabes desenvolveram a medicina, a química, e alcançaram grande progresso na
matemática, sobretudo na álgebra. Além disso, são responsáveis pela criação dos al­
garismos.
Entretanto, a ciência árabe estava submetida ao ensino da religião islâmica, não
podendo desenvolver-se livremente. Por isso, buscavam muitas vezes na ciência o
impossível e_ o fantástico, acreditavam ser possível traçar o destino dos homens pelos
astros, e por meio de experiências químicas procuravam a pedra filosofai que trans­
formaria metais comuns em ouro.
A poesia era amplamente cultivada pelos árabes. O mais célebre poeta foi 0mar
K.hayam, autor do poema Rubayat. A literatura também tinha importância para os
árabes. Na época do califa Harun al-Rachid, em Bagdá, foi escrito o famoso livro
As Mil e Uma Noites.

Exercício
(UNIV. FED. ALAGOAS) O Império Bizantino, ao longo de sua história, apresen­
tou um governo que se caracterizou por:

a) proporcionar condições sociais que possibilitaram eliminar, desde suas origens,


o problema da escravidão.
b) procurar eliminar suas origens romanas, a par de restringir o poder dos sobera­
nos, que era bastante limitado.
c) apresentar um caráter despótico associado a grande influência religiosa, dando­
lhe uma feição teocrática.
d) afastar o poder espiritual do Bispo de Constantinopla sobre assuntos de natureza
secular.
e) controlar, chegando a eliminar completamente, o poder da burocracia no Estado.
· <C
c
-w
::::\'!E Resposta
w
c
O Imperador ou Basileu do Império Bizantino era considerado o representante
t§ de Deus na Terra, e todo o seu poder, que era absoluto, justificava-se como sendo
de origem divina (teocracia).

:.....1 O Estado Bizantino conseguira sobreviver do século VI até o século XV baSica­
<(
<(
mente graças, de um lado, a uma eficiente máquina burocrática que nunca deixou
de funcionar durante as inúmeras crises e, de outro, a sua base econômica baseada
-
no comércio. Constantinopla foi durante os séculos IX e .X o empório comercial mais
48 importante do mundo ocidental. Alternativa correta: c:.
NASCIMENTO DA
ECONOMIA DE
MERCADO
A economia feudal passou, no século XI , por profundas transformações. Novas
formas de atrelar o arado aos animais, a invenção de um novo tipo de arado e novas
formas de aproveitamento das terras - todas essas inovações técnicas resultaram
no aumento da produção de alimentos. A maior oferta de alimento coincidiu com
um vertiginoso crescimento da população.
Essas transfo�mações atingiram as relações entre os nobres e os servos: os senho­
res feudais procuravam aumentar de qualquer forma os impostos para melhorar sua
renda e portanto seu nível de vida. Os servos muitas vezes se recusavam a trabalhar
nas terras do senhor e procuravam aumentar sua produção com o uso de inovações
técnicas. Assim, podiam auferir certos rendimentos na venda de produtos alimentí­
cios de que as cidades necessitavam.
Mesmo com o aumento da produção, a população da Europa sentia-se carente
de mais terras; havia, por assim dizer, um excedente de pessoas tanto na classe dos
servos como na dos senhores feudais. Foi neste contexto que surgiram as Cruzadas.

O movimento cruzadista: a Europa se abre


para o exterior

No ano de 1095, o papa Urbano 11 fez um pronunciamento muito importante pa­


ra a Europa daquela época: . . .É preciso que sem demora vocês partam em socorro de
seus ·irmãos do Oriente, que várias vezes pediram sua ajuda . . . Que combatam os infiéis, No texto que segue, descrição da toma­
os que até agora se dedicavam a guerras privadas, com grande prejuízo dos [téis . . . Que da de Jerusalém, você perceberá as vio­
lutem agora contra os bárbaros, os que combatiam contra seus irmãos e pais . . . lências que se praticavam em nome da
O que o papa Urbano 1 1 estava querendo é que os nobres parassem de lutar entre fé, por ocasião das Cruzadas.
si e fossem brigar fora da Europa, contra os bárbaros infiéis. Os bárbaros infiéis Alguns soldados acenderam fle-
não eram outros senão os árabes muçulmanos, que se haviam apoderado de toda chas e lançaram-nas sobre os
a região da Terra Santa, lugar sagrado para os peregrinos cristãos europeus. colchões (de algodão) que guar­
neciam os redutos construídos
Mas será que o movimento das Cruzadas foi somente de caráter religioso? Sem
pelos sarracenos ( . . . ) O fogo pôs
dúvida o movimento tinha um cunho religioso, mas era muito mais que isso. O cres­ em fuga os que defendiam esta
cimento demográfico europeu foi um dos fatores decisivos do movimento: dessa forma posição. Então o duque e os que 8
o excedente populacional iria encontrar outras terras. Isso fez com que muitos se­ estavam com ele abaixaram <(
nhores feudais enviassem seus herdeiros, que não possuíam terras, para conquistar prontamente a grade ( . . . ) e, ten- �
novos feudos fora da Europa.
do feito uma ponte, irromperam
com uma audácia intrépida em

UJ
Além disso os comerciantes das cidades de Gênova e Veneza, que monopoliza­ Jerusalém ( . . . ) Dentre os sarrace- Cl
vam o comércio do Mediterrâneo, viram nas Cruzadas uma forma de "limpar" o nos, uns tinham a cabeça corta- <(
mar dos árabes que prejudicavam seus negócios. da, estes os que tiveram a sorte �
Oito Cruzadas partiram da Europa entre os anos 1096 e 1270. A Primeira Cruza­
mais suave; outros, crivados de
flechas, viam-se forçados a saltar

O
da (1096-1099) conseguiu conquistar Jerusalém e toda a região da Palestina. Aí fo­ do alto das torres; outros ainda, �
ram estabelecidos feudos nos moldes europeus. No entanto, aos poucos os após haver sofrido longamente, <(
muçulmanos reconquistaram essas terras o que obrigou os cristãos a organizar ou­ ficavam entregues às chamas e Cl

tras Cruzadas. Uma das mais famosas foi a Cruzada dos Reis ( 1 1 89-1 192) assim cha­ eram consumidos por elas. Viam- �
mada porque dela participaram os reis Filipe Augusto (França), Ricardo Coração
se pelas ruas e praças da cidade ifi
pedaços de cabeças, de maos e �
de Leão (Inglaterra) e Frederico Barba-Roxa (Sacro Império Germânico). de pés ( . . . ) . u
De modo geral, as Cruzadas não tiveram o efeito desejado, pois os muçulmanos (/)
(Raymond d'Agile, História Fran­ <(
conseguiram manter-se na região. No entanto, uma das conseqüências mais impor­ z
corum qui ceperunt Hierusalem in
-
tantes do movimento cruzadista foi a abertura do Mediterrâneo ao comércio euro­ modo de Produção Feudal - org.
peu. Esse fato ajudou o processo de transformação do feudalismo. Jaime Pinsky) 49
O renascimento comercial

Os nobres que lutavam no Oriente entraram em contato com o estilo de vida mais
sofisticado dos povos árabes e bizantinos. Ao voltar para a Europa depois dos com­
bates, exibiam produtos de luxo, 8aqueados ou adquiridos dos comerciantes árabes.
Além disso, as Cruzadas abriram o Mediterrâneo aos mercadores italianos. O co­
mércio de produtos de luxo se iniciava na Europa Medieval.

Observe que no norte da Europa


estavam situadas, na região de Flandres,
duas importantes cidades comerciais:
Antuérpia e Bruges. A planície da
Champanha (Champagne) era um centro
importante de comércio, onde se
realizavam feiras anuais. Ali
encontravam,se comerciantes que
vinham de Veneza e Gênova e do
norte da Europa. Note que havia
também um contato pelo mar com a
região do Oriente Médio.

Formaram-se no continente Europeu dois principais pólos desse grande comércio


Nessa làse embrionária da economia ca­ internacional:
pitalista, o lucro não era gerado na área da
produção de mercadorias e sim na área da Norte da Itália (sul da Europa), com Gênova e Veneza na liderança de um comér­
comercialização, isto é, da circulação de­ cio que na verdade não chegou a ser totalmente desativado. Desde o século IX, os
las. O texto que segue é uma carta do sé­
árabes mantinham relações comerciais apenas com Veneza, ocorrendo com Gênova
culo XIII do mercador Andréa para seu
sócio Tolomeu da cidade italiana de Sierra. um .�IDtagonismo religioso que impedia essa relação. Com a derrota dos árabes nas
Cruzadas, Gênova e Veneza passaram a exercer uma verdadeira ditadura sobre o
comércio do mar Mediterrâneo.
O cardeal Simao (de Brile)
esforça-se por coletar o dízimo Norte da Europa, na região de Flandres, que produzia tecidos de ótima qualidade
para a expediçao do rei Carlos.
Penso que ele conseguirá uma e controlava o comércio de peles, peixes secos e madeira, vindos dos países nórdi­
grande quantia daqui até a cos. As rotas mais importantes desse comércio eram o mar do Norte e o mar Báltico.
Candelária, e cre io que o dito Havia, entre esses dois pólos de comércio internacional, um ponto intermediário
rei terá vendido uma grande ligando-os. Era a região de Champanha, planície localizada no interior da França,
parte dessa soma de maneira a
onde se realizavam feiras anuais para a comercialização dos produtos que chegavam
dispor de dinheiro em Roma e
na Lombardia. Se assim do Norte da Europa, por estradas e principalmente por rios como o Reno.
o
o acontecer, parece-me que o As feiras eram verdadeiros acontecimentos festivos e comerciais. Realizadas ini­
<(
u preço dos dinheiros de Provins cialmente dentro das muralhas de algum castelo ou mosteiro, e mesmo de um bur­
0:: deve baixar. (. . . ) Se vedes um
w go, eram fonte de impostos para os senhores feudais ou clericais. Aí os nobres
:2: meio de tirar partido disso, n/!o
w o descuideis ( . . . ) Aqui, as
poderiam encontrar os produtos de luxo vindos do Oriente. Um cavaleiro poderia
o encontrar produtos de couro vindos da Espanha. E mesmo um pequeno rendeiro
mercadorias vendem-se tao mal
<(
que pareceria impossível colocar camponês poderia encontrar algum par de sandálias grosseiras, que talvez não ti­
:2:
o alguma; e as há com vesse tido tempo de fabricar pessoalmente.
z afíundância . Assim, a pimenta . . .
•O Estava nascendo um centro comercial, um centro urbano dinâmico.
u não se vende bem. O gengibre
w vale de 22 a 28 dinheiros,
<(
o segundo a qualidade. O açafrao
é muito procurado, e vende-se a
O renascimento urbano
o
...... 25 soldos a libra (quase meio
z
w quilo) , e não o há no mercado As cidades se desenvolveram praticamente em função do comércio. Localizavam­
:::2: (. . . ) . se sempre próximas ou mesmo no centro de grandes rotas de comércio. Além de
u
(J) (C. Paoli e E. Piccolomini, Lettere concentrarem o comércio, passaram a ser também importantes centros de produção
<( volgati del sec. XIli scripta de
z artesanal.
Senesi, in: Gustavo de Freitas, 900
- Como estavam localizadas no interior das terras da nobreza, as cidades eram obri­
textos e documentos de História,
50 vol. I) gadas a pagar impostos. Essas taxas na verdade diminuíam os lucros dos comercian-
tes, e além do mais, a própria administração da cidade estava de certa forma
influenciada pela autoridade dos senhores. Por essa ràZão as cidades e seus habitan­
No documento de 1 188 transcrito abai­
tes almejavam a libertação da tutela feudal.
xo, um trecho da carta de constituição
Ao longo dos anos, as cidades medievais travaram lutas constantes contra a no­ da corporação, ou guilda, de Aire-sur­
breza feudal para conseguirem sua liberdade. Tornaram-se livres através de acor­ la-Lys, fica claro como a solidariedade
dos com a nobreza ou de luta violenta. Quando conseguiam a liberdade, recebiam e a ajuda mútua era fundamental na re­
um documento chamado "franquia", que garantia sua independência. lação entre seus integrantes.

Especializados no comércio e na produção de artigos manufaturados (artesanato), Todos aqueles que estão
os habitantes eram obrigados a comprar produtos alimentícios e matéria-prima dos compreendidos na Amizade da
campos . Ao mesmo tempo o próprio camponês, que antes produzia quase tudo de cidade confirmaram, pela fé e
pelo juramento, que cada um
que necessitava, passou a concentrar-se na produção que iria comercializar e viu-se
ajudaria cada um corno um irmão,
obrigado a comprar mercadorias da cidade. Gerava-se assim um comércio interno no que é útil e honesto ( . . . ) Se
que, de certa forma, estava conectado ao comércio internacional. aquele que foi, quer autor, quer
Os cidadãos viam-se na contingência de proteger seu artesanato e o seu comércio vítima., dum prejuízo não aceitar a
da possível concorrência de outras cidades . Para essa proteção foram criadas as cha­ arbitragem ( . . . ) que ele próprio e
quem quer que tenha sido seu
madas corporações de ofício. Essas entidades controlavam os horários dos que tra­ cúmplice ( . . . ) seja entregue à
balhavam nas oficinas, mas sobretudo a qualidade dos produtos e o preço. Amizade comum ( . . . ) Se algum
Aparentemente, o processo era vantajoso para os pequenos artesãos e comerciantes; membro da Amizade perder os seus
no entanto, se um deles descobrisse uma nova técnica que barateasse a produção bens . . . que se queixe ao preboste
da Amizade ( . . . ) Se houver tumulto
de tecidos, por exemplo, era expulso da corporação e impedido de utilizar-se de
na cidade todo o membro da
seu invento. Amizade que, ouvindo-os, não ( . . . )
As corporações estabeleciam também uma hierarquia bastante rígida segundo as preste ajuda de inteiro coração
funções dentro de uma oficina artesanal: como as circunstâncias exijam ( . . . )
• O mestre artesão era o dono da oficina, das ferramentas e da matéria-prima. Mas
(pagará uma multa) ( . . . ) Se a alguém
ardeu a casa, ou se, caído em
o mais importante é que ele guardava os segredos da técnica de fabricação de um cativeiro, tiver de pagar resgate ( . . . )
produto. Em outras palavras, tinha que ser um profundo conhecedor de sua profissão. cada um dos Amigos dará um escudo
• O companheiro era um artesão formado na prática de sua convivência com um para socorrer o Amigo empobrecido. . .
mestre, mas não possuía sua oficina própria. Por isso era obrigado a trabalhar como (Ordenações dos reis de França, in
assalariado em alguma oficina. Gustavo de Freitas, op. cit.)
• O aprendiz era um jovem que se apresentava em uma oficina para trabalhar, aju­

dando o mestre e com isso aprendendo uma profissão. De modo geral não ganhava
nada, a não ser casa e comida. Estava submetido a uma disciplina rígida.
• O jornaleiro era um jovem que trabalhava por tarefa. Essas tarefas (jornadas) eram

estabelecidas pelo mestre, e ao fim delas, os jornaleiros recebiam um pequeno salário.

Crise e decadência do feudalismo


A crise do sistema feudal acelerou-se no século XIV. Essa crise geral manifestou­
se de várias formas e seria praticamente impossível procurar uma única causa do
fim do feudalismo.
Apesar disso, devemos analisar inicialmente as manifestações sociais e econômi­
cas que desaguaram na crise.
Durante a maior parte da Idade Média, a exploração agrícola tinha um caráter
fortemente predatório. Isso significava que, apesar das inovações técnicas, as terras
o
atingiam um ponto de exaustão e não produziam praticamente mais nada. A cada o
ano que passava a produção diminuía, enquanto a taxa de crescimento populacional <(
u
a:
mantinha-se ascensional. A queda da produção teve como resultado imediato a su­ LU
bida dos preços dos cereais. O trigo, por exemplo, que era o alimento básico dos :::?!
LU
europeus da época, tornava-se de difícil aquisição. O mercado agrícola, paralisado, o
tendia a paralisar o mercado das cidades, pois não havia produtos para fornecer e <(
:::?!
as trocas se estancavam. o
Pouco a pouco, a fome foi tomando conta das cidades e principalmente do cam­ z
o
po. A taxa de crescimento populacional, que antes era ascensional, começou a bai­ u
UJ
xar rapidamente. Isso equivale a dizer que morria mais gente do que nascia. Quanto <(
o
menos gente, menor a procura de alimentos . Os preços, antes altos, baixaram. Os
o
senhores feudais, consumidores de produtos de luxo, viram-se então com uma ren­ f-
2
da insuficiente para manter o seu padrão de consumo. Não é difícil imaginar que LU
:::?!
a anarquia tendia a surgir: muitos nobres dedicavam-se ao banditismo, saqueando u
(f)
as cidades para complementar seus ganhos e camponeses se rebelavam contra a no­ <(
z
breza que os obrigava a aumentar a jornada de trabalho .
-
Foi nesse quadro já conturbado que a Europa passou por uma das maiores catás­
trofes que a humanidade já conheceu: a peste negra. 51
A peste negra transforma a Europa

Por volta do ano 1 348, difundiu-se pela Europa um surto de peste bubônica que
talvez tenha sido trazida do Oriente nos navios, por ratos contaminados. Em pouco
tempo a sensação que se tinha era a de que um tufão passara por todos os lugares
varrendo, ou melhor, cortando a vida das pessoas.
A peste ocorria com maior freqüência nos aglomerados populacionais. Vale lem­
Boccacio, famoso escritor da época,re­
gistrou suas impressões dos efeitos de­ brar que as cidades medievais não possuíam nenhuma infra-estrutura de saneamen­
vastadores da peste negra sobre a popu­ to: os esgotos eram os leitos das próprias ruas. As possibilidades de disseminação
lação de Florença, que era sua cidade. de doenças eram, portanto, bastante facilitadas.
Até o ano de 1350 a Europa não teve sos­
Digo, pois que tínhamos já chegado ao ano da salutar encarnação de Jesus Cris­
sego. Mais de um terço da população foi
to de 1 348, quando a pestífera mortalidade atingiu a excelente cidade de Florença contaminada e morta. A Europa só conse­
( . . . ) a qual peste ( . . . ) foi enviada aos mortais pela justa ira de Deus, e alguns anos guiu voltar a ter o mesmo número de ha­
antes começara nas partes do Oriente, que privou duma inumerável quantidade bitantes trezentos anos depois. Por que a
de vivos; ( . . . ) Poucos se curavam; quase todos morriam em três dias ( . . . ) esta parte
peste negra acelerou o processo de desin­
ganhou ainda mais força porque se contagiava às pessoas sãs pela freqüentação
dos doentes ( . . . ) bastava mesmo o tocar nos trajes ou outras coisas ( . . . ) E assim sempre tegração do feudalismo? A peste matou mi­
as pessoas, se o podiam fazer, fugiam dos doentes. E em tal aflição e miséria da nossa lhões de camponeses e a mão-de-obra
cidade , a autoridade das leis, tanto divinas como humanas, estava quase destruí­ diminuiu ainda mais. Os servos estavam
da, por falta de ministros e executores ( . . . ) pelo que era lícito a cada qual fazer o
portanto, em uma situação de relativa van­
que queria ( . . . ) não se preocupando senão de si próprios, muitos homens e mulhe­
res abandonavam a própria cidade ( . . . ) E, mais estranha coisa é e quase incrível ,
tagem, isto é, podiam até fazer exigências
até os pais e mães fugiam de visitar e servir os filhos, como se não fossem seus ( . . . ) em troca de seu trabalho. Passaram a exi­
Muitas pessoas morriam (assim) por falta de socorros. Em virtude do que, tanto por gir a diminuição de impostos e queriam re­
falta de remédios convenientes ( . . . ) corno pela forma da peste, a multidao daqueles
ceber mais por seu trabalho.
que morriam, dia e noite, era tão grande que era uma coisa terrificante ( . . . ) Daí que
Isto mudava profundamente as relações
a necessidade obrigasse a novos costumes contrários aos antigos ( . . . ) muita gente mor­
ria sem testemunhas ( . . . ) e bem pequeno era o número daqueles cujos corpos fos­ de produção do feudalismo: uma parte
sem acompanhados à sepultura ( . . . ) e mesmo esses apenas por uma espécie de considerável dos camponeses acumula­
coveiros, do povo miúdo, que fazia isso por dinheiro ( . . . ) carregando às costas o cai· va dinheiro suficiente para comprar sua
xão, com grande pressa ( . . . ) e metendo·o na primeira fossa que encontrassem vazia ( . . . )
liberdade, tornando-se cidadão livre. Os
(Giovanni Boccacio, Decarrwron, in Gustavo de Freitas, op. cit.)
. senhores feudais acabaram incentivando
essa prática, que, paradoxalmente, ia con­
tra os próprios princípios do feudalismo.
Por outro lado, em certas regiões os senhores feudais temiam que seus servos fu­
gissem e agravassem ainda mais a situação. Por isso reprimiam os servos, aumen­
tando as obrigações e os impostos. O resultado dessa super exploração foi piorar
a crise: os camponeses não conseguiam atender as exigências porque suas forças che­
garam à exaustão, o que · acabou diminuindo ainda mais a produção.
A forte pressão que a nobreza exercia sobre os servos acabou explodindo em rebe­
liões que também marcaram o século XVI como um século de crises.

As rebeliões camponesas

Os camponeses passaram a reivindicar Na França, a rebelião começou aparentemente na cidade de Paris, espalhando-se,
melhores condições de trabalho e por es­ como fogo em um paiol, por todo o território. Alguns artesãos da cidade, não su­
g sa razão o rei da Inglaterra determinou portando mais as pesadas taxas, se rebelaram no ano 1358. O líder da rebelião foi
4: que não se pagasse mais do que os se­ Estêvão Mareei. Os camponeses, tomando conhecimento do que ocorria na cidade,
� nhores achassem justo. Confira o doeu­
� mento que Eduardo III, rei da
começaram também a fazer exigências. As rebeliões camponesas, que ficaram co­
nhecidas na França com o nome de jacqueries, atingiram os nobres: castelos fo­
UJ Inglaterra, fez circular no ano de 1 35 1 .
o o Estatuto inglês dos trabalhadores. ram invadidos, depósitos de alimentos saqueados e destruída a documentação que
4: oficializava a situação dos servos.
::2:
o Eduardo (III ) , pela Graça de Deus ( . . . ) Dado que uma grande parte do povo, Na Inglaterra as rebeliões explodiram al­
z e especialmente dos trabalhadores e servidores, morreu ultimamente da peste , guns anos depois, sob a liderança de John
o
u e muitos, vendo as necessidades dos senhores e a grande escassez de serviçais, Ball. A cidade de Londres com seus po­
UJ
não querem servir sem receber salários excessivos, preferindo outros mendigar
4: bres se rebelou também, acompanhando
o no ócio a ganhar a vida pelo seu trabalho; ( . . . ) ordenamos: Que cada homem
o e mulher do nosso reino de Inglaterra, de qualquer condição que seja, livre ou o campo, no ano 1381.
1-
z servo, apto de. corpo e com menos de sessenta anos, que não viva do comércio Tanto a rebelião francesa como a ingle­
UJ nem exerça qualquer ofício, nem possua de próprio com que possa viver, nem sa foram, depois de duras lutas, reprimi­
:::2:
terra própria em cujo cultivo se possa ocupar., nem sirva qualquer outro, se for
u das pela nobreza feudal. No entanto, essas
(f) convocado para trabalhar num serviço que lhe seja adequado, considerada a
4: rebeliões eram um claro indício de que a
z sua condição, será obrigado a servir aquele que assim o convoca ( . . . ) ·

crise do feudalismo era irreversível. Crise


-
(Ed. from Statutes of Realm trad. de F. Espinosa, in Gustavo de Freitas, op. cit.) que se agravou com a Guerra dos Cem
52 �------� Anos.
A Guerra dos Cem Anos Os rebeldes inglesb liderados por John
Ball e Watt Tyller atacaram Londres em
1 38 1 levando a nobreza ao pânico e à ne­
A chamada Guerra dos Cem Anos foi travada entre a Inglaterra e a França, entre cessidade de se defender e organizar. O
os anos de 1 337 e 1453. A rigor não se deve imaginar grandes exércitos ingleses texto abaixo ilustra bem a posição da
lutando contra grandes exércitos franceses. Muitas das batalhas não passavam, pelo nobreza.
menos no começo, de escaramuças entre bandos de nobres. Não havia exatamente
a idéia de que se lutava pela França, ou pela Inglaterra. Tanto é que muitos nobres ( . . . ) Aconteceram nesse tempo
franceses lutaram ao lado de nobres ingleses contra o rei da França. A Guerra dos em Inglaterra grandes desgraças
Cem Anos foi na verdade uma guerra na qual os reis da Inglaterra e da França luta­ e rebeliões, um movimento do
povo miúdo ( . • . ) Essas más gen­
vam pela centralização do poder.
tes (os servos) ( . . . ) diziam que
Causas: Em primeiro lugar, a França, que se achava em processo de centralização no oomeço do mundo não havia
do poder, pretendeu anexar a rica região manufatureira da Flandres ao seu territó­ servos ( . . . ) Nessas maquinações
rio. No entanto, os fabricantes de panos não queriam submeter-se à autoridade fran­ os houvera ( . . . ) grandemente
lançado um louco padre do con­
cesa exatamente porque o maior fornecedor de matérias-primas para suas manufaturas
dado de Kent , chamado John
era a Inglaterra. Ball. Esse John Ball tinha o cos­
Em segundo lugar, havia uma razão de ordem político-dinástica. Quando o rei tume, ao domingo, ( . . . ) de vir ao
francês morreu, no ano de 1328, não havia descendente em linha direta que pudes­ claustro ou ao cemitério e aí pre­
gar e reunir o povo à sua volta.
se assumir o trono. O sucessor mais próximo e forte candidato era o rei da Inglater­
Dizia-lhes ele: "Boa gente, não
ra, Eduardo III. Como a nobreza francesa não pensava em entregar o trono da França podem ir bem em Inglaterra, e
à Inglaterra, escolheu um membro da família nobre dos Valois. O rei inglês não irão assim enquanto os bens não
aceitou a decisão e começou a guerra que duraria, com alguns intervalos, cerca de forem postos em comum, e hou­
cem anos. ver vilãos e nobres, enquanto
não formos todos iguais. ( . . . )
A guerra: No começo, a Inglaterra tomou a dianteira. Os exércitos da nobreza fran­ (Jean Froissard, Crônicas; Memo­
cesa eram marcados por forte herança da organização feudal: sua cavalaria pesada­ rial de Londres, in Gustavo de Frei­
mente armada não conseguia enfrentar os arqueiros ingleses, que tinham maior tas, op. cit.)
mobilidade.
A França sofreu derrota após derrota, a ponto de, no ano de 1 356, o próprio rei
francês cair prisioneiro dos ingleses, na batalha de Poitiers.
Somente após a modernização do exército francês é que os ingleses começaram
A França ficou dividida em dois
a recuar. Os exércitos franceses e ingleses estavam exauridos. Para piorar, é preciso
grandes territórios durante a guerra
lembrar os efeitos da peste negra, que ocorreu durante um certo período da guerra.
dos Cem Anos: um (no mapa,
Quando parecia que a França estava recuperando seus territórios, iniciou-se uma cinza-escuro) era dominado pelo rei
guerra entre duas famílias de nobres (armanhaques e borguinhões), que foi apro­ da Inglaterra, que ·se aliara aos
veitada pela Inglaterra para atacar novamente os franceses. No ano de 1422, a situa­ nobres de Borgonha e outro
ção da França era a seguinte: o norte era governado pelo rei inglês Henrique IV, (no mapa, branco) era dominado
com apoio dos borguinhões; o sul era governado pelo rei francês Carlos VII, com por Carlos VII, rei da França.
apoio dos armanhaques.
A indignação na França era geral. Pela
primeira vez pensava-se em uma nação
francesa. O particularismo feudal foi sen­
do superado pela idéia de nacionalismo. O
melhor exemplo desse nacionalismo foi o
aparecimento de Joana D 'Are que, à frente
de um exército, ajudou o rei Carlos VII a
retomar a cidade de Orleãs, em 1429. Lo­
go em seguida caiu prisioneira dos ingle­
ses e dos armanhaques e foi queimada,
acusada de feitiçaria. No máximo pode­
riam tê-la acusado de nacionalista.
Em 1435, o rei Carlos VII conseguiu,
depois de acordos, pacificar os borgui­
nhões . Depois disso ficou mais fácil a luta o
contra os ingleses. A conquista de Paris ha­ 2.
via reanimado os franceses, que prossegui­ \l.l
ram no objetivo de expulsar os ingleses do <...)
o
território. Para que tudo isso funcionasse
o rei se viu na contingência de moderni­
zar os seus exércitos, liquidando com as
heranças medievais da cavalaria, recrutan­ u
do soldados mercenários e utilizando-se (f)
<(
pela primeira vez de armas de fogo, como 2
-
a bombarda, uma espécie de ancestral do
canhão. Com essa arma os enormes por-
O texto que segue mostra claramente co­ tões dos castelos não eram mais imbatíveis: o rei francês conquistou, em menos de
mo os habitantes da Flandres sentiram um ano, sessenta castelos fortificados que estavam nas mãos dos ingleses.
a falta da matéria-prima (lã) que vinha
No ano de 1453, a Guerra dos Cem Anos chegou ao fim. A Inglaterra reconheceu
da Inglaterra para seus teares.
a vitória da França, apesar de manter ainda uma pequena fortaleza no litoral fran­
cês (Calais) .
O rei de Inglaterra fechara todas
as passagens por mar e não
deixava vir nem chegar nada a Conseqüências: Sem dúvida a guerra dos Cem Anos transformou defmitivamente
Flandres, especialmente lãs . . . os rumos da história européia: os monarcas, tanto da Inglaterra quanto da França,
Disso estava todo o país da tiveram sua autoridade fortalecida. Os nobres tiveram que reconhecer que somente
Flandres aflito, pois a produção com um comandante supremo se poderia vencer exércitos maiores e mais organiza­
de tecidos é o primeiro e
dos. As guerras feudais haviam chegado ao fim. E a autoridade particular dos no­
principal sustento da sua vida; e
já muitas boas gentes e ricos bres, que exerciam um poder semelhante ao do rei em seus feudos, saiu
mercadores iam empobrecendo completamente abalada.
por essa razão . . . e (diziam) que Uma das importantes características políticas do feudalismo - a descentralização
seria melhor para o comum do poder, começou a ser destruída: o rei foi paulatinamente se transformando num
proveito de todo o país da
Flandres pôr-se de acordo e verdadeiro soberano.
amizade com o rei inglês que
com o de França . . . Exercícios
(Froissard, Crônicas, in Gustavo de 1. (MACK-SP) Na Baixa Idade Média, a formação de centros urbanos, o renasci­
Freitas, op. cit.) mento do comércio e o aparecimento de feiras e rotas tiveram sobre a estrutura feu­
dal as seguintes conseqüências:
a) desenvolveram a economia agrícola e as relações servis de produção.
b) acentuaram a descentralização política e aprofundaram as desigualdades sociais.
c) provocaram o declínio do modo de produção servil e o desenvolvimento do tra­
balho livre e da economia monetária.
d) Consolidaram uma cultura teocêntrica e monopolizada pela Igreja .
e) levaram ao fracasso as tentativas de centralização do poder, empreendido pela
aliança reis-burguesia.

2. (SANTA CASA-SP) As Cruzadas, no período de 1095 a 1 270, tiveram amplas


repercussões, porque:
a) permitiram a formação de vários reinos cristãos no Oriente, o que deu maior es­
tabilidade política à região.
b) consolidaram o feudalismo, em virtude da unificação dos vários reinos em torno
de um objetivo comum.
c) dinamizaram as relações comerciais do Oriente com o Ocidente, graças à abertu­
ra do Mediterrâneo a navios europeus.
d) centralizaram os esforços do mundo cristão europeu para eliminar o domínio árabe
na Península Ibérica.
e) possibilitaram a superação das rivalidades nacionais graças à influência que a Igreja
então exercia.
Respostas Comentadas
1. As alternativas a, b e c não estão corretas, pois cada uma delas contém caracte­
rísticas que defmem a própria sociedade feudal (relações servis de produção, des­
centralização política e cultura teocêntrica) logo não pode ser nenhuma delas.
o Também a alternativa e está errada: as transformações mencionadas no enunciado
Cl
<( conduziram à centralização política empreendida pela aliança entre o rei e a burgue­
u
a: sia e não ao fracasso dessa tentativa. Portanto a alternativa correta é a c que relacio­
LU
:::2: na a crise da sociedade feudal à expansão comercial dos séculos XI e XII e ao
LU
Cl surgimento da mão-de-obra assalariada nos nascentes centros urbanos.
<(
� 2. As alternativas a e b são incorretas. A alternativa a afirma que as Cruzadas pro­
o
z piciaram conquistas territoriais permanentes, o que é falso. As Cruzadas foram um
o
u
LU dos fatores que contribuíram efetivamente para a desagregação da sociedade feudal,
<( embora tenham sido planejadas como uma solução para os conflitos desta socieda­
Cl
de. A alternativa d também afirma algo incorreto, pois apesar da expulsão dos ára­
o
1- bes poder ser enquadrada dentro do plano geral das Cruzadas, esse empreendimento
z
LU não centralizou os esforços do mundo cristão. A alternativa e é incorreta, pois colo­
:::2:
u ca as Cruzadas como contribuindo para a superação dos conflitos nacionais. Não
(f)
<( é nem possível falar em conflito nacional no período 1095/1370. Logo a alternativa
z correta é a c que relaciona as Cruzadas com a abertura do Mediterrâneo ao comér­
-
cio ocidental, atuando assim como um dinamizador da expansão comercial ocorrida
54 a partir do século XI.
"'-"

FORMAÇAO DAS
MONARQUIAS
NACIONAIS
Vimos que, politicamente, o feudalismo caracterizou-se pela fragmentação do ter­
ritório e pela descentralização do poder. Isto equivale a dizer que, na verdade, não
havia países; não se podia dizer durante o século X, por exemplo, que existisse a
França ou a Inglaterra. O que existia era um conglomerado de feudos, dominados
por nobres independentes, e ,somente no plano formal submetidos à autoridade de
um rei; na prática, quem tinha a autoridade era a nobreza feudal.
Essa situação tendeu a reverter-se a panir de um determinado momento, que coin­
cidiu com as transformações gerais que ocorriam no próprio sistema feudal. Essas
mudanças acabaram· fortalecendo a autoridade do rei, tornando-o monarca de um
país. Esse processo caracterizou a formação das monarquias nacionais. De forma
simples poderia ser explicada como sendo a centralização militar e política nas mãos
do rei, que se consolida com o surgimento de fronteiras efetivas, um território coe­
so, uma só autoridade e uma só lei.

Portugal e Espanha: os pioneiros


Portugal e Espanha formaram-se enquanto monarquias nacionais durante a Guerra
da Reconquista dos territórios ocupados pelos árabes. Nessa luta contra os invasores
o rei organizou um exército forte e conseguiu impor a sua autoridade sobre os senho­
res feudais. A origem de Portugal remonta ao chamado Condado Portucalense, que havia
sido doado ao nobre Henrique de Borgonha, como recompensa por sua participação
na luta contra os mouros. No ano de 1 139, o Condado proclamou sua independência
sob a liderança de Dom Monso Henriques que é reconhecido rei de Portugal apenas
no ano de 1 143. Seus sucessores continuaram a luta contra os muçulmanos, empurrando­
os para o sul. Ao mesmo tempo, desenvolveu-se na região uma economia baseada em
atividades comerciais, o que proporcionou o aparecimento de uma classe de mercado­
res que não tinha os mesmos interesses da nobreza dominante na política do jovem país.
Foi somente no ano de 1383 que o grupo mercantil, aliado a setores dissidentes
da nobreza portuguesa, tomou o poder através da chamada Revolução de Avis. Se­ (J)

rá sob o governo da dinastia de Avis que Portugal se lançará na expansão marítima <(
:z:
que iria mudar radicalmente o perfil da história da Europa. o
A Espanha também se consolidou como monarquia nacional durante a luta con­ Os reis da Espanha consolidaram a mo- �
narquia nacional na luta contra os mou- :z:
tra os mouros. Durante a guerra surgiram os reinos de Leão, Castela, Navarra e ros. Na carta que transcrevemos abaixo cn
Aragão . Embora a autoridade do senhor feudal continuasse vigorando nesses terri­ o rei Fernando anuncia ao papa a con- ;;
tórios, a presença de um inimigo poderoso e belicoso, como eram os árabes, fa­ quista final de Granada, no ano 1492. o
a:
voreceu o surgimento de uma autoridade forte e centralizada para dirigir a luta. <(
:z:
Mas foi apenas no ano de 1476, após a união o
::.:2:
de Aragão e Castela (com o casamento de Santíssimo Padre. O vosso humílimo e devotado filho, rei de Castela, de Leão,
(J)
Fernando e Isabel, respectivos goverrutes)
uÍ de Aragão, da Sicília, de Granada, etc. , beija os vossos santos pés e mão e mui­ <(
to humildemente se recomenda a Vossa Santidade. À qual aprazerá saber que Cl
e a expulsão definitiva dos árabes de Grana­ aprouve a Nosso Senhor dar-nos completa vitória sobre o rei e os mouros de Gra­ o
•<(
da em 1492, que a Espanha se tomou um nada, inimigos da nossa Santa Fé Católica. Pois hoje, segundo dia de Janeiro U·
<(
Estado Nacional. Com a centralização do do presente ano de noventa e dois (1492) a cidade de Granada se rendeu a nós.( ... )
::.:2:
poder, a Espanha lança-se na conquista dos este reino de Granada, que durante setecentos e oitenta anos foi ocupado pelos a:
infiéis... foi ganho( ... ) o
u..
mares, que tem seu marco inicial com a des­
-
coberta da América pelo navegador genovês (Carta da Chancelaria de Fernando a Inocêncio VIII in: Guswvo de Freitas, op. cit.,2 vol. li)
Cristóvão Colombo, em 1492. 55
A França: exemplo clássico
de monarquia nacional
Quando pensamos na França do absolutismo, logo nos vem à mente a frase de Luís
Carlos Magno, durante seu reinado, con­
quistou novos territórios que foram in­ XIV: "O Estado sou eu. " Isso significava que o rei havia atingido, no século XVII,
corporados ao seu império. Na� regiões o máximo de seu poder pessoal. Mas foram precisos muitos séculos de luta para que
mais longínquas ele instituiu as marcas o poder do rei francês chegasse àquele ponto. Para entendermos esse processo e a for­
governadas por um marquês. mação da monarquia nacional francesa, temos que recuar até a Idade Média.
Antecedentes:Os francos foram unifica­
dos sob o governo de Clóvis (482-5 1 1) ,
iniciador da dinastia merovíngia. Além
de estabelecer uma razoável organização
da administração no reino, Clóvis con­
verteu os súditos ao catolicismo, obtendo
as boas graças da Igreja Católica, o que
ajudou seus sucessores a expandir as
fronteiras até o país dos germanos.
De modo geral, os sucessores de Clóvis
foram dominados pelos seus primeiros­
ministros, chamados de major-domus
(mordomos do paço). Um desses major­
domus, Carlos Marte!, acabou destronan­
do o último rei da dinastia merovíngia, no
ano de 75 1.
Estava sendo inaugurada a dinastia ca­
EMIRADO DOS rolíngia, nome oriundo de um dos mais fa­
OMÍADAS mosos reis da primitiva França: Carlos
(OOMiNIO ÁRABE) Magno. No ano de 77 1 , Carlos Magno as­
sumiu a chefia de todo o reino deixado por
seu pai, Pepino, o Breve. A extensão dos
domínios · de Carlos Magno eram bem
grandes para a época. Essa foi uma das ra­
zões pelas quais seus domínios foram ba­
tizados de Império Carolíngio, pois Carlos
Reino original dos francos • Marcas das fronteiras Magno pretendia reviver o Império Roma-
I J C a rolingeo
C o n q u istas do Império • Estado da Ig reja (património de no. Essa pretensão foi oficialmente reco-
São Pedro)
nhecida quando, na noite de Natal do ano
de 800, Carlos Magno foi consagrado pelo papa como Imperador dos Romanos.
O mais importante disso tudo é que Carlos Magno conseguiu organizar um governo
formado por um corpo de nobres de confiança, os condes. Cada um desses nobres ti­
nha autoridade para administrar certas regiões, mas sempre submetidos ao imperador.
Quando Carlos Magno morreu, em 814, o poder passou para as mãos de seu ftlho.
Depois da morte deste, em 840, o império foi dividido entre seus três sucessores. A
luta entre os três terminou com o tratado de Verdun (84 3) que dividiu o território da
(f)
<( seguinte forma: a região central ftcou com Lotário; a região oriental com Luís, o Ger­
z
o
mânico, e a parte ocidental com Carlos, o Calvo. A divisão enfraqueceu o poder cen-
u tral, fortalecendo a nobreza feudal.
� Em uma ordenação datada de 1439, Car­ Muito lentamente, a dinastia capetíngia, que sucedera a dinastia carolíngi.a, retomou
cn los VII, então rei da França, defendia a
<( livre atividade dos comerciantes, proibin­
a luta pela centralização do poder. Como o rei não passava, na verdade, de um senhor
à do aos nobres o antigo direito de saque. feudal com praticamente os mesmos poderes que os outros, Filipe Augusto, que reinou
c: entre os anos de 1 180 e 1223, organizou um
<( - -=--::----:--:---:----:----------------------. exército
z: O Rei proíbe, sob pena de acusação de lesa-majestade e perda para sempre,
de mercenários para lutar contra os
o
� para o culpado e sua posteridade, de todas as honras e cargos públicos, e 0 con- senhores feudais e também nomeou fundo-
(f) fisco de sua pessoa e seus bens, a qualquer pessoa, de qualquer condição, que nários a fim de aplicar leis e recolher impostos.
<(
o
organize, conduza, chefie ou receba uma companhia de homens em armas, sem Este processo de centralização continuou
permissao, licença e consentimento do Rei... Sob as mesmas penalidades, o Rei
o
! <(
durante os reinados de Luís VIII e Luís
proíbe a todos os capitães e homens de guerra, que ataquem mercadores, traba·
U· lhadores, gado ou cavalos ou bestas de carga, seja nos pastos ou em carroças, IX (1223 a 1279), que aumentaram os ter-
<(
� e não pertubem nem aos carros, nem às mercadorias e artigos que estiverem trans- ritórios da Coroa às custas dos feudos to-
c:
o
portando, e nao exigirao deles resgate de qualquer forma; mas sim tolera rao mados à força da nobreza. Os reis rece-
LL que trabalhem, andem de uma parte a outra e levem suas mercadorias e artigos biam apoio dos comerciantes das cidades,
- em paz e segurança.
(Ordenanças dos Reis de França. . . , lei de 1439, in Gustavo de Freitas, op. cit. ).
que necessitavam de um governo central
56 '------=------.:.......:. ._ _... ___:_______...:.:.__ .__: __:_.:..__.J capaz de protegê-los em suas atividades.
Em troca, os comerciantes pagavam impostos diretos aos reis em vez de pagá-los
à nobreza.
Foi durante o reinado de Filipe IV, o Belo ( 1285- 1314), que a monarquia francesa
reforçou sua poütica de centralização. Este monarca iniciou seu governo forçando a pró­
pria Igreja a pagar impostos ao rei da França. Ao mesmo tempo conquistou parte dos
ricos territórios da Flandres e da Champanha, facilitando as atividades dos comercian­ A organização de um exército real não ú­
nha por objetivo único controlar a rebel­
tes, que retribuíam pagando impostos diretos ao rei. No entanto, Filipe IV teve que
dia dos nobres que não queriam
enfrentar outros obstáculos sérios à centralização do poder. Vários nobres ingleses pos­ submeter-se à autoridade central. O exér­
suíam vastos territórios na França e, aliados a nobres franceses, opunham-se ao forta­ cito era, sem dúvida, também uma arma
lecimento do poder real. Depois de muita luta, somente uma parte desses nobres para controlar a rebelião dos camponeses
reconheceu a autoridade de Filipe, mas outros continuavam a se opor à autoridade real. que, em última instância, punha em jogo
a própria ordem real, a existência da no­
Essa foi uma das causas da Guerra dos Cem Anos, que já vimos anteriormente.
breza e, por que não, da.própria burgue­
sia em ascensão. O rei desta forma
A consolidação : Durante a Guerra dos Cem Anos, a França foi obrigada a organizar relaciona-se com diversas classes sociais,
exércitos mais coesos e modernos, para poder enfrentar a força dos arqueiros ingleses, mas de maneira diferente e atendendo in­
teresses também diferentes. Por essa razão
que no começo pareciam invencíveis. Ao longo do conflito morreram importantes du­
diz-se que a monarquia nacional tende a
ques, condes e nobres em geral, enfraquecendo a nobreza. Politicamente, isso facili­ guardar certa distância em relação ao in­
tou a tarefa real de centralização do poder. teresse de uma determinada classe social.
No entanto , a guerra não prejudicou somente a nobreza. O comércio se desorga­
nizou completamente, provocando grandes prejuízos aos mercadores burgueses. O
mesmo se pode dizer do artesanato, que não encontrava mercado para os produtos
acumulados durante a paralisação da economia. Os camponeses, como vimos, tam­
bém se levantaram em revolta:s, paralisando igualmente a produção agrária. Nesse
contexto de crises não é difícil imaginar que a figura de um líder com poder forte
era a única solução.
O rei Carlos VII já havia organizado oficialmente um exército forte e nacional.
Mas, mesmo com a autoridade ampliada, o rei Luís XI, sucessor de Carlos, teve
que lutar no ano de 1477 duramente contra os nobres da família de Borgonha, pois
estes não queriam reconhecer a autoridade do monarca.
Pouco a pouco a moderna nação francesa foi se forjando. No começo do século
XVI, a França já era vista como uma grande potência, que mais tarde dominaria
o cenário político europeu quando os reis adotaram o absolutismo.

A Inglaterra: outro exemplo clássico


de monarquia nacional

A Inglaterra, assim como a França, se consolidará no século XVI, numa grande Os camponeses ingleses nessa época go­
zavam de uma liberdade bem maior que
monarquia nacional, mas seu processo de fortalecimento do poder difere bastante
os camponeses do continente. Alguns
do processo francês. eram pequenos proprietários, apesar de
haver ainda uma pequena porcentagem de
Antecedentes Em 1066, os normandos liderados por Guilherme, o Conquistador, servos. No plano poütico, a monarquia
dominaram os anglo-saxões, consolidando o sistema feudal. No caso inglês, os anglo-saxônica já havia adquirido um po­
der centralizador bem maior que a mo­
feudos eram distribuídos diretamente por Guilherme a seus barões, que por
narquia dos francos; havia uma jusúça real
sua vez transformavam-se em vassalos diretos do rei, diferentemente da Fran­ cn
e uma moeda real, mas o exército era ain- <(
ça, onde sempre havia um nobre entre a autoridade do rei e o vassalo. da pouco organizado. :z
o
Isso significou que a autoridade do rei inglês era muito maior do que a autoridade u
do rei francês, mais ou menos no mesmo período. <(
:z
Henrique II ( 1 1 54- 1 1 8 9), primeiro rei da dinastia dos Plantagenetas, deu conti­ cn
<(
nuidade à obra de Guilherme no sentido de manter a autoridade do rei. No entanto, :::;)
Henrique foi sucedido por Ricardo, Coração de Leão, o famoso rei das Cruzadas. o
a:
Pelo fato de este monarca passar a maior parte de seu governo combatendo os mu­ <(
:z
çulmanos no Oriente, os nobres-barões tentaram recuperar suas liberdades. o

A luta dos barões contra o poder central continuou durante o reinado de João
cn
Sem-Terra. Nesse período os barões conseguiram grande vitória, obrigando o rei <(
a
a assinar, em 1 2 1 5 , um documento conhecido como a Magna Carta que restringia o
1<(
seus próprios poderes: o rei ficava obrigado a consultar os nobres todas as vezes U·
que quisesse cobrar impostos, era impedido de apoderar-se de um feudo ou aprisio­ <(

nar qualquer homem livre sem julgamento de seus pares. a:
o
No reinado de Henrique III, os nobres ingleses tornaram-se ainda mais indepen­ u_

-
dentes: em 1264, o rei foi obrigado a reconhecer a existência de um Parlamento,
que na prática tinha o poder de aprovar ou rejeitar as leis do monarca. 57
A Magna Carta foi um fàto inédito nesse Consolidação: A autoridade do rei inglês só foi restaurada depois da Guerra dos
período da história, pois pela primeira vez Cem Anos, em decorrência de alterações na economia e na sociedade, ocorridas,
os vassalos através de um contrato, obri­
ao longo do século XV, que mudariam o rumo da história da Inglaterra.
,

gavam o rei a respeitar seus súditos.


Os campos ingleses se especializavam, cada vez mais, na criação de ovelhas para
exportação de lã. Os senhores feudais começaram a ampliar as áreas de pastagens,
expulsando os camponeses, que se dedicavam a uma economia de subsistência. Es­
( . . . ) Nenhum homem livre será de- sa expulsão era feita quase sempre pelos cavaleiros desmobilizados com o término
tido, aprisionado, ou privado de
seus bens, ou pcsto fora da lei, ou da Guerra dos Cem Anos. Mas a disputa por melhores terras acabou por provocar
exilado, ou prejudicado de algum uma guerra civil entre duas grandes famílias nobres; os Lancaster (cujo brasão os­
modo (. .. ) a não ser em virtude de tentava uma rosa vermelha) enfrentaram os York (uma rosa branca como flor herál­
um julgamento legal dos seus pa­ dica) . Foi a Guerra das Duas Rosas ( 1455-1485).
res ou em virtude da lei do país.
A guerra ocorreu entre os nobres mais tradicionais e os que se dedicavam aos ne­
(Artigo da Magna Cartil, de 15 de
junho de 1215, in Gustavo de Frei­ gócios ligados à criação de ovelhas; mas acabou envolvendo praticamente toda a In­
tas, op. cit.) glaterra. Uma das conseqüências da guerra foi o extermínio de várias fam.t1ias feudais
e o enfraquecimento do Parlamento. O poder passou para as mãos dos Tudor, fa­
mosa casa da nobreza que se notabilizou pela implantação do absolutismo na Ingla­
terra, depois de 1485.

Qual o significado das monarquias nacionais?


Um dos fatores fundamentais da consolidação das monarquias nacionais foi a aliança
entre o rei e a burguesia comercial.
Essa burguesia tem sua história diretamente ligada ao renascimento comercial que ocor­
reu por volta do século XI. A expansão das atividades comerciais, no entanto, era tolhi­
da pelo próprio sistema feudal, essencialmente agrário e pelos interesses da nobreza. Os
senhores feudais cobravam impostos pela circulação das mercadorias nas estradas ou pela
realização das feiras, o que onerava pesadamente os produtos. A desordem decorrente
das pequenas guerras particulares entre nobres bem como os atos de banditismo de al­
guns senhores, atrapalhavam seriamente as atividades dessa nova classe de mercadores.
Para essa burguesia, um governo forte e centralizado, que mantivesse uma deter­
minada ordem e que cobrasse impostos únicos, era condição essencial para obter
maiores lucros. Por outro lado, o rei arrecadava da burguesia impostos que seriam
empregados na formação de exércitos capazes de reforçar sua autoridade.
Mesmo antes de terminar a Guerra dos Cem De modo geral, a força da nobreza provinha do fato de possuir seus próprios efe­
Anos, os monarcas ingleses iniciaram uma tivos militares, que consistia basicamente da cavalaria, bem armada de lanças e ou­
política visando aumentar o poder real, não tras armas pesadas. Até a Guerra dos Cem Anos, a cavalaria desempenhou importante
só em relação aos nobres, mas também em
papel estratégico nas batalhas medievais. Com a introdução de novos armamentos
relação aos artesãos membros de corpora­
e novas táticas de guerra, a cavalaria foi sendo superada.
ções, que gozavam de grande autonomia.
É o que prova o documento datado de 1436. No entanto, a força militar da nobreza era um perigoso obstáculo aos projetos
de centralização monárquica. Para combatê-la, o rei foi obrigado a criar um exérci­
to de homens livres, não submetidos aos laços de dependência do feudalismo. Os
Considerando que os mestres, res­
ponsáveis e membros das corpo­ soldados deveriam ser pagos, o que significava a formação de profissionais de guer­
rações, fraternidades e outras ra, que lutariam com aquele que tivesse mais recursos fmanceiros. Eis a razão da
associações . . . se avocam muitos necessidade de impostos reais. Esses recursos provinham da burguesia, através de
CJ)
regulamentos ilegais e absurdos. . .
empréstimos ou de impostos. Mas não bastava a força das armas para controlar a
<C cujo conhecimento, execução e
z nobreza refratária. Era preciso criar também um novo sistema de leis.
o correção pertencem exclusiva-
U mente ao Rei. .. o mesmo Rei nos­ Os nobres, habituados às suas formas particulares de justiça, deveriam agora

CJ)
so senhor, .. . ordena, pela
autoridade do mesmo Parlamento,
submeter-se à justiça do rei. Todos se lembram das aventuras dos Três Mosquetei­
ros, imortalizados pelo escritor Alexandre Dumas, e de como eram comuns os due­
<( que os mestres, responsáveis e
::J
los naquela época. O rei da França, através de seu ministro Richelieu, proibiu
membros de todas as corporações,
o
a: fraternidades ou companhias . . . terminantemente esse tipo de luta, porque o duelo significava fazer justiça própria,
•<( apresentem. . . todas a s suas Cartas particular, sem levar em conta a autoridade real. Para submeter os nobres, o rei
z
o Patentes e Estatutos para serem criou Tribunais de Apelação, que protegiam os que fossem processados pelos tribu­
:2 registrados perante os Juízes de
CJ)
nais feudais particulares; criou também um corpo de juízes itinerantes _encarrega­
Paz . .. e ainda ordena e proíbe,
<( dos de percorrer todo o reino tentando unificar a justiça.
Cl pela autoridade acima menciona­
o da, que doravante tais mestres, No entanto, o rei precisava também fortalecer-se no campo econômico.
•<C
U· responsáveis ou membros façam
<( uso de regulamentos que não te­ A economia: A centralização do poder só poderia ser consolidada cÓm medidas que fa­
:2 nham sido primeiramente discuti­
a: vorecessem o comércio. Para h;so o monarca teve que acabar com as diferentes moedas
o dos e aprovados como bons e
L.1... que circulavam em cada feudo; houve portanto uma unificação monetária. Os pesos e
justos pelos Juízes de Paz.
-
(Estatutos do Reino de Inglaterra, in medidas também foram unificados, com o objetivo de facilitar as transações comerciais.
58 Gustavo de Freitas, op. cit.) Mas o mais importante foi a associação do rei aos empreendimentos da burgue-
sia. Foram criadas grandes companhias de comércio, que eram associações de co­ Em 1482, o rei Luís XI fez tentativas de
merciantes com a participação direta da Coroa, nas quais o rei reservava para si, organizar uma Companhia de Comércio
destinado às transações com ó Oriente:
para o Tesouro Real, o monopólio de alguns produtos lucrativos e em troca garantia
aos comerciantes o monopólio do comércio em certas localidades. Como foi o caso Aos quais o dito funcionário ex­
do monopólio do comércio açucareiro pelo governo português, no começo da colo­ pôs a vontade e intenção do Rei . . .
nização do Brasil. dizendo o seu prazer e m que os
Este era, na prática, o resultado da aliança do rei com a burguesia: essa classe mercadores do seu reino, e parti­
cularmente os das cidades acima
não tinha forças próprias suficientes para desenvolver suas atividades naquele mo­ ditas, estabelecessem uma compa­
mento histórico, por isso pedia "ajuda" ao rei. O rei não tinha recursos suficientes nhia com capital importante, co­
para centralizar o poder e por isso pedia "ajuda" à burguesia. mo cem mil libras e mais, para
comerciar no Levante ou noutros
locais, a fazer um grande número
Primeira forma de Estado Moderno de galés, naves e outros navios, a
fim de que haja comércio no seu
reino, de maneira que os estran­
As responsabilidades de um governo centralizado eram bem maiores do que a sim­ geiros não continuem a ter dele o
ples administração de um feudo. Por isso o monarca necessitava, além de um gran­ monopólio.
de exército, de um grande corpo de funcionários, que geralmente eram recrutados Contudo, eles discutiram todos
entre os nobres, pois era uma forma de compensá-los pelas perdas dos seus antigos em oonjunto como seria feita a
campanhia; o que lhes pareceu
direitos. difícil por muitas razões, entre
O Estado Moderno, que nasceu com a monarquia nacional, não era controlado outras que várias das ditas cida­
diretamente por nenhuma classe em particular. A nobreza estava em processo de des são pobres e longe do mar,
decadência e não tinha forças suficientes para exercer o donúnio do Estado. A bur­ não estão acostumadas à navega­
ção nem sabem o que seja. ( . .. )
guesia, por sua vez, não era ainda forte o suficiente para inaugurar um Estado que (Henri Séi, Lufs XI e as cidades, in
atendesse apenas a seus interesses. Não era, portanto, nem um Estado inteiramente GustavO de Freitas, op. cit.)
·nobre, nem inteiramente burguês. Era um Estado de transição. Representava, de
fato, a transição do feudalismo para o capitalismo.

Exercícios

1 . Qual das alternativas abaixo não está relacionada com o processo de concentra­
ção do poder nas mãos dos reis nos séculos XIV e XV?
a) a formação de um exército profissional a serviço do rei.
b) a criação de uma justiça real, isto é, o rei e não mais os nobres passariam
a administrar a justiça.
c) a continuação da política fiscal nas mãos da nobreza, isto é, os nobres conti­
nuariam a cobrar os impostos em seu benefício.
d) a aliança rei e burguesia contra a nobreza.
e) a criação de um corpo de funcionários, a maioria de origem nobre, que aju­
dava o rei na tarefa de governar.

2. Quanto à Guerra das Duas Rosas, podemos afirmar:


a) permitiu o fortalecimento da nobreza feudal inglesa.
b) foi uma guerra civil opondo a burguesia à nobreza inglesa.
c) ao enfraquecer a nobreza feudal inglesa, criou as condições para o apareci­
mento do Estado absolutista na Inglaterra.
d) permitiu a ascensão ao poder da dinastia dos plantagenetas. (f)

z:
o
Respostas Comentadas u

z:
1. O processo de concentração do poder nas mãos dos reis nos séculos XIV e XV (f)
está relacionado com a formação de um exército profissional, a criação de uma justi­ �
::::>
ça real, a aliança do rei com a burguesia e a criação de um corpo de funcionários. o
c::
Portanto, estão corretas as alternativas a, b, d e e. A alternativa incorreta é a c pois, �
z:
como vimos, foi o pagamento de impostos diretamente ao rei, e não mais aos no­ o
:::2:
bres, que proporcionou os recursos necessários para financiar a formação dos exér­ (f)
citos, e pagar os juizes e os funcionários burocráticos. �
Cl
2. A Guerra das Duas Rosas resultou da disputa entre duas famílias nobres e aca­ o
bou envolvendo importantes facções da nobreza, logo as alternativas a e b são ·�

incorretas. A dinastia Plantageneta ascendeu ao poder em 1 154 com Henrique II, �

logo a alternativa d é incorreta. Assim a resposta correta é c, tendo em vista que c::
o
os combates prolongados acabaram enfraquecendo a nobreza; uma família mais LL.
-
forte que foi a dos Tudor, acabou assumindo o poder e instaurando um governo
absolutista. 59
#lei#

COL,ONIZAÇAO DA
AMERICA
Com o crescimento das atividades comerciais e artesanais, as burguesias européias
acumularam cada vez mais riquezas. Aliadas aos reis que concentravam o poder de
seus respectivos países, necessitavam mercados fornecedores de matérias-primas para
alimentar o crescente mercado consumidor europeu.
A expansão européia já havia começado na época das Cruzadas. Mas a conquista
dos mares e novas terras que ocorreu no século XVI fez as Cruzadas parecerem um
passeio no fundo do quintal de uma grande casa.
Além de buscar mercadorias novas ou matérias-primas para transformar em mer­
cadorias a serem vendidas para os consumidores europeus, os comerciantes e os reis
necessitavam de ouro. Esse metal era de extrema importância, pois servia como meio
de troca para adquirir mercadorias no Oriente.
Com a tomada de Constantinopla pelos
turcos otomanos, em 1453, a tradicional A historiografia tradicional sempre sugeriu que a tomada de Constantinopla pe·
rota comercial entre o Oriente e o Oci· los turcos, no ano de 1453, foi um fator fundamental para explicar a expansão euro­
dente foi interrompida. Comparando os péia pelo mundo. Na verdade, a tomada de Constantinopla não paralisou o comércio
dois mapas abaixo é fácil concluir que entre a Europa e o Oriente através do Mediterrâneo. O que sucedeu foi que as mer­
o novo caminho para o Oriente teria ne·
cadorias ficaram mais caras por causa das exigências dos turcos. Isso, sim, levou
cessariamente que passar pelo Atlânúco
e o Índico. Será Vasco da Gama, em os europeus a procurarem outros caminhos para chegar às fontes fornecedoras dos
1498, o autor do célebre feito. produtos procurados na Europa: a Índia, a China, o Oriente em geral.
O novo caminho para as Índias seria
obrigatoriamente pelo Oceano Atlântico.
Veja no mapa: fechado o Mediterrâneo a
única saída seria através do Atlântico.

Portugal. o pioneiro
Observando o mesmo mapa você verifi­
ca que Portugal está localizado na ' 'ponta''
da Península Ibérica, projetando-se em di­
reção ao oceano. Essa posição geográfica
facilitou-lhe bastante tomar-se um dos pri­
meiros países a conquistar os mares para en­
contrar a nova rota rumo ao Oriente. É claro
que só a posição geográfica não explicaria o
fato. Vimos anteriormente que a monarquia
<( portuguesa formou-se relativamente cedo.
u
ã:
Depois da Revolução de Avis, em 1383, a
•W
Coroa, contando com o apoio dos mercado­
::::;?!
<( res, incentivou a formação de empresas que
<( se dedicassem às navegações. No ano de
Cl
o 1415 Portugal tomou Ceuta, no norte da
l<(
U· África, e pouco a pouco, foi conquistando
� outros pontos, até contornar o continente
z africano e Vasco da Gama chegar às Índias,
o
...J
o no ano de 1498. A descoberta do Brasil, por
u Pedro Álvares Cabral, foi apenas uma con­
-
tinuação do projeto português de navegar
60 em direção a novas fontes de mercadorias.
Portugal acabou transformando-se num país de mercadores. As cidades italianas, Embora Ceuta fosse base de pirataria e
que antes dominavam o cenário do comércio europeu, entraram em decadência. Lis­ uma ameaça constante aos navios portu­
gueses, sua conquista não foi motivada
boa se assemelhava a um grande mercado onde poderia encontrar-se produtos do
pela necessidade de limpar os mares, mas
mundo todo, em especial do Oriente. As famosas especiarias (cravo, canela, açú­ sim pela ambição dos cavaleiros ansio­
car) , sedas, porcelanas abarrotavam as casas comerciais de Lisboa, cujos comerciantes sos por terras e valores. O historiador Zu­
as distribuíam para toda a Europa. rara relata a resposta de João Afonso
(auxiliar do rei D. João I) às petições da
Portugal tornou-se um país rico, uma grande potência na época. A burguesia mer­
nobreza por grandes feitos .
cantil fortaleceu-se e o rei recebia impostos e participava dos lucros das empresas
de comércio e navegação. No entanto, esse poderio e riqueza não duraram muito Vossos pensamentos - disse ele
- são assaz de grandes e bons, e
tempo. Quanto maior era o império português com seus portos e feitorias na África pois que vós tal vontade tendes,
e na Ásia, maiores eram as despesas para manter todo esse grande empreendimen­ eu vos posso ensinar uma coisa
to. A construção de navios, de fortalezas e a manutenção de um vasto corpo de fun­ em que o podeis bem e honrada­
cionários e um gigantesco exército exigia cada vez mais dinheiro. Ao mesmo tempo, mente executar, e isto é a cidade
de Ceuta, que é em terra de Áfri­
a Corte portuguesa tinha gastos enormes com artigos supérfluos e de luxo, constru­
ca, que é uma mui notável cidade
ção de castelos e outras atividades improdutivas. Para cobrir tantos gastos, os lu­ e mui azarada para se tomar; ( . . . )
cros do comércio oriental já não eram suficientes; por isso a Coroa pedia dinheiro segundo o grilo desejo de vosso
emprestado aos banqueiros italianos, alemães e holandeses. Os juros iam corroendo pai e o vosso, ni!o sinto pelo pre­
a economia do país. sente cousa em que mais honra­
damente pudésseis fazer de vossas
Para piorar a situação, Portugal acabou, no ano de 1580, sendo incorporado à Es­ honras como no filhamento (toma­
panha durante 60 anos. da) daquela cidade ( . .. )
(Gomes Eanes de Zurara, Crônica
A Espanha, segunda grande potência da tomada de Ceutll in Gustavo de
Freitas, op.cit.)
marítima
Os espanhóis só conseguiram iniciar a expansão marítima após derrotarem os ára­
bes na chamada Guerra da Reconquista. Como eles chegaram um pouco mais tarde
que os portugueses, foram obrigados a procurar uma outra rota para atingir o Oriente.
Naquela época, já se tinha certeza de que a Terra era redonda; se os espanhóis na­
vegassem para o Ocidente, chegariam ao Oriente. Foi em busca de uma nova rota
No documento abaixo o fllho de Cristó­
. para a Índia que o navegador genovês Cristóvão Colombo, a serviço dos reis espa­ vão Colombo explica as razões que leva­
nhóis, descobriu a América, em 1492. ram o navegante genovês a seguir em

Portugal, temendo que as novas terras fossem parte da Ásia, exigiu da Espanha direção ao ocidente, na esperança de en­
um acordo para ter garantia de acesso às novas descobertas. Sucederam-se as dis­ contrar a Índia, o Japão e a China.
cussões e tratados em torno dos direitos de
propriedade e de exploração das Coroas É pois a primeira razão (. . . ) esta: como toda a água e a terra do mundo constituem
portuguesa e espanhola sobre as terras uma esfera e por conseguinte seja redondo, considerou Cristóvi!o Colombo ser pos­
recém-descobertas. Essas conversações sível rodear-se do Oriente a Ocidente, andando por ela os homens até estar pés
culminaram, em 1494, no Tratado de Tor­ com pés uns com os outros, em qualquer parte que se achem em oposto. A segun­
da razão é ( . . . ) que muíta e muíto grande parte desta esfera tenha sido j á ( . . . ) por
desilhas, que dividiu o novo mundo entre muitos navegada e que ni!o restava para ser toda descoberta seni!o aquele espaço
Portugal e Espanha. que havia desde o fim oriental da Í ndia até que prosseguindo a via do Oriente tor­
Os espanhóis prosseguiram. Vasco Nu­ nassem pelo nosso Ocidente às ilhas de Cabo Verde a dos Açores que era a mais
nes de Balboa chegou ao Pacífico, através ocidental terra que enti!o estava descoberta. A terceira entendia que aquele dito
espaço que havia entre o fim oriental( ... ) e as ditas ilhas de Cabo Verde não po­
do istmo do Panamá, no ano de 1 4 1 3. En­
diam ser mais que a terça parte do círculo maior da esfera(. .. )
tre 1 5 19 e 1 522, Fernão de Magalhães (Frei Bartolomé de las Casas História Geral das Índias in Gustavo de Freitas , op.cit.)
completou a primeira viagem de circuna-
vegação do globo terrestre. ,
Depois da descoberta da América, os espanhóis não se interessaram mais pela Asia.
Logo encontraram as minas de ouro e prata que transformaram a Espanha no país
mais rico da Europa no século XVI. Portugal havia sido superado pela Espanha.
A Espanha soube também explorar as Antilhas, onde foram implantadas fazen­
das para produzir açúcar, nos moldes da exploração dos portugueses no Brasil. �
u
No entanto, toda a riqueza descoberta pela Espanha na América não era aplicada a:
•LU
em setores produtivos. Os reis espanhóis estavam mais preocupados em demons­ �
trar sua opulência e seu poderio construindo magníficas igrejas e palácios. Parte do <(
ouro seguia para França ou Inglaterra nos gastos em produtos manufaturados e tam­ �
o
bém no fmanciamento de intermináveis guerras, principalmente contra a Inglaterra. o
r<(
Não só a Espanha e Portugal estavam interessados na América. Ingleses, holan­ U·
<(
deses e franceses lançaram-se à luta para conquistar partes do rico território. Os N
ingleses e franceses concentraram seus interesses na parte norte da América. En­ z
o
....1
quanto os ingleses colonizaram o litoral, os franceses buscaram as terras do atual o
Canadá e a região central dos atuais EUA. Os holandeses, por sua vez, tiveram u
-
uma participação menor na conquista colonial: além da tentativa de estabelecer
uma possessão no Brasil, ocuparam algumas ilhas das Antilhas. 61
Fernão Cortez, após fundar no litoral a colô­
nia de Vem Crui, seguiu em direção à capi­ A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA
llll do Império Asreca onde fui bem recebido
pelo imperador Montezurna. O documento À medida que a monarquia nacional se consolidava na Europa, a exploração das
abaixo demonstra que o único interesse dos
colônias era cada vez mais indispensável. A economia das monarquias era baseada
espanhóis em a obtenção de riquezas.
na idéia de que era preciso utilizar-se de qualquer meio para aumentar os ganhos
do país: vender caro e comprar barato, explorar ao máximo as colônias para poder
lucrar na venda dos produtos. Essa prática econômica fazia parte do mercantilis­
Pois entrando, como estávamos,
mo, política econômica que atingiu o auge no século XVII e que correspondeu, a
naqueles aposentos (. . .), quando
olhávamos onde melhor e mais nível político, às monarquias absolutistas.
conveniente parte havíamos de Os espanhóis, os portugueses, os ingleses, os franceses e os holandeses lançaram­
fazer o altar, (. . .) (um dos nos- se numa exploração sistemática das novas terras, organizando urna imensa empresa
sos) viu numa parede um como que iria beneficiar as monarquias e as burguesias da Europa.
sinal de que tinha sido porta,
Os habitantes das Américas, chamados pelos europeus de índios, encontravam-se
que estava entaipada; e como
havia fama de que naquele apo­ nos mais diferentes estágios de cultura. Uns, corno os índios brasileiros e norte­
sento tinha Montezuma o tesou­ americanos, viviam praticamente nas mesmas condições do homem pré-histórico .
ro de seu pai Axaiaca, Muitos eram nômades e s e dedicavam à caça e coleta, outros cultivavam a terra em
suspeitou-se que estaria naquela
urna agricultura de subsistência.
casa, de há poucos dias fechada
e tapada(. . .) e secretamente se
Os incas, os maias e os astecas haviam atingido um estágio bem mais avançado,
abriu a porta, e, quando foi possuindo urna organização social e administrativa complexa. Eram povos agrícolas
aberta, Cortez com certos capi­ que conheciam técnicas de cultivo e irrigação. A produção era suficiente para que
tães entraram primeiro dentro e houvesse excedentes permitindo assim maior divisão de trabalho. Além dos agricul­
viram tanto número de jóias de
tores havia oleiros, tecelões, artesãos, astrônomos, sacerdotes e urna classe dirigen­
ouro (. . . ) e outras mil riquezas
(. . . ) e acordou-se (. . .) que nem te em cujo topo estava o imperador. Vamos apresentar de forma resumida as
por pensamento se tocasse em condições de vida dos mais importantes grupos:
coisa nenhuma dessas, mas que
da mesma porta se tornassem lo­
Incas: Habitavam a região do atual Equador e estenderam seu império até o norte
go a pôr as suas pedras e se fe­
chasse e pusesse da maneira que do Chile e parte da Argentina. Usavam o lhama corno meio de transporte e domina­
a achamos e que não se falasse vam outros grupos indígenas que eram obrigados a prestar-lhes serviços.
n isso para que o não soubesse
Montezuma, até ver outro tempo Astecas: Habitavarn a região do atual México e parte da América Central . Inicial­
(. . .)
mente estavam organizados numa sociedade igualitária, mas, com o desenvolvimento
(Berna! Diaz de! Castillo, História
verdadeira da conquista da Nova Es­ de guerras, acabaram dominando outros grupos que reconheciam a liderança de certos
panha in Gustavo de Freitas, op.cit.) chefes. Estavam estabelecendo um vasto império quando os espanhóis chegaram e
os dominaram.

Maias: Habitavarn a Península do lucatã (México), e parte das atuais Honduras e


Guatemala. Sua civilização remonta a mais de 3.000 anos antes de Cristo. A civiliza­
ção maia é considerada a mais evoluída da América. Os maias possuíam urna escri­
ta, um sistema de numeração e tinham alguns conhecimentos científicos.

O contato dos espanhóis com os indígenas foi desastroso. O objetivo básico dos
espanhóis era explorar ao máximo as riquezas e a mão-de-obra dos nativos, ainda
que fosse preciso recorrer ao trabalho forçado; os que se revoltavam eram mortos .
Para se ter uma idéia do massacre, a população indígena d a América espanhola era
calculada na época do descobrimento em mais de 5 0 milhões de indivíduos. No co­
meço do século XIX essa população estava reduzida a menos de 8 milhões.

O sistema espanhol de exploração colonial

<! Em 1 5 19, Fernão Cortez desembarcou na América, iniciando a conquista do im­


S:2 pério dos astecas. Em menos de cinqüenta anos, estava terminada a obra da con­
a:
-� A forma encontrada para a exploração do quista e destruído o império; os espanhóis submeteram vários povos pré-colombianos
<( trabalho indígena foi bastante complexa. e transportaram para a Metrópole quantidades imensas de ouro e prata saqueadas
<( A mita, sistema já existente no período in­ dos povos dominados. Daí em diante a Coroa espanhola resolveu organizar a admi­
Cl caico, consistia na prestação de serviços
nistração colonial e iniciar a exploração econômica.
• �
nas minas, na construção de estradas e ou­
O órgão máximo da administração colonial era o Conselho das Índias , cria­
tros trabalhos para o imperador durante


quatro meses por ano. Os espanhóis adap­ do em 1 524, que tratava de todos os assuntos referentes à colônia. O monopó­
z taram a mita aos seus interesses, subme­ lio comercial era exercido pela Casa de Contratação criada em 1 503, que ti­
g
tendo os indígenas a um trabalho nha a função básica de organizar e controlar toda a mercadoria e metal que
8
semi-escravo. Na agricultura, implantou-
saísse ou entrasse na colônia. Punia severamente qualquer tentativa de burlar
se o sistema de encomienda, que consis-
- o esquema de controle. Para facilitar a administração, a América espanhola foi
tia na prestação de trabalho sem remune­
62ração nas grandes plantações. dividida em quatro vice-reinos e várias capitanias (veja o mapa). Os vice-reis
e administradores das capitanias, indi­ A Espanha dividiu seu territó­
cados pelo Conselho das Índias, eram rio na América em vice-reinos
escolhidos entre as famílias mais ilustres e capitanias, conforme sua im·
portância política e econômica.
do Reino. Os vice-reis comandavam as
forças militares, controlavam as regiões
mineradoras , eram responsáveis pela
política indígena e supervisionavam a
Igreja. z
As regiões onde não havia minas forne­ --\

ciam alimentos para as regiões minerado­ o


o
ras. As propriedades que se dedicavam à
criação do gado ou à produção de alimen-
tos eram exploradas por grandes latifun­
diários que se utilizavam da mão-de-obra
indígena.
o
A sociedade colonial espanhola era di­
vidida de forma bastante clara: uma mi­ m
17
noria de privilegiados composta de -z_
brancos europeus e seus descendentes o
chamados criollos e uma maioria esmaga­
dora de índios, mestiços ou negros sem
nenhum direito, obrigados a trabalhar
para os brancos. Os brancos europeus
ocupavam o primeiro escalão da lideran-
ça, pois exerciam os cargos administrati- 1
I'
vos e eclesiásticos,vetados aos criollos.
·

O trabalho negro era utilizado principalmente nas grandes plantações das Anti­
lhas, onde a estrutura de tráfico de escravos dos mercadores da metrópole exigia
esse tipo de mão-de-obra importada. Este não era o caso do trabalho nas minas,
onde eram aproveitados os indígenas, especialmente os incas. Nessas áreas os espa­
nhóis simplesmente aprov�itaram a estrutura de exploração da mão-de-obra já exis­
tente entre os pré-colombianos.

A colonização inglesa
A América do Norte não despertou muito interesse dos europeus durante o sécu­
lo XVI. Isso porque não havia nenhum produto que pudesse ser comercializado no
mercado europeu . No Brasil, o clima e o solo favoreceram a implantação de uma
empresa agrícola para o cultivo do açúcar, produto que tinha seu consumo garanti­
do. Na América espanhola não era exatamente um produto agrícola que despertava
os interesses, mas sim os metais preciosos. Na América do Norte não havia ouro
e seu clima era semelhante ao da Europa,
portanto não se obteria nenhum produto
agrícola diferente, que pudesse interessar
aos mercadores europeus. Os franceses fi­
zeram algumas viagens de caráter explo­
ratório para a América do Norte no século
XVII. Fundaram Quebec (no atual Cana­ Os colonos ingleses fixaram-se no litoral
da América do Norte, onde fundaram as
dá) e ocuparam a região central dos atuais
1 3 colônias que originaram mais tarde os
Estados Unidos. No século XVII, a Ingla­ Estados Unidos. Compare o espaço ocu- j
terra resolveu tomar posse dos territórios pado pelas colônias, com o contorno çc
·UJ
conquistados na América do Norte, atra­ atual do país norte-americano.

vés do povoamento e colonização. Logo se �


<(
diferenciaram dois grupos de colônias, Cl
com sistemas de colonização diferentes: as o
!<(
do norte e as do sul da América inglesa. U·
<(
As colônias do Norte: Massachusetts, N
Rhod e Island, New Hampshire, Nova z
o
_J
York constituíam um conjunto de colônias o
u
conhecidas como Nova Inglaterra. A co­
-
lonização dessa .região foi feita por famí­
lias vindas da Inglaterra, da Holanda, da 63
Também os holandeses tinham grandes Escócia ou da Irlanda, que saíram de seus países de origem por questões religiosas.
interesses na América e no Oriente. O tex· A maioria era constituída de protestantes perseguidos na época em decorrência dos
to que segue trata da organização da Com­
violentos conflitos religiosos dentro do quadro da Reforma Protestante, como vere­
panhia das Índias Orientais.
mos mais adiante.
Este fato já diferenciava a coloniZação da America inglesa da colonização da Amé­
Não obstante as guerras contínuas que rica espanhola: os imigrantes que se dirigiam à América do.Norte iam para ficar
as Províncias Unidas tinham de susten· e instalar-se, não para ganhar riquezas e enviá-las às metrópoles. Os colonos norte­
lar contra a Espanha, várias compa­
nhias se fundaram para fazer progredir
americanos cultivavam produtos diversificados (milho, alfafa, centeio, cevada, fru­
o seu negócio num e no outro mundo (o tas) em pequenas fazendas, dedicavam-se à pesca e à criação de gado. Essas ativida­
Antigo e o Novo), com vistas a tirar pro· des levaram os colonos, desde o início da colonização, a criar uma economia baseada
veito dos tesouros das Índias: mas ( ... ) na construção de barcos, na indústria de peixe seco e de ferramentas que acabavam
as diversas companhias que se tinham
formado não podiam subsistir nem de­
sendo vendidas para outras colônias inglesas do Sul ou do Caribe.
fender-se separadas contra as forças da Resumindo: a região foi habitada por pessoas que se dedicavam a atividades eco­
Espanha; para evitar esta desordem e nômicas que não interessavam à metrópole, pois tudo que produziam a Inglaterra
uma confusão que com o tempo as te· já possuía. Na verdade, a produção das colônias chegava até mesmo a fazer uma
ria feito perecer, elas formaram, em pequena concorrência à metrópole. A esse tipo de colônia deu-se o nome de colônia
1 602, a célebre Companhia do Orien­
te ( ... ) O governo das Índias, ainda que de povoamento.
dependente da Companhia, é uma es­
pécie de Estado soberano, pois que po· As colônias do Sul: Como as condições climáticas da região do sul dos atuais Esta­
de declarar a guerra e fazer a paz com dos Unidos eram semelhantes às da América tropical, foi possível desenvolver uma
os reis e príncipes das Jndias ( ... )
agricultura extensiva apoiada num único produto. Formaram-se grandes fazendas
(História resumida das Provfucias Unidas
dos Países Baixos, in Gustavo de Freitas, de algodão e tabaco, cuja produção estava voltada para o mercado externo. As mais
o p . c i t .) importantes colônias eram a Geórgia, Carolina e Virgínia. Os colonos que iam para
essas regiões tinham os mesmos objetivos dos colonos da América espanhola ou por­
tuguesa: enriquecer-se e voltar para a Inglaterra. Além de produzirem um só pro­
duto (monocultura), utilizavam mão-de-obra escrava. Isto os diferenciava bastante
dos colonos do Norte, que produziam culturas diversificadas em pequenas proprie­
dades, empregando a mão-de-obra assalariada. As colônias do Sul da América in­
glesa ficaram conhecidas como colônias de exploração.

O sentido da colonização

O processo de colonização da América esteve ligado à expansão européia e à con­


solidação das monarquias nacionais, aliado à ascensão da classe burguesa. Às me­
trópoles e às suas burguesias só interessava o enriquecimento às custas da exploração
máxima das riquezas e mão-de-obra das colônias.
Todo esse processo coincidiu com as profundas mudanças que estavam ocorren­
do na Europa. No campo cultural ocorria o Renascimento, no campo religioso a
Reforma Protestante e no campo político as monarquias nacionais transformaram­
se em monarquias absolutas.

Exercícios

1 . (FUVEST-SP) Para a exploração econômica do Peru, no período colonial, os


espanhóis utilizaram o regime da mita. Em que consistia a mita?

2. Sobre a colonização inglesa nas suas treze colônias na América do Norte pode­
mos afirmar:
a) a colonização inglesa nessas treze colônias foi no sentido de produzirem produtos
<( tropicais voltados para a exportação.
u
ã:
b) as colônias do norte produziam artigos tropicais utilizando a mão-de-obra escra­
·LJ..I

va e por isso são chamadas de colônias de exploração.
<( c) as colônias do sul, por terem um clima semelhante ao europeu, produziam
<( gêneros de subsistência em pequenas propriedades utilizando mão-de-obra li­
Cl
o vre.
!<(
U· d) as colônias de povoamento foram povoadas, na sua maioria, por europeus que
<( fugiam da Europa devido a perseguições religiosas. Por isso faziam da América não
!::::::!
:z meramente um lugar de enriquecimento rápido, mas a nova pátria.
o
_J
o
e) a Inglaterra sempre se preocupou em explorar ao máximo todas as treze co-
·

u lônias.
-

64 3 . Sobre a expansão marítima européia dos séculos XV e XVI é correto afirmar:


a) 'ª�en� aJUil,P�ção dos. reis em aumentar o seu poder.
p
' 'b) rocuravaobtet matériàs-primas para o mercado europeu que se ampliava cres­
centemente.
c) buscava metais preciosos necessários à ampliação e monetarização da economia
européia.
procurava novos caminhos para atingir as fontes produtoras de especiarias no
·

Oriente.
e) todas alternativas estão corretas.

4. (UNESP) Na estrutura social altamente estratificada da sociedade colonial


hispano-americana, designavam-se por criollos.
a) os descendentes da união de brancos com índios e que representavam, numeri­
camente, um importante segmento da população.
h) os brancos descendentes diretos dos espanhóis, mas nascidos nas colônias, im­
pedidos de ocupar cargos administrativos ou eclesiáticos.
c) os europeus nascidos na metrópole, mas que viviam na América e detinham pra­
ticamente todos os encargos políticos e, administrativos .
. d) os descendentes da união entre negros e índios, obrigados aos trabalhos mais
árduos, praticamente sem remuneração.
e) nenhuma das alternativas anteriores.

Respostas Comentadas

1. A mita era um sistema de trabalho que existia entre os incas através da qual
os indivíduos trabalhavam para o Estado nas tarefas mais variadas camo constru­
ção de templos, estradas, trabalho nas minas. Era uma espécie de tributo pago ao
Estado com a prestação de serviços. Após um certo período, o indivíduo voltava
a se dedicar às suas tarefas. Os ,espanhóis utilizaram o sistema de mita para obter
a mão-de-obra no trabalho da mineração. Os colonizadores transformaram essa
instituição em verdadeira escravidão.
2 . A colonização inglesa nas treze colônias da América do Norte apresentou duas
características bem diversas. As colônias do Norte, em decorrência de sua seme­
lhança climática, desenvolveu uma economia baseada na pequena propriedade,
mão-de-obra livre e produtora de produtos de subsistência. Foi povoada principal­
mente pelos protestantes que buscavam t:efúgio na América diante das persegui­
ções religiosas na Europa. As colônias do Sul, ao contrário, por terem um clima
tropical, atendiam aos interesses econômicos ingleses e nelas foi organizada uma
produção voltada para o mercado externo, utilizando a mão-de-obra escrava. Por­
tanto, a alternativa correta é a d.
3. Todos os fatores citados foram responsáveis pela expansão marítima européia
nos séculos XV e XVI, portanto a alternativa correta é a e.
4. Sabemos que criollos eram a elite branca das colônias espanholas, mas por não
terem nascido na Espanha eram impedidos de ocupar cargos administrativos ou
eclesiásticos. Logo a alternativa correta é a b.

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-

65
RENASCIMENTO
CUL TURAL
O crescimento do comércio tomou conta da Europa nos séculos XIII, X�V e XV
e acabou por imprimir às cidades uma vida mais dinâmica e agitada. A cultura, que
já vinha se desenvolvendo desde o começo da Baixa Idade Média, foi ainda mais
impulsionada com a nova vida das cidades.
Os homens que viveram o período do Renascimento cultural não queriam reconhe­
cer que a cultura de sua época não era nada mais do que uma continuação da expansão
cultural da Baixa Idade Média, por isso batizaram o seu período com o nome de Re­
nascimento. Que pretendiam eles com isso? Queriam dizer que a cultura clásSica greco­
romana havia morrido durante a Idade Média e renascido nos séculos XV e XVI.
Foram esses mesmos homens que espalharam a idéia de qué a Idade .Média havia
sido uma Idade das Trevas, uma forma de supervalorizar o período em que viviam.

O Renascimento na Itália.
A Itália havia mantido vivas, de uma forma ou de outra, as tradiÇões
da cultura
Os condottieri eram nobres que lideravam
greco-romana, durante a Idade Média e também a vida urbana nunca. chegou a de­
bandos de soldados mercenários e ven­
diam seus serviços para os príncipes e saparecer durante a Idade Média. Como já vimos anteriormente, cidades como Gê­
condes das cidades italianas. Esses líde­ nova, Florença e Veneza, por exemplo, mantiveram durante a Idade Média uma
res surgiram na Itália no período de in­ intensa atividade comercial com o Oriente. Tinham, portanto, uma vida indepen­
tensa instabilidade política que dente, que permitia a seus habitantes gozarem, em pleno ·feudalismo, de liberdades
caracterizava o Renascimento.
desconhecidas em outras partes da Europa.
De modo geral o feudalismo nunca chegou a se implantar totalmente na Itália,
por isso as atividades comerciais e artesanais geraram uma classe burguesa urbana
bastante ativa e dinâmica.
Um humanista tenta explicar o que é hu­ Foi do centro dessa sociedade mais dinâmica que nasceu uma nova forma de pen­
manismo.
sar, de se manifestar artisticamente. As condições materiais para o desenvolvimen­
to artístico estavam garantidas : tanto pelos burgueses ligados ao comércio quanto
Consagrai-vos a dois gêneros de pelos banqueiros que fmanciavam os empreendimentos dos reis e da burguesia.
estudos. Em primeiro lugar adqui­
ri um conhecimento das letras,
não vulgar, mas sério e aprofun­
dado... Depois, familiarizai-vos
Humanismo: a base do pensamento renascentista.
com a vida e as (boas) maneiras
- o que se chama os estudos hu­ O pensador do Renascimento tinha plena convicção de que o homem era o centro
manos, pois que eles embelezam do universo. Por isso, todo o conhecimento deveria ser voltado para o próprio homem.
os homens. (. .. ) Aconselho-vos a O pensador do Renascimento idealizava abranger todas as áreas do conhecimento: de­
;;{ ler os autores que possam ajudar­ veria ser pintor, arquiteto, historiador, cientista etc. Um dos melhores exemplos desse
a: vos, não somente pelo seu assun­
:::::>1- to, mas também pelo esplendor tipo de pensador foi Leonardo da Vinci, que era um sábio de seu tempo.
__.
:::::>
do seu estilo e o seu talento lite- Se inicialmente somente os descendentes de fanlílias ricas podiam se realizar ep­
u rário, a saber: as obras de Cícero quanto humanistas, aos poucos outros artistas mais modestos também o pudera$.
O e as de todos aqueles que se
E quem financiava esses empreendimentos? Príncipes enriquecidos com o comér­
!z aproximam do seu nível. ( ... ) É
cio, grandes mercadores e até Papas. Eram os mecenas, homens que queriam pro­
� por isso que se nao deve somente
seguir as lições dos mestres, mas jetar seus nomes e suas artes.
u
cn também instruir-se com os poetas, Para facilitar a compreensão dos períodos históricos do Renascimento italiano,
� os oradores e os historiadores, pa­ suas fases artísticas foram divididas segundo os séculos em que se manifestaram.
li! ra adquirir um estilo elagante,
Assim, o período inicial do Renascimento, isto é, o século XIV, ficou conhecido
eloqüente...
-
como trecento (anos 300 em italiano), o período do século XV, como quattrocento
66 (Leonardo Bruni, Correspondências.� e o século XVI, como cinquecento.
Em Florença renascem a pintura e a escultura.

As obras de arte do Renascimento tentavam reproduzir a natureza. Deu-se o no­


me de naturalismo a esse procedimento estético. O fenômeno já vinha ocorrendo
desde a arte gótica, na Baixa Idade Média.
Pouco a pouco foi crescendo o número de artistas nas cidades, que aten­
diam também a um crescente público consumidor de obras de arte. Essa foi
uma importante característica do movimento das artes . do Renascimento e o que
a diferenciava da arte medieval: a obra de arte era na verdade uma mercado­
ria. E quem consumia essas obras? Eram os ricos mercadores, as cortes pala­
cianas e, logo em seguida, o próprio clero enobrecido, que queria .exteriorizar sua
cultura.
O início do Renascimento (trecento) teve em Giotto (1276 a 1 336) um dos mais
importantes impulsionadores das artes plásticas na Itália. O texto que segue é do século XVI e ilus­
Mas foi durante o quattrocento que a pintura conheceu um período mais brilhante, tra as contradições em que os artistas exe­
liberta dos cânones da Igreja, empregando técnicas de pintura a óleo, importadas cutavam suas obras naquela época.
dos Países Baixos. O centro desse esplendor artístico foi a cidade de Florença, que
havia caído em poder dos Médici, rica família de mercadores e banqueiros, que in­
Quando a natureza cria um ho­
centivou e fmanciou artistas para a glól'Ía e o esplendor da corte. O mais impor­ mem eminente num domínio, de
tante protetor das artes (mecenas) foi Lourenço de Médici, que incentivou os ordinário nào o cria sozinho, mas
pintores, escultores e filósofos da escola do neoplatonismo, cujo maior pensador foi suscita-lhe ao mesmo tempo um
Marsilio Ficino. rival, a fim de que possam apro­
veitar mutuamente dos seus talen­
Os pintores do quattrocento elegiam ,trechos de narrações bíblicas e alegorias ou tos e da sua emulaçào.. . A prova
retratos representando os nobres da época. Um dos exemplos mais destacados do está no aparecimento em Floren­
quattrocento foi Botticelli (1444 a 1510), que entre outras obras ficou famoso pelo ça, numa mesma geração, de Fi­
Nascimento de Vênus e Alegoria da primavera. lippo Brunelleschi, Donatello,
Lorenzo Ghiberti, Paolo Uccello e
O mais importante dessa época; porém, foi Leonardo da Vinci ( 1 452- 1 5 19),
Masaccio... Os seus (de Masaccio)
que, como dissemos, era o exemplo do perfeito humanista. Se prestarmos atenção princípios na arte situam-se no
no seu famoso quadro La Gioconda, podemos entender o porquê da perfeição da momento em que Masolino da Pa­
obra. Para realizar esse quadro, Leonardo estudou detidamente anatomia, perspec­ nicale decorava a capela Brancac­
tiva, geometria. O rosto tinha que ser o mais próximo da natureza. Ele queria que ci, no (convento do) Carmine de
Florença ... Ele esforçava-se conti­
fosse a própria natureza .. nuamente para dar às figuras a
Uma das características do artista do Renascimento é que ele assinava sua obra maior vida e a maior espontanei­
de arte, q que não ocorria com o artista da Idade Média, de modo geral anônimo. dade possíveis, como na rea­
Aos poucos o artista do Renascimento se libertava da dependência do mecenas e lidade.
tornava-se independente, dono de suas próprias obras. Por essa razão, muitos deles
(Giorgio �sari, Vidas dos mais exce­
puderam acumular fabulosas riquezas. lentes pintores, escultores e arquitetos.)

Roma e a arte do cinquecento.


O esplendor e o brilho do Renascimento de Florença foi interrompido por uma
rebelião de caráter religioso e popular liderada por um monge místico de nome Sa­
vonarola. Ele conseguiu aliciar parte da população pobre da cidade e governá-la du­
rante os anos de 1494 a 1498. Durante esse período, as obras de arte foram queimadas
porque, segundo Savonarola, eram imorais. Na verdade, para a maioria da popula­
ção que não participava do esplendor artístico, os quadros e as esculturas nada sig­
nificavam. Florença, depois do domínio de Savonarola, perdeu o papel de centro
da cultura renascentista italiana. A cidade que tomou esse lugar foi Roma.
Durante o papado de Alexandre VI (1492 a 1503) principiaram as atividades artísti­
cas na capital da Igreja Católica. Mas foi durante o papado de Júlio II ( 1 503 a 1 5 1 3) _J
que as obras de arte conheceram seu grande esplendor. A preocupação desse papa era <(
a:
mostrar ao mundo que Roma era a mais bela das cidades. Para isso, encomendou ao :::::>
arquiteto Bramante um projeto para a construção da Basílica de São Pedro no ano de �
:::::>
1 506. Depois de pronta, a decoração interna ficou a cargo de Michelangelo e de Rafael. u
o
Michelange1o, além de ter pintado o teto da Capela Sistina no Vaticano, imortalizou­ t­
z
se com suas imponentes e perfeitas esculturas: David e Moisés são marcos indiscutí­ UJ

veis da cultura ocidental. ::2:


u
Todo o alto clero romano estava preocupado em demonstrar seu apreço pelas ar­ CJ)
<(
tes. Os cardeais e arcebispos realizavam em escala menor o que o papa fazia a nível z
UJ
de Estado. Todos os elementos do alto clero que encomendavam obras de arte co­ a:
-
mo forma de demonstrar sua riqueza e lux� transformaram-se em grandes proteto­
res e fmancistas da arte. 67
A produção literária da Renascença italiana
No início da Renascença, a Itália estava di­ Um dos primeiros escritores que refletiu em sua obra as transformações da socie­
vidida em um grande núnÍero de pequenos
dade foi Dante Alighieri (1265-1 321). Sua mais importante e conhecida obra, A Di­
estados independentes (a maioria repúbli­
cas). Ma<; no século XVI, o cenário se mo­
vina Comédia, introduzia uma cõncepção mais centrada no homem, uma visão
difica com a intervenção da França e Espa­ antropocêntrica.
nha e da polftica expansionista das repúblicas Depois vieram Petrarca (1304-1374) e Bocaccio (1313-1374), que criticaram tam­
mais fortes. A hegemonia política ficou di­ bém a concepção religiosa da vida. Toda a produção desses três grandes huma­
vidida entre os ducados de Milão, as repú­
nistas do trecento foi feita em toscano, língua "vulgar" de Florença, o que podia
blicas de Veneza e Florença e os Estados da
Igreja. Em 1494, Fernando de Aragão (rei ser considerado como afronta à língua oficial eclesiástica, que era o latim.
da Espanha) conquistou o reino de Nápo­ Entre o quanrocento e o cinquecento a produção literária atingiu o auge. Nessa
les, juntand� à Sicília e à Sardenha que já época, a Itália era disputada por várias potências mundiais: a França, a Espa­
pertenciam a Aragão. nha e o Sacro Império Romano­
Germânico (Alemanha). E, nesse clima
de insegurança política e social, surgiu
um dos grandes pensadores da política
mundial: Nicolau Maquiavel (1469 a
1527).
No ano de 1513 publicou uma das mais po­
lêmicas obras da teoria política: O Prínci­
pe. Maquiavel dava uma série de sugestões
para um possível governante superar a cri­
se de poder pela qual a Itália passava. Nes­
se momento a Itália era dominada por
povos estrangeiros, e ele propunha como
uma das saídas o estabelecimento de um
governo forte e a expulsão desses estran­
geiros. Maquiavel foi, portanto, um dos
precursores da unificação italiana, que só
ocorreria no século XIX.
A fraqueza política da Itália, refletida na
não-centralização do poder, aumentava o
apetite das potências que a cercavam. Ro­
ma já havia sido tomada pelos soldados
"alemães " de Carlos V, imperador do Sa­
cro Império Romano-Germânico . . Todo o
clima propício para a criação artística, na
prática, não mais existia.
Nesse mesmo período, começara a Re­
forma protestante na Alemanha, com Mar­
tinho Lutero. A Igreja Católica, em
resposta à Reforma, desencadeara a
Contra-Reforma, movimento que reprimia
tudo que contrariasse a doutrina católica,
e isso impedia artistas e pensadores de ex­
pressarem livremente a criatividade ine­
L------··----------� --- --�--- --- --·-·--· - -- - · rente às artes e à vida intelectual.

O Renascimento científico
--1
<( Foi durante o Renascimento que surgiu a ciência moderna. Sua característica mais
a:
::::> marcante foi a preocupação em fazer uma avaliação constante, através de experiên­
'1-­
--1
::::> cias, observações e rigoroso exame matemático.
u
Antes do Renascimento, a tendência dominante era explicar os fenômenos da na­
o
1- tureza através da religião. Foram, portanto, os renascentistas que encararam de frente
z
UJ a compreensão dos fenômenos da natureza, sem se submeter às explicações religiosas�
::2
u Um bom exemplo de cientista que desafiou a concepção religiosa foi Nicolau Co­
cn
<( pérnico ( 1453). Durante toda a Idade Média acreditava-se que a Terra era o centro
z
UJ do sistema solar (geocentrismo) . Copérnico, através de observação e de cálculos,
a:
desmontou completamente essa concepção, afirmando que a Terra era um planeta
-
como outro qualquer que girava em torno do Sol, centro do sistema (heliocentrismo).
68 Giordano Bruno, outro pensador e admirador de Copérnico, tratou de divulgar
essa novidade na Itália. A Igreja mandou prender Bruno e queimá-lo vivo, por ir ..)s filósofos do Renascimento, no seu cul­
contra a concepção religiosa do universo. to ao passado greco-romano, inspiraram­
Talvez o mais rigoroso observador dos fenômenos ·físicos tenha sido Galileu Ga­ se na República de Platão para elaborar
utopias que ao mesmo tempo serviam co­
lilei (1564 a 1642). Galileu tornou-se famoso "por ter aperfeiçoado a luneta para
mo crítica à sociedade. Na Inglaterra, ca­
observar o movimento dos astros. Ele desprezava ,rudo que não pudesse ser com­ be destacar a Utopia, de Thomas More
provado pela experiência. Perseguido pela Igreja, foi obrigado a negar tudo, para (uma sociedade ideal de cunho socialista).
salvar a pele. Importante também é a utopia do italiano
Tommaso Campanella, exposta no seu li­
vro A Cidade do Sol, de 1602.

O Renascimento fQrQ da Itália Subitamente encontramos um nu­


meroso grupo de homens e de
A região dos Países Baixos (Holanda) e da Bélgica teve um desenvolvimento eco­ mulheres ( ... ) que logo nos fize­
nômico semelhante ao da Itália. O processo de urbanização permitiu produzir uma ram companhia e nos levaram à
cultura rica, ligada ao dinamismo de uma nova economia. Cidade do Sol ( . . . ) (Nessa nação)
todos de acordo, determinaram
começar uma vida filosófica, pon­
Pintura: Um dos mais famosos pintores, que tinha um público relativamente ga­ do todas as coisas em comum ( . . . )
rantido, foi Peter Bruegel, que viveu em Antuérpia por volta do ano de 1 550. Ou­ Dizem eles que toda a espécie de
tras obras de arte admiradas eram os retratos feitos pelos irmãos Hubert e Jan Van propriedade tem origem e força
Eyck, famosos pelo preciosismo de detalhes em suas pinturas. na posse separada e individual
das casas, dos filhos e das mulheres.
A Espanha também teve sua cota no Renascimento cultural artístico, com El Gre­
Isso produz o amor-próprio ( ... ) Ao
co (1541-1614) cuja pintura religiosa era adequada ao clima da Contra-Reforma ca­ contrário, perdido o amor-próprio,
tólica, se aproximando mais do estilo barroco do que do renascentista. fica sempre o amor da comunida­
Na Alemanha destacaram-se Hans Holbein e Albrecht Dürer, que retrataram o de (. .. ) Todos, sem distinção, são edu­
clima da Reforma protestànte iniciada na região. cados j untos em todas as artes ( . . . )

(Tommaso Campanella, A cidade do


A Literatura: A crítica à corrupção da Igreja Católica foi a tônica do Elogio da Lou­ Sol.)
cura, trabalho de Erasmo de Roterdam (1466-1536) . Mas foi da Espanha que veio
uma transformação ·· profunda na estética literária, com Miguel de Cervantes
(1 547-1616). Antes dele, os personagens eram sempre a encarnação do bem e do
mal. Cervantes retràta um mundo em decadência, que teima em sobreviver na figu­
ra de Dom Quixote: A impressão é a de que Dom Quixote dormiu um sono profun­
do durante a Idade Média e acordou na Idade Moderna. Ele insistia em usar, por
exemplo, as 'armas da cavalaria medieval, num momento em que já existia a arma
de fogo, que podia pôr fim rapidamente ao cavaleiro. Cervantes estabeleceu, pela
primeria vez, o diálogo entre os personagens: Dom Quixote fala com seu escudeiro,
Sancho Pança, aliás mais voltado para o mundo real do que o seu senhor.
A Inglaterra renascentista deu ao mundo um nome que se imortalizou no teatro: Wil­
liam Shakespeare (1554-1616). Sua produção coincide com o governo de Isabel I, que
como veremos foi a grande estadista britânica, ligada à alta burguesia e à nobreza fi­
nancista. Por essa razão, Shakespeare retrata em sua obra a idéia de uma sociedade es­
tável mas sempre temerosa de perder essa situação de bem-estar. Além de Shakespeare, A teoria heliocêntrica já era conhecida
a Inglaterra teve em Thomas More outro grande escritor, autor de Utopia. na Antiguidade grega, mas será esque­
A França conheceu a criação da obra renascentista principalmente depois que seus cida após a divulgação das idéias de Pto­
exércitos ocuparam a Itália e dela trouxeram alguma influência. A arquitetura fran­ lomeu, que defendia a teoria geocêntrica.
E no século XV Nicolau Copérnico ne­
cesa passou a ser influenciada por novos estilos e a literatura conheceu grandes ga que a terra seja o centro do Universo.
escritores. O mais famoso deles foi, sem
dúvida, François Rabelais (1494-1553)
que, com sua obra máxima, Gargântua e Visto que outros antes de mim tinham ousado imaginar uma multidi'io de círcu­
Pantagruel, criticava a sociedade em geral. los para demonstrar os fenômenos astronômicos, pensei que poderia permitir­
me também examinar se, supondo a Terra móvel, ni'io se conseguiria encontrar,
Não podemos deixar de lembrar que sobre a revolução dos corpos celestes, demonstrações mais sólidas que essas.
também Portugal participou do Renasci­ Depois de longas investigações, convenci-me por fim de: ....J
mento literário com Camões e sua obra épi­ Que o Sol é uma estrela fixa rodeada de planetas que giram em volta dela e de <3:
a:
ca, Os Lusíadas. Também o teatro portu­ que ela é o centro e a chama. ::>
Que, além dos planetas principais, há outros de segunda ordem que circulam 1-
guês sofreu renovações com Gil Vicente. ....J
primeiro como satélites em redor dos planetas principais e com estes em redor ::>
O Renascimento cultural foi, enfim, (_)
do Sol. ( ... ) o
um fenômeno adequado às transforma­ Não duvido de que os matemáticos sejam da minha opinii'io, se quiserem dar-se 1-
ções materiais que estavam ocorrendo em ao trabalho de tomar conhecimento, não superficialmente mas duma maneira z
w
toda a sociedade européia, Essas profun­ aprofundada, das demonstrações que darei nesta obra. ::2:
Se alguns homens ligeiros e ignorantes quiserem cometer contra mim o abuso ü
das transformações econômicas e sociais cn
de invocar alguns passos da Escritura (sagrada) , a que torçam o sentido, despre­ <3:
não poderiam deixar de afetar o campo zarei os seus ataques: as verdades matemáticas não devem ser julgadas senão z
w
da religião. A Reforma protestante foi por matemáticos. a:
-
decorrente também dessas grandes trans­
formações. (Copérnico, De Revoluúonibus orbium caelesúum). 69
Gargântua e Pantagruel eram dois gigan­ Exercícios
tes lendários medievais que o escritor
francês François Rabelais transformou
em personagens de seu famoso livro. Um
1 . Embora o Renascimento tenha sido um fenônemo cultural que atingiu toda a
relato fantástico, escrito em linguagem Europa ocidental, ele foi particulapnente importante na Itália. Aponte dois fatores
ch-eia de palavras inventadas, que trata que expliquem o destaque italiano.
dos mais variados assuntos, é basicamen­
te uma crítica à sociedade da época, em 2. Dentre as alternativas abaixo indique aquela que apresenta as características do
particular ao clero e à Igreja Católica.
No trecho abaixo, destacam--se os neo­
Renascimento.
logismos: clerigaus, padregaus, bis­ a)naturalismo, valorização da cultura greco-romana, humanismo.
pogaus. . . b) teocentrismo, valorização da cultura greco-romana e naturalismo.
c) valorização do pensamento religioso, naturalismo, valorização da cultura greco­
romana.
( A ilha era habitada por pássaros)
grandes, belos e polidos, em tudo d) valorização da cultura greco-romana, racionalismo, prática do anonimato do artista.
semelhantes aos homens da minha
pátria, bebendo e comendo como 3. Podemos afirmar que algumas características da ciência moderna surgiram com
homens, digerindo como homens,
o Renascimento. Mas os pesquisadores tiveram que enfrentar grandes obstáculos
dormindo como homens . . . Vê-los
era uma bela coisa. Os machos para lançar as bases do conhecimento moderno. Indique uma das características da
chamavam-se clerigaus, mona­ ciência moderna usada desde o Renascimento e indique também o principal obstá­
gaus, padregaus, abadegaus, bis- culo enfrentado pelos precursores da ciência moderna.
pogaus, cardealgaus e papagau
- este era um único da sua espé­
cie ( . . . ) Perguntamos porque havia
só um papagau. Responderam-nos Respostas Comentadas
que ( . . . ) dos clerigaus nascem os
padregaus ( . . . ) dos padregaus 1. A Itália foi o centro do Império Romano e manteve durante a Idade Média relati­
nascem os bispogaus, destes os vamente viva a cultura greco-romana, na qual vai se inspirar a cultura renascentis­
belos cardealgaus, e os cardeal­
gaus, se antes não os levam à
ta. Além disso, as cidades italianas de Veneza, Gênova e Nápoles monopolizaram
morte, acabam em papagau, de o comércio europeu do Mediterrâneo e eram o pólo do ativo comércio das cidades
que ordinariamente não há mais do Norte. Essa intensa atividade comercial propiciou importante acúmulo de rique­
que um, como no mundo só existe zas, estimulando a atividade artística, recrutando urbanistas, escultores e pintores.
um Sol ( . . . )
2. As características do Renascimento são a valorização da cultura greco-romana,
( Rabelais Gargântua e Pantagruel). o naturalismo, o humanismo e o racionalismo. Portanto a alternativa correta é a a.
3. Com o Renascimento a observação e a experimentação passaram a ser critérios
para explicar os fenômenos naturais. O grande obstáculo ao trabalho desses pionei­
ros da ciência foi a Igreja Católica, guardiã das concepções tradicionais e até então
fon�e das explicações dos fenômenos naturais e humanos .

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70
REFt!JBMJJ. RELIGIOSA
A Igreja Católica sofreu diret:UKente�o impácto das transformações ocorridas na so­
ciedade européia durante o século XVI. Vários movimentos religiosos deixaram de
reconhecer os dogmas dà'fgrejá e a autoridade do papa. Esses movimentos religiosos,
conhecidos genericamente como 'Reforma, tinham íntimas ligações com o desenvol­
vimento do comércio e con{l:Í formação de uma nova classe social: a burguesia.
A concepção católica do mundo rião atendia mais às novas formas de pensar e viver
difundidas pelo Reriascimento. E como a Igreja Católica teimava em manter-se fiel aos
princípios do feudalismo, houve uma forte reação por parte dos novos setores da socie­
dade, que elaboraram Uiíla nova vertente do cristianismo, mais adaptada às necessida­
des burguesas.
Deu-se o nome de protestantismo a todos os movimentos que nesse período critica­
ram e romperanr com a Igreja Católica.

Causas da. . Refonna.: O 'homem do Renascimento foi um humanista, isto é, elegeu


o homem como centro das atenções: e as críticas à Igreja se baseavamexatamente nesse As indulgências eram uma forma que o
humanismo renascentista. Erasmo de Roterdam, por exemplo, criticava a Igreja por "cristão pecador" encontrava para garan­
tir seu lugar no Paraíso. A indulgência era
ter se distanciado dos ideais de humildade e pobreza e .ter valorizado a riqueza, o luxo,
dada pelo clero (Igreja), mas só depois que
o prazer e a ociosidade. Ele lembrava que a igreja cristã primitiva era exatamente opos­ o ''pecador'' pagasse uma boa soma é que
ta, pois buscava a simplicidade, a piedade e o amor ao próximo. o pecado seria perdoado. Eis como uma tes­
A igreja dos papas renscentistas era a igreja do luxo, que acumUlava riquezas com temunha da época descreve as ''negociatas''
a venda de relíquias tidas como sagradas. Isto fazia com que, junto à popUlação, as de Tetzel, o monge responsável pela venda
de indulgências na Alemanha:
críticas à Igreja aumentassem ainda mais.
A própria formação das monarquias nacionais, com um rei dominando um território
nacional, contribuiu para aumentar o conflito com a Igreja e diminuir sua autoridade. No decurso das prédicas que fez
Cada rei representava uma nação e a idéia de monarquia nacional se opunha frontál­ na Alemanha, Tetzel juntou uma
enorme soma em dinheiro que en­
mente ao universálismo católico medievál. A consolidação e ampliação da autoridade
viou para Roma; recolheu-o so­
do rei se fazia em detrimento do poder temporál dos papas. bretudo nas novas minas de S.
Um dos fatores mais importantes do movimento da Reforma está relacionado com Annaberg, onde eu próprio, Fre­
a questão do lucro. A Igreja Católica acumUlava riquezas materiais através de artigos derico Myconius, o ouvi durante
de luxo, obras de arte e terras, mas condenava o lucro como pecaminoso e os juros dois anos. Dizia que se um cristão
tivesS€ tido relações incestuo-
como roubo. Ora, a burguesia comerciante e artesanál que buscava crescer acumUlava sas( . . . ) e que confiasse ao cofre
sua riqueza exatamente no lucro e nos juros dos empréstimos. Era impossível conciliar das indulgências papais certa so-
essas posições, e as pessoas não queriam agir contra as leis divinas. ma de dinheiro, o papa tinha o
Os pregadores calvinistas difundiam a idéia de que aquele que ganhasse dinheiro le­ poder de perdoar-lhe a seu peca-
do no céu como na terra, e que,
galmente e o acumUlasse estava, na verdade, agindo segundo os caminhos de Deus.
se ele perdoava, Deus devia fazer
Por essa razão a burguesia aderiu, quase inteiramente, às idéias da Reforma. o mesmo. Que, desde que as
Como último fator da Reforma é importante mencionar a ambição dos nobres em moedas caíam no cofre, a alma
relação às terras da Igreja. A Igreja era uma das maiores proprietárias de terra. Os no­ daquele que tinha comprado as
bres viam nos movimentos contra a Igreja Católica uma oportunidade de se apropria­ indulgências ia direto ao céu. <(
(Frederico Myconius, História da Re- �
rem dessas terras.
fmma in Gustavo de Freitas, op. cit.) c.?
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UJ
a:
Por que a Reforma começou na Alemanha? <(
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a:
o
Enquanto a França, Portugal, Espanha e Inglaterra eram países unificados, com um u..
LU
rei no poder, a Alemanha não existia enquanto nação. Isso significava que não havia a:
-
um governo centrál, mas sim·uma autoridade teórica exercida por um imperador com
pouquíssima força política. Na verdade, o poder estava distribuído entre diversos pe- 71
quenos Estados dominados por príncipes, nobres e membros do alto clero. Sempre
que um imperador tentava centralizar o poder, tanto a Igreja quanto os príncipes e
nobres em geral se wúam para lutar contra essa tentativa.
A Igreja Católica representava tudo o que estava ligado às práticas feudais. Os im­
postos que a Igreja· mandava para Roma enfraqueciam ainda mais o poder do impera­
dor. Ao mesmo tempo, a burguesia alemã, bastante fraca se comparada à inglesa e à
francesa, via a Igreja como um sério obstáculo a suas atividades.
A própria nobreza feudal alemã tinha seus motivos para ser contra a Igreja Católica,
que era a maior proprietária de terras da Alemanha. Os camponeseS também tinham
suas razões para discordar dos rumos que a Igreja vinha tomando. Isto porque os im­
postos feudais cobrados pela Igreja eram pesados e exigiam duras jornadas de trabalho.
Foi nesse contexto que edodiu a Reforma protestante. A Igreja Católica tomou-se
alvo de crítica de todas as classes sociais.

Lutero e as 95 teses contra o papado


Martinho Lutero era um monge agostiniano, bastante místico, que vivia na Saxônia,
sob a proteção do príncipe Frederico. Ao entrar em contato com as idéias de humanis­
tas como Erasmo de Roterdam e os escritos de Santo Agostinho e São Paulo, Lutero
concluiu que de nada valiam os jejuns, as peregrinações e as boas ações em favor da
Igreja ou a ajuda dos padres e santos para obter a graça divina; apenas a fé conseguiria
salvar os homens.
Sua descrença na Igreja aumentou muito no ano de 15 17, quando o papa encarregou
um padre de arrecadar dinheiro na Alemanha com a venda de indulgências. Em outu­
A atual região da Alemanha na época da Re­
bro de 1517 afixou na porta da catedral onde era pregador as 95 proposições contra
funna, conhecida comó Sacro hnpério Ger­ o papado. Passou então a ser perseguido pela Igreja e por isso recebeu maior proteção
mânico, era constituída por um grande do príncipe da Saxônia. Durante o período em que esteve foragido no castelo do prín­
número de pequenos principados e duca­ cipe, Lutero formulou as idéias básicas que deram origem à Reforma. Negava que a
dos independentes. O imperador, que per­
salvação do homem dependesse .de obras materiais. Lutero achava que a única coisa
tencia à fuml1ia dos Habsburgos e era
escolhido pelos príncipes eleitores, não con­ capaz de salvar o homem do pecado era a fé. O homem não precisaria de intermediá­
seguiu como os reis da França e da Ingla­ rios para entrar em contato com Deus e o clero podia ser dispensado.
terra criar condições para o absolutismo. A A idéia do livre exame era uma das mais importantes inovações de Lutero; conside­
Igreja, por sua vez, era dona das melhores rando a Igreja incompetente como intérprete das Sagradas Escrituras, todo homem po­
terras e dominava a população relatiwmenre
atrasada em relaçOO aa> demais paf!les da Eu­
deria interpretar a Bíblia segundo · sua próprià consciência.
ropa. Não foi por acaso, que a Igreja esco­ Os nobres alemães ficaram muito satisfeitos quando Lutero condenou a Igreja Católi­
lheu o Sacro Império para a venda das ca, pois isso lhes daria uma justificativa religiosa para tomar as terras do clero. Mas
indulgências, urna das causas que levou Lu­ parte da nobreza, ligada à Igreja por interesses , reagiu aos bandos armados que inves­
tero a romper com o papado.
tiam contra as terras eclesiásticas e as lutas
r-----�r--'"�r,.--,---------,�.---- --ç �rTJ"--�-::;--; ---r--:1 se estenderam de 1522 a 1523. A Igreja con-
seguiu manter parte de seus feudos, caste­
los e bispados. Após a revolta da nobreza,
o Sacro Império foi varrido por uma rebe­
lião bem mais violenta, a guerra dos cam­
poneses. O líder dessa rebelião foi Tomás
Münzer, que pregava a reforma agrária e a
igualdade social.
Em vez de apoiar a rebelião camponesa,
Lutero condenou-a e propôs aos nobres pro­
testantes e católicos uma união para esma­
gar o inimigo comum, que eram os
camponeses. Em maio de 1525, a rebelião
foi esmagada: mais de cem mil camponeses
� foram mortos, inclusive Münzer. Mas suas
rJ)
o pregações originaram a seita protestante dos
(.!)
:::J anabatistas (quacker).
UJ
a: Dominada a revolta campon�, os pro­
� testantes se reorganizaram para lutar con­

a: tra o imperador, que na época era Carlos
o
LL
UJ V, da poderosa familia dos Habsburgos,
a: r:__
__________ ..:..:.,_....;__L_
__ ..,_t __.::!IL.
_ _:__.=.. ....�-u
- senhor também de Espanha, Países Bai-
-
xos e parte da Itália. Os príncipes protes­
72 tantes formaram em 1531 uma poderosa
aliança militar para lutar contra as forças
do imperador. A luta só terminou com
a assinatura da Paz de Augsburgo, em
1 555, que dava o direito de cada príncipe
Várias pessoas se apresentaram, em Wittenberg, ao doutor Martinho Lutero, mu­
impor a sua própria religião em seu terri­ nidas de cartas de indulgências. Seguras de seu perdão, confessaram-se e pedi­
tório, o que equivalia a uma derrota do ram a absolvição. Mas como elas confessavam pecados graves e não manifestavam
imperador. a intenção de corrigir-se deles ( ... ), o doutor Lutero não quis absolvê-los ( . . . )
Os penitentes alegaram então a sua carta do papa bem como as graças e indul­
Da Alemanha o movimento luterano al­
gências que tinham obtido do monge Tetzel. Mas o doutor Lutero não cedeu ( ... )
cançou a região da Suécia e Noruega, do­ E como ele se mantinha na sua recusa, os penitentes voltaram ao monge Tetzel
minadas então pela Dinamarca. Em 1 523, e contaram-lhe como aquele monge agostinho lhes tinha recusado a absolvição
a Suécia rebelou-se contra o domínio dina­ apesar das cartas de indulgências ( . . . ) Ouvindo tal, ele (Tetzel) entrou numa vio­
marquês sob a liderança de Gustavo, que foi lenta cólera, lançou do seu púlpito invectivas e maldições e brandiu a ameaça
de morte pelos inquisidores que, nessa época, eram os dominicanos. A fim de
coroado primeiro rei da Suécia. Gustavo
inspirar o terror, fez acender, várias vezes na semana, fogueiras na praça do mer­
converteu-se ao luteranismo e apossou-se dos cado, inculcando assim que detinha, do papa, o poder de queimar os heréticos
bens da Igreja. O catolicismo praticamente que quisessem opor-se às santas indulgências concedidas pelo chefe da Igreja.
desapareceu do país. (Frederico Myconius, História da &forma in Gustavo de Freitas, op. cit.)

Outro movimento da Reforma: Calvinismo Acima, um testemunho de como as pes­


soas foram alertadas por Lutero da não
validade das indulgências.
João Calvino era um estudioso de leis formado pela Universidade de Paris. Impreg­
nado pelas idéias humanistas, aderiu ao movimento da Reforma. Mas Paris vivia dias
de agitação, pois os católicos franceses iniciaram feroz perseguição aos que se mostras­
sem simpáticos às idéias de Lutero. Calvino, por essa razão, foi obrigado a fugir para
Genebra, na Suíça. Foi aí que definiu seus conceitos religiosos e os publicou em 1 536,
sob o título de Instituições da Religiiío Cristã.
As idéias de Calvino se difundiram com certa facilidade entre os burgueses de Gene­
bra e em pouco tempo a cidade caiu no poder de Calvino, que a governou com mão
de ferro até a morte. Todas as leis eram formuladas por uma congregação do clero
e a moral pública e particular era rigidamente controlada. Os divertimentos eram pra­
ticamente proibidos. Os seguidores da doutrina calvinista deveriam somente preocupar-se
com o trabalho. Essa doutrina adequava-se perfeitamente a uma classe que pretendia
acumular riquezas e não gastá-la.
O calvinismo difundiu-se por várias regiões da Europa, principalmente na Escócia,
onde se transformou em religião oficial, aproveitada pela nobreza escocesa para se apo­
derar. das terras que a Igreja possuía na região. O calvinismo na Escócia recebeu o no­
me de presbiterianismo.
O calvinismo difundiu-se também na França, junto às camadas ligadas ao comércio
e ao artesanato. Além disso, uma parte da nobreza francesa também aderiu ao calvinis­
mo como forma de lutar contra o poder centralizador do rei, que era católico. Na França,
o calvinismo foi duramente perseguido.

A Reforma na Inglaterra: o Anglicanismo


Vimos anteriormente que a dinastia dos Tudor centralizou o poder real na Inglater­
ra. Henrique VIII, filho de Henrique VII, pretendia continuar a política de centraliza­
ção iniciada pelo pai, mas encontrava cada vez mais oposição por parte de um setor
da nobreza e principalmente da Igreja Católica.
Inicialmente, Henrique VIII condenou o movimento Reformista. No entanto, no ano
de 1533, pediu ao papa a anulação de seu casamento e, como o papa recusasse, Henri­
que VIII aproveitou o pretexto para romper com a Igreja Católica. Aparentemente o
casamento foi o motivo do rompimento entre o governo inglês e a Igreja Católica; no
entanto, as razões eram mais profundas. <(
U)
Rompendo com a Igreja, Henrique eliminava um poderoso obstáculo aos seu proje­ o
(!)
tos de aumentar o poder da monarquia. O Parlamento inglês, que apoiou a atitude ::i
UJ
do rei, aprovou em 1534 o Ato de Supremacia, que mantinha a Igreja sob a autorida­ a::
de do rei. Nascia, dessa form&, uma Igreja Nacional, independente de Roma - a Igre­ <(
::2:
ja Anglicana. a:
o
Todas as propriedades da Igreja Católica passaram para o Estado ou para as famílias u..
w
nobres que apoiavam o rei. As terras da nobreza inglesa cresceram em tamanho, facili­ cr
-
tando ainda maJ.s a expansão da criação de ovelhas e aumentando a força econômica
dessa classe. 73
Em 1 534, Henrique VIII obrigou o Parla­ A Igreja Anglicana funcionava como a Católica, só que não reconhecia a autori­
mento a aprovar o "Ato de Supremacia" que dade do papa. Nisso havia uma diferença entre o luteranismo e o anglicanismo, pois
confirmava o soberano como chefe supremo
os luteranos aboliram praticamente todos os títulos da Igreja Católica. Como nem
da igreja anglicana. Thomas More, ftlósofo
e humanista, chanceler do reino, não acei­ católicos nem protestantes concordavam com essa situação, o rei passou a perseguir
tou a atitude do rei, foi preso e executado. O os dois.
mesmo aconteceu com os outros pensado­ Durante o governo dos sucessores de Henrique VIII a confusão foi instaurada
res que haviam se mantido fiés à Igreja Ca­
até que subisse ao trono a rainha Isabel !, que oficializou o anglicanismo inglês em
tólica assim como àqueles que haviam se
convertido ao luteranismo.
1558.

Dois dias depois seguiu-se a exe­


cução de seis doutores, dos quais
Contra-Reforma: a Igreja Católica reage
três foram enforcados ( ... ) acusa­
dos de ter outrora falado a favor A Igreja Católica sentia-se bastante enfraquecida. A Inglaterra já não era mais católi­
do papa ( ... ) Os três outros foram ca. Grande parte da Alemanha havia se convertido ao luteranismo. Sua autoridade es­
que1mados como heréticos (lutera­ tava sendo posta em cheque também na França, na Holanda e na Boêmia
nos) ( . . . ), tendo sido maravilhoso (Tchecoslováquia) . Foi analisando esse quadro que os papas resolveram reagir para im­
ver morrer no mesmo dia e hora
pedir que a Reforma se expandisse ainda mais. Essa reação ficou conhecida na História
aqueles que aderiam a dois parti­
dos contrários ( . . . ) como Contra-Reforma, ou Reforma Católica.
l Charles de Marillac, Correspondência Uma das primeiras armas utilizadas pela Igreja Católica foi a restauração do poder
in Gustavo de Freitas, op. cit . ) do antigo tribunal da Santa Inquisição, que havia sido esquecido na Idade Média.
Pelo Tribunal seriam julgados todos aqueles que fossem suspeitos de difundir novas
idéias religiosas, ou seja, o protestantismo. A vida de um protestante num país católico
se tomava impossível.
E m 1 542 é reorganizado o Santo Tribunal Além do Tribunal do Santo Ofício, como era conhecida a Inquisição, a Igreja criou
da Santa Inquisição. João Pedro Carafa, no­ o Index Librornm Proibitornm, uma lista dos livros considerados proibidos para um ca­
meado organizador da Inquisição, foi mais tólico.
tarde o Papa Paulo IV ( 15 55- 15 59). Pela lei­
O Concílio de Trento, reunido desde o ano de 1545, formulou programas de novas
tura do texto compreende-se bem o poder
da Inquisição e o temor que infligiu aos in­ formas de combater o protestantismo, tentando defmir com clareza a doutrina cató­
divíduos daquela época. lica. Para isso, os padres deveriam estudar
o catolicismo a fundo, coisa que não ocor­
ria anteriormente.
(. . . )demos ao nosso bem amado filho João Carafa(. .. ), inquisidores gerais, jurisdição Papas como Paulo 11, Paulo 111 e Pio IV,
sobre toda a cristandade, compreendendo a Itália e a Cúria romana. Por meio da In­ que iniciaram o movimento da Contra­
quisição, eles deverão procurar todos aqueles que se afastam da via do Senhor e da
Reforma, saíram com o poder bastante for­
fé católica, assim como os suspeitos de heresia, com seus discípulos e seus cúmplices
( ... ) Os culpados e os suspeitos serão presos e processados até que seja pronunciada talecido. E a Igreja foi reforçada com o sur­
a sentença final. Os que forem reconhecidos culpados serão punidos com os castigos gimento de novas ordens religiosas. Uma
canônicos. Os bens dos condenados à morte serão vendidos. Os inquisidores pode­ dessas ordens foi a famosa Companhia de
rão recorrer à ajuda civil para executar as medidas decididas. Aquele que entravar Jesus, fundada por Inácio de Loyola em
a boo execução destas medidas inocrrerá na indignação de Deus Tcx:lo-Poderoso e dos
santos apóstolos Pedro e Paulo.
1534. Nascia assim a ordem dos jesuítas, co­
( Actas Pontificiils in Gustavo de Freitas, op. cit.) mo ficaram conhecidos seus integrantes. Os
jesuítas se organizavam como um exército.
A disciplina era rigorosa e todos eram obri­
gados a prestar j uramento ao superior, co­
nhecido como Geral.
A Companhia de Jesus fortaleceu o catolicismo dentro dos países que perma­
neceram fiéis à Igreja Católica. Os jesuítas transformaram-se em educadores dos
filhos da nobreza, para mantê-los fiéis ao catolicismo. Foram também responsá­
veis pela catequização dos indígenas das colônias espanholas e portuguesas na
América.
A Contra-Reforma estava acontecendo no mesmo momento em que as monarquias
nacionais se fortaleciam cada vez mais. A Europa estava entrando na era do abso­
lutismo.

<(
(/) Exercícios
o
(.!) l .(FUVEST-SP) Alguns historiadores admitem a conexão entre o calvinismo e o
:::i
UJ
a: desenvolvimento do capitalismo a partir do século XVI. Indique dois aspectos dessa
<( conexão.
:2
a:
o
u.. 2 .Qual dos fatores abaixo não pode ser considerado como tendo estimulado o movi-
LU ·

a: mento reformista.
- a) O conflito entre a doutrina católica e os interesses burgueses na procura do lucro.
74 b) O interesse dos nobres em se apropriarem das terras da Igreja.
c) A convocação do Gmcílio de Trento em 1545. O texto abaixo salienta algumas disposições
d) O conflito entre o poder nacional do rei e o universalismo católico de origem me· dogmáti::as que foram consideradas funda­
dieval. mentais pelos católicos.

e) O desprestígio da Igreja motivado pelos abusos cometidos pelo clero: venda de in­
du1gências, venda de cargos eclesiásticos. venda de relíquias, ostentação de luxo e Se alguém diz que o ímpio se j ustifi­
ca unicamente pela fé, de tal modo
riqueza. que entenda que nada mais é preci­
so para cooperar com a graça com o

3.Assinale a alternativa correta. fim de obter a justificação, e que


a) A doutrina calvinista estava de acordo com os interesses da nova classe burguesa. nao é necessário que se prepare e
se disponha por um movimento da
b) Henrique VIII foi o grande reformador religioso na Alemanha.
sua própria vontade , - que seja ex­
c) Lutero forneceu através de sua doutrina religiosa um instrumento para a revolta comungado. ( ... ) Se alguém diz que
camponesa de 1525. os sacramentos da nova Lei nao fo­
d) Os calvinistas, na Inglaterra, eram denominados de huguenotes. ram todos instituídos por Nosso Se­
e) O ponto central da doutrina calvinista era a salvação pela fé. nhor Jesus Cristo, ou que há mais
ou menos de sete (para Lutero eram
três, e para Calvino dois), a saber: o
4. Quais foram as idéias básicas de Lutero? baptismo, a confirmaçao, a eucaris­
tia, a penitência, a extrema-unçao, a
5. Quais as razões da Q)ntra-Reforma Católica? ordem e o casamento; ou que algum
destes sete não é própria e verda­
deiramente um sacramento , - que
seja excomungado. ( ... ) Se alguém
Respostas comentadas diz que todos os cristaos têm o po­
der de anunciar a palavra (de Deus)
1 . A teoria calvinista era extremamente rigorosa: exaltava o trabalho e a poupança e con­ (quase todas as seitas protestantes o
diziam) e de administrar os sacra­
denava o lazer e o luxo. O sucesso profissional e a vida piedosa e simples eram ' 'sinais de mentos , -que seja excomungado.
Deus''. Q)nseqüentemente, o calvinismo se adequava perfeitamente aos ideais dos bur­ (A. Michel, Os Decretos de Concílio de
gueses preocupados com o lucro e a acumu1ação condenados pela Igreja Católica. Trento in Gustavo de Freitas, op. cit.)

2. As alternativas a, b, d e e expõem fatores que estimu1aram o movimento reformista.


A alternativa c menciona o Q)ncílio de Trento, que faz parte da Q)ntra-Reforma. Nesse
concílio foram definidas as medidas para combater a expansão da Reforma e a reformula­
ção da própria Igreja Católica.

3. A única alternativa correta é a a. As demais apresentam reformadores importantes mas


sempre relacionados a atos ou pensamentos indevidos.

4. Para Lutero as obras da Igreja - os jejuns; perigrinações e os sacramentos - não sal­


variam os fiéis. A única coisa que poderia salvar o homem seria a fé. Não havia necessida­
de de intermediários entre Deus e os homens; no luteranismo os sacerdotes perderam sua
função, a Igreja não era mais a intérprete das palavras de Deus, os homens poderiam in­
terpretar as Sagradas Escrituras, este era o princípio do livre-exame.

S. A Igreja Católica havia perdido grande parte de sua influência com a expansão
do movimento reformista, em especial a Alemanha (Sacro Império Romano Germâ­
nico), principal área dos interesses econômicos da Igreja. A Contra-Reforma tam­
bém teve razões internas, pois desde o século XV já existia dentro da Igreja um
movimento de regeneração da vida espiritual.

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75
ABSOLUTISMO E
MERCANTILISMO
A monarquia absolutista na França
Vimos que durante a Guerra dos Cem Anos a monarquia fortaleceu-se na França,
para lutar contra facções da nobreza e contra os ingleses. Depois da guerra, o forta­
lecimento do poder real prosseguiu, mas ainda no começo do século XVI havia muita
resistência para que o rei se tornasse um monarca absoluto.
Das várias regiões ainda dominadas inteiramente pela nobreza feudal, uma ofere­
cia particular resistência às tentativas de centralização: era a região de Navarra, con­
trolada pela família Bourbon. No entanto, o rei francês ia, pouco a pouco, tomando
posse de outros pequenos feudos que não ofereciam resistência.
Para administrar o território que ia sendo anexado, o rei criou vários organismos
Em 1 547 é instituído na França um tri­ burocráticos. Havia um corpo de funcionários (Conselho do Rei) que auxiliava o
bunal ( Inquisição) para julgar e con­ rei diretamente nas questões financeiras, políticas e judiciárias. Mas o poder real
denar os calvinistas (huguenotes) . ganhou nova força nos reinados de Francisco I e Henrique II.
Francisco I reinou entre os anos de 1 5 1 5 e 1 547. Era um estudioso e amigo dos
humanistas, deu acolhida a Leonardo da Vinci e protegeu as artes. Essa posição
ajudou-o a elaborar planos mais seguros para centralizar o poder político. Foi ele
quem instituiu o usodo termo majestade,para aumentar seu prestígio diante da po­
pulação e da nobreza. E ao mesmo tempo que conseguia se apossar de grande parte
dos territórios dos Bourbon (Navarra) , Francisco I diminuiu o poder da Igreja atra­
3 de Setembro de 1 548. Visto pelo vés da Concordata de Bolonha (1516).
Tribunal o processo criminal ( . . . ) A s atividades econômicas iam sendo controladas pelo rei, principalmente no que
contra Jeanne Taffignon, Jacques
Royer, oleiro de estanho, Simon se refere às navegações. Francisco I foi o monarca que impulsionou a França na
Maréchal, sapateiro, Jacques direção de conquistas de territórios na América, entrando em choque, é claro, com
Bourclot, alfageme, Guillaurne os portugueses e espanhóis.
Michau, ourives (e suas mulhe· O setor que pagava grandes somas de impostos ao rei era a burguesia, mas era essa
res), todos presos na cadeia do
mesma burguesia que se beneficiava com as medidas do absolutismo, adquirindo, por
Palácio, por razão dos casos e cri-
mes de blasfêmias heréticas, refe· exemplo, concessões de monopólio para as mais variadas atividades econômicas. Du­
rentes a urna espécie de idolatria, rante todo o reinado de Henrique 11 (1547 a 1 559) o processo de centralização prosse­
reuniões sediciosas ocultas, mal­ guiu nos caminhos iniciados por Francisco I. No entanto, áepois da morte de Henrique
ditos e réprobos, e de atos con- 11, a monarquia foi abalada pelas chamadas guerras de religião.
trários à Santa Fé católica ( . . . )
Para reparaçao dos ditos casos e
o
:::2:
crimes muito perniciosos e escan­ As guerras de religião
cn
dalosos, o dito tribunal condenou
::J e condena os ditos presos a ser A monarquia francesa teve seu poder abalado por mais de trinta anos de guerra.
i= conduzidos em carroças das pri­
z A luta entre católicos e protestantes não era simplesmente uma guerra de religião,
<( sões de Langres ao grande merca­
u do e lugar público ( ... ) e no dito pois escondia uma violenta luta pelo poder.
. a:
LU lugar serão subidos a patíbulos Durante o reinado de Francisco 11 ( 1559 a 1 560), os membros da família católica
� ( . . . ) em redor dos quais será feita e nobre dos Guise agiram como se fossem os verdadeiros reis da França. Uma parte
LU uma grande fogueira e nela o dito da nobreza que havia se convertido ao protestantismo (huguenotes, na França) apro­

cn
Taflignon será queimado vivo (. . . )
os outros estrangulados nas ditas veitou o momento para frear-lhes as ambições. Uma das principais famílias

§;
...J
forcas e depois os seus corpos,
juntamente com os livros encon-
que se opunham ao poder dos Guise eram os Bourbon (nobres de Navarra).
A luta teve episódios sangrentos como o Massacre de Vassy em 1 562 e a Noite de
� Irados na sua posse, deitados à São Bartolomeu em agosto de 1 572, onde mais de dois mil protestantes foram mortos.
� dita fogueira e queimados. ( . . . )
Três grupos políticos se batiam nessa guerra: o do rei, que agora era Henrique III, o dos
- Guise, que queria tomar o trono a qualquer custo, e o dos huguenotes, liderados por Hen­
(Registros do Parlamento de Paris, in
76 Gustavo de Freitas, op. cir.) rique de Bourbon, que por relações de parentesco passou a ter o direito ao trono da França.
A situação ficou ainda mais confusa quando, em 1579, o rei Henrique III, ao mor­
rer, reconheceu como legítimo herdeiro do trono Henrique de Bourbon, o líder pro­
testante de Navarra. Isso significava que Henrique de Bourbon era rei de direito da
França, mas uma grande parte dos súditos não reconhecia sua autoridade. Por isso,
em 1 593, depois de vencer seus adversários no campo de batalha, Henrique IV
converteu-se ao catolicismo para ser reconhecido como rei da França. Para conse­
guir a paz no reino, promulga o Edito de Nantes que concedia liberdade de culto
aos huguenotes.
Foi com Henrique IV que as bases do poder absoluto foram estabelecidas. Esse
poder foi ampliado ainda mais com Luís XIII e, principalmente, com o famoso Luís
XIV. Alguns anos após assumir o poder, Luís XIII nomeou, no ano de 1624, um
cardeal de nome Richelieu para o cargo de primeiro-ministro. Desse momento em
diante a figura do cardeal Richelieu se confundiu com a própria figura do rei, tama­
nha era sua autoridade.
Se os protestantes gozavam de relativa liberdade durante o reinado de Henrique
IV, Richelieu compreendeu que essa liberdade representava uma forma de se opor
à autoridade do rei. Por isso revogou parte dos privilégios concedidos pelo Edito
de Nantes e perseguiu implacavelmente os nobres protestantes.
Para tudo isso Richelieu precisava de dinheiro e esse dinheiro ele obtinha estimu­
lando as companhias de comércio e navegação, associando-se à burguesia e aumen­
tando o número das colônias francesas.
Na política externa, Richelieu tentou sempre impedir que o poder do Sacro Im­
pério Germânico (Alemanha) aumentasse e, para isso, auxiliava os nobres protes­
tantes alemães que lutavam contra o imperador.
Em 1 642 e 1643 morreram, respectivamente, Richelieu e Luís XIII. O herdeiro
do rei, Luís XIV, ainda era menor de idade; por isso, alguns nobres tentaram apro­
veitar a oportunidade para readquirir seus direitos perdidos.

O reinado de Luís XIV


Enquanto o rei era menor de idade, o governo ficou nas mãos da rainha-mãe e
seu primeiro-ministro, o cardeal Mazzarino, seguidor da política de Richelieu. Maz­ Pelo comentário feito pelo próprio Colben
zarino teve que aumentar os impostos para fazer frente às crescentes despesas, neste documentn podemos notar a preocu·
tomando-se antipático à maioria dos habitantes. A burguesia de Paris não queria pação com que o ministro concede privi­
aceitar a autoridade do primeiro-ministro e a nobreza aproveitou o momento de ins­ légios a um grupo manuiàtureiro de tecidos
de seda, com a evasão das riquezas do reino.
tabilidade política e se rebelou.
Um dos principais meios para atingir es-
Foram quatro anos de guerra civil, na qual se defrontaram basicamente três cor­ ta finalidade (o bem-estar dos franceses)
rentes: a burguesia francesa, que não concordava com os impostos cobrados por é o estabelecimento de artes (ofícios) e
Mazzarino; o poder real, que com seu primeiro-ministro queria restaurar o poder manufaturas, com a esperança de que
central e a nobreza, que queria a qualquer custo recuperar seus antigos privilégios. proporcionem enriquecimento e pro­
gresso a este reino ( ... ) e a única forma
Depois de quatro anos de luta, o poder central, representado pelo ministro Mazza­ pela qual deixaremos de ter de mandar
rino, saiu vencedor. A burguesia, afmal, compreendeu que a aliança com o rei ab­ para fora do reino o ouro e a prata para
soluto só lhe traria benefícios. A nobreza refratária foi fmalmente dominada. enriquecer os nossos vizinhos ( ... ) (Faz
No ano de 1661, o ministro Mazzarino morreu e Luís XIV assumiu o poder total uma relação de nomes) ( ...) durante o di-
to tempo (12 anos) ninguém mais, na
da França. Ele dispensou a figura do primeiro-ministro, fato que lhe deu poderes
mencionada cidade de Paris, pode ter
pessoais superiores aos de qualquer outro monarca anterior. Começa assim o abso­ ou montar as ditas fábricas ( ... ) a fim de
lutismo "absoluto" de Luís XIV, chamado o Rei-Sol. ajudá-los no grande investimento neces­
Para manter a nobreza sob seu controle direto, Luís XIV cercou-se de uma corte sário a este estabelecimento, concede­
de mais de dez mil membros, bem como de um poderoso aparato burocrático, ne­ mos aos ditos industriais ( ... ) a soma de 0
180 000 libras ( . .. ) sorna esta que conser- :!E
cessário para manter a administração. Mas uma de suas bases mais importantes foi varão por 12 anos sem pagamentodeju- <n
a organização de um grande exército profissional, que garantia a autoridade do rei ros, e no fim desse devolver-nos-ao �
em todo o reino. somente 150 000 libras, e as 80 000 res- :z
Para aumentar ainda mais seu poder, Luís XIV proibiu o protestantismo, antes !antes lhes serãodadascomoprêmio( . . . ) cJ
permitido. Essa proibição obrigou mais de 1 50 mil pessoas a deixarem a França. (Privilégios concedidos a um grupo de ffi
industriais para montar urna manufac- :!E
Luís XIV submeteu a Igreja Católica, obrigando-a a pagar-lhe impostos. tura de tecidos de seda, ouro e prata, in w
A economia da França desenvolveu-se bastante durante o reinado de Luís XIV. Jourdan, Decrusy e lsambert. ((Coleção O
O responsável pela reestruturação da economia foi o ministro Colbert, que baseava Geral das Antigas Leis Francesas, in Gus- �
suas inovações na política mercantilista (que estudaremos mais adiante) . Colbert in­ tavo de Freitas, op. cit.) i=
:,:)
__.
centivava as indústrias de luxo na própria ;França, para impedir que a nobreza com­ o
prasse fora do país, escoando as riquezas nacionais. <n
CC
No entanto, a monarquia absolutista francesa sofria de um mal crônico: quanto mais <{

ela se enriquecia, mais recursos exigia para manter o aparelho burocrático, a corte e -

o exército. No fmal do século XVIII essa "doença" iria levar a França à revolução. 77
A monarquia absolutista na Inglaterra
Vimos que o poder central na Inglaterra se fortaleceu depois da Guerra dos Cem
Anos e principalmente depois da Guerra das Duas Rosas, que terminou em 1485
e marcou o início da dinastia Tudor e do estabelecimento do absolutismo inglês.
No ano de 1215, anobrezaaliadaàburgue­
A estrutura social e econômica da Inglaterra havia gerado uma camada de nobres
sia obrigou o rei João Sem-Terra a assinar
a Magna Carta que foi a origem do parla­ (gentry) que se dedicavam à criação de ovelhas, para exportação de lã. Os campone­
mentarismo inglês. A partir do século XIV ses, que viviam secularmente nas terras comunais, foram sendo expulsos pelos ba­
o Parlamento se dividiu em duas câmaras: rões salteadores (robber barons), que apoiados por leis do Parlamento começaram
a dos Lordes, que reunia os senhores feu­ a demarcar e cercar as terras ( enclosure acts). Os cercamentos que se proliferaram
dais, os bispos e grandes barões e a dos Co­
muns , que era composta pelos cavaleiros
por toda a área rural inglesa obrigou os camponeses a seguirem para as cidades, on­
dos condados e os burgueses das cidades. de constituirão a mão-de-obra necessária para manufatura nascente. Com as cercas
No texto abaixo, umtrechodaMagnaCarta desaparece a lavoura, o campo se transforma em imensas fazendas de criação dirigi­
pregando a liberdade dos nobres parlamen­ das pelos nobres, que mais se assemelhavam a homens de negócios.
tares diante da autoridade do rei.
Essa nova nobreza e a burguesia comercial apoiavam as medidas de Henrique VII,
o primeiro rei Tudor. O rei administrava
o país com ajuda de auxiliares diretos cha­
Nenhum homem livre será detido, preso ou privado dos seus bens, ou posto fora da
lei, ou exilado, ou lesado por qualquer maneira, e não iremos contra ele nem contra mados sheriffs. Um Tribunal de Seguran­
ele enviaremos ninguém, salvo em virtude de um julgamento legal por seus pares, ça Nacional (Câmara Estrelada) encar­
segundo a lei. do país. regava-se de controlar os nobres que se
A ninguém venderemos, recusaremos ou diferiremos o direito ou a justiça. Todos os
opunham à autoridade do rei.
mercadores poderão livre e seguramente sair de Inglaterra, aí vir e morar e aí pas­
sar, por terra ou por mar, para comprar e vender, sem ter de pagar más taxas, segun­ Havia, no entanto, um obstáculo à au­
do os antigos costumes, salvo em caso de guerra ( ... ) . toridade do rei: o Parlamento, que contro­
Instituímos e concedemos aos nossos barões a garantia seguinte: eles elegerão 25 lava as questões financeiras . Esse
barOes do reino, que lhes aprouverem, os quais deverao, com todo o seu poder, ob­ Parlamento era composto de duas Câma­
servar, manter e fazer observar a paz e as liberdades que nós concedemos e confir­
ras: a Câmara dos Lordes e a Câmara dos
mamos pela presente carta ( ... ) Se nós. ou algum dos nossos agentes tivermos
transgredido algum dos artigos desta paz e desta garantia e que isto tenha sido leva­ Comuns. Na Câmara dos Lordes estavam
do ao conhecimento de quatro dos vinte cinco sobreditos barOes, e se nll.o corrigir­ os representantes do alto clero e da alta no­
mos esse abuso, os quatro barOes levarão o caso em conhecimento dos outros barões, breza e na: Câmara dos Comuns, os repre­
e todos, com o comum do país inteiro, nos pressionarão por todos os meios possíveis,
sentantes da burguesia e os proprietários
ou seja, pela ocupação dos nossos castelos, das nossas terras, das nossas possessões,
e por todos os outros meios possíveis, até que o abuso seja corrigido segundo o seu rurais (gentry).
desejo ( . . . ). Quando Henrique VIII subiu ao trono,
(Mathieu Paris, Grande Crônica, in Gustavo de Freitas, op. cit.) o processo de centralização continuou. Du­
rante seu reinado houve o rompimento
com a Igreja Católica e a criação da Igreja Anglicana, como vimos no capítulo sobre
a Reforma, reforçando a autoridade do rei. Mas com a morte de Henrique VIII em
1 547 iniciou-se uma séria crise no processo de centralização.
O reinado de Eduardo VI, sucessor de Henrique, foi curto: 1 547 a 1 553. Durante
esse período o poder ficou nas mãos dos protestantes. Mas com a morte do rei o
trono foi ocupado por Maria Tudor (casada com Felipe II da Espanha); católica
fanática, moveu dura perseguição aos protestantes. Praticamente toda a Inglaterra
repudiou o governo de Maria, pois a Espanha era tradicional inimiga e concorrente
eles ingleses. Foi somente quando Maria Tudor morreu, em 1 558, que a Inglaterra
se fortaleceu com a subida de Isabel I .
.isabel (Elizabeth) compreendeu que a melhor forma de restaurar a abalada autorida­
de da monarquia era resolver o problema religioso. Oficializou o anglicanismo como re­
ligião nacional: os dogmas seriam calvinistas enquanto a liturgia permaneceria católica.
Demonstrava com isso bastante habilidade política, agradando a católicos e protestantes.
Logo em seguida, cuidou de derrotar a Espanha: em 1 588, a chamada Invencível Ar­
mada de Felipe II era vencida. Isabel reordenou toda a economia inglesa no sentido
de fortalecer a monarquia. Incentivou a conquista de colônias, fundou companhias de
comércio e ajudou os empreendimentos artesanais. No governo de Isabel I foi fundada
a primeira colônia inglesa na América do Norte: Virgínia. Nesse período intensificou­
se também a pirataria inglesa, principalmente na figura de Francis Drake, que se apossou
LJ.J de numerosos navios espanhóis carregados de ouro e prata vindos da América. Duran­
o te o reinado de Isabel I a economia inglesa lançou as raízes da futura revolução indus­
:::2:
(/) trial. Em primeiro lugar, ampliaram-se as propriedades que se dedicavam à criação de
1- ovelhas e trigo, já com características capita:listas. E quanto mais cresciam as proprie­
::>
.....I
o daçles desse tipo, maior era o número de camponeses expulsos para as cidades. Esses
(/)
a::J pobres eram utilizados como mão-de-obra barata nas oficinas artesanais. ·
<( Foi durante o governo de Isabel I que o Parlamento se submeteu ao poder central.
-
Por isso o absolutismo de Isabel ficou conhecido como absolutismo disfarçado, pois
78 permitiu o funcionamento do Parlamento, embora de forma controlada.
Com a morte de Isabel abriu-se novamente uma crise que acabou gerando as famo­
sas revoluções inglesas do século XVII.

Os teóricos do absolutismo

Para justificar a existência do absolutismo surgiram várias teorias políticas. Na França,


o mais famoso foi Jacques Bousset: para ele o rei era o representante de Deus na terra No texto abaixo, Bossuet justifica o direi·
(direito divino dos reis). Por essa teoria, o rei não devia satisfação a ninguém, exceto to divino dos reis:
a Deus. Os homens deveriam obedecer cegamente ao rei, sem contestações.
r-____;______,;;.______________-,
Na Inglaterra, os fundamentos teóricos do
absolutismo ficaram a cargo de Thomas Três razões fazem ver que este governo (o da monarquia hereditária) é o melhor. A
primeira é que é o mais natural e ser perpétua por si próprio ( ... ) A segunda razAo
Hobbes, que escreveu 0 Leviatã. Em sua
( ... ) é que esse governo é o que interessa mais na conservaçl!o do Estado e dos pode·
teoria, O rei absoluto salvou os homens da res que o constituem: o príncipe, que trabalha para o seu Estado, trabalha para os
barbárie. E por isso, através de um contra- seus filhos, e o amor que tem pelo seu reino, confundido com o que tem pela sua fa-
to, os homens deveriam ceder o poder ao Es- mília, torna-se-lhe natural ( ... ) A terceira razl!o tira-se da dignidade das casas reais
( ... ) A inveja, que se tem naturalmente daqueles que estao acima de nós, torna-se
tado, encarnado na figura do monarca
aqui em amor e respeito; os próprios grandes obedecem sem repugnância a um.a fa­
absoluto. mília que sempre viram como superior e à qual se nao conhece outra que a possa
Os monarcas e dirigentes dos países ab- igualar ( ... ) O trono real nao é o trono de um homem, mas o trono do próprio Deus
solutistas estavam preocupados também ( ... ) Os reis ( ... ) sao deuses e participam de alguma maneira da independência divi-
com a organização e a teorização da econo- na. ( ... ) O rei vê de mais longe e de mais alto; deve acreditar-se que ele vê melhor,
e deve obedecer-se-lhe sem murmurar, pois o murmúrio é uma disposiçl!o para a
mia. Veremos agora 0 mercantilismo e sua
sediçao.
importância para O absolutismo· (Jacques-Bénigne Bousset, bispo de Meaux, Política tirada da Sagrada Escritura, in Gus­
tavo de Freitas, op. cit.)

A política econômica do absolutismo: o mercantilismo


Os responsáveis pela economia dos países absolutistas pensaram numa maneira de
manter seus respectivos países sempre com excedente de dinheiro em seus tesouros:
vender caro e comprar barato. Simplificadamente, esta era a base da economia mer­
cantilista.
Os governos dos países absolutistas intervinham na economia para fortalecer o pró­
prio Estado. A burguesia, que era a agente financeira das atividades econômicas, se
fortalecia com a "ajuda" que o Estado dava à economia. Para aumentar a riqueza de
um país, os mercantilistas pensaram em várias soluções: aumentar a quantidade de No século XVI e XVII numerosos bandos
ouro e prata nos cofres do Estado. Essa prática, conhecida como metalismo, implicava de mendigos vagavam llUlto pelos campos
medidas protecionistas, isto é, deveria ser impedida a saída de metais preciosos do como pelas cidades da França, Inglaterra e

país. Ao mesmo tempo deveria ser incentivada a entrada desses mesmos metais. E co­ Holanda. Expulsos dos campos, sem em­
prego nas cidades, esses indivíduos deser­
mo fazer isso? Vendendo caro e comprando barato. Por isso as colônias eram impor­ dados comtitufam um grave problema social.
tantes, pois poderiam fornecer metais preciosos e outros produtos a preços Algumas vezes eram simplesmente chacina­
baixíssimos. Conquistar colônias; não s6 conquistar, mas garantir que a colônia fome­ dos pelos homens de bem que organizavam
cesse mercadorias a preços quase de graça para as metrópoles e comprasse produtos expedições de caça, outras vezes eram inter­
nados em lugares que na França se chama­
das metrópoles a preços caros. Essa relação metrópole-colônia ficou conhecida como
vam hospitais gerais. No texto abaixo, um
pacto-colonial. testemunm da época descreve a situação des­
A política mercantilista das monarquias absolutas propiciou a acumulação de capital sas pessoas .
e riquezas nas mãos de uma classe que se tomava cada vez mais forte e rica. Essa clas­
se, a burguesia, juntamente com os Estados absolutistas, acumularam essa riqueza
Mas nao devemos esquecer outra
graças à exploração das colônias e do trabalho de milhares de camponeses e trabalha­ espécie ( . . . ) composta por aqueles
dores que, na Europa, forneciam os produtos para serem consumidos por mercados que ( . . . ), embora sãos, fingem to- O
crescentes. das as espécies de doenças.� . . . ) �
ladroes e parasitas da comunida- �
No entanto, com o passar do tempo, essa burguesia começou a perceber que a asso­
ciação com o Estado absolutista poderia também limitar suas atividades. Aos poucos
de ( . . . ) Há uns 60 anos que esta
gente apareceu: mas facilmente

<(
se prenunciava um rompimento entre o Estado absoluto e a burguesia. Isso ocorreu se pode ver que o seu número au- �
w
pela primeira vez na Inglaterra, no século XVII. mentou consideravelmente e
:a;
cuida-se que hoje são mais de
w
dez mil ( . . . ) Inventaram uma !in-
0
guagem que lhes é própria e a :a;
Exercícios que chamam calao ou "francês do cn
vagabundo", que data de há uns �
1 . (FUVEST-SP) "O Estado sou eu". Esta frase do rei francês Luís XIV indicava uma trinta anos e se compOe de inglês cS
e de muitas palavras de sua pró·
particular organização do Estado moderno. Qual era essa particular organização?
pria invençl!o, que só eles com-

Dê duas de suas características. <(
preendem.
-
(William Harrison, Descrição da Ingla­
2. Quanto à implantação do absolutismo na França podemos afirmar: terra, in Gustavo de Freitas, op. cit.) 79
a) O fortalecimento do poder real só ocorreu com a subida ao trono do rei Luís XIV .
b) A ação política do cardeal Richelieu contribuiu decisivamente para o fortalecimento
do poder real na França.
c) Henrique IV de Bourbon agravou a questão religiosa francesa movendo tenaz per­
seguição aos protestantes.
d) Francisco I teve uma relação conflituosa com os representantes do Renascimento,
o que atrapalhou os seus planos de centralização do poder.
e) Todas as alternativas estão corretas.

3. Em relação ao absolutismo inglês é incorreto afirmar que:


a) A dinastia Tudor marcou um dos momentos mais acentuados do absolutismo inglês.
b)0 reinado de Elizabeth I distingue-se por um grande desenvolvimento econômico
da burguesia inglesa.
c) Henrique VIII fortaleceu ainda mais o poder real ao romper com a Igreja Católica
e criando uma Igreja Nacional.
d) A Guerra dos Cem Anos e a Guerra das Duas Rosas contribuíram para a afirmação
do poder real na Inglaterra.
e) Maria Tudor destacou-se como a grande defensora das idéias protestantes na Inglaterra.

4. Sobre a política econômica mercantilista podemos afirmar que:


a) A acumulação de metais preciosos nos cofres do Estado era um dos objetivos do
sistema mercantilista.
b) A manutenção de colônias era importante para a política mercantilista porque
garantia fornecimento de produtos a baixos preços e mercado consumidor para os
produtos da metrópole.
c) Os objetivos mercantilistas de Colbert, ministro de Luís XIV, estimularam a pro­
dução de manufaturados de luxo na França.
d) A política favorável, ou seja, o valor das exportações deveria superar em muito
o valor das importações .
e) Todas as alternativas estão corretas.

S. Quais as medidas tomadas por Richelieu no sentido de aumentar o poder da mo­


narquia?

6. Explique as contradições inerentes à monarquia francesa.

Respostas comentadas

1 . Essa forma de organização política é o Estado absolutista: todo poder está nas
mãos do rei. O Estado absolutista se caracteriza pela necessidade de um grande apa­
relho burocrático e militar que execute as ordens do rei. A nível econômico, esse
Estado adotava uma política de extrema intervenção nas atividades produtivas e co­
merciais.
2. A alternativa correta é a b que se refere à atuação política de Richelieu. As de­
mais contêm informações falsas, seja por questões cronológicas como a a ou se­
ja atribuindo ações opostas àquelas efetivamente realizadas pelos reis Hertrique IV
e Francisco I.
3. Todas as alternativas com exceção da e mencionam acontecimentos históricos ver­
dadeiros . Apenas a última alternativa á incorreta, pois Maria Tudor perseguiu vio­
lentamente os protestantes.
4. Todas as afirmações contidas nas alternativas caracterizam de maneira correta
o mercantilismo. Portanto , é certa a alternativa e .
S. Todos o s objetivos de Richelieu estavam voltados para aumentar a autoridade real
e transformar a França em uma grande potência. Por isso reprime violentamente
os nobres e os huguenotes. Externamente, o cardeal interferiu na Guerra dos Trinta
Anos para garantir os interesses da França.
6. A monarquia para se manter tinha necessidade de um grande aparato burocráti­
co, de uma faustosa corte e uni poderoso exército. No entanto, para manter todas
-
essas instituições havia necessidade de muitos recursos que, a longo prazo, tendiam
80 a esgotar-se.
,.,

REVOfUÇOES INGLESAS
DO SECULO XVII
A Inglaterra encontrava-se em grande prosperidade econômica no ano de 1603,
quando morreu Isabel I. A lã produzida nas "fazendas" dos nobres aburguesados
alimentava um crescente artesanato têxtil que tornava a burguesia mercantil cada
vez mais rica. Os piratas ingleses enriqueciam o tesouro do Estado assaltando os
galeões espanhóis carregados de ouro e prata. A política mercantilista da monarquia
absolutista atendia perfeitamente aos interesses da burguesia que monopolizava o
comércio internacional.
Mas a Inglaterra não comercializava apenas as peças de lã produzidas pelos teares
das pequenas e médias oficinas. Também eram fabricados e comercializados produ­
tos de ferro, anunciando a Revolução Industrial que aconteceria quase dois séculos
depois.
A política mercantilista da Coroa beneficiava parte da burguesia, mas deixava um
pouco marginalizado aquele setor da burguesia dedicado à produção e ao comércio
de bens para o mercado interno, que gerava menores lucros. As velhas regras das
corporações, por outro lado, impediam o desenvolvimento de novas técnicas de pro­
dução, que pudessem propiciar maior lucratividade. Assim, essa burguesia depen­
dente do mercado interno começou a reivindicar a diminuição dos privilégios da
alta burguesia. Era grande a tensão entre as diversas facções da burguesia.
Ao mesmo tempo, era também grave a situação dos camponeses que, como vi­
mos, a cada dia perdiam suas terras e eram expulsos para as cidades. Muitos desses
camponeses começaram a resistir. A situação de tensão social foi ficando mais grave
durante o governo absolutista dos Stuart .
A dinastia do Stuart substituiu a dinastia dos Tudor no governo da lnglagerra
depois de 1603. O primeiro rei dessa dinastia foi Jaime I, adepto do absolutismo
total, do tipo francês. Por isso aumentou a participação do Estado nas grandes com­
panhias de comércio e manufatureiras, diminuindo os lucros da burguesia. Ao mes­
mo tempo, o rei entrou em choque com o P arlamento, fechando-o por sete anos.
Jaime Stuart pretendia com isso demonstrar sua força. Mas ele se esquecia de uma
coisa importante: a monarquia inglesa, ao contrário da francesa, ainda não possuía
um exército forte e profissional para ajudá-la.
Além dos problemas econômicos, impunha-se a questão religiosa, já que havia
vários grupos religiosos em conflito: >
X
• os católicos eram um pequeno grupo que tendia a desaparecer; o
-I
• os calvinistas eram formados pelos setores pobres e pela pequena burguesia; :::>
• os quackers ou puritanos eram um ramo mais radical do calvinismo; As pretensões absolutistas de Carlos I não -�
• os anglicanos constituíam a nobreza palaciana e a alta burguesia ligada às com­
foram bem acolhidas pelo Parlamento. V>

panhias de comércio e aos interesses nas colônias.


Ao tentar impor uma política de emprés- g
timos forçados , encarceramento e puni- V>
De modo geral, os calvinistas - tanto os quackers como os mais moderados - ção aos que se recusavam a pagar, o �
se opunham ao anglicanismo por várias razões. Em primeiro lugar, os puritanos ti­ Parlamento impôs ao rei a Petição de Di- �
nham uma vida bastante simples e austera, enquanto o anglicanismo oficial da corte reitos (Bill of Rights, ) em 1628 . Esse do- <.!J
cumento era uma reafirmação dos itens z
era suntuoso. Para os puritanos isso representava gastos supérfluos que deveriam
que constavam na Magna Carta e que re­ V> UJ
ser evitados, pois Calvino sempre incentivara a austeridade e a poupança individual sumidamente são os seguintes: •O
como forma de se obter a graça divina. Pouco a pouco os calvinistas, moderados • eram ilegais os impostos que não fos­

:::>
-I
e puritanos, elegeram vários representantes para o P arlamento. A oposição ao abso­ sem aprovados pelo Parlamento;
o
• proibia-se a convocação de soldados >
lutismo crescia. A situação piorou quando, em 1625, Carlos I subiu ao trono e assu­ UJ
pelo rei; a:
miu uma posição ainda mais autoritária que seu antecessor.
• proibiam-se as prisões arbitrárias; -
Os conflitos entre o rei e o P arlamento se agravaram porque Carlos I interveio • proibia-se a aplicação de lei marcial em
nos conflitos religiosos da França e saiu derrotado. O P arlamento recusou-se a tempo de paz. 81
aprovar os pedidos do rei para aumentar as verbas destinadas à campanha mi·
litar, e CarlosI fechou o Parlamento, que assim permaneceu até 1 628.
Ao mesmo tempo, a monarquia perseguia os puritanos mais radicais, obrigan­
do-os a fugir para as colônias da América do Norte. Apesar das tensões, a mo­
narquia estava conseguindo dominar a situação até que o governo inglês tentou
obrigar os escoceses a adotarem a religião anglicana. Esse fato provocou a guer­
ra civil.

Guerra civil: o rei contra o Parlamento


A Escócia, que fazia parte dos domínios da monarquia inglesa, havia adotado o
presbiterianismo calvinista como religião oficial. Para afirmar sua autoridade,
Carlos I tentou impor o anglicanismo aos escoceses. Quando isso aconteceu, em
1 637, os escoceses se rebelaram e formaram um exército para invadir a Inglaterra.
O Parlamento foi convocado às pressas por Carlos I. Ele precisava de dinheiro
para organizar um exército e enfrentar os escoceses rebeldes. O Parlamento apro­
veitou a oportunidade para fazer algumas exigências ao rei. Percebendo que não
conseguiria chegar a um acordo, Carlos I dis�olve o Parlamento (Parlamento Cur­
to). Mas, sem alternativas, convoca novamente os parlamentares, em 1640 (Parla­
mento Longo). O Parlamento não atende às exigências de Carlos I, mas aprova uma
série de medidas que retiravam alguns poderes do rei: abolição de vários impos­
tos, convocação automática do Parlamento se o rei se negasse a fazê-lo por três anos
e proibição de dissolução do Parlamento sem seu próprio consentimento.
A guerra tornou-se inevitável; no início, a rebelião restringiu-se apenas ao âmbito
do Parlamento, mas logo se estendeu, ganhando o caráter de guerra civil. O Parla­
mento organizou um exército de puritanos (camponeses e pequenos proprietários,
com apoio da burguesia londrina) sob a liderança de Oliver Cromwell. Os soldados
de Cromwell, conhecidos por cabeças redondas (por não usarem perucas) vence­
ram rapidamente as forças da realeza (batalha fmal de Naseby, em 1646).
O rei caiu prisioneiro e, no ano de 1649, foi executado. A monarquia foi temporaria­
mente extinta na Inglaterra. Nascia a República Puritana, sob a chefia de Oliver Cromwell.

Da República de Cromwell à Revolução Gloriosa


O governo de Cromwell caracterizou-se pela austeridade, típica do puritanismo.
O líder impôs um tipo de governo bastante -pessoal, uma verdadeira ditadura. Em­
bora o Parlamento continuasse funcionando, somente eram aprovadas as medidas
que interessassem à burguesia puritana, liderada por Cromwell.
Durante o período republicano foram estabelecidos os Atos de Navegação, em
1 65 1 , pelos quais todo transporte de mercadorias para a Inglaterra só poderia ser
feito por navios ingleses. Era uma política típica do mercantilismo, que visava pro­
Os Atos de Navegação foram peças fun­ teger a economia inglesa, impedindo a saída de moedas pelo pagamento de fretes.
damentais da política mercantilista ingle­ Esse foi um dos fatores que incentivou o crescimento da marinha inglesa. A Ingla­
sa. O prirQ.eiro promulgado por Cromwell terra foi se transformando aos poucos em senhora dos mares.
em 1 65 1 , concedia o monopólio do trans­ Até o ano de 1658, quando morreu, Cromwell governou a Inglaterra e as provín­
porte de mercadorias à marinha mercante
cias (Escócia, Irlanda) com mão de ferro. As tentativas de independência por parte
inglesa. O segundo Ato, de 1660, refor-
> çava esse monopólio e especificava que dessas províncias foram duramente reprimidas. Por essa razão ele recebeu o título
x os navios ingleses só poderiam ser co­ de Lorde Protetor da Comunidade Britãnica (união de províncias sob o domínio
O mandados por capitães ingleses. Essa da Inglaterra) .
5 proteção à marinha mercante permitiu Quando Cromwell morreu não havia esquema de sucessão. Por causa de sua polí­
-� que a Inglaterra em alguns anos derro­
cn tasse a Holanda, sua principal rival nos tica repressiva, seus próprios generais, temendo uma nova época de revoltas, prefe­
o mares, e se transformasse na maior po- riram restaurar a monarquia. Isso aconteceu em 1 660 e a dinastia dos Stuart
0
cn
tência marítima. voltou ao poder, com Carlos II.
.< Logo de início o rei Carlos II mostrou ser adepto das idéias absolutistas. Para
cn
LU controlar as possíveis conseqüências des­
-'
(!) sa tendência, o Parlamento procurou
z Para o progresso do armamento marítimo e da navegação, que sob a boa provi­
cn dência e proteção divina interessam tanto à prosperidade, à segurança e ao po­ cercar-se de garantias. Para manter a in­
LU
o derio deste Reino ( ... ) nenhuma mercadoria será importada ou exportada dos dependência do cidadão diante da autori­
(...)­ países, ilhas, plantações ou territórios pertencentes a Sua Majestade, na Ásia,
::> dade do rei, o Parlamento aprovou a lei do
-' América e África, noutros navios, senão nos que sem nenhuma fraude perten­
>
o habeas corpus, em 1679, pela qual o rei não
cem a sú.ditos ingleses, irlandeses ou gauleses, ou ainda a habitantes destes paí­
LU ses, ilhas, plantações e territórios e que são comandados por um capitao inglês podia prender sem culpa comprovada. E
a:
e tripulados por uma equipagem com três quartos de ingleses ( ... ): - mesmo que houvesse alguma acusação
-
(Segundo English Historical Documents, citado por Degon, P. O Mercantilismo) contra um cidadão, ele teria direito de res­
82 ponder o processo em liberdade.
O absolutismo de Carlos li manifestava-se também nas questões religiosas. Ele
apoiava secretamente o catolicismo, e o Parlamento desconfiava que o rei preten­
desse utilizar a religião para impor sua autoridade.
Os temores do Parlamento aumentaram ainda mais quando Carlos II morreu e
foi substituído por Jaime li, seu irmão, que àlimentava aspirações ainda mais abso­
lutistas. No entanto, o Parlamento, em parte controlado pela burguesia inglesa, te­
mia qu�,uma rebelião contra o rei pudesse desencadear um levante popular, com
conseqüências ainda mais graves.
·. A burguesia inglesa organizou uma espécie de golpe de Estado contra o rei; os
membros mais moderados do Parlamento não queriam uma revolução radical, mas
também não queriam o absolutismo de Jaime IL O Parlamento entrou em contato
com o príncipe holandês Guilherme de Orange (casado com a filha mais velha de
Jaime li), também ligado à burguesia inglesa, e convidou-o para tornar-se rei da
Inglaterra. Nesse acordo ficou claro que o rei deveria se submeter à autoridade do
Parlamento.
Em 1688, os exércitos de Guilherme de Orange aliados aos exércitos do Parla­
mento inglês, entraram em Londres e depuseram Jaime li. Para garantir que ne­
nhum rei voltasse a tentar restaurar o absolutismo, o Parlamento aprovou uma lei
conhecida na história da Inglaterra como Bill of Rights (1689), Lei dos Direitos dos
Cidadãos. Esse movimento ficou conhecido como Revolução Gloriosa, gloriosa por­
que foi uma revolução sem derramamento de sangue, sem a sublevação de campo­
neses, artesãos e das classes baixas. Oliwer Cromwell (1649-1660) esmagou a
Dois anos depois de Guilherme ter tomado o poder, John Locke elaborou a teoria rebelião católica da Ir !anda, reprimiu a
de que o governo deve ser exercido pelo Parlamento, que representava os interesses tentativa separatista da Escócia e declarou­
se Lorde Protetor da Commonwealth, ins­
do povo. Apesar do "povo" aqui ter o sentido de "burguesia" , o absolutismo eu­
tituindo pela primeira vez a idéia de uma
ropeu recebera o primeiro golpe. Os outros golpes seriam desfechados pela Inde­ comunidade britânica que se viabilizaria
pendência dos Estados Unidos e pela Revolução Francesa. um século depois, quando a Inglaterra se
tornaria uma grande potência impe­
rialista.
A arte barroca e o declínio do absolutismo

A arte do Renascimento, mais voltada para as produções da natureza, foi sen­


do substituída pela arte barroca, de caráter um pouco mais popular e de certa
forma ligada à Contra-Reforma católica. No entanto, as monarquias absolutistas
também recorreram à arte barroca para manifestar seu poder, encomendando re­
tratos de reis.
Na França, por exemplo, Luís XIV tinha sua figura engrandecida pelos retratos
que o popularizavam. O próprio ministro das fmanças, Colbert, ordenou que se con­
tratassem artistas a serviço das artes do rei. A França foi, no período de Luís XIV,
um dos principais centros da cultura européia. No teatro, brilharam autores como
Racine, Moliére e Corneille. Na literatura, La Fontaine ficou conhecido por suas
fábulas, onde criticava a sociedade da época.
Outra parte da Europa que teve um grande desenvolvimento da arte barroca foi
a Holanda, que depois da guerra de libertação contra a Espanha foi dominada pela
burguesia protestante, ligada ao alto comércio. Rubens e Rembrandt foram os prin­
cipais pintores. Ao contrário do barroco francês, a arte de Rembrandt era mais livre
e demonstrava um certo descomprometimento para com o Estado. >
X
As revoluções inglesas do século XVII, que culminaram na limitação do poder o
absolutista, representaram um primeiro passo para a crise do absolutismo se esten­ ...J
:::>
der por toda a Europa. Além disso, esses movimentos sociais criaram condições pa­ u
•L.Ll
cn
ra as profundas transformações econômicas que iriam mudar as características de
o
todo o mundo. Trata-se do que se convencionou chamar de Revolução Industrial. o
E foi a Revolução Industrial que acelerou o processo de decadência do absolutismo, Durante o barroco ocorre uma mudan-
cn

dando origem à era das revoluções do século XVIII. ça radical na posição social do artista. w

Nos países católicos e absolutistas o ar- (3
tista está ainda ligado à corte e sua arte z
é um meio de representação e ostentação cn
* ExerClClOS
I . LLl
da nobreza. Mas nos países protestantes •O
e republicanos o artista começa a servir U·
:::>
1 . (FUVEST-SP) Nas revoluções inglesas do século XVII, os puritanos tiveram à burguesia que coleciona obras de arte ___J
o
participação decisiva na luta contra o absolutismo monárquico. Quem eram os pu­ para deleite pessoal. O artista começa a >
perder a proteção de reis e príncipes e LLl
ritanos e por que entraram em conflito com o absolutismo inglês? a:
é obrigado a vender suas realizações ar­ -
tísticas. No mundo burguês a obra de ar­
2. Quanto às Revoluções Inglesas do século XVII é correto afirmar que: te se transforma em mercadoria. 83
a) foram lideradas pela burguesia comercial monopolista ligadas ao anglicanismo.
b) a nobreza teve participação intensa ao lado dos puritanos .
c) foram resultantes do aumento do absolutismo que cerceava tanto as atividades
econômicas da burguesia manufatureira como suas práticas religiosas.
d) tiveram forte influência do ideário iluminista.

3. (FGV-SP) Uma das conseqüências da Revolução Gloriosa, ocorrida na Inglater­


ra em 1688-89, foi a promulgação da Lei dos Direitos dos Cidadãos (Bill ofRights).
Sobre esta lei pode-se afirmar que:
a) teve parte de seus preceitos incorporada à Declaração dos Direitos do Homem,
na França em 1789, e às dez primeiras emendas da Constituição americana.
b) foi idealizada por Oliver Cromwell e norteou as principais decisões adotadas no
período denominado de Restauração.
c) foi um documento de inspiração autoritária que visava preservar o poder dos Ca­
valeiros em oposição aos interesses da nascente burguesia industrial.
d) foi redigida por Sir Thomas Morus e teve vida breve por conter idéias considera­
das utópicas para a época.
e) deu origem à Guerra dos Trinta Anos porque discriminava grupos religiosos e étnicos.

4. Qual a relação entre política e religião na Inglaterra do século XVII?

5. Quais as características do governo de Cromwell?

Respostas comentadas

1 . Os puritanos eram os protestantes calvinistas ingleses, representantes da nova


sociedade burguesa emergente. Outro ramo mais radical (quackers) do puritanismo
era a base religiosa dos camponeses e da pequena burguesia. No século XVII, lide­
rados por Oliver Cromwell, os puritanos enfrentaram o governo absolutista dos
Stuarts. Essa revolução puritana foi um verdadeiro ensaio que só se concretizaria
com a Revolução Gloriosa de 1688-1689. As razões básicas do conflito (puritanos
x absolutismo) vinculam-se aos entraves absolutistas e intervencionistas, que im­
pediam o desenvolvimento capitalista.
2. A alternativa correta é a c, pois este foi o momento em que os conflitos políticos
na Inglaterra revestiram-se de caráter religioso. A burguesia puritana, repesentada
muitas vezes pelo Parlamento, entrava em choque frontal com o absolutismo e o
anglicanismo real.
3. A alternativa b está errada, pois o governo de Cromwell foi de caráter pessoal
e centralizador e evidentemente a Declaração dos Direitos dos Cidadãos (Bill of
Rights) como o próprio nome sugere não foi um documento de inspiração autoritá­
ria como indica a alternativa c . As duas últimas alternativas estão fora de cogitação
por que Thomas Morus viveu no período renascentista e não no fmal do século XVII
e a Guerra dos Trinta Anos envolveu uma questão política internacional na época
de Luís XIV. Fica, portanto a assertiva a que, pelo seu conteúdo, está perfeitamen­
te em sintonia com as grandes transformações liberais da época.
> 4. No século XVII, na Inglaterra, puritanos e anglicanos se digladiavam pelo po­
><
der. O puritanismo teve penetração maior entre os grupos dos pequenos proprietá­
g rios rurais e os proprietários das manufaturas. O anglicanismo era religião oficial
::::>
u
•LU do absolutismo monárquico. A nível político essa luta resultara na Revolução Puri­
CJ)
o
tana liderada por Cromwell e na Revolução Gloriosa que terminaria de fato com
c o absolutismo inglês.
CJ)
5. Cromwell liquidou toda a oposição ao seu governo, tanto os grupos que tentavam
"�
LU instaurar a realeza, quanto os camponeses que pretendiam se apossar das terras do
_.
(..!J Estado. Dissolveu o Parlamento e recebeu o título de Lorde Protetor. Governou
:z
o país como um tirano. Desenvolveu uma política de proteção aos interesses mer­
CJ)
LU
•O
cantis, ampliou o império colonial e promulgou o Ato de Navegação (165 1) que de­
U· terminava que todos os artigos importados deveriam ser transportados em navios
::::>
_.
o
ingleses.
>
LU
a:
-

84
REVOLUÇÃO INDUS TRIAL
,.., E
REVOLUÇAO AMERICANA
Durante os séculos XV, XVI e XVII a burguesia associou-se à monarquia, como
forma de desenvolver suas atividades comerciais e artesanais. O capitalismo, sistema
criado com a expansão das relações econômicas mais dinâmicas, nasceu no momento
em que as monarquias nacionais começavam a se impor. Era o sistema econômico da
burguesia, baseado principalmente na propriedade privada das ferramentas, das fábri­
cas e das matérias-primas (meios de produção), e havia se desenvolvido com a ajuda
da monarquia absoluta e da .política mercantilista.
Mas, com o tempo, o capitalismo e a burguesia "perceberam" que o absolutismo
e o mercantilismo iam, pouco a pouco, representando um obstáculo a sua expansão.
Isso porque a política mercantilista era rigidamente protecionista e as taxações acaba­
vam atrapalhando a liberdade de negociar e de fabricar. Por essas razões havia uma
tendência para eclodir uma crise entre a burguesia e o absolutismo.
A economia mudara muito entre o final do século XVII e o começo do XVIII, a
ponto de provocar a concentração de riquezas nas mãos de um número menor de capi­
talistas empreendedores. Isso facilitou o aumento da produção, impulsionado também
pelo fato de as corporações de ofícios não conseguirem mais controlar a produção arte­
sanal independente.
Foi nesse período que a Inglaterra conheceu uma pré-revolução industrial: os em­
presários se utilizavam do trabalho dos camponeses que ficavam em suas casas "fabri­
cando'' fios e tecidos em suas ''máquinas'' primitivas. Os empresários compravam sob
encomenda e vendiam a preços bem mais altos para o mercado, nas cidades. Isso pro­
porcionou as primeiras condições para a futura industrialização.

A Inglaterra e a Revolução Industrial


A Inglaterra foi a potência mercantilista que melhor reaplicou os lucros auferidos <(
A invenção da máquina a vapor é um mar­ :z
durante a expansão comercial. Grande parte desse lucro provinha da exploração do co­ <(
co fundamental da Revolução Industrial.
mércio de escravos para as colônias da América, como o Brasil e o Sul dos Estados u
A glória desse invento cabe a James Watt ã:
Unidos. Outra atividade bem lucrativa para os cofres ingleses foi a pirataria, como já (1 736- 1 8 1 9) que em 1 769 patenteava a sua w
:2
vimos anteriormente. invenção. Mas o emprego da máquina a va­ <(
Simultaneamente a esse processo de enriquecimento, o país passara por pro­ por ainda demoraria mais de quinze anos. o
Em 1 785, a mãquina a vapor era adapta­ •<(
fundas transformações, que impulsionaram a Revolução Industrial. da à tecelagem, revolucionando a produ­

::::>
A primeira dessas transformações foi a revolução na agricultura inglesa: as terras ção, e alguns anos depois era aplicada aos -I
o
tomadas dos pequenos proprietários e camponeses, na época dos cercamentos, transportes marítimos e fluviais. >
w
transformaram-se em grandes latifúndios. Esses latifúndios empregavam mão-de-obra CC
w
assalariada e produziam grande quantidade de alimentos e matéria-prima (lã) para se­ -I
rem vendidas a um mercado cada vez maior. <(
ã:
A segunda transformação foi a ampliação do mercado conswnidor interno, em con­ 1-
CJ)
seqüência do crescimento demográfico e do mercado consumidor externo, gerado pe­ ::::>
o
los países nos quais a industrialização não se desenvolvia, como Portugal, Espanha e :z
suas respectivas colônias. Além de atender as colônias de outros países, a Inglaterra o
•<(
aumentava também seu próprio mundo colonial, para garantir a colocação de sua pio­ U·
::::>
dução e o fornecimento de matéria-prima. Entre as novas matérias-primas incorpora­ -I
o
das pela nascente industrialização sobressaía o algodão, que foi pouco a pouco >
w
substituindo a lã nos teares ingleses. CC
-
O tecido de algodão fazia parte das "especiarias" que vinham do Oriente, principal­
mente da lndia, para a Europa; os ingleses estavam entre os maiores consumidores 85
desse produto. Tornou-se possível reduzir a importação à medida que os tecelões in­
gleses começaram a produzir tecidos com fios de algodão, em lugar da lã. O algodão
vinha em forma bruta da América e devia ser processado pelos fabricantes ingleses.
Aos poucos as pequenas fábricas não conseguiam mais atender à procura.
A necessidade de aumentar a produção incentivou a pesquisa de novas técnicas. Foi
assim que, em l760, apareceu a máquina de fiar. No ano de 1779 implantou-se o uso
de um invento que se tomou a marca registrada da Revolução Industrial: a máquina
a vapor de James Watt. Foi a máquina a vapor que, alguns anos depois, adaptada à
máquina de fiar e tecer, acabou revolucionando todo o antigo processo de fabricação
de tecidos e a seguir de qualquer outro produto.
A partir daí surgiu a fábrica moderna. Perto dela, tudo o que tinha acontecido an­
tes, no que se referia à fabricação de produtos, parecia brincadeira. Numa fábrica, o
produto passava por múltiplas e sucessivas operações, diminuindo muito o tempo de
execução de cada peça e multiplicando rapidamente a quantidade de peças produzidas.
O trabalho do homem mudou radicalmente. A fábrica só podia funcionar com traba­
lho coletivo, e o operário foi se transformando em um autômato, uma extensão da má­
quina. Não havia mais lugar para o pequeno artesão isolado. Os tecelões, com suas
oficinas arruinadas, foram à falência, sendo obrigados a trabalhar nas grandes fábricas
de tecidos.
Do algodão as transformações se estenderam e se adaptaram a outros produtos. A
fundição de ferro começou a ser inovada. Por sua vez, a produção de máquinas para
incrementar a fabricação de diversos produtos incentivava o aparecimento de novas in­
dústrias, sempre reduzindo os tempos de produção e aumentando o volume.
A Revolução Industrial trouxe consigo uma outra importante revolução no modo de
vida do homem europeu: a explosão dos centros urbanos. Pela primeira vez na histó­
ria da humanidade as cidades começaram a ter mais habitantes do que o campo. Surgia
um novo tipo de trabalhador: o operário urbano .
As cidades passaram a ser grandes centros concentradores de indústrias e de operá­
rios. A vida dos habitantes das cidades era de modo geral bem difícil, pois as condições
de moradia e alimentação eram precárias. Os salários dos operários eram baixos, o que
com o passar do tempo fez com que os trabalhadores adquirissem consciência de que
seus interesses eram antagônicos aos da classe burguesa. Dessa consciência nasceram
diferentes mecanismos de reivindicação e defesa dos interesses dos trabalhadores: os
sindicatos e depois os partidos operários.

O Iluminismo, uma revolução intelectual


A revolução intelectual, chamada iluminismo, ocorreu simultaneamente à Revolu­
ção Industrial. Mas como começou, e que relação teve com as outras transformações?
Isaac Newton defendeu a possibilidade de
Vale lembrar que o Ranascimento cultural do século XVI acompanhou as transfor­
explicar todos os fenômenos da natureza mações globais pelas quais a sociedade estava passando. O mesmo sucedeu no sé­
<( através de expressões matemáticas, abrindo culo XVIII. Na verdade, o iluminismo foi um processo ao longo do qual as
z
<( assim novas perspectivas para as ciências. transformações culturais iniciadas no Renascimento prosseguiram e se estenderam pelo
� Com Newton, o homem se hbertou da con­
a:
w cepção medieval do mundo regido por leis
século XVII até o século XVIII.
::2: divinas. No texto que segue Newton ex­ O inglês Isaac Newton (1642-1727) teve papel fundamental nas transformações do
<(
o plica suas preocupações, que revoluciona­ pensamento, quando, através de minuciosos estudos matemáticos e físicos, formulou
•<( ram as idéias cientificas do século XVIII. novas leis acerca da mecânica que rege o mundo. Newton formulou a lei da gravi­
(.)·
:::>
--1
dade universal, alterando radicalmente as
o idéias que ainda predominavam nas ciências,
>
w
a: com base na religião.
Toda a dificuldade da filosofia parece consistir em encontrar as forças que a nature·
w
za emprega, pelos fenômenos do movimento que conhecemos, e a demonstrar em No plano da política e da filosofia John
--1
<( seguida, partindo daí, os outros fenômenos. É esse o objectivo que se teve em vista Locke (1632-1704) deu uma importante
Cl!
1:­
nas proposiçoos gerais ( ... ) e dá-se disso um exemplo ( ... ) explicando o sistema do contrib uição ao pensamento iluminista, ao
(/) universo: pois aí se determinam, pelas proposições matemáticas demonstradas (. .. ) formular as teorias políticas que justificavam
::::> as forças com as quais os corpos tendem para o Sol e os planetas; depois do que
o
z com a ajuda das mesmas proposições matemáticas, se deduzem dessas forças os mo­
o fim do absolutismo. Em seu livro Dois e n­
vimentos dos planetas, dos cometas,da Lua e do mar. Seria de desejar que os outros saios sobre o goverrw civil, sugeria que a re­
o
•<(
<>
fenômenos que a natureza nos apresenta pudessem derivar-se tão felizmente dos lação entre governantes e governados deveria
:::>
--1
princípios mecânicos: pois várias razOes me levam a suspeitar de que eles depen­ ser feita através de um contrato. Locke tam­
dem todos de algumas forças cujas causas são desconhecidas, e pelas quais as par­
o bém se preocupou com a forma como os ho­
> Hculas dos corpos são empurradas urnas contra as outras e se unem em figuras
UJ
a: regulares, ou são repelidas e mutuamente se afastam ( . . . ) mens chegam ao conhecimento. O filósofo
- (Newton, Philnsophiae Nat:urolis Principia Malhematica, 1687, in Gustavo de Freitas, op. cit.) inglês admitia que a mente do homem, ao
86 nascer, era uma tábula rasa ou seja, uma
folha de papel em branco: à medida que vai entrando em contato com o mundo é que,
pelos órgãos dos sentidos, essa folha de papel em branco vai sendo preenchida. As sen­
sações são a base do conhecimento; a razão, ou o entendimento, combina e organiza
essas idéias simples, chegando assim às verdades mais gerais. Descartes, ao lado de Bacon e Newton,
foi um dos grandes fllósofos do século
Sensação e razão são as bases da teoria de Locke; nesse sentido, é um típico filósofo
XVII que elaborou as bases de urna ciên·
do pré-Iluminismo que privilegiou a razão como o guia infalível do conhecimento. cia experimental (a observação, a expli­
Chamou-se a essa atitude de racionalista. E racionalista também foi o francês René cação dos fenômenos e a descoberta de
Descartes (1596-1650), que partia da suposição de que era necessário um axioma bási­ leis). Descartes em seu livro Discurso so­
co para se construir uma série de verdades universais. Esse axioma básico é seu famoso bre o Método, aponta os passos essenciais
para atingir a verdade.
princípio: "Penso, logo existo . "
Baruch Spinoza (1632-1677) foi outro dos
grandes pensadores do século XVII, que co­ ( . . . ) percebi que, em vez do grande número de regras de que se compõe a Lógi­
locou a razão como toda a fonte do conhe­ ca, me bastariam os quatro princípios seguintes: o primeiro era o de jamais aceitar
cimento, rejeitando qualquer tipo de corno verdadeira alguma coisa que nao se apresentasse tao clara e tao distinta
revelação. Viveu na Holanda, criticou a re­ a meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasiao de pô-lo em dúvida. O se­
gundo, o de dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas par­
ligião católica e o judaísmo. Suas críticas celas quantas fossem possíveis para melhor resolvê-las. O terceiro, o de conduzir
baseavam-se na idéia de que Deus estaria em por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fá­
toda a Natureza: panteísmo. Por isso Spi­ ceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como degraus, até o conhecimen­
noza era perseguido por todas as correntes to dos mais complexos. E o último, o de fazer em toda parte enumerações tao
completas e revisões tao gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir.
religiosas.
(Renê Descartes, Discurso sobre o Método)

O Iluminismo começou na França

O século XVIII conheceu várias revoluções. A Revolução Industrial, a Revolução


Francesa e também a Revolução Intelectual. O lluminismo foi o desenvolvimento de Denis Diderot (1713-1784), filósofO iluminis­
novas idéias que criticavam o mercantilismo, o absolutismo e as explicações religiosas ta, escreveu na Encic/ofJMia, um artigo no qual
coloca crlticas ao absolutismo e defende um
da concepção do mundo. Os iluministas teorizavam sobre um mundo novo que corres­
poder vindo do consentimento do povo.
pondia ao início da Revolução Industrial e que seria completado com a Revolução
Francesa.
O movimento iluminista repercutiu sobre todo o mundo. Antes mesmo de influen­ Nenhum homem recebeu da na­
tureza o direito de comandar os
ciar a Revolução Francesa, que estava por vir, teve influências sobre a Revolução Ame­
outros. A liberdade é um presen-
ricana, que resultou na formação dos Estados Unidos. te do céu, e cada indivíduo da
A razão foi um dos princípios mais importantes dos pensadores iluministas. Era o mesma espécie tem o direito de
único caminho para se atingir o conhecimento. Além da razão, os iluministas tinham gozar dela logo que goze da ra-
por base a idéia de que o universo era regido por leis físicas que podiam ser estudadas. zao ( . . . ) Toda outra autoridade
(que a paterna) vem duma ori-
Isso era um golpe na concepção religiosa que acreditava numa explicação divina do gem, que não é a natureza .
universo. Examinando-a bem, sempre se
Em relação à sociedade, os iluministas tinham por base a idéia de que a felicidade fará remontar a uma destas duas
era um direito de todos, e muitos chegavam a propor o igualitarismo. fontes: ou a força e a violência
A maioria dos pensadores iluministas franceses divulgou suas idéias através da Enci­
daquele que dela se apoderou; �
ou o consentimento daqueles que c:x:
clopédie, conjunto de livros com mais de trezentos colaboradores. A. tônica da obra era lhe são submetidos, por um con- c..>
o anti-clericalismo, o materialismo e principalmente o liberalismo político. Por isso era trato celebrado ou suposto entre ffi
contrário às monarquias absolutistas e à Igreja. eles e aquele a quem deferiram :::2:
C:X:
François-Marie Arouet, conhecido como Voltaire, foi um dos mais famosos pensa­ a autoridade. O poder que se
o
adquire pela violência não é •C:X:
dores iluministas. Ele criticava violentamente a Igreja e a nobreza. Criticava também
a monarquia francesa como inibidora das liberdades individuais, por isso chegou a se
mais que uma usurpaçao e nao
dura senao pelo tempo em que a

.....J
exilar na Inglaterra. É famosa a sua frase em que defende a liberdade de expressão força daquele que comanda pre- �
e de opinião: "Não concordo com uma única palavra do que dizeis, mas defenderei até valece sobre a daqueles que obe- �
decem ( . . . ) O poder que vem do w
a morte o vosso direito de dizê-lo. " A burguesia francesa simpatizava bastante com as consentimento dos povos supoe .....J
idéias de Voltaire, pois estas se adequavam às suas necessidades. Voltaire não defendia necessariamente condições que <(
ã:
o direito das camadas populares, por achar que eram inferiores. Julgava que os países tornem o seu uso legítimo útil à
t;
atrasados deveriam ter um governo absolutista esclarecido, e os mais avançados um sociedade, vantajoso para a re­ :::>
pública, e que o fixem e restrinc o
governo republicano e liberal. z
jarn entre limites; pois o homem
Montesquieu (1689-1755) foi outro pensador do lluminismo tão conhecido quanto não pode nem deve dar-se intei­ o
•<(
Voltaire. Suas teorias polítir
-as sugeriam que os grandes países deveriam adotar o des­ rarnente e sem reserva a outro U·
:::>
potismo esclarecido, os médios, a monarquia constitucional, e os pequenos, a repúbli­ homem, porque há um Senhor .....J
o
ca. Montesquieu ficou muito conhecido pela sua ''doutrina dos três poderes'' (executivo, superior acima de tudo, ao qual
>
somente ele pertence por inteiro. w
legislativo e judiciário). Como Voltaire, também não defendia as populações mais po­ a:
(Denis Diderot, artigo Autoridade
bres. Na verdade, esses pensadores eram coerentes, pois defendiam somente os inte­ Política na Enciclopédia, in Gustavo
-

resses da nova classe social que despontava como revolucionária: a burguesia liberal. de Freitas, op. cit.) 87
O único pensador que talvez tenha se aproximado dos anseios populares foi Jean­
Jacques Rousseau ( 1712- 1778). Defendia a idéia de soberania popular, isto é, a vontade
coletiva deve se impor sobre a vontade individual. Nisso Rousseau estava bastante avan­
çado para sua época, pois criticava o individualismo burguês antes mesmo que a bur­
guesia estivesse no poder. No seu estudo Discurso sobre a origem e fundamentos das
desigualdades entre os homens , Rousseau argumenta que todos os males da civilização
são originados da propriedade privada. A propriedade privada determinou as diferen­
ças sociais e o surgimento de dominadores e dominados. Para superar essa dominação,
Rousseau propunha um contrato social, que deveria ser elaborado por toda a comuni­
dade e não por indivíduos isolados. A soberania reside no povo; a vontade individual
não é importante, mas sim a vontade da maioria, que deveria ser expressa através do
voto. O contrato social iria garantir a igualdade de todos.
As idéias dos filósofos iluministas foram adotadas por alguns monarcas que resolve­
ram modernizar as instituições políticas e a organização econômica de seus países. A
esse sistema político deu-se o nome de despotismo esclarecido.

O despotismo esclarecido
Os monarcas que adotaram o despotismo esclarecido dominavam regiões de econo­
mia bem atrasada em relação a países como a Inglaterra. Eram em geral regiões como
a Rússia, por exemplo, de escassa vida urbana, onde predominava um significativo atraso
sócio-econômico em relação a outros países europeus. A França sobressaía como gran­
de pólo cultural, em tomo do qual circulavam membros de toda a nobreza européia.
Dessa maneira, os pensadores iluministas não tardaram a exercer sua influência sobre
esses nobres.
Na Rússia, a maioria esmagadora da população vivia no campo. O monarca Pedro,
o Grande (1672-1725), fez pll:!flOS de modernizar a Rússia. O:lmeçou por modernizar
o exército. Pedro fez construir São Petersburgo (Petrogrado), cidade às margens do
rio Neva, numa região absolutamente selvagem e pantanosa. Por essa obra acabou sen­
do identificado como o que utilizou métodos bárbaros para tirar a Rússia da barbárie.
Catarina 11, a Grande, prosseguiu a obra de Pedro. Aumentou as fronteiras da Rússia
em direção ao sul e fundou a Universidade de Moscou. Mas reprimiu todos os movi­
mentos camponeses de caráter reivindicatório.
Jean-Jacques Rousseau, embora seja con­ Também na Áustria, centro do Sacro Império Germânico, o despotismo esclarecido
siderado um filósofo do Iluminismo, cri­ foi utilizado como recurso para se promover a modernização do país. O monarca que
ticou a excessiva valorização da razão tentou a façanha foi José 11 ( 1741-1790), através de uma reforma agrária que acabou
defendida por Voltaire. Para ele, O ho­ sendo frustrada pela resistência dos nobres proprietários.
mem que pensa é um animal deprava­
Na Prússia do Sacro Império Germânico, Frederico I (1740-1786) se fortaleceu e ga­
do. Suas obras influenciaram os homens
de sua época e furam fonte de consulta dos nhou prestígio graças às medidas reformistas adotadas em relação à educação e política
pensadores futuros. Emílio e N(J1)a Heloísa exterior.
� forneceram as diretrizes da pedagogia mo­ Já na Espanha, Carlos Ill (1716-1788) iniciou uma série de reformas administrativas,
<( dema e o Contrato Social, os fundamen­
� tos do gQvemo democrático.
financeiras e fiscais para dar novo alento à economia. Além disso, combateu o poder
excessivo da Igreja Católica, suprimiu a Inquisição e expulsou os jesuítas. Em Portu­
w
::::2: gal, o marquês de Pombal, primeiro-ministro do rei José I (1750-1777), colocou em
6É possível estabelecer com simpli­ prática medidas que reforçaram o setor comercial, instituindo as companhias comer­
• <( cidade o núcleo da idéia do con­
ciais monopolistas, subsidiando manufaturas numa tentativa rudimentar de instaurar
g· trato social: cada um de nós
a industrialização de Portugal. Pombal também expulsou os jesuítas do reino e expro­
coloca sua pessoa e autoridade
0
> sob a direçilo suprema da vontade priou os bens da Companhia de Jesus.
� geral; e o grupo recebe cada in ­
w d i v íd uo, como uma parte indivisí-
--'


vel do todo ( ... ) .
A fim de que o contrato social
A crise do mercantilismo
não seja apenas uma fórmula va­
t:; zia, t odos precisam compreender
:::> Não foi apenas o absolutismo o alvo das críticas dos iluministas; eles também discor­
Cl gue todo indivíduo gue se recusa
· � a obe de cer à vontade ge ra l deve davam do mercantilismo, a política econômica adotada naquele sistema de governo.
� ser
,U· fo rça do por seus companhei­ Entre os pensadores que criticaram o mercantilismo é importante destacar o economis­
ros a fazê-lo. É uma maneira de ta francês François Quesnay que atacava a intervenção do Estado na economia e defen­
3 d i ze r que pode ser necessário for­ dia a liberdade de comprar e vender onde cada um achasse mais conveniente.
§; çar um homem a ser livre, sendo
O lema dos fisiocratas que ficou famoso - laissez faire, laissez passer (Deixai fazer,
� neste caso a liberdade, a obediên·
cia à vontade de todos. deixai passar) -, atendia perfeitamente às necessidades da burguesia, desejosa de afas­
- (Jean-Jacques Rousseau O Contrato tar o controle do Estado sobre a economia.
88 Social ) As atividades dessa burguesia, que queria maior liberdade para seus neg6cios e pre-
tendia exercer maior participação política, exigiam a quebra do monopólio comercial
que çaracterizava as relações entre metrópoles e colônias. A primeira manifestação des­ François Quesnay, médico de Luis XV, foi
se tipo foi a luta dos colonos americanos contra o domínio inglês, que resultou na inde­ um dos mais importantes teóricos da es­
pendência dos Estados Unidos. cola fisiocrata. Em seu livro Quadro Eco­
nômico, Quesnay criticou a intervenção do
As transformações ocorridas na Europa, como a Revolução Industrial e a Revolu­
Estado na economia. P.ua ele, apenas a ter­
ção Intelectual, não tardaram a ecoar nas co- ra era a verdadeira produtora de riqueza;
lônias, colocando em questão o próprio sis- o comérdo era considerado estéril, pois
tema colonial. A relação entre essas consistia na mera transferência de merca­
dorias e não gerava riquezas.
transformações e a crise do sistema colonial
era direta. Os pensadores criticavam o mer­
cantilismo das potências colonialistas como Que o soberano e a nação nunca percam de vista que a terra é a última fonte de rique­
um dos responsáveis pelas restrições à livre zas e que é o agricultor quem as multiplica (... ) Que a propriedade dos bens fundiários
e das riquezas mobiliárias seja assegurada aos possuidores legítimos, pois a seguran­
iniciativa. Isso sem dúvida seria verdadeiro ça da propriedade é o fundamento essencial da ordem econômica da sociedade (. .. )
também nas colônias, onde a nascente bur­ Que uma nação que tem um grande território a cultivar e a facilidade de exercer um
guesia se sentia cada vez mais forte e come­ grande comércio dos gêneros agrícolas não alargue demasiadamente o emprego do
çava a reivindicar maior autonomia em dinheiro e dos homens às manufaturas e ao comércio de luxo, em prejuízo dos traba­
relação à metrópole. lhos e das despesas da agricultura; pois, preferentemente a tudo, o reino deve ser bem
povoado de ricos cultivadores ( ... ) Que se favoreça a multiplicação dos gados, pois são
Por outro lado, à medida que a crise do eles que fornecem às terras o estrume que produz ricas colheitas ( ... ) Que cada um
absolutismo e do mercantilismo ia se acen­ seja livre de cultivar no seu campo as produções que o seu interesse, as suas faculda­
tuando, as metrópoles passavam a exigir ca­ des e a natureza do terreno lhe sugiram para obter maior produção possível ( ... ) Que
da vez mais das colônias. se mantenha a mais inteira liberdade de comércio ( ... ).
(Quesnay, Máximas gerais do guverrw econômico de um reino agrícola, in Gustavo de Freitas,
op. cit.)

As colônias inglesas na América

A colonização da América inglesa foi feita, em grande parte, por pessoas que fugiam
das perseguições religiosas no período dos grandes conflitos provocados pela Reforma
Protestante. Eram puritanos e calvinistas procurando um lugar onde pudessem prati­
car sua religião em paz. Esses colonos, conhecidos como peregrinos, se instalaram no
início do sécu1o XVII no norte da costa leste dos Estqdos Unidos. Trabalhavam por
conta própria em pequenas fazendas, dedicando-se ao cultivo de vários produtos e à
atividade manufatureira, em um esquema de produção para a subsistência. Em outras
colônias inglesas havia propriedades maiores, que se utilizavam da servidão temporá­
ria. Mas de modo geral todas as colônias produziam para o seu próprio sustento, sem
excedentes para a exportação. Ora, isso não interessava a uma potência colonialista co­
mo a Inglaterra. O motivo era muito simples: a Inglaterra queria colônias que geras­
sem produtos que pudessem ser exportados com grandes lucros.
No entanto, nas colônias do sul, a Inglaterra tinha grande interesse. Aí as proprieda­
des eram maiores e se dedicavam à plantação de tabaco e algodao voltados exclusiva­ <(
mente para a exportação. A mão-de-obra nessas colônias era escrava. O Sul era, portanto, z
<(
muito mais ligado aos interesses da Inglaterra do que o Norte. u
C2
O chamado pacto colonial praticamente não existia entre a Inglaterra e as colônias w
::;;E
do Norte; em compensação, era bastante forte em relação às colônias do Sul. <(
As relações entre as colônias e a Inglaterra foram piorando à medida que a própria o
•<(
colônia começava a ameaçar alguns mono- U·
:::>
pólios da metrópole. Isso porque as ativida­ --1
o
des econômicas desses colonos se Os colonos americanos exerciam, desde o início, direitos de soberania. Nomeavam >
seus magistrados, concluíam a paz, declaravam a guerra, promulgavam as leis, co­ w
expandiram a ponto de, por exemplo, fabri­ mo se sua fidelidade só fosse devida a Deus.
a:
w
carem navios, comercializarem peixe, ma­ Nas leis da Nova Inglaterra encontramos o germe e o desenvolvimento da indepen­ --1
<(
deira, gado, melaço, açúcar e escravos e dência local, que é a mola da liberdade americana dos nossos dias. Na América, po­ ã:
aumentarem a produção de manufaturados. de dizer-se que o município foi organizado antes da comarca, a comarca antes do 1-­
cn
A Inglaterra não podia admitir essa con­ Estado e o Estado antes da União. :::>
As colônias reconheciam a supremacia da pátria-mãe; a monarquia era a lei do Esta­ o
corrência, pois sua Revolução Industrial ne­ do; mas a república estava já estabelecida em todas as pequenas localidades. Nas
z

cessitava de colônias que absorvessem seus cidades da Nova Inglaterra não se adotava a lei da representação, mas os negócios o
•<(
produtos e não os produzissem. A metró­ da comunidade eram discutidos, como em Atenas, no mercado, por uma assembléia U·
:::>
geral dos cidadãos ( ... ). --1
pole se preocupou em manter a colônia sob o
Eclodida a Revolução Americana, a doutrina da soberania do povo saiu das localida­
seu controle, e adotou uma nova política co­ des, e tomou posse do Estado. Todas as classes foram alistadas na sua causa; foram
>
w
mercial: mandou fechar indústrias, procu­ travadas batalhas e obtidas vitórias: tomou-se a lei das leis.
a:
-
rou eliminar o comércio da Nova Inglaterra (Alccis de Tocqueville, Democracia na AminCa)
com as Antilhas e taxou o melado e o açúcar. 89
Em novembro de 178 1 , o imperador da Essa atitude da metrópole provocou urna onda de protestos entre os colonos, e a
Áustria, José li, déspota esclarecido e adep­
razão foi simples: os colonos_ utilizavam o melado para transformá-lo em álcool, que
to das idéias iluministas, decretou a aboli­
ção da servidão. era trocado por escravos na Africa, os quais, por sua vez, eram vendidos nas colônias
do Sul que usavam mão-de-obra africana escravizada.
Nós, José li, pela graça de Deus Para piorar a situação, entre 1750 e 1754, a metrópole aumentou as restrições, proi­
eleito Imperador Romano, sempre bindo a fabricação de produtos de ferro e tecidos.
Augusto, Rei da Germâni a ,
Hungria e Boêmia, etc . ,
O descontentamento entre colonos e metrópole piorou depois da Guerra dos Sete Anos
Arquiduque de Á ustria , Duque ( 1756-1763), resultante das rivalidades entre França e Inglaterra e também entre os colo­
de Borgonha e da Lorena, etc. nos anglo-americanos e franco-americanos. A Frahça, derrotada,perdeu o Canadá e gran­
( . . . ) Considerando que a des extensões de terra na América. Os colonos ingleses, que haviam participado da guerra
supressão da servidão e a
e organizado um exército, sentiram-se fortalecidos, viram uma oportunidade para adqui­
introdu ção de um regime mais
maleáve l , estabelecido segundo o rir mais terras e colonizá-las, mas o governo britânico quis ele mesmo iniciar a coloniza­
exemplo do nosso domínio ção. Por isso proibiu os colonos de avançarem para Oeste. Além disso a Metrópole exigiu
hereditário da Á ustr ia , exerceram que as Treze Colônias ajudassem a pagar as dívidas resultantes da guerra.
a mais útil influência no
A situação ficou mais tensa ainda quando a Inglaterra aumentou os impostos sobre
melhoramento da a g ri cu ltura e da
indústri a , e a que a razão e a vários produtos que a colônia comprava. As pequenas cidades da costa leste começa­
caridade falam a favor desta ram a se agitar. Os trabalhadores, os pequenos proprietários, os profissionais liberais,
mudan ç a , decidimos abolir de ora como advogados, médicos e professores, passaram a se organizar em entidades secretas
avante totalmente a servidão e para lutarem pela autonomia. Isso significava que o único caminho para solucionar a
introduzir em seu lugar um
regime mais flexível ( . . . ) Dada
crise era o rompimento com a metrópole.
em Viena , l 0 de Novembro de
1 78 1 ( . . ) .
(Arquivos do Estado, Viena, in M .
A luta pela independência dos Estados
Chaulanges, Textos Históricos, in
Gustavo de Freitas, op. cit.)
Unidos
A cidade de Boston transformou-se em março de 1 770 no símbolo da luta pela inde­
pendência porque foi reprimida nesta cidade uma manifestação contra os britânicos,
com saldo de vários mortos.Em 1773, vários colonos jogaram ao mar o carregamento
de chá (Boston Tea Party) . O exemplo foi imitado por outras cidades. Os ingleses rea­
giram promulgando as Leis Intoleráveis e fechando o porto de Boston.
E quem dirigia todas essas manifestações? Vários intelectuais que tinham contato
com as idéias ilwninistas. Eram liberais e de modo geral democratas, como Thomas
Jefferson, Samuel Adams, Benjamin Franklin, entre outros.
Para viabilizar a idéia de emancipação foi organizado um Congresso no ano de 1774
em Filadélfia. Uma das primeiras medidas tomadas pelo Congresso foi a suspensão de
Na Declaração de Independência dos Es­ todo o comércio com a Inglaterra. Isso equivalia a uma declaração de guerra e os pri­
tados Unidos da Améríca do Norte, as­ meiros choques entre colonos armados e soldados ingleses ocorreram em Lexington,
sinada em 4 de julho de 1 776, é nítida
a presença das idéias iluminista�, como
em abril de 1775. As batalhas se multiplicaram. Os ingleses'perderam muitos homens,
se pode notar no texto que segue: mas mesmo assim a Inglaterra conseguiu manter-se Iias colônias.
No dia 4 de julho de 1776 os membros
Quando, no decurso dos acontecimentos humanos, um povo se vê na necessida- do Congresso anunciaram a histórica Decla-
<( de de rompe r os laços políticos que o unem a um outro e de tomar entre as po- ração de Independência; oficialmente, a in-
z tências da terra o lugar de independência e de igualdade a que as Leis da Natureza
<( dependência estava proclamada, restava
u e o Deu s da Natureza lhe dão direito, u m j usto respeito da opinião dos homens lutar para mantê-la. Durou mais de uma dê-
a: exige que ele declare as causas que o levaram a essa separação. Nós temos estas
UJ
verdades por evidentes por si mesmas: cada essa luta. Apenas em 1781 OS ingleses
2
<( • que todos os homens nascem iguais; se renderam em Yorktown às tropas ame-
o • que o seu Criador os dotou de certos direitos inalienáveis, entre os quais a ncanas.
•<(
U· Vida, a Liberdade e a procura da Felicidade; Q recém formado exército americano era
:::> • que, para garantir esses direitos, os homens instituem entre eles Governos,
....J muito fraco para enfrentar as tropas ingle-
o cujo justo poder emana do consentimento dos governados;
>
" UJ •
sas. A participação da França na guerra da
que, se um governo, seja qual for a sua forma, chega a não reconhecer estes
0:: independência foi decisiva; além de enviar
fins, o povo tem o direito de modificá-lo ou de aboli-lo e de instituir um novo
UJ
....J governo, que fundará sobre tais princípios, e de que ele organizará os poderes
homens e armamentos, obrigou a Inglater-
<( segundo as formas que lhe parecerem mais próprias para garantir a sua Segu-
tt
ra a lutar nas Antilhas e na Europa. A paz
f­ rança e sua Fel icidade. .
Cf) (As Constituições dos Estados Unidos, Paris, 1972).
foi estabelecida pelo Tratado de Pans, em
:::> L------' 1783. Nascia um novo país: os Estados Uni-
Cl
z dos da América do Norte.
o O pacto colonial representava uma verdadeira amarra entre as potências absolutis­
l<(
U· tas/mercantilistas e suas colônias. As potências dependiam, em sua maioria, dessa liga­
:::>
....J
o
ção. A independência dos Estados Unidos significou que estava sendo rompida essa
> importante ligação, o que provava que existia uma crise que já vinha se avolumando
" UJ
a:
no interior do próprio sistema mercantilista colonial.
...
O ponto culminante dessa crise, que havia cü'meçado com a Revolução Americana,
90 foi a Revolução Francesa.
A GRANDE
REVOL UÇÃO
FRANCESA

A Revolução Francesa significou um profundo rompimento do absolutismo e mer­


cantilismo. Ela eclodiu em um momento no qual a burguesia e o sistema capitalista
nascidos dentro do Antigo Regime estavam cerceados pelo próprio sistema político.
A monarquia absoluta, que tantos benefícios trouxera para o desenvolvimento do
comércio e da burguesia na França, tornou-se no final do século XVIII, um verda­
deiro obstáculo para a expansão dessa mesma burguesia. Os grêmios de ofício limi­
tavam o desenvolvimento de processos mais rápidos de produção.
Por essas razões, havia um descontentamento geral na França. Não só a burgue­
sia reclamava. Os camponeses, tanto servos como rendeiros e pequenos proprietá­
rios, sentiam na pele o peso dos altos impostos cobrados pela monarquia absoluta.
Havia uma indagação no ar: o que fazer para superar essa situação? A Revolução
Intelectual, iniciada em meados do século XVIII, parecia oferecer algumas respos­
tas nas críticas feitas pelos iluministas. Para eles, a única maneira da França se igua­
lar à Inglaterra era passar o poder político para as mãos da burguesia (comerciantes,
industriais, banqueiros). Era preciso destituir a nobreza que, aliada ao rei, manti­
nha o poder sob rígido controle.
Ora, se a monarquia absolutista representava um obstáculo à modernização da França,
esse obstáculo precisava ser removido. Este foi o significado da Revolução Francesa.
Resumindo: a Revolução Francesa significou o fim do absolutismo na França e
a ascensão da burguesia ao poder político, consolidando no plano econômico, as re­
lações de produção capitalistas. Além disso, suas conseqüências não ficaram restri­
tas à França: o exemplo espalhou-se pela Europa, atravessou o Atlântico e influenciou
os movimentos de independência da América Latina. A Revolução Francesa foi um
A Revolução Franc;.esa pode ser dividida
episódio tão importante na história do mundo ocidental que se convencionou esta­
em três fases. A primeira se inicia com a
belecer esse fato com marco inaugural da Idade Contemporânea. reunião dos Estados Gerais, em maio de
1 789, e termina com as jornadas de 1 O de
agosto de 1 792. Nessa fase, ocorreram mu­
A França às vésperas da Revolução danças fundamentais aprovadas na Cons­
tituição de 1 79 1 : foi reconhecida a sobe­
A situação econômica da França era bastante crítica. Quase toda a renda da nação rania da nação, foram abolidos os diréitos
vinha da agricultura, a população era de 26 milhões de habitantes e, destes, mais senhoriais e proclamadas as liberdades bá­
de 20 milhões moravam no campo. Uma boa parte desses camponeses, estavam ain­ sicas. A segunda fase, chamada jacobina,
inicia-se com a jornada de junho de 1 793
da submetidos ao regime de servidão.
e termina em 27 de julho de 1 794 (9 Ter­
O comércio não podia se expandir, principalmente por causa das barreiras feu­ midor). Nesse período é aprovada uma no- <(
dais que ainda subsistiam no interior da França, obrigando os comerciantes a pagar va constituição ( 1 793), que universaliza o �
altos impostos para os donos das terras. voto, proclama a república. O grande avan-

u
ço dessa fase é a efetivação das reformas
Parece que até a natureza contribuiu para piorar a situação da economia francesa. En­
sociais, a real abolição dos direitos feudais, EE
tre os anos de 1784 e 1785, alternaram-se inundações que resultaram numa flutuação dos a desapropriação das terras sem indeniza­
o
preços dos alimentos, ora subiam, impedindo que os camponeses e os pobres em geral ção. A terceira fase, também denominada •<(
comprassem comida, ora baixavam, levando a maioria dos pequenos proprietários à falência. reação burguesa, inicia-se com o 9 Termi­ U·
::::::>
dor e termina com a tomada de poder por _J
A situação da indústria francesa não era nem um pouco melhor, pois uma parte con­ o
Napoleão Bonaparte em 9 de novembro
siderável da produção se baseava no sistema rural e doméstico. As corporações com >
UJ
de 1 799 ( 1 8 Brumário). Essa fase 0::
todas suas regras de controle impediam que se desenvolvessem novas técnicas, que per­ caracteriza-se pelo abandono das conquis-

UJ
mitissem ampliar a produção a atender a um mercado consumidor crescente. tas democráticas do governo dos jacobinos,
A atuação do governo na área da viticultura aumentou ainda mais o descontentamento: um retorno ao liberalismo. A nova cons- <(
a monarquia havia assinado um tratado comercial com os ingleses, pelo qual vinhos tituição, votada em 1 795, retomava o vo- ffi
to censitário, reservando os direitos polí- <(
franceses seriam trocados por tecidos ingleses, com isenção de impostos. Isto levou vá­ ticos apenas à burguesia.
-
rias pequenas fábricas francesas à falência, por não suportarem a concorrência da avan­
çada técnica inglesa no ramo dos tecidos. 91
A sociedade francesa às vésperas da Revolução estava dividida em três segmentos,
conhecidos como Estados:

Primeiro Estado: era representado pelo clero dividido em alto clero, cujos membros
eram oriundos da nobreza e de familias ricas, possuindo todos os privilégios políticos
e econômicos e em baixo clero, pobre, proveniente das camadas mais populares.

Segundo Estado: era a nobreza em geral, detentora de grandes privilégios, entre os


quais a quase total isenção de impostos. A nobreza não formava porém um grupo ho­
mogêneo; estava subdividida em nobreza cortesã, que vivia, junto à corte do rei e a no­
breza provincial que vivia nos castelos, no campo, e explorava o trabalho dos servos.

Terceiro Estado: era constituído pela maioria esmagadora da população, aquela parte
da população que suportava economicamente toda a França. Os camponeses, que for­
mavam a imensa maioria, forneciam com seu trabalhoalimentos e matérias-primas pa­
ra a expansão econômica da sociedade. A maioria dos camponeses pagava, de uma forma
ou de outra, pesados impostos (alguns feudais) para seus senhores. Em menor núme­
ro, mas com importante participação no Terceiro Estado, estavam os trabalhadores das
cidades, e também os desempregados, marginais que formavam o grupo dos assim cha­
mados sans-culottes que era o nome dado aos pobres urbanos. Mas a liderança dessa imen­
sa parte da população estava nas mãos da burguesia. Esta estava dividida em pequenos
burgueses (pequenos comerciantes e artesãos), uma camada média (composta de co­
merciantes e profissionais liberais) e a alta burguesia (grandes banqueiros e comerciantes
com o exterior).
No ano de 1 774, subiu ao trono Luís XVI, neto do rei Luís XIV. Uma grande parte
dos franceses depositava certas esperanças de que o novo monarca conseguiria tirar a
França da situação crônica de crise. As esperanças duraram pouco: o governo francês
entrou em guerra com a Inglaterra, na época da Independência dos Estados Unidos,
e o déficit cresceu ainda mais, o que obrigou o rei a aumentar os impostos.
Como às dívidas do Estado e o déficit aumentassem, o rei tentou algumas soluções.
Convidou o fisiocrata Turgot para o cargo de Controlador Geral das Finanças, cargo
Os gráfica> abaixo demonstram de maneira
equivalente ao de ministro da fazenda. Turgot tentou sanear o déficit do Tesouro, mas
evidente a situação crítka em que se en­
contravam as fmanças do reino quando esbarrou com um difícil problema: todos os impostos recaíam sobre o Terceiro Esta­
Luís XVI subiu ao poder. A receita do Es­ do, deixando isentos o Segundo e o Primeiro. Ao propor igualdade de taxações, Tur­
tado provinha principalmente doo impos­ got foi demitido.

816%
tos sobre o sal (gabela) e sobre os produtos
Novo Controlador das Finanças foi nomeado, mas ele chegou à mesma conclusão de
comercializados. Entretanto, corno a receita
não cobria oo gastos (veja o déficit de 5%), seu antecessor e teve o mesmo destino, isto é, a demissão. O ministro seguinte, Ca-
o rei tinha que recorrer constantemente aos ÓíVIDAS DO ESTADO lonne, propôs ao-rei que convocasse a Assem-

62 % 6 7 %
empréstimos da burguesia financeira que 1 oo % bléia dos Notáveis (composta somente de

510o/o 316% I I
cobrava altoo juros. As constantes guerras,
membros da nobreza) entre os anos de 1787
os gastos com a corte e os juros dos em­
préstimos aumentaram nos anos subse­
1 e 1788. Os nobres ouviram as explicações de
qüentes consideravehnente a dívida do
Estado, corno é possível verificar no segun­
__
�=� ���=�� e: �:���d��=��:
r
t

'..... _ 212'_*'
.

1 6 8 3 1 7 1 5 1 7 2 1 7 3 9 1 7 6 3 1 7 4 1 7 89
do gráfico. Sem dúvida, essa crise fman­
. ..
declararam-se em rebelião contra o próprio
ceira pode ser considerada corno urna das
i Luís XIV ' Luís XV ' Luís xv1 · r rei. Calonne foi, evidentemente, demitido.
<( causas da Revolução Francesa.
Cf) O déficit da França era, naquele momen­
LJ.J
u
ORÇAMENTO DO ESTADO ( 1 774/5) to, de 126 milhões de libras (a moeda fran­
z
<( cesa na época). Como saída para a crise,
cr: Receita Gastos
u.. sugeriu-se a convocação dos Estados Gerais,
o Cotas 1 2 , 5 % Diversos 21 o/o isto é, uma assembléia que reunisse represen­
!<( Tália 1 2, 5 %
U· Exército 33%
:::> tantes do Primeiro, do Segundo e do Tercei­
_J
o ro Estado. Os Estados Gerais deveriam
>
LJ.J discutir abertamente uma solução para a crise
cr:
LJ.J
financeira que assolava o país. Mas o Tercei­
Cl
z
ro Estado pretendia muito mais do que isto:
<( queria aproveitar a oportunidade para fazer
cr:
(.9 exigências de caráter político. As principais
<(
reivindicações do Terceiro Estado eram:
-
• Duplicação do número de representan­
92 tes nos Estados Gerais, garantindo pelo me-
nos o empate com os outros dois Estados; uma vez que cada Estado tinha direito a um O povo de Paris se levanta nas làmosas jor­
voto, o Terceiro estava sempre em inferioridade, pois o Primeiro e o Segundo partilha­ nadas de 13 e 14 de julho e é seguido pelas
revoltas nas cidades das províncias, histori­
vam as mesmas posições e votavam de maneira idêntÍca.
camente esse momento é conhecido como o
• Voto individual. Como o Terceiro Estado contava com a adesão de alguns membros
de Grande Medo ou o Terror que se estende
do Primeiro e do Segundo Estado, esta seria uma estmtégia para atingir maioria nas decisões. de fins de julho are priocípu de aga;1n de I7�.
A notícia da convocação dos Estados Gerais caiu como uma bomba sobre a Fran­ Soboul, fi:unooo historiador francês da Revo­
lução Francesa assim descreve o Terror:
ça. Da noite para o dia, todo o país foi invadido por milhares de jornais, panfletos
e cartazes. A agitação geral da sociedade assustou o rei e a nobreza. Enquanto isso, A Krlac:l9p.mi1iva fazia-re una cxm e. IB'lÇl'b
o Terceiro Estado se organizava para obter a aprovação de suas reivindicações. defensiva: é preciso pôr os inimigos do
]XlVO em condição de nâo poderem mais
prejudicar, ]Xlrém também puni-los e

A Constituinte e o início da revolução desforrar-se deles. Daí, as perseguições


e as prisàes, a devastação ou os incên­
dios dos castelos, os assasís nios e os mas­
Ao abrir a seção inaugural dos Estados Gerais, o rei advertiu os presentes: a As­ sacres, o Terror enfim. Em 22 de julho de
sembléia destinava-se única e exclusivamente a discutir questões relacionadas às fi­ 1789, Bertier de Sauvigny, intendente de
Paris e ela lle-de-Franoe, e � s::qro FOulon
nanças; não se falaria de reivindicações políticas.
de Doué, presos e conduzidos à prefei­
Diante da atitude do rei, o Terceiro Estado agiu prontamente, exigindo que as tura, foram arrebatados pela multidão e
reuniões fossem feitas conjuntamente e não separadas por Estados. Para garantir enfmmdos no lampiâo mais próximo. A
suas reivindicações, o Terceiro Estado proclamou-se em Assembléia Geral Nacio­ burguesia revolucionária aprovou: "Este
S'll1CJUe, era ele então tão puro?", perguntou
nal. O rei, desesperado diante da iniciativa dos representantes do Terceiro Estado,
� na krembléia CXXJStituinte Durante
mandou fechar a sala de reuniões. O Terceiro Estado não se deu por vencido e seus tcx:b o a.mn ch Re.oluçl'lQ a VOlta::E p.mil:iva
deputados tomaram a decisão de proclamar-se em Assembléia Nacional. Dirigiram­ foi comp:mheira do medo.
se a um salão que a nobreza utilizava para jogos e lá j uraram permanecer reunidos
até que a França tivesse uma constituição. A 27 de junho, o rei ordenou aos demais (Albert Soboul, A Reooluçào Francesa)
representantes dos outros dois Estados a participarem da Assembléia.
No dia 9 de j ulho de 1789 reuniu-se pela primeira vez a Assembléia Nacional para
redigir uma nova constituição. Os deputados dividiam-se em dois grandes grupos ,
os jacobinos e os girondinos, cujas posições físicas nas bancadas da Assembléia eram
as seguintes :
• na ala esquerda ficavam sentados os j acobinos (mais tarde montanheses) , lidera­
dos por Robespierre, representando a pequena burguesia, profissionais liberais e
lojistas. Próximos aos jacobinos estavam os cordeliers (receberam esse nome porque
seus adeptos se reuniam no Convento dos Franciscanos, os cordeliers) sob a lideran­
ça de Marat e Danton, representavam igualmente os interesses do Terceiro Estado.
• nas cadeiras do centro estavam ocupadas pelos girondinos (mais tarde recebe-
riam o nome de planície ou pântano), representavam os interesses da alta burguesia
comercial e financeira e também da nobreza liberal . Formavam o maior grupo da
Assembléia.
• na extrema direita sentavam-se os representantes da nobreza e do clero. Consti­
tuíam a minoria e defendiam a monarquia.
Dois grupos começaram a se formar, de um lado liderados por Mirabeau, havia
aqueles que defendiam uma monarquia institucional e do outro, uma minoria lide­
rada por Robespierre, defendia uma democracia republicana. Para o rei, isto signi­
ficava a perda do poder absoluto; sua reação foi imediata: demitiu o ministro Necker
e ordenou ao Exército que se preparasse para reprimir as manifestações da burguesia.
No dia 14 de julho de 1 789, a burguesia apelou para a ajuda do povo parisiense: O docurren.to abaixo, o relato de um obser­
a Bastilha, construção utilizada como prisão política, foi invadida por populares. vador da época, retrata bem a importância
A violência revolucionária rapidamente espalhou-se pelo interior. Camponeses in­ da tnmada da Bastilha que a realtz� conside­
rnva inexpugnávcl. <(
vadiram os castelos da nobreza feudal, executavam farm1ias inteiras e exigiam uma (f)
LU
reforma fundiária. Os temores da burgue- u
z
sia voltaram-se então para as ações dos <(
a:
camponeses, que poderiam avançar tam­ Esta fortaleza fantástica, que começou a ser construída em 1369, sob Carlos V e concluída u...

bém contra a propriedade burguesa. Para em 1383, este terrí.fico colosso que Luís XVI e Turenne julgavam inexpugnável, acabou o
! <(
finalmente ]XJr ser tomada de assalto em quatro horas ]XJr uma indisciplinada milícia
garantirem-se, decidiram abolir os direi­ U·
:::>
sem chefe, ]Xlr burgueses inexperientes, ajudados, é oerto ]Xlr alguns soldados da Pátria, _J
tos feudais, e, quase no mesmo tempo, ins­ e mais tarde ]Xlr um punhado de homens livres! Oh! Santa liberdade, tal é entôo o o
tituíram a Declaração dos direitos do homem >
teu poder. ( ... ) A notícia de um tôo grande e tão glorioso acontecimento espalhou a w
a:
e do cidadão (26 de agosto de 1789). alegria e a esperança em todos os bairros da cidade; mas uma carta interceptada, que
w
Grande parte da nobreza atemorizada re­ o traidor do preboste dos comerciantes escrevera ao ilustre De Launay ( o governador o
da Bastilha), tinha. dado a conhecer que, pelas lO horas e durante a noite, haveria com z
solveu emigrar para a Holanda, Inglater­ <(
certeza traições e surpresas. Por conseqüência t=u-se a rebate paraque todos os cida­ a:
ra, Áustria e outros países. Esperavam dãos pegassem em armas e ninguém dormisse na gn:mde capital ( . . . ) . �
conseguir restaurar o absolutismo, que (Diário redigido por Loustalot n° l, 1 5-7-1789, in Gustavo de Freitas, op. cit.) <(
-
caía em frangalhos .
Um dos atos mais importantes da As- 93
Declamçào dos Direita; do Homem e sembléia Nacional Constituinte foi o confisco dos bens do clero. Estes bens ser­
do Cidadào de 26 de agosto de viram como garantia para os bônus que foram emitidos com o objetivo de arrecadar fun­
1 789. .
dos e superar a crise financeira. A Igreja Francesa reagiu e protestou, mas a Assembléia
A Assembléia Nacional reconhece e
declara, na presença e sob os auspí­
passou a prender qualquer membro da Igreja que se manifestasse politicamente.
cios do Ser Supremo, os direitos se- A situação política e social era bastante confusa, nos momentos iniciais da Revo­
guintes do Homem e do Cidadão: lução. O rei maiJ.tinha secretamente contato com os emigrados e com as monarquias
Art. I - Os homens nasoem e per­ absolutistas da Austria e da Prússia, para conspirar contra o governo revolucionário
manecem livres e iguais em direitos.
e restaurar o absolutismo. Numa tentativa desesperada, o Rei Luís XVI tentou fu­
( ... )Art. I! O objetivo de tcx:la as-
sociação política é a conservação dos gir para a Prússia, mas no caminho foi reconhecido e preso por camponeses, sendo
direitos naturais e imprescritíveis do obrigado a voltar a Paris.
homem: esses direitos são a liberda­ Os setores mais moderados da Assembléia conseguiram que fosse aprovada uma mo­
de, a propriedade, a segurança e a
narquia parlamentar na Constituição de 1791 semelhante à inglesa após a Revolução Glo­
resistência à opressão. Art. UI - O
princípio de tcx:la soberania reside
riosa. O poder do rei (executivo) ficava, portanto, limitado pelo poder legislativo
essencialmente na nação; nenhuma (parlamento). No entanto, o poder legislativo não era escolhido pelo voto universal (de
corporação, nenhum indivíduo pode todo o povo francês) mas pelo voto censitário (somente os mais ricos poderiam votar).
exercer autoridade que dela não Isto equivalia a dizer que o governo da França ficava nas mãos da fração minoritária da
emane expressamente. Art. IV - A
rica burguesia e da aristocracia. O povo francês continuava afastado das decisões políticas.
liberdade consiste em poder fazer tu­
do aquilo que não pejudica a ou­ A situação da política externa era tão grave quanto a crise interna da França Re­
trem. Art. V A lei não tem senão volucionária. As monarquias absolutistas vizinhas acompanhavam os acontecimen­
o direito de proibir as açôes prejudi­ tos com grande temor. Crescia junto aos monarcas absolutistas a idéia de que era
ciais à sociedade. Tudo aquilo que preciso esmagar a revolução no seu nascedouro antes que se expandisse. Os revolu­
não é proibido pela lei não pode ser
impedido e ninguém pode ser obri­
cionários franceses passaram a raciocinar de forma oposta, isto é, pretendiam ex­
gado a fazer aquilo que ela não or­ pandir a revolução através de uma guerra revolucionária, pois caso contrário a França
dena. Art. VI - A lei é a expressão ficaria isolada e a revolução sucumbiria.
da vontade geral; tcx:los os cidadãos
têm direito de conoorrer pessoalmen­
te ou pôr seus representantes à sua
elaboração; ela deve ser a mesma
para tcx:los, seja protegendo, seja A guerra e a queda da monarquia constitucionalista
punindo.
( . .. ) A Assembléia Legislativa francesa declarou guerra à Áustria e à Prússia no dia
( Duguit, L., Monnier, H. Les amstiJu­
20 de abril de 1792, depois que essas duas monarquias absolutas se recusaram a
tions et les principales /ais po/itiqw!s de la garantir um estado de não-beligerância.
Frances depuis 1789, in Falam, F.J.C. e Luís XVI tinha esperança que os exércitos franceses fossem rapidamente derrota­
Moura, G. - A fonnação do mundo dos o que permitiria seu retorno ao poder. O rei e a rainha, Maria Antonieta, entra­
cnnJemfXJI)'ânRo ram em contato com os inimigos passando-lhes segredos de guerra.
Na Assembléia, Robespierre denunciou a traição do rei e de alguns generais fiéis
à nobreza. Num discurso aos jacobinos, Robespierre dizia: "não! eu não me fio nos
generais e, fazendo exceções honrosas, digo que quase todos tem saudade da velha ordem,
dos favores que dispõem da corte. Só confia no povo, unicamente no povo. "
Nas ruas de Paris e das grandes cidades, os sans-culottes faziam grandes manifes­
tações pedindo a prisão dos responsáveis pelas traições e pelas derrotas francesas
nos campos de batalha. A situação ficou ainda mais tensa, quando um alto militar
prussiano ameaçou de morte os membros da Assembléia se a família real francesa
fosse ultrajada. A ameaça tinha por objetivo amedrontar os revolucionários, mas
o resultado foi exatamente oposto: o povo e os sans-culottes enraivecidos pela arro­
gância dos inimigos da França invadiram na noite de 9 de agosto de 1 792, o palácio
das Tulherias onde se encontrava o rei e a família real. Era o fim da monarquia.
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A Proclamação da República
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L.L. No dia 2 de setembro de 1792, pela manhã chegou a notícia de que a fortaleza de Ver­
o
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duo, a última entre Paris e a fronteira, havia sido sitiada. Imediatamente, foi lançada uma
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proclamação aos franceses: "Às armas cidadãos! As armas! O inimigo está às portas!" Vários
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o
nobres suspeitos de ligação com os inimigos foram massacrados pela população enfurecida.
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w No dia 20 de setembro de 1 792 chegou a Paris a notícia da esmagadora vitória
0::
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dos exércitos revolucionários franceses sobre as tropas prussianas: no mesmo dia
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foi oficialmente proclamada a República na França, cujo órgão principal era a Con­
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venção, eleito por voto universal.
c..:J Os setores mais moderados, os girondinos haviam se apossado da direção política do
<( país. Havia um problema imediato a ser resolvido : que destino deveria ser dado ao rei
- e sua família que se encontravam presos. Os jacobinos não vacilaram: o rei deveria ser
94 julgado e executado como traidor. A proposta jacobina sai vencedora e Luís XVI foi
guilhotinado. A populatidade dos jacobinos crescia apoiados pelos sans-culottes. Os sans,;u/.ottes era um movimento essen­
As vitórias/dos exércitos franceses eram acompanhadas de uma crescente simpa­ cialmente urbano constituído por trabalha­
tia por parte da p.opulàÇão. 0 território prussiano que já havia sido em parte invadi­ dores pobres, pequenos artesãos, lojistas,
artífices, pequenos empresários. Eles rece­
do, era proclamado zona da liberdade. biam esse nome que literalmente significa
No plano interno, o governo dominado pelos girondinos propôs uma série de re­ sem culotes, ou seja sem a vestimenta típi­
formas moderadas de forma que os privilégios da alta burguesia não fossem afeta­ ca da nobreza.
dos. Muitos girondinos aumentaram suas fortunas, especulando com alimentos para Os sans-culottes eram organizados, princi­
palmente nas "seções" de Paris e nos clubes
as campanhas militares. Com isso a situação só piorava, pois os preços subiam a
políticos locais, e forneciam a pn"ncipal força
cada dia. de choque da revolução - eram eles os verda­
Os sans-culoues, nas ruas de Paris, sob o comando de líderes radicais, exigiam re­ deiros manifestantes, agitadores, constrntores
formas mais profundas e um rígido controle de preços dos alimentos. Os jacobinos de barricadas. Atmvés dejornalistas como Ma­
rat e Hérbert, através de porta-vozes locais,
formaram a Comissão de Salvação Pública que tinha por fmalidade controlar os preços
eles r.ambémformulo.ram uma político:, por trás
(Lei do Máximo) e denunciar os abusos por parte de negociantes inescrupulosos da qual estava um ideal social contradil.ório
ligados aos girondinos. e vagamente definido, que combinava o res­
Os girondinos ficaram cada vez mais temerosos diante do aumento das agitações peito pela (pequena) propriedade privada com
dos sans-culottes. Certas regiões da França como a Vendéia, por exemplo, haviam a hostilidade aos ricos, trabalho garantido pe­
lo g(JI)erno, salários e segurança social para
sido tomadas por forças contra-revolucionárias apoiadas pela Inglaterra. A Revolu­
o homem pobre, uma democracia extremada,
ção e as liberdades conquistadas corriam perigo. As camadas populares lideradas de igualdade e de liberdade, localizada e direta.
pelos jacobinos rebelaram-se entre maio e j unho de 1 793, o edifício da Convenção (Eric J. Hobsbawn, A Era das Revoluções
foi cercado pela população enraivecida. Os girondinos, líderes do governo, foram - 1 789-1848)
presos e um novo governo de tendência popular foi instaurado.

O governo dos jacobinos


Os jacobinos tomaram o poder graças ao apoio irrestrito dos sans-culones. Algumas
reformas começaram a ser efetivadas. A principal delas foi a distribuição de pequenas
propriedades por toda a França. Aos poucos um grande número de camponeses
transformaram-se em pequenos proprietários, formando uma classe extremamente po­
derosa em termos políticos e econômico. Modificou-se também o calendário.
No entanto as reformas propostas pelo governo dos jacobinos esbarravam em suas próprias
contradições. Apesar de ser um governo de esquerda e de tendências populares, os jaco­
binos repartiram o poder com elementos da extrema esquerda e do centro. Robespierre,
inicialmente, conseguiu manter uma posição de equilíbrio, mas, aos poucos, esse equilí­
brio foi rompido. Robespierre mandou prender e executar os membros da extrema esquerda
e depois fez o mesmo com os mais moderados, cuja figura mais conhecida foi Danton.
Robespierre assumiu portanto atitudes anti populares, mas para a grande bur­
guesia era considerado um radical.· A conspiração contra Robespierre começou exa­
tamente no seio da burguesia insatisfeita com as medidas do governo que a impedia
de obter altas taxas de lucros.
No dia 27 de junho de 1 794, ao iniciar-se mais uma reunião da Convenção, a bur­
guesia do partido de planície decretou a prisão de Robespierre. O líder tentou ainda
buscar apoio dos sans-culottes, mas estes não mais acreditavam em Robespierre. Pouco
depois tanto Robespierre quanto seus mais diretos colaboradores foram executa­
dos. Instaurava-se o governo dos ricos burgueses.

O governo Termidoriano e o Diretório A 2 de junho de 1793 inicia-se a Repú­


blica jacobina. Como Hobsbawn afrr-
ma, foi ( . . . ) a primeira república do p(JI)o,

Pelo novo calendário, o golpe contra Robespierre havia sido desfechado no dia inspiração de toda a revolta subseqüente. �
9 Termidor (equivalente ao mês de julho) por isso recebeu o nome de governo T er­ Pois essa não era uma época a ser medida U
midoriano. Os membros do novo governo eram quase todos ligados à burguesia dos pelos critérios humanos cotidianos (.. .) Em �
bancos, aos agiotas, grandes negociantes e especuladores em geral.
junho de 1 793, 60 dos 80 departamentos ff
franceses estavam em revolta contra Paris, o
O novo governo apressou-se em tomar uma série de medidas para salvaguardar os exércitos dos principes alemães estavam ·�

seus interesses: restaurou a escravidão nas colônias (havia sido abolida no governo irrvadindo a França pelo norte e pelo leste; ::::>
_.
dos jacobinos), acabou com a lei do máximo, liberando os preços dos alimentos e os britânicos atacavam pelo sul e pelo oes­ o
te; o país achava�se desamparado e falido. >
de outros produtos. u.J
Quawrze meses mais UJrde, toda a França a:
Em setembro de 1795 preparou-se outra Constituição que acabou com a Convenção eswva sob firme controle, os irrvasores ti- u.J
do período jacobino, e instituiu um novo órgão de governo chamado Diretório, que era nham sido expulsos, os exércitos franceses �
composto por cinco membros representando o poder executivo e duas câmaras repre­ por sua vez ocupavam a Bélgica e esta- �
sentando o legislativo: o Conselho dos Anciãos e o Conselho dos Quinhentos. vam perw de começar um período de 20 <.:J
anos de quase ininterrnpto e fácil triunfo �
O governo do Diretório suprimiu o voto universal e restabeleceu o voto censitário
miliwr. -
(só os que tivessem certa renda podiam votar e serem eleitos) . O poder retornava (Eric J. Hobsbawn, A Era das Revoluções
para as mãos da rica burguesia. - 1 789-1848) 95
Os sans-culottes revoltaram-se em 1795 con­ Ao mesmo tempo em que a economia ficava sob o controle da alta burguesia,
traa política imposta pelos girondinos, mas tomava-se medidas para reprimir remanescentes do movimento revolucionário. Foi
sem líderes, foram derrotados, Uma últi­
o que aconteceu com o líder Graco Babeuf, que pregava a volta da constituição jaco­
ma tentativa de revolta será realizada em
1796: a Conspiração dos Iguais lidera­ bina e da igualdade social. No mês de maio de 1 796, Babeuf e seus companheiros
dos por Graco Babeuf. Descobertos antes foram presos e executados na guilhotina.
que pudesse ser deflagrada, seus mem­ No plano externo o governo Termidoriano conquistava vitórias graças às brilhan­
bros foram presos e executados. Apesar tes campanhas de um jovem general : Napoleão Bonaparte, que se destacava cada
de não ter tido importância política na épo­
ca Soboul destaca que a Conjuração dos
dia mais no cenário político militar da França. A própria Áustria foi obrigada a re­
Iguais constituiu a primeira tentativa de conhecer a superioridade francesa assinando um tratado de paz com a França.
tornar o comunismo, até então uma uto­ Quando Napoleão foi enviado para combater os ingleses no Egito, os exércitos que
pia, em sistema ideológico. Como os sans­ lutavam na Europa começaram a sofrer derrotas. O governo do Diretório perdeu prestígio.
culottes, como osjacobinos, Babeufprocla­
ma que o fim da sociedade é a felicidade
comum e que a Revolução deve assegurar
a igualdade dos usufrutos. Mas, como a
O golpe do 1 8 Brumário
propriedade privada introduziria necessaria­ A situação era extremamente grave. A burguesia ia esquecendo suas idéias de li­
mente a desigualdade e a lei agrária, isto
berdade e clamava por um governo forte para restaurar a lei e a ordem. As condi­
é, como a partilha igual das propriedades
não poderia "durar mais que um dia" ('� ções econômicas e sociais se agravavam com as derrotas do exército francês frente
partir do dia subseqüente ao de seu estabele­ aos ingleses e austríacos que haviam retomado a luta contra a França.
cimento, a desigualdade se mostraria nova­ Napoleão Bonaparte encontrava-se no Egito, mas havia deixado seus agentes para
menti'), a única maneira de chegar à criar condições políticas no sentido de preparar um golpe de Estado. Para quase
igualdade de fato é "estabelecer a adminis­
toda a França somente um governo forte salvaria o país da situação de crise e de
tração comum; suprimir a propriedade parti­
cular; ligarcada homem ao talento, à indústria derrota em que se encontrava.
que ele conhece; obrigá-lo a depositar o fruto No dia 1 O de novembro de 1799 ( 18 brumário pelo novo calendário), Napoleão
em natura no armazém comum; e estabelecer voltou do Egito, em acordo com dois membros do Diretório dissolveu o órgão do
uma simples administração dos víveres, que,
governo e instituiu o Consulado.
manwndo registra de todos os indivíduos e
de todas as coisas, fará a repartição destas Iniciava-se assim o período Napoleônico da revoluçãl, que consolidou o poder da burguesia.
últimas na mais escrupulosa igualdade.
(Albert Soboul, A Revolução Francesa)
Exercícios

1 . (FUVEST-SP) Diz o primeiro artigo de um conhecido texto constitucional, pu­


blicado em 26 de agosto de 1 789: "Os homens nascem e permanecem livres e iguais
em direitos. As distinções sociais só podem ser fundadas sobre a utilidade comum. ' '
a) Escreva o nome do texto citado.
b) Em que medida essa afirmação rompia com a antiga ordem social?
2. (PUC/CAMPINAS- SP) Assinale a alternativa correta relativa ao acontecimento
histórico conhecido por Revolução Francesa.
a) Um dos estopins da Revolução Francesa foi a convocação da Assembléia dos Es­
tados Gerais por Luís XVI em 1789 com o objetivo de forçar a nobreza e o clero
a pagar os impostos.
b) Significou uma tomada do poder político pela burguesia, a superação das insti­
tuições feudais do Antigo Regime, a criação de condições para o desenvolvimento
do capitalismo na França.
c) Significou a tomada da Bastilha pelo povo, a 14 de julho de 1789, manobrado
indiretamente pelo clero, que não via com bons olhos o poder da nobreza .
d) Representou a abolição dos direitos feudais, porém sem que os direitos da nobre­
za e do clero fossem alterados.
e) Apesar de se constituir num movimento revolucionário, a Revolução Francesa
<(
(f) pouco incomodou os demais países europeus controlados por forças absolutistas.
LJ.J
u
z
<( Respostas Comentadas
a:
L.L.. 1. O texto mencionado no enunciado é um trecho da Declaração dos Direitos do
o Homem e do Cidadão.
•<(
U· A afumação de igualdade nele contida era frontalmente contrária à antiga so­
:::>
-I
o ciedade de ordens e particularmente contra os privilégios fiscais e judiciários da
> nobreza e do clero. E além do mais deixava claro a igualdade do cidadão peran­
LJ.J
a:
LJ.J
te a lei, o que não significava, de forma nenhuma, uma igualdade social ou eco­
o nômica.
z
<(
a:
2. A-Revolução Francesa foi uma revolução burguesa que em termos políticos sig­
(!) nificou a instauração de um regime parlamentar monárquico ou republicano. Foi
<( só com a instalação deste novo regime que a França deu seus primeiros passos em
- direQiO à organização de uma economia mais dinâmica e capitalista. Portanto , a res­
96 posta correta é a alternativa b .
,.,.,

NAPOLEAOI A EUROPA I

E A AMERICA LA TINA
A época napoleônica
A revolução movimentou e envolveu todos os setores e segmentos da sociedade fran­
cesa. Tendo como principal objetivo a transformação do mundo, ela atraiu para si prin­
cipalmente os jovens. Com certeza se pode afirmar que a Revolução Francesa foi uma
revolução de jovens. Basta lembrar a idade de três de seus mais ilustres representantes;
Saint-Just, 25 anos; Robespierre, 34 e Joubert que, com 26 anos, foi nomeado general.
Os povos das demais nações européias viam a Revolução Francesa como um cami­
nho a ser seguido para promover sua libertação das amarras impostas por séculos de
feudalismo. Todavia essa opinião não era partilhada pelos monarcas e pela nobreza
dessas nações. Para eles, a Revolução Francesa representava uma ameaça a seus privi­
légios de classe. Assim, aos seus olhos, o caminho a ser seguido era exterminá-la em
sua origem. Comungava também desse pensamento a própria aristocracia francesa. Con­
seqüentemente, esse conflito de interesses - de um lado, a França, cuja sobrevivência
dependia essencialmente da expansão do ideal burguês, e, de outro, a nobreza feudal
européia, que via nessa expansão uma ameaça a seus privilégios - tornava a guerra
inevitável.
Ao começar a Revolução, Napoleão - nascido em Ajaccio, na ilha de Córsega, de
uma família da pequena nobreza arruinada - a ela aderiu prontamente, influenciado
pelos escritores iluministas. Tendo se iniciado nas artes militares da artilharia, ele dá
continuidade a sua carreira nesse clima de conflito. E, embora inicialmente tenha se
posicionado contrariamente aos ideais jacobinos, mais tarde os apóia. É nessa oportu­
nidade, coincidentemente, que ele ascende aos altos postos do exército francês.
Em agosto de 1 793, o porto de Toulon, ao sul da França, se encontrava nas mãos
dos ingleses que lideravam uma coligação de nações em luta contra a França revolucio­
nária. Era imprescindível para a sobrevivência da Revolução a retomada desse porto.
O Comitê de Salvação Pública do governo jacobino nomeou o general Dugommier -
que tinha como assistente o capitão Napoleão Bonaparte - para executar essa tarefa.
Napoleão propõe ao seu superior um plano, que é aceito, para libertar a cidade portuá­ <(
ria: os canhões, dispostos estrategicamente, abrem um impiedoso fogo de artilharia em
z
i=
direção ao inimigo que, não suportando, parte em retir.ada com seus navios. Esta im­ :5
portante vitória concede ao jovem militar - com apenas 24 anos - o posto de general­ <(
u
de-brigada. É justamente nessa oportunidade que Napoleão declara sua irrestrita soli­ ã:
·LJ..J
dariedade aos jacobinos. ::::!:
O golpe de 9 Termidor, em 1 794, derruba os jacobinos. Pego de surpresa, Napoleão <(
é detido como simpatizante das tendências mais radicais, permanecendo por algum tempo <(
LJ..J
afastado do cenário político-militar. Até que uma rebelião realista, com a intenção de
rt.
restaurar a monarquia, eclode, e o governo termidoriano designa Napoleão para sufocá-la. o
c:
Pelo êxito alcançado, a República é salva do perigo e Napoleão, aclamado herói, é no­ :::::>
LJ..J
meado general-de-divisão e chefe dos exércitos do interior. Contava então apenas 26 <(
anos de idade.
o
Apesar de salva do perigo monarquista, a República continua sentindo-se ameaça­ •<(
LJ..J
....J
da, desta vez por aqueles que comungavam dos ideais jacobinos: os grupos de esquerda o
0..
que ainda pretendiam estabelecer um governo popular. Barras, um dos dirigentes do <(
Diretório, solicita a Bonaparte que feche o Panteon, clube dos revolucionários, no que z
-
é prontamente atendido. Assim, com a mesma frieza com que esmagou a revolta de
direita dos realistas, Napoleão inviabiliza a articulação de grupos de esquerda. Sua am- 97
bição pelo poder sempre fala mais alto e o leva a abrir mão de qualquer comprometi­
mento ideológico. E até em sua vida particular se encontra vestígio desse seu oportu­
nismo: casa-se com Josefina, cuja relação íntima com Barras alcança notoriedade.
Novamente a República se vê ameaçada por uma coligação de nações, incluindo-se
entre elas sua tradicional inimiga, a Inglaterra, e alguns estados italianos como Pie­
monte e Sardenha. A Áustria lidera a ofensiva, iniciando operações no norte da Itália
com o objetivo de ameaçar o sul da França. Com a esperança de que o êxito se repita,
Napoleão é nomeado comandante dos exércitos na Itália. Ocorre que as melhores tro­
pas francesas se encontram lutando a leste, no Reno, e a Napoleão cabe comandar tro­
pas totalmente desorganizadas pela indisciplina de seus soldados. Mas o grande militar
sabe tirar proveito até de situações aparentemente desfavoráveis como esta.
Antes de iniciar a campanha, Napoleão conclama seus liderados : Soldados, estais nus,
mal nutridos. Vou conduzir-vos às mais férteis planícief do m undo. R icas províncias, gran­
des cidades vos esperam; ali encontrareis honra, glória e riqueza. Lançando mão de seu
prestígio pessoal e do vertiginoso sucesso de sua carreira militar, ele persuade seus su­
bordinados a obter, através das batalhas militares, vantagens pessoais. Dessa forma,
inicia-se com Napoleão um novo conceito de guerra . Já não se trava uma luta em nome
da pátria ameaçada, mas pela conquista de bens, de riquezas, através de pilhagens. Já
não se luta por ideal, mas em nome de um superior que oferece recompensas.
Irrompendo impetuosamente pela Itália, as tropas de Bonaparte impõem sucessivas
derrotas aos austríacos e italianos. A partir do sul da Itália, ele alcança Roma e, final­
mente, em 18 de outubro de 1 797, obriga a Áustria a assinar o Tratado de Campo
Fórmio, através do qual ela cede a Bélgica, a Lombardia e parte do território da mar­
gem esquerda do rio Reno à França. Após esse episódio a popularidade de Napoleão
cresce vertiginosamente e, quando volta a Paris, é recebido com intenso entusiasmo.
Mas o inquebrantável inimigo - a Inglaterra - ainda não havia sido derrotado.
Animado pelos sucessos anteriores, Bonaparte queria ser o autor de mais essa grande
façanha. E, percebendo ser impossível invadir a Inglaterra enquanto a marinha france­
sa não fosse suficientemente forte para sobrepuj ar a armada britânica, apresentou um
plano para atacá-la na origem do seu poder, no local de onde provinha toda a sua rique­
za. Ou seja, no Oriente, no Egito e, depois, nas Índias. Impressionado com a proposta,
o Diretório concedeu, imediatamente, seu beneplácito.

O golpe do 1 8 Brumário
No Egito, entretanto, a campanha não alcança o êxito esperado. Nesse momento,
Bonaparte recebe notícias sobre a formação de uma segunda coligação de nações con·
tra a França e sobre as sucessivas derrotas infligidas pelos países absolutistas e pela
Após o 18 Brumário, Napoleão convoca Inglaterra ao exército francês. É também informado acerca da fragilidade do governo
os banqueiros de Paris com o propósito do Diretório que, não conseguindo controlar a inflação, .dá lugar a agitações. Reinava
de um empréstimo complementar. No tre­ na França um clima de descontentamento e a cada dia a situação interna se agravava.
cho abaixo, a reação dos banqueiros ao pe­
dido de subscrição desse empréstimo.
Um anúncio publicado nessa oportunidade em um jornal parisiense expressa o desejo
de um grande número de franceses: A França deseja qualquer coisa de grande e durável.
<( Todos subscrevemos, declarou (. . .) Não quer a realeza que está proscrita, mas quer a unidade. (. . .) Deseja que seus repre­
;:
<(
Mallais, em nome dos
ba nq ue iros presentes. Há por
sentantes sejam conservadores pacíficos e não inovadores turbulentos. Apesar de o general
-l não ser citado nominalmente, tratava-se de sua pessoa.
acaso algum banqueiro ou
j negociante parisiense que, em Bonaparte compreende ter chegado a hora e a vez de .desempenhar na França o pa­
ex: vista de tantas belas esperanças, pel com que tanto sonhara. Conseguindo burlar a vigilância dos navios ingleses anco­
-� não se apressará a testemunhar
sua confiança absoluta n o
rados na costa do Egito, ele desembarca na França, acompanhado por alguns homens.
<( E, a caminho de Paris, por onde passava recebia ovações que o reconheciam como a
<( Governo? A bolsa responde ao
UJ golpe de estado subindo a
solução mais adequada para a França naquele momento.
.� cotação dos títulos do Estado. Os Esse reconhecimento, entretanto, ele não recebeu dos deputados que, reunidos na
O camponeses proprietários Assembléia dos Quinhentos, procuravam uma saída para a crise. Protestos como Fo­
g5 franceses abrigavam a esperança ra-da-lei. Não queremos um ditador foram os "votos de boas-vindas" que Napoleão ou­
UJ de que Bona parte , cujo nome se
viu da Assembléia e que o obrigou a dela se retirar. Imediatamente, porém, ordenou
<( vinculava às brilh antes vitórias
à nas guerras contra a coalizão
que uma coluna de soldados a dissolvesse; era 1 0 de Novembro de 1799.
1 <( No lugar do Diretório, instala-se o Consulado, governo do qual participavam, além
UJ feuda l , defenderia a França
,_1
o contra o inimigo do exterior e de Napoleão, Roger Ducos e o abade de Sieyes.
a... contra os emigrados , e garantiria
<( A constituição do Diretório foi substituída por um novo d�lCumento constitucional
z a posse das terras conquistadas
no qual desaparecia a declaração dos direitos. O governo de Napoleão,, estabelecido
- durante a Revolução.
(V. M. Jvostov e Zubok, História com o golpe do 18 Brumário - pelo novo calendário revolucionário .....,, acabou com
98 Contemporânea) os projetos político-liberais e de descentralização.
Do Consulado ao Império No dia 2 de dezembro de 1804, Napoleão
fez-se coroar imperador da França. A bur·
guesia francesa rejubilou-se com o ato.

A primeira tarefa do novo governo é resolver as pendências externas, o que realiza


celebrando acordos e tratados de paz em separado com cada uma das nações que com­ Chegado a Notre-Dame (catedral
punham a coligação, com exceção da Rússia gue, em 1 799, dela já havia se afastado de Nossa Senhora de Paris) , o
da guerra. Em conseqüência da derrot;� dos austríacos pelos exércitos franceses, na ba­ imperador demora-se algum
tempo no arcebispado para aí se
talha de Marengo, ao norte da Itália, Viena assina com esse país o Tratado de Paz
revestir do trajo de cerimônia,
de Luneville, em 1 80 1 , através do qual é reconhecida a soberania francesa. Com a que parecia esmagá-lo um
Inglaterra, em 1 802, é celebrado o Tratado de Paz de Amiens, marco do grande pouco. A sua fraca figura
êxito da política napoleônica, na medida em que nesse acordo a Inglaterra renuncia fundia-se sob este enorme manto
a algumas de suas conquistas coloniais. de arminho. Uma simples coroa
de louros lhe cingia a cabeça;
Alcançada uma relativa tranqüilidade na frente externa, tratava-se, então, de se bus­ parecia uma medalha antiga.
car uma solução para os conflitos internos. Sua primeira tentativa é obter legitimidade Mas estava extremamente pálido,
para o novo governo. Nesse sentido, fez aprovar por plebiscito a constituição que insti­ verdadeiramente comovido, e a
tucionalizava o Consulado como poder executivo e criava um Tribunal, um Conselho expressão do seu olhar parecia
severa e um pouco perturbada.
de Estado, um Legislativo e um Senado. Mas, sem dúvida alguma, o poder era efetiva­
Toda a cerimônia foi imponente
mente exercido pelo Consulado, especialmente pelo próprio Napoleão que se fez no­ e muito bela. O momento em
mear primeiro cônsul. Entrava em cena uma verdadeira ditadura. que a imperatriz foi coroada
Com o objetivo de regulamentar as relações sociais e controlar a vida política, moral produziu um movimento geral de
e ideológica da nação, é elaborado o Código Napoleônico, uma verdadeira bíblia que admiração, não pelo ato em si ,
mas ela estava tão graciosa,
pretendia dar conta de todas as instâncias da sociedade. Este instrumento jurídico, se caminhou para o altar tão bem,
por um lado reforça o direito à propriedade privada, por outro dispensa pouca atenção ajoelhou-se duma maneira tão
às questões do trabalho, chegando a proibir as greves. O tratamento que confere às elegante e ao mesmo tempo tão
mulheres é de total subordinação aos homens. simples, que satisfez todos os
olhares. ( . . . ) O Papa, durante
O novo governo tenta também estabilizar a situação financeira do país: cria o Banco
toda esta cerimônia, teve sempre
da França, uma nova moeda - que se tornaria a mais forte de toda a Europa Continen­ um pouco o ar duma vítima
tal -, e organiza um novo e melhor sistema de impostos. Preocupa-se igualmente com resignada.
a educação, criando novas escolas, principalmente escolas normais, que devem (M:"' de Remusat, Memórias)
subordinar-se ao Estado.
Em 1 804, exercendo um completo controle da vida política, Napoleão testa sua po­
pularidade. Compreendendo a enorme importância da propaganda e da comunicação
- motivo pelo qual exerce violenta censura aos jornais que ousavam opor-se a ele
-, utiliza-se de seus recursos para promover e realizar outro plebiscito, cujos resulta-
dos, é claro, lhe são favoráveis. Assim legitimado, faz-se coroar imperador dos franceses.

A política externa de Napoleão


Após um breve período de trégua, a Inglaterra reinicia as hostilidades. A justificati­ O objetivo do Bloqueio Continental era
va para o reinício da guerra foi o fato de a França ter adotado urna política protecionista, muito claro: derrotar economicamente a
prejudicando assim os interesses do comércio britânico. Pela terceira vez, lidera uma Inglaterra. O texto abaixo coloca de que
forma Portugal foi um obstáculo aos pla­
coligação da qual participam também a Rússia, a Áustria e a Suécia. Para enfrentá-la
nos de Napoleão.
a França se une à Espanha, cujos exércitos
são derrotados pela esquadra inglesa em O Bloqueio Continental só podia triunfar - ou seja, provocar uma crise de <(
Trafalgar, em 1 805. Em compensação, os superprodução na Grã-Bretanha e estimular a indústria do continente - se fos· z
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exércitos franceses, em terra, derrotam es­ se aplicado rigorosamente em toda a Europa e sobretudo nos países que tradi­ <(
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petacularmente os austríacos na batalha de cionalmente serviam de mercado para ó comércio britânico. Se no começo Rús­
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sia, Alemanha, Holanda, Espanha e a maior parte da Itália fecharam seus por­
Austerlitz, em dezembro desse mesmo ano. tos aos ingleses, um país se mostrou recalcitrante: Portugal .
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Em decorrência, a Áustria se retira da coli­ Portugal era um dos Estados da Europa mais hostis à política de Napoleão, ::2
gação. Forma-se, a seguir, a Confederação e isto por duas razões. Em primeiro lugar, porque, em virtude de sua estrutura <(

do Reno, como resultado da união de vá­ política e social, se mantinha impenetrável às idéias revolucionárias. Para o go­ <(
UJ
verno português, como para o governo britânico, Napoleão continuava a revo­
rios pequenos Estados alemães: é um dos si­
nais de que a Alemanha dava os primeiros
lução. Além disso, o governo português estava ligado economicamente à Ingla­ �
terra há séculos e, sobretudo desde o Tratado de Methuen, de 1703, Portugal se o
passos no sentido da sua unificação e mo­ a:
negou a aplicar os decretos de Berlim e Milão (que estabeleceram o Bloqueio ::::>
UJ
dernização. Desaparecia, assim, o Sacro Continental) . O primeiro-ministro espanhol , Godoy, incitou Napoleão a inter­
vir ( . . . ). Desejava (Godoy) forjar um principado pessoal na costa portuguesa. <(
Império Romano-Germânico.
A intervenção neste país teve, pois, como causa profunda a aplicação do Blo­ à
Em 1806, a Prússia se levanta contra Na­ queio Continental , mas f01 precipitada pelas intrigas do governo espanhol (A
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poleão e, para combatê-lo, se alia à Rússia, intervenção) foi nefasta ( . . . ) para o próprio Napoleão que se meteu no vespeiro
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cujo exército é derrotado pelos franceses. ibérico. a..
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Napoleão parecia invencível. Contudo, exis­ z
(Jacques, Godechot, Europa y América En La Época Napoleônica) -
tia ainda um poderoso inimigo a ser venci­
do: a Inglaterra. Consciente da supremacia 99
O ódio aos Bourbon era tão grande que militar deste país, Bonaparte desloca a guerra para o campo econômico: organiza o
Napoleão conseguiu voltar ao poder. As
Bloqueio Continental, de 1 806. Com esta medida, Napoleão pensa atingir a nação
tropas enviadas contra ele começavam a
passar para seu lado.
inimiga em um ponto crucial para o seu desenvolvimento, ou seja, impedindo o livre
Nos jornais parisienses escrevia-se a comércio deste país com as outras nações. Com o intuito de que a Rússia assumisse
princípio: O monstro corso desembarcou
na a mesma postura frente à Inglaterra, Bonaparte obriga este país, que acabava de derro­
baía de S. João. O canibal marcha sobre tar, a assinar o Tratado de Paz de Tilsit. É necessário destacar o habilidoso papel
Grasse. À medida que o avanço de N apo­
que o ministro das relações exteriores, Talleyrand, desempenha nesse período. São im­
leão obtinha êxito, os jornais mudavam de
tom: Bonaparte ocupou Lyon, Napoleão se portantes as conseqüências que o Bloqueio Continental acarreta não só para a Europa
aproxima de Fontainebleau. Finalmente, - que se encontra toda ela sob o domínio de Napoleão (embora haja movimentos de
anuncirram: Sua Alteza 1mpenal é esperada resistência : caso da Espanha, por exemplo, que organiza guerrilhas para expulsar o
amanhã em sua leal Paris. invasor) -, como também para a América Latina, onde as colônias, cujas metrópoles
Em 19 de março de 1 8 1 5, Luís XVIII
foge em direção à fronteira belga. No dia
se encontram enfraquecidas pela luta contra as fortes pressões exercidas pelos fran­
seguinte, Napoleão entra em Paris. ceses, iniciam seu processo de independência.
Após ter tomado, pela segunda vez, o
poder, Napoleão só o manteve durante
cem dias. Os aliados enviaram novamen·
te s eus exércitos contra ele. Na última
Enfraquecimento e queda de Napoleão Bonaparte
grande batalha, em Waterloo, próximo a
Bruxelas ( 1 8 de junho de 1 8 1 5), Napoleão Inicialmente as medidas adotadas por Napoleão para enfraquecer a Inglaterra eco­
foi derrotado definitivamente pelos exér· nomicamente surtiram o efeito desejado. Mas, com o decorrer do tempo, tornavam-se
citos aliados, comandados pelo general
inofensivas. Organizando um eficiente sistema de contrabando, os ingleses burlavam
prussiano Blücher e pelo inglês Wel·
lington.
o bloqueio e conseguiam vender suas mercadorias. Um outro fator contribuiu para o
enfraquecimento dessa ofensiva: o fato de a indústria francesa não ser capaz de cobrir
a demanda do continente. Pouco a pouco, as atividades dos portos começaram a dimi­
nuir, chegando a ponto de não suprir, sequer, a necessidade de matérias-primas. Dessa
forma, os países europeus conquistados por Napoleão utilizaram-se dos ensinamentos
sobre modernização e liberdade veiculados pelos exércitos franceses e deles se aprovei­
taram para expulsar o invasor.
O ano de 1 8 1 2 marca o início do declínio do império napoleônico, que até então
reinava absoluto por quase toda Europa. Foi nesse ano que a Rússia rompeu o pacto
do Bloqueio e, em represália, Napoleão invadiu este país. E aquilo que, de início, parecia
ser mais uma das invencíveis campanhas, logo depois se apresentava como uma catás­
trofe. Inicialmente o povo russo não ofereceu resistência, mas, quando começou a com­
bater tenazmente o invasor, durante o rigoroso inverno, os franceses partiram em reti­
rada. Em dezembro de 1 8 1 2, dos 600 mil soldados que haviam invadido este país resta­
vam apenas 30 mil.
Em 1812, o Império Napoleônico atingi- Animados com a vitória russa, os outros países começam a se mobilizar. Em setem­
ra seu apogeu. Dentre as regiões domina- bro de 1 8 1 3, os exércitos franceses são derrotados pelos russos, austríacos e prussia­
das pel:� França - 130 depMmmentos -,
nos, na Batalha de Leipzig. Com o intuito de se recompor, Napoleão vai até o Reno,
algumas se encontraVl!ID diretamente
sob a tutela de Napoleão, enq=to outras mas as dificuldades econômicas o impedem de prosseguir.
eram países vassalos submetidos a funi.l.i:l- Em 1 8 1 4, o grande exército formado pela Inglaterra, Rússia, Áustria e Prússia inva-
res do imperador. de a França e ill!põe_ l!J!la derrota definitiva ao exército do invencível general. Liderado
)- REII'jODA, [ �1� �ó,NA�ARcW " t ; I ·.) por Talleyrand, um governo provisório é
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criado e Napoleão é deposto e desterrado pa-
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.., :. , � ra a ilha de Elba. A monarquia é restaurada


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0 ��. ,.�· � e Luís XVIII, irmão do rei guilhotinado no


auge da Revolução, sobe ao trono.
..f{J """ Napoleão tenta mais uma vez,. desespe-
o �' radamente, retomar o poder: foge de Elba
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o0 e chega à França, onde é recebido com ova­
ções. O período de sua permanência ficou
conhecido como os Cem Dias. Nessa opor­
tunidade ele tenta reorganizar os exércitos,
J "'"'�� NEGRo mas é definitivamente derrotado na Batalha
"j: /---"- de Waterloo pelos ingleses e prussianos, em
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1 7 de junhode 1 8 1 5 . Napoleão novamente
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ci_ an__ ça _. sidades da nova classe que surgia, a burgue-
z _ __ _____________________ sia, cuja consolidação ocorreu durante o pro-
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cesso revolucionário. Amedrontada com os rumos desse processo, e temendo que o po-
1 00 der escapasse de suas mãos, ela sentiu necessidade de que alguém desse sustentação
às suas conquistas. Alguém que assegurasse o direito à propriedade, que consolidasse
a liberdade de comércio. Napoleão correspondeu aos anseios dessa nova classe . Mas
essa necessidade era momentânea. Derrubados os últimos vestígios do feudalismo, no
novo cenário já não havia lugar para o personagem Napoleão. Como afirma o historia­
dor americano Leo Huberman: Quando a fumaça da batalha se dissipou, viu-se que a
burguesia conquistara o direito de comprar e vender o que lhe agradasse, quando e onde
quisesse. O feudalismo estava morto.
.

A Europã conservadora e o Congresso


de Viena
Em 1 8 1 4, após a deposição de Napoleão, os países mais conservadores da Europa
reuniram-se em um congresso, em Viena, para reorganizar a política do continente eu­
ropeu, subvertida pelos ideais revolucionários franceses. Tendo sido convidados a par­
ticipar desse evento, todos os monarcas e embaixadores da Europa foram homenagea­
dos diariamente com comemorações como bailes, caçadas e passeios pelo Danúbio.
Os países com atuação mais marcante foram a Inglaterra, a Rússia, a Prússia e a
Áustria, sobressaindo a presença do príncipe austríaco Metternich. Famoso pelo seu
conservadorismo, ele tentou, nessa oportunidade, restaurar o poder dos Habsburgo na
Europa. Os demais países presentes limitaram-se a ouvir passivamente as análises políticas
desses quatro principais protagonistas e a se submeter aos seus ditames. O Congresso de Viena redefine as frontei­
Em virtude do conflito de interesses existente, principalmente no que dizia respei­ ras da França. A Prússia anexa parte da
to à questão territorial, no decorrer do Congresso, em inúmeras ocasiões, essas quatro região próxima ao Reno; a Rússia recebe
potências entraram em choque, apesar das tentativas que faziam de rever suas posições parte da Polônia; a Áustria recebe parte
para estabelecer um novo equilíbrio de forças na Europa. da Itália e forma-se a Confederação Ger­
mânica. Além de sofrer a retração de seu
Com o retorno de Napoleão durante o período que se convencionou chamar de os território, a França submeteu-se à restau­
Cem Dias, os trabalhos foram interrompidos. Passado o perigo, eles foram retomados ração da monarquia, imposta pelo Con­
e, em julho de 1 8 1 5,chegou-se a um acordo, traduzido em um documento que levou gresso.
a assinatura de todos os países. Um novo
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equilíbrio de forças foi restabelecido atra­
vés da manutenção de uma política conser­
vadora e antiliberal que varria do continen­
te europeu todo e qualquer vestígio das con­ IMPI:RIO RUSSO
quistas revolucionárias.
Ainda não totalmente satisfeito com es­
sas medidas, o imperador da Rússia propôs
a formação de uma entidade, conhecida co­
mo a Santa Aliança, através da q�al este
país juntamente com a Prússia e a Austria
comprometiam-se a instaurar governos de
natureza cristã e patriarcal, bem como a in­
tervir em qualquer movimento nacionalista
e liberal. Em decorrência desse pacto, vá­ <
rias intervenções foram feitas contra os mo­ z
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vimentos nacionalistas da Itália e as tentati­ <
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vas de independência nas colônias espanho- <
las. Mas, apesar de todo o empenho reali- limites da u
-- Confederaçao Germanica - Reino da Prússia ex:
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zado, a Santa Aliança não foi bem-sucedida,
uma vez que ela era contrária à política eco­ Império Austrfaco Reino da França
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nômica da Inglaterra, a quem interessava a <
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fomentação desses movimentos.

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A independência das colônias ibéricas na <
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América •<
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Pensar a independência das colônias americanas, tanto espanholas como portugue­ <
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sas, como conseqüência apenas da ação de alguns homens idealistas e abnegados, como
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Simon Bolívar, San Martín e, até mesmo, D. Pedro, constituiu um equívoco. A inde­
pendência dessas colônias deve ser vista, principalmente, como a continuidade de um 101
radical e prolongado processo de transformação que o mundo vivia a partir do advento
da Revolução Industrial e, conseqüentemente, da passagem da fase mercantilista para
a fase liberal do capitalismo.
A política mercantilista, posta em prática pelas potências européias, tornava muito
fortes os laços que uniam as colônias às suas metrópoles. As colônias viviam uma situa­
ção de total dependência econômica, uma vez que só com as metrópoles podiam co­
merciar; só a elas podiam vender suas matérias-primas, e só delas podiam comprar os
produtos acabados. Qualquer tentativa, por parte das colônias, de tornar auto-suficiente
algum de seus setores era um forte motivo para que as metrópoles adotassem sérias
medidas punitivas. Exemplo típico, com relação ao Brasil, foi o famoso Alvará da
Proibição de Manufaturas, editado por Dona Maria I de Portugal, que restringia
as possíveis aspiraçÕes brasileiras a um setor manufatureiro.
Mas, se por um lado as medidas repressivas adotadas pelos países ibéricos impe­
diam que as colônias praticassem o livre comércio, por outro lado não tornavam im­
possível a penetração e veiculação das idéias liberais nestas plagas. As idéias dos pensa­
dores iluministas atravessaram o oceano e se introduziram nesses países. Quanto às
colônias espanholas, não só as idéias liberais aí aportaram, como também os tecidos
ingleses, através de contrabando. Muitas pessoas foram condenadas por aceitarem e
difundirem os ideais de liberdade apregoados pelo Iluminismo. No Brasil, o melhor
exemplo é o movimento de independência liderado por Tiradentes, em 1 789.
As amarras também transpareciam no campo político. Todos os "altos cargos das
colônias eram exercidos por pessoas vindas da metrópole, e de sua inteira confiança,
o que causava profundo desagrado aos nativos ou crio/los - como eram chamados os
descendentes espanhóis nascidos na 'América -, que reivindicavam o direito de admi­
O texto abaixo nos mostra o panorama so­
cial das colônias, profundamente marca­
nistrar aquilo que lhes parecia pertencer.
do pelos desníveis entre as classes, às vés­ As colônias possuíam todas as condições - e o desejo - de se tornarem indepen­
peras dos movimentos de independência. dentes. Faltava-lhes apenas a oportunidade. E esta surgiu quando Napoleão iniciou
sua campanha de conquistar a Europa, e se
O criollismo. como fator revolucionário básico, é um produto tipicamente dirigiu para a Península Ibérica. Quando os
urbano. Das grandes cidades partem iniciativas e incentivos emancipadores, fa­ exércitos de Napoleão invadiram o territó­
vorecidos por excepcionais circunstâncias históricas (a abdicação da dinastia rio da Espanha, desencadeou-se uma crise
dos Bourbon, a guerta interna e as tentativas de repressão por parte da metró­
pole) . Depois dessa fase, desde o ano de 1814, surgirá a reação realista e entao política interna que culminou com a depo­
os criollos urbanos conseguem estender os ideais revolucionários ao meio ru­ sição do rei e impediu que o pretendente,
ral, incorporando ao movimento vilas e estâncias-que fornecem os exércitos di­ Fernando José, assumisse o trono. Tornou­
rigidos por grandes figuras como Bolívar, San Marlín e Sucre e conseguem as se, então, rei da Espanha, José, irmão de Na­
vitórias definitivas ( . . . ) Às vésperas da emancipaçao era notável a despropor­
poleão. Para lutar contra essa imposição e
çao na reparliçi'lo da riqueza, notadamente na ( . . . ) distribuiçao da renda entre
a população economicamente ativa, produzindo grandes diferenças nos níveis recolocar um espanhol no trono, formou-se
sociais de vida . Por um lado, uma grande burguesia comercial que, sob o com­ imediatamente uma junta. E enquanto o po­
passo de reformas liberais do século XVIII, com o conseguinte aumento da ati­ vo espanhol reunia todas as suas forças pa­
vidade mercantil, havia se enriquecido, alcançando uma extraordinária poten­ ra expulsar o invasor, suas colônias na Amé­
cialidade econômica. Em torno desta burguesia formou-se uma massa empre­
gada como mão-de-obra nos negócios comerciais como carregadores, correto­ rica formavam juntas locais e juravam fide­
res, tropeiros, estivadores, marinheiros etc. Por outro lado, a grande aristocra­ lidade ao monarca destronado, Fernando VII.
cia latifundiária ( . . . ) detentora, em muitas ocasiões, dos poderes políticos lo­ Mas essa atitude de lealdade encobria o ver­
cais, levando uma vida faustosa em seus palácios urbanos ou em suas fazendás. dadeiro motivo das medidas adotadas: tor­
Frente a eles, a mais radical pobreza envolvia os peões trabalhadores de suas
nar as colônias livres. A . grande oportuni­
<( terras, mal alimentados e mal vestidos arrastando uma mísera existência. De outra
� parte, a alta burocracia administrativa ocupava os altos cargos e, imitando a Corte dade havia chegado, pois toda a máquina ad­
1-
metropolitana, girava em torno dos vice-reis, dos governadores e dos capitães ministrativa - e repressiva - do governo
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gerais; logo abaixo estava a burocracia administrativa, composta de escrivães, espanhol, no ímpeto de expulsar o exército
u de criados etc. Como parte importante da sociedade colonial, o alto clero tinha de Napoleão, encontrava-se destroçada.
ã: um papel de destaque, gozando de altas rendas, que contrastava com o clero
•W Aproveitando-se do vazio que o retrai­
� rural, praticamente sem meios de sobreviver. Ainda há que se considerar o exér­
<( cito, dividido entre os altos comandos, a oficialidade subalterna e a soldadesca. mento da Espanha havia provocado, as jun­
<( Uma sociedade, em suma, caleidoscópica, onde existiam tantos matizes mas tas começaram a abolir as mais importantes
w existia basicamente urna separação extrema e cada vez mais ampla entre as al­
barreiras do colonialismo. E, ao cessar a lu­
� tas camadas endinheiradas e as baixas pauperizadas.
ta na Europa, quando a Espanha quis reto­
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a: mar o seu poder encontrou forte resistência
:::> a. Vicens Vives, História de Espanha Y Amén·ca)
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por parte dos crio/los. Iniciava-se a primeira
<( fase da luta de independência..
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As lutas pela libertação
� Buenos Aires, Lima, Caracas e Bogotá puseram-se em pé de guerra e começaram
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a organizar os seus soldados para lutar contra as forças espanholas.
1 02 Circunstâncias internas e externas não só imprimiram algutnas características a esta
primeira fase do movimento, como também o conduziram ao insucesso. Por. um lado,
os crio/los que lideraram a luta pela independência em sua etapa inicial eram ricos e
talvez por este motivo, consideravam-se auto-suficientes. Recusavam-se a pedir apoio
aos mestiços e até mesmo aos crio/los das classes mais pobres para lutar contra a metró­
pole. Por outro lado, a Inglaterra, ainda ocupada e m se defender de Napoleão, não ha­
via se decidido a dar apoio aos movimentos de independência. Contudo (. . .), reprimida
a revolução inicial pela barbárie sangrenta das forças espanholas (...), a segunda onda revo­
lucionária lançará às lutas, desta vez, forças populares: a causa da independência será ago­
ra invencível. (Jorge Abelardo Ramos)
Alguns focos,contudo,haviam subsistido à repressão espanhola. Na Argentina, San
Martín, por exemplo, com um pequeno exército de guerrilheiros chamados montone­
ros, dava prosseguimento à luta contra os espanhóis. No norte do continente, Simon
Bolívar, outro famoso lutador contra o domínio espanhol, organizava-se de forma mais
destemida. Tanto um como outro compreenderam a importância do apoio das forças
populares na luta pela conquista da independência. Pouco a pouco, mestiços, índios
e negros engrossavam as fileiras dos exércitos revolucionários.
A situação do continente europeu também se modificou. E, terminado o conflito
contra Napoleão, a Inglaterra imediatamente voltou seus interesses para o fabuloso mer­
cado em que poderia se transformar a América Latina depois da independência. Come­
çou a fornecer ajuda aos revolucionários. Exemplo disso foi a esquadra de Lord Co­
chrane, que lutou não somente ao lado das colônias espanholas, mas também prestou
auxílio ao Brasil.

Iniciaram-se no México os movimentos


pela emancipação das colônias da Amé­
rica espanhola, estendendo-se rapida­
mente pdo continente. O Vice-Reinado
de Nova Granada originou a Venezue­
la, a Colômbia e o Equador. Do Vice­
Reinado do Prata formou-se a Argenti­
na, o Paraguai e o Uruguai. No mapa
pode-se acompanhar a marcha dos liber­
tadores da América, Bolívar (vindo do
norte) e San Martín (vindo do sul) .

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- Marcha de Bolfvar e Sucre -

- - - - - Marcha de San Ma rtfn 103


Com seus exércitos mais bem organizados, os dois líderes americanos, Bolívar e San
Martín, lançaram-se à luta até o definitivo esmagamento das forças colonialistas espa­
nholas. O primeiro, partindo do Norte, e o segundo, do Sul, juntaram suas forças no
Peru, em 1 82 1 . Entretanto, algumas divergências surgidas entre eles fizeram com que
San Martín abandonasse a luta. A liderança do movimento coube, a partir daí, a Bolí­
var, que, sem dúvida alguma, foi o chefe latino-americano mais lúcido e tenaz na luta
pela unidade das velhas colônias.
Um lugar-tenente de Bolívar, Sucre, lutou no Peru, em Ayacucho, concretizando
a libertação. Em seguida, partiu para a Bolívia e, depois de derrotar as tropas espanho­
las que aí se encontravam, libertou a região.
No México, por sua vez, a luta pela independência tomou um caminho próprio,
distinto dos caminhos seguidos pelos países da América do Sul. O general espanhol,
Agostinho ltúrbide, passou para o lado dos rebeldes e se autoproclamou imperador.
A luta prosseguiu até 1 82 5 . Entretanto, o grande sonho de Bolívar - formar uma
grande nação latino-americana, sem divisões - não pôde se concretizar. Já naquele mo­
mento, Bolívar antevia que as condições em que ocorrera o movimento de independên­
cia da Espanha tornariam a América Latina economicamente dependente da Inglaterra.

Exercícios

1 . O Bloqueio Continental decretado por Napoleão em Berlim no ano de 1 806:


a) proibia todo o comércio com a Inglaterra com o objetivo de esgotar as forças econô­
micas deste país, já que militarmente não conseguia vencê-lo;
b) tinha como objetivo fortalecer as indústrias da Holanda da qual a França era aliada,
permitindo assim que os países da Europa continental comprassem somente produ­
tos holandeses;
c) foi feito com a intenção de prejudicar a Rússia, que ameaçava o Império Napoleôni­
co com suas indústrias modernas;
d) proibia o comércio de vinhos com Portugal, sendo a causa fundamental da transmi­
gração da Família Real portuguesa para o Brasil;
e) todas as alternativas estão corretas.

2. O interesse da Inglaterra pela independência da América Latina prende-se ao fato


de que:
a) rompendo-se os laços com as antigas metrópoles, a Inglaterra poderia conquistar
os mercados americanos com seu potencial industrial, apoiada pela doutrina do li­
beralismo econômico;
b) assim que esses países se tornassem independentes, a Inglaterra tinha a intenção
de instaurar uma monarquia constitucional em cada um deles, nos moldes de seu
tipo de governo;
c) embora os mercados latino-americanos não significassem nada, os ingleses preten­
diam ajudar os movimentos de independência, pois eram movidos por sinceros sen­
timentos de liberdade e antiabsolutismo;
d) intervindo aqui, esta potência industrial pretendia tomar todos os portos e transformá­
los em territórios ingleses;
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z e) todas as alternativas estão corretas.
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<( 3. Qual o significado do golpe do 18 Brumário?

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•W Respostas Comentadas
, :;:;::
<( 1. Os objetivos de Napoleão eram claros: toda a Europa achava-se de uma forma ou
<( de outra submetida às forças da França e por isso o Bloqueio visava arruinar a econo­
w
<( mia inglesa já que indústrias britânicas não poderiam vender seus produtos no conti­
� nente. Napoleão esperava assim obrigar que os europeus comprassem da França. No
a: entanto as indústrias francesas não atendiam às necessidades do mercado, o que aca­
:::>
w
bou fomentando o contrabando e a rebelião antifrancesa. A alternativa correta é a a.
<(
ó
2. O interesse da Inglaterra pelo movimento de independência da América Latina se
•<t:
w
materializou em ajuda militar dada pelo governo inglês aos movimentos rebeldes latino­
......1 americanos. Com isso, a Inglaterra esperava manter um controle econômico sobre os
o
o_
<( futuros mercados dos novos países independentes. A alternativa correta é a a.
z 3. O golpe desfechado por Napoleão no final de 1 799 tinha como objetivo restaurar
-
a ordem para que as necessidades políticas e econômicas da burguesia fossem conso­
104 lidadas.
#lle#

AS REV9LUÇOES
EUROPEIAS: 1830 A 1848

Evitar o surgimento de uma nova vaga revolucionária no continente europeu cons­


tituiu a principal diretriz que nort.eou as medidas conservadoras adotadas pelo Con­
gresso de Viena. Mes_mo a Inglaterra, não absolutísta, cujos interesses comerciais iam,
em ,certa medida, ao encontro do pensamento liberal, encampa essas medidas e adota
os mesmos métodos repressivos utilizados pelos outros países. Assim, o conservadoris­
mo aparecerá como a característica mais marcante do período compreendido entre os
anos de 1 8 1 5 e 1 830.
Contudo, será possível sufocar as novas forças que surgem na sociedade? Será possí­
.
veLdeter o seu desenvolvimento? A tendê ncia mais marcante na Europa, nesse mo­
mento, é o desejo de pôr um fim ao domínio da aristocracia para que a burguesia assu­
misse o poder. Este desejo imprimirá a direção a todos os movimentos, na medida em
que ele representa a genuína inclinação das novas forças políticas e sociais.
Transcorrido o período dos Cel.n Dias, ,que :culminou com a segunda deposição de
Napoleão, Luís XVIII reássume o .trono. Contudo, sua confiança nas possibilidades
políticas da monarquia, e conseqüentemente do regime absolutista, se encontra abala­
da. A própria tentativa feita por Napoleão de restabelecer-se no poder contribui para Quando Luís XVIII assumiu o trono fran­
aumentar a percepção do monarca acerca da movediça sustentação política da aristo­ cês, depois da queda de Napoleão, foi obri­
cracia. Protege-se dos perigos, outorgando uma constituição ao país, através da qual gado a dar à França uma nova constitui­
concede a setores da alta burguesia - especialmente ao setor financeiro - parte do ção. No entanto, a autoridade do rei
mantinha-se bastante fone, como podemos
poder. E, através desta carta .constitucional, tenta abrandar o domínio da aristocracia,
perceber na leitura de alguns artigos da
instaurando um sistema de câmaras seme- constituição por ele promulgada em 18 14.
lhante ;ao da monarquia ,parlamentar inglesa.
Neste momento, .surgem no cenário po­
lítico da França alguns partidos. O dos A divina Proviclência, chamando-nos aos nossos Estados depois de urna lon­
ultra-realistas - que tem na pessoa do ga ausência, 1mp'GI!rnos grandes obrigaçoes ( . . . ) Uma carta constitucional era
conde Artois o seu mais ilustre representan­ solicitada pelo estado atual do reino, nós prometêrno-la, nós publicârno-la. Con­
sideramos que, se bem que a autoridade toda résida em França inteiramente
te -, pretendendo restaurar o antigo re­
na pessoa do rei, os meus predecessores não hesitaram em modificar-lhe o exer­
gime; o dos constitucionalistas, lutando cício, segundo a diferença dos tempos ( . ) Por estas causas - nós, voluntaria­
_ _

pela permanência do status quo, ou seja, pela mente .e pelo livre exercício da nossa autoridade real -, concedemos e outor­
co
conservação da monarquia constitucional de gamos aos nossos súditos, tanto por nós corno pelos nossos sucessores, e para '<:t
sempre, a Carta constitucional que segue: . . Art. 1 3 - A pessoa do rei é invio­ co
Luís X:VIII; e o partido hõeral, reivindi­ _

lável e sagrada. Os seus ministros são responsáveis. Pertence exclusivamente


cando a volta da República, pois se compu­ ao rei o poder executivo. Art. 1 4 - O rei é o chefe supremo do Estado, coman­
<:{
o
nha, em sua maioria, de jacobinos, embora da as forças de terra e mar, declara a guerra, faz os tratados de paz, de aliança M
co
contasse com o apoio de alguns bonapar­ e de comércio, nomeia para todos os empregos da administração pública e faz
tistas. os regulamentos e ordenações necessárias para a execução das leis e a segu­ (f)
rança do Estado. Art. 15 - O poder legislativo exerce-se coletivamente pelo <:{
Apesar da tentativa .de Luís XVIII de •u.J
rei, a Câmara dos .pares e a Câmara dos deputados dos departamentos. Art. 1 6 a.
manter um certo equilíbrio procurando con­ - O rei propõe a lei . Art. 1 7 - A proposta de lei é apresentada, à vontade
o
a:
ter os excessos dos ultras - que a todo pre­ do rei, à Câmara dos Pares ou à dos Deputados, exceto a lei do imposto, que �
u.J
ço queriam restaurar o absolutismo -, os deve ser dirigida primeiro à Câmara dos Deputados. Art. 18 - Toda a lei deve (f)
ser discutida e votada livremente por cada uma das duas câmaras . . . Art. 27 - u.J
membros do partido liberal sofrem sérias •O
A nomeação dos pares de França pertence ao rei . ( ) Art. 38 - Nenhum de­ U·
perseguições e muitas pessoas ligadas a Na­
_ _ _

putado pode ser admitido na Câmara se .não tiver quarenta anos de idade e não �
....I
poleão .são presas e fuziladas. Durante este pagar mil francos de contribuição direta. Art. 40 - Os eleitores que concorram o
>
período, chamado de Terror Branco, mui­ à nomeação dos deputados não podem ter direito de sufrágio se não pagarem u.J
uma cootribuição direta de trezentos francos.
a:
tos membros do partido liberal, e até mes­ (f)
mo alguns bonapartistas, passaram a atuar <:{
(As Constituições da França desde 1 789). -
na clandestinidade. E, em 1'824, com a mor-
te de Luís XVIII e a subida ao trono do con- 105
O historiador francês Jacques Néré mos­ de de Artois - que recebeu o nome de Carlos X -, a situação radicalizou-se.
tra, no texto que segue, as articulações po­ Logo depois de subir ao trono, o novo monarca adotou uma série de medidas de
líticas para impor o duque de Orléans
caráter reacionário: agrupa em um ministério pessoas ultraconservadoras e indeniza
(Luis Filipe), no plano sucessório de Car­
los X. todos os nobres cujas terras haviam sido confiscadas durante a Revolução. Em 1830,
o seu reacionarismo chega ao extremo: dissolve a Câmara, restringe ainda mais o direi­
A candidatura do Duque de to ao voto e promulga uma austera lei contra a imprensa. Aos olhos dos franceses a
Orléans, apresentada no dia 30 situação se torna insuportável. Eles, que já haviam admitido a restauração, suportado
de julho por um cartaz an6nimo severas limitações às liberdades conquistadas com anos de luta não podiam continuar
colado nos muros de Paris
apáticos diante de tão grande retrocesso. Os representantes da burguesia, cujos interes­
(redigido na verdade por ·
Thiers) , oferece aos chefes ses eram diretamente atingidos pelas medidas do monarca, mobilizam o povo e, com
liberais uma solução que permite o seu apoio e o da Guarda Nacional, iniciam uma série de manifestações.
evitar a república, sinônimo Em 27 de julho de 1830, teve início um levante. Carlos X, percebendo sua impossi­
ainda do Terror para a maioria bilidade de vencer a revolta que unia setores da burguesia liberal, grande parcela da
da opinião pública. ( . . . ) O
população e a Guarda Nacional, fugiu para a Inglaterra. Subiu ao trono Luiz Felipe,
Duque de Orléans é primeiro
nomeado general-de-divisao do oriundo de um ramo da nobreza de tendência mais liberal.
reino e, depois, apresentado à
multidão parisiense por La
Fayette, do balcão do Paço
Municipal; no meio disso, Carlos
X abdica, tarde demais, em favor
Contestação ao absolutismo na Europa
do neto, o Duque de Bordeaux,
"Henrique V", e parte para a
Inglaterra, enquanto os Ao ser deposto Carlos X, todo o resto da Europa que ainda se encontrava sob o
deputados declaram vago o trono jugo do absolutismo se rebela. A Bélgica, sob o domínio da Holanda, consegue a sua
( . . . ) e proclamam, no dia 7 de independência. A Polônia inicia uma rebelião para expulsar os russos e os austríacos
agosto, o Duque de Orléans rei
de seu país, sendo mais tarde derrotada. E em várias partes da Itália e da Alemanha
dos franceses; este presta
juramento a 9 de agosto sob o iniciam-se movimentos objetivando a unificação.
nome de Luís Filipe. A situação da Europa, inclusive a da França, no período que antecede a Revolução
(Jaques Néré) de 1848, é muito séria. O agravamento da economia ocorre em conseqüência, princ�­
palmente, dé problemas na agricultura, como as péssimas colheitas e a praga que se
alastra nas plantações de batata. Esta crise, além de provocar uma vertiginosa subida
dos preços dos produtos, ocasionando a ruína de um grande número de. camponeses,
reflete-se também nas indústrias e oficinas de artesanato. Estes setores sofrem. paralisa­
ção em conseqüência da escassez de matérias-primas e de um surto generalizado de
greves. Essas circunstâncias desfavoráveis, por sua vez, se refletiram no setor comer­
cial onde inúmeras empresas, principalmente as pequenas, foram à falência.
Como não podia deixar de ser, a crise econômica abre espaço para 1.1ma crise políti­
ca. Novas forças políticas entram em cena. Os liberàis, reco;nhecen4o as circunstâncias
como favoráveis à propagação de suas idéias, reivindicaJD a ampliação do direito ao
voto; os republicanos exigem o fim do sistema monárquico; e, pela primeira vez, en­
tram em cena os socialistas, cujas bandeiras de .luta são .o direito de greve, a redução
da jornada de trabalho e melhores condições de v�da para a classe operária.

Burguesia: uma força política em ascensão


00
o::t"
00
Quando Luís Felipe assumiu o poder, um de seus assistentes fez a segu!nte afirma­
<( ção: De hoje em diante governarão os banqueiros; E tinha razão. Já na primeira semana
o
(") de seu governo, o monarca deu início à elaboração de uma nova carta constitucional,
00
conhecida como a Constituição da Monarquia de Julho, através da qual transferia
cn parcela importante do poder para uma fração da alta burguesia financeira: os donos
<(
•w das bolsas de valores, os reis das ferrovias e os banqueiros.
0....
o Esta p�rcela da burguesia soube, efetivamente, fazer jus às prerrogativas adquiri­
o:
::::> das. Multiplica suas riquezas investindo naqueles setores da produção e serviços que
LU
cn não só possuem um grande potencial de lucro, mas também condições de viabilizá-lo
LU
I() num tempo relativamente curto. Aplica, portanto, nas ferrovias e nas minas de ferro
c.>
::::> e de carvão que possibilitam um rápido retorno do capital investido.
__.
o Este poderio econômico reflete-se, é claro, em outras instâncias da vida do país. En­
a:; quanto a outra fração da burguesia, a industrial, permanece marginalizada da condu­
o:
cn ção do processo politico, a burguesia financeira exerce sobre ele grande influência. E
<( a pouca representatividade da burguesia industrial junto à Câmara dos Deputados ex­
-
pressa, em última análise, o embrionário estágio em que se encontra o processo de in­
106 dustrialização da França. Por volta dos anos 20 do século XIX existiam, nesse país,
apenas 65 máquinas a vapor funcionando. Mas, antes de alcançar a década de 40, a A França passou pelo processo de indus­
França dá largos passos em direção ao seu desenvolvimento industrial. A essa altura, trialização, de certa forma, tardiamente em
relação à Inglaterra. As ferrovias foram im­
sua indústria já conta com mais de 5 mil máquinas a vapor. Contudo, o conjunto de
plantadas com maiores dificuldades; e suas
investimentos em empresas comerciais e industriais, por volta do ano de 1 832, não construções estavam ligadas ao capital fi­
ultrapassa a casa dos 30 bilhões de francos; Esta situação só se modifica substancial­ nanceiro, como sugere o texto do historia­
mente em 1 848, quando os investimentos nesses setores atingem a quantia de 45 bi­ dor Jacques Néré.

lhões de francos.
À medida que ocorre o desenvolvimento do setor fabril, fortalecem-se a burguesia A ligaçao do tril[lo com a mina
industrial e comercial que partem em busca de novos mercados. Essa tendência expan­ explica a localização das
primeiras linhas ( . . . ) A
sionista toma corpo com o processo de colonização da África, onde surge a famosa Le­
construção em 1 837 da linha
gião Estrangeira, cujo objetivo é esmagar os movimentos nacionalistas. Paris-Sainl-Germains (. .. )
Voltemos a analisar a Constituição da Monarquia de Julho na tentativa de melhor chama a atençllo dos detentores
compreender a situação da França no. período que antecedeu a Revolução de 1 848, de capitais para o novo meio de
para, assim, melhor conhecer as condições que a possibilitaram. Em relação ao direito locomoçlío. Se numerosos
engenheiros, amiúde
ao voto, por exemplo, esta caFta constitucional amplia esta prerrogativa. Enquanto a influenciados pelas idéias
Constituição da Monarquia dos Bourbon, anterior à da Monarquia de Julho, de­ sansimonistas, como Michel
terminava que somente as pesse'as cuja renda anual atingisse a casa dos 300 francos Chevalier, Eugene Flachat,
podiam votar, esta nova carta . estende esse direito para aquelas com renda anual de Clapayron, logo se interessaram
200 francos. Graças a esta inovação; o corpo eleitoral aumenta, passando de 94 mil pela construção de estradas de
ferro, e a solicitaram nos jornais
para 240 mil votantes. É importante, porém, ter em mente que, do ponto de vista do e nas publicações, as resistências
conjunto da sociedade, esta ampliação é pouco representativa, pois, dos 33 milhões foram inúmeras, provocadas pelo
de habitantes, somente 240 mil privilegiados podem votar e ser votados. medo das mudanças e também
Os demais setores da sociedade não foram contemplados pela nova constituição e, pela hostilidade dos alugadores
de cavalos de posta e, de um
conseqüentemente, continuaram marginalizados. A pequena burguesia permaneceu ali­
modo geral, de todos os que
jada da vida política do país e os operários, se levarmos em conta suas condições de viviam do tráfego nas estradas
vida e de trabalho naquele momento, sequer se constituíam em pessoas jurídicas. Le­ ou nos rios ( . . . ) Foi preciso
vavam uma vida de extrema penúria;.além dos baixos salários que recebiam, trabalha­ esperar que se votasse a lei de
vam 1 4 horas por dia e não possuíam nenhum direito político. A situação se agravou 1 1 de junho de 1842 para ver a
adoção de um vasto plano de
de tal forma que, em 1 83 1 , os tecelões da cidade de Lyon se revoltaram. Um simples construção de vias férreas, que
protesto se transformou em uma rebelião: os trabalhadores, depois de derrubarem associava o Estado a companhias
as forças do governo local, tomaram a cidade, dominando-a durante dez dias. A concessionárias particulares. Só
seguir foram violentamente reprimidos pelo exército do governo central. Em 1 834, depois dessa lei se iniciou
verdadeiramente a construção de
quando outra rebelião eclode, ainda em Lyon, eles são novamente sufocados. Esses
ferrovias na França; as linhas
acontecimentos, sem dúvida alguma, eram prenúncio daquilo que viria a acontecer exploradas representavam 499
em 1 848. quilômetros em 1 84 1 ; cerca de
Entre os anos de 1 845 e 1 847, a situação da França se agravou ainda mais. A falta 1900 quilômetros em 1847; a
Paris-Life (da Companhia do
de alimentos, conseqüência das colheitas malsucedidas e das pragas que assolaram as
Norte, dominada pelos
plantações de batata de toda a Europa, exacerbou sobremaneira a crise econômica des­ Rothschild) foi a mais importante
se país: os salários caíram em 50%; um grande número de fábricas foi à falência em das grandes linhas concluídas.
virtude da inexistência de um mercado consumidor; e a guerra da França contra a Ar­ ( . . . ) (a construção das ferrovias)
gélia, com o objetivo de manter a sua posse, consumiu grande parte do tesou;:o--francês despertou tantas ilusões quanto
desconfianças encontrara no
e contribuiu para piorar as condições de vida.
início; mas não impulsionou
Todos os setores da sociedade excluídos do poder - ou seja, a maioria da população apenas a indústria e a
- viviam um profundo descontentamento. Até mesmo a burguesia industrial, que ob­ organizaçil.o do crédito;
tivera pequenas conquistas, sentia-se insatisfeita. E qualquer indício de crítica que es­ desapossou também os notáveis
ses setores esboçassem era motivo suficiente para que sobre eles se abatesse uma vio­ de parte do seu prestígio; as
influências locais eram
lenta repressão. Existiam, portanto, todas as condições para que proliferassem idéias insuficientes, e a escolha do
revolucionárias, que ganharam corpo quando o monarca escolhe Guizot para chefiar traçado, assim como a <(
o novo ministério. Famoso pelo seu conservadorismo, sua nomeação é rechaçada pelas construção da linha, exigiam a o
C")
forças de oposição - bonapartistas, republicanos e, até mesmo, socialistas. Impedidas, conciliaçlío de interesses locais <X)
opostos , os técnicos e os
por um ato desse ministro, de exprimirem o seu descontentamento, essas correntes or­ cn
financistas das grandes <(
ganizaram uma campanha de banquetes onde discutiram a conjuntura política e foram companhias, e redundavam •LU
o..
propostas reformas. numa concentração de poder o
econômico bem <..:orno num a:
:::::>
conluio entre o Estado e as LU
grandes empresas . cn
LU
A revolução de 1 848 na França (Jacques Néré) •O

::::>
....I
o
Um grande banquete de protesto contra a política de repressão e corrupção do go­
(ij
verno, marcado para o dia 22 de fevereiro de 1 848, foi suspenso por ordem do ministro a:
cn
Guizot. Como resposta a essa arbitrariedade, o jornal O Nacional, porta-voz da bur­ <(
guesia republicana, convida o povo a se manifestar. Operários, estudantes e pequenos­ -

burgueses reúnem-se e começam a bradar palavras de ordem como Abaixo Guizot, Vi- 107
Quando a República foi proclamada, va a Reforma!. Imediatamente, o ministro ordena à Guarda Nacional que reprima os
em fevereiro de 1848, houve muita vaci­ manifestantes, mas além de não cumprir a ordem, ela se une à multidão em protesto.
lação e temor por pane de alguns mem­
bros do chamado Governo Provisório, co­
O monarca apela para o exército: 52 manifestantes morrem nesse embate.
mo podemos notar no texto do famoso es­ Paris, com a Guarda Nacional à frente, se rebela. As ruas se enchem de barricadas.
critor, Victor Hugo. Luiz
. Felipe abdica em favor de seu neto; mas a multidão se insurge contra a sua pos-
se. A Assembléia é invadida pelo povo que
r-------�
O sr. Ledru-Rollin leu em voz alta a frase: O governo provisório declara que conta com o apoio de alguns deputados ra-
o governo provisório da França é o governo republicano . . . , e disse: - Temos dicais.E por proclamação,na manhã de 24 de
duas vezes a palavra "provisório". . . - É verdade, disseram os outros. - Épre- fevereiro, instala-se um governo republica-
ciso riscá-la ao menos uma vez, acrescentou o sr. Ledru-Rollin. O sr. Lamarti- no provisório. Todas as forças políticas que
ne compreendeu o alcance desta observaçao gramatical, que era pura e sim-
plesmente uma revoluçao por escamoteaçao. E disse: Épreciso, contudo, espe-
contribuíram para a derrubada da monar·
rar a sanção da França. _ Passo sem a sanção da França, gritou Ledru-Rollin, quia tomam assento nesse novo governo: a
quando tenho a sanção do povo. - Mas quem pode saber neste momento o que burguesia republicana, representada pelo
quer o povo?, observou Lamartine. - Eu , disse Ledru-Rollin. Houve um mo- poeta Lamartine; a pequena burguesia, que
mento de silêncio. Ouvia-se a multidao como um mar. Ledru-Rollin prosseguiu:
reivindica reformas mais radicais, se faz pre-
0 que o povo quer é a República imediatamente, a República sem demora!. . .
Nós somos provisórios, nós, replicou Ledru-Rollin, mas a República não o é. sente na pessoa de Ledru-Rollin; e Louis
O sr. Crémieux tomou a pena das mãos de Lamartine, riscou o termo "provisó- Blanc e Albert, representantes dos socialis-
rio" no fim da terceira linha e escreveu ao lado: "atual". O governo "atual"?, tas, que exigem melhores condições de vi-
exclamou Ledru-Rollin, seja. Gostaria mais de definitivo. Todavia, assino. Ao da para a classe operária.
lado da assinatura de Lamartine, assinatura quase ilegível, onde se encontram
as incertezas que perturbavam o coração do poeta, LedrucRollin após a sua as-
Passada a euforia dos primeiros momen-
sinatura tranqüila ornada do traço banal de empregado de solicitador que ele tos, evidenciam-se as contradições presentes
paqilha com Proudhon. Depois de Ledru-Rollin, e por baixo, Garnier-Pagês as- nesta nova composição. Os representantes
sin6u com a mesma segurança e o mesmo traço. Depois Crémieux, depois Ma- dos diversos grupos entram em choque uns
rie, por fim Dupont de l'Euro, cuja mao tremia de velhice e medo. Só estes seis
com 08 outros, .essencla1mente pe10 antago-
homens assinaram. O governo provisório nesse momento compunha-se unica-
·

mente desses seis deputados. O selo da cidade de Paris estava em cima da me-
nismo dos seus pontos de vista. Entretanto,
sa . . . Ledru-Rollin pegou-o e aplicou-o no papel, tao precipitadamente que o apesar desses conflitos, algumas reformas
pôs ao contrário. Ningu$m pensou em escrever uma data. Alguns minutos de- que contribuiriam para a melhoria das con-
pois esse pedaço de papel era uma lei, esse pedaço de papel era o futuro dum dições de vida dos trabalhadores são inicia-
povo, esse pedaço de papel era o futuro do mundo. A República estava pro-
clamada.
das: a Segunda República é consolidada,· 0
(Vi-ctor Hugo, Coisas vistas) voto universal é estabelecido; a jornada de
'-------..,.--' trab�lho é diminuída; são criados novos em-
pregos em oficinas do Estado - os ateliers
nationaux. Além disso, o Governo Republicano Provisório cumpre sua principal pro·
messa de promover a organização de uma Assembléia Constituinte para elaborar uma
nova carta e eleger um novo governo. Em abril de 1 848, realizam-se as eleições, quan­
do vence a burguesia republicana por uma maioria esmagadora de votos. Temerosos,
os trabalhadores dos partidos socialistas, que haviam sido derrotados, começam a se
manifestar.

Fracasso das lutas operárias e Segundo Império

Um mês após as eleições, precisamente no dia 1 5 de maio, os operários realizam


a sua primeira tentativa de impedir o retrocesso. Ameaçam invadir a Assembléia Na­
cional, mas são imediatamente contidos. A burguesia, detendo o controle da situação,
suprime de fato as conquistas dos trabalhadores. Aumenta sua jornada de trabalho,
diminui os seus salários e, o que é pior, extingue os ateliers nationaux que garantiam
<( trabalho a aproximadamente 100 mil pessoas.
g
00
Quando no dia 22 de junho se espalha por toda Paris a notícia sobre a extinção d<>s
..- ateliers, os trabalhadores atingidos, com o apoio de outros setores populares também
descontentes, iniciam uma rebelião. O depoimento de uma testemunha do desenrolar
desses fatos revela sua extensão e abrangência: No dia 23, às 4 horas aproximadamente,
eu estava andando pelas margens do rio Sena, perto da Câmara Municipal. As lojas come­
çaram a fechar suas portas, umá atrás da outra; colunas de guardas nacionais marchavam
preparando-se para a luta... Chovia torrencialmente, e os líderes operários exortavam seus
irmãos a empunhar armas para lutar... Na outra margem, em todas as ruas e travessas,
levantavam barricadas... Mais de 400 barricadas foram levantadas.
No dia 24 de junho tudo levava a crer que os trabalhadores estavam próximos da
vitória. Temerosa com a tendência que se insinuava nesses acontecimentos, a burgue­
sia lança mão de uma eficiente arma: o general Cavagnac que se havia distinguido na
luta contra o movimento de independência dos argelinos. Liderados pelo general, 24
mil soldados avançaram contra as barricadas dos insurretos. A 26 de junho o último
108 reduto foi controlado. Logo depois o saldo desse confronto jã podia ser anunciado: 800
mortos. Passados alguns dias esse número aumentou: mais de 2 mil pessoas foram exe­ A burguesia francesa, quando derrubou o
cutadas e outras tantas, deportadas. Ao general Cavagnac coube os louros da vitória, governo de Luís Felipe, cuidou de evitar
que o poder se concentrasse nas mãos do
pois lhe foram conferidos poderes ditatoriais que ele exerceu com maestria até dezem­
Presidente da República. Desta forma,
bro de 1 848. procurava prevenir um golpe de Estado
Todavia à pequena burguesia interessava a legitimidade. Com esse objetivo, marca que restabelecesse a ditadura. Por esse mo­
eleições para presidente da República, disputada por dois candidatos: o próprio gene­ tivo, os anigos da constituição davam ple­
nos JX>deres à Assembléia e limitavam os
ral Cavagnac e Luís Bonaparte, sobrinho de Napoleão. Este último foi eleito por uma
do Presidente da República.
grande maioria de votos, pois soube reverter em seu favor o enorme descontentamento
existente. Ao assumir, Luís Bonapane começa a pôr em prática, de forma lenta mas
contínua, seu plano de perpetuar-se no poder, a exemplo de seu tio.
( . . . ) a Assembléia Nacional ( . . . )
Nos primeiros momentos do seu governo, ele se defronta com a oposição da Assem­ decreta, como segue, a
bléia que, dominada pela burguesia liberal, se opõe veementemente ao seu plano de Constituiçc'lo da República. ( . . . )
restaurar o Império. Mas os ventos lhe sopram favoravelmente. Em maio de 1 849 a Art. 45 - O Presidente da
maioria dos novos membros eleitos para a Assembléia simpatiza com a sua causa. Apoia­ República é. eleito por quatro
anos ( . . . ) Art. 46 - (. . . ) por
dos pelos pequenos proprietários, cuja legitimidade da posse de suas terras fora conce­
escrutínio secreto ( . . . ) Art. 49 -
dida por Napoleãoi,esses deputados, na perspectiva de que Luís Bonaparte mantivesse Ele tem o direito de fazer
esse apoio, lhe hipotecam solidariedade. Esta manifestação expressa uma tendência con­ apresentar projetos de lei à
servadora que busca, nesse momento, inviabilizar qualquer medida restritiva ao d'.teito Assembléia Nacional pelos
à propriedade. Assim, o "fantasma" de Napoleão se faz presente no apoio que a massa ministros ( . . . ) Art. 66 - O
número de ministr0s e as suas
dos camponeses oferece a Luís Bonaparte. atribuições sc'lo lixados pelo
Cada vez mais Bonaparte se fortalece. Principalmente de maio de 1849 a dezembro Poder Legislativo ( . . . ) Art. 68 -
de 1 85 1, seu plano para se impor como chefe absoluto, através de um golpe de Estado, (. . . ) Qualquer medidà pela qual
começa a adquirir contornos mais nítidos. Domina os setores oposicionistas no Parla­ o Presidente da República
dissolva a Assembléia Nacional,
mento, especialmente aqueles ligados à pequena burguesia mais à esquerda. Para me­
a prorrogue ou ponha obstáculos
lhor controlar as tendências radicais - nas quais se incluem os operários -, organiza ao exercício do seu mandato é
a Sociedade Dez de Dezembro, formada basicamente por elementos marginalizados da crime de alta traição.
vida social francesa. (As Constituições da França depois -de
Sentindo bastante segurança em seu esquema político-militar - contando, inclusi­ 1 789)

ve, com o apoio do exército -, no dia 2 de dezembro de 185 1 , Luís Napoleão Bonapar­
te dá um golpe de Estado. Autoproclama-se presidente por 1 0 anos. Era o 18 Brumá­
rio de Luis Bonaparte, uma alusão à sua tentativa de reeditar o feito do tio em 1 799.
No ano seguinte declara-se imperador dos franceses, com o nome de Napoleão III. Inicia­
se o Segundo Império na França, que perduraria até 1 870, quando foi esmagado pe­
las forças militares da Prússia .

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O Segundo Império foi marca·
do pela política expansionista de w
Napoleão 111, que sonhava dotar '8.
a França de um vasto império co- 3
lonial . Assim, ele consolida o do- O
mínio sobre a Argélia, amplia �
possessões no Senegal, instala-se a:
na China e na Síria, realiza a con- �
quista da Indochina, tenta ocu-
-
par o México e constrói o Canal
de Suez. 1 09
1 848: Revolução em outros países da Europa

Em 1 848 ocorreram mudanças radicais não só na França mas em toda a Europa.


A partir de Paris, �entelhas se espalharam por todo o continente e algumas de suas
fagulhas conseguiram atravessar o oceano e chegar à América.
Apesar de adquirir características próprias em cada país - Alemanha, Itália, Áus­
tria e outros -, as idéias liberais mobilizaram revolucionários de todo o mundo a liber­
tarem o seu país das peias do absolutismo.
A Itália era dividida em vários Estados completamente independentes entre si -
legítima herança do feudalismo -, subordinando-se cada um a governos absolutistas
locais. Nenhum poder exercia autoridade sobre todo o país. Ao norte da Itália, localizava­
se o Reino de Piemonte-Sardenha, relativamente industrializado, cujo governo possuía
tendências liberais. Ao sul, estão os Estados da Igreja e, no extremo-sul, o Reino das
duas Sicílias. Existiam, ainda, as possessões austríacas da Lombardia e de Veneza. Con­
seqüentemente, para que as idéias liberais, nesse país, pudessem vingar, dois grandes
obstáculos deveriam ser enfrentados: o absolutismo e a descentralização. Sociedades
secretas como a dos carbonários e movimentos como o de Mazzini, chamado Jovem
Itália, encabeçaram essas lutas.
A primeira grande rebelião popular foi deflagrada na Sicília, obrigando o rei Fer­
nando li a outorgar uma constituição liberal. Logo depois, quando os habitantes de
Lombardia e Veneza tiveram notícias da ocorrência de um grande movimento popular
em Viena, capital do país que as dominava, iniciaram uma série de protestos e levantes
e, submetendo os austríacos, apoderaram-se de grande parte da região. O rei de Pie­
O historiador inglês Eric Hobsbawm, nos
monte, mais liberal, correu em auxílio dos insurretos, mas a Áustria conseguiu resta­
mostra as tendências políticas que atuaram
durante as revoluções de 1 848 tanto na
belecer o seu domínio nesse território. Ainda assim, Veneza consegue se libertar e ins­
França, como na Alemanha, Itália e taurar uma República, cujo exemplo é imitado por Florença. Com a fuga do Papa Pio
Áustria: IX, os Estados do Papado também se rebelam e se transformam em República Romana.
Os vários povos que constituíam o Império da Áustria - isto é, os tchecoslova­
Os radicais confessadarnente cos, iugoslavos, sérvios, húngaros, romenos e venezianos - aproveitaram a oportuni­
tinham urna simples solução: dade da ocorrência do movimento liberal em Viena para se libertar do jugo austríaco.
uma república democrática Desse modo, nesse império, a Revolução teve caráter de movimento de libertação na­
unitária e centralizada da
cional. Ainda assim, as lutas continuavam em Viena, a ponto de Metternich, símbolo
Alemanha, Itália, Hungria ou o
país que ocorresse ser, do absolutismo, ter que fugir da cidade e o rei Ferdinando li fazer concessões de cará­
constituída de acordo com os ter liberal. E a Revolução estendeu-se até a Hungria.
princípios da Revolução Constituída por 39 países independentes, a Confederação Germânica foi, junto com
Francesa sobre as ruínas de o Império Austríaco, resultado do desmembramento, ocorrido no Congresso de Viena,
todos os reis e príncipes ( . . . ) Os
moderados, por seu turno,­ do Império Romano Germânico. O único órgão político co111um a todos esses Estados
estavam emaranhados numa teia era a Assembléia de Frankfurt, cujos membros mais importantes foram a Prússia e a
de cálculos complexos baseados Áustria, fazendo esta última parte da Confederação. Alguns pass9s, como a elimina­
essencialmente no medo à ção das barreiras alfandegárias e a criàção do Zollverein - uma espécie de mercado
democracia, ( . . . ) Aonde as
comum -, já haviam sido dados, pela Confederação, em direção à unificação de todos
massas ainda não houvessem
desalojado os príncipes, seria os Estados.
pouco esperto encorajá-las a Mas, quando as notícias da Revolução de Viena chegaram a Berlim, o povo saiu às
minar a ordem social , e onde o ruas manifestando-se contra o absolutismo e exigindo medidas de unificação de caráter
tivessem leito, seria desejável nacionalista. O rei da Prússia, Frederico IV, sentiu-se obrigado a iniciar medidas libe­
00 retirá-las das ruas e desmantelar
-.:t as barricadas, que eram os ralizantes: convocou um Parlamento Preparatório, composto por representantes de to­
00
símbolos essenciais de 1848. dos os países da Confederação, numa tentativa de unificar a Alemanha sob a sua lide­
<( (Eric Hobsbawm) rança. Mas o monarca conservador, Guilherme IV, hesitava.
o
00
M

cn O retorno das forças conservadoras


<(
•UJ
o._
Os movimentos revolucionários, de modo geral, conseguiram sobreviver somente
� até o final de 1 848. A partir desta data, os monarcas que haviam se sentido obrigados
:::>
UJ
a fazer concessões liberais, pouco a pouco, começaram · a reagir contra eles.
cn
UJ Na Áustria, o príncipe conservador Schwarzenberg iniciou um processo de restau­
•O
(J·
:::>
ração. Com o auxílio da Rússia, reprimiu o movimento nacionalista húngaro, exigindo
...J
o
a abdicação do imperador Ferdinando, que havia outorgado uma constituição liberal,
>
UJ e o substituiu pelo conservador Francisco José. Na Prússia, o rei Frederico Guilherme
a: IV, com o apoio de um grupo de nobres reacionários liderados pelo jovem Otto von
cn
<( Bismarck, conseguiu restabelecer sua autoridade. E todas as tentativas de unificação,
-
mesmo em pequeno grau, foram reprimidas diante da pressão da Áustria que não ad­
1 10 mitia, em hipótese alguma, uma Alemanha unida e forte ao lado de suas fronteiras.
Na Itália, o movimerifó ae�r'eâçãõ�êomeça emN�poles. O rei Fernando II, influen­ Como teria se efetivado o processo da
ciado pela vitória das forças conservadoras da Áu,$tr'ia�Íftíçia um violento bombardeio contra-revolução? O historiador E. Hobs­
bawm procura responder esta complica­
aos redutos liberais e, pouco a pouco, consegue d�n,trplar :{situação. O papa, por sua
da questão.
vez, faz um apelo aos grupos católicos e conservadores para ajudá-lo na restauração
de sua autoridade. Um exército enviado pelo então presidente da França, Luís Napo­
leão, se incumbe desta tarefa. O papa retorAa a R6ma e, contando ainda com o apoio
(. . . ) Nos primeiros poucos meses
todos os governos no zona
dos soldados franceses, reprime violentam�htê os liberais. Com a invasão austríaca de revolucionária foram derrubados
todo o norte da Itália - com exceção do Piemonte, ímico Estado que consegue manter ou reduzidos à impotência .
sua constituição, mas cujo rei é obrigado a abdicar em favor. do filho, Vítor Emanuel Todos entraram em colapso ou
recuarom virtualmente sem
-, a Revolução é sufocada.
resistência. Portanto, num
Assim, na Europa, t()dos os movimentos de caráter nacionalista e centralizador são período relativamente curto, a
abafados. A Itã'ífâ�e á� A!éíilanhá descentralizadas voltam a ser governadas por monar­ revolução tinha perdido a
cas despóticos. Entretanto a semente havia sido plantada. Alguns anos depois, o pro­ iniciativa quase que em todos os
cesso de centralização reinicia-se. E, apesar de tomar um outro caminho que não o das lugares: na França, pelo fim de
abril; no resto da Europa
lutas populares, ele alcança o seu objetivo.
revolucionária, durante o verão,
apesar de que o movimento
Exercícios guardou alguma capacidade
poro contra-atacar em Viena,
1 . Como uma das principais causas da revolução de 1 830, poderemos mencionar o Hungria e Itália. Na França , o
primeiro marco da contra­
seguinte fato:r ofensiva conservadora foi o
a) ao subir ao tl'ono, CarlosX começou a tomar uma série de medidas de caráter popu­ eleição de abril com sufrágio
lar, desgostando; portanto, a burguesia; universal ( . . . ), (com deputados)
b) tanto a burguesia. quanto as camadas mais baixas viam com maus olhos o governo eleitos pelos votos de um
campesinato politicarnente mais
de Carlos X, que restaurava costumes e restringia as possibilidades de desenvolvi­
inexperiente do que reacionário,
mento político e econômico; e para o qual a esquerda de
c) o governo de Carlos X desgostava a nobreza por suas idéias liberalizantes, o que mentalidade urbana ainda não
fez com que essa classe organizasse um movimento para derrubá-lo; tinha um apelo. ( . . . ) O segundo
d) Carlos X tinha tendência fortemente republicana, fato este que explica sua deposição; marco foi o isolamento e derroto
dos trabalhadores
e) todas as alternativas estão corretas. revolucionários em Pari s , batidos
no insurreição de junho.
2. O governo de Luís Felipe se caracteriza por: (Eric Hobsbawm)
a) beneficiar somente a burguesia financeira;
b) auxiliar sempre os trabalhadores das cidades;
c) uma total honestidade, não se notando nenhum caso de corrupção;
d) atender aos interesses da pequena burguesia;
e) todas as alternativas estão corretas.

3. Em 1 830 o povo francês se rebelou contra a monarquia de Carlos X. Por quê?

4. Qual a característica do governo instalado na França com a revolução de fevereiro


de 1 848?

Respostas Comentadas

1 . O período de restauração caracterizou-se pela tentativa de restabelecer o antigo re­


co
gime pelos setores mais conservadores da aristocracia francesa. Por esta razão a maior -.::t
co
parte da burguesia e amplos segmentos populares se articularam em julho de 1 830 pa­
ra derrubar a monarquia dos Bourbon. A alternativa correta é a b. <(
o
C")
co
2. A substituição da monarquia dos Bourbon pela monarquia d e Luís Felipe
caracterizou-se pela supremacia de um governo dominado pela alta burguesia financei­ CJ)
:::!
ra. Confirmando este fato, Lafite, amigo de Luís Felipe, teria dito, no exato momento •LU
CL
de posse do novo regime: De hoje em diante governarão os banqueiros. A alternativa cor­ o
o:
reta é a a. ::::>
LU
CJ)
LU
3. Não suportando mais as tentativas de restauração do antigo regime - a opressão, •O

a censura e as restrições à prática política -, o povo e a burguesia parisiense levantaram­ ::::>
__J
se contra a monarquia de Carlos X. o
>
LU
c:
4. Quase todas as classes sociais estavam representadas no governo republicano e re­ CJ)
<(
volucionário de 1848; por essa razão era um governo provisório. Cada classe esperava -
excluir a outra, e a tendência era a união dos setores mais conservadores e moderados
para afastar os representantes dos trabalhadores . 111
UBE:RAT.TSMO
;;-- ·

ECONOlVliCO E
SOCIAUSMO

O impacto provocado pela Revolução Industrial, pela Revolução Francesa e pelas


guerras napoleônicas não só modifica o perfil da sociedade européia e mundial do sécu­
lo XIX, como também dá origem a riovas formas de ver, sentir e pensar o mundo. Um
novo pensamento, uma nova ideologia, cujas premissas se assentavam ..nas 1til'éias ,libe­
rais que já se haviam manifestado através da filosofia iluminista, to.mam conta de toda
a Europa. E as teorias econômicas do século XIX constituirão uma tentativa de expli­
car a sociedade daquela época a partir de pressupostos ailtiàbsolutistas.

Novas teorias econômicas

Adam Smith As teorias econômicas nascem com Adam Smith e o seu pensamento
constitui um marco na história do conhecimento. Até o surgimento de sua t>bra A Ri­
queza das Nações, em .1 176, não. só a economia como também todos os demais aspectos
da vida humana e da natureza eram explicad()s pela filosofia, origem de todo o conheci­
mento. Suas teorias, ao analisar apenas o aspecto econômico da sociedade e ao cons­
truir essa análise de forma coerente e a partir de justificativas sólidas, inauguram um
novo campo do conhecimento que ganha categoria de ciência: a Economia Política
Clássica.
Antes de Smith, os fisiocratas haviam elaborado uma crítica às teses mercantilis­
tas, defensoras da idéia de que a riqueza de um país podia ser determinada pela posse
de grandes quantidades de moeda - ouro e prata - e pela balança comercial favorável.
Em contrapartida, argumentavam os fisiocratas que era a posse dos bens materiais que
garantia a riqueza de um país. E Adam Smith, em A Riqueza .das Nações, aperfeiçoou
o argumento desta corrente afirmando ser o trabalho que cria a riqueza de uma nação.
E vai mais além, quando diz que, para se aumentar essa riqueza, faz-se necessário pro­
vocar o crescimento da produtividade do trabalho.
Em decorrência dessa premissa - de que a riqueza aumentará se se provocar o cres­
cimento da produtividade do trabalho -, Adam Smith defende a idéia segundo a qual,
o
:2 se cada indivíduo cuidar somente de seus interesses econômicos, a sociedade como um
CJ)
=.i todo prosperará. E que as relações de compra e venda, ou seja o mercado, se regula­
4:: riam pela lei da oferta e da procura. Atrás desta postura smithiana encontra-se um prin­
u
o cípio liberal: a não necessidade da interferência do Estado. No absolutismo, o Estado
CJ)
U-J se fazia muito presente na economia dos países, ao regulamentar suas relações, atitude
o esta que encontrava justificativa teórica nas teses mercantilistas. Em contrapartida, ao

:2 defender esses princípios, conhecidos como livre-cambismo, Smíth propunha que até
•C
z as novas indústrias só se expandiriam se caíssem por terra todas as restrições de mono­
o pólio - o pacto colonial - também propostas pelo mercantilismo.
u
w
o
:2
CJ)
-I
Malthus Essas teorias foram consideradas otimistas por vários pensadores da eco­
4:: nomia clássica, entre os quais Malthus. Autor de Ensaio sobre o Principio da População,
ex:
U-J
CC Malthus defende nessa obra a idéia de que a proposta de prosperidade de Smith não
-I se efetivaria na medida em que o crescimento populacional se dá em maior proporção
-
que o crescimento da produção. E, ao invés de vislumbrar um futuro de abundância
1 12 e prosperidade para a humanidade, como fazia Smith, Malthus antevê, inicialmente,
surtos de miséria que, aos poucos, se transformarão em condição de vida permanente O pessimismo de Malthus e de Ricardo
pode ser explicado em parte por não te·
de toda a humanidade. E, para justificar essa antevisão, ele se vale de um arsenal de
rem levado em conta o progresso técnico
argumentos. Diz ele: O homem que nasce num mundo que já tem donos, se não puder que aumentaria a produtividade do solo
obter de seus pais a subsistência a que faz jus, e se a sociedade não desejar seu trabalho, e faria crescer a produção das flibricas. De
nenhum direito possui de reivindicar a menor proporção de alimentos e, em verdade, nada qualquer forma, o pensamento da econo­
mia clássica revelava os interesses da bur­
tem a fazer aqui. Na poderosa festa da Natureza, não há lugar para ele. A Natureza lhe
guesia inglesa, como afirmava o próprio
diz para ir embora. Para Malthus são os próprios pobres os únicos responsáveis pela David Ricardo.
pobreza, pois, a seus olhos, são eles que mais procriam. E, para criticar o instinto natu·
ral da procriação que, em sua visão, os pobres possuem em maior intensidade, ele constrói Num sistema de comércio perfei­
um argumento que, aparentemente, encontra em outra lei natural a sua justificativa. tamente livre, cada país natural­
mente dedica seu capital e tra­
Afirma: Em todo o reino animal e vegetal a Natureza dispersou as sementes da vida com
balho aos empreendimentos que
mão profusa e liberal; mas foi relativamente mesquinha quanto ao espaço e à capacidade lhe sao mais benéficos. Essa bus­
de alimentação necessários para sustentar tais sementes. A raça das plantas e a raça dos ca de vantagem individual está
animais reduziram-se sob essa grande lei restritiva, e a raça do homem não pode por ne­ admiravelmente ligada ao bem
nhum esforço dela escapar. universal do todo. Estimulando a
indústria, recompensando a en­
genhosidade, e usando da forlléla
David Ricardo A economia clássica ganha um novo impulso com o aparecimento mais eficaz os poderes atribuídos
pela natureza, ela distribui o Ira·
da obra Princípios de Economia Política e Tributação, de autoria de David Ricardo.
balho com mais eficiência e mais
Este pensador amplia a tese de Smith acerca do valor da mercadoria, sugerindo que economicamente ( . . . ) É esse
ele se relaciona com o trabalho gasto para produzi-lo. Ao afirmar que existe uma rela­ princípio que determina ser o vi­
ção entre a renda dos trabalhadores e a renda dos proprietários e capitalistas, David nho feito na França e Portugal,
que o trigo seja cultivado na
Ricardo analisa cada uma delas. Conclui que a renda de cada trabalhador é suficiente
América e Polônia, e que as
apenas para prover sua sobrevivência e, conseqüentemente, ele está condenado a uma mercadorias de ferro e outras se­
eterna miséria. jam manufaturadas na Inglaterra.
Quanto aos capitalistas, no que diz respeito à renda, Ricardo concebe que suas pers­ (David Ricardo)
pectivas não são das mais promissoras, pois os lucros desta classe tendem sempre a
diminuir na medida em que ela se vê forçada a pagar maiores salários aos trabalhado­
res. Pois, com o esgotamento do solo fértil e com a explosão demográfica, se tornará
cada vez mais dificil atender a demanda por alimentos, e este fator provocará uma ele­
vação dos preços das mercadorias, o que tornará a vida cada vez mais cara.

Jean Baptiste Say Mas não só os ingleses dão sua contribuição para a teoria eco­
nômica clássica. Também os pensadores franceses contribuem. Jean Baptiste Say é um
deles. Além de divulgar o pensamento de Smith por todo o continente europeu, ele
amplia a teoria sobre o mercado. Defende a opinião de que só o sistema de livre empre­
sa tem condições de manter a economia da sociedade em expansão. E que este sistema,
ensejando a troca de um produto por outro, confere ao dinheiro apenas a função de
meio de troca. Say também acreditava na possibilidade de crises ocasionais - mas nunca
generalizadas - em determinados mercados, pois eventuais desproporções entre a oferta
e a procura poderiam ocorrer. Mas o remédio para este mal se inscreve na própria lei
que rege esta relação - é o seu ponto de vista -, a qual induziria as "coisas" a volta­
rem a seu lugar natural.

John Stuart Mill Outro grande pensador da econ�mia clássica é John Stuart Mill,
que se tornou conhecido por desenvolver a já conhecida teoria do fundo de salários. o

Uma espécie de fundo total disponível em caixa, que seria dividido pelo número de CJ)
:::i
trabalhadores, determinaria os salários. Mas enquanto a maior parte dos pensadores �
clássicos considerava esse fundo igual ao capital total, Mill o concebia como o mínimo u
o
necessário para comprar a mão-de-obra. De modo geral os pensadores clássicos teoriza­ CJ)
LU
vam acerca de uma divisão internacional do trabalho - alguns países produziriam ali­ o
mentos e matérias-primas, outros manufaturas -, o que beneficiaria evidentemente u

a Inglaterra, maior produtora de bens industrializados. Por outro lado, percebe-se cla­ •O
:z
ramente que toda a teoria econômica clássica se posicionava a favor da burguesia, pois o
as suas propostas sugerem um desvio - ou superação - dos perigos que, porventura, u
LU
se interpusessem no caminho da Revolução Industrial e do capitalismo. o

CJ)
__,
Mas até agora só a perspectiva de uma classe foi analisada, a partir das teorias <X:
c::
LU
econômicas que mais sobressaíram . É necessário, para se ter uma visão abrangente !!:!
__,
desse momento, trocar de posição e tentar compreender qual o impacto que a Revo­ -
lução Industrial provocou sobre as demais classes da sociedade inglesa e, especial­
mente, sobre a classe dos trabalhadores urbanos. 1 13
A Revolução Industrial
e os novos rumos da classe trabalhadora

Profundas mudanças, decorrentes do desenvolvimento industrial, atingiram a so­


ciedade britânica em sua totalidade e especialmente a classe trabalhadora. Até o mapa
demográfico da Inglaterra se alterou: as regiões norte e oeste passaram a concentrar
um maior contingente populacional. Todavia nem o crescimento da população de tra­
balhadores, também verificado nesse momento; nem a sua concentração em regiões
mais industrializadas traduzia uma melhoria de suas condições de vida. Muito pelo
contrário: sua situação era bastante precária. Residiam em casas - em sua maioria,
pequenos cômodos, onde se amontoavam com suas famílias e dormiam sobre palhas
- localizadas, geralmente, nas proximidades das fábricas. A vida que aí levavam -
homens, mulheres e especialmente crianças - era também marcada pela mais comple­
ta penúria: jornada de trabalho de 1 4 a 16 horas sob condições extremamente aviltan­
tes e pela qual recebiam baixíssimos salários. A própria mecanização que, ao potencia­
lizar as máquinas e aumentar a produtividade, poderia constituir alívio para a classe
operária, transformou-se em seu algoz, pois provocou o desemprego, piorando suas
condições de vida, além de diminuir seu poder de barganha.
Em protesto contra esse estado de coisas surgem as primeiras manifestações dos tra­
balhadores. Na cidade de Nottingham um operário, Ned Ludd, convencido de que as
máquinas eram a causa da miséria de sua classe, destrói todos os teares de uma fábrica
de tecidos. Seu impulso destruidor - forma primitiva de expressar sua revolta - ga­
nhou adeptos em toda a Inglaterra. E nos anos de 1 8 1 1 a 1 8 1 2 ocorrem em todo o
país manifestações desse tipo que, em homenagem ao gesto inaugural de Ludd, rece­
bem o nome de ludismo. Mas, à medida que a classe operária amadurece, vai abando­
nando essa forma de luta e criando novas organizações que aos poucos assumem um
sentido político-reivindicatório. É o caso do movimento associativo que surge quase
que concomitantemente ao ludismo. Invocando os direitos do homem e do cidadão,
e nisto revelam a grande influência que sofrem da Revolução Francesa, aparecem vá­
rias sociedades de trabalhadores. A primeira delas, constituída pelo sapateiro inglês
Thomas Hardy, chamada de Corresponding Societies, em menos de dois anos conseguiu
milhares de adeptos. A estratégia por ela escolhida para organizar os operários foi soli­
citar que lhe enviassem uma resposta para a seguinte pergunta: Você está convencido
de que o bem-estar desse reino requer que cada pessoa adulta (. . .) tenha o direito de eleger
e ser eleita membro do Parlamento? O enfoque dado à pergunta já expressa o desejo de
que as lutas operárias devem assumir a direção das reivindicações políticas.
A primeira luta do operariado inglês que visa a conquista de direitos políticos -
o voto universal - encontra apoio da parte da burguesia cuja renda anual não atinge
o patamar exigido pela legislação. O movimento ganha força, obrigando o Parlamento
inglês a aprovar algumas reformas, temeroso de que a insatisfação crescesse e se repe­
tisse na Grã-Bretanha a convulsão social que ocorria na França. Entretanto essas pe­
quenas mudanças apenas satisfizeram os interesses da pequena burguesia. A maioria
dos chamados distritos podres que, apesar de pequenos, tinham direito a eleger um
grande número de deputados, foram suprimidos e, em seu lugar, -os grandes centros
industriais obtiveram essa prerrogativa. Mas a questão principal permaneceu inaltera­
o
:::2: da: a capacitação política continuava subordinada à condição econômica.
cn
....J Mas a luta pelo sufrágio universal continuou. No ano de 1 836, marcado por

g �!,������� ��:��:;;� �: �� � �� :a�:


a n i s
t
tr
cn tistas. Alguns deles, encabeçados pelo di·
uma crise industrial e comercial, foi fundada a Associação dos Operários com o objeti­
vo de dar continuidade a esse combate. No ano seguinte foi apresentado ao Parlamento
UJ rigenre da Associação dos Operários, o car- um documento dessa associação, chamado Carta ao Povo, razão pela qual o movi­
8 pinteiro Lovett, consideravam que as prer·
mento levou o nome de cartismo. A Carta ao Povo continha seis reivindicações: su­
� rogativas da carta deveriam ser conquis­ frágio universal, igualdade dos distritos eleitorais, supressão do censo, eleições anuais,
•0 tadas em aliança com a burguesia e unica· voto secreto, remuneração para os deputados.
� mente por meio de recursos pacíficos: agi­ O movimento ganha adeptos em toda a Inglaterra, principalmente a partir de 1 838,
&3 tação, propaganda e petições ao Parlamen­
quando se inicia a difusão de suas lutas e programas pelo jornal Estrela do Norte. Ainda
O to. Esse grupo se denominava Partido da
:::2: Força Moral ou Partido da Água Rosada. nesse mesmo ano, depois de realizar o seu primeiro congresso, o movimento redige
� Entre os partidãrios da força moral havia uma petição a qual continha, entre outras, as seguintes afirmações: sucumbimos ao peso
� muitos continuadores de Owen. À frente dos impostos e os operários morrem de fome.
ffi dos panidãrios da força fisica, estava o pro­
� fessor irlandês O'Connor, figura muito po­
Várias tendências conviviam dentro do cartismo. Uma delas, liderada pelo profes­
sor irlandês O'Connor, pregava a luta armada como último recurso quando esgotadas
-
pular, que reconhecia a insurreição armada
como o último recurso de luta quando os as demais formas de luta. Preconizando a volta dos operários para o campo, desde que
1 14 demais estivessem esgotados. lhes fosse concedida uma pequena propriedade, essa tendência possuía propostas de
reforma social que poderão ser percebidas neste verso de autoria do próprio O' Con­
nor: Quero uma casinha e uma renda I de não mais de cem libras por r,zno I uma ovelha,
uma vaca, uma novilha I um pequeno prado verde I onde um pastorzinho as levasse para
pastar. Outra corrente, mais militante e revolucionária, que sofria a influência dos ja­
cobinos, é orientada por Harney, cujas bandeiras de luta eram: jornada de trabalho de
8 horas, proibição do trabalho infantil e extinção da propriedade privada dos meios
de produção. Todavia, essas próprias divisões internas facilitaram a repressão do mo­
vimento e o não atendimento, pelo Parlamento, de suas reivindicações.
O cartismo, no entanto, obteve importantes vitórias. Em 1 837, o Código Penal foi
reformado; em 1 842, o trabalho infantil e feminino foi regulamentado e em 1 847, esta­
belecida a jornada de trabalho de 10 horas. O cartismo, além disso, legou ao operariado
inglês um sistema de cooperativas e, principalmente, um forte sistema sindical conhe­
cido como Trade Union. A partir de 1 848 esse movimento se estabilizou em decor­
rência, por um lado, da repressão e, por outro, do fato de ter sido atendida grande
parte de suas reivindicações.

Teorias sociais como instrumento de luta

Todas essas lutas se centravam nas condições de vida do operariado, que acabaram
se tornando objeto de estudo e preocupação de muitos pensadores. E assim nasce o
pensamento socialista, procurando oferecer uma sustentação teórica não só para inter­
pretar a situação da classe trabalhadora como também para orientar os embates por
ela travados. Ele se divide em duas correntes: a inicial, conhecida como socialismo
utópico e a outra, que surgiu mais tarde, inaugurada por Marx e Engels, chamada
de socialismo cientifico.
Debruçados sobre os problemas sociais acarretados pelas condições surgidas a par­
tir da Revolução Industrial, vários pensadores e intelectuais do século XVIII e, parti­
cularmente do século XIX, propuseram soluções. Esses pensamentos, assentados na
falsa premissa da viabilidade de uma harmonia entre as diferentes classes, mostraram­
se inexeqüíveis. Assim, essas teorias tornaram-se conhecidas como utópicas, impossí­
veis de se concretizarem.
O ensaísta norte-americano Edmund Wil­
son comenta no texto abaixo o pensamento
do socialista utópico Saint-Simon.
Saint-Simon O primeiro desses pensa-
dores foi Saint-Simon ( 1 7 60-1 825), cujas teo­ O século XVIII - afirmava Saint-Simon - cometera um erro fundamental:
rias concebiam ser objetivo primordial da so­ por um lctdo, tomara como pressuposto que o homem era dotado de plena liber­
ciedade a produção de riquezas. Dividia a dade de vontade, e, por outro, que o mundo físico era governado por leis inva­
sociedade em dois grupos: os trabalhadores riáveis; ao fazer isso, excluíra o homem da Natureza. Pois havia também leis
sociais; havia uma ciência do desenvolvimento social; e através do estudo da
e os ociosos. Todos aqueles que exerciam
história da humanidade, deveríamos poder dominar esse saber ( . . . ) A soluçao
qualquer atividade - operários, industriais, dos problemas sociais era ajustar os interesses em conflito; e a política, na reali­
banqueiros e comerciantes - pertenciam ao dade, consistia simplesmente em controlar o trabalho e as condições do traba­
grupo dos trabalhadores. O grupo dos ocio­ lho; estavam os liberais redondamente enganados ao bater na tecla da liberda­
sos era composto por aqueles que viviam de de individual; na sociedade, as partes deviam subordinar-se ao todo.
Então a solução era livrar-se dos velhos liberais; livrar-se dos soldados na
renda. Supunha, ainda, que a atividade dos
política , e colocar o mundo nas mãos dos cientistas, dos capitães de indústria
industriais deveria apoiar-se em pressupos­ e dos artistas. Pois a nova sociedade seria organizada não como a de Babeuf,
o
::2:
tos científicos, pois assim poderiam identi­ com base no princípio de igualdade, mas segundo uma hierarquia de mérito. CJ)
--'
ficar os males sociais e distribuir melhor a (Edmund Wilson, Rumo à Estação Finlândia) �
riqueza, dirigindo a sociedade com mais par­ u
o
CJ)
cimônia. Através dessa visão percebe-se que
LU
Saint-Simon, o pioneiro do pensamento socialista, ignorava a natureza do impulso que o
mobiliza a ação do capitalista: a obtenção de lucros. u
::2:
•O
z
o
u
Fourier Outro importante pensador do socialismo utópico foi Charles Fourier LU

( 1 772- 1 837). Em sua visão a história da humanidade se desenvolvia em quatro fases: o


::2:
selvageria, barbárie, patriarcado e civilização. Em sua obra principal, Teoria dos quatro CJ)
:J
movimentos e dos destinos gerais, ele critica os negociantes, a desonestidade e a especula­ <(
0::
ção como causas dos males do capitalismo e razão pela qual a classe operária, nesse LU
Q;!
sistema, se vê condenada à fome e ao desemprego. Para solucionar esses males, ele pro­ --'

põe a formação de falanstêrios - comunas - nas regiões dos mosteiros e terras deso­ -
cupadas, locais onde deveriam ser construídos edificios para os trabalhadores; e a pro- 1 15
Além das questões econômicas, Fourier dução, dividida comunitariamente, ou seja, entre os membros da comuna. Igualmente
preocupou-se também com as emoções dos como acontecia com o pensamento de Saint-Simon, o de Fourier propugna a compreen­
homens.
são dos ricos para que a sociedade fosse reorganizada.
1 a) os instintos e as paixões hu­
manas são sempre bons: se pu­
dessem expandir-se livremente, Owen Tanto Saint-Simon como Fourier eram franceses e oriundos das classes so­
condu ziriam os indivíduos à feli­ ciais mais privilegiadas. O primeiro era filho de aristocratas e o segundo, de comer­
cidade. Tudo se resume, pois,
ciantes. Mas um outro pensador, cujas teorias também pertencem à corrente do socia­
em encontrar boas instituições
sociais, isto é, capazes de permi­ lismo utópico, Robert Owen ( 1 77 1 - 1858), é inglês e provém de outra classe social. Além
tir essa liberdade de expansão de ser filho de artesão, ele próprio começou a trabalhar aos 7 anos, ajudando, em um
nece ssá r i a ; 2"') o comércio é colégio, a cuidar de crianças de 4 a 5 anos de idade. Aos 10 anos trabalhou em um
prejudicial , moral e material­
armazém em Londres; aos 20, se torna gerente-geral de uma grande fábrica em Man­
mente, porque corrompe as dis­
posições naturais do homem, de­
chester, grande centro da indústria têxtil e metalúrgica. Casa-se com a filha de um rico
verá ser substituído pela coope- industrial de New Lanarck, na Escócia, tornando-se mais tarde co-proprietário de uma
ração e pela associação; 3 a ) o fábrica na qual trabalhavam 2 mil operários. Preocupado com a condição de vida dos
casamento é uma hipocrisia , por­ seus empregados, Owen reduz a jornada de trabalho para 10 horas e meia e abre um
que sempre determina a escravi­
armazém onde eles podiam adquirir produtos de boa qualidade a preços acessíveis.
zação da mulher, e por isso deve
ser substituído pela união livre. Acreditando que através de uma boa educação seria possível o homem desenvolver
um bom caráter, ele inaugura uma escola-modelo, na qual são suprimidos os castigos
corporais - recurso pedagógico muito utilizado naquela época -, como também orga­
niza creches e praças de jogos para as crianças menores. Em seu empenho para melho­
rar a condição de vida da classe trabalhadora, Owen ultrapassa as fronteiras de seu es­
tabelecimento. Defende, ardorosamente, a redução oficial da jornada de trabalho e a
regulamentação do emprego da mão-de-obra feminina e infantil. E, além de participar
dos congressos dos trabalhadores, embriões do Trade Union, tentou organizar uma
comuna na América, no Estado de Indiana. Transferiu-se, em companhia de seus adep­
tos, para uma fazenda aí localizada.
Mas, sob as condições do capitalismo, todos os empreendimentos organizados se­
gundo o plano de Owen desintegram-se ou se convertem em empresas de camponeses
ricos que, como qualquer outra, exploram a mão-de-obra alheia. Outra tentativa de Owen
foi desenvolver a cooperação operária através da organização de armazéns de troca, acre­
ditando ser este um meio de os operários alcançarem uma posição mais igualitária. Em
1 832, em Londres, pôs em prática esta idéia, organizando um armazém que recebia
mercadorias de várias pessoas e cooperativas que tinham o direito de trocá-las por ou­
tras. Como os demais empreendimentos, este também fracassou.

O socialismo e a organização do movimento operário

O historiador Eric Hobsbawm mostra no Todas essas tendências socialistas se traduziram na prática pelo surgimento de ma­
texto abaixo como, em muitos casos, o nifestações cujo objetivo era a organização do movimento operário. Na França, por
marxismo buscou matéria-prima no socia­
exemplo, surgiram as sociedades secretas, entre elas a chamada Os Amigos da Ver­
lismo utópico para elaborar sua própria
teoria. dade. A uma dessas sociedades pertencia
o líder Augusto Blanqui ( 1 805- 1 88 1 ) que
o
:2: participou, inclusive, da Comuna de Paris
Nos anos da sua maturidade, Engels elogiava Charles Fourier ( 1 772-1837)

-' sobretudo por três motivos: por sua crítica brilhante , espirituosa e feroz da so­
em 187 1 . Na Inglaterra, além das Corres­
<( ciedade burguesa, ou, antes, do comportamento burguês; por seu empenho em ponding Societies, outras sociedades surgi­
u
o favor da libertação da mulher; e por sua concepção essencialmente dialética ram. Foi em uma dessas sociedades france­
(/)
w
da história (embora esse último ponto pareça ser atribuído mais a Engels que sas que os alemães Weittling, Bauer e ou­
a Fourier) . Todavia, o que primeiro o impressionou no pensa me nto de Fourier,
o tros membros da chamada Liga Cultural
u o que de i x ou os traços talvez mais profundos no socialismo marxiano, foi sua
análise do trabalho ( . . . ) Marx talvez tenha sido mais consciente do que Engels dos Operários Alemães, com sede em
:2:
'0 do conflito potencial existente entre a concepçào fourieriana do trabalho, en­ Londres, entraram em contato com as idéias
:z:
o qu anto satisfação essencial de um instinto humano, idêntico ao jogo, e a plena socialistas e comunistas, dando origem à co­
u explicitação de todas as capacidades humanas, que, em sua opinião e na de En ­
w nhecida Liga dos Comunistas. Mas, de
gels, seria assegurada pelo comunismo, embora a abolição da divisao do traba­
o
lho (ou sej a , de especializações funcionais permanentes) pudesse certamente
modo geral, os socialistas utópicos acredi­
:2:
(/) produzir resultados interpretáveis em chave fourieriana ("caçar pela manhã, pes­ tavam na eficácia das palavras, pois enten­
-'
<( car à tarde, cuidar do gado no início da noite e, depois do jantar, criticar"). diam que bastaria revelar ao mundo suas
a:
w Com efeito, mais tarde, ele refutol! especificamente a concepção do trabalho doutrinas para que este se transformasse.
lXI como "pura alegria, pura diversão" .
::i Já o socialismo científico possui uma
(Eric J. Hobsbawm, História do Marxismo)
- outra visão: acredita na necessidade de a
1 16 classe operária tomar o poder para que o
mundo se transforme. E o pensamento de Karl Marx, principalmente na obra intitu­ Uma outra corrente do pensamento socia­
lada O Capital, estabelece os fundamentos para a construção do socialismo científico lista está ligada ao nome de Proudhon
e apresenta uma análise profunda dos mecanismos da sociedade capitalista, desvendan­ (1809-1865). Em seu livro O que é a Proprie­
dade?, publicado em 1 839, ele afirma que
do como se realiza a exploração do capital sobre o trabalho. "a propriedade é um roubo". Entretan·
Para o marxismo, a história da humanidade é a história das formas utilizadas para to, Proudhon considerava "um roubo"
produzir riqueza, ou seja, é a história dos modos de produção de todas as épocas. Karl apenas a grande propriedade (a proprie­
Marx acredita na necessidade da ação política e, em sua obra O Manifesto Comunista, dade do comerciante, do latifundiário e do
industrial). Defendia a pequena proprie­
publicada em 1848, ele conclama a classe operária a se tornar agente da transformação
dade, acreditando que se os camponeses
social. Em 1 864 ajuda a fundar uma associação chamada Internacional Socialista proprietários e artesãos trocassem seus pro­
- Associação Internacional dos Trabalhadores -, cujo objetivo é promover a luta do dutos sem a intervenção de intermediários,
operariado contra o capitalismo. através de um banco de intercâmbio, fa­
riam desaparecer a exploração. Partindo
Se pensadores liberais como Adam Smith e David Ricardo já haviam percebido ser
desse princípio, Proudhon julgava possí­
o trabalho a fonte de toda riqueza, não estabeleceram contudo uma relação entre o cres­ vel formar uma sociedade de uma só elas·
cimento do capitalismo e a exploração da classe trabalhadora. Tanto Marx quanto En­ se, a classe dos pequenos proprietários, e
gels - seu parceiro intelectual em várias obras - compreenderam e se detiveram na negava a necessidade da luta de classes. A
análise dessa relação. teoria do materialismo histórico, desenvol·
vida por Marx, propunha: O ideal nãtJ é
Em 1 872, durante o congresso da I Internacional - Associação Internacional dos
senão o material transposto e traduzido no
Trabalhadores -, Proudhon e Bakunin divergiram da proposta apresentada por Marx. cérebro humano. Aplicando o materialismo
Esta proposta, cujo objetivo era contribuir para o avanço das lutas operárias, defendia à história, Marx dizia que todas as formas
a seguinte tática: que os operários devem engajar-se na ação sindical e política para de vida social, cultural e política de uma
sociedade estavam determinadas, em úl­
conquistar o poder; alcançado este propósito, o passo seguinte é o estabelecimento de
tima instância, pela forma como homens
uma ditadura do proletariado, momento em que a classe operária reordenará a econo­ se organizavam na produção dos meios
mia a partir de critérios opostos àqueles adotados pela burguesia. consumidos nesta sociedade. Portanto, di­
Bakunin que, ao lado de Kropotkin, definira o Estado como a origem de todos os zia Marx: Não é a consciência dos homens
males sociais, neste congresso uniu-se a Proudhon para reafirmar a sua tese e pregar que determina a sua consciência. Daí o er·
ro, segundo Marx, de tentar reformar a so­
a imediata supressão do Estado e da propriedade privada pela conspiração secreta e
ciedade apelando para a consciência das
pela insurreição popular armada. Assim, seria estabelecida a sociedade anarquista, pessoas, como queriam os socialistas
organizada em comunidades cooperativas voltadas para o auto-abastecimento e a troca utópicos.
sem fins lucrativos.
Também a Igreja Católica se manifestou sobre a questão social. Aproximadamente
em 1 850, o padre francês Robert de Lamennais, preocupado em corrigir os males da
industrialização, desenvolve uma teoria de justiça social chamada & catolicismo social
ou socialismo cristão. Essa teoria ganha força com a Encíclica Rerum Novarum do
Papa Leão XIV. Não aceitando as soluções socialistas, a Igreja apela ao Estado para
que encontre formas de impedir a exploração do operário. Estimula a criação de corpo­
rações para regulamentar o trabalho feminino e infantil e assegurar salários justos e
melhores condições de vida para a classe trabalhadora.

Exercícios

1 . (UF-MG) O ludismo, fenômeno que ocorre durante os séculos XVIII e XIX,


caracterizou-se pela destruição de máquinas.
a) Identifique o contexto histórico do ludismo.
b) Cite 2 (duas) razões da ocorrência desta prática.

2. (FUVEST-SP) A expressão laissez-faire, laissez-passer traduz dois princípios do li­


o
beralismo econômico do século XIX. Quais são esses princípios? ::2
sa
-'
Respostas Comenta das <(
u
o
cn
1. a) O ludismo surgiu como reação dos operários na fase inicial do processo de indus­ LU

trialização da Inglaterra. o

b) Primeiro, os operários viam na crescente adoção de máquinas uma das razões do ::2
desemprego; por isso destruíam-nas. •O
:z
A outra forte razão para o ludismo era a percepção que os operários tinham de que o
u
as máquinas significavam também uma forma de escravidão para suas mulheres e filhos. LU

o
::2
2. O liberalismo econômico, teorizado por Adam Smith e sintetizado na expressão sa
--'
laissez-faire, laissez-passer, defendia, como postulados básicos, a livre-concorrência na <(
c:
economia e a eliminação dos monopólios, privilégios e restrições mercantilistas. Assim, LU
çg·
deveria haver auto-regulamentação natural das condições do mercado, sem a ingerên­ -'
-
cia do Estado na vida econômica.
117
,.,.,

UNIF7CAÇOES
NACIONAIS E A
COMUNA DE PARIS
Até a segunda metade do século XIX, tanto a Itália como a Alemanha conservavam
importantes traços do feudalismo, como, por exemplo, permaneciam divididas em pe­
quenos Estados - principados, ducados, monarquias etc. -, desconhecendo a autori­
dade de um governo central que os integrasse. Durante a Revolução de 1 848, uma das
bandeiras de luta empunhadas pela Alemanha - principalmente por uma parcela de
sua burguesia - era a de que, sob a liderança da Prússia, o povo alemão se unificasse
e adotasse uma política liberal para acompanhar o desenvolvimento da Europa. Entre­
tanto, disputando a liderança dos países localizados nessa região, além da Prússia -
o mais industrializado de todos -, havia a Áustria. Este país une-se à Prússia para
impedir a unificação dos povos fronteiriços.
Na península itálica a situação não era muito diferente. Além de encontrar-se divi·
dida em monarquias autônomas, parte importante do seu território encontrava-se sob
o domínio da Áustria. E, também por ocasião das Revoluções de 1 848, essas posses­
sões tentaram, com o auxílio do Reino de Piemonte - industrializado e de tendência
liberal -, expulsar o invasor. Mas o con�ervadorismo acabou vencendo.

A unificação da Itália
Alguns militantes da unificação italiana já O processo de unificação foi adiado mas não esquecido, pois o germe da unificação
anteviam a necessidade de uma aliança en­ encontra posteriormente no Reino de Piemonte terreno fértil para se desenvolver. O
tre a Itália (Piemonte) e a França, como
forma de luta pela unidade. A cana de Or­
governo deste país se acha nas mãos de um ministro liberal, o conde de Cavour, cujo
sini, condenado à morte, ilustra essa projeto de unificação - o Risorgimento - visava a ampliação do mercado consumi­
posição. dor para os produtos das indústrias piemontesas. A sua ambição ia mais longe ainda:
alimentava o desejo de competir com a França e a Inglaterra na conquista de novos
A Napoleão III, imperador dos mercados e colônias, mas percebia que só com uma Itália unida e forte esse desejo se
Franceses: ( . . . ) Perto do fim da
realizaria. Portanto, unificar os diversos Estados italianos era um projeto que ia ao en­
minha carreira, quero, todavia ,
tentar fazer um último esforço contro dos interesses da burguesia que dominava o setor industrial, concentrado no
para ajudar a Itália, cuja Piemonte.
LU independência me tem feito até Além do crescimento do mercado consumidor, a unificação iria proporcionar ainda
O hoje atravessar os perigos ( . . . )
um outro benefício que igualmente concorreria para o fortalecimento desta parcela da
� Para manter o equilíbrio atual da
:::> Europa, é preciso ou tornar a burguesia: a possibilidade de impor uma política alfandegária protecionista para os pro­
:2: Itália independente ou apertar as dutos da incipiente indústria piemontesa, eliminando a concorrência das mercadorias
8 cadeias sob as quais a Á ustria a francesas e inglesas.
tem em escravidão. Pedirei eu Inúmeros obstáculos deviam ser derrubados para que esse projeto se realizasse. Lu­
UJ que, para a sua libertação, seja
tar contra a Áustria, dona dos territórios de Lombardia e Veneza; contra o Papa que,
ÇQ vertido o sangue dos Franceses?
em hipótese alguma, admitia perder o domínio sobre os Estados da Igreja e contra o
� Não, não vou até aí. A Itália
o pede que a França não Reino de Nápoles, governado por um monarca absolutista da família dos Bourbon. Ca­
Ü intervenha contra ela ; pede que vour reconhecia a necessidade de aliar-se a um país forte para realizar os seus propósi­
� a França não permita à
tos. Com essa perspectiva, aproximou-se de Napoleão 111 da França. E a melhor opor­
Alemanha apoiar a Áustria nas
lutas que talvez em breve se tunidade de demonstrar o seu apreço por este país apareceu durante a guerra da Cri­
travem. Ora é precisamente o méia, em 1855. O Piemonte enviou soldados para lutar ao lado dos franceses nesse
que Vossa Majestade pode conflito em que se envolveram com a Rússia. Esse apoio deu condições a Cavour de
fazer . . . - Da prisão de Mazas, pedir a Napoleão 111 que ajudasse a libertar seus territórios, Veneza e Lombardia, do
l l de fevereiro de 1858. -
domínio da Áustria. A guerra começou em 1 859, e os piemonteses, com o apoio dos
Felipe Orsini .
- franceses e dos movimentos populares - sob a liderança de Garibaldi -, começam
(in J. M. d'Hoop, Documentos de
1 18 História) a impor uma série de derrotas à Áustria. Mas Napoleão 111 preferiu retirar o seu apoio
ao Piemonte, atemorizado com os rumos que os movimentos populares desse país pa­
reciam tomar. Em conseqüência, a Áustria só abriu. mão da Lombardia e a situação
permaneceu inalterada até que os pequenos ducados de Módena e Parma se rebelam,
sob a liderança de Garibaldi.
Encorajados pelas vitórias alcançadas por esses ducados, os liberais e populares nos
Estados do Papa e do Reino de Nápoles começam a se manifestar. Impulsionado pelo
rei de Piemonte, Vítor Emanuel li, e pelo ministro Cavour, Garibaldi inicia a tomada
de Nápoles. Desembarca no sul da Itália com seus mil camisas vermelhas - exérci­
to popular -, avança em direção ao norte e, sem encontrar resistência, ocupa Nápoles,
provocando a fuga do rei Fernando de Bourbon. Logo depois, Garibaldi expressa o
desejo de proclamar Piemonte uma república independente. Mas essa possibilidade é
esquecida quando grande parte da população e dos latifundiários do sul, que apoiavam
a luta contra os Bourbon, optam pela união. Em seguida, Vítor Emanuel envia tropas
contra os Estados do Papa que são anexados ao Piemonte, com exceção de Roma que
resiste com a proteção da França. E, no dia 26 de outubro de 1 860, Garibaldi encontra-se
com Vítor Emanuel e o saúda como rei da Itália.
Com exceção de Roma e Veneza, toda a Itália estava unificada. Fazia-se necessário
pois, para integrá-las no conjunto, lutar contra a Áustria e contra o Papa. Surge a pri­
meira oportunidade em 1 866, quando na Alemanha ganha corpo o movimento de uni­
ficação, com o apoio da Prússia. A Áustria, sentindo-se ameaçada, adota medidas para
reprimir esse movimento, tentando repetir o feito de 1 848. Mas a Prússia contra-ataca,
declarando guerra aos austríacos. Os italianos se aliam a este país e atacam as forças
austríacas em Veneza, dominando-as. Em 1 870, configura-se outra conjuntura favorá­
vel para a anexação de Roma ao resto do país. França e Prússia entram em guerra e
O processo de unificação da Itália come­
ça em 1859, quando o Reino de Piemonte
recupera territórios dominados pela Áus­
tria: Lombardia e, em seguida, Móde­
na, Parma e Toscana. Numa segunda
fase, o Reino de Nápoles e o das Duas
Sicílias são anexados, formando o Rei­
no da Itália. Em 1 866 é a vez do Vêneto
e, em seguida, dos Estados Pontifícios se
unirem aos anteriores, compondo uma
única nação.

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§ 4\1 fase -

119
as forças francesas que estavam em Roma são convocadas às pressas. Vitor Emanuel,
oportunamente, invade esse Estado, obrigando o Papa Pio IX a se refugiar em um bairro,
atualmente o Estado do Vaticano. Em setembro de 1870, finalmente, a Itália se encon­
Na complementação da unificação italia­ trava unificada.
na, as tropas do exército de Vitor Emanuel
Mas, apesar da unificação, os dirigentes do novo Estado italiano continuam a en­
11 invadem Roma, sem que o papa ofere­
frentar problemas externos e internos. Recusando os privilégios que lhe conferia o rei
ça resistência. Uma testemunha da época
descreve o episódio. Vitor Emanuel - como, por exemplo, as prerrogativas de soberano com livre comuni-
cação com o estrangeiro e uma pensão de
3 milhões de liras por ano -, o Papa prefe­
O general Kanzler tinha estabelecido defesas, mas Pio IX queria evitar a efusão
riu considerar-se em conflito permanente
de sangue: queria unicamente que se verificasse, à face do mundo, que a vio­
lência precedera a ocupaçao. As portas continuaram fechadas, trancadas . O com o Estado, e julgar-se prisioneiro do rei,
general Cardona teve de arrombá-las a tiro de canhao. A 20, arvorava-se a ban­ ordenando seus adeptos a não participarem
deira branca na cúpula de S. Pedro e no campanário de Santa Maria Maior, das eleições do Parlamento. Esse conflito es­
e, ao meio-dia, o general Cardona fazia a sua entrada em Roma, no meio duma
tendeu-se até o ano de 1 929, quando um
populaçao delirante, que lhe atirava flores ( . . . ) A liália tinha a sua capital, a
bandeira nacional flutuava sobre o Capitólio. acordo foi firmado - o Tratado de Latrão
(G. Rothen, Recordações diplomáticas). - entre a Igreja e a Itália, já nas mãos de
Mussolini.
Um conflito externo se verificava com a
Dalmácia - atual Iugoslávia -, pois parte de seu território continuava pertencendo
à Áustria. Apesar dos problemas, nascia a moderna Itália, nova potência da Europa .

A unificação da Alemanha
A Alemanha, unificada e moderna, nem sempre existiu, pois durante muito tempo
a região era dividida em vários Estados independentes. Já na década de 30 do século
XIX, a Prússia, industrializada e de tendência liberal, havia adotado algumas medidas
que, de certa forma, constituíam passos no sentido da unificação. Implementava uma
política de unificação aduaneira - instituindo o Zollverein, espécie de mercado comum
- que insen.tava do pagamento de impostos as mercadorias aí negociadas. Naturalmente
esta decisão - e outras que lhe sucederam até a década de 60 - visava beneficiar a
própria Prússia que conseguia, dessa forma, ampliar o seu mercado. Outras tentativas
de união - feitas ainda em 1 848 - foram reprimidas pela Áustria e pela própria aris­
tocracia prussiana.
E quem realmente detinha o poder de decisão eram as potências Áustria e Prússia.
E nenhuma das duas concebia não participar da união dos povos alemães, nem tão pouco
permitir apenas a inclusão da outra. A ninguém mais do que à Prússia interessava a
unificação. Mas, apesar de se encontrar em um estágio mais avançado que as outras,

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•O PrC.ssia em 1 860 e anexações
t.>- A formação do Estado alemão unificado
{) começou quando a Prússia anexou os du­ � Estados não prussianos
� anexados em 1 871
LLcados do norte, que pertenciam à Dina­
Z marca. Depois disso, os Estados do sul (Ba­
::::>
viera e outros) também reconheceram a so-
2
- Q berania prussiana, que finalmente se es­
1 tendeu ainda sobre a Alsácia-Lorena.
esta região precisava desenvolver-se mais ainda para poder lutar contra aqueles que A vitória da Prússia sobre a Áustria mar·
se opunham a esse projeto. O órgão máximo do poder político neste país, e do qual cou profundamente o processo de unifi·
cação da Alemanha, sob a liderança de Bis·
participavam, através de representantes, alguns Estados alemães que reconheciam sua
marck e Guilherme I. Os austríacos tive·
supremacia, era o Bundesrat - Conselho Federal que exercia, simultaneamente, os
ram mais de 20 000 mortos (duas vezes
poderes legislativo e executivo. Seu presidente, Guilherme I, rei da Prússia, escolheu, mais que o exército prussiano), 20 000 pri­
em 1 862, Bismarck como ministro, o qual, apesar de conservador, tomou algumas pro­ sioneiros, perdendo 160 canhões.
vidências de natureza político-administrativa que capacitaram o seu Estado a lutar pela Depois da vitória, Guilherme I quis
submeter a Áustria e entrar a cavalo em
unificação. Instituiu um Parlamento chamado Reichstag, eleito por voto universal, mas
Viena, à frente de seus exércitos, mas Bis·
com poderes bastante limitados - só outorgava leis aprovadas pelo Bundesrat -, re­ marck o impediu. Como se preparava pa·
formou a administração, implementou a construção de uma ferrovia e modernizou o ra lutar contra a França, Bismarck insis·
exército. tia em condi_5ões relativamente suaves de
Bismarck, na tentativa de fortalecer o país, começou a alimentar o desejo de que paz para a Austria.

as duas regiões ao norte, Schleswig e Holstein - pertencentes à Dinamarca mas ha­


bitadas quase totalmente por alemães -, fizessem parte do seu país. Sentindo-se im­
potente para realizar sozinho essa façanha, pediu o apoio da Áustria e, em pouco tem­
po, a Dinamarca se rendeu, cabendo à Áustria a posse do Estado de Holstein e à Prús­
sia a de Schleswig. Desejando, contudo, dominar sozinho, em 1 866 provoca urna guerra
contra a Áustria. Vencidos, os austríacos se vêem obrigados a entregar Holstein à Prús­
sia. Percebendo a insegurança desse país, Bismarck vai mais longe nos seus p lanos:
forma a Confederação Germânica do Norte, dando assim um passo significativo
no sentido da unificação. Restava, agora, anexar à Confederação os Estados do sul.

A Prússia contra a França

O grande avanço da Alemanha começa a preocupar o dirigente francês Napoleão


III que, enfrentando problemas internos em seu país, entende que o fortalecimento
da Prússia poderá concorrer para o agravamento da situação.
Napoleão III não desejava a formação de uma potência vizinha que viesse ofuscar
a situação hegemônica da França. Ao mesmo tempo, Bismarck sabia que, mais cedo
ou mais tarde, sua política de unificação chocar-se-ia com os interesses franceses. Bas­
tava na verdade alguns incidentes diplomáticos para que o conflito se desencadeasse.
Esta tendência se confirmou. Ao mesmo tempo em que ocorriam pequenos atritos
fronteiriços entre alguns estados alemães do sul e a França, uma disputa diplomática
envolvendo a Espanha, aumentou a tensão entre os dois países. A Espanha passava
por um período de intensa agitação popular que culminou com a deposição da rainha.
Antes da vaga ao trono espanhol ser preenchida, Bismarck sugere aos espanhóis que
ela sej a ocupada por um nobre da família dos Hohenzolern, parente de Guilherme I, O Império Alemão foi constituído dando
rei da Prússia. A França, diante da possibilidade de ver a Espanha governada por um amplos poderes ao imperador (Guilherme

alemão - ou ainda, de ver a Prússia mais fortalecida -, exige, através de uma nota J). O nascimento da moderna e fortemen·
te centralizada Alemanha pode ser perce·
diplomática, que Bismarck lhe preste satisfação. O ministro prussiano revela total in­
bido na constituição de 1 8 7 1 .
diferença em relação a esse protesto, e Napoleão, entendendo que a França havia
(/)
sido ferida em seus brios pátrios, declara guerra à Prússia em 1 9 de julho de 1 870. ( . . . ) Art. 2 - ( . . . ) as leis do a:
Era este exatamente o desejo de Bismarck, pois o gesto do monarca francês podia Império prevalecem sobre as leis -;1:.
constituir-se em um motivo legítimo para mobilizar o povo alemão. Sob o pretexto de cada Estado (. . . ) Art. 5 - O LU
Poder Legislativo do Império O
de que a França queria destruir a jovem nação, o ministro prussiano pretendia não
exerce-se pelo Conselho Federal �
apenas neutralizar as divergências internas, mas também fazer com que as regiões do (Bundesrat) e pela Assembléia :::>
sul se unissem à Prússia para lutar contra o inimigo invasor. Com inteligência e astú­ do Império (Reichstag). Uma ::2:
o
cia, Bismarck soube colher os frutos da semente que há muito tempo vinha sendo se­ maioria concordante numa e u
noutra assembléia é necessária e <t:
meada: nascia, assim, a Alemanha moderna, forte e unida, e sequiosa de novas con­ LU
suficiente para qualquer lei do
quistas territoriais. Império ( . . . ) Art. 6 - O <n

O exército francês, mal preparado, não conseguindo deter os alemães, mais bem equi­ Conselho Federal compõe-se dos �
pados e considerados o mais forte exército da Europa, é derrotado na região de Alsácia representantes dos governos dos Q
e Lorena. Estava aberto o caminho para que os alemães marchassem em direção a Pa­ Estados que fazem parte da U

ris. Na capital, a situação é desesperadora. Querendo restaurar o seu prestígio, Napo­


Confederação ( . . . ) Art. l l - A �
presidência da Confederação <n
leão III assume pessoalmente o comando dos exércitos, urna tentativa de seguir o exemplo pertence ao rei da Prússia, que .�
do tio. Ruma em direção ao inimigo e o espera na fortaleza de Sedan. Os alemães to­ tem o título de imperador alemão U·
mam a fortaleza com facilidade e o fazem prisioneiro. Dizem os críticos de Napoleão ( . . . ) Art. 1 2 - O imperador <)
convoca, abre, prorroga e !:!::
ter sido nesta oportunidade que o imperador, pela primeira vez, retirou sua espada
da bainha: para entregá-la aos generais de Bismarck em sinal de rendição. Nesse mo­
dissolve o Conselho Federal e o
Reichstag ( . . . )

-
mento o segundo império francês deixa de existir. O sobrinho não conseguiu imitar (Anuário de Legislação Estrangeira,
o gesto do tio. 1872) 121
Comuna de Paris: primeira tentativa de
um governo popular
As noticias sobre a queda de Sedan chegam a Paris no dia 4 de setembro de 1 870,
levando a população a exigir medidas de retaliação. Instaura-se uma situação de desgo­
verno, uma vez que o imperador se tornara prisioneiro da Prússia. As manifestações
populares somadas a pressões de setores republicanos liberais acabam por forçar a pro­
clamação da república.
Provisoriamente o governo passa a ser exercido por Gambetta e se instala o Gover­
no de Defesa Nacional para lutar contra os prussianos, cujos exércitos continuam amea­
çando as fortalezas que protegem Paris. Uma delas, a grande fortaleza de Metz, conti­
nua resistindo sob o comando de Bazaine, que sempre fora fiel ao desaparecido impera­
dor e é por todos odiado. E todos sentem a mesma preocupação: se realmente Bazaine
deseja resistir e, caso deseje, até que ponto conseguirá. A Guarda Nacional se reorgani­
za, desta vez composta por 200 batalhões, cujos integrantes são, em sua maioria, oriun­
dos das classes populares e trabalhadoras. Pouco tempo depois chega a Paris a infor­
mação de que Bazaine, juntamente com 1 70 mil soldados, havia se rendido.
A indignação cresce na população. O governo provisório, liderado pela burguesia
liberal, propõe assinar um armistício com a Prússia. A capital encontra-se sitiada pelas
forças de Bismarck: motins, saques, levantes e todo o tipo de violência constituem a
rotina de todo o dia da vida parisiense. Com a escassez de alimentos, crescem as filas
diante dos armazéns e padarias, e a fome torna insuportável a vida da população. A
situação agrava-se mais ainda quando a artilharia prussiana começa a bombardear os
bairros da capital francesa. O governo provisório, liderado por Thiers, assina no dia
28 de janeiro de 1 8 7 1 um armistício com a Prússia. Convocadas as eleições para a As­
sembléia Nacional, são eleitos, com uma maioria esmagadora, deputados republicanos
conservadores, mais uma vez apoiados pelos pequenos proprietários das províncias que
tentam, assim, reassegurar a posse de suas propriedades.
Paris passa a ser vista com desconfiança, pois, à medida que sua população exige
profundas reformas, que incluíam modificações no direito à propriedade, essas exigên­
cias, aos olhos dos camponeses proprietários, pareciam ameaçadoras. Pouco a pouco
essas tendências radicalizam. Thiers, sentindo-se pressionado pelos parisienses, se trans­
fere com o seu governo para a cidade vizinha de Versalhes. E essa atitude possui um
significado maior do que possa parecer à primeira vista. Paris, apesar de ser a capital
do país por muito tempo, sempre fora o centro popular, a cidade onde morava a plebe,
Marx analisa a situação da Comuna de Pa­
foco de resistência. Em Versalhes, pelo contrário, se localizavam os palácios construí­
ris nos seus momentos iniciais. Escreven­
do de Londres a seu amigo Kugelman, ele dos por Luís XIV, entre os séculos XVII e XVIII, para servir de residência aos reis. Com
aponta as novas possibilidades que o mo­ a mudança de Thiers e seu governo para esta cidade, as diferenças - e divergências
vimento operário adquiriu com o levante - entre Paris e o resto do país são reforçadas. Efetivamente formavam-se dois países,
da capital francesa.
dois governos, dois poderes.

Caro Kugelman
Ainda assim Paris continua resistindo
Chegou a tua carta. Estou neste momento sobrecarregado com trabalho. As­ contra a proposta do governo de assinar o
S:Q sim, apenas algumas palavras. Não posso compreender como podes comparar armistício através do qual a França se com­
0: demonstrações pequeno-burguesas a 13 de junho de 1849 etc. com a luta atual
<( prometia a pagar aos alemães milhões de
a... em Paris.
LU francos de indenização, além de ceder a Al­
A história mundial seria na verdade muito fácil de fazer se a luta fosse em­
Cl
preendida apenas em condiçoes nas quais as possibilidades fossem infalivelmente sácia e a Lorena, regiões ricas em minérios.
<(
z favoráveis. Por outro lado, seria de natureza muito mística se os "acidentes" não A Guarda Nacional, lançando o brado de La
:::>

desempenhassem papel algum. Esses mesmos acidentes caem naturalmente no Patrie en Danger A Pátria em Perigo -,

o curso geral do desenvolvimento e são compensados por novos acidentes. Mas torna-se porta-voz dos parisienses. Thiers,
u a aceleraçi!o ou a demora do movimento dependem muito de tãis "acidentes",
<( com a anuência dos prussianos, ordena ao
entre os quais igualmente figura o caráter dos chefes chamados a conduzir o
LU
movimento. exército fiel aos conservadores que invada
CJ')
Desta vez o "acidente" decisivo e desfavorável nao deve de modo algum ser a cidade, pronta para se rebelar. E, na ma­
<(
z encontrado nas condições gerais da sociedade francesa , mas na presença dos drugada de 1 7 de março, as tropas de Ver­
,O prussianos na França e na sua posiçao muito próxima de Paris. Os parisienses
u salhes chegam a Montmartre, desmobilizan­
<( sabiam muito bem isso. E também o sabia muito bem a canalha burguesa de Ver­
z sa lhes. Foi justamente por isso que eles colocaram os parisienses perante a al­ do os sonolentos soldados da Guarda Nacio­
CJ')
L.LJ ternativa de aceitar o combate ou sucumbir sem luta. No último caso, a desmo­ nal. A notícia se espalha: Os versalheses que
•O

ralização da classe operária seria um mal muito maior que a perda dum qual­ rem dominar Paris. Entrentanto, o general
<( quer número de "chefes". Graças ao combate oferecido por Paris, a luta da classe incumbido de tomar de assalto a cidade é
u operária contra a classe capitalista e o . Estado capitalista entrou em nova fase.
LL preso por seus próprios soldados, que ade­
Qualquer que seja o resultado, conquistamos um novo ponto de partida de uma
z
:::> importância histórica universal . rem à causa parisiense. A resistência se es­
- (Marx - Engels, A Comuna de Paris). palha pela capital francesa e é criada a Co­
muna de Paris, primeira tentativa de es­
122 tabelecimento de um governo popular.
É criado um comitê central, que se instala na Prefeitura e organiza as eleições popu­ O historiador Eric Hobsbawm descreve a

lares, pelo voto universal, para a formação do Conselho· da Comuna. Formado por ja­ ação dos exércitos de Versalhes sobre a Co­
muna de Paris.
cobinos e socialistas membros da Internacional, o conselho estabelece o seguinte pro­
grama de reformas: ensino gratuito e obrigatório; controle dos preços de alimentos; ( . . . ) a Comuna foi quase que
direito de o Estado apropriar-se das fábricas cujos donos fugiram de Paris; parcela­ imediatamente sitiada pelo
mento e prorrogação do pagamento de aluguéis para pessoas com dificuldades finan­ governo nacional (entào
ceiras. localizado em Versalhes) o
exército vitorioso alemão que
Entretanto, a Comuna não se preparou para lutar contra os exércitos conservadores
cercava Paris contendo-se para
de Thiers que assediavam Paris. Enfim, em maio de 1 8 7 1 , os exércitos de Versalhes não intervir. Os dois meses da
invadem a cidade, e o resultado do massacre é até hoje lembrado: 20 mil execuções, Comuna foram um período
milhares de deportações e 1 5 mil prisões. E perdurou o estado de sítio até 1 876. Além praticamente de guerra contínua
contra as esmagadoras força� de
desse trágico resultado, o movimento operário francês se enfraqueceu e a Internacio­
Versalhes: quase duas semana·s
nal, centro de organização desse movimento, desapareceu pouco tempo depois. depois de sua proclamação em
18 de março havia perdido a
iniciativa . Por volta de 21 de
Exercícios maio, o inimigo havia entrado
em Paris. (. . . ) Os de Versalhes
talvez tenham perdido 1 1 00 em
1 . A Alemanha e a Itália conseguem unificar-se somente na segunda metade do século mortos e desaparecidos, e a
XIX devido, fundamentalmente, ao fato de: Comuna talvez tenha executado
a) terem ficado à margem do grande desenvolvimento'dos séculos XVI, XVII e princi­ uma centena de reféns. (Mas)
Quem saberá dizer quantos
palmente das transformações do século XVIII;
comunardos foram mortos
b) existirem guerras constantes entre os senhores dominantes das pequenas regiões que durante a luta? Milhares foram
dominavam ·o cenário político e econômico até o século XIX; massacrados posteriormente: os
c) os italianos não se interessarem pela unificação política de seu país, pois isto contra­ de Versalhes admitiram 17 mil ,
riava os interesses da forte burguesia mercantil de Piemonte; mas este número pode nâo ser
mais do que a metade da
d) inexistir um sistema planejado para desenvolver um pensamento liberal tão neces­
verdade. Mais de 43 mil foram
sário à unificação no período do Renascimento; feitos prisioneiros, l O mil foram
e) todas as alternativas estão corretas. sentenciados, dos quais pelo
menos metade foi enviada para o
exílio penal na Nova Caledônia,
2. A União dos Estados Alemães se processou sob a hegemonia da Prússia devido:
o resto para a prisão.
a) à fraqueza política dos grandes proprietários agrícolas de todos os Estados, únicos (Eric Hobsbawm, A Era do Capital)
interessados em promover a unificação nacional;
b) à economia ser totalmente baseada na agricultura, tendo possibilidades de acumular
grandes quantidades de alimentos;
c) ao grande desenvolvimento industrial da região, o que facilitou uma certa hegemo­
nia sobre os outros Estados;
d) ao apoio prestado por Napoleão III da França, que tinha o interesse de ver seu vizi­
nho fortalecido com a unificação.

3. Por que havia um grande antagonismo entre a França e a Prússia?

4. O que foi a Comuna de Paris?

Respostas Comentadas

1 . A expansão da indústria e do comércio da Itália e da Alemanha foi impedida duran­


te séculos pelo fato destas nações acharem-se divididas em pequenos Estados indepen­
dentes. Além do mais estes Estados eram governados por forças conservadoras que se
recusavam a fazer reformas sociais, políticas ou econômicas que resultassem em mo­
dernizações. A alternativa correta é a a.

2. Além do desenvolvimento industrial, a Prússia contava com um exército moderno


e uma extensa rede ferroviária que atingia os diferentes territórios da nação alemã. A
alternativa correta é a c.

3. A França tinha plena consciência de que um Estado forte e centralizado na Alema­


nha significava um grande perigo à sua posição dominante no continente. Por sua vez
a Prússia sabia que para liderar uma Alemanha unificada precisava derrotar a França
e tentar obter a hegemonia sobre a Europa.

4. A Comuna pode ser considerada a primeira tentativa da história de se estabelecer


um governo popular que atendesse as aspirações da maioria da população pobre. 123
OS ESTADOS UNIDOS
I -"

APOS A INDEPENDENCIJI

Depois das guerras de independência, toda a região nordeste dos Estados Unidos
começou a se industrializar. Aí se faziam presentes as condições necessárias para que
esse processo se dinamizasse: de um lado, as inúmeras pequenas propriedades que se
espalhavam por toda a região, com uma produção de alimentos bem diversificada e
em grande quantidade, e que, ao mesmo tempo, constituíam um excelente mercado
consumidor para os produtos das manufaturas localizadas nas proximidades; de outro
lado, vários centros urbanos onde se instalavam pequenas indústrias que, por sua vez,
produziam bens manufaturados e eram consumidores de alimentos. E o fluxo constan­
te de imigrantes vindos da Europa supria a necessidade de mão-de-obra.
Um outro fator contribuía para o desenvolvimento do processo de industrialização
que aí se verificava: uma política protecionista que eliminava o perigo da concorrên­
cia, na medida em que impedia a ·entrada de mercadorias - principalmente vindas da
Inglaterra -, por mais baratas que fossem.
No sul do país o cenário era bem diferente. Toda essa região encontrava-se dividida
em grandes propriedades que utilizavam a mão-de-obra escrava vinda da Á frica. Além
de essencialmente agrícola, essa parte dos Estados Unidos mantinha com a sua antiga
metrópole vínculos muito semelhantes àqueles da época em que era ainda colônia in­
glesa: vendia matéria-prima para as indústrias britânicas e comprava seus produtos ma­
nufaturados. Produzia principalmente o algodão, uma das mais importantes fontes de
divisa para os Estados Unidos - chegando a atingir cerca de 200 milhões de dólares
por ano -, que vendia para os teares de Liverpool, Manchester e outros centros indus­
triais ingleses.
A primeira metade do século XIX nos Estados Unidos caracterizou-se pela ocorrên­
cia de um fenômeno migratório rumo a sua região oeste. Atraídos pela possibilidade
<t:
de aí descobrir novos meios de vida:, levas e levas de migrantes dirigiam-se para o des­
u conhecido "sertão" norte-americano. Além desses pioneiros que partiam da costa leste
z
<UJ em busca de novas terras, os grandes latifundiários também expandiam suas proprie­
Cl
z dades para o Oeste à procura de solos mais férteis para substituir a terra esgotada pela
UJ
0...
UJ monocultura do algodão. Os algodoais se estenderam até as margens do Mississípi, on­
Cl
z de em sua foz nasce New Orleans, o maior porto exportador desse produto. E as famí­
<t: lias dos pioneiros, que se fixaram no Oeste, praticavam em suas fazendas uma agricul­
(f) tura simples mas intensa. Grande parte dessa produção, juntamente com o gado,
-o
0... destinava-se aos centros urbanos da costa leste. Intensificavam-se, assim, as relações
<t:
(f) do Leste com o Oeste.
o
Cl
z
;::)
(f)
Divergências entre Norte e Sul
o
Cl
<t: Pelas diferentes condições existentes, os interesses econômicos e políticos das re­

Cf)
UJ giões norte e sul não coincidiam. Pois, se por um lado, interessava aos latifundiários
(f) dos Estados do sul, plantadores de algodão, um governo federalista que lhes concedes­
o
se maior autonomia e, principálmente, uma política alfandegária flexível que estimu­
-
lasse a exportação de matérias-primas e favorecesse a importação dos manufaturados;
1 24 por outro lado, aos fabricantes e comerciantes do norte, interessava justamente o opos-
to. Os nortistas desejavam um governo central forte que adotasse uma política adua­
neira protecionista que não só agravasse com taxas os produtos dos concorrentes es­
trangeiros, mas que também impedisse a entrada das mercadorias inglesas, constante­
mente contrabandeadas do sul para o norte.
O historiador norte-americano Leo Huberman, em sua obra intitulada Nós, o Povo,
lembra as longas discussões travadas entre QS representantes do Norte e os do Sul acer­
ca das tarifas alfandegárias: As duas partes discutiam porque o que era bom para o Norte
industrializado não era bom para o Sul agrícola, e vice-versa. A tanja de proteção era um
dos casos em foco. Quando se discutiam as tarifas nos salões do Congresso, ficou claro que
os senadores aprovavam ou não as tarifas de acordo com a região de onde provinham.
John Randolph, da Virgínia, emitiu o ponto de vista sulino sobre a tarifa de proteção: "(. ..)
você, como plantador, irá consentir em pagar impostos, a fim de pagar um outro homem
para trabalhar numa oficina de sapateiro, ou estabelecer uma máquina de fiação? Não,
não, eu comprarei onde o artigo for mais barato; não concordarei em taxar os cultivadores
do solo a fim de encorajar os fabricantes estranhos, porque, afinal de contas, obteríamos
apenas coisas piores por preço mais alto, e nós, que cultivamos o solo, no fim pagaríamos
por tudo ( ...). Por que pagar a um homem muito mais do que ele vale, para transformar
nosso próprio algodão em roupas, se, vendendo matéria-prima, eu posso comprar minha
roupa muito mais barato, e de melhor qualidade? "
O s que falavam e m nome dos industriais não s e alongavam sobre o fato de a s tarifas
de proteção representarem mais dinheiro em seus bolsos. Isso não. Estavam interessa­
dos na tarifa principalmente porque assim as fábricas continuariam produzindo, e isso
traria emprego aos trabalhadores, com salários altos. Era o trabalhador comum, então,
o mais beneficiado pela tarifa, dizia o representante dos industriais. Daniel Webster,
de Massachusetts, resumiu isso assim: Portanto, este é um país de trabalho... Ora, e qual
é a principal fonte de prosperidade desse povo? Simplesmente o emprego, onde há trabalho
para as mãos, há trabalho para os dentes. Onde há emprego há pão... Emprego constante
e produção bem remunerada, num país como o nosso, prosperidade geral, contentamento
e alegria. . . Durante muitos anos, no Congresso, os representantes dos plantadores su­
listas discutiam com os representantes dos industriais do norte sobre essa questão da
tarifa de proteção. A discussão ficou tão azeda que em 1832 a Carolina do Sul ameaçou
separar-se dos Estados Unidos porque a tarifa era muito alta. O Congresso evitou a
separação aprovando uma nova lei que diminuía as tarifas a cada ano, durante dez anos.
A tarifa entretanto era tema de constantes debates, e continuava a provocar discórdia
entre o Norte industrial e o Sul agrícola.
Mas as divergências que apareciam no Congresso entre os representantes dessas duas
regiões se referiam também a outras questões. Discussões acaloradas ocorriam, por exem­
plo, quando os representantes dos Estados do Oeste pediam a aprovação de projetos
que visavam beneficiar sua região com estradas, ferrovias e canais - e, claro, tudo por
conta dos cofres do governo federal. Eles viam nesses beneficios a possibilidade de es­
coar a produção dos seus sítios e fazendas para os centros urbanos do leste. Os indus­
triais nortistas os apoiavam incondicionalmente pois, por seu lado, esperavam poder
assim viabilizar a venda dos seus produtos aos fazendeiros do oeste. Mas os plantado­
res do Sul, que tinham a sua disposição uma via natural de transporte - Mississípi Durante a Guerra de Secessão, os sulistas
-, que nenhum produto tinham a oferecer à população dos Estados do oeste e nada argumentavam que os operários do Nor- �
te eram mais explorados e miseráveis do �
desejavam comprar dos nortistas, faziam cerrada oposição à aprovação desses projetos.
que os escravos das plantações do Sul. O ·�
Outra questão concorre para aumentar o antagonismo entre o Norte e o Sul: o discurso de um senador da Carolina, é um �
escravismo. A oposição sustentada pelos exemplo desse pensamento.
tb
nortistas referente a esse problema, se an­ o
tes possuía apenas conteúdo ideológico, ga­ Em todos os sistemas sociais, é preciso haver uma classe para desempenhar �
as tarefas indignas, para fazer o que é monótono e desagradável ( . . . ) nós a cha­ <(
nha uma nova dimensão com o avanço dos cn
mamos escravos. Somos antiquados ainda, aqui no sul; é uma palavra que os -o
latifundiários para o Oeste, levando consi­ ouvidos educados não ouvem; não chamarei a classe existente no norte usando a_
<(
go seus escravos. Pois, além de cobiçarem esse termo; mas vocês também os possuem; estão em toda parte; são eternos ( . . . ) cn
as terras do Oeste, os nortistas não deseja­ A diferença entre nós é que os escravos são contratados pela vida toda, e são o
bem recompensados; não há fome, nem mendicância, nem desemprego entre o
vam que a economia dos Estados que sur­ :z
nós, e nem excesso de empregos, também. Os de vocês são empregados por
giam estivesse vinculada ao emprego da ::=>
diárias, não são bem tratados, e têm escassa recompensa, o que pode ser prova­ cn
mão-de-obra escrava. do, da maneira mais deplorável , a qualquer hora, em qualquer rua de suas ci­ o
o
Algumas tentativas são feitas para equa­ dades. Ora, pois a gente encontrava mais mendigos em um dia, em uma só rua
cionar as divergências. Elas contudo entram de Nova York, do que os que se encontram durante toda uma vida no sul intei­ ;::
cn
ro. Nossos escravos são pretos, de uma outra raça inferior; ( . . . ) os de vocês são LU
em colapso quando em 1845 os Estados Uni­ cn
brancos, de sua própria raça; são irmãos de um s6 sangue .
dos venceram o México e anexaram o Te­ o
(Apud Huberman) -
xas, o Novo .México e a Califórnia ao seu
território. Ao se tornarem partes integran- 125
tes da União, esses Estados são considerados abolicionistas. Os escravistas protestam,
dando origem a um novo acordo que garantia a cada novo Estado o direito a optar
pelo abolicionismo ou pelo escravismo. Mas essa questão recrudesce quando, na déca­
da de 50 do século XIX, associações abolicionistas, que organizavam a fuga dos escra­
vos das fazendas do sul para o norte, começam a aparecer. Insurgindo-se contra isso,
um granjeiro do sul, John Brown, organiza uma rebelião de escravos, mas é preso
e processado. E a tensão entre sulistas e nortistas alcança maior intensidade quando
Lincoln é eleito presidente da República.

A Guerra de Secessão
Lançado candidato pelo Partido Republicano - fundado em 1854 -, a principal bandeira
da campanha de Abraham Lincoln à presidência é manter a união dos estados a qualquer preço.
Não deseja que os conflitos prossigam, mas tem certeza de que esse objetivo só será alcançado
Os Estados confederados, escravistas, en­ pela força das armas. Imediatamente após a sua eleição, o Estado da Carolina do Sul declara-se
tram em guerra com os Estados do norte, separado da União. Inicia-se, assim, a tentativa de secessão nos Estados Unidos, com a seguinte
abolicionistas - área livre no mapa. Os
composição de forças: os l l Estados do sul, com 9 milhões de habitantes, Confederação, luta­
Estados escravistas leais, apesar do apoio
ao sul, recusam-se a participar da Confe­ vam pela secessão e pela manutenção do escravismo; e os 23 Estados do norte, Federação, com
deração na Guerra de Secessão. 20 milhões de habitantes, lutavam pela União e pelo abolicionismo.

TERRITÓRIO DE DAKOTA

TERRITÓRIO DO
NOVO MÉXICO
<
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< MÉXICO GOLFO DO MÉXICO
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cn ------------------


o
• Area Livre Estados Confederados - Estados Escravistas Leais
cn
w
cn Esta guerra vai-se configurar como uma das mais violentas do século passado, pois, pela pri­
o
meira vez, será utilizada uma série de inovações promovidas pelo desenvolvimento industrial.
-
Por exemplo: fuzis de repetição, navios de aço, trens mais velozes, telégrafo etc. Para os pró­
126 prios estados do Norte, cujas industrias se encontravam em um estágio rel:ttivamente avançado,
permitindo-lhes uma maior estabilidade econômica, fazer frente aos estados do sul lhes custou Em 1 862, Lincoln faz a Proclamação da .
muitos esforços, mesmo tendo lançado mão de ousadas invenções. Para impedir, por exemplo, Emancipação, deixando claro o carãter
abolicionista e não separatista da guerra,
que o Sul entrasse em contato com as forças da Europa - principalmente da Inglaterra -, o
a fim de convencer a Inglaterra a não in­
Norte fez uso do bloqueio naval, introduzindo novos barcos na arte bélica. Entretanto essa estra­ tervir. A partir daí os negros passam a in­
tégia inicialmente não surtiu o efeito desejado, dada a impossibilidade de exercer uma perma­ tegrar as forças armadas do Norte. O his­
nente vigilância no extenso litoral dos Estados do Sul. Para fazer frente a essa ofensiva, os sulis­ toriador Peter Eisemberg, nos mostra co­
tas, por sua vez, desenvolveram um navio a vapor bastante veloz que lhes permitia chegar com mo eles eram discriminados em relação aos
soldados brancos.
grande rapidez ao Caribe, onde se encontravam os cargueiros da Europa carregados de mercado­
ria, principalmente de armas. Os sulistas ainda foram mais longe: cobriram seus navios com cha­ ( . . . ) Até o fim da guerra,
pas de ferro de 5 centímetros de espessura, impedindo, assim, a penetração de balas. Inicialmen­ calcula-se que 208 486 negros
te esses navios pareciam invencíveis, provocando enormes prejuízos não só à marinha de guerra entraram nos exércitos e marinha
do norte como também à marinha mercante, além de conseguir, triunfalmente, furar o blo­ do Norte, ou seja,
aproximadamente 14% das
queio. Entretanto, os nortistas aos poucos vão ganhando terreno dada a grande eficiência dos
tropas. Mas até 1864 os negros
seus estaleiros: enquanto os sulistas afundavam um de seus navios, os ianques - como eram tinham que servir mais tempo,
chamados os nortistas - fabricavam vários. quase nunca eram promovidos a
Em 1863, com a derrota infligida aos confederados pelas tropas comandadas pelo gal. Grant, oficiais e recebiam armas,
em Gettysburg, foi dado um passo decisivo pelas forças da União. Finalmente em 1865 a ren­ salários e tratamento médico
inferiores aos dos brancos, de
dição foi assinada em Appomatox Court House, no Estado de Virgínia. A partir da submissão modo que a sua taxa de
do sul, começam a surgir as condições para que os Estados Unidos se desenvolvam e se transfor­ mortalidade (37 % } era três vezes
mem em uma grande potência mundial. superior à taxa geral dos
combatentes nortistas.
(Apuà Peter Eisemberg)

No pós-guerra a emergência
de um novo país
Um dos mais significativos passos para o desenvolvimento dos Estados Unidos foi
o crescimento das ferrovias que, entre 1 860 e 1 880, passaram de 30 mil para 90 mil
milhas. Para executar uma ferrovia, que corria de costa a costa, ligando o oceano Atlân­
tico ao oceano Pacífico, formaram-se duas grandes companhias: uma chamada Pacífico
Central, que construiu o trecho iniciado em Sacramento, na costa oeste, Estado da Ca­
lifórnia, seguindo em direção ao leste; e a outra, Companhia União do Pacífico, que
iniciou a construção em Omaha, já no Centro-Oeste, e prosseguiu em direção ao pró­
prio Oeste. Um grande contingente de trabalhadores, a maioria chineses e irlandeses,
participou desse monumental empreendimento. Arriscavam muitas vezes sua própria
vida, devastando regiões inóspitas e enfrentando as mais adversas condições, para cons­
truir, nesse jovem país, uma obra tão grandiosa. E, com o geralmente acontece, só os
capitalistas, proprietários das empre�as construtoras, se beneficiaram, em função dos
lucrativos incentivos concedidos pelo governo. O Congresso americano aprovou um
empréstimo de 48 mil dólares - isento de juros - para cada milha de trilhos assenta­
da, além da doação de 20 milhas das terras laterais à ferrovia, levando essas compa­
nhias a adquirir uma quantidade de terras equivalente ao território da França. E, para
continuar auferindo lucros, alguns dos magnatas das estradas de ferro construíram fer­
rovias que não levavam a lugar algum. A Guerra Civil não tinha sido em vão, como Eis a descrição de um viajante sobre o di­
bem afirma Leo Huberman. namismo e a rapidez da construção de uma <(
Em 1 884 quatro grandes estradas de ferro cortavam o oeste americano. O leste ma­ ferrovia nos Estados Unidos, ao fim da �
Guerra de Secessão. <LU
nufatureiro podia contar com o rápido fornecimento dos alimentos e matérias-primas c
z
produzidos no oeste e transportados por eficientes trens. Mas tanto a expansão das Dois homens seguravam uma u.J
a..
ferrovias, como a da agricultura e da pecuária deveram-se à expulsão dos indígenas ponta do trilho e avançavam; o u.J
o
de suas terras férteis e de suas pastagens. Esta imagem ficou imortalizada pelo cinema resto da turma ia segurando o z

norte-americano. Nas imagens registradas pelas suas câmaras, aparecem os "caras­ corpo do trilho, de 2 em 2, até <(
retirá-lo completamente da cn
pálidas", " montados" em diligências e carroções, em luta contra os índios. No entanto, o
carroça. Avançava em passo a..
no final do século XIX, quando os brancos, em nome do progresso, expulsam os ín­ rápido. A uma palavra do <(
dios, se utilizam de eficientes locomotivas. E o próprio governo se encarregava de "afas­ comando, o trilho era largado no �
tar" aqueles que ofereciam resistência. lugar, com o lado certo para g
cima, cuidadosamente, enquanto Z
Os Estados do sul depois da guerra tiveram que passar por profundas reformas para
o mesmo processo era executado ::::>
se adequar à voracidade dos novos donos do poder. Sua administração, até 1 870, ficou no outro lado da carroça. Menos �
nas mãos do exército, o que contribuiu para que se transformassem em um verdadeiro de 30 segundos para cada turma O
foco de corrupção. Grandes fortunas surgiram do desvio dos impostos pagos pelos su­ carregar um trilho, e assim são �
listas ao governo federal. colocados 4 trilhos por minuto! f3
Trabalham depressa, sem cn
Sob a tutela de leis aparentemente democráticas que alardeavam direitos iguais para dúvida, mas o pessoal da União O
todos, os ex-escravos permaneciam na situação de antes, trabalhando nas mesmas fa­ -
do Pacífico faz a coisa para
zendas e, muitas vezes, sob condições mais aviltantes ainda. Apesar da abolição da es- valer. (Apud Huberman ) 127
cravatura - oficializada ao final da guerra -, os negros continuam marginalizados;
e o racismo - institucionalizando as diferenças - começa a ganhar forma. Surgem
associações terroristas de extrema-direita, como a Klu Klux Klan, que se encarregam
de conferir à sociedade um tom segregacionista.

A consolidação de uma potência

É também depois da guerra que começam a se formar os grandes grupos financeiros


A grande superpotência da segunda me­ e industriais, como os Morgan por exemplo, que enriqueceram durante o conflito. E,
tade do século XX começou a expandir­ na medida em que as pequenas propriedades e as pequenas empresas começam a ser
se e definir seus limites atuais mais de um engolidas pelas grandes propriedades e conglomerados industriais, vão surgindo os mo­
século antes. Assim que as treze colônias
nopólios. A exploração da classe trabalhadora - apesar da sua luta por melhores salá­
inglesas obtiveram sua independência
( 1 776), iniciou-se o processo de expansão rios e condições de vida mais dignas - contribui substancialmente para a formação
para oeste. Em menos de cem anos, seus dos modernos impérios econômicos norte-americanos. Surgem os primeiros sindicatos
limites já se estendiam até o Pacífico. A que, no ano de 1 88 1 , fundem-se em uma central sindical, a American Federation
partir do final do século XIX também são of Labour, conhecida como AFL. Enfrentando forte depressão em seu processo orga­
incorporados o Alasca ( 1868), o Havaí
nizativo, o movimento operário consegue promover, em I '? de Maio de 1886, uma grande
( 1 898), Porto Rico ( 1 898), a zona do Ca­
nal do Panamá (1914) e várias ilhas do greve, a partir da qual se desencadeia uma série de violências, culminando com a con­
Pacífico. denação à morte, pela Justiça americana, de quatro operários. É em sua homenagem

Obtido por tratado


com a I em 1818
WASHINGTON


u
z
<UJ
Cl
z

UJ
a...
UJ
Cl
z
<(
CJ)
·O
a...
<(
CJ)
o Louisiana, comprada Oregon, obtido por tratado As t rez e colônias originais
º à França em 1 803 com a Inglaterra em 1 846

71.:1.�
z
=> Flórida, comprada à Espanha
1 853 Texas, anexado em 1 845
c.n Comprado ao México em
�!:�
�$� em 1819 .
o
Cl
<( 'lJJ,� Terras obtidas como resultado
Território adquirido durante a

t) �;v)'."' da guerra com o México em 1 848


Revolução da independência e
reconhecido pelo tratado de 1 783
LU
CJ)
o
-

128
que no dia 1 � de Maio é comemorado o Dia do Trabalhador.
A população dos EUA cresce: os 23 milhões de habitantes em 1 843 se transformam
em 50 milhões em 1 876. Surgem cidades gigantescas como Nova York, cuja população
O norte-americano Leo Huberman escre­
é constituída basicamente de imigrantes. Mas a maioria dos imigrantes que chegava
veu uma história dos Estados Unidos. No
aos Estados Unidos ia para o oeste em busca de terras, para sobreviver e enriquecer. trecho abaixo, ele os situa no cenário mun­
A produção agrícola nessa região, com o adveruo das máquinas, se tornou mais inten­ dial, depois da Guerra da Secessão, co­
sa, chegando a quadruplicar entre os anos mo principal potência industria l.
de 1840 e 1890.
Alguns anos depois, os Estados Unidos Depois de tantas páginas dedicadas à história da expansão da agricultura
despontam como uma das maiores potências desde 1865, parece uma contradi ção dizer que este período assinalou a trans­
modernas. Inicialmente esta longínqua na­ formação dos Estados Unidos de nação agrícola em nação industrial. Entretan­
to, foi exatamente isso que aconteceu. Mesmo tendo havido aquela grande re­
ção da América mantinha com os países da
volução na agricultura, a revolução que houve na manufatura foi maior ainda.
Europa uma política de distanciamento, Dep ois da Guerra Civil os Estados Unidos se tornaram a nação industrial mais
isentando-se muitas vezes dos conflitos ar­ poderosa do mundo. ( . . . )
mados e dos efeitos das crises que periodi­ Enquanto que em 1 860 os Estados Unidos tinham o 4'? lugar entre as nações
camente varriam esse continente. do mundo, em 1 894 pularam para o 1 '? lugar. Enquanto o valor dos artigos
manufaturados nos Estados Unidos era quase 5 vezes mais em 1 894 do que em
Os Estados Unidos afirmam-se mundial­
1860, nas outras nações esse valor não foi nem mesmo duplicado. ( . . . )
mente, adquirindo tal destaque entre as na­ Em 1 890, pela primeira vez, o valor dos artigos manufaturados já era maior
ções que a sua intervenção se torna impres­ que o dos produtos agrícolas; dentro de mais 1 0 anos, os produtos manufatura­
cindível na política internacional. Aparecem dos atingiam 2 vezes mais os das fazendas, pomares e laticínios.
(Leo Huberman, Nós, o Povo)
em vários conflitos envolvendo as potências
imperialistas, principalmente no Oriente. E
na Primeira Guerra Mundial sua atuação
será de grande importância.

Exercícios

1 . Sobre o desenvolvimento dos Estados Unidos, podemos dizer que:


a) após sua independência, passa a ter uma economia totalmente baseada na agricultu­
ra de exportação;
b) desenvolve uma atividade econômica de caráter misto: o Norte, com atividades in-
dustriais, e o Sul, com atividades agrícolas;
c) no Sul, imperavam atividades agrícolas baseadas em pequenas propriedades;
d) tanto o Norte como o Sul tinham suas indústrias já plenamente desenvolvidas;
e) todas as alternativas estão corretas.

2. (UF-MG) Depois da Guerra Civil, o capitalismo industrial avançou desmedidamente.


Era com toda clareza o que chamou Charles Beard de "Segunda Revolução Americana".
Identifique 3 (três) razões do avanço do capitalismo norte-americano após o término
da Guerra Civil.

3. Relacione a industrialização dos Estados Unidos com a Guerra de Secessão.

Respostas Comentadas
<(
u
1 . As regiões do Norte e Nordeste americano se caracterizaram por uma economia ba­ 2
<UJ
seada no trabalho assalariado, na pequena propriedade e na manufatura, que atendia Cl
2
UJ
às necessidades de um crescente mercado. Este fato facilitou a formação de indústrias. a...
UJ
Já a região Sul, mesmo depois da independência, tinha uma economia preponderante­ Cl
mente agrária, de monocultura, baseada no trabalho escravo e voltada para o mercado �
<(
externo. A alternativa correta é a b. cn
o
a...
2. Em primeiro lugar, após a Guerra Civil o Norte industrializado submeteu o Sul <(
cn
agrário, transformando-o em mercado exclusivo para seus produtos, antes sob a con­ o
corrência da indústria inglesa. Em segundo lugar, a eliminação da mão-de-obra escrava Cl
2
no Sul significou o fim de um sistema de trabalho que constituía importante obstáculo ::::>
à dinâmica economia manufatureira. Em terceiro lugar, a introdução de novas técnicas cn
o
na agricultura em substituição à mão-de-obra escrava provocou verdadeira revolução. Cl

cn
UJ
3. A Guerra de Secessão está diretamente ligada ao fato do Norte ser industrializado
cn
e o Sul, agrário. O Norte entendia que a economia do Sul voltada para o exterior (ex­ o
-
portadora) e baseada no trabalho escravo impedia o fortalecimento e o crescimento de
sua economia, mais industrializada. 129
Há um certo tempo atrás, um canal de televisão exibia uma série intitulada Lancei­
ros da Índia. Todos os seus episódios ocorriam nesse paíse seus personagens e enredos
eram sempre os mesmos: soldados ingleses, de aparência saudável, inteligentes, verda­
deiros representantes da raça anglo-saxônica, sufocavam revoltas cujos protagonistas
- hindus feios, raquíticos, pouco inteligentes - se amotinavam para libertar seu país
da presença estrangeira. E os charmosos mocinhos louros e de olhos azuis invariavel­
mente venciam. Que motivos determinaram esses acontecimentos e que visão de mun­
do orientou sua reprodução em filme - a elaboração dos roteiros, a escolha dos atores
e as tomadas de câmara? U.ma palavra elucida todas essas questões: colonialismo.
Talvez tenhamos tido contato pela primeira vez com a palavra colonialismo quando
aprendemos que Espanha e Portugal durante o século XVI lançaram-se pelos mares
em busca de mercadorias. Chegaram à América e transformaram-na em colônia.
Dirigiram-se à Ásia, mas lá se satisfizeram em tomar um porto, o que era suficiente
para realizar os seus desejos: um entreposto para armazenar as mercadorias que aí com­
pravam e levavam para a Europa.
É preciso notar que tanto em um continente como no outro a postura e os objetivos
da Espanha e de Portugal eram os mesmos: ditavam as normas e as condições que favo­
reciam a compra dos produtos. E as relações estabelecidas entre países em que uns
submetem outros aos seus intere$ses políticos e econômicos recebem o nome de colo·
nialismo.
Segundo a análise de Eric Hobsbawm, na Mas os episódios apresentados na série Lanceiros da Índia ocorrem em uma época
prática, todo o resto do mundo gravitava bem posterior a essa. Todavia tanto os motivos que determinaram os acontecimentos
em torno das decisões européias. nela descritos como a visão de mundo que orientou o filme - enaltecendo os coloniza­
dores como heróis e subestimando os nativos, ou "colonizados", ao realçar as diferen­
A maior parte do mundo não
ças físicas - continuam sendo formas de colonialismo. Mas esses motivos, apesar de
estava, portanto, numa posição
de determinar seu próprio sua natureza político-econômica, são determinados por outras conjunturas que não aque­
destino (. . . ) Este mundo de las do século XVI.
vítimas consistia em quatro Sabemos que, a partir da Revolução Industrial, ocorre um desenvolvimento das for­
setores mais importantes.
ças produtivas. Toda a sociedade européia está voltada para o aperfeiçoamento de téc­
Primeiro, havia os impérios não·
O europeus sobreviventes ou nicas que viabilizem um maior rendimento do trabalho. Não é mera coincidência que
::2: grandes reinos independentes do o conhecimento científico ganha impulso nesse período. Surgem novas ciências que,
� mundo islâmico e da Ásia: o além de se empenharem na descoberta de máquinas mais potentes, buscam também
<( Império Otomano, Pérsia, China,
a causa dos males que afligem a humanidade. E a burguesia se e ncarrega de patrocinar
ffi Japão e uns outros menores
essas pesquisas desde que os resultados venham ao encontro de seus interesses eco­
a_ como o Marrocos, Barma, Sião e
,::2: Vietnã ( . . . ) Segundo, havia as nômicos.
w
antigas colônias da Espanha e Na segunda metade do século XIX o crescimento industrial alcança o Seu apogeu.

cn
Portugal nas Américas , agora
estados nominalmente
Entretanto, para que o capital se auto-reproduza, faz-se necessária a venda de merca­
::i dorias. Mas os salários não sobem no mesmo ritmo da produção, justamente porque
independentes. Em terceiro
� lugar , havia a África ao sul do - é uma lei do sistema - o capital aumenta com a exploração do trabalho. Conseqüen­
g Sahara, sobre o que não há temente os baixos salários impediam o surgimento de um mercado consumidor capaz
O muito o que dizer pois não atraía de absorver toda a produção. Cria-se um excedente.
g a atenção neste período. ·A saída encontrada para o problema foi dominar outros países, transformando-os
� Finalmente, havia as vítimas j á
formalmente colonizadil;s ou
em colônias e obrigando-os a absorver esses excedentes. Desta forma, os países da Eu­
-
ocupadas , sobretudo na Asia. ropa não só resolvem o problema da produção excedente como encontram ainda novos
130 (Eric Hobsbawm, A Era do Capital) meios de aumentar os seus lucros: obtêm mão-de-obra barata das colônias, investem
na agricultura e na exploração de minérios nesses países, adquirem matérias-primas As justificativas para a expansão dos eu­
mais baratas e, com o lucro obtido, aumentam os salários da classe trabalhadora metro­ ropeus sobre os povos dominados,
baseavam-se também na idéia de que os
politana, estimulando o consumo e aplacando os movirp.entos reivindicatórios.
brancos levavam a felicidade e o progres­
Por essas razões é que as potências industrializadas e semi-industrializadas da Euro­ so aos "indígenas". É o que demonstra o
pa e da América lançaram-se, no final do século XIX, em uma desesperada corrida discurso de um famoso colo ni al ist a -
para abocanhar a fatia que pudessem da África e da Ásia, no processo conhecido como Chamberlain.
neocolonialismo.
( . . . ) Sentimos hoje que o nosso
Surge, então, a necessidade de convencer a opinião pública da superioridade dos
governo sobre esses territórios
brancos, para que a dominação seja aceita como um dado natural. Entra em cena todo não pode justificar-se se não
um aparato ideológico: literaturas que veiculam imagens preconceituosas dos coloniza­ mostrarmos que ele aumenta a
dos; teorias pseudocientíficas que engrandecem a missão colonizadora dos bpncos e felicidade e a prosperidade do
outros recursos, entre os quais se incluem filmes do tipo Os Lanceiros da lndia. povo, e afirmo que o nosso

Enquanto isso, nos países desenvolvidos ocorre um outro fenômeno: já não há mais
e
governo e fetivament levou a
esses países, que nunca tinham
lugar para as pequenas empresas. A partir de 1870, entramos num período de trustes e conhecido esses benefícios, a
cartéis (união de várias empresas) nos Estados Unidos, Alemanha e demais países europeus. segurança, a paz e uma
A livre concorrência foi substituída pelo monopólio. Os pequenos comerciantes foram expul­ prosperidade relativa .
Prosseguindo nesta obra de
sos do mercado pelos grandes. O pequeno negócio foi esmagado pelo grande negócio ou com
civilização, cumpramos o que
ele se fundiu para fazer um negócio maior a inda. Em toda parte houve crescimento, fusão, penso ser a nossa missão
concentração - indústrias gigantescas se formavam, indústrias que buscavam o monopólio. nacional, e encontraremos nessa
(Leo Huberman) empresa em que exercer aquelas
qualidades e aquelas virtudes
que fizeram de nós uma grande
raça governante (. . . )
(Joseph Chamberlain, Discursos
O colonialismo europeu na Ásia Coloniais.)

Na corrida pela colonização da Ásia, em que competem Alemanha, França, Rússia


e também o Japão, alcança o pódio a Inglaterra, o que não impede que esses outros
países continuem fazendo suas investidas sobre os países asiáticos. A Inglaterra inicia
seu papel colonizador na Índia a partir do monopólio comercial que começa a exercer,
no século XVIII, no litoral desse país. Pouco a pouco adentra as suas fronteiras, esten­
dendo o seu poder até as tribos do interior. Para consolidar seu domínio comercial,
cria a Companhia das Índias - que obtém enormes lucros - e o seu poder político
se reforça através do desempenho das missões religiosas que para aí envia. Esse traba­
lho de catequese - pregando aos hindus o ideal cristão da submissão e humildade - A efetivação do domínio inglês sobre a Í n­
conta para o seu sucesso com dados da conjuntura política desse país: a inexistência dia levou a Rainha Vitória a ser proclama­
de um poder central que exerça algum tipo de vigilância sobre as atividades coloni­ da imperatriz da região dominada.
zadoras.
Em 1 857 surgem os primeiros indícios
Telegrama de Lord Lytton à rainha Vitória, de l de janeiro de 1877: O Vice­
de insatisfação: um grupo de hindus se re­
Rei apresenta os seus humildes cumprimentos à Ra in ha . A proclamação de sua
bela, mas é violentamente reprimido pelos Majestade como Imperatriz das Í nd i as foi feita hoje mesmo ao meio-dia , na pla­
soldados britânicos. E, para tornar mais nície de Delhi, com a mais impressionante pompa e esplendor, no decurso de
completa a dominação e impedir outras ma­ uma cerimônia em presença de 50 príncipes soberanos e dos seus séquitos, du­

nifestações dessa natureza, em 1 887, a Rai­ ma grande concorrência de príncipes indígenas e de nobres vindos de todas
as partes da Í ndia ( . . . ) do corpo consul a r , de todos os Governadores ( . . . ) e das
nha Vitória é sagrada Imperatriz da Índia principais autoridades militares, civis e judiciais da Í ndia Britânica, bem como
e nomeia um vice-rei para governar esse de uma imensa multidão de súditos de sua Maj estade vindos a título privado e
país. A Inglaterra ganha aliados entre os pró­ de todas as cl a sses . Europeus e indí genas. A flor do exército das Í ndias, forma­
prios hindus, pois os grandes rajás e chefes da na planície, fez uma magnífica impressão .

de tribo resolvem compactuar com os nego­


(E. Buckle, Cartas da Rainha Vitória)
ciantes britânicos na esperança de obter, as-
sim, algumas migalhas de seus enormes lu-
cros, o que contribuiu, mais ainda, para au-
mentar a miséria do povo indiano. L.U
o
A região da Indochina - que atualmente compreende os territórios do Vietnã, Cam­ �
bodja e Laos - foi muito tempo cobiçada pela França, mas só em 1802 , com a tomada �
....J
de Saigon, sob o pretexto da perseguição exercida sobre os cristãos desse país, é que <(
z
os franceses começam efetivamente a exercer um domínio sobre ela. Grandes seringais o
....J
- cujas mudas foram transplantadas do Brasil - são mantidos pelos homens de negó­ o
u
cios da França que assim adquiriam matéria-prima para a transformação da borracha. o
L.U
Por outro lado, a Inglaterra, maior centro industrial da Europa, temendo a influên­ z
cia da França nesse continente, lança suas malhas até a Birmânia, anexando a ela um -
pedaço da Indonésia e, depois, dirige-se para a Austrália e Nova Zelândia. 131
Os ingleses encontraram no tráfico de ópio A dominação da China
para a China o caminho para a domina­
ção da Ásia. Os chineses protestam ao Im­
perador Tao-Kwang.
A China continuava intocável, apesar de exercer profunda atração sobre todos os
países da Europa. Mantendo-se, desde o século XVIII, relativamente fechada sobre
Por toda a parte as transações
sofrem, não se cobram si mesma, à medida que não desenvolve nem absorve novas técnicas de produção, sua
rendimentos, porque a moeda economia se enfraquece. E o agravamento dessa situação ocorre durante a dinastia dos
(de prata) está cara e o bilhão Mandchus, que começa a abrir as portas para a influência estrangeira. Os primeiros a
(moeda de cobre) depreciado. chegar são os ingleses, antigos apreciadores do chá chinês e que negociavam com esse
Ora esta carestia da prata
país tal produto. Dadas as diferenças culturais, políticas e os diferentes estágios de de­
provém de que ela sai do país
em massa, drenada pelo senvolvimento em que se encontravam, a Inglaterra não vê no seu repertório de merca­
comércio do ópio. Esse comércio dorias alguma que pudesse se incorporar aos exóticos hábitos dos habitantes daquele
é feito pelos ingleses. Este povo, país. Tentam uma estratégia inusitada: com a aprovação de Sua Majestade e o apoio
não tendo do que viver na sua tático dos traficantes ingleses, introduzem o ópio na China.
terra, procura escravizar os
outros países, dos quais ele
Um ministro chinês tenta moralizar a situação e solicita à Rainha Vitória que adote
primeiro procura debilitar os medidas para impedir o tráfico. Nenhuma providência foi tomada e este ministro man­
habitantes (pelo uso do ópio) dou pessoalmente queimar 20 mil caixas de ó�io. Imediatamente a Rainha adotou me­
( . . . ) Agora, vieram à China: didas de retaliação: iniciou-se a Guerra do Opio, com um ataque às cidades portuá­
consumpção que fará secar os
rias chinesas. As operações militares se estenderam até o ano de 1 842, quando foi assi­
nossos ossos, verme que roerá o
nosso coração, ruína das nossas nado o Tratado de Nanquim. Através desse instrumento jurídico, a China cedeu à
famílias e das nossas pessoas. Inglaterra um porto - atualmente a cidade de Hong-Kong - e o direito de os ingleses
Depois que o Império existe, livremente introduzirem aí suas mercadorias. Esta vitória da Inglaterra estimulou ou­
nunca correu um tão grande tros países - Rússia, França, Alemanha e, até mesmo, os Estados Unidos - a domina­
perigo.
rem outras fatias do decadente império chinês. A China se transforma em um territó­
( in Georges Maspero, A China)
rio dividido em diversas áreas de influência das potências ocidentais e os seus habitan­
tes, em função do persistente trabalho ideológico realizado pelos invasores, inclusive
por seus missionários, submetem-se aos costumes da cultura ocidental. Assim, a China
assume o papel de ponta de lança para que os europeus dominem a Ásia.
Em 1 8 5 1 , uma reação espontânea às pregações dos missionários cristãos - católicos
e protestantes - se transforma em um movimento de caráter nacionalista que passa
a exercer violenta oposição aos brancos e àqueles representantes da nobreza chinesa
responsáveis pelos acordos com os ocidentais. A partir de 1 853, este movimento -
chamado Taiping - começa a dominar o vale do rio Yang-Tse-Kiang, canal natural
de escoamento das mercadorias comercializadas entre a China e a Europa. Em um pe­
ríodo de recrudescimento, ele toma de assalto o Palácio de Verão, onde reside a família
imperial. Em retaliação, os governantes chineses não só ampliam seus tratados com
as potências estrangeiras como também organizam um exército multinacional para re­
primir qualquer ação dessa natureza. E, aproveitando-se das dissidências no interior
do movimento, que ocorrem principalmente dada a grande extensão da área sob seu
controle e pelas riquezas que ela detém, as potências estrangeiras e o governo imperial
promovem uma violenta repressão sobre ele. Existem informações de que milhões de
pessoas morreram nesse embate. Um outro famoso levante foi a Rebelião dos Bo­
xers que tentava os mesmos objetivos e igualmente foi reprimida pelo conjunto dos
exércitos estrangeiros.

o Japão: uma nova potência imperialista



(J)
:::i
� O Japão, como a China, era um país isolado da voracidade dos interesses ocidentais;
a:
UJ
o... só uns poucos comerciantes portugueses e holandeses se relacionavam com a região
� nos séculos XVI e XVII. Por muito tempo o Japão foi dominado pela família Tokuga­
L.tJ
wa, xoguns, chefes militares - a cuja classe pertenciam os samurais, guerreiros pri­
o
� vilegiados - que haviam submetido o imperador e o seu regime político, chamado de

__.
micado. A organização social dos xoguns em muito se assemelhava ao feudalismo: os
<( camponeses - produtores das riquezas - se submetiam a um regime de servidão. Além
z
o de sustentar com o pagamento de encargos toda a burocracia dos xogunatos, os cam­
__.
o poneses se viam também obrigados a prestar serviços nas obras públicas: construção
u
o de estradas, diques e canais.
UJ
::z O isolamento do Japão dos Tokugawa começou a ser rompido quando, na segunda
-
metade do século XIX, os Estados Unidos, iniciando sua expansão colonialista, entra­
132 ram em contato com esse país, que se recusou a abrir suas portas à influência ocidental.
Em revanche, o governo norte-americano encarregou uma esquadra, comandada pelo
comodoro Perry, de persuadir os j aponeses, pela força, .bombardeando os portos desse
país. "Convencidos", os japoneses estabelecem relações comerciais com vários países
da Europa, correndo o risco de se ver condenado ao mesmo destino imposto à China.
Demonstrando sua indignação, alguns nobres se transferem para Kioto, onde já re­
sidia o imperador. Ainda para essa cidade, em 1 863, se dirigem vários senhores feudais
e samurais e juram fidelidade ao imperador que igualmente não concorda com a sub­
missão do xogunato às potências estrangeiras. Articula-se uma resistência contra essa
situação, da qual fazem parte os pequenos fabricantes de seda e comerciantes - preju­
dicados pelos ocidentais -, como também os nobres e outras camadas da sociedade.
Unem-se num apoio à restauração da autoridade do imperador.
E m 1867, o micado declara a extinção do xogunato e o poder passa para as mãos
do imperador Mutsuhito. Inicia-se a era Meiji. Para lutar contra a presença de outros
países, o Japão desenvolve estruturas muito fortes que, aliadas a outros fatores, possi­
bilitam sua transformação em potência. Esses fatores decorrem da conjuntura política
internacional daquele momento.

Confronto do Japão com a Europa

A França vivia momentos de grande tensão com o processo de unificação da Alema­


nha, comandado por Bismarck, e que acabaria ocasionando a guerra franco-prussiana.
Os Estados Unidos estavam às voltas com a Guerra de Secessão. A Rússia se encontra­
va exaurida pelas derrotas sofridas com a Guerra da Criméia. E a Inglaterra tinha
toda sua atenção voltada para os conflitos do continente europeu.
Portanto, a conjuntura internacional é propícia a que, imune da cobiça estrangeira,
o Japão se volte para seus próprios interesses. É justamente o que acontece: este país,
nesse período, passa por uma efetiva transformação, sob a liderança de seu jovem im­
O Japão também participou da corrida co­
perador. lonialista e se apossou de parte do territó­
Incorporando ao seu processo produtivo as novas técnicas trazidas do Ocidente, sua rio da China, como demonstra uma decla­
indústria se desenvolve. E, dada sua proximidade com a China, os empresários j apone­ ração do fim do século passado:
ses voltam sua atenção para as matérias-pri­
mas que os territórios chineses podiam ofe­ Um caricaturista j aponês, algumas semanas após a ocupação um pouco viva
recer. Também o seu exército passa por uma de Kiao-Tchéu pela Ale�anha, mostrava maravilhosamente a situação do Ce­
profunda reforma, iniciando uma expansão leste Império. No seu desenho, um enorme porco, inchado de gordura e impo­
tente, a China vê levarem-lhe, impotente para reagir, um grande pedaço da es­
militar para além de suas fronteiras. Em pádua por um carniceiro, a Alemanha. Outros magarefes, a Inglaterra, a Fran­
1896, sem declarar guerra à China, invade ça, e a Rússia, de faca na mão e olhos cúpidos, esperam atehlamente a sua vez.
a Coréia - ocupando em pouco tempo to­ Agora já não esperam; o trabalho está feito, e um quinto ladrão, que o artista
do o seu território e impondo a retirada do esquecera, o Japão, veio também participar no esquartejamento ( . . . ) Sabeis que
as tropas japonesas ocupam ainda ( . . . ) o excelente porto de Wei-hai-wei, em
exército chinês. Em seguida, se dirige à
garantia do pagamento da indenização devida pela China ( . . . ) A série de con­
Mandchúria. A China se vê obrigada a assi­ cessões arrancadas ao governo chinês foi completada, enfim, pelo anúncio da­
nar um tratado de paz com o Japão, através quelas que acaba de fazer ao Japão: ( . . . ) primeiro, a promessa pela China de
do qual lhe cede a ilha de Formosa e decla­ não ceder nenhuma porção da província de Fukien a uma potência estrangeira;
ra independente a Coréia, embora sob a in­ depois, vantagens econômicas ( . . . )
(Carta do Japão in Revista Política e Parlamentar)
fluência do governo j aponês.
São as indústrias j aponesas que mais se
beneficiam com essas vitórias militares, pois as indenizações pagas pela China são ne­
o
las investidas. Rapidamente surgem os §randes conglomerados constituídos pelas in­ �
(/)
dústrias de base. Aparecem também os grandes grupos. Por exemplo, o Mitsui que :::i
monopoliza o setor financeiro, a exploração de minérios, os estaleiros, as empresas de �
a:
navegação e outros ramos da indústria, como a têxtil e a açucareira. Um outro grande LU
a....
grupo, o Mitsubishi, começa a atuar em tantas ou mais áreas que o seu concorrente, �
o Mitsui. E, para a expansão destes e de vários outros grupos, solucionar os problemas LU
o
de fornecimento de matérias-primas é de vital importância. Esta é a razão pela qual �
a política japonesa adota a estratégia da expansão militar. Nesse sentido, a Rússia cza­ ça
-I
rista constitui um importante obstáculo, pois também alimentava o desejo de estender �
z:
os seus domínios no Extremo Oriente. o
-I
Em 1 904, repetindo a mesma façanha realizada na China, e sem também declarar o
CJ
guerra à Rússia, uma esquadra japonesa ataca unidades da marinha russa sediada em o
LU
Port Arthur, na China. E a Mandchúria, cobiçada há muito pelo Império Russo, é defini­ z:
tivamente invadida por poderosas tropas japonesas. Dois historiadores russos, Jvostov -

e Zubok, declaram em que condições históricas deu-se o confronto: O Japão entrou 133
na guerra estando perfeitamente preparado para ela; além disso contava com o apoio finan­
ceiro da Inglaterra e dos Estados Unidos. A Rússia, ao contrário, graças ao regime czaris­
ta, não estava nem remotamente preparada para uma guerra de tais proporções numa fren­
te tão distante. A través de uma única estrada de ferro, a Transiberiana, tinha que trans­
portar a uma distância de 14 mil quilômetros, suas tropas, armamentos e o abastecimento.
Logicamente? desde os primeiros encontros ficou patenteada a preparação deficiente das for­
ças russas. . .
E a guerra russo-japonesa revela duas realidades bem diferentes: reafirma o Japão
como potência militar-imperialista e atesta a decadência do império russo, cujos sinais
da derrocada final já se faziam ouvir pelos rumores que antecedem a Revolução de 1 90 5 .
,

A partilha da Africa
A África era desde há muito conhecida dos europeus, principalmente de Portugal,
que possuía aí duas colônias: Angola e Moçambique. Mas no século XIX, época do
apogeu do desenvolvimento industrial, dos grandes lucros e das grandes empresas, es­
te continente volta a ser novamente cobiçado pelos países da Europa. E, dessa vez,
é a França que toma a dianteira quando, no ano de 1 830, começa a dominar a Argélia.
Para consolidar seu domínio, cria a famigerada Legião Estrangeira, formada pelos
elementos mais marginais de sua sociedade. Pois o governo francês, com o intuito de
torná-la bastante numerosa e tendo dificuldade em atrair seus compatriotas a se lança­
rem nesse desafio, promete absolver todos aqueles condenados pela Justiça desde que
nela se integrem. A França, contudo, não se limita a dominar a Argélia. Sequiosa de
Na primeira década deste século a África
expansão, ela pouco a pouco estende os seus domínios até Senegal, Gabão e Guiné,
tinha seu território totalmente dividido en·
tre as potências européias, com predomí· inclusive Madagascar e Tunísia, quando entra em choque com a Itália. E todos esses
nio da Inglaterra e França. territórios passaram a ser conhecidos como África Ocidental Francesa.
Mas a Inglaterra, temendo o domínio da
França, entra na corrida pela conquista da
África c alimenta secretamente o plano de
dominá-la desde o Cairo até o Cabo. E, su­
bindo desde a África do Sul, que já lhe per­
tencia, conquista a Rodésia, o Gabão e o
Quênia. A essa altura, opta por um acordo
com a França: esta ficaria com o M-arrocos,
enquanto o Egito, que, apesar de manter uma
aparente independência, já se encontra sob
sua proteção, continua. sendo um protetora­
do seu. Ratificada sua condição de proteto­
rado, o Egito perde o direito às suas ações
na empresa que construía o Canal de Suez,
passando-as para as mãos dos ingleses.
A Inglaterra continua suas conquistas,
OCEANO ATLÂNTICO partindo do sul em direção ao norte, travan­
do no caminho uma feroz luta com os zu­
lus, povos que habitavam esse território. E
seu interesse por essa região se devia prin­
cipalmente ao fato de suas terras serem ri­
d a Franca cas em diamante. Foi o próprio Ceci! Rho­
des, o rei do diamante, quem comandou es­
as d a G rã- Breta n h a
sas expedições. Em sua rota expansionista,
os ingleses enfrentam-se também com os
bôeres, um povo descendente dos holande­
ses que habitava outra região ric a e m
� minerais - hoje África do Sul. Os des-
� cendentes de holandeses haviam fundado
V)
_J aí Juas repúblicas: Orange e Transvaal . Em
� C o l ô n i a s da 1,.1,.
1 899 os ingleses, sem respeitar a indepen-
S llo;.li��:L.----.J dência desses Estados, os invade para explo-
8 rar os seus minérios. Inicia-se uma guerra
� com os bôeres e, em virtude da desesperada
z resistência que esse povo demonstra, a luta
-
se estende até 1902.
134 E&sa violenta invasão dos europeus, na
segunda metade do século XIX, causa gravíssimos prejuízos aos indígenas africanos
e à sua cultura. Além de contaminar esses povos com doenças que até então desconhe­
ciam, introduz em sua cultura, principalmente através da pregação dos missionários,
valores totalmente alheios à sua visão de mundo. Em conseqüência, desestruturam-se
suas relações culturais, pois são obrigados a seguir normas de conduta que, para eles,
não tinham nenhum sentido.

Participação da Bélgica, Itália e Alemanha


Até os pequenos países europeus encontravam-se ávidos por novos territórios. É Eis alguns dos trechos da ata da reunião
o caso da Bélgica que, sabendo serem mínimas as suas chances, soube bem aproveitar sobre a Partilha da África, realizada em
Berlim no ano de 1885:
a ·oportunidade que lhe apareceu: um explorador americano, que havia desbravado o
Congo, veio oferecer seus serviços ao rei Leopoldo. Assim, este país inicia suas con­ Ata Geral elaborada em Berlim
quistas no território do Congo, utilizando o pretexto de que ali realizava pesquisas an­ a 26 de fevereiro de 1 885 entre a
tropológicas. Sua verdadeira intenção vem à tona, porém, qu ando começa a subsidiar França , Alemanha, Áustria,
grandes empresas para explorarem o solo dessa nação. E, ao se tornar evidente seu do­ Hungria, Bélgica, Dinamarca,
Espanha, Estados Unidos, Grâ­
mínio, outros países europeus começam a demonstrar interesse pelo Congo. Essas na­
Bretanha, Itália, Países-Baixos,
ções se reúnem em Berlim, em 1 885, sob a direção de Bismarck, e estabelecem o se­ Portugal, Rússia, Suécia,
guinte acordo: o Congo seria ocupado pelos europeus , cabendo a maior parte do seu Noruega e Turquia para regular
território à Bélgica, uma parte à Frànça; e os pequenos territórios ao norte, à Alema­ a liberdade de comércio nas
nha. Mas, na luta pela dominação do Congo, os europeus exterminaram milhões bacias do Congo e do Níger,
bem como as novas ocupa,ções
de negros. de territórios na costa ocidental
Enquanto a Inglaterra e a França apostavam na corrida pela conquista da África, da Á frica. Em nome de Deus
a Alemanha e a Itália se preocupavam com seus problemas internos, pois viviam inten­ Todo-Poderoso ( . . . ) Querendo
samente os seus processos de unificação, não dispondo, nem uma nem outra, de ener­ regular , num espírito de bom
entendimento mútuo, as
gia para se dedicarem a uma política expansionista. Entretanto, ao resolverem, no fim
condições mais favoráveis ao
do século XIX, seus problemas, esses países também vão à luta por colônias. Conse­ desenvolvimento do comércio e
guem pequenas colônias que não haviam despertado o interesse de seus principais con­ da civilizaçâC' em certas regiões
correntes. da África , P assegurar a todos os
A Itália anexou a Líbia ao seu território e, ao tentar invadir a Abissínia - atualmen­ povos a :, vantagens de livre
navegaçâo nos dois principais
te Etiópia -, em 1 896, é derrotada pelas tribos indígenas que aí habitavam; contenta­ rios africanos que desaguam no
se em ficar com os pequenos territórios da Eritréia e da Somália. E a Alemanha, que oceano Atlântico ( . . . )
iniciara um rápido e violento processo de industrialização depois de unificada, viu-se
forçada também a se lançar nessa luta colonialista. Conseguindo apenas três pequenos
territórios - Togo, Camarões e África Oriental-, resolveu partilhar do Marrocos,
que havia sido conquistado pela França. Reúne-se com esse país na cidade espanhola
de Algeciras, em 1 906, quando fica decidido que lhe caberia uma pequena parte dessa
nação norte-africana. Entretanto, a busca desesperada da Alemanhã pela obtenção de
colônias, esperando assim alcançar o estágio de desenvolvimento industrial de suas ri­
vais, principalmente da França, vai-se constituir em uma das principais causas da Pri­
meira Guerra Mundial.

Modernização da Rússia
A Rússia, apesar da tentativa de alguns monarcas no século XVIII de tirá-la do iso­
lamento, sempre se manteve afastada dos acontecimentos mais importantes da Europa o
Ocidental. A Revolução Francesa, as campanhas napoleônicas e a política de restaura­ �
CJ)
ção contribuíram para que ela se mantivesse recolhida; e o reinado de Nicolau, entre .....J
<t:
1825 e 1 855, caracterizou-se por esse isolamento. A Rússia vivenciava, contudo, na a:
LU
segunda metade do século XIX, uma série de contradições internas. A sociedade O­

compunha-se predominantemente de duas classes: uma nobreza dominante, os boiar­
LU
dos, e uma grande massa de camponeses servos, os mujiques, que somavam, aproxi­ o
madamente, 60 milhões. Existia também uma incipiente burguesia, que não detinha �
CJ)
as condições necessárias para patrocinar atividades que propiciassem seu fortalecimen­ ::::i
<t:
to. A direção política estava nas mãos da nobreza, liderada pelo Czar, o Imperador z
da Rússia, absolutista que não permitia contestação ao seu poder. No entanto, nessa o
.....J
época, grupos de trabalhadores e de intelectuais se organizavam em uma oposição. To­ o
u
da a economia do país centrava-se, quase exclusivamente, nas atividades agrárias e o
LU
na criação de gado. z
-
Fazia-se necessário que se modernizasse, pois esse caminho poderia ser uma alter­
nativa para superar os estreitos limites da situação de atraso em que a Rússia se encon- 1 35
Logo depois da libertação dos servos, a in­ trava. Assim, quando, em 1 855, sobe ao trono o imperador Alexandre li, a Rússia co­
dústria russa experimentou um surto de meça a desenvolver uma série de reformas visando a modernização. Uma das primeiras
expansão considerável. Grande parte desta
medidas do novo imperador foi abolir a servidão, em 186 1 . Em seguida, estimula a
industrialização se deu entre os anos de
1 870 e 1 890, e foi financiada graças às in­ industrialização, buscando o incentivo do capital estrangeiro, principalmente francês.
denizações recebidas pela nobreza, em fim­ E se lança sobre a região do mar Negro, através dos Balcãs, em busca de uma saída
ção da libertação dos servos e da reforma para o Mediterrâneo. Essa série de reformas dá origem ao surgimento de uma classe
agrária. Na verdade, não houve um inves­ operária, que contribui para o crescimento da oposição ao regime czarista.
timento direto da nobreza nas indústrias,
mas sim uma aplicação que a própria bur­
Vítima de um atentado praticado por um grupo radical, morre o Czar Alexandre,
guesia fez quando recebeu as dívidas da o que desencadeia uma onda de repressão e o fim da política reformista. Entretanto,
velha aristocracia russa. a Rússia não quer abrir mão de sua prática expansionista, seguindo o exemplo das po­
Depois de 1 890, a incipiente industriali­ tências européias. Com esse objetivo começa a construção de uma ferrovia que atraves­
zação russa experimentou um novo surto
sa todo o seu território e chega até a Ásia, em frente ao Japão. Prosseguindo em seu
expansionista com a implantação de fer­
rovias, das quais a mais famosa, foi a que caminho, chega à Criméia onde vai de encontro aos interesses do Japão, decorrendo,
liga Petrogrado a Vlad.ivostok (Ásia), com desse confronto, a Guerra Russo-Japonesa, em que sai derrotada em 1 905. Esta derro­
mais de 1 4 mil quilômetros. Foram estas ta significa, para o povo russo, o atestado de falência do regime czarista, Os soldados,
ferrovias que criaram condições para o de­ os camponeses e a população em geral se rebelam. Ocorre, então, a chamada Revolu­
senvolvimento de indústrias siderúrgicas
e metalúrgicas.
ção de 1905, considerada um ensaio para o grande conflito que se desencadeari� logo
depois: a Revolução Socialista de 1917.

Expansionismo norte-americano
Apesar de a doutrina do presidente norte-americano Monroe defender a não­
intervenção em outros países, o desenvolvimento econômico dos Estados Unidos exige
novos mercados. E, premidos por essa exigência, os grandes empresários desse país,
e igualmente o seu governo, adotam uma política colonialista que em nada difere da­
quela praticada pelos países europeus.
O primeiro território que incorporam é o Havaí, cobiçado desde a expansão ameri­
cana para o oeste, por sua localização estratégica no Pacífico. Em 1 893, armam um
golpe de Estado que derruba a monarquia indígena e instauram uma república sob a
sua proteção. Pouco tempo depois, os Estados Unidos formalizam sua posse sobre o
Havaí.
Cuba continuava a ser, no final do século XIX, uma das poucas regiões do conti­
nente americano que estava submetida aos laços coloniais da Espanha. Resistindo a
esse domínio, alguns grupos revolucionários surgiram, destacando-se entre eles aquele
liderado pelo famoso poeta cubano José Martí. Ao mesmo tempo que isso ocorria,
alguns empresários norte-americanos investiam no território cubano em plantações de
cana e em um dos setores mais prósperos do comércio, como os hotéis e as casas de
jogos, uma vez que essa região sempre se constituiu em um importante ponto de atra­
ção turística. Assim, estes movimentos que se insurgiam contra a dominação espanho­
la acabavam causando enormes prejuízos ao capital norte-americano aí investido. E a
grande nação do norte, se dando conta do obstáculo que a Espanha representava, co­
meça a articular alguns planos com o objetivo de transpô-lo.
Em 1 898, surge a situação esperada: um encouraçado da marinha de guerra ameri­
cana - o Maine - ao chegar à ilha, com o propósito de retirar e oferecer proteção
aos cidadãos norte-americanos que aí se encontravam, explode, vítima de um atentado
nunca esclarecido. Sob esse pretexto, os Estados Unidos declaram guerra à Espanha.
o Rapidamente esse conflito termina, pois é incontestável a superioridade norte-americana.
� E os espanhóis são obrigados a assinar um tratado de paz pelo qual cedem aos Estados
(./)
:::i Unidos a colônia americana de Porto Rico e as Filipinas (na Ásia) . A ilha de Cuba
<(
a: se tornava país independente, sob a proteção dos Estados Unidos.
w
a.. Gradativamente, continuavam aumentando os interesses norte-americanos na Amé­

ria Latina. Várias intervenções foram realizadas na Nicarágua e na República Domini­
ú.J
o cana. E a "independência" do Panamá, ocorrida em 1 903, deu-se sob sua proteção.

(./)
Este apoio, no entanto, foi bem recompensado, pois os americanos obtiveram da Repú­
:::i blica do Panamá o direito de construir o seu canal. Era presidente dos Estados Unidos,
<(
z nesta ocasião, Theodor Roosevelt, cujo governo se notabilizou pela adoção de uma po­
o lítica imperialista tão contundente que passou a ser conhecida como a do big stick -
-I
o
u grande porrete. Ou seja, constituía princípio de honra para este país intervir onde os
o interesses americanos corressem alguma forma de risco.
w
z O historiador norte-americano Leo Huberman, em sua obra intitulada Nós, o Povo,
-
transcreve as declarações de um general dos fuzileiros navais que mostram o papel da
136 intervenção militar a serviço dos grandes capitalistas: Passei 33 anos e 4 meses no serviço
ativo como membro de nossa força m ilitar mais ágil - o Corpo de Fu;úleiros. Servi em O historiador André Ribard resume as pri­
todos os postos. De segundo-tenente a major-general. E durante .esse período passei a maior meiras tentativas de expansão imperialis­
parte do tempo como guarda-costas dos Grandes Negócios, de Wall Street, dos banqueiros. ta norte-americana.

Em resumo: eu era um p irata a serviço do capitalismo. . . Assim foi que ajudei a transfor­
O imperialismo americano tem
mar o México. e especialmente Tampico, num lugar seguro para os investimentos america­ ainda muito que fazer para
nos no petróleo, em 1914. Ajudei a tornar o Haiti e Cuba em lugares decentes para que surgir como concorrente.
os rapazes do National City Bank pudessem recolher os proventos. . . Ajudei a purzficar a MacKinley, eleito presidente ,
Nicarágu a, para o estabelecimento bancário mundial dos irmãos Brown, de 1 909 a 1912. ameaça a Espanha, caso esta não
renuncie a Cuba: a Espanha
Tornei esclarecida a República de São Domingos, para que os investimentos americanos recusa; é a guerra, sustentada
na cana-de-açúcar pudessem ser protegidos, em 1916. . . Durante todos esses anos eu tinha, por uma insurreição que
no dizer dos rapazes de qualquer bando reunido, num quarto de fundo, uma boa mamata. Washington apóia, a guerra
Era recompensado com honras, medalhas, promoções. Agora olho para trás e sinto que po­ contra um fantasma e mal
dirigida; entretanto ela estalou
deria ter dado alguns conselhos a AI Capone. O mais que ele fazia era controlar a malan­
ainda esta vez em condições que
dragem executada em três cidades. Nós, os fuzileiros, operávamos em três continentes. ficaram imersas em mistério. A
propaganda imperialista,
dirigida; entretanto , ela estalou
Uma crise imperialista exige a entrega de Porto Rico e
das Filipinas ( . . . ) Mas os filipinos
não aceitam sua anexação aos
Com a decadência do Império Turco-Otomano, que dominava parte da região sul da Estados Unidos e lutam:
Europa, a Rússia e a Áustria pretendem estender seus domínios para essas regiões. resistirão três anos em suas ilhas.
A Áustria consegue dominar todo o norte da Sérvia, e a Rússia, procurando uma saída Já se voltaram os Estados Unidos
para o Panamá .
para o Mediterrâneo, tenta impedir que a Áustria aumente sua área de influência. Essa
(André Ribard, A Prodigiosa
divergência de interesses cresce com a pretensão da Turquia de retomar as posições História da Humanidade)
perdidas nessa região. Os pequenos países dos Balcãs, sob a influência das grandes po­
tências que os dominam, vivem em constante atrito, razão pela qual essa região é co­
nhecida como o barril de pólvora do mundo. A Primeira Guerra iria começar.

Exercícios

l . Uma das razões da expansão européia está ligada ao fato de que:


a) durante a Revolução Comercial, os capitalistas europeus estavam interessados em
organizar a produção na Ásia;
b) durante a primeira fase da Revolução Industrial, o país mais desenvolvido e indus­
trializado eram os EUA, que necessitavam expandir o seu mercado consumidor;
c) com o início da Revolução Industrial, a Inglaterra tornou-se uma grande defensora
da volta ao mercantilismo, principalmente do exclusivismo comercial das metrópo­
les sobre as colônias;
d) a segunda fase da Revolução Industrial provocou o aumento da produção, levando
as potências européias à procura de colônias, como mercado consumidor de manu­
faturas e produtor de matérias-primas.

2 . Como a Inglaterra conquistou a Índia?

3. Que fatores levaram o Japão a se modernizar?

Respostas Comentadas

1. As colônias serviram como mercado consumidor das manufaturas européias produ­


zidas em longa escala pelas indústrias. Ao mesmo tempo, essas colônias eram conside­
radas como fornecedoras de matéria-prima para a s indústrias e uropéias . Este foi, por
exemplo, o caso do algodão, da borracha e outras matérias-primas cultivadas na Asia
e na Africa. A alternativa correta é a d.

2 . Os ingleses dominaram inicialmente o CQmércio litorâneo e depois foram estenden­ LU


o
do sua influência sobre as tribos do interior. Esta paulatina conquista foi articulada ::::2:
cn
pela Companhia das Í ndias e facilitada pelo fato da Índia não ter um governo forte _J
e centralizado. <l:
z
o
_J
3. Às tentativas do ocidente de forçar o domínio do Japão, parte da classe dominante o
u
respondeu com a revolução Meiji. Tal revolução pretendeu e conseguiu modernizar o
LU
o Japão a ponto de colocá-lo no mesmo nível das potências imperialistas européias. z
-
137
PRIJ.VIEIBA GUERRA
MUNDIAL

Basta uma consulta ao mapa da época, para compreender a razão de ser da insatisfa­
ção da Alemanha frente à divisão do mundo coloniaL Embora tenha se posicionado
um pouco atrás na disputa colonial, aos olhos deste país , a situação parecia um tanto
quanto injusta, pois, afinal, como as demais potências desenvolvidas, ele também ne­
cessitava de matérias-primas para alimentar as suas indústrias. E a insatisfação era ta­
manha que o Kaiser Guilherme li, ao visitar o Marrocos, área de influência francesa,
No início do século XIX, o mwtdo eslava prati­ afirmou que a Alemanha estava disposta a 'ir à guerra se a questão da divisão não fosse
camente dividido em possessões de três gran­ revista. Imediatamente foi convocada uma conferência para se discutir essa pendência.
des potências européias. A Inglaterra detinha Assim, em 1906, na cidade espanhola de Algeciras , se chegou ao seguinte acordo: o
20% da superfície terrestre; o império francês, Marrocos continuaria área de influência francesa, mas, em compensação, a Alemanha
em segundo lugar, contava com um território
muito maior do que a própria França, e a Ale­
passaria a ter direitos sobre uma pequena faixa de terras na África Francesa. Perceben­
manha possuía apenas colônias na África e al­ do que a Alemanha não ficara satisfeita com a nova partilha, a França, receosa, assinou
guns ponos na Asia. um tratado de aliança com a Inglaterra.

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� E essa aliança era sintomática. O poder econômico da Alemanha crescia a olhos vis­
g: tos. Indústrias como a Siemens e a AEG, no setor elétrico pesado, como a IG-Farben,
-
no setor químico, e a Krupp e Stinnes, no setor metalúrgico e bélico, haviam apareci­
1 38 do há pouco e já dominavam o mercado, pois seus produtos eram vendidos ao mundo
inteiro. Além disso, metade do transporte marítimo mundial, por volta do ano de 1 9 1 0, O texto abaixo nos mostra, na visão de V.
estava nas mãos de dois trustes alemães, um dos quais era o Hamburg-Amerika-Linie, M.Jvostov e Zubok, a divisão do mundo
do ponto de vista dos mercados, com o sur­
e um truste anglo-americano explorava a outra metade. Esta nova posição da Alema­
gimento dos trustes e das indústrias mul­
nha ameaçava a Inglaterra que, até então, mantivera uma posição hegemônica em rela­ tinacionais.
ção às demais potências. Assustados, os membros do Parlamento britânico, represen­
tantes dos industriais ingleses, propõem que, para pôr um termo a essa concorrência, Na época do imperialismo,
a Inglaterra deveria, se necessário, declarar guerra a esse país. E, além de todos esses simultaneamente com a
culminação da total divisao do
motivos, havia um outro, de menor importância, mas que exercia influência na nova
mundo entre os Estados
correlação de forças que começava a aparecer: a França guardava ressentimentos pela capitalistas, começa também a
derrota que sofrera da Alemanha em 1 870. divisão entre os trustes e
sindicatos e bancos mais
poderosos. Os grandes
monopólios industriais não se
A crise dos Balcãs contentam em concentrar em
suas mãos a produçi!o integral
Em um outro ponto da Europa, outros conflitos políticos e econômicos ensejavam de um determinado r�mo da
novas articulações. Depois da independência dos países balcânicos, o Império Austro­ indústria ( . . . ) em ter submetido a
seu arbítrio todo o mercado
Húngaro havia tomado extensos territórios ao norte da Sérvia, conhecida como Bósnia­
interno. Pretendem também
Herzegovina. A Sérvia reclamava a posse desses territórios e, por essa razão, incentiva­ apoderar-se dos mercados
va os movimentos contra a Áustria. A Rússia czarista, por sua vez, alimentava sonhos estrangeiros, nos quais se
imperialistas, sob a j usti ficativa do pan-eslavismo, que previa a unificação de todos chocam inevitavelmente em luta
os povos eslavos sob a proteção da Grande Rússia, reunindo, assim, condições de se encarniçada com organizações
monopolistas semelhantes dos
opor à Áustria e à Turquia ao mesmo tempo. Por outro lado, se seu sonho se realizas­
capitalistas de outros países.
se, conseguiria, através do Mar Negro, uma saída livre para o Mediterrâneo, outra am­ (V. M.Jvostov e Zubok, História
bição que acalentava há muito tempo. Entretanto, um obstáculo teria que ser vencido: Contemporânea)
a presença da Áustria-Hungria naquela região.
Aos olhos da Rússia, apareceu uma op ortunidade de enfraquecer tanto a Turquia
quanto o império austríaco quando, em 1 9 1 2, apoiou uma coligação entre os países
balcânicos: Sérvia, Bulgária, Montenegro e Grécia. Depois de algumas semanas de con­
fronto, os exércitos turcos bateram em retirada. Mas, sob a pressão da Áustria, os esta­ Antes da Primeira Guerra Mundial, a Eu­
ropa era um caldeirão pronto a explodir.
dos balcânicos, principalmente a Sérvia, foram obrigados a interromper o avanço e a A França, que havia perdido em 1 870 os
estabelecer negociações. Em um texto dos historiadores russos Jvostov e Zubok, depósitos de ferro e carvão da Lorena pa­
encontram-se informações sobre o desenvolvimento desse acordo: No mês de dezembro ra a Alemanha, adotava uma clara políti­
iniciavam-se em Londres as negociações de paz entre a Turquia e os países integrantes da ca de revanchismo. Os russos, que que·
riam controlar Constantinopla e outras
aliança balcânica e nelas intervinham ativamente representantes das grandes potências. A lém
porções do território turco, incentivavam
da paz com a Turquia, era preciso solucionar o conflito austro-sérvio e uma série de questões o pan-eslavismo. A Sérvia rivalizava com
vinculadas à guerra dos Balcãs. As negociações se desenvolviam com dzficuldade. Os turcos a Áustria-Hungria, principalmente após a
não queriam ceder A ndrinopla à Bulgár�a e os búlgaros se negavam a assinar a paz sem anexação pela Áustria da Bósnia e da Her­
antes obter aquela cidade. Entrementes, surgiram sérias divergências entre os próprios alia­ zegovina. A Alemanha, que havia entra·
do num intenso processo de industrializa­
dos balcânicos: a Bulgária, de um lado, e a Sérvia e a Grécia, de outro.
ção e conquista colonial, rivalizava com a
Mas nenhum dos Estados ficou satisfeito. A Albânia havia se constituído como na­ Inglaterra e constituía uma grave ameaça
ção independente, embora continuasse dis- à França.
putada pela Itália e pela Áústria. Imediata-
r-------��
mente depois, a Sérvia e a Grécia estabele·
ceram uma aliança exigindo os territórios
da Bulgária. Por sua vez, os exércitos búl­
garos atacaram os soldados sérvios, em ju­
nho de 1 9 1 3, dando início à Segunda Guer­
OCEANO
ra Balcânica. A Turquia aproveita a opor­
ATLÂ NTI C O
tunidade e declara guerra à Bulgária,
apoderando-se de seus antigos territórios.
Derrotada, a Bulgária é obrigada a pagar pe­ -I
sados tributos. E a Macedônia passou a fa­ <(
o
zer parte do território sérvio. Em linhas ge­ z
::::>
rais, a conseqüência dessa guerra foi o for­ �
talecimento da Sérvia, o que não era bem <(
a:
aceito pela Áustria, uma vez que os iugos­ a:
w
lavos, que habitavam o império austríaco, ::::>
(.!)
passaram a apoiar as reivindicações nacio­ <(
a:
nalistas dos sérvios em relação aos territó­ w
rios ocupados pela Áustria. E a Rússia, por �
a:
sua vez, ficou descontente pelo fato de a Bul­ a..
gária ter-se aliado à Alemanha e, assim, for­ -

talecido seus laços com a Turquia. Afirmam 139


Jvostov e Zubok: A R ússsia czarista lutava contra a influência alemã na Turquia e nos
Balcãs. Nessa luta, contava com o apoio da Inglaterra. Por sua vez, a Alemanha contava
com u apoio da Á ustria e Hungria e, em parte, com o da Itália. As Guerras Balcânicas
foram assim um prelúdio para a Primeira Guerra Mundial.
Um outro motivo existia para que a Rússia se indispusesse com a Alemanha: a cons­
trução da estrada de Ierro álemã que ia de Berlim a Bagdá, porque essa abertura feria
os seus interesses no Oriente Médio. Também a Inglaterra se preocupava com a ex­
pansão alemã no Oriente Médio, tradicionalmente área de influência sua e que come­
çava a ganhar notoriedade pelas suas reservas de petrÓleo. Por essa conjunção de fato­
res, Rússia e Inglaterra, compartilhando um igual descontentamento em relação ao avan­
Um dos primeiros passos dados para se efeti
ço germânico nessa região, assinam um acordo para impedi-lo.
var a política das alianças na Primeira Guerra
a França e a Rússia.
foi o acordo militar entre
O documento da época reproduzido abaixo dá
os termos do tratado. As alianças e o agravamento das contradições
Uma política de alianças marca todo o pe­
Convenção militar de 18 de Agosto de 1 892: A França e a Rússia, animadas
dum igual desejo de conservar a paz, e não tendo outro fim senão o de preparar-se ríodo compreendido entre o final do século
para as necessidades duma guerra defensiva, provocada por um ataque das forças XIX e início do século XX e se constitui em
da Tríplice-Aliança contra uma ou outra dentre elas, convieram nas seguintes um dos fatores responsáveis pelo surgimento
disposições: 1 ° - Se a França for atacada pela Alemanha, ou pela Itália apoia­ da Primeira Guerra Mundial, na medida em
da pela Alemanha, a Rússia empregará todas as suas forças disponíveis para
que expressa o aguçamento das contradições
atacar a Alemanha. Se a Rússia for atacada pela Alemanha, ou pela Áustria apoia­
da pela Alemanha, a França empregará todas as suas forças disponíveis para entre os países imperialistas europeus. As­
combater a Alemanha . . . 5° - A França e a Rússia não concluirão a paz separa­ sim, de um lado, a Alemanha assina um
damente. 6° - A presente Convenção terá a mesma duração que a Tríplice­ acordo de amizade com o Império Austro­
Aliança. 7° - Todas as cláusulas acima estabelecidas serão tidas rigorosamen­ Húngaro. Une-se a essa aliança a Itália,
te secretas.
por se sentir ofendida com o fato de a França
(Documentos diplomáticos. Aliança franco-russa) haver tomado a Tunísia, um território que
considerava seu. Esse entendimento rece-
beu o nome de Tríplice Aliança. Por ou­
tro lado, a Inglaterra alia-se com a França, com a qual sempre antagonizara, e as
duas se aliam à Rússia que, por sua vez, por muito tempo considerara-se inimigo
da Inglaterra. A essa aliança deu-se o nome de Tríplice Entente. Países menores
Veja no trecho abaixo como o historiador
se posicionaram em relação a esses dois blocos: Japão, Sérvia, Romênia e Grécia fi­
Luís Cesar B. Rodrigues descreve o aten­ caram ao lado da Entente; Albânia e Bulgária, ao lado da Tríplice Aliança. Entre­
tado que desencadeou a Primeira Guerra tanto, durante o desenrolar do conflito, alguns dos participantes trocaram de posição
Mundial. à medida que seus interesses se modificavam.

( . . . ) Ou11ndo este (o arquiduque


austríaco) , com sua esposa e
demais membros da comitiva, A guerra: pretextos, motivos e intenções
dirigia-se ao edifício da Câmara
Municipal, um primeiro As intenções e objetivos que determinaram o envolvimento dos diversos países nes­
conspirador não conseguiu tirar
se conflito mundial foram, basicamente, os seguintes: a Alemanha desejava eliminar
o revólver do bolso porque havia
muita gente ao seu redor; o a concorrência francesa e inglesa; a Áustria pretendia consolidar seu domínio sobre
segundo entrou em pânico e os tchecos, eslovacos, polacos, sérvios e outros povos que já subjugava; a Inglaterra
nada fez; o terceiro teve pena da queria manter sua hegemonia colonial bem como neutralizar a concorrência alemã nos
esposa do potentado austríaco mercados que conquistara; a França almejava recuperar a Alsácia-Lorena e enfraque­
( . . . ) o quarto foi para casa e o
cer o imperialismo alemão; e a Rússia, obter uma saída para o Mediterrâneo e neutrali­
quinto ( . . . ) lançou uma bomba
que não a.tingiu o alvo, sendo zar a influência austríaca nos Balcãs.
preso . ( . . . ) Depois da recepção Esses desejos já existiam há algum tempo, mas para o desencadeamento do conflito
( . . . ) em virtude de ordens era necessário que surgisse algum dado novo, mesmo que não fosse relevante. Ele veio
-'
erradas transmitidas ao condutor
da região da Bósnia-Herzegovina, sob domínio da Áustria. No dia 28 de junho de 1 9 1 4,
<t: de seu ca.rro, voltou a percorrer
Cl as ruas da cidade, passando em o irmão do imperador da Austria, Francisco Fernando, encontrava-se na cidade de Sa­
z
·::::> frente ao café onde se rajevo, capital da Bósnia-Herzegovina, tentando acalmar os ânimos bosnianos, que não
� encontrava. o sexto conspirador mais suportavam a opressão austríaca. Caminhava por uma rua quando, repentina­
<t: ( . . . ) Este , surpreso em se ver mente, um jovem, destacando-se da multidão que observava o cortejo, dispara dois tiros
a:
a: bem defronte ao carro aberto
u.J contra o arquiduque e sua esposa, ferindo-os mortalmente. Foi este jovem estudante,
::::> ( . . . ) deixou o salão do café,
t9 pisou no estribo do carro e membro de uma organização política clandestina que lutava pela libertação de sua ter­
<t: sacou seu revólver ( . . . ) e ra, o autor do atentado, mas as autoridades e a polícia austríacas concluíram, através
� disparou sobre o arquiduque; em de investigações, que ele fora tramado em Belgrado, capital da Sérvia e foco de mobili­
� seguida, a.pontoú pa.ra. o general zação dos movimentos libertários da Bósnia.
a: Patorek, atingindo a Condessa
CL. A partir desse fato, inicia-se um acirramento gradativo das posições políticas dos
-
Sofia.
(Luís Cesar B. Rodrigues, A países em evidência que radicalizam suas posições em relação ao atentado. Por exem­
140 Primeira Guerra Mundial) plo, a Áustria, contando com o apoio do governo alemão, ameaça declarar guerra à
Sérvia se esta não reconhecer sua participação no atentado. E, no dia 23 de julho, dá Em 1897, os alemães tinham consciên·
cia de que havia uma aliança entre os paí­
um ultimato: que a Sérvia reprima todos os movimentos antiaustríacos em seu territó­
ses que pretendiam impedir a expansão
rio. Recebendo apoio da Rússia, a Sérvia se posiciona pelo não atendimento desta exi­ germânica.
gência, alegando que, se o fizesse, estaria ferindo sua soberania. A partir dessa declara­
ção, os diversos países passarão a expressar seu acordo e desacordo em relação a cada Nós estávamos cercados. O nosso
um dos protagonistas, dependendo da posição que sustentam com os dois blocos. vizinho ocidental, o povo
francês, é o mais agitado, o mais
A França, por exemplo, promete, de imediato, apoio à Rússia. E, quando a Áustria
ambicioso, o mais vaidoso de
efetivamente declara guerra à Sérvia, no dia 28 de julho, a Rússia já começa a mobili­ todos os povos da Europa e ( . . . )
zar os seus exércitos. No dia 1 � de agosto, a Alemanha declara guerra à Rússia, e dois o mais militarista e o mais
dias depois - 3 de agosto - declara igualmente à França: seus planos eram primeiro � nacionalista. Depois da última
derrotar a França para depois enfrentar os russos. No dia 4 de agosto, tropas alemãs guerra franco-alemã, estamos
separados por um fosso ( . . . ) A
invadem a Bélgica que, até então, se mantivera neutra. Nesse mesmo dia, a Inglaterra
leste, estamos rodeados por
declara guerra à Alemanha. E, entre 6 e 1 2 de agosto, França e Inglaterra declaram povos eslavos , cheios de aversão
guerra à Áustria. pelos alemães que os iniciaram
Ao começar a Primeira Grande Guerra Mundial, nem todos os países estavam par­ na civilização superior ( . . . ) Isto
aplica-se aos russos, mais aos
ticipando. Estados Unidos e Itália, por exemplo, só mais tarde se envolveriam. Entre­
checos e sobretudo aos polacos
tanto, algum tempo depois nenhuma nação sustentaria uma posição de neutralidade. ( . . . ) As relações entre alemães e
E, além do saldo de 10 milhões de mortos, esse conflito tornou evidente que as nações ingleses têm variado no decurso
européias já não mais representavam os papéis principais na cena mundial. dos séculos.
(Chanceler·Príncipe de Bulow,
Memórias)

O teatro de operações: inovações bélicas

Ao declarar guerra à França e, imediatamente depois, invadir a Bélgica, a Alema­


nha tentava pôr em prática o seu plano de eliminar todas as fortalezas francesas exis­
tentes ao longo das fronteiras entre esses dois países. E pensa vencer a França no perío­
do de, no máximo, quatro semanas. Comandadas por Von Moltke, as setenta divisões
alemãs passaram pela Bélgica e derrotaram os exércitos franceses. O plano parecia dar
certo. Entretanto, entre 5 e 7 de setembro, na frente ocidental, o p lano germânico fa­
Os soldados alemães não se conformavam
lha à medida que suas tropas não conseguiram mais avançar. Tanto as forças francesas
com a derrota sofrida na batalha do Mar·
como as alemãs firmaram posições de fronteira. Configurava-se uma guerra de posi­ ne, que os obrigou a bater em retirada.
ções que durou até o final do conflito. Entretanto, na frente oriental travavam-se cons­
tantes batalhas. Aí tinha lugar uma guerra de movimento. Os exércitos alemães, co­ - Foi a 9 de setembro, ao
mandados por Hidenburg, vencem várias batalhas contra a Rússia, o que aumenta o começo da tarde, que vimos
chegar um oficial de ligação a
descontentamento do povo russo com o regime czarista.
cavalo: Mudança de posição !
Em 1 9 1 5, a Itália entra na guerra mas ao lado da Entente, pois a França secreta­
-

- Quando a direção nos foi


mente lhe cedera o direito de anexar Trento, Trieste e Fiume em troca do seu apoio. indicada, sentimos na boca a
O Japão também se aliara à França e à Inglaterra; entretanto, sua permanência na guer­ amargura da derrota: para a
ra é muito pequena: combateu apenas contra as posições alemãs na China, mas, ao retaguarda! Praguejando e com
o coração oprimido, os homens
submeter as pequenas colônias germânicas, retirou-se.
começaram a mover os canhões.
Na frente ocidental são utilizadas novas armas e recursos com o intuito de romper Marchávamos para o norte.
a guerra de posições: gases asfixiantes, aviões de ataque com bombas, tanques de guer­ Ninguém sabia para onde íamos,
ra e submarinos - com esta última arma a Alemanha tenta romper o poderoso cerco nem mesmo nós, os oficiais. Para
o norte, nada mais ( . . . ) A fadiga
que as marinhas inglesa e francesa exerciam no litoral de seu país. A utilização de sub­
vincava todos os rostos, a tristeza
marinos proporcionou resultados bastante positivos às forças alemãs, e, ao se fazer uma lia-se em todos os olhos.
avaliação das operações até 1 9 17, se concluirá que, de modo geral, a situação apresentava­ (Gustavo de Freitas, 900 textos e
se um pouco mais favorável para as forças da Tríplice Aliança. documentos de História)

Retirada da Rússia e ingresso dos Estados Unidos

A Rússia vivia uma situação muito particular. Além de sofrer pesadas perdas nas
constantes derrotas frente ao exército alemão, sua situação econômica, política e social,
que já era bastante tumultuada antes da guerra, com o desenrolar do conflito deteriorou­
se rapidamente. E, em novembro de 1 9 1 7, um dos partidos políticos mais populares
- bolchevique - tomou o poder. Uma das bandeiras que ele havia levantado duran­
te o processo revolucionário é que a Rússia deveria abandonar a guerra. Recebendo
apoio de toda a população, que se sentia muito penalizada pelo envolvimento de seu
país no conflito, os novos governantts assinam com a Alemanha o Tratado Brest­
Litovsk, através do qual confirmava a sua retirada da guerra.
Apesar de sua aparente neutralidade, os Estados Unidos demonstraram, durante o 14 1
desenrolar do conflito, sua simpatia para com a Entente: forneceram à França e à In­
glaterra grandes quantidades de armas e significativas somas de dinheiro, alimentos
e matérias-primas. E, temendo que a balança pendesse para o lado contrário, o que
os levaria a perder todos os investimentos feitos, com a desculpa de que submarinos
germânicos haviam afundado alguns dos seus navios, no dia 6 de abril de 1 9 1 7, os Es­
tados Unidos entram em guerra contra a Alemanha.

O fim da guerra: derrota da Alemanha

Com esforço desesperado, o comando germânico tenta reverter a situação iniciando


uma ação monstro contra a França. Fracasso total. E os aliados, sob a direção do gene­
ral Foch, iniciam, no dia 1 8 de julho de 1 9 1 8, uma grande ofensiva: cercam grande
parte do exército alemão que, nesse embate, perde dezesseis divisões. Conseqüente­
mente, os aliados da Alemanha vão sendo, um por um, derrotados . Primeiro cai a Bul­
gária, que capitula incondicionalmente; a seguir a Turquia e, posteriormente, o pode­
Os artigos do Tratado de Versalhes, im­
rosíssimo Império Austro-Húngaro se desmembra, destronando a família dos Habs­
posto pelos vencedores à Alemanha, po­
dem nos dar uma idéia dos custos da
burgo que, por muito tempo, ocupara grande parte da cena européia.
guerra para esse país. O comando germânico se sente isolado. No início desse ano de 1 9 1 8, o presidente
norte-americano já havia formulado um
Art. 45 - Em compensação da destruição das minas de carvão no Norte da plano de paz - os 14 Pontos de Wilson -,
França ( . . . ) (a Alemanha) cede à França a propriedade inteira e absoluta das que propunha a eliminação da políc ia se­
minas de carvão situadas na bacia do Sarre ( . . . ) Art. 49 - A Alemanha renun­
creta alemã e a contenção de sua ambição
cia a favor da Sociedade das Nações (. . . ) ao governo do território (do Sarre).
Ao fim dum prazo de 1 5 anos, a contar da entrada em vigor do presente Trata­ por novos territórios . O Kaiser Guilherme
do, a população do dito território será chamada a fazer conhecer a soberania 11 que, por algum tempo, teimou em conti­
sob que desejaria ver-se colocada ( . . . ) (Efetuado o respectivo plebiscito, a po­ nuar lutando, pouco depois, pressionado pe­
pulação escolheu a soberania alemã, e o Sarre foi devolvido à Alemanha) ( . . . ) lo alto comando para que democratizasse o
Art. 51 - Os territórios cedidos à Alemanha em virtude dos preliminares de
Pa z assinados em Versalhes a 26 de fevereiro de 1871 e do Tratado de Frankfurt regime, implanta algumas reformas, abrin­
de 10 de maio de 1871 (Ai sácia e Lorena) são reintegrados na soberania fran­ do mão de sua posição irredutível. Entretan­
cesa a datar do armistício de 1 1 de novembro de 1 9 1 8 ( . . . ) Art. 80 - A Alema­ to, a situação interna do país já havia se ra­
nha reconhece e respeitará estritamente a independência da Áustria (. . . ) Art. dicalízado e a abertura concedida pelo Kai­
81 - A Alemanha reconhece ( . . . ) a completa independência do Estado tchecos­
ser a essa altura não surtira qualquer efei­
lovaco ( . . . ) Art. 87 - A Alemanha reconhece ( . . . ) a completa independência
da Polônia ( . . . ) Art. 102 - A cidade de Dantzig, com o seu território ( . . . ) é cons­ to. Soldados, marinheiros e operários se
tituída cidade livre e colocada sob a proteção da Sociedade das Nações ( . . . ) Art. amotinavam e faziam greves, dirigidas por
1 1 9 - A Alemanha renuncia, a favor das principais potências aliadas e asso­ líderes socialistas e animadas pela revolução
ciadas (Estados Unidos, Império Britânico , França, Itália e Japao). a todos os que ocorria na Rússia. Sem condições de en­
seus direitos e títulos sobre as suas possessões de além-mar ( . . . ) Art. 1 60 - O
frentar a crise, o Kaiser renuncia. Imedia­
exército alemão não deverá compreender mais de 7 divisões de infantaria e três
divisões de cavalaria ( . . . ) Art. 1 68 - O fabrico de armas, munições e material tamente, instala-se um governo provisório
de guerra ( . . . ) não poderá ser efetuado senão em fábricas ( . . . ) sob aprovação que proclama a República com sede na ci­
dos governos das Principais Potências aliadas e associadas ( . . . ) Art. 1 7 1 - Sao dade de Weimar.
igualmente proibidos o fabrico e a importação pela Alemanha de carros blinda­ Dominado por socialistas moderados -
dos, tanques ou outros engenhos similares ( . . . ) Art. 1 8 1 - As forças da frota
alemã não deverão ir além de 6 couraçados do tipo Deutschland, 6 cruzadores social-democratas -, o novo governo, em 1 1
ligeiros, 12 destróieres, 12 torpedeiros. Nao deverào compreender nenhum sub­ de novembro de 1 9 1 8, decreta seu primeiro
marino ( ... ) Art. 198 - As forças militares da Alemanha não deverão compreen­ ato: seus representantes encontram-se com
der nenhuma aviação militar nem naval ( . . . ) Art. 231 - Os governos a liados e os representantes dos aliados e, na floresta
associados declaram, e a Alemanha reconhece, que a Alemanha e os seus
francesa de Compiegne, assinam a rendição.
aliados são responsáveis, por tê-los causado, por todas as perdas e danos sofri­
dos pelos governos aliados e as sociedades e seus naturais , em conseqüência Este gesto configura-se como o primeiro pas­
da guerra. ( . . . ) Art. 233 - O montante dos ditos prejuízos ( . . . ) será fixado por so para um tratado de paz que, após alguns
(a Comissão de Reparações) ( . . . ) meses, já em 1 9 1 9, foi assinado e recebeu
(Gustavo de Freitas, op. cit.)
o nome de Tratado de Versalhes.
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<(
o
z
. ::::>
� Tratado de Versalhes
<(
a:
a:
w As potências ocidentais não deram muita importância ao plano de paz do governo
::::>
(!J norte-americano quando conheceram o seu conteúdo, pois, aos seus olhos, a Alemanha
<( deveria arcar com todas as responsabilidades. Lloyd George, primeiro-ministro do go­
cr:
w verno inglês, assim se manifestou: Desejo observar que há um assunto sobre o qual os
� 14 Pontos de Wilson nada dizem: é o das reparações devidas aos países invadidos, assim
cr:
a.. como a nossa marinha mercante que tanto sofreu com a pirataria alemã (...). Também
-
temos de falar a respeito das reparações devidas às vítimas da guerra. Essa sua posição
142 representava as de todas as outras potências européias. Por essa razão, reuniram-se em
Versalhes representantes de todos os países envolvidos no conflito, com exceção da Ale­
manha, cujo porta-voz foi impedido de entrar na sala de reuniões. E, em 28 de junho,
redigiram um documento que obrigava o governo germânico a assinar sem sequer dis­
cutir. Se assim não fizesse, seu território seria invadido. Eram esses os pontos principais
do documento, que se configurou como um tratado de paz imposto ao derrotado, pois
não houve negociação: a Alsácia-Lorena passaria a pertencer à França; a região do rio
Reno seria totalmente desmilitarizada; a Prússia Ocidental e Memel, partes do territó­
rio alemão seriam cedidos; as minas de carvão do Sarre passariam a ser exploradas pela
França; as antigas colônias alemãs seriam cedidas à Inglaterra e à França; seu exército
se reduziria a 1 00 mil soldados; seus navios mercantes com mais de 1 600 toneladas
passariam a pertencer aos Aliados, bem como suas locomotivas, vagões e gado; como
indenização, este país deveria pagar 269 milhões de marcos-ouro; estaria proibido de
aliar-se à Áustria ou anexar suas terras; não poderia constituir uma força aérea.
Corno resultado da reunião de 1 9 1 9, em
Versalhes, os países vencedores da guerra
esboçaram um novo mapa político da Eu­
ropa. Com pare o mapa abaixo, que mos­
O mundo do pós-guerra tra a divisão política da Europa depois da
guerra, com o mapa da página 1 39: a Eu­
ropa antes da guerra. Salta aos olhos o
A Primeira Guerra Mundial revelou que a Europa já não era o centro das decisões grande número de novos Estados indepen­
mundiais e que o poder sobre elas havia sido transferido para outras mãos, uma das dentes que surgiram: o desmembrarnen·
to do Império Austro-Húngaro resultou na
quais eram os Estados Unidos. E mais duas novidades esse conflito evidenciou: a gran­
formação da Áustria, Hungria e Tchecos·
de crise do sistema capitalista e o aparecimento de um novo modo de produção a partir lováquia; a Sérvia e Montenegro se uni­
do qual se estabeleceriam relações econômicas que, diferentemente do capitalismo, não ram na formação da Iugoslávia; a Polônia
tinham por princípio a obtenção de lucros. E o novo sistema que esse novo modo de foi reconstituída territorialrnente: recebeu
produção enseja, o socialismo, passa a chamar a atenção do mundo, tanto dos que partes da Rússia, da Áustria e da Alema­
nha; no território russo formaram-se qua­
a ele se opõem e querem destruí-lo, como dos que o admiram e desejam a sua expansão. tro novos Estados independentes: Finlân­
O enredo da história mundial passa agora a ser representado, principalmente, por dia, Letônia, Lituânia e Estônia; a Alema­
dois novos personagens: um representando a nova possibilidade do capitalismo, ou se­ nha foi obrigada a devolver a Alsácia e a
ja, os Estados Unidos; o outro representando uma nova alternativa para as relações Lorena à França e cedeu a Pomerânia e
a Posnânia à Polônia; do Império Turco
sociais, políticas e econômicas - o socialismo, ou seja, a União das Repúblicas Socia­
emergiram mais tarde, após um período
listas Soviéticas. Todas essas evidências e transformações - inclusive o surgimento de controle britânico, o lraque, a Trans­
de novos países como Polônia,Tchecoslováquia, Iugoslávia e Finlândia - que o pri- jordânia, a Arábia Saudita e o lêmen.

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143
As nações vencedoras da Primeira Guerra meiro conflito mundial propiciou, levam o capitalismo, principalmente o europeu, a
se associaram na expectativa de articular
uma grande crise, cujo cerne reside no questionamento das premissas do liberalismo,
uma paz duradoura. Nascia assim a Socie­
dade das Nações ou Liga das Nações.
tanto econômicas como políticas. E se a nova conjuntura política favorece, por um la­
do, o surgimento de governos autoritários e ditatoriais, por outro possibilita importan­
Às Altas Partes Contratantes, tes conquistas democráticas. Alemanha e Áustria adotam constituições liberais; a de­
considerando que, para mocracia inglesa dá mais um avanço, ao estender o direito do voto às mulheres; na
desenvolver a cooperação entre França, a jornada de trabalho foi reduzida para 8 horas.
as nações e garantir-lhes a paz e
a segurança, importa: aceitar
E, no campo das relações internacionais, é feita uma tentativa de se romper com
certas obrigaçoes de não a tradicional diplomacia secreta, considerada uma das c�usas desse conflito. É formada
recorrer à guerra; manter uma sociedade - a Liga das Nações - cujo objetivo seria resolver as disputas entre
abertas e francas relações as nações para se evitar uma nova guerra. Luís Cesar B. Rodrigues, historiador, em
internacionais fundadas na
seu livro A Primeira Guerra Mundial, tece algumas considerações acerca dessa socieda­
justiça e na honra; observar
rigorosamente as prescrições do de: A Liga da Nações passou a aplicar, nas relações diplomáticas, os princípios e práticas
direito internacional , havidas de característicos dos Estados democráticos: discussão pública, deliberação parlamentar e reso­
ora avante como regras de lução das pendências mediante o critério de votação. Na consciência do simples e cotidiano
conduta efetiva dos governos; homem das ruas, a Sociedade das Nações parecia sigmficar a universalização do regime
estabelecer o predomínio da
justiça e respeitar
parlamentar, a definitiva vitória do direito sobre a força e, fundamentalmente, a instaura­
escrupulosamente todas as ção de uma ordem jurídica internacional.
obrigações dos tratados nas O mundo inteiro, depois da Primeira Guerra Mundial, acreditava ter sido aquele
relações recíprocas dos povos o último conflito envolvendo homens, máquinas e destruindo bens materiais e vidas.
organizados.
Contudo, as contradições permaneciam latentes sob o manto de uma aparente tranqüi­
(Gustavo de Freitas, op. cit.)
lidade, embora pequenas fagulhas explodissem aqui e acolá. E, ao assumirem maior
proporção, estas contradições explodem novamente, vinte e cinco anos depois, e de
forma mais violenta ainda.

Exercícios

1 . Sobre a política das Alianças podemos dizer que:


a) a participação da Itália na Tríplice Aliança deveu-se à ocupação da Tunísia pela
Alemanha em 1 882;
b) com interesses relativamente comuns, França, Inglaterra e Rússia formaram a Trí­
plice Entente para se opor à Tríplice Aliança formada pela Alemanha, Itália e Áustria;
c) as crises entre França e Inglaterra levaram a primeira a formar, juntamente com
a Alemanha e Itália, a Tríplice Entente;
d) a formação das alianças entre a França, Alemanha e Inglaterra deveu-se ao fato de
que os interesses da Rússia eram completamente contrários aos destes países.

2. Por que a Primeira Guerra é chamada de gerra imperialista?

3. Por que os Estados Unidos entraram na Guerra?

Respostas Comentadas

1 . O objetivo era eliminar um inimigo comum. Os aliados de cada grupo tinham tam­
bém profundos antagonismos entre si mas que ficavam adiados diante do crescimento
de um "perigo maior". A alternativa correta é a b.

2. A disputa pelos mercados mundiais e principalmente a voracidade das potências


ocidentais pelas colônias caracterizam a Primeira Guerra Mundial como uma guerra
imperialista.

3. Os Estados Unidos haviam investido grande soma de dinheiro (em forma de ajuda)
nos Aliados (França e Inglaterra) . O impasse da guerra obrigou os intesses econôrr
cos americanos a intervirem para salvaguardar seus investimentos.

144

REVOLUÇAO RUSSA

Para termos uma idéia mais clara do significado da Revolução Russa, vamos compará­
la com a Revolução Francesa.
A Revolução Francesa significou, entre outras coisas:
• que a classe dominante não era mais a nobreza (proprietária de terras) , mas sim
a burguesia (comerciantes e donos de manufaturas) ;
• que o modo de produzir as riquezas não poderia ser somente baseado na terra
e na exploração do trabalhador servil, mas nas atividades industriais e na exploração No dia 22 de janeiro de 1905 ocorreu o
do trabalho assalariado; episódio conhecido como "Domingo
Sangrento", que desencadeou a Revolu­
• que o feudalismo estava morto e que o capitalismo era, agora, o novo modo de ção de 1905. Eis como o historiador
produzir as riquezas da sociedade. David Floyd descreve o episódio:
A Revolução Russa, por sua vez, significou:
Muito antes que os
• a criação de um governo com a participação dos operários; manifestantes tivessem atingido
• a substituição do capitalismo pelo socialismo, com a mudança no modo de produ­ a praça, destacamentos de
ção das riquezas; tropas e da polícia fortemente
armados obrigaram os vários
• a tentativa de estabelecer uma sociedade onde as diferenças entre as classes ten­ cortejos isolados a parar. E, uma
dem a desaparecer; vez barrados, receberam ordens
• a tentativa de pôr em prática a teoria elaborada pelos pensadores socialistas Marx para dispersar. Quando se
recusaram a obedecê-las, os
e Engels. soldados atiraram. Primeiro,
foram alguns tiros de festim.
A situação da Rússia Depois, sem esperar por maiores
explicações, atiraram
antes da Revolução imediatamente com munição
verdadeira sobre uma multidão
Em meados do século XIX, a Rússia feudal iniciou sua industrialização. Uma re­ indefesa de homens, mulheres e
crianças . ( . .. )
duzida parcela da burguesia ligada ao czar e aos senhores feudais associou-se a capi­ Esse foi o primeiro grande
talistas europeus para construir estradas de ferro e fábricas, formando ilhas choque entre a monarquia e o
"desenvolvidas" num país agrário e atrasado. Assim, enquanto a maior parte do povo russo no século XX, e
mudou inteiramente a atmosfera
país continuava na "Idade Média" (com o povo dominado pelos senhores de terra política do país. Mais
e controlado pela Igreja Ortodoxa), começavam a crescer cidades (como Moscou e importante ainda que a morte
Petrogrado) em torno de ferrovias. A migração de camponeses pobres para as cida­ dessas desafortunadas pessoas
pelos agentes do czar, no
des, engrossando o exército de reserva, ajudava a achatar os salários e a aumentar "Domingo Sangrento", foi a
o lucro de um reduzido número de capitalistas nacionais e estrangeiros. destruição das ilusões a respeito
Em 1 88 1 , o czar Alexandre 11 foi assassinado por um grupo terrorista que preten­ da monarquia, que teria
grandes conseqüências a longo <(
dia derrubar o regime. O ato isolado não encontrou apoio na população e o czar (/)
prazo. (/)
foi sucedido por Alexandre III, que desencadeou violenta repressão aos opositores (David Floyd - A Revolução de :::::>
1905 in História do Século XX) a:
do governo. Os principais partidos e grupos políticos de oposição tiveram de passar
o
para a clandestinidade: z<(

• os populistas (narodnik) procuravam o apoio das massas camponesas porque jul­ :::::>
.....J
gavam que a passagem para o socialismo se daria sem atravessar o estágio capitalista.
o
Na Rússia, os camponeses viviam em comunidades rurais que ainda não haviam si­ >
w
do modificadas pelas relações capitalistas. a:
Eram de tendências anarquistas e julgavam que, praticando atentados contra ins­ -

tituições e pessoas, o regime seria derrocado. 145


• os social-democratas baseavam seus pensamentos nas teorias de Marx e Engels,

reafirmando a necessidade da transição capitalista para alcançar o socialismo. As­


sim, a revolução na Rússia só seria realizada com a formação da classe operária urbana.
Em 1 894, subiu ao trono o czar Nicolau 11. Durante esse período, a industrializa­
ção cresceu (e, conseqüentemente, o número de operários) , o que aumentou a atua­
ção do clandestino Partido Social-Democrata. Em contrapartida, cresceu também
a repressão da polícia política, que tentava acabar com esse partido.
Por causa da perseguição policial, muitos membros importantes da social­
democracia foram obrigados a emigrar ou a viver na clandestinidade. Entretanto,
mesmo fora de seu país, surgiram importantes líderes socialistas: George Plekanov,
teórico e introdutor do pensamento marxista na Rússia; Vladimir UliaÓ.ov, conheci­
do como Lênin, tido como o mais destacado membro do partido; e Leon Brons­
tein, conhecido como Leon Trotsky.
Esses socialistas fizeram uma reunião em Londres, em 1903 (não podiam fazê-la
na Rússia, pois o Partido Social-Democrata era ilegal e seus membros procurados
pela polícia) . Dessa reunião surgiram duas facções com diferentes idéias a respeito
de como os operários tomariam o poder na Rússia:
A 22 de janeiro de 1905 (. . .) grupos de pes­ • uma achava que se deveria formar um partido capaz de organizar a classe operária
soas juntaram-se em pontos de reunião nos
bairros proletários de São Petersburgo, a ca­ e instaurar a ditadura do proletariado através da luta armada. Essa facção foi majori­
pital do Império Russo. (. . .) Seu destino era· tária, ficando por isso conhecida como bolchevique (que quer dizer maioria);
a grande praça defronte ao Palácio de [n.:: • a outra achava que se deveria formar um grande partido de massas, incluindo a
vemo do czar Nicolau li. Tratava-se de
uma manifestação inteiramente pacífica, burguesia, e participar das atividades políticas (eleições de representantes etc.). Es­
nada pressagiando a carnificina com que sa facção teve menos adeptos e ficou conhecida como menchevique (minoria) .
o dia iria findar e que recebeu na história Lênin era o líder dos bolcheviques, e Plekanov e Martov lideravam os menchevi­
russa o nome de "Domingo Sangrento':
Segue abaixo um trecho da petição do po­ ques. Trotsky, que de início não se filiou a nenhuma das facções, aderiu aos bolche­
vo dirigida ao czar. viques mais tarde.

1 905: o ensaio para a Revolução de 1 9 1 7

Majestade. Nós, trabalhadores e habitantes de São Petersburgo, nossas mulhe­ No início do século XX, a Rússia cza­
res, nossos filhos e nossos parentes velhos desamparados, vimos à vossa presen­ rista resolveu expandir-se ainda mais pelo
ça, majestade, buscar verdade, j ustiça e proteção. Fomos transformados em Oriente. As nações do Ocidente disputa­
pedintes, somos oprimidos, estamos à beira da morte ( ... ) Chegou para nós o
vam a posse de territórios no Oriente, e a
momento em que a morte seria preferível ao prolongamento de nossos insupor­
táveis sofrimentos. Paramos o trabalho e dissemos aos nossos patrões que não Rússia, não querendo ficar atrás, lançou­
recomeçaremos enquanto não aceitarem nossas reivindicações. Não pedimos mui­ se à conquista imperialista da Manchúria,
to: a reduç ao de jornada de trabalho para oito horas, o estabelecimento de um
deparando-se com o jovem e potente im­
salário mínimo de I rublo por dia e a abolição do trabalho extraordinário. ( . .. )
Os oficiais levaram o país à ruína completa e o envolveram numa guerra vergo­ perialismo japonês, o que levou os dois paí­
nhosa. Nós, os trabalhadores, nao temos como nos fazer ouvir sobre a maneira ses à guerra pela disputa da área. A Rússia
como são gastas as enormes somas que nos são retiradas em impostos. ( ... ) Estas
foi facilmente derrotada, e no começo de
coisas, majestade, trouxeram-nos diante de vosso palácio. Estamos procurando
aqui a nossa última salva'çao. Não recusai ajuda a vosso povo. Destruí o muro 1905, desencadeou-se uma onda de revol­
que se levanta entre vós e o vosso povo. tas em seu território.
Ordenai que sejam efetuadas eleições para uma Assembléia Constituinte, sob
forma de sufrágio secreto, igual e universal. Trabalhadores, marinheiros e soldados
Se nao derdes essas ordens e não responderdes às nossas súplicas, morrere­ ficaram indignados com o governo que os
mos aqui nesta praça diante de vosso palácio. havia envolvido numa guerra perdida. O

(David Floyd - Rússia, 1905-12, in A História do Século XX)


governo russo descontentava não só os tra­
� balhadores, mas também a burguesia do
C/) país, que queria oportunidades de parti­
('/)
::> cipar da vida política e dos postos importantes nos ministérios . Esses grupos bur­
0::
gueses organizaram o Partido Constitucional Democrata (cadetes), que lutava pela
o
�� implantação de uma monarquia constitucional.

::> Por outro lado, Leon Trotsky, Stálin e outros líderes do Partido Social-Democrata
...J
o organizavam rapidamente o movimento operário. Uma das grandes inovações desse
> movimento foi o fato de trabalhadores, soldados e camponeses se reunirem em con­
w
0:: gressos, os sovietes, que em russo significa comitês. Trotsky era líder do soviete
- de Petrogrado.
146 Uma onda de greves e manifestações populares se alastrou pelo país. No final do
ano, um grupo de marinheiros se rebelou e tomou o comando de um navio de guer­ Afinal, qual foi o sentido da Revolução
ra, o Encouraçado Potemkin. O povo no porto os apoiou, mas foi violentamente re­ de 1905? Daniel A. R. Filho procura dar

g
primido pela polícia do czar. A cidade de Petro rado quase foi tomada pelos
uma explicação:

revolucionários. O processo de 1905 revelara a


O czar lançou um manifesto à nação, prometendo atender às reivindicações do po­ timidez política da burguesia e
dos setores liberais. Mostrara
vo e criando uma espécie de assembléia legislativa chamada Duma, que congregaria que os operários isolados ni!o
representantes dos trabalhadores e de outras classes sociais. Essa estratégia esvaziou teriam chances de enfrentar
o movimento operário. A Duma acabou totalmente controlada pelo czar, que em 1906 com êxito o Estado. A
convergência dos camponeses e
e 1907 desencadeou violenta repressão aos movimentos operários. Assim, a Revolu­ das nacionalidades nilo-russas
ção de 1905 serviu apenas para dar experiência aos líderes operários. provara-se indispensável para
derrubar o sistema. O processo
de 1905 ainda criara a
experiência dos sovietes. O
A Revolução que abalou o mundo mundo voltaria a ouvir falar
destes órg.!\os de poder popular.
Finalmente, a guerra surgira
como fator determinante na
Em 19 14, os países imperialistas começaram uma guerra pela disputa de territó­
desagregação do regime. A
rios e novos mercados. A Rússia era aliada da França e da Inglaterra e formava com guerra, mais do que as crises
elas a Tríplice Entente. econômicas, fora o grande
�celerador da revolução na
Porém, o país não estava preparado para enfrentar o poderio militar da Alemanha
Rússia. O czarismo saía
e começou a sofrer uma derrota atrás da outra. "Os primeiros meses de luta já haviam vencedor do embate. Mas nao
revelado que a economia russa não seria capaz de satisfazer às demandas impostas pelo extirpara as contradições sociais
que haviam produzido a
conflito armado. Ela foi afetada de imediato pela convocação militar que, ao longo da revolução nem aniquilara os
guerra, afastou 15 milhões de homens produtivos da indústria e agricultura. Rapidamen­ partidos políticos populares.
te, os estoques de armas e munições dos depósitos militares foram consumidos e a indústria (Daniel Aorão Reis Filho-Rússia
(1 917-192 1): Os anos vermelhos.)
não conseguiu superar as perdas." (Rússia na Guerra - A. Grunt)
O fato de a Rússia ter entrado na I Guerra Mundial acelerou o colapso da estrutu­
ra econômica e social que levaria o povo a se revoltar.
Em fevereiro de 1917, a crescente miséria levou o povo a se amotinar nas cidades,
nos campos e nas frentes de batalha. A princípio, o Exército se manteve fiel ao czar,
reprimindo os manifestantes nas ruas. Mas logo os próprios soldados aderiram à causa
popular. Em março de 1917, o czar Nicolau II foi deposto.
Setores liberais da burguesia russa tomaram o poder, apoiados pelos menchevi­
ques, que defendiam a aliança dos proletários com a burguesia. Formou-se um Go­
verno Provisório, liderado por Lvov, um prmcipe liberal, e por Kerenski, trabalhista
ligado aos mencheviques. Quando ocorreram as revoltas de feverei­
Com a Revolução de Fevereiro, os exilados que estavam na Sibéria e no exterior ro de 1917 e a queda do czar, Lênin
encontrava-se em Zurique de onde retor­
começaram a chegar em massa à cidade de Petrogrado, onde encontraram um sovie­
nou com a mulher e alguns camaradas
te já organizado com várias plataformas políticas. à Rússia. No texto abaixo Edmund Wil­
O Governo Provisório sabia que os sovietes representavam uma ameaça. Nos pri­ son descreve a chegada de Lênin.
meiros dias, os sovietes não chegaram a en­
Uma grande aclamação brotou de uma multidã.o que se formava ao redor da
trar em choque aberto com o governo. Co­ plataforma. "O que é isso?", perguntou Lênin, dando um passo atrás. Disseram­
mo a maioria dos delegados era marxista, lhe que eram as boas-vindas dos trabalhadores e marinheiros revolucionários:
eles acreditavam que estavam passando pe­ haviam gritado a palavra "Lênin". Os marinheiros apresentaram armas, e seu
comandante apresentou-se a Lênin. Cochicharam-lhe que queriam ouvi-lo fa­
la fase burguesa da revolução. Poucos jul­
lar. Lênin deu alguns passos e tirou o chapéu-coco. Começou: "Camaradas ma­
gavam ser possível uma revolução prole­ rinheiros, eu os saúdo sem saber ainda se vocês têm acreditado ou não em todas
tária naquele momento. E por isso muitos as promessas do Governo Provisório. Porém estou certo de que, quando eles lhes
falam com palavras açucaradas, quando prometem mundos e fundos, estão en­
membros dos partidos empenharam-se em ganando a vocês e a todo o povo russo. O povo precisa de paz; o povo precisa
colaborar com o Governo Provisório, que de pã.o; o povo precisa de terra. E eles lhes dao guerra, fome, nada de pão -
<(
representava os interesses da burguesia li­ deixam os proprietários continuarem controlando a terra. ( ... ) Precisamos lutar CJ)
pela revoluçao social, lutar até o fim, até a vitória completa do proletariado. Vi­ CJ)
beral. Essa, por exemplo, era a opinião de va a revolução social mundial !" ::J
Stálin, importante membro dos bolche- a::
(Edmund Wilson - Rumo à Estação Finlândia) o
v1ques. 1<(
Em abril,essa tendênciacomeçou a mu U·
::>
dar devido ao descontentamento dos so- .....J
o
vietes e à chegada de Lênin a Petrogrado. Assumindo a causa dos trabalhadores, >
w
Lênin passou a criticar o governo. a:
Lvov e Kerenski insistiam em manter a Rússia na guerra e não pensavam em fazer -
reforma agrária. Quando emitiam uma ordem, os sovietes a discutiam e não a obe- 147
deciam. Nas ruas das principais cidades da Rússia e principalmente em Petrogrado
se perguntava quem realmente mandava: o Governo Provisório ou os sovietes de sol­
dados, marinheiros e operários.
Em julho, os chefes da facção bolchevique tentaram tomar o poder, mas foram der­
rotados. Kerenski assumiu o controle do governo e continuou com a política impo­
pular de manter a Rússia na guerra e não fazer a reforma agrária. Enquanto isso,
líderes como Lênin, Trotsky e outros organizaram os sovietes para derrubar o gover­
no. O Partido Bolchevique tomava-se cada vez mais popular, pois propunha que a
Rússia saísse imediatamente da guerra, implantasse a reforma agrária e distribuísse
alimentos para a população.
O governo de Kerenski aos poucos foi perdendo as bases de apoio. Enquanto isso,
Trotsky organizava um exército popular (a Guarda Vermelha) para tomar o poder,
e Lênin se encarregava de organizar um novo governo.
No dia 7 de novembro (25 de outubro pelo antigo calendário ortodoxo russo), tra­
balhadores, marinheiros e soldados da cidade de Petrogrado tomaram de assalto os
prédios do governo. Kerenski conseguiu fugir. Era preciso formar imediatamente
um órgão que representasse os interesses da maioria e substituísse o antigo governo1
Então, por inspiração de Lênin, formou-se o Conselho dos Sovietes, que tomou
Lênin leu o rascunho de um apelo do go­ medidas rígidas para defender os interesses da maioria contra a possível reação de
verno soviético a todas as nações em
guerra, propondo imediatas negociações elementos ligados ao antigo regime.
para uma paz justa e democrática. O Conselho dos Sovietes propôs o programa bolchevique:
• saída da Rússia do conflito mundi l:

Eram exatamente 10h35 quando Kamenev pediu a todos que estivessem a favor da ' 'A questão da paz é a questão primord'ial,
proclamação que erguessem seus cartões. Um dos delegados ousou levantar a mão
em protesto, mas a súbita explosão a seu redor fê-lo sem demora baixá-la... Unânime.
a questão mais premente deste momento'' (Lê­
De repente, como que num mesmo impulso, vimo-nos de pé, murmurando, jun­ nin). Para concretizar a paz foi enviada
tos, até alcançar o crescente uníssono da Internacional. Um velho soldado gri­ uma delegação de soldados comissários à
salho soluçava como uma criança.
..."A guerra terminou! A guerra terminou!" exclamou um jovem operário a meu
cidade de Brest-Litovski, onde, em março
lado, com o rosto iluminado. E quando tudo terminou, e permanecíamos numa de 1918, assinou-se um armistício através
espécie de desajeitado silêncio, alguém gritou: do qual a Rússia se comprometia a fazer
"Camaradas, lembremo-nos daqueles que morreram pela liberdade!" Então
começamos a cantar a Marcha Fúnebre, aquele lento, melancólico porém triunfal
várias concessões de territórios à Alema­
cântico, tão russo e tão comovente. (John Reed - Dez dias que abalaram o mundo) nha em troca do cessar-fogo;
• confisco de terras pertencentes a grandes

proprietários e nobres, que foram distri­


buídas entre os camponeses pobres. Foram, assim, abolidos os direitos de proprie­
dade latifundiária, imediatamente e sem quaisquer compensações (Decreto da Terra).
Toda a terra foi declarada propriedade do povo.
• concessão de autodeterminação aos povos que até essa época haviam sido domina­

dos pela Rússia czarista (Finlândia, Geórgia, Armênia etc.);


• nacionalização das grandes indústrias, que passaram a ser dirigidas por seus ope­

rários.
Em julho de 1918 foi promulgada uma Constituição provisória estabelecendo o
regime socialista no país, que depois passou a chamar-se União das Repúblicas So­
cialistas Soviéticas.

Guerra civil: a reação


contra-revolucionária
<{
(/)
(/)
::::> Ao estudarmos a Revolução Francesa vimos que, quando a burguesia tomou o po­
c:
der, a nobreza não aceitou o fato e lutou desesperadamente para reavê-lo.
o
l<{ O mesmo ocorreu na Rússia em 19 19; primeiro a aristocracia e depois a burguesia
U· haviam sido excluídas do poder e queriam, a todo o custo, retomá-lo com o auxílio
::::>
_. de outros países.
o
> Quando os bolcheviques tomaram o poder, os partidários do czarismo, conheci­
UJ
a: dos como Exército Branco, organizaram-se para esmagar a revolução.
- Para combater a contra-revolução, Trotsky foi nomeado Comissário do Povo para
148 a Defesa e liderou o Exército Vermelho na luta contra os rebeldes do Exército Branco.
Na área econômica, Lênin estabeleceu o "comunismo de guerra", ou seja, o di­ Logo após a Revolução de Outubro,
Trotsky organiza o Exército Vermelho e
reito de o governo confiscar gêneros alimentícios para enfrentar a guerra. após três anos de luta consegue a vitó­
Nesse momento, outros países, vendo o perigo qué o socialismo representava para ria. No texto que segue Trotsky relata a
suas classes dominantes, organizaram exér- situação de perigo em que se encontra­
va a Rússia.
citos para intervir em favor dos brancos .
' 'Voluntários' ' franceses, ingleses, japone­ A primavera e o verão de 1 9 1 8 foram tempos extremamente difíceis. Só então
se fizeram sentir integralmente as conseqüências da guerra. Por momentos, tinha­
ses, tchecos, ucranianos e finlandeses se a impressão de que tudo escorregava, pulverizava-se, a sensação da impossi­
infiltraram-se no país para lutar contra o bilidade de agarrar-se, de apoiar-se em alguma coisa. Chegava-se a indagar se
jovem Estado socialista. o país esgotado, arruinado, reduzido àquela situação desesperada, teria bastan­
te vitalidade para sustentar o novo regime e salvar a sua independência. Falta­
Tropas francesas desembarcaram em vam víveres. O Exército não existia mais. Os serviços públicos a custo se
Odessa e tomaram a Criméia e o leste da reorganizavam. E por toda parte fermentavam conspirações.
Ucrânia, os ingleses se dirigiram para Pe­ No oeste, os alemães tinham se apoderado da Polônia, da Lituânia, da Letônia, da
Rússia. ( . . . ) No Volga, os agentes da França e da Inglaterra sublevaram um corpo de
trogrado, os japoneses, alemães e tchecos tchecoslovacos, antigos prisioneiros de guerra. ( . . . ) Estavam entre o martelo e a bi­
ocuparam a Sibéria, e os franceses, alemães gorna. Ao norte, franceses e ingleses se tinham apoderado de Murmansk e de Ark­
e poloneses ocuparam o oeste da Ucrânia. hangelsk, ameaçando avançar até Vologda. Em Iaroslav houve um levante de guar­
das brancos, organizado por Savinkov sob as ordens do embaixador da França e do
Aos poucos, o Exército Vermelho con­ encarregado de negócios da Grã-Bretanha. ( . . . ) No sul, no Don, eclodiu uma revol­
seguiu vencer os invasores . No início de ta chefiada por Krasnov, então diretamente ligado aos alemães. Os social-revolucio­
192 1 Já não existia mais resistência e a re­ nários de esquerda organizaram uma conspiração em julho, assassinaram o embai­
xador alemão em Moscou (Conde Mirbach) e tentaram provocar um levante de tro­
volução socialista estava consolidada em to­ pas a leste. Queriam obrigar-nos a fazer guerra à Alemanha. A frente da guerra civil
do o país. tornava-se cada vez mais um anel que se estreitava em torno da região de Moscou.

(L. Trotsky - Relatos da Guerra Civil, in História do Século XX)

A reconstrução
Um dos maiores especialistas da Revo­
A guerra civil afetara drasticamente a já abalada economia da URSS. Campo, in­ lução Russa foi o historiador inglês E. H.
Carr. Ele fala das implicações da NEP
dústria e comércio estavam paralisados. Era preciso tomar medidas rápidas.
na economia soviética.
Em fevereiro de 192 1 , sob a orientação
A semeadura de 1922 foi ampla. As colheitas daquele ano e de 1 923 foram exce­
de Lênin, formou-se a Comissão Estatal lentes e pareciam anunciar um renascimento da agricultura soviética: pequenas
para o Plano Econômico, que em março quantidades de cereais foram até mesmo exportadas. Observou-se que a NEP, rein­
adotaria a Nova Política Econômica troduzindo no campo os processos do mercado, inverteu as políticas de nivela­
mento do comunismo de guerra e estimulou o reaparecimento do camponês rico
(NEP), restaurando algumas medidas ca­ ou kulak, como a figura-chave da economia rural. O camponês pobre produzia
pitalistas, como, por exemplo, a permissão para a subsistência própria e de sua família. Consumia o que produzia; se procu­
de entrada de capitais estrangeiros, a for­ rava o mercado, era mais freqüentemente como comprador do que como vende­
dor. O kulak produzia para o mercado e tornou-se um pequeno capitalista; foi
mação de pequenas indústrias privadas e essa a essência da NEP. O direito de arrendar terra e contratar mão-de-obra, teo­
de pequenas e médias propriedades agrí­ ricamente proibido desde os primeiros dias de regime, foi concedido com algu­
colas. Ficavam nas mãos do Estado as in­ mas restrições formais, pelo novo código agrícola de 1922. Mas enquanto os
camponeses tivessem alguma coisa para comer, e proporcionassem suprimentos
dústrias de base e o sistema bancário. suficientes para alimentar as cidades, poucos, mesmo entre os mais dedicados
Muitos líderes da.revolução acreditavam membros do partido, tinham pressa em questionar o abandono dos princípios e
que o socialismo se espalharia imediata­ ideais da revolução, os quais haviam proporcionado esses resultados felizes. Se
a NEP pouco, ou nada, fez para ajudar a indústria ou o trabalhador industrial,
mente pelo resto da Europa. Trotsky era e menos ainda para promover a causa de uma economia planificada, esses pro­
mais radical: achava que os exércitos rus­ blemas poderiam ser transferidos, sem risco, para o futuro.
sos deveriam levar a revolução para outros
(E. H. Carr - A Revolução Russa de Lênin e Stálin)
países, da mesma forma que os exércitos
franceses haviam feito há mais de um sé-
culo (teoria da "revolução permanente").
Outros, como Stálin, achavam que o socialismo deveria se consolidar primeiro na
<(
URSS e depois se espalhar ("socialismo num só país"). (f)
(f)
Quando Lênin morreu, em 1924, iniciou-se uma intensa disputa pelo comando da ::::>
a:
URSS entre Stálin e Trotsky, levando o primeiro ao poder. Stálin governaria o país
o
de forma ditatorial até meados dos anos 50. z <(
No plano econômico, Stálin continuou a orientação de Lênin, que em 192 1 havia U·
:::>
criado o GOSPLAN (uma espécie de ministério do Planejamento) e elaborado um ......J
o
plano geral para reerguer a vida material do país. >
w
Em 1928, iniciou-se o primeiro Plano Qüinqüenal, que tinha como objetivo esti­ a:
mular a indústria de base e coletivizar a agricultura. -

A diferença entre esse planejamento e o capitalista é que, no primeiro, faz-se o 1 49


planejamento da produção e do consumo, enquanto no segundo se planeja a produ­
ção sendo o consumo realizado somente por aqueles que têm recursos.
O plano de coletivização da agricultura, posto em prática por Stálin, encontrou
forte resistência por parte dos pequenos proprietários que haviam recebido terras
na época da revolução, Stálin resolveu o problema utilizando a violência. Milhares
de pessoas foram mortas ou enviadas a campos de concentração nos desertos gelados
da Sibéria.
Na indústria foi dada prioridade à produção de bens de equipamentos (máquinas,
siderurgia, metalurgia) em detrimento dos bens de consumo. Quando o primeiro
Plano Qüinqüenal chegou ao fim, os resultados foram satisfatórios. A URSS estava
se transformando num país industrializado; do ponto de vista econômico era uma
potência mundial.
O Plano Qüinqüenal nas palavras de
Stálin:
Exercício
O papel essencial do plano
qüinqüenal consistia em
transformar a URSS de país
(CESGRANRIO) Considerando-se as diferentes etapas do processo global da Revo­
agrário e débil, que dependia lução Russa iniciada em 1917, é possível afirmar-se que os períodos do "Comunis­
dos caprichos dos países mo de Guerra" e da NEP (Nova Política Econômica), embora diferentes entre si,
capitalistas, num país industrial
e poderoso, perfeitamente livre
foram decisivos para a vitória dos bolcheviques, porque:
e independente ( . . . ) Consistia I. O "Comunismo de Guerra" resultou das exigências de uma profunda crise pro­
( . . . ) em eliminar até ao fim os vocada pela guerra civil e da tentativa de implantar rapidamente uma nova sociedade;
elementos capitalistas ( . . . ) e em
criar uma base econômica para Il. A NEP caracterizou-se pelo desenvolvimento da indústria pesada e pela coletivi­
a supressão das classes na zação da produção agrícola, após a liquidação dos "kulaks";
URSS, para a construção duma III. Tendo sido uma imposição ideológica dos setores anarquistas, o "Comunismo
sociedade socialista ( . . . )
Consistia em criar ( . . . ) uma
de Guerra' ' fracassou ao abandonar a concepção leninista da necessidade de uma
indústria capaz de reequipar e ditadura do proletariado na transição para o socialismo;
reorganizar, sobre a base do IV. Conciliando os princípios e objetivos da edificação do socialismo, com um certo
socialismo, não somente a
indústria no seu conjunto, mas número de concessões à pequena produção e ao pequeno comércio, a NEP permitiu
também os transportes e a uma rápida recuperação econômica.
agricultura ( . . . ) Consistia em Assinale:
fazer passar a pequena
economia rural pulverizada para a) se apenas as afirmativas I e II estiverem corretas;
a via da grande economia b) se apenas as afirmativas I e IV estiverem corretas;
colectivizada, assegurar assim a c) se apenas as afirmativas I e III estiverem corretas;
base econômica do socialismo
no campo e liquidar, pois, a d) se apenas as afirmativas II e IV estiverem corretas;
possibilidade de restauraçao do e) se apenas as afirmativas II e III estiverem corretas;
capitalismo ( ... ) Enfim, o papel
do plano ( . . . ) consistia em criar
no país todas as condições Resposta
técnicas e econômicas
necessárias para elevar ao O "Comunismo de Guerra" envolveu uma série de medidas radicais como a ex­
máximo a capacidade de defesa
do país, para permitir-lhe propriação da indústria, o monopólio de cereais, a organização das propriedades co­
organizar uma resposta vigorosa letivas de produção e consumo, adotadas pelo governo bolchevista para fortalecer
a todas as tentativas de a Revolução ameaçada pela guerra civil e pelo ataque de tropas dos países conserva­
intervenção armada ( . . . ) de
agressao armada do exterior, dores. A NEP propunha uma economia mista de socialismo e capitalismo (liberdade
viessem donde viessem. de comércio, estímulo à pequena indústria, apoio à pequena propriedade e controle
(Gustavo de Freitas - op. cit.) estatal sobre toda a propriedade) para poder enfrentar a desagregação econômica em
que se encontrava o país. Portanto, a alternativa correta é a b.
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1 50
I

O PERIODO
ENTRE GUERRAS

Os EUA depois da I Guerra Mundial


As perdas materiais e humanas dos EUA na I Guerra foram insignificantes com­
paradas às de seus aliados europeus.
Países como a Itália, a França e a lnglatetra ficaram devendo aos EUA grandes
somas em dólares, decorrentes dos empréstimos e vendas de armas e alimentos. As
reparações de guerra que a Alemanha passou a pagar à França e à Inglaterra iam
diretamente para o tesouro do governo norte-americano.
Essa acumulação de riquezas gerou um alto índice de crescimento da indústria
O historiador Leo Huberman demons­
e da agricultura. Na década de 20, os EUA conheceram um período de euforia e tra, com números, o desenvolvimento
prosperidade que sugeria ao resto do mundo que o modelo americano de vida (ame­ da economia americana até 1929.
rican way o! life) era o melhor possível.
As grandes indústrias americanas não
Em 1900 calculava-se que os Estados Unidos dispunham de 86 bilhões de
paravam de produzir. Tudo era consumi­ dólares.
do. Os automóveis eram vendidos a prazo. Em 1929 calculava-se em 361 bilhões.
O período que ia desde a Guerra Civil até 1900 foi de grande expansão. Mas
Em 1929, um em cada cinco habitantes dos a expansão de 1900 a 1929 foi tão tremenda que fez parecer que nos anos ante­
EUA tinha automóvel, enquanto na Euro­ riores o país estivera estagnado. Por exemplo, analisemos estes dados que mos­
pa a proporção era de um para 95. Em tram a porcentagem de lucros, em valores acarretados pela manufatura, de
algumas indústrias principais, entre 1899 e 1927:
1926, os americanos ouviam os mais varia­
dos programas pelos mais de sessenta mi­ Produtos químicos etc. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. 239%
Couros e derivados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 1 %
lhões de aparelhos de rádio. Produtos têxteis e derivados .
. . . . . . . . . . . .. ...
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 449%
As cidades cresciam graças à aplicação Produtos alimentícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. 55 1 %
de capital que se fazia no setor imobiliá­ Máquinas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 562%
Papel e impressao .
. . . . . . . . . . . . . . . . ... ... . ....
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 614%
rio. Grandes edifícios surgiam da noite para Aço e derivados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 780%
o dia onde antes havia pequenas e modes­ Transporte e equipamentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . 969%
tas casas. Toda essa riqueza foi fruto do tra­ Esses são os dados relativos a apenas algumas indústrias selecionadas. Na ma­
balho dos operários americanos. nufatura como conjunto, estas informações também são reveladoras.
Esse levantamento de 1 899 e 1914 refere-se às fàbricas (com exceçao dos arti­
Os EUA haviam se transformado no país gos feitos à mão e similares) cujos produtos eram avaliados em menos de 500
mais forte e mais rico do mundo, a quem dólares; em 1929, fábricas cujos produtos eram avaliados em mais de 5 mil dólares.
todos deviam dinheiro. Em 1925, cerca de Na passagem do século os Estados Unidos já estavam liderando a manufatura (/)
em todo o mundo; 29 anos depois, nenhum outro país sequer o seguia de muito <l:
1/3 da indústria canadense, por exemplo, perto. E não foi só na manufatura que os Estados Unidos conseguiram as outras ex:
era constituída por capitais norte-ameri­ especialidades também. Os 300 anos que medearam entre os primeiros esforços ex:
w
canos. de colonizaçao e 1929 foram anos de expansão econômica - anos em que hou­ ::::>
ve um aumento crescente na quantidade de produtos e de serviços oferecidos (.?
Quando os países da Europa quiseram ao povo do país. O levantamento constante do nível de vida alcançou o ponto w
se defender da invasão de mercadorias máximo em 1920, década de prosperidade nunca igualada. ex:

americanas, fazendo-as pagar altos impos­ A América dos começos do século 1 7 era muito diferente da América dos tempos z
áureos de 1929. Aquilo que havia sido uma região inóspita habitada apenas pe­ w
tos alfandegários, os capitalistas dos EUA los selvagens e animais bravios tinha se transformado no país mais rico do mun­ o
passaram a se associar às empresas euro­ do. A transformaçao que se passou durante esses 300 anos foi um êxito tão c
péias, burlando o protecionismo. Assim, completo que, se fosse escrita sua história, entusiasmaria o antigo escritor de .o
romances sensacionais. E ele provavelmente daria à sua história o título de "De ex:
a General Motors aliou-se à companhia w
esfarrapado a endinheirado. " a..
Opel, que produzia metade dos automó­ o
veis da Alemanha, e a Ford instalou várias (Leo Huberman
�------�
N6s, o Povo) -
-
fábricas em alguns países da Europa. 151
No plano das relações exteriores, o período ficou caracterizado pela chamada polí­
tica do isolacionismo. Isso significava que os EUA não interfeririam nos conflitos
políticos dos países europeus. No entanto, em relação à América Latina, a política
norte-americana era bem outra. Para defender seus interesses econômicos, os Estados
Unidos chegaram a intervir militarmente em vários países.
Os EUA haviam se transformado em país capitalista modelo que, sem revoluções,
poderia acabar com a pobreza. No entanto, em outubro de 1929, em alguns dias, com
o estouro da Bolsji de Valores de Nova York, tudo entrou em colapso: começava a
crise do capitalisxho.

Como aconteceu a crise?

A crise de 1929 foi caracterizada pela superprodução. As indústrias haviam pro­


duzido mercadorias acima da capacidade de absorção do mercado. Paralelamente,
gerou-se grande especulação nas bolsas de valores . O valor das ações passou a não
corresponder ao capital das empresas. Depois de um período de euforia, as ações
das grandes companhias começaram a baixar até não valerem quase nada. No dia
24 de outubro de 1929 (quinta-feira negra) a Bolsa de Valores de Nova York que­
brou, isto é, ninguém conseguiu vender suas ações, pois não valiam nada. A quebra
da Bolsa levou muitos bancos à falência. O preço dos produtos agrícolas foi baixan­
do cada vez mais, arruinando granjeiros e fazendeiros.
As grandes indústrias diminuíram a produção e as médias e pequenas indústrias
faliram. Aos poucos, os EUA tinham mais gente desempregada do que empregada.
Era o caos total. Explodiram revoltas. A fome era uma constante nas casas dos operá­
rios e pequenos agricultores.
O sistema capitalista, ao longo de sua
Quais haviam sido as causas da crise de 1929? Só havia uma causa - o sistema
existência, tem passado por constantes cri­
de produção . Todas as explicações em termos de sistema monetário, especulação,
distribuição de riquezas, progresso tecnológico, desaparecimento das fronteiras, ses; essa foi uma delas e a mais aguda. Mas
efeitos retardados da Primeira Guerra Mundial, e mais cem outros motivos que porque acontecem essas crises? No siste­
os economistas tentam encontrar, perdendo assim o seu tempo, não atingem o obje­
ma capitalista, as coisas são produzidas
tivo. Porque eles confundem os sintomas com a moléstia. Sim, havia qualquer coisa
errada no sistema monetário. Certamente que tinha havido muita especulação. visando primeiro ao lucro e depois à ne­
A renda era mesmo mal distribuída. Não havia dúvida que o progresso tecnológi­ cessidade do consumidor. Portanto, produ­
co tinha se desenrolado numa velocidade nunca vista. ( . . . ) Havia uma única doença
de que sofria a América: capitalismo, em sua forma mais aguda e concentrada .
zem-se mercadorias que dão lucro. Os sa­
A América era o país mais rico do mundo. O s bancos e corporações americanos lários não sobem na mesma proporção da
eram os maiores do mundo. Em nenhum outro lugar os Grandes Negócios esta­ produção. Isso faz chegar a um momento
vam mais firmemente entrincheirados. Em nenhum outro lugar o processo de con­
centração tinha ido tão longe . Em nenhum outro lugar havia fortunas tão grandes.
em que não se têm dinheiro para comprar
E junto com o nababo, havia o lazarento. os produtos. Em conseqüência, os preços
O país mais rico do mundo tinha cortiços que podiam competir com os piores começam a baixar e mesmo assim os pro­
do Velho Mundo. Os negros, que constituíam quase um décimo da população,
dutos ficam armazenados, pois as pessoas
estavam em situação tão precária nas cidades grandes como nas fazendas, onde
a escravidão não era somente uma lembrança do passado. Os trabalhadores es­ não têm dinheiro nem para comprar bara­
tavam sempre sendo levados a trabalhar mais e mais, pelo mesmo salário, ou to. As indústrias fecham, os operários são
por um salário menor ainda. ( . . . )
As pessoas necessitam de pão, roupas, sapatos, lugar para morar. Precisam au­ despedidos. Mais gente sem poder com­
CJ) tomóveis, rádios, refrigeradores elétricos. Mas não têm dinheiro para comprar essas prar, e a crise aumenta. Qual a solução que
<(
c:
coisas. Isso acontecia até mesmo nos áureos tempos de 1929, o ano máximo da pros­ os EUA encontraram para o problema?
c: peridade. E foi mesmo um ano próspero, mas apenas para alguns. Para muitos,
LU mesmo o ano mais rico , do país mais rico do mundo, foi tudo, menos próspero.
::::> Isto fica amplamente comprovado ( . . . ) na mensagem do presidente Roosevelt
(!)
, LU
ao Congresso. Desmascara a idéia largamente difundida de que os fartos dividendos O New Deal
c: provindos de ações, estavam sendo entregues ao povo. "O ano de 1 929 foi um ano
t­ simbólico pela distribuição de propriedade de ações. Mas nesse ano 3/l O de l o/o
z
LU
de nossa populaçào recebia 78% dos dividendos atribuídos a indivíduos. Isto tem O descontentamento dos operários e da
o mesmo efeito, por assim dizer, da situaçào seguinte: se uma pessoa em cada 300,
o da população, recebesse 78 centavos de cada dólar de dividendos, enquanto as classe média com a crise e a política do go­
o outras 299 pessoas teriam de dividir entre si os restantes 22 centavos. ( . . . ) verno republicano acabou levando o demo­
o
c: "Em 1 929 havia 504 super-milionários no topo da pirâmide, os quais tinham uma crata Franklin Delano Roosevelt ao poder
LU renda conjunta líquida de ( . . . ) 1 . 185.000.000 de dólares. Isto para 504 pessoas. Elas
a_ poderiam ter comprado, com sua renda líquida, todo o trigo e algodão produzido em em 1932. O novo presidente propôs um
o 1 930. Em outras palavras, havia 504 homens que faziam mais dinheiro em um ano plano econômico para recuperar a indús­
- que todos os plantadores de trigo e algodão nesta grande terra de democracia. (. . . ) tria, o comércio e a produção de alimen­
(Leo Huberman - op. cit.)
1 52 tos, dando alguma esperança aos quinze
milhões de desempregados. As reformas do
Desemprego Orçamento federal
presidente Franklin Roosevelt transforma­ (em milhares)
(milhões de dólares)
déficit superávit
ram totalmente as velhas concepções de po­
lítica econômica. Roosevelt deu o golpe de
misericórdia no liberalismo e1inaugurou a
era do capitalismo monopOlista.
A política de reform-as do presidente
Roosevelt, que ficou conhecida como New
Deal, isto é, · "nova distribuição" (de ren­
da) , baseava-se em várias medidas práti-
cas:
• amplo programa de obras públicas (estradas, hidrelétricas etc.) para dar emprego Os dados estatísticos acima
aos operários; demonstram a extrema gravidade da
situação econômica dos Estados
• pagamento de indenizações para fazendeiros destruírem parte da produção, fazen­ Unidos dos anos 1930 a 1938, assim
do os preços subirem; como sua lenta recuperação.
• instituição do seguro-desemprego (Social Security Act), para ajudar os desem­
pregados;
Trechos de discursos de Roosevelt ex­
• estímulo à recuperação das indústrias plicando as propostas do New Deal.
(National Industrial &covery Act), que pre-
via o aumento de salários e a diminuição
das horas de trabalho semanais, fazendo
Chegou o dia da administração esclarecida ( . . . ) Felizmente, os tempos indi·
com que o poder aquisitivo do povo au­ carn que a criação de tal ordem não é apenas a mais própria política de gover·
mentasse e restaurando seu poder de no, como também constitui a única linha de segurança para a nossa estrutura
compra. econômica. Sabemos, agora, que essas unidades econômicas não podem exis·
tir, a menos que a prosperidade seja uniforme, isto é, a menos que o poder aqui·
Além dessas medidas, a política de re­ siti vo seja bem distribuído por todos os grupos da nação.. É por isso que mesmo
construção de Roosevelt propunha uma no­ a mais egoísta empresa, em seu próprio interesse, deveria alegrar-se por ver
va relação entre os empregados (operários) os salários reajustados e o desemprego extinto, por trazer o fazendeiro do Oeste
de volta ao seu costumeiro nível de prosperidade, e garantir uma permanente
e os capitalistas (patrões). Através do Na­ segurança a ambos os grupos. ( . . . )
tional Labour Relactions Act, os trabalha­ Os valores encolheram atingindo níveis baixíssimos; os impostos subiram; nossa
dores receberam garantias de exercer o capacidade de pagar caiu; o governo enfrenta urna séri a reduç ão de renda; os
meios de troca estão congelados nas correntes de comércio; as folhas érrantes
direito de greve. Foi nesse período que sur­ do empreendimento industrial jazem por toda parte; os agricultores não encon­
giu o CIO (Congress of Industrial Organi­ tram mercado para os seus produtos; as economias de muitos anos , em milhares
zation), a grande central sindical que anos de famílias, desapareceram. Mai s importante ainda, urna multidão de cidadãos
desempregados enfrenta o duro problema da existência, e em número também
mais tarde se fundiria a AFL (American Fe­ grande batalha com salário insuficiente. Somente um tolo otimista pode negar
deration ofLabour), a outra grande central as negras realidades do momento ( . . . ). Finalmente, na nossa progressão no ru·
sindical. mo da volta ao t rabalho , necessitamos de duas garantias contra os erros da ve·
lha ordem: deve haver uma estrita supervisão de todos os bancos, créditos e
investimentos, de modo que termine a especulação com o dinheiro dos outros,
e deve haver a provisão de uma adequada e sólida moeda ( . . . ). Nossas relações
comerciais internacionais, embora muito importantes, do ponto de vista de tem·
po e necessidade são secundárias para o estabelecimento de uma sólida econo·

A crise e a Europa mia nacional. Não pouparei esforços para restaurar o comércio mundial por meio
do ajustamento econômico internacional, mas a emergência doméstica não po·
de aguardar esses acontecimentos.

(L. M. Hacker - O New Deal de Roosevelt apud J. J. Arruda - História Moderna


A Inglaterra e a França foram os gran­ e Contemporânea)
des vencedores europeus da I Guerra CJ)
<t:
Mundial. Porém, pagaram muito caro por a:
a:
isso. UJ
:::>
A Inglaterra passou de credora a grande devedora (cinco bilhões de dólares aos (.:J
EUA) . Logo depois da guerra, uma greve geral abalou a Inglaterra com mais de dois UJ
a:
milhões de trabalhadores parados. A economia inglesa começou a entrar em colap­ 1-
so: importava-se mais do que se exportava, havendo dessa forma uma tendência pa­ z
UJ
ra o déficit. Nesse clima de crise geral foi eleito em 1924 o primeiro governo do Partido o
Trabalhista (Labour Party) da história da Grã-Bretanha. o
.o
Durante os anos seguintes, os conservadores voltaram ao poder. Mas a crise de a:
UJ
1929 atingiu em cheio a já frágil economia inglesa, gerando crescente desemprego. a.
Entre 1935 e 1937, o governo conservador adotou medidas protecionistas para sa­ o
near a economia. No plano externo, a Inglaterra adotou uma política de apazigua­ -

mento, isto é, permitiu que a Alemanha (já nazista) violasse o Tratado de Versalhes . 1 53
França: dificuldndes e problemas

Este é o quadro da Europa pouco A situação francesa se assemelhava à inglesa. Grandes agitações populares, que
antes do início da Segunda Guerra exigiam melhores condições de vida, marcaram os anos subseqüentes à I Guerra.
Mundial. Sofrendo as conseqüências
No plano externo, a política ultranacionalista responsabilizava a derrota da Alema­
da crise econômica, convulsionada
por grandes movimentos de ·direita e nha por todos os problemas franceses. Nesse clima de insegurança, o Partido Socia­
de esquerda, a maioria dos povos lista, a Confederação Geral, dos Trabalhadores e o recém-fundado Partido Comunista
perderam a fé na democracia.
Francês ( 192 1) incentiva\Wll os movimentos grevistas.
Restaram a Inglaterra, a França, a
Tchecoslováquia e os países nórdicos. Em 1923, exércitos franceses ocuparam a industrializada região do Ruhr (Alema­
Nos outros países, a burguesia e as nha) para obrigar o governo alemão a pagar as dívidas de reparação da guerra.
classes médias apavoradas diante do
Os efeitos da crise de 1929 atingiram a economia francesa apenas em 19 3 1 : os pre­
avanço dos partidos de esquerda e do
movimento operário optaram por ços caíram assustadoramente e o potencial de compra do povo baixou a níveis ín­
ditaduras antimarxistas, antiliberais e fimos.
nacionalistas.

POLÔNIA
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ESPA NHA

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w fascistas )( % de d esempre go
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o repressivos ou conservadores  greves e manifestações
-

1 54 R democráticos e ag1tações de direita


No plano político, sucederam-se vários gabinetes conservadores que não conse­
guiram debelar a depressão. Em 1936, assumiu o poder a Frente Popular, uma aliança
entre comunistas, socialistas e radicais de esquerda, tendo como líder Léon Blum.
Essa Frente se manteve no poder até 1938, tendo realiZado um amplo programa so­
cial (elevação de salários, férias obrigatórias , semana de 40 horas) e a nacionaliZação
de indústrias e bancos.
Após o governo da Frente Popular, subiu ao poder Daladier, que acabou revogan­
do uma série de medidas sociais adotadas pela Frente Popular. Além disso, em 1938,
Daladier fez diversas concessões ao governo alemão nazista (Acordo de Munique) .

Portugal: da República à Ditadura

Até o ano de 1910, Portugal viveu sob o regime monárquico. A derrubada da Mo­
narquia foi, em parte, provocada por setores liberais das Forças Armadas, que apoia­
ram o Governo Provisório do professor, também liberal, Teóftlo Braga.
As medidas do novo governo visavam extinguir as velhas leis reacionárias da Mo­
narquia. Com uma vigorosa política anticlerical, o governo pretendia diminuir a se­
cular influência da Igreja na vida política portuguesa.
Apesar das tentativas de reformas liberais, as forças conservadoras adotaram novas
formas de atuação durante as três primeiras décadas deste século. Um golpe de Esta­
do, em 1917, vitimou vários líderes progressistas que haviam implantado a República.
As agitações prosseguiram durante quase toda a década de 20. Em maio de 1926,
alguns militares instalaram uma ditadura de forte cunho nacionalista. Depois de du­
ras lutas pelo poder, uma facção dos militares, liderada pelo general Carmona,
estabeleceu-se no governo em março de 1928. O ministro da Fazenda do novo gover­
no era Antônio de Oliveira Salazar, que pouco a pouco foi adquirindo mais poder
no governo do general Carmona. Inspirado na Itália fascista de Mussolini, Salazar
transformou-se numa espécie de primeiro-ministro. OrganiZou a sociedade e a eco­ A ditadura de Primo de Rivera trouxe
nomia em moldes corporativos, instituindo um único partido político: a União Na­ uma momentânea pacificação na agita­
da política espanhola.
cional. A eficiência do governo de Salazar agradava as classes dominantes portuguesas.
Sua política era a de repressão aos movimentos de esquerda e de cunho progressista. O rei Afonso era um
Em abril de 1933, Salazar outorgou uma nova Constituição ao país, que foi apro­ governante cínico, astuto e
egoísta ( . . . ) Salvou-se
vada por plebiscito. A partir daí instaurou uma ditadura de cunho pessoal, apoiado temporariamente ao permitir um
pela União Nacional. O novo regime foi chamado Estado Novo. Para controlar a opo­ golpe militar no qual o ( . . . )
sição, Salazar criou a PIDE, Polícia Interestadual de Defesa do Estado, violento ór­ Primo de Rivera, se proclamou
Ditador em 1 923. ( . . . ) Sua
gão repressivo que mantinha todos os cidadãos sob suspeita. A ditadura sobreviveu ditadura foi popular durante
até o ano de 1974. algum tempo, graças,
principalmente, à expansão
econômica que se seguiu à
Primeira Guerra Mundial, mas a
Espanha, como tantos outros
Espanha: da República à Ditadura países, foi extravagante e
excessivamente otimista. O
(/)
Ministro das Finanças era jovem <(
A história da Espanha guarda semelhanças com a de Portugal. Até o século XX e inexperiente. Seu nome foi ex:
alvo do destino - José Calvo ex:
ainda vigorava no país um regime monárquico centraliZador. w
Sotelo, cujo assassinato foi o :::)
O poder sempre esteve nas mãos das camadas mais conservadoras da sociedade sinal para o início da Guerra (.!J
espanhola, representadas pelos grandes .latifundiários, pelo Exército e pela Igreja. Civi l . w
Primo d e Rivera f o i exemplo ex:
Apenas no final do século passado alguns setores liberais, representantes da burgue­ 1-
da corrupção pelo poder. Suas z
sia urbana, passaram a ter uma relativa participação no poder. promessas de liberdades cívicas UJ
Em 1902 foi coroado rei da Espanha Afonso XIII. Nessa época, a sociedade espa­ provaram não terem qualquer o
significado. Seu comportamento o
nhola se agitou sob a influência do anarquismo. Os operários entraram em greve, ,o
boêmio e intemperado, bem
paralisando as poucas fábricas existentes nas cidades. como sua falta de compreensão, ex:
w
O quadro geral do país no começo do século XX era de grave crise: levantes, mo­ eram características algo a..
divertidas de início, mas
vimentos grevistas e de independência nas colônias africanas (Marrocos) , aspirações o
tornava m-se intoleráveis com o
-
separatistas das províncias basca e catalã. Para agravar o quadro, o movimento na­ tempo.
cionalista marroquino, liderado por Abd-el-Krim, derrotou os soldados espanhóis (Herbert L. Mattheus, op. cir. ) 1 55
no ano de 192 1 no deserto do Saara.
A guerra colonialista era impopular na Espanha, provocando movimentos contra
as campanhas militares no norte da África. A agitação social e a profunda crise eco­
nômica desencadearam um golpe de Estado no dia 1 3 de setembro de 1 923. O golpe
foi apoiado pelo próprio rei e liderado pelo general Primo de Rivera , que instaurou
uma ditadura de tendência fascista .
Primo de Rivera reprimiu todos os partidos políticos de esquerda na Espanha, em
especial o Comunista e o Socialista, que passaram para a clandestinidade. O prestí­
gio da ditadura de Primo de Rivera aumentou quando as tropas espanholas derrota­
Com a abdicação do rei Afonso XIII foi
proclamada a república na Espanha. Nas ram os mouros de Abd-el-Krim em Marrocos. Os jovens oficiais dessas tropas
eleições para as cortes constituintes em formaram uma ala de sólidas tendências nacionalistas que, alguns anos mais tarde,
julho de 193 1 , o governo obteve amplo desempenharia importante papel na luta contra as forças democráticas espanholas.
apoio popular. O povo não queria mais
ser governado por uma monarquia nem A vida econômica da Espanha passou a ser regida pelos padrões corporativos nos
por uma ditadura. Segundo Matthews moldes do fascismo italiano. Mas a crise do capitalismo, iniciada nos EUA em 1 929,
essas foram as eleições mais honestas já refletiu-se também na Espanha em 1 930, e grandes agitações sociais puseram fim
realizadas na Espanha. As eleições foram
vencidas pelos partidos republicanos e à ditadura de Primo de Rivera.
socialistas. A nova c·:>nstituição deu à Se­ No ano seguinte, o rei decidiu fazer eleições municipais a fim de testar o apoio
gunda República o direito de ser consi­ com que poderia ainda contar.
derada democrática. No texto que segue
Matthews analisa as dificuldades para a Os grupos políticos de oposição à Monarquia se organizaram numa Frente Repu­
implantação da democracia na Espanha. blicana e exigiram a democratização do regime. As idéias republicanas influencia­
vam a baixa oficialidade e os soldados, que
A Segunda República foi implantada durante a crise econômica que se seguiu
por isso eram perseguidos pelos altos es­
à depressão e que teve início nos Estados Unidos em 1 929. A situação econômica
na Espanha, em 1 93 1 , era crítica: elevado índice de desemprego, preços agríco­ calões do Exército.
las muito baixos, salários de subsistência . Havia fuga de capitais e desconfiança Em 193 1 , a Frente Republicana obteve
geral do governo nos meios financeiros internacionais. As medidas para lidar com a grande maioria dos votos nas eleições mu­
crises econômicas, que se tornaram prática comum nos anos 40 e 50, eram-lhe
desconhecidas. As intervenções governamentais keynesianas foram rotuladas de nicipais . Sentindo-se sem apoio político, o
comunismo quando o regime de Azaiia as tentou em 1 93 1 - 1 933. A política, ain­ rei abdicou e saiu do país em abril desse
da mais do que os fatores econômicos, conduziram a greves e desordens . O abis­
ano.
mo histórico entre os poucos ricos e as massas pobres era intransponível .
A necessidade vital para a reforma agrária foi sempre barrada teimosamente Um governo provisório foi imediatamen­
pelas classes proprietárias de terras. Gerald Brenan e outros historiadores con­ te empossado e a República foi proclama­
sideram isto como "a mais importante causa individual da Guerra Civil". Havia
da. Alcalá Zamora e Azanha, líderes do
condições relativamente satisfatórias em certas regiões do norte e ao longo da
costa oriental, até. Valência, onde existiam pequenas propriedades férteis e cam­ novo governo, iniciaram reformas políticas
poneses conservadores. As dificuldades concentravam-se nos latifúndios quase e sociais.
feudais da Andaluzia e da Estremadura, no stil, bem como nas duas Caste1as,
Mas o novo regime não conseguiu resol­
no centro, onde os camponeses eram despedidos quando pediam salários mais
ver os graves problemas sociais. Em de­
·

elevados ou quando tinham idéias políticas "subversivas" .


(H. L. Mattht�ws - Metade da Espanha morreu) zembro de 1 93 1 , os camponeses da região
de Castiblanco se rebelaram e foram repri-
midos pela Guarda Civil (políciamilitariza
da). Vários governos se sucederam até fe­
vereiro de 1936; nas eleições desse ano, uma união de partidos de centro e de esquerda
(Frente Popular) conseguiu chegar ao poder.
A liderança desse governo coube e Manuel Azanha (socialista), que logo iniciou
um programa de reformas. Setores conservadores. do Exército, sentindo-se ameaça­
dos em seus privilégios, formaram a UME (União Militar Espanhola) para conspi­
(/)
<! rar contra o governo republicano.
a: Os grupos políticos se polarizaram, num clima muito tenso. Em julho de 1936,
a:
w as tropas do general Francisco Franco, sediadas em Marrocos, se declararam em es­
::::>
(!) tado de rebelião.
w Começava a Guerra Civil Espanhola. De um lado estavam as tropas populares e
a:
1- democráticas de trabalhadores, estudantes, camponeses e alguns pequenos indus­
z
w triais. Estes lutaram praticamente sozinhos, recebendo algum auxílio da URSS e de
o voluntários que compunham as Brigadas Internacionais. Do outro lado estavam
o
o as forças conservadoras: o Exército, a Igreja e os grandes latifundiários, que preten­
·a: diam restaurar a Monarquia e manter seus privilégios. Esses setores receberam aju­
w
a.. da da Itália fascista e da Alemanha nazista, que aproveitaram a Guerra Civil para
o testar suas novas armas como · um treino para a 11 Guerra.
-
As forças dos soldados nacionalistas (assim eram chamadas as forças fascistas) eram
156 comandadas pelo general Francisco Franco que, aos poucos, foi vencendo os repu-
blicanos. Foram bombardeadas cidades As forças de Franco eram como um exército invasor. Eram isso , mesmo num
como Guernica, morrendo milhares de sentido real, pelo fato de seus mouros e legionários estrangeiros serem suas me­
pessoas. Finalmente, em março de 1939, lhores tropas de choque; sua artilharia, tanques e aviões alemães deram-lhe su­
perioridade material durante toda a guerra; seus 50 ou 60 mil homens, totalmente
os franquistas tomaram a capital, Madri, equipados, do corpo expedicionário italiano, (apoiado por ampla força aérea
instaurando mais uma ditadura fascista na e submarinos) aumentaram consideravelmente tanto sua infantaria quanto as de­
Europa. mais armas. Suas esplêndidas tropas carlistas jamais puderam representar mais
do que a base para três divisões. Seus voluntários falangistas tiveram de ser trei­
nados - por alemães, a propósito. Nessas circunstâncias, é militarmente argu­
mentável que Franco tinha de empregar constantemente o terror como tática.
O Japão após Precisava conquistar um país, em geral hostil, que era, na realidade, seu próprio
país.
a - 1 Guerra ( . . . ) Os mouros e os legionários, quando tomaram Badajoz após desesperada
luta, assassinaram, com suas metralhadoras, 2 mil milicianos e civis que haviam
reunido na praça de touros. ( . . . )
"É claro que os fuzilamos, disse o Cel. Yagüe. Que esperava? Poderia eu le­
Com a Revolução Meiji, os japoneses em­ var 4 mil vermelhos comigo, com a minha coluna avançando., correndo co.ntra
o tempo? Deveria eu tê-los libertado na minha retaguarda e permitido que fi­
preenderam todos seus esforços para trans­ zessem Badajoz vermelha de novo?"
formar o Japão feudal em uma grande po­ Não havia pessoal ou oficiais rebeldes suficientes para o estabelecimento de
tência. campos de prisioneiros. A tática óbvia era executar todos os funcionários repu­
blicanos e líderes sindicais ou trabalhistas, prendendo quaisquer outros que pu­
Por não possuir as riquezas necessárias dessem causar perturbações. O resto da população, então, permaneceria ordeira,
à expansão de sua indústria, o Japão foi conforme sucedeu .
procurá-las em outros países. Foi o que
(H. L. Matthews, op. ciz.)
aconteceu durante a guerra russo-japonesa
(1904-05) pela disputa do território chinês
da Manchúria. Os japoneses, após ser assi-
nado o tratado de paz, rec�beram consçes-
sões ferroviárias na Manchúria c o protetorado sobre a Coréia. Em 1932, a Manchú­ A guerra civil começou com uma explo­

ria foi dominada pelos japoneses, que ali instalaram um Estado independente. são de ódio, numa revolução acidental e
num reino de terror que, de várias for­
Aos poucos, o Japão foi se aproximando da Alemanha e da Itália. Em 1936, assi­ mas diferentes, continuou durante a
nou um pacto de amizade e cooperação, chamado Anti-Komintern, contra a URSS. guerra de ambos os lados e, também, du­
Em 1937, o Japão entrou em guerra contra a China. Essa expansão japonesa era mal­ rante os quatro anos seguintes, sob a di­
tadura de Franco. Acima, Matthews re­
vista pelos EUA, fazendo com que se deteriorassem as relações diplomáticas entre lata as atrocidades cometidas pelas for­
os dois países. Essa tensão culminaria com a destruição da frota norte-americana ças falangistas.
em Pearl Harbour, em 7 de dezembro de 1941, provocando a entrada dos EUA no
conflito mundial.

A cultura no entre guerras

No plano da filosofia, o pós-guerra foi marcado pelo anti-racionalismo que, com


o pensador alemão Heidegger, deu origem ao existencialismo. Essa corrente filosó­
fica se expandiu com os trabalhos do francês Jean-Paul Sartre na década de 30.
Na literatura, houve também grande produção de obras ligadas a questões e pro­
blemas da existência humana, como os romances de James Joyce, ( Ulisses) e os poe­
mas de T.S. Eliot, (The Waste Land). Nos EUA, Hemingway, Scott Fitzgerald e
Sinclair Lewis centravam atenção nos dramas individuais, enquanto na Inglaterra CJ)
<(
a escritora Virgínia Woolf preferia dedicar-se ao estudo da psicologia de seus perso­ c:
c:
nagens. w
:::>
Em 1916, Mareei Duchamp, Francis Picabia e Tristan Tzara, jovens artistas, acha­ (!)
vam que a guerra destruía os valores da sociedade e que as elites se reuniam para w
c:
organizar o morticínio. Esses jovens artistas foram tomados de um niilismo profun­ 1-­
do e inauguraram o movimento conhecido como dadaísmo. O manifesto dizia: ' ' Nada z
w
de pintores, nada de literatos, nada de músicos, nada de políticos. . . nada mais, nada, nada'� o
Outro movimento importante nas artes plásticas e na literatura foi o surrealismo o
,o
de André Breton, que valorizava o mundo do subconsciente e a irrupção dos instin­ c:
w
tos reprimidos. Esse movimento ganhou força nos anos 30. Na poesia destacaram-se a..
os franceses Paul Éluard e Louis Aragon; na Espanha, Salvador Dali encarnou a o
-
pintura surrealista; Garcia Lorca, a poesia, e Luis Bufmel, o cinema.
A pintura do entreguerras produziu grandes mestres como Henri Matisse, Juan 1 57
( ... ) a atitude realista, inspirada no positivismo, de S. Tomás a Anatole France, Gris e Braque, que, deixando as formas an­
parece·me claramente hostil a todo o desenvolvimento intelectual e moral. Detesto· gulosas do cubismo, se dedicaram a expe­
a, porque é feita de mediocridade, de ódio e de chata suficiência ( ... ) (Crítica
riências de luz e cores.
da lógica: ) Vivemos ainda no reino da lógica - aqui está, é claro, onde eu que·
ria chegar. Mas os processos lógicos, nos nossos dias, já se aplicam apenas à Mas a grande figura da pintura na épo­
resolução de problemas de interesse secundário ( ... ) Foi aparentemente graças ca foi Plabo Picasso, que se destacou em
ao maior dos acasos que recentemente foi trazida à luz uma parte do mundo in· todos os estilos, do cubismo ao figurativis­
telectual, e, ao meu ver, de longe a mais importante, à qual se fingia j á não li·
gar. Temos de agradecê· lo às descobertas de Freud. Baseada nessas descobertas, mo, passando pelo expressionismo. Ele
desenha-se finalmente uma corrente de opiniil.o, por meio da qual o explorador costumava dizer que a natureza e a arte não
humano poderá levar mais longe as suas investigações, autorizado a já não con· tinham nada a ver uma com a outra. Uma
lar apenas com realidades sumárias. A imaginação está talvez prestes a retomar
os seus direitos ( . .. ) ( O sonho: ) Foi com toda razão que Freud fez incidir a sua de suas mais importantes obras, o painel
crítica sobre o sonho. É efetivamente inadmissível que essa parte considerável Guernica, foi pintado em 1937, denuncian­
da atividade psíquica (. .. ) tenha ainda chamado tão pouco as atenções ( . . . ) Não do os horrores da Guerra Civil Espanhola.
poderá também o sonho ser aplicado à resolução dos problemas fundamentais
da vida? ( ... ) Creio na resolução futura destes dois estados, aparentemente tão Na arquitetura teve destaque, em
contraditórios, que são o sonho e a realidade, numa espécie de realidade abso· 1919, a escola Bauhaus, criada por Walter
luta, de surrealidade, se assim se pode dizer ( ... ) (O maravilhoso:) Digamo-lo Gropius, que pretendia adequar a arte à
desde já: o maravilhoso é sempre belo, qualquer maravilhoso é belo, só o mara·
vilhoso é belo ( ... ) (A escrita automática:) Inteiramente ocupado com Freud, e realidade do mundo industrial. Essa esco­
familiarizado com os seus métodos de exame ( ... ), resolvi obter de mim o que la, que influenciou o desenho industrial
se procura obter deles, ou seja, um monólogo de fluência tão rápida quanto pos·
contemporâneo, reuniu um grande núme­
sível sobre o qual o espírito crítico do individuo não faça incidir qualquer juízo,
que não se embarace, portanto, em quaisquer reticências, e que seja tão exata­ ro de artistas importantes, como Paul Klee
mente quanto possível, o "pensamento falado" ( . . . ) Em homenagem a Guillaume e Vassili Kadinsky, e foi fechada pelos na­
Apollinaire ( ... ), Soupault e eu designamos pelo nome de surrealismo o novo modo zistas nos anos 30.
de expressão pura ( ... ) (Definição:) Surrealismo - automatismo psíquico puro,
pelo qual se pretende exprimir, verbalmente ou por escrito, ou de qualquer ou­ Outro destaque da arquitetura no perío­
tra maneira , o funcionamento real do pensamento. Ditado do pensamento, na do foi Le Corbusier, que procurou integrar
ausência de qualquer vigilância exercida pela razão, para além de qualquer preo­ as construções no ambiente urbano e in­
cupação estética ou moral ( . .. )
fluenciou mestres como o brasileiro Oscar
(Gustavo de Freitas - 900 textos históricos) Niemeyer.

Acima, trechos do Manifesto do Surrea­


lismo de André Breton, publicado em A América Latina no período
1924.
entre guerras
Mesmo após a independência política, os países da América Latina continuaram
submetidos a uma estrutura econômica e social marcada pela herança colonial.
Até a I Guerra Mundial, a América Latina dependia de países como a Inglaterra
e a França. Deles comprava produtos manufaturados e a eles vendia matéria-prima
e alimentos.
Mas logo os Estados Unidos (país que se industrializou principalmente depois da
Guerra de Secessão) passaram a substituir a Europa no controle imperialista da re­
gião. Na verdade, o controle norte-americano sobre os países latino-americanos já
havia começado e m meados do século passado, quando o s EUA entraram e m guerra
contra o México e anexaram grande parte de seu território. Aos poucos, os interesses
norte-americanos voltaram-se para o Caribe e resultaram na conquista ou no contro­
le econômico de ex-colônias espanholas (como Porto Rico e Cuba) .
(/)
<{
a:
a:
w
:::>
México: uma tentativa revolucionária
(.!J
llJ Durante mais de 35 anos da segunda metade do século passado, o México havia
a:
1- sido governado pelo ditador Porfírio Dias. Nessa época, o capital norte-americano
z
w estava investido na área de exploração de petróleo, na agricultura e em estradas de
o ferro. Isso só acentuava o subdesenvolvimento e a dependência dos mexicanos em
o relação aos EUA.
,o
a: A pobreza era generalizada. Foi nesse contexto que, em 191 1 , explodiu a Revolu­
w
� ção Mexicana.
o Os camponeses se rebelaram contra a exploração que sofriam, desde a época do
- domínio espanhol. Os principais líderes da revolução eram também camponeses, como
1 58 Pancho Villa e Emiliano Zapata.
Os revolucionários instituíram a reforma agrária em algumas regiões do país. Za­
pata foi assassinado em 1 919, mas muitas das propostas da Revolução Mexicana con­
únuaram a ser postas em prática nos governos seguintes, como o de Lázaro Cárdenas,
nos anos 30.

A América Latina depois da I Guerra


, ,

A I Guerra Mundial impulsionou a industrialização da América Latina, pois os


países da Europa se viram obrigados a importar mais matérias-primas e alimentos,
trazendo saldos positivos para a balança comercial latino-americana. Esses capitais
foram aplicados na industrialização, pois a Europa também deixou de produzir bens A falta de capital para
investimento em todo mundo
tradicionalmente importados pelos latino-americanos. Esse surto industrial foi tam­ provocará a restrição dos
bém estimulado pela crise de 1 929, que afetou as exportações de café e de outros empréstimos internacionais.
produtos . Nesse momento, ( . . . ) o complexo
cafeeiro tentará envolver o
Com a industrialização desenvolve.u;se tamb,ém uma classe operária, que come­ governo federal de uma maneira
çou a se organizar e a manifestar-&e. Os governos oligárquicos, preparados para con­ mais profunda. E a dificuldade
trolar uma sociedade eminentemente. ,fU!al, foram abalados pelo fortalecimento da de executar essa "translação"
porá definitivamente em risco o
classe média e do proletariado. Na passagem da década de 20 para a de 30 ocor­ modelo de defesa permanente.
reram profundas transformações� �o: Pe.ru surgiu a Aliança Popular Revolucioná­ A partir do aguçamento da
ria (APRA), fundada por Haya de la Torre, que defendia um programa de refor­ crise, o governo federal será
levado a limitar o crédito
mas. Na Colômbia, os governos conservadores tradicionais perderam as eleições de fornecido pelo Banco do Brasil,
1930. o que obrigará os bancos
Na Argentina, a ofi:tc\r�ll�ii (Qi. afastadª�por um golpe militar no começo da década paulistas, por sua vez, a
limitarem seus créditos aos
de 30, que instaurou um regime inspirado no modelo fascista italiano. O Brasil tam­ plantadores de café. A
bém sofreu uma revolução em outubro de 1 930. Esse movimento contou com a par­ conjunção da grande
ticipação das classes ur,banas, conscientes da necessidade de transformações gerais acumulação de estoques com a
limitação das reservas
na sociedade. O r�gime insti!uídp ,no Brasil, liderado por Getúlio Vargas, estendeu­ monetárias (tanto internas
se até 1945 e acelerou a industrialização do país, estimulando os setores de base (pro­ quanto externas) e as limitadas
dução de aço, .petróleo, energia .elétrica etc.). perspectivas de vendas para as
próximas colheitas são a face
Mas a industrialização de países como a Argentina, o Brasil e o México não foi brasileira do crach da Bolsa de
semelhante à ocorrida nos EUA e na Europa, pois se baseava em capitais estrangeiros Nova York, que marcou outubro
e tomava ,esses países dependentes das potências imperialistas. de 1 929.
(Paulo S. M. S. Pinheiro, in
História do Século XX)
Exercício

(FMU-SP) Selecione a alternativa correta sobre a Guerra Civil Espanhola


a) Os gnipos antagônicos eram constituídos, por um lado, de laúfundiários, elementos
da Igreja e, setores de classe média; por outro, de republicanos, socialistas, comunis­
tas e burgueses liberais.
b) O general Francisco Franco foi deposto do cargo de primeiro-ministro pelo Parti­
do Radical da Falange, dando início ao conflito.
c) Durante o transcorrer da luta o governo republicano democrático manteve sua
autoridade. sobre a, área rural, enquanto os fascistas dominavam os grandes centros (/)
<(
urbanos, onde os trabalhadores os apoiavam. c:
d) Vários países europeus tomaram posição diante da guerra, tendo a Alemanha e c:
LU

a Itália contribuído com armas e munições para a defesa do governo republicano. :::::>
(.!J
e) Apesar da importância estratégica desta guerra, suas conseqüências, tanto para LU

a Europa como para a Espanha, em particular, não foram significativas. c:


1-
z
LU

·Resposta o
o
A alternativa correta é a a. Na alternativa b, o correto seria afirmar que o general
·º
o:
Franco foi posto no cargo de primeiro-ministro pela Falange. Na c as relações estão LU
a..
trocadas, pois os republicanos é que detinham maioria nos centros urbanos. Na d, o
a Alemanha e a Itália realmente enviaram armas, munições e tropas, mas foi para -

auxiliar os falangistas. 159


FASCISMO
E NAZISMO

A I Guerra Mundial afetou profundamente o capitalismo: grandes agitações


alastraram-se por quase todos os países da Europa. Na Rússia, como vimos, foi ins­
taurado um governo revolucionário socialista. Países como a França e a Inglaterra
procuravam desesperados soluções no liberalismo político. Na Itália e na Alemanha,
o capitalismo valeu-se de ditaduras para solucionar a crise social e econômica. Fenô­
menos semelhantes ocorreram em Portugal, Espanha, Bulgária, Turquia, Polônia,
Iugoslávia e Grécia.

o historiador Jacques Nére analisa as


greves operárias e a reação dos proprie­
A ascensão do fascismo na Itália
tários a elas.

É no seio das classes Quando a I Guerra terminou, a Itália estava do lado dos vencedores. Mas, de tudo
laboriosas que a agitação
aparece primeiro. (. .. ) o seu aquilo que pensava receber da partilha, após a derrota da Alemanha e da Áustria,
nível de vida está deteriorado a maior parte ficou com a França e com a Inglaterra.
(alta dos preços mais rápida que Embora os lucros de algumas indústrias italianas, como a Fiat e a Ansaldo, tives­
a dos salários), e o desemprego
é uma conseqüência da crise
sem crescido com a guerra, a maioria das empresas do país teve prejuízo gerando
econômica; nos campos, não se desemprego e achatamento de salários.
cumprem as promessas feitas Havia uma grande quantidade de partidos políticos no país. Um dos mais fortes,
depois de C aporetto, relativa às
soluções que deverão ser dadas o Partido Socialista Italiano, passou a organizar greves, protestando contra a situa­
ao problema da distribuição das ção de penúria em que se encontrava o operariado depois da guerra.
terras; finalmente, a Revolução Os católicos se organizaram no Partido Popular Italiano, sob a direção do padre
Russa de 1 9 1 7 aparece como um
modelo interessante em mais de don Luigi Sturzo. Um dos principais objetivos desse partido era deter o avanço do
um sentido. Desde a primavera Partido Socialista junto às camadas populares. O Partido Popular Italiano tinha maior
de 1 9 1 9, a agitação se influência sobre os trabalhadores do campo e reconhecia que o velho Estado liberal
desenvolve: ondas de greves
contra a vida cara, amiúde italiano precisava fazer algumas reformas para melhorar as condições de vida dos
seguidas de motins nas c i dades trabalhadores.
e atividades mais politizadas,
Apesar da atuação do partido de don Luigi Sturzo, os socialistas aumentavam suas
.organizadas pelos mil itantes da
Federação dos Operários fileiras de militantes. Mas cresciam também as críticas à direção do partido e sur­
Metalúrgicos, ao passo que, nos giam dissidências. Uma das mais importantes foi o grupo que se aglutinou em torno
campos, se ocupam as terras da revista L' Ordine Nuovo, liderada por Terracini, Gramsci, Tasca e Togliatti. Esse
não-cultivadas e os latifúndios
o ( . . . ) criam-se cooperativas que grupo propunha a criação de sovietes nos moldes da Rússia revolucionária, para pre­
� impõem suas condições (salários parar as massas para a tomada do poder.
(J)
N
e contratos de trabalho) aos Em 1919 houve eleições. O Partido Socialista foi o mais votado, com 1 56 deputa­
proprietá rios agrários, que logo
<(
respondem por intermédio de dos, enquanto o Partido Popular ficou com cem.
z
UJ milícias particulares, formadas A vitória dos socialistas deixou as classe proprietárias e o velho Estado liberal apreen­
o
freqüentemente por ex­ sivos . A grande burguesia italiana passou a criticar os liberais do poder porque não
combatentes sem trabalho.

(Jacques Nérês História conseguiam controlar os socialistas e o operariado.
(J) �

u Contemporânea) Esse clima se agravou entre os anos de 1919 e 1920, quando uma onda de agitação
(J) social fez a Itália parecer estar às vésperas de uma revolução semelhante à russa. Em
<(
LL. meados de 1919, a população passou a saquear armazéns e lojas em várias partes
- do país. No começo do ano seguinte, uma sucessão de greves paralisou mais de dois
160 milhões de operários e camponeses.
A situação parecia incontrolável. A Monarquia convocou Giolitti, um velho libe­
ral, para o cargo de primeiro-ministro, esperando que ele resolvesse a crise. Mas as
agitações pioraram quando os operários metalúrgicos tomaram várias fábricas e pas­
saram a geri-las com certo sucesso.
Os setores mais moderados do Partido Socialista, entretanto, acabaram por aceitar
negociações com o governo o que levou à divisão do Partido Socialista. Os setores
mais à esquerda saíram do partido e em 1921 fundaram o Partido Comunista Italiano.
A burguesia sentiu-se vitoriosa com o recuo dos operários e passou a se organizar
em um grupo que, pouco a pouco, adquiria características de partido. Tratava-se
do movimento fascista, criado por Benito Mussolini. E quem era Mussolini? Ele ha­
via sido militante socialista com profundas ligações com o sindicalismo combatente,
tendo chegado a um papel de destaque, a ponto de dirigir o jornal Avanti (órgão
oficial do socialismo) . Por suas posições favoráveis à guerra, Mussolini acabou sen­
do expulso das fileiras do Partido Socialista. Depois da guerra, declarou-se clara­
mente anti-socialista, criou os chamados fasci di combattimento (esquadrões fascistas
compostos de ex-soldados, marginais e pequenos burgueses desocupados) . Os fasci
di combattimento tinham por objetivo reprimir violentamente as manifestações ope­ Segundo o historiador Adrian Lyttel­
rárias. ton a Marcha sobre Roma não passou de
um gigantesco blefe. Afinal, a cidade era
No plano político, Mussolini havia criado o Popolo d 'Italia, jornal dos fascistas, defendida por 1 2 000 homens do Exér­
e participado das eleições de 1919, obtendo o inexpressivo número de 5 000 votos. cito que facilmente poderiam dispersar
Mas, depois da tomada das fábricas, os fascistas passaram a ter apoio aberto da os fascistas mal armados. O rei, Vitor
Emanuel, ficou indeciso e não tomou
alta burguesia, temerosa do perigo que os movimentos operários representavam para medidas para reprimir a manifestação.
suas empresas. Além do apoio da alta burguesia, os fascistas também atuavam nas Assim nascia o mito da revolução fascis­
regiões rurais, aliciando os camponeses e pequenos proprietários rurais. ta. No relato abaixo um diplomata estran­
geiro conta como observou a Marcha
Em 1 92 1 , os fascistas mostraram-se especialmente violentos, destruindo centenas sobre Roma.
de sindicatos e cooperativas que tinham li-
gações com os socialistas. Uma das conse­ Numa sombria noite de Outono, a 30 de Outubro (de 1922 ) , os bandos de ca-
qüências políticas foi a formação do Partido misas negras (as mi!ícias armadas fascistas de Mussolini), ferozes, bem arma­
dos, esbranquiçados pela poeira de uma longa marcha, entraram sem resistência,
Nacional Fascista, com mais de 200 000
como uma horda de conquistadores, na Cidade Eterna (Roma), muda e ferida
membros inscritos. de espanto. No dia seguinte, apareceu o Duce (guia, general, chefe) e estalaram
A esquerda não conseguiu se organizar as aclamações. Np seu estado-maior figuravam generais e oficiais superiores, que
tinham vestido a camisa negra. . . Na nobreza como na indústrlil, possuindo vas­
para combater a violência fascista. Tanto
tas propriedades ou _grandes fábricas, vítimas, uma e outra, do estado anárqui­
o Partido Socialista como o Comunista não co que reinava na província, o entusiasmo que suscitou o triunfo de Mussolini
apoiaram a luta armada contra os fascistas. foi sincero e espontâneo. O patriciado de camisas brancas apertou com efusão
a mão do fascismo de camisas negras, e as belas damas da aristocracia foram
O Estado liberal, por sua vez enfraquecia­
as primeiras a exaltar-se pela pessoa do ditador. A burguesia citadina, liberal
se cada vez mais, mostrando-se incapaz de por tradição, mas sentindo bem que havia no ar uma vassourada, j ulgou pru ­
reprimir os fascistas, pois vários oficiais do dente pôr-se ao lado do cabo da vassoura, e aderiu à revolução.
Exército e das forças policiais eram mili­
(Gustavo de Freitas 900 texUJs históricos)
-

tantes ou simpatizantes do fascismo.

Em agosto de 1 922, os camisas negras, como eram chamadas as milícias fascistas


por usarem camisas negras como uniforme, atacaram vários centros urbanos: uma
espécie de ensaio para a tomada do poder que ocorreria dois meses depois.
Os fascistas ganhavam cada vez mais adeptos não só entre a burguesia, os desem­
pregados e os soldados desmobilizados, mas também entre setores do operariado com
pouca tradição de militância.
o

(f)
A tomada e a consolidação do poder N
<(
z
LJ..J
Através de eleições, os fascistas haviam conseguido vitórias, mas não chega­ o
ram a tomar o poder. Nas eleições de 1 919, como já vimos, antes mesmo de se �
constituírem em partido, não elegeram nenhum representante para o Parlamento. (f)
u
Em 1922, os fascistas elegeram apenas 35 deputados, entre os quais Mussolini. (f)
<(
Mas Mussolini queria mais. Apoiado pelos grandes industriais, iniciou em outu­ u..

bro de 1922 , em Nápoles, com cinqüenta mil camisas negras, a conhecida Marcha -
sobre Roma. No dia 30 de outubro de 1 92.2 , Mussolini foi empossado no cargo de 161
primeiro - ministro pelo rei Vítor Emanuel IH.
Mesmo depois de Mussolini passar a fazer parte do poder, algumas liberdades de­
mocráticas ainda sobreviveram por algum tempo. Mussolini, porém, tomou medi­
das para acabar violentamente com elas, começando pelo fechamento dos sindicatos
e dos jornais que não eram fascistas e pela prisão de lideres sindicais.
Entre 1922 e 1925, os fascistas tiveram uma única preocupação: consolidar sua
posição e formar um novo tipo de Estado emanado das idéias fascistas.
A criação das Milícias Voluntárias para a Segurança Nacional e a formação do Gran­
de Conselho Fascista, foram duas das principais realizações de Mussolini, em seu
primeiro governo. As Milícias funcionavam como um exército oficial paralelo, com­
posto de militantes fascistas. O Conselho tinha a função política de ligar o Partido
Alguns trechos de pronunciamentos de
Benito Mussolini: Nacional Fascista ao Estado.
Enquanto as Milícias perseguíam os opo­
Quero deixar uma marca em minha era como a que o leão deixa com suas garras.
Vocês pensam que estão assinando minha sentença de morte, mas estão enga­ sitores, a economia italiana se recuperava,
nados. Hoje vocês me odeiam porque no coração de seus corações vocês ainda tornando o fascismo simpático à opinião
me amam ( ... ) . Mas vocês ainda não viram o que eu guardei para o fim. Doze pública.
anos de minha vida no partido são a garantia de minha fé no socialismo.
(Milão, 25 de novembro de 1914, quando de sua expulsão do Partido Socialista.) O aumento da popularidade do fascismo
O Fascismo é um movimento da realidade, da verdade, da vida - dedicado pôde ser medido nas eleições de 1924. A
à vida. É pragmático. Não tem apriorismos. Nenhum fim remoto. Não promete campanha eleitoral foi violenta e a fraude
o tradicional paraíso do idealismo. Não pretende viver para sempre, nem mesmo
por muito tempo. (Julho, 1919) deu a vitória aos candidatos do Duce (que
Há algo de romano e muito mais de guerreiro do que de militarista em todas significa líder e que passou a designar Mus­
as nossas atitudes. Nem nos falta pompa e um lado pitoresco, o que é muito im­ solini). Os fascistas obtiveram mais de 65%
portante. Eu não entendo uma política triste e sombria. (Maio, 1921.)
( . . . ) O fascismo italiano representa ( ... ) uma reação contra os democratas que dos votos, elegendo 356 deputados.
tornariam tudo medíocre e uniforme e tentariam sufocar e tornar transitória a Um deputado socialista, Giacomo Mat­
autoridade do Estado ( ... ). A democracia tirou a "elegância" da vida das pes­ teotti, protestou contra os métodos fraudu­
soas, mas o fascismo a traz de volta; isto é, traz de volta a cor, a força, o pitores­
co, o inesperado, o misticismo, e, enfim, tudo o que falta às almas da multidão. lentos utilizados nas eleições. Em junho de
(Milão, 6 de outubro de 1922) 1924, Matteotti apareceu morto. Ele havia
Eu poderia ter transformado esta sala num campo armado de camisas-negras, sido raptado e assassinado por setores mais
um acampamento para cadáveres. Eu poderia ter costurado as portas do Parlamento.
( Discurso na Câmara dos Deputados, 16 de novembro de 1922.) radicais das milícias fascistas. Por alguns
Meus ancestrais foram camponeses que araram a terra, e meu pai foi um fer­ meses, o poder de Mussolini correu sérios
reiro que malhava o ferro em brasa na bigorna. Ainda criança ajudei meu pai riscos, pois os partidos de oposição e as or­
nesse trabalho duro e humilde, e agora tenho a tarefa mais difícil, de moldar almas.
(Milão, 6 de dezembro de 1922.) ganizações operárias passaram a exigir o
Minha ambição, nobres senadores, é apenas uma. Por ela, pouco me importa fim da violência. Mas nenhuma atitude im­
se eu tenho de trabalhar 14 ou 16 horas por dia. E eu não me importaria se per­ portante foi tomada. Uma greve que havia
desse a vida, nem consideraria isso um sacrifício excessivo. É esta minha ambi­
ção: quero fazer o povo italiano forte, próspero, grande e livre. sido proposta não teve nenhuma repercus­
(Discurso ao Senado em 8 de junho de 1923.), (in História do Século XX, são. E Mussolini foi ganhando força.
op. cit. ) Em vez de punir os responsáveis pelo as-
sassinato de Matteotti, Mussolini culpou as
oposições, argumentando que procuravam desestabilizar o regime. As classes pro­
prietárias e os setores moderados da sociedade (entre eles a Igreja) voltaram a apoiar
Mussolini. Rapidamente o Duce cassou os partidos e fechou o Congresso. Uma onda
de prisões bloqueou as possibilidades de atuação dos partidos. Só o fascismo era per­
Slogans fascistas:
mitido. Antonio Gramsci, por exemplo, foi preso e morreu, depois de alguns anos,
Acredita! Obedece! Luta! vítima dos maus-tratos recebidos nos cárceres da ditadura fascista.
Quem tem aço, tem pão! Em janeiro de 1925, sentindo-se suficientemente forte, Mussolini assumiu a res­
Nada jamais foi ganho na História
o
ponsabilidade "histórica e moral" do assassinato de Matteotti.
sem derramamento de sangue!
� É melhor um dia de leão, Em fevereiro de 1929, um impor.tante acordo com a Igreja aumentou o poder de
cn do que cem anos de carneiro! Mussolini: o Tratado de Latrão, que pôs fim à relação tensa entre o Estado italiano
N A guerra é para o homem o que
<! e a Igreja Católica existente desde a Unificação. Por esse tratado, o catolicismo pas­
z a maternidade é para a mulher!
Um minuto no campo de batalha sou a ser a religião oficial do Estado,garantindo uma posição privilegiada para a Igre­
UJ
vale por uma vida inteira de paz! ja (criação do Estado do Vaticano). A partir daí, Mussolini recebeu apoio integral
O
� da Igreja, garantindo um importante aliado ao fascismo.
cn
No plano econômico, o fascismo proporcionou um avanço na grande indústria em
u
cn detrimento das pequenas e médias empresas, que tendiam a desaparecer, engolidas
<!
L.L.. pelos monopólios. No entanto, apesar da política de proteção e de facilidades conce­
-
didas pelo Estado às grandes indústrias, o crescimento só foi possível graças a um
1 62 constante rebaixamento dos ganhos dos operários e um crescente nível de desempre-
go. Para absorver temporariamente o ele­
A CARTA DO TRABALHO
vado número de desempregados, o Estado Benito Mussolini
investiu em importantes obras públicas, co­ Do Estado corporativo e da sua organizaçào: Artigo 1) A Naçào italiana é um or­
mo estradas de rodagem, ferrovias e mo­ ganismo que tem fins, vida e meios de açao superiores, em potência e duração,
aos dos indivíduos isolados ou reagrupados que a compõem. É uma unidade mo­
numentos de conteúdo ideológico. ral, política e econômica que se realiza integralmente no Estado Fascista. Artigo
Ao mesmo tempo que se efetivava uma 2) O trabalho, sob todas as suas formas de organizaçào e execução, intelectuais,
economia voltada para a grande indústria, técnicas e manuais é um dever social. Neste sentido e só neste, é tutelado pelo Es­
tado. ( . . . ) Artigo 3) A organização sindical ou profissional é livre. Mas só o sindi­
o Estado fascista criou um sistema de con­ cato reconhecido regularmente e submetido ao controle do Estado tem o direito
trole das atividades sindicais. Era o cha­ de representar legalmente toda categoria de patrões ou de trabalhadores para o
mado Estado corporativo. Os sindicatos qual é constituído; de proteger os seus interesses frente ao Estado e antes as ou­
tras associações profissionais; de estipular contratos coletivos de trabalho obri­
não eram mais independentes, passando a gatórios para todos os pertencentes à categoria, de impor sua contribuição e de
ser órgãos do Estado. exercer funções delegadas de interesse público relacionadas a eles.(. .. )Artigo 5 )
A grande burguesia industrial apoiava e A Magistratura do trabalho é o órgão através do qual o Estado intervém para re­
gular as controvérsias trabalhistas, quer contratos e das outras normas existen­
se beneficiava da política econômica e tra­ tes, quer consistam na determinação de novas condições de trabalho. Artigo 6)
balhista do regime fascista. Esse apoio cres­ As associações profissionais legalmente reconhecidas asseguram a igualdade ju­
ceu ainda mais com a política de expansão rídica entre os patrões e os trabalhadores, mantém a disciplina da produção e do
trabalho e promovem o seu aperfeiçoamento. As corporações constituem a orga­
colonial levada a cabo por Mussolini. nizaçào unitária das forças da produção e representam integralmente seus inte­
A Itália tinha pretensões de aumentar resses. Em virtude desta representação integral, sendo os interesses da produção
suas colônias na África. As tropas italia­ interesses nacionais, as corporações são reconhecidas por lei como órgãos de Es­
tado. ( . . . ) Artigo 7) O Estado corporativo considera a iniciativa privada no campo
nas, estacionadas nas pequenas colônias da da produção como o instrumento mais eficaz e mais útil no interesse da Nação.
Eritréia e Somália, provocavam constantes Sendo a organização privada da produção uma função de interesse nacional, o
atritos com a Etiópia, único Estado ainda organizador da empresa é responsável pela orientação da produção da frente ao
Estado. ( . . . ) Artigo 9) A intervenção do Estado na produção econômica se verifi­
independente que existia na África. Os ita­ ca unicamente quando falta ou seja insuficiente a iniciativa privada ou quando
lianos já haviam tentado conquistar a Etió­ estejam em jogo interesses políticos do Estado. Tal intervenção pode assumir a forma
pia no frm do século passado, mas foram e controle, de estímulo ou da gestão direta.
(Tradução de Elis Francesc)
derrotados pelos "indígenas". Agora Mus­
solini queria recuperar a honra perdida.
Em outubro de 1935, as tropas italianas No texto acima ficam evidenciados os
princípios que nortearam o Estado cor­
invadiram a Etiópia. A Sociedade das Nações protestou contra a atitude imperialista porativista. O objetivo básico era promo­
da Itália, mas a Alemanha nazista deu total apoio à invasão. No dia 5 de maio de ver a hartnonização dos interesses confli·
1936, a Etiópia era italiana. No mesmo ano, juntamente com a Alemanha, a Itália tantes do capital e trabalho dentro das
corporações sob a égide do Estado. Os
iniciava a intervenção na Guerra Civil Espanhola. sindicatos que ficaram inteiramente nas
A aliança com a Alemanha formalizou-se com o Pacto de Aço. O mundo se prepa- mãos dos fuscistas expressavam apenas os
rava para a guerra. interesses das classes patronais. Se acres­
centarmos a abolição do direito de greve
e a extinção dos comitês de fábrica fica
evidenciado a impotência do operariado
A ascensão do nazismo na Alemanha diante do Estado corporativista.

A Alemanha foi o país vencido na I Guerra Mundial. O Tratado de Versalhes obri­


gou a Alemanha a humilhantes reparações da guerra; seu território foi divido em
duas partes, com a criação de um novo Estado: a Polônia. Tudo isso somou-se às
péssimas condições em que ficou a economia devido à própria guerra e principal­
mente às pesadas dívidas que os alemães tiveram que pagar à França e à Inglaterra.
Em 1918, antes da assinatura do armistício, foi proclamada a República de Wei­
o
mar, apoiada por uma coalizão de socialistas, centristas e democratas. Em 1919, se­ �
tores do operariado alemão, animados com a Revolução Russa e organizados pelo Cf)
N
Partido Comunista Alemão, tentaram a tomada do poder - foi a Revolução Esparta­ <(
quista, liderada por Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht. Os revoltosos foram vio­ z
LJJ
lentamente reprimidos pelo novo governo e seus líderes assassinados. A burguesia
o
alemã temia, da mesma forma que a italiana, o estabelecimento do socialismo e, igual­ :::!
mente, exultou quando um ex-cabo austríaco do Exército alemão, chamado Adolf Cf)
u
Hitler, fundou um partido de extrema direita: o Partido Nacional-Socialista dos Tra­ Cf)
balhadores Alemães, mais conhecido como Partido Nazista. Apesar do nome pom­ <(
LL

poso, o Partido " Socialista dos Trabalhadores" não era nem socialista nem dos tra­ -

balhadores, e sim um partido anti-socialista que defendia os interesses da burguesia 1 63


alemã. Aos poucos, os grandes capitalistas alemães se ligaram ao nazismo, financian­
Em 1 920, H itler num comício expôs
parte do seu programa político:
do atividades terroristas.
Uma das táticas utilizadas pelos membros do Partido Nazista era a violência con-
tra os partidos ligados aos trabalhadores.
Exigimos territórios para a alimentação do nosso povo e o estabelecimento do Um dos mais importantes líderes nazistas,
excedente da sua população (era já a tese do "espaço vital", que autorizaria a Ernest Roehm, fundou as chamadas S.A.,
conquista de quaisquer outros territórios). Não pode ser cidadão senão aquele que
espécie de força militar particular do par­
faz parte do Povo. Não pode fazer parte do Povo senão quem for de sangue ale­
mão ( ... ) Por conseqüência, nenhum judeu pode fazer parte do Povo (. .. ) O pri­ tido, especializada em provocar distúrbios
meiro dever de todo cidadão deve ser o de trabalhar, quer intelectualmente, quer nas reuniões operárias e criar o terror no
manualmente. A atividade individual não deve exercer-se em oposição aos inte­
meio sindical. Além do terrorismo, o Par­
resses da Comunidade, mas no quadro dessa Comunidade utilidade de todos ( . . . )
(Seguem-se umas tantas exigências de caráter socialista que depois desaparece­ tido Nazista passou a usar, sistematicamen­
riam das intençoes nacional-socialistas e que nunca foram realizadas) ( . . . ) Exigi­ te, um programa muito bem prepar-ado de
mos que a lei combata a mentira política consciente e sua difusão pela imprensa
propaganda de massas.
( . . . ) Os jornais cuja ação seja contrária ao interesse geral devem ser proibidos ( ... )
Exigimos a liberdade de todas as confissàes religiosas no Estado, com a condição de O nazismo começou a se fortalecer, prin­
que não ponham em perigo a existência deste, nem contrariem o sentimento ou a mo­ cipalmente depois de 1923, quando a Fran­
ral da raça alemã. O Partido coloca-se no terreno dum cristianismo positivo sem li­
ça tomou a região do Ruhr (onde se
gar-se confessionalmente a um dogma preciso. Combate o espírito judeo-materia­
lista e está convencido de que ( . . . ) o interesse geral prima o interesse particular ( . . . ) concentravam as principais indútrias ale­
(Gustavo de Freitas, 900 textos históricos) mãs) para obrigar a Alemanha a pagar o
resto das dívidas de guerra. Esse fato pro-
vocou uma inflação inimaginável na Ale­
manha ( 1 dólar em outubro de 1923 chegou a valer 8 bilhões de marcos). Diante
dessa situação, cresceu a agitação operária. Hitler tentou um golpe de Estado em
novembro de 1923, conhecido como Putsh da cervejaria de Munique. Por falta de
apoio, o golpe fracassou e Hitler foi preso. Na prisão, escreveu a bíblia do nazismo:
Minha Luta (Mein Ktlmpf), onde estão registradas suas teses racistas e anti-socia­
listas.

A instauração da ditadura nazista

Em 1925 subiu ao poder, como presidente da República, o antigo marechal da


I Guerra, Von Hindenburg. Com ele, parecia que a Alemanha começava a sair da crise.
No entanto, a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, e a depressão que se se­
guiu atingiram dramaticamente a economia alemã. O medo do socialismo voltou à
cabeça da burguesia, pois explodiram novas greves e agitações operárias.
O norte-americano William Shirer, tes­
Para a burguesia alemã só restava uma alternativa, a fim de salvar o capitalismo:
temunha ocular da história da Alemanha
Nazista, comenta a indicação de Hitler a ditadura nazista.
para chanceler: O Partido Nazista conseguiu grandes vitórias nas eleições parlamentares de 1932,
mas não obteve a maioria. Hitler, escora­
do pelos grandes industriais, foi convida­
Pouco antes do meio dia, a 30 de janeiro de 1 933, Hitler dirigiu-se à Chance­
do pelo presidente Hindenburg a ocupar
laria para uma entrevista com Hindenburg - entrevista que viria a ser fatal pa­ o cargo de chanceler (primeiro-ministro),
ra este, para a Alemanha e para o resto do mundo. De uma janela do hotel levando o nazismo ao poder tal como ocor­
Kaiserhol, Goebbels, Roehm e outros chefes nazistas tinham a atenção ansiosa­
rera com o fascismo na Itália.
mente voltada para a porta da Chancelaria, por onde o Führer deveria sair pou­
co depois. "Veríamos, pelo seu rosto, se tinha sido ou não bem sucedido", anotou Porém, a democracia ainda existia na
Goebbels. Nem mesmo eles tinham absoluta certeza de um resultado favorável. Alemanha e era necessária uma boa des­
o "Nossos coraçoes se dilaceram entre a dúvida, a esperança, a alegria e o desa­
:2:
culpa para liquidá-la. Em abril de 1933,
lento", escreveu Goebbels em seu diário. "Temos sofrido demasiadas decepçàes,
f,f) pÇJra que possamos acreditar de todo coração no grande milagre." então, os nazistas atearam fogo no prédio
N Decorridos poucos minutos, presenciaram o milagre. O homem de bigodinho
<( do Parlamento (Reichstag) e puseram a cul­
z à Charlie Chaplin, que havia sido, em sua juventude, um vagabundo completa­
mente derrotado em Viena, um soldado desconhecido durante a Primeira Guer­
pa no Partido Comunista. A partir daí se
UJ
ra Mundial, um líder um tanto cômico do Putsch da Cervejaria, aquele orador instalou uma das mais sangrentas ditadu­
o
fascinante, que não era sequer alemão mas austríaco, com apenas quarenta e ras da História.
2
(f) quatro anos de idade, acabava de prestar juramento como chanceler do Reich
Alemão.
O decreto da ditadura permitia à polícia
u
(f) política (Gestapo) a invasão da casa de
<( (William Shirer - Ascensão e Queda do /I/ Reich) qualquer pessoa sem ordem judicial e a es­
u..
- cuta telefônica, acabando com a liberdade
1 64 individual.
Para conseguir o apoio popular, Hitler usou dois caminhos simultâneos: o da vio­
lência e o da propaganda.
O da violência consistia, entre outras coisas, em perseguir e reprimir os líderes
dos movimentos populares e os intelectuais que fizessem críticas ao nazismo, em pren­
der e executar os militantes dos partidos de esquerda que tivessem qualquer vínculo
com os movimentos operários, em perseguir e exterminar os judeus, que se transfor­
maram num bode expiatório para desviar a atenção do povo. Onde Hitler arrumava
tanta gente para essas práticas? Ele sabia que podia contar com os muitos desempre­
gados para a formação das polícias especiais, como as S A e as S S . Sabia também
que os pequenos proprietários, funcionários do comércio e funcionários públicos te­
miam o comunismo como o diabo teme a cruz e, por isso, apelava para esses elemen­ Shirer comentando as idéias racistas de
tos, que engrossavam as fileiras das S S e das S A . Hitler afirma: escória eram os judeus e os
O caminho da propaganda era tão importante quanto o da violência. Assim, Hi­ eslavos, e mais tarde, ao se tomar ditador,
Hitler proibiria o casamento de alemães com
tler confiou a Josef Goebbels o cargo de ministro da Propaganda e Informação, a qualquer outro membro dessas raças, (. . .).
frm de obter o apoio necessário do povo ao regime nazista. Goebbels, muito habil­ Na Nova Ordem que começou a impor aos
mente, utilizava-se de uma série de argumentos de origem socialista e comunista e, eslavos durante a guerra, no leste, os tche­
cos, os poloneses, e os russos eram os corta­
nos dicursos, atacava os capitalistas (no entanto, apoiava-se totalmente nos grandes dores de lenha e os puxadores de água de
industriais). seus senhores, os alemães.
Goebbels também organizou manifesta-
ções, desfiles com bandeiras e estandartes,
grandes comícios e concentrações popula­ Assim, para o desenvolvimento das grandes civilizações, sempre constituiu con�
dição das mais essenciais a existência de raças humanas inferiores ( . . . ) Não res�
res e distribuiu, demagogicamente, a cha­ ta dúvida de que a primeira civilização construída pela humanidade tinha como
mada "sopa dos pobres". base menos o animal domesticado que o emprego de seres humanos inferiores.
Ao sentir-se consolidado no poder, Hi­ Só depois da escravização das raças subjugadas o mesmo destino golpeou os
animais, pois a princípio eram os guerreiros vencidos que puxavam os arados:
tler pôs em prática a sua política de recu­ depois deles é que vieram os cavalos. Não foi, portanto, uma causalidade o fato
peração da economia alemã, que se baseava de as primeiras civilizações terem florescido exatamente em lugares onde o ariano,
totalmente na indústria bélica, da qual o em suas batalhas com povos inferiores, subjugou-os e vergou-os à sua vontade.
(. .. ) Enquanto implacavelmente se manteve na posição de senhor, não apenas
maior consumidor era o próprio Estado exerceu a soberania como foi o preservador e intesificador da cultura. ( . . . ) Tão
alemão que se preparava para a guerra. logo o povo subjugado começou a erguer-se, aproximando-se do nível de seus
conquistadores, - e uma fase dessa aproximação provavelmente .tenha sido o
uso da língua destes, - romperam-se as barreiras entre senhor e servo. {. . . ) O
ariano renunciou à pureza de seu sangue e, por isso, perdeu seu lugar no paraí­
so que criara para si . Acabou submerso numa mistura racial e gradualmente per­
A economia de guerra deu sua criatividade cultural. ( ... ) A mistura de sangue, e a conseqüente queda
do nível racial, é a única causa da derrocada de velhas civilizações; pois o ho­
mem não perece como resultado de guerras perdidas, mas pela extinção daque­
le poder de resistência existente apenas no sangue puro. Todos que não sejam
A produção da indústria bélica alemã, de boa raça são escórias. (Adolf Hitler - Minha Luta, apud Shirer - op. cit. )
porém, não havia começado com os nazis­
tas. De acordo com o Tratado de Versalhes,
a Alemanha estava proibida de produzir ar-
mamentos, mas desde meados dos anos 20
essa disposição vinha sendo secretamente burlada. Só para se ter uma idéia, a pro­
dução de aço alemã havia superado a francesa. Quando Hitler tomou o poder, havia
deixado claro que o Exército e a indústria eram partes de um mesmo corpo. Isso
significava que a economia seria pautada por uma indústria bélica. Alguns setores
da burguesia alemã se opunham à guerra como saída para a expansão econômica.
Mas os ramos mais fortes, como a indústria metalúrgica , a química e a eletroele­
trônica, apoiavam a política bélica do governo, que as beneficiava.
o
Essa economia baseada na expansão militar exigia uma disciplina férrea dos traba­ �
lhadores alemães, que foi obtida com medidas de caráter altamente repressivo. Se (.f)
N
um operário faltasse cinco dias poderia ser considerado um desertor e condenado <{
a pesadas penas de prisão. z
LU
A política econômica baseada na indústria bélica só poderia ser feita às custas da
o
guerra e da conseqüente expansão territorial. E para isso o Tratado de Versalhes pre­ �
cisava ser derrubado. Para solapá-lo, Hitler foi inicialmente fazendo tratados inter­ (.f)
u
nacionais de caráter bilateral, combatendo a tese francesa de tratados coletivos. Assim, (.f)
em 1 934, assinou um Tratado de Não-Agressão com a Polônia (que seria rompido <!
LL

pelo próprio Hitler em 1939) . Ainda em 1934, Hitler conseguiu que a região do -

Sarre, que depois da guerra ficou sob influência francesa, fosse reincorporada ao 165
território alemão. A tentativa de apoiar um
Mais de dez milhões de alemães vivem em dois estados vizinhos de nossas fron­ golpe de Estado na Áustria, com o assas­
teiras ( ... ) Não é possível duvidar de uma coisa. A separação política do Reich sinato do ministro austríaco Dollfuss, não
não pode levar à privação dos direitos - isto é, dos direitos gerais da autodeter­
surtiu efeito. O plano de Hitler era incor­
minação. É intolerável para uma potência mundial saber que existem irmãos de
raça junto dela, que vivem continuamente afligidos pelos mais terríveis sofri­ porar a Áustria ao mundo nazista, e isso
mentos, por sua simpatia ou desejo de unidade de toda a nação, de seu destino só foi conseguido em 1 938.
e de seu Weltanschaung. Consideramos ser do interesse do Reich alemão prote­
O serviço militar obrigatório passou a ser
ger aqueles alemães que não se encontram em condições de manter, fora de
nossas fronteiras, sua liberdade política e espiritual, por meio de seus própri­ legal em 1935, o que era terminantemente
os esforços. (William Shirer - op. cit ) proibido pelo Tratado de Versalhes. É pre­
ciso lembrar que a remilitarização da Ale-
No texto acima Hitler justifica a ne­ manha aumentava as relações entre o Esta­
cessidade do espaço vital e a reunião de do e a indústria bélica, pois as encomendas feitas pelo Exército cresciam e as indústrias
todas as regiões habitadas por alemães
tinham seus lucros aumentados com as vendas.
para a formação da Grande Alemanha.
A remilitarização da região do Reno, a aliança com a Itália na Guerra Civil Espa­
nhola e com o Japão no chamado Pacto Anti-Komintern (anti-comunista) só refor­
çaram a tendência ao crescimento do clima de guerra na Europa na década de 30.
A incorporação da Áustria pelo Anschluss em março de 1938 e a questão com a
Tchecoslováquia em setembro do mesmo ano só tinham um endereço: a expansão
alemã para o leste. Isso começou com a invasão da Polônia em setembro de 1939:
era o início da II Guerra Mundial.

Exercício

(PUC-RJ) Com o término da Primeira Guerra Mundial evidenciou-se a crise do Es­


Hitler tinha uma concepção mística de tado Liberal e o surgimento de movimentos políticos de cunho autoritário. As pri­
um líder político: meiras características dos movimentos, partidos e regimes fascistas que surgem nessa
O novo moviment<;> (nacional­ conjuntura foram as seguintes:
socialista ou nazi) é, na sua I . A ideologia nacionalista, anticomunista e anticapitalista, disseminada com rapi­
essência e na sua íntima dez entre as camadas médias, duplamente ameaçadas pelo bolchevismo e pela prole­
organização, antiparlamentar, ou
seja, que ele nega o princípio tarização;
- em geral como na sua li. A formação de grupos paramilitares voltados para o esmagamento das organiza­
própria organização interna - ções e movimentos do proletariado urbano e rural;
duma soberania da maioria em
virtude da qual o chefe do III. A mobilização de grandes massas urbanas e do empresariado ligado ao grande
governo é rebaixado à categoria capital contra as ameaças às liberdades públicas e às instituições parlamentares.
de simples executante da IY. A associação entre os grupos ou partidos fascistas e uma parcela significativa do
vontade dos outros. O
movimento põe o princípio de capital fmanceiro inglês , interessada em recompor o antigo prestígio britânico como
que, nas grandes como nas principal potência colonialista e defensora do Ocidente, contra o "perigo vermelho".
pequenas questões, o chefe Assinale:
detém urna autoridade
incontestada, comportando a a) se somente a opção I está correta;
sua mais intensa b) se somente as opções I e II estão corretas;
responsabilidade ( ... ) Aquele c) se somente as opções II e III estão corretas;
que quer ser o chefe carrega,
com a autoridade suprema e d) se somente as opções III e IV estão corretas;
sem limites, o pesado fardo e) se somente a opção IV está correta.
duma responsabilidade total ( ... )
Só um herói pode assumir esta
função ( ... ) Para restituir ao Resposta
nosso povo a sua grandeza e o
seu poder, é preciso, antes de O período entre-guerras representou, tanto do ponto de vista político como eco­
O mais, exaltar a personalidade do nômico a crise do liberalismo. Valores como liberdade individual, política ou econô­
� chefe e restabelecê-la nos seus
w direitos. mica desmoronaram diante da incapacidade dos governos resolverem as crises, o
N (A. Hitler - Minha Luta) desemprego e a queda de produção que caracterizaram esse período. Após a Revolu­
<(
z ção Russa ocorreu uma ascensão dos movimentos de esquerda, levando a inseguran­
w
ça à burguesia e às classes médias. A Alemanha e a Itália derrotadas na I Guerra
o
Mundial são os dois países em que se aguçam mais intensamente os embates ideoló­
::!
(f) gicos. Surgem fortes movimentos operários ao mesmo tempo em que ganham força
u os movimentos de conteúdo nacionalista e racista.
(f)
<( O avanço dos socialistas e bolchevistas levam setores mais conservadores ligados
u..
- à grande indústria, aos bancos e às fmanças a apoiar os movimentos fascistas. A res­
1 66 posta correta é a b.
A 11 GUERRA MUNDIAL

A disputa entre os países imperialistas está na raiz da li Guerra Mundial. Já vimos


que o desequilíbrio econômico da Alemanha (resultante das duras condições impos­
tas pelo Tratado de Versalhes) e a reação contra os movimentos socialistas fortalece­
ram o nazismo nesse país. A mesma reação contra a esquerda e a instabilidade
econômica provocada pela crise de 1929 levaram o fascismo ao poder na Itália. O
Japão também adotou um governo militarista e autoritário e lançou-se num empreen­
dimento expansionista, ocupando a Coréia e grande parte da China.
Tanto a Alemanha como a Itália e o Japão estavam descontentes com a divisão im­ Pouco depois de uma hora da
perialista do mundo entre a Inglaterra e a França. A Itália pretendia ocupar regiões manhã de 30 de setembro, Hitler,
Chamberlain, Mussolini e
do norte da África. A Alemanha também acalentava sonhos de aumentar seu território, Daladier, nessa ordem, puseram
recuperando regiões perdidas na I Guerra e avançando sobre a URSS. Essa tensão suas assinaturas ao Acordo de
entre as potências imperialistas se aglutinaria nos dois grupos oponentes que se en­ Munique permitindo ao Exército
alemão iniciar sua marcha para a
frentariam na li Guerra Mundial: Alemanha, Itália e depois Japão de um lado, for­ Tchecoslováquia a I 0 de outubro,
mando o chamado Eixo, contra Inglaterra, URSS, França e mais 22 países de ou­ como o Führer sempre disse que
tro, incluindo depois os EUA. Esses últimos foram chamados de Aliados. o faria, e completar a ·ocupação
de Sudetos até o dia 10 de
outubro ( . .. ) .
O acordo ( . . . ) estipulava que a
A gestação da 11 Guerra Mundial ocupação alemã "de território
predominantemente alemão" seria
efetuada por tropas alemãs, em
quatro fases, de I ? de outubro até
Como já vimos, a Alemanha foi aos poucos solapando o Tratado de Versalhes. De­ 7 de outubro. O território
pois de se rearmar, invadiu a região do Reno e em março de 1938 anexou a Áustria remanescente, após ser delimitado
pela "Comissão Internacional",
a seu território. seria ocupado "até 10 de
O próximo passo foi a invasão da Tchecoslováquia. Ao norte desse país existia uma outubro"( ... ).
região chamada Sudetos, habitada por pessoas de origem alemã, que passou a ser Posteriormente, a "Comissão
Internacional" organizaria os
reivindicada por Hitler. plebiscitos, "nunca depois do fim
Tentanto evitar uma guerra, o primeiro-ministro inglês concordou em fazer uma de novembro", nas regiões onde o
conferência para discutir o problema. Reuniram-se em Munique, no sul da Alema­ caráter etnográfico estivesse em
dúvida e faria a determinação
nha, o primeiro-ministro inglês, Chamberlain, o chefe do governo francês, Dala­ definitiva de novas fronteiras. ( . . . )
dier, o ditador italiano, Mussolini, e o ditador alemão, Adolf Hitler. A presença de A promessa de plebicisto jamais
representantes tchecos foi proibida. No dia 29 de setembro de 1938, foi assinado foi cumprida. Nem a Alemanha
nem a Itália jamais deram _J
um acordo em que a França e Inglaterra assentiam que a Alemanha anexasse o norte garantias à Tchecoslováquia <(
da Thecoslováquia. Alguns meses mais tarde, o país seria totalmente invadido pelos contra a agressão ( ... ). Restava a O

alemães. rlolorosa questão - pelo menos


j'Jara as vítimas - de informar aos


Depois da ocupação da Tchecoslováquia, a Alemanha voltou-se para a Polônia, tchecos que eles deviam render-
passando a exigir a anexação da cidade de Dantzig e do "corredor polonês", que se, e o mais depressa possível.
Hitler e Mussolini não estavam

a:
separava a Alemanha da Prússia Oriental.
Por que a França e a Inglaterra não impediam o avanço armado da Alemanha
interessados nessa parte da
cerimônia e se retiraram,

(.9
nazista? deixando a missão para os aliados
Para a França e a Inglaterra, o fato de existir um Estado socialista, ou seja, a URSS representativos da
Tchecoslováquia: a França e a <(
representava um perigo maior para as classes dominantes desses países do que o na­ Inglaterra. �- L. Shirer, Ascensão -

zismo. Só quando a França foi invadida é que se notou o grande erro. e queda do liI Reich.) 1 67
Em 1935, as tropas de Mussolini invadiram a Abissínia (Etiópia), na África, e em
1936 tomaram a capital Adis-Abeba. Vitor Emanuel, rei da Itália, foi proclamado
imperador da Etiópia. Ainda em 1936, Mussolini intervém, juntamente com Hitler,
na Guerra Civil Espanhola ao lado de Franco, após os dois países terem assinado
o Pacto Ítalo-germânico. Em abril de 1939, tropas italianas ocupam a Albânia.
Na época, o expansionismo dos fascistas italianos também não preocupava a Fran­
ça e a I'nglaterra, pois a Itália estava fazendo o mesmo que esses países haviam feito
muito tempo atrás: ocupar países africános pela força das armas. Além disso, a Etió­
pia era o único país independente da África e isso não interessava aos europeus .

A primeira fase da guerra:


1 939 a 1 942

A Polônia havia ficado com um pedaço do território alemão depois da I Guerra,


( o "corredor polonês", que separava a Alemanha da Prússia Oriental), razão pela
qual Hitler queria ocupar essa região.
Hitler sabia que a Polônia contava com
Protocolo secreto
apoio da França e da Inglaterra em caso
l ) Para o caso de produzir-se uma modificação territorial e política nos Esta­ de agressão mas achava que esses países
dos bálticos (Finlândia, Estônia, Letônia e Lituânia) a fronteira norte da Lituânia não fariam nada, da mesma forma como
constituirá simultaneamente o limite das zonas de influência da Alemanha e da
haviam agido durante a invasão da Tche­
URSS. As duas partes reconhecem o interesse da Lituânia sobre a região de Vil­
na. 2) Para o caso de se produzir uma modificação territorial e política nas re­ coslováquia e a anexação da Áustria. Sa­
giões pertencentes ao Estado polonês, o limite entre as zonas de influência da bia ainda que, para enfrentar uma guerra
Alemanha e da URSS seguirá sensivelmente a linha dos rios Pissa, Narev, Vístu­
européia, não poderia arriscar-se em lutar
la e San. A questão de saber se é desejável, no interesse do dois países, manter
o Estado polonês independente e como ele será delimitado, não poderá ser re­ em duas frentes; por isso assinou, em agos­
solvida a não ser à luz dos desenvolvimentos políticos futuros ( ... ) . No que con­ to de 1939, o Tratado de Não-Agressão
cerne à Europa do Sudeste fica sublinhado o interesse que tem a União Soviética
na Bessarábia. Do lado alemão fica declarado o completo desinteresse sobre a
com a URSS, alguns dias antes de iniciar
sorte dessa região. (W. L. Shirer - Ascensão e queda do li/ Reich) a campanha militar contra a Polônia. De
acordo com esse pacto, a Rússia teria livre
ação sobre a Polônia Oriental, a Letônia
e a Estônia. Para os soviéticos, esse pacto
representava a possibilidade de dividir as potêncías capitalistas, pois sentiam-se amea­
çados com a possibilidade de ataque da Inglaterra e da França.
O militarismo nazista estava livre para esmagar a Polônia. No dia 1� de setembro
de 1939, os exércitos alemães cruzaram a fronteira polonesa, iniciando a 11 Guerra
Mundial.
Não se lutava como na I Guerra Mundial. Agora, havia potentes tanques de guer­
No discurso abaixo, Hitler justifica de
ra e a famosa Luftwaffe (a força aérea alemã do marechal Goering) , que bombardeou
maneira cínica e mentirosa a invasão da impiedosamente a capital polonesa. Em menos de três semanas os exércitos polone­
Polônia. ses foram derrotados. A essa nova tática de guerra deu-se o nome de blitzkrieg
Conheceis as inúmeras tentativas, que fiz em busca de uma soluçao pacífica ("guerra-relâmpago").
não só para o problema da Áustria, mas também para os dos Sudetos, da Boêmia A França e a Inglaterra ainda vacilaram
e da Morávia. Tudo foi em vão ( . .. ). por três dias para declarar guerra à Alema-
Nas minhas conferências com políticos poloneses ( ... ) formulei, enfim, as pro-
_J postas germânicas ( ... ) e não há nada mais modesto ou mais leal do que estas nha, e SÓ O fizeram no dia 3 de setembro
<( propostas. Gostaria de dizer isto ao mundo. ( ... ) de 1939. Mas já era tarde, pois a sorte da
o Não fiz outra coisa durante dois longos dias senão esperar, em companhia dos Polônia estava lançada.
5 meus ministros, se o governo polonês se dignaria ou não a enviar um plenipo-
tenciário ( . . . ). Julgam-me mal aqueles que confundem o meu amor à paz com Antes do final do mês de setembro, não

fraqueza ou covardia ( . . . ) . Vejo que o governo polonês nllo tem mais o mínimo restava um único batalhão polonês lutao-
<( desejo de travar negociações sérias concosco ( ... ) . Resolvi, portanto, falar com
a: do. O Exército da Polônia deixara de exis-
a: a Polônia na mesma linguagem que a Polônia há meses emprega contra nós ( ... ).
UJ Nesta noite, pela primeira vez, tropas regulares polonesas dispararam contra tir. E a Polônia também.
:::::>
<.:I o nosso território. Começava a se instaurar na Europa o do-
Desde às 5,45 horas da madrugada estamos respondendo ao fogo, e de agora mínio do nazismo. Argumentando que per-
em diante responderemos :::om bombas. (W. L. Shirer, op, cit.)
<( tendam a uma raça superior, os alemães
- passaram a perseguir também outros po­
1 68 vos dentro de seu próprio território. As principais vítimas foram os judeus, que ao
longo da guerra foram sendo dizimados em campos de concentração, onde sofreram
inimagináveis torturas.
Enquanto a Alemanha nazista subjugava a Polônia , a URSS declarava guerra à O Pacto de Não-Agressão assinado por
Finlândia, ocupando o ístmo da Carélia. Stálin e Hitler continha uma parte ofi­
cial em que os dois países se comprome­
Para garantir o envio do ferro sueco à indústria bélica alemã, Hitler planejou do­ tiam a não se atacar mutuamente. Caso
minar os países do mar Báltico: a Noruega e a Dinamarca. uma delas viesse a ser ' 'alvo de aç ão be­
No dia 9 de abril de 1940, numa operação naval e aérea combinadas, os alemães ligerante" de uma terceira potência, a ou­
tra parte não podia de nenhuma forma
dominaram rapidamente a Dinamarca. Os dinamarqueses, tomados de surpresa, não emprestar seu apoio a essa terceira po­
resistiram. tência. Dessa maneira, Hitler poderia

Entre os dias 9 .de abril e 1 0 de junho, a Alemanha conquistou a Noruega. Os no­ atacar a Polônia sem se preocupar com
a URSS. Além disso, havia uma parte
ruégueses ofereceram feroz resitência ao invasor alemão, mas não conseguiram im­ secreta em que Hitler abria mão das re­
pedir o seu avanço. giôes do Báltico Oriental para Stálin.

O avanço alemão sobre a Europa Ocidental


O alto comando alemão, sob a direção de Hitler, retomou o velho plano de von
Schlieffen: invadir a Bélgica e a Holanda e, a partir daí, formar uma ponte para a
invasão da França. Pretendia-se fazer o que não havia dado certo em 1914, pois as
forças francesas na I Guerra conseguiram deter o avanço alemão.
A 1 0 de maio de 1940, a Luftwaffe atacou a Bélgica, enquanto o embaixador ale­
mão comunicava ao governo belga que a ação da Alemanha era para impedir a inva­
são franco-britânica. A Holanda também recebeu o mesmo tratamento. Uma divisão
Panzer (blindados e tanques) iniciou a invasão, com auxílio constante dos bombar­
deios da Luftwaffe. Pela primeira vez os exércitos francês e inglês entraram em cho­
que direto na frente ocidental com as forças nazistas.
Os dois exércitos viram-se encurralados entre as forças alemãs e o mar, na praia
de Dunquerque, na Bélgica. Os alemães estavam a um passo do canal da Mancha
e da Inglaterra. As forças aliadas foram evacuadas pela Marinha inglesa (retirada
de Dunquerque).
Em 26 de maio, a Bélgica e a Holanda já estavam nas mãos dos alemães. O rei
da Bélgica tornou-se prisioneiro dos nazistas, enquanto na Holanda, depois da fuga
da família real para Londres, formou-se um governo sob a direção do nazista Seyess
lnquart, com apoio dos fascistas holandeses comandados por Mussert.
A queda da Holanda e da Bélgica acabou ameaçando diretamente a Inglaterra,
fato que desencadeou uma crise ministerial. Chamberlain, ministro do Apazigua-
mento, demitiu-se do cargo, subindo em seu lugar o combativo conservador Winston
Churchill. O general De Gaulle fala aos france­
ses através do rádio após a assinatura do
O ataque da Alemanha à França começou no dia 5 de junho de 1 940. Dias depois, armistício entre alemães e o governo fran­
a Itália também declarava guerra à França, entrando no conflito. cês em Vichy (22 de junho de 1 940).

No dia 14 de junho, os alemães entra- .-------..,

ram em Paris. A França foi dividida em


Muitos franceses não aceitaram a capitulação, nem a servidão, por razões que
duas regiões: uma era zona ocupada, sob
eu chamaria: honra, bom senso, interesse superior da Pátria. Eu digo honra, pois
a direção direta dos alemães, e a outra era a França não se predispôs a depor as armas a não ser de acordo com seus alia­
a França de Vichy governada por fran­ dos ( ... ). Eu digo bom seno, pois é absurdo considerar a luta como perdida. Sim,
sofremos uma grande derrota ( . . . ). Mas resta-nos um vasto império, uma frota
ceses simpatizantes do nazismo (o mare­
intacta, muito ouro. Restam-nos os aliados, cujos recursos são imensos, e que
chal Pétain e Pierre Lavai) . Muitos fran­ dominam os mares. Restam-nos as imensas possibilidades das indústrias mecâ· -1

ceses fugiram para a Inglaterra, onde foi nicas. As mesmas condições da guerra, que nos abateu por 5 000 aviões e 6 000 <(
carros de combate, podem dar amanhã a vitória por 20 000 carros e 20 000 aviões. o
instaurado o governo da França Livre, sob z
Eu digo interesse superior da Pátria, pois esta guerra não é uma guerra franco·
a liderança do general De Gaulle. alemã, não é uma guerra que uma batalha possa decidir. Esta guerra é uma guerra ::>

Com a derrota e a ocupação da França mundial. (Apud: B arres - Charles De Gaulle, in J. J. Arruda - História Moderna
e Contemporânea) <(
pelos nazistas, a Inglaterra encontrava-se a:
agora sozinha contra a Alemanha. Hitler �------� ffi
::>
elaborou um plano para tomar a Inglater­ (.9
ra: atacá-la com a força aérea até a rendição final. Em agosto de 1 940, começaram
os bombardeios alemães contra as cidades inglesas. Os que mais sofreram foram os <(
-
civis. Londres foi bombardeada dia e noite.
Os alemães não acreditavam na possibilidade de os ingleses conseguirem se defen- 1 69
der. Mas a força aérea britânica (RAF) era muito superior à Luftwaf/e. Com auxílio
de radares mais sofisticados, os ingleses repeliram, em grande parte, os ataques ale­
mães. No primeiro grande combate, os alemães perderam trinta aviões, enquanto
os ingleses não perderam nenhum.
A Inglaterra resistia sozinha ao peso da guerra, até que, em 1 94 1 , a Alemanha
invadiu a URSS, abrindo uma nova frente de guerra.
O conflito ampliou-se com a invasão italiana dos Balcãs e do norte da África.
Os italianos iniciaram a invasão da Albânia, mas foram imediatamente derrotados
pelos gregos, que chegaram a tomar uma parte da Albânia.
A Alemanha precisou correr em auxílio de sua aliada. Hitler começou a campa­
nha contra os outros países balcânicos, principalmente contra a Iugoslávia, que foi
derrotada. Aliou-se em seguida à Bulgária, à Hungria e à Romênia, fechando o cer­
co sobre a URSS.
Na África, os italianos, ainda querendo melhorar sua imagem, atacaram o Egito,
colônia da Inglaterra, mas foram novamente derrotados. Os alemães correram em
auxílio dos italianos e começaram as famosas campanhas no deserto do norte da África,
sob o comando de Rommel.

A guerra chega à
União Soviética
No dia 22 de junho, a Alemanha nazista, com uma força combinada de terra
e ar, invadiu a União Soviética. Começava a Operação Barabarossa, uma das
mais acalentadas aventuras militares de Hitler.
Apesar da existência do Pacto de Não-Agressão entre os dois países, a políti­
ca alemã de procurar seu "espaço vital" à Leste, foi posta em prática. O projeto
alemão visava a posse das ricas regiões produtoras de alimentos e matérias-pri­
mas . O petróleo das regiões do rio Volga, do mar Negro e Cáspio era, no
entanto, o seu principal objetivo.
O avanço nazista surpreendeu o sistema de defesa soviético . Em poucas
semanas o s exército alemães estavam a caminho de Moscou. Passado o
primeiro momento, e depois de duras derrotas, o Exército Vermelho, conseguiu
se reorganizar e deter o avanço nazista.
No dia 22 de junho de 194 1 , a Alemanha nazista atacou a União Soviética. Ainda assim, os alemãe s , auxiliados
Mal começara a amanhecer quando milhares de canhões alemães abriram fogo por divisões húngaras, búlgaras e ita­
através da fronteira soviética. A Força Aérea alemã atacou de surpresa os aero­
portos da Força Aérea soviética próximos à fronteira e grupos de assalto alemães lianas, mantive- ram a posse de uma
abriram caminho para as forças da Wehrmacht. v asta área do território s o v i é t i c o .
Hitler e seus generais não tinham a menor dúvida de que a Alemanha vence­ Leningrado, por exemplo, ficou sitiada
ri a rapidamente o Estado soviético. Haviam feito preparativos p rolongados , con­
centrando secretamente um imenso Exército de 3 milhões de homens na fronteira por mais de três anos . S talingrado
russa. Esse Exército não sofrera nenhuma derrota durante dois anos de guerra rompeu o cerco em janeiro de 1 943 , na
e confirmara nos campos de batalha europeus a doutrina da Blitzkrieg. Além famosa batalha que levou o nome da
disso, os alemães tinham um detalhado plano de guerra (Barbarossa), de acordo
com o qual as forças principais do Exército Vermelho seriam destruídas numa cidade.
única e gingantesca operação e o território soviético até o Volga seria ocupado
no outono de 1 94 1 ( . . . ) .
N o quartel-general de Hitler, Wolfsschanze (Covil d o Lobo), instalado e m só­
lido prédio de concreto reforçado no meio das florestas da Prússia oriental, rei­
n ava uma atmosfera de tri unfo. Num relatório entregue a Hitler no dia 3 de julho,
Ataque no Pacífico: os
o General Halder, chefe do Estado-Maior do Exército concluiu: "As principai s Estados Unidos na Guerra
forças do Exército russo em frente aos rios Dnieper e Dvina foram destrúídas ( ... ),
não será exagero dizer que vencemos a campanha da Rússia em apenas quinze
dias" - essa opinião era compartilhada por Hitler. Chegou a haver planos para
Os EUA, apesar de não terem entrado
retirada de tropas, que seriam concentradas na conquista da Grã-Bretanha e do oficialmente na guerra, apoiavam a Ingla­
Extremo Oriente. (Coronel D. M .Proektor - Barbarossa, in , História do Século XX)
terra desde 1 940, abandonando sua políti­
ca de isolamento.
Foi em decorrência do choque com o ex­
pansionismo japonês que os EUA tornaram a guerra global. Em 1 936, o Japão havia
entrado no Pacto Anti-Komintern e em 1940 aderiu à aliança das potências do Eixo.
<{
Em 1941 iniciava-se a guerra com a China e o subseqüente avanço japonês sobre
-
os territórios da Malásia e Indonésia, ricos em matérias-primas.
1 70 Na manhã de 7 de dezembro de 1 94 1 , as forças combinadas de mar e ar do Impé-
do Eixo

Países ocupados
pelo Eixo

Países neutros

Territórios ocupados
pela URSS
avanço alemáo e
italiano
r-......,
L_j forças soviéticas

- forças aliadas

movimento de
retirada

O mapa acima mostra o avanço das tropas alemãs até 194 1 , ano em governada pelo marechal Pétain , que se aliou aos nazistas.
que Hitler inicia a invasão da União Soviética, chegando assim na sua O alvo seguinte foi a Inglaterra. A partir de agosto de 1940, os alemães <(_
máxima expansão. Em setembro de 1939, Hitler invade a Polônia. A maior iniciaram os bombardeios contra as cidades industriais e portos ingleses 0
pane do território polonês foi ocupada pelos alemães, o restante ficou (Batalha da Inglaterra) .
z
com Stálin, cumprindo os protocolos secretos do Tratado de Não-Agressão No Norte da África, avançavam as tropas italianas e alemãs comanda- ::>
assinado pelos dois países. Os alemães seguem para os países nórdicos: das pelo general Rommel em direção ao Egito, (possessão britãnica), com �
invadem a Dinamarca e depois a Noruega. Os ingleses tentam impedir o propósito de tomar a canal de Suez. A URSS, por sua vez, ocupou a
<(
o abastecimento de aço sueco aos alemães, mas tiveram que se retirar, Estônia, Letônia e Lituânia, antes já havia invadido a Finlândia e obtido a:
incapazes de se contrapor ao avanço alemão.
Em maio de 1 940, Hitler invade a Bélgica e Holanda. Tropas inglesas,
concessões territoriais.
Hitler voltou-se em seguida para os países Bálticos em auxliio às tro-
ffi
::>
francesas e as forças de resitência dos países ocupados são encurraladas pas italianas que haviam sido derrotadas pelos ingleses na Grécia. Em (!)
pelos alemães em Dunquerque. Com auxilio da armada britânica as tro­ março de 194 1 , as tropas alemãs entraram em Sofia, capital da Bulgária
pas foram retiradas diante da ameaça de massacre total pelos alemães (Re· e depois invadiram a Iugoslávia e a Grécia.
<(
tirada de Dunquerque) . Em maio de 1941 os alemães haviam esmagado toda a resitência euro- -
Em junho os alemães chegam a Paris. A França foi dividida em duas péia. Restava apenas a Inglaterra. Em junho de 1 94 1 , a guerra entra na
panes: uma ocupada pelos alemães e outra, ao sul, com capital em Vichy, sua terceira fase: Hitler inicia o ataque contra a União Soviética. 171
rio japonês atacaram de surpresa a base mi­
Na tarde de domingo, de 7 de Dezembro de 1 9 4 1 , um ataque de surpresa de litar americana de Pearl Harbour, no Ha­
105 bombardeiros japoneses estraçalhou navios e destruiu a maior parte dos avires
vaí, e continuaram avançando pelo Pacífi­
pertencentes à Frota Americana do Pacífico, em Pearl Harbour. "Ontem, 7 de
Dezembro de 1941 - data que levará para sempre a mancha da infâmia - os co. A frota americana sofreu graves perdas.
Estados Unidos da América foram súbita e deliberadamente atacados por forças EUA e Grã-Bretanha declararam guerra ao
navais e aéreas do Império do Japão", foi o que disse o presidente Roosevelt ao Japão.
Congresso, no dia seguinte. "Peço ao Congresso que declare, por haver um ata­
que sem provocação, e miseravelmente feito pelo Japão, um estado de guerra
O conflito se tomara mundial. De uma
entre os Estados Unidos, e o Império Japonês." Com apenas um voto em contrá­ forma ou de outra, quase todos os países
rio, o Congresso declarou guerra ao Japão. entraram na guerra. Muitos diretamente,
Quatro dias mais tarde, em 1 1 de Dezembro de 1 94 1 , a Alemanha e a Itália
declararam guerra aos Estados Unidos. (Leo Huberman - Nós, o PllVo)
como o Brasil, que declarou guerra ao Ei­
xo em 1942. Outros indiretamente, forne-
cendo matéria-prima para os americanos.
Esse fato ajudou os EUA na luta contra as
potências do Eixo: quatro dias depois de iniciada a guerra entre americanos e japo­
neses, a Alemanha e a Itália declararam guerra aos EUA.
Até maio de 1942, o Japão conseguiu conquistar uma área de mais de 4 milhões
de km2 e uma população de 1 50 milhões de pessoas. As forças japonesas tomaram
a Malásia, as Filipinas, Hong Kong, a Birmânia e incontáveis pequenas ilhas no ocea­
no Pacífico. Esse fato valeu ao Japão o fornecimento de matéria-prima e mão-de­
obra necessárias para o prosseguimento da guerra. Os japoneses tentaram também
ampliar o domínio sobre a China, mas o Exército de Libertação, comandado por
Mao Tsé-tung, resistiu tenazmente.
Somente a partir de maio de 1942 os EUA começaram a recuperar os terrenos
perdidos.

O historiador Alan Clark descreve o in­


1 942 a 1 944: Muda o rumo da guerra
ferno de Stalingrado e a luta desespera­
da dos russos na reconquista da cidade, Em 1942, as potências do Eixo conseguiram o seu ponto máximo de expansão.
ocupada pelos alemães. Os alemães chegaram até quase o Cáucaso e as forças de Rommel, no norte da Áfri-
ca, chegaram até o canal de Suez. Os ja­
poneses, no oriente se preparavam para
A luta teve início no dia 4 de outubro, prolongando-se por quase três sema­ invadir a Índia e a Austrália. Aos poucos
nas. As tropas de Von Paulus haviam sido reforçadas com diversas unidades es­
pecializadas, incluindo batalhões policiais e de engenharia, .peritos em combate
as coisas começaram a mudar.
de rua e em trabalhos de demolição. Entretanto, apesar de fortemente inferiori­ No final de 1942, os japoneses foram
zados, os russos continuaram a dominar a técnica da luta de casa a casa. Ha­ derrotados pelos americanos nas batalhas
viam aperfeiçoado o emprego dos chamados "grupos de choque" - pequenos
pelotões mistos, integrados por soldados com metralhadoras leves e pesadas, fuzis­ do mar de Coral e das ilhas Midway. Tro­
metralhadoras e canhões antítanques, que davam cobertura uns aos outros em pas americanas conseguiram desembarcar
contra-ataques relâmpagos. Criaram também as chamadas "zonas de morte", casas em Guadalcanal (ilhas Salomão), barran­
e quarteirões fortemente minados, cujos acessos só eles conheciam e para os quais
procuravam atrair alemães.
do a ofensiva japonesa em direção à Aus­
Pouco a pouco e a duras perdas, estes últimos conquistavam palmos de terre­ trália.
no nos imensos edifícios, ao redor da maquinaria inerte, nas fundições, nas li­ No norte da África, as forças de Rom­
nhas de montagens e nos escritónos. "Meu Deus, porque nos abandonastes?",
escreveu um tenente da 24� Divisão Panzer. "Para tomar uma única casa luta­
mel foram derrotadas pelo general inglês
mos quinze dias, lançando mão de morteiros, granadas, metralhadoras e baio­ Montgomery na batalha de El-Alamein,
netas. Já no terceiro dia, 54 cadáveres de soldados alemães estavam espalhados na Líbia.
pelos porões, pelos patamares e pelas escadas. Nossa frente é um corredor ao
longo de quartos incendiados ou o forro entre dois pavimentos. Pelas chaminés
Na frente oriental, os alemães, coman­
e escadas de incêndio das casas vizinhas é que chegam os reforços. A luta não dados pelo general von Paulus, tentaram
cessa nunca. De um andar para outro, rostos enegrecidos pelo suor, nós nos bom­ tomar a cidade de Stalingrado a qualquer
bardeamos uns aos outros com granadas, em meio a explosões, nuvens de poei­
ra e de fumaça, montes de argamassa, em meio ao dilúvio de sangue, aos destroços
custo. Eles já haviam invadido grande parte
de mobiliário e de seres humanos. Perguntem a qualquer soldado o que. signifi­ da cidade, mas ainda existiam focos de re­
ca meia hora de luta de corpo a corpo numa peleja desse tipo. Depois imaginem sistência.
Stalingrado - oitenta dias e oitenta noites só de luta corpo a corpo. As ruas fá
não se medem por metros, mas por cadáveres ( ... ). Stalingrado já não é mais uma Mas, em janeiro de 1 943, o Exército so­
cidade. Durante o dia não passa de uma imensa nuvem de fumaça, que cega viético se organizou, deslocando tropas pa­
e queima, uma enorme fornalha iluminada pelo reflexo das labaredas. Depois, ra cercar a cidade invadida. Os alemães
quando a noite chega, uma daquelas noites causticantes, de sangue e de gemi­
dos, os cães se lançam às águas do Volga e nadam desesperadamente para che­ viram-se acuados por todos os lados. Em
gar à outra margem. Até os animais fogem deste inferno, que as pedras mais fevereiro, depois de perderem trezentos mil
duras não conseguem suportar por muito tempo - só os homens ainda resis­ soldados, os alemães se renderam.
<(
tem". (Stalingrado - Alan Clark in História do Século XX)
- Daí em diante, a iniciativa dos avan­
1 72 ços seria do Exército soviético.
1 943: o ataque aliado à Itália

A URSS havia se aliado aos ingleses e americanos na luta contra a Alemanha na­
zista. Nessas condições, pedia insistentemente que abrissem mais uma frente de ba­
talha no Ocidente para aliviar a frente oriental. Mas isso só ocorreria em 1944.
Em vez de uma grande invasão na frente ocidental, os aliados preferiram começar
as operações invadindo a Itália.
Os exércitos americanos e ingleses tiveram que tomar, primeiramente, grande par­
te do norte da África, que ainda estava nas mãos dos alemães e italianos, para servir
de ·base quando fossem invadir a Itália.
Em julho de 1943, as tropas dos aliados desembarcaram na Sicília e começaram
um avanço em direção a Roma, onde havia se organizado um grande movimento
de resistência contra as forças nazistas e fascistas. Mussolini foi deposto e substituí­
do por um general chamado Badoglio, que declarou a rendição incondicional. Ao
mesmo tempo, Mussolini, auxiliado pelos alemães, tentou organizar um governo fas­
cista no norte da Itália, mas, no início de 1945, caiu prisioneiro de guerrilheiros co­
munistas e foi executado.
O governo soviético queria que seus aliados abrissem uma frente mais importante
na parte ocidental. Assim, Stálin, chefe do governo soviético, Churchill, chefe do
governo inglês, e Roosevelt, presidente dos EUA, reuniram-se em Teerã, em 1944,
onde acertaram a abertura da frente, no norte da França.

A derrota da Alemanha e do Japão


Em 6 de agosto de 1945 um avião de
Os movimentos de libertação como a Resistência Francesa já tinham preparado bombardeio americano procedente das
ilhas Marianas lançou a primeira bom­
o caminho para que os aliados pudessem começar o ataque no norte da França. ba atômica. Ela desceu de pára-quedas,
Os membros da Resistência Francesa sabotaram estradas, destruíram pontes e postes sendo detonada a 500 metros acima do
alvo - Hiroshima. Era exatamente 8hl6
telegráficos, enfraquecendo, dessa forma, as possibilidades de um contra-ataque mais
da manhã, a hora mais trágica deste
forte por parte dos alemães. século.
A invasão da França começou na madru­
Para os que lá estavam e sobreviveram, a lembrança do instante em que o ho­
gada do dia 6 de junho de 1 944, que ficou mem, pela primeira vez, desencadeou contra si mesmo as forças naturais de seu
conhecido como o Dia D. As tropas ame­ universo é de um relâmpago de pura luz, ofuscante e intensa, mas de uma terrí­
ricanas e inglesas, lutando contra os ale­ vel beleza e variedade ( ... ). Se houve algum som, ninguém o ouviu.
O relâmpago inicial gerou uma sucessão de calamidades. Primeiro veio o ca­
mães, avançaram até chegar a Paris, que lor. Durou apenas um instante mas foi de tal intensidade que derreteu os telha­
já estava parcialmente libertada pelas for­ dos, fundiu os cristais de quartzo nos blocos de granito, chamuscou os postes
ças da Resistência. telefônicos numa área de 3 quilômetros e incinerou os seres humanos que se acha­
vam nas proximidades. Tão completamente que nada restou deles, a não ser suas
Na Alemanha, Hitler tentou desespera­ silhuetas, gravadas a fogo no asfalto das ruas ou nas paredes de pedra.
damente resistir, apelando para o recruta­ Depois do calor veio o deslocamento de ar, varrendo tudo ao seu redor com
mento de soldados de qualquer idade. Na a força de um furacão soprando a 800 quilômetros por hora. Num círculo gigan­
tesco de mais de 3 quilômetros, tudo foi reduzido a escombros.
frente oriental, os soviéticos avançaram, Em poucos segundos o calor e o vendaval atearam milhares de incêndios. Em
forçando a rendição da Finlândia, Bulgá­ alguns pontos o fogo parecia brotar do próprio chão, tão numerosas eram as cha­
ria, Hungria, Polônia, Romênia, Tchecos­ mas tremulantes geradas pela irradiação do calor.
Minutos depois da explosão começou a cair uma chuva estranha. Suas gotas
lováquia e Iugoslávia. eram grandes e negras. Esse fenômeno aterrador resultava da vaporização da
Em fevereiro de 1 945, na cidade russa um idade da bola de fogo e de sua condensação em forma de nuvem.
_ _J
de Yalta, Stálin, Roosevelt e Churchill, che­ A medida que a nuvem, formada de vapor de água e dos escombros pulveri­ <(
zados de Hiroshima, atingia o ar mais frio das camadas superiores, condensava­ a
fes dos governos aliados, reuniram-se no­ se, caindo sob a forma de 'chuva negra' que não apagava os incêndios, mas au­ z
vamente para tomar decisões relativas à paz mentava o pânico e a confusão ( ... ). ::>
Depois da chuva veio o vento - o grande vento de fogo -, soprando em dire­ �
e discutir o que fazer com a Europa depois
ção ao centro da catástrofe e aumentando de violência à medida que o ar de <(
que Hitler fosse totalmente derrotado. Pen­ Hiroshima ficava cada vez mais quente. O vento soprava taõ forte que arrancava a:
a:
saram no rumo que dariam à Alemanha e árvores enormes nos parques onde se abrigavam os sobreviventes. Milhares de w
se preocuparam em delimitar de antemão pessoas vagavam às cegas e sem outro objetivo a não ser fugir da cidade de qual­ ::>
quer maneira. Ao chegarem aos subúrbios, eram tomadas, a princípio, por ne­ (.!)
as esferas de influência. gros e não j aponeses, tão enegrecidas estavam. Os refugiados não conseguiram
Hitler e alguns auxiliares refugiaram-se explicar como foram queimados. "Vimos um clarão", contavam, "e ficamos as­ <(
em Berlim e decidiram permanecer no sim." (Fletcher Knebel e Charles Bailey - No High Ground, in História do Século XX ) -
Bunker da Chancelaria até "o último dia' '. 1 73
No dia 30 de abril de 1 945, Hitler suicidou-se. Os russos tomaram a cidade no dia 2
de maio.
Nos dias 7 e 8 de maio, o que restou do alto comando alemão assinou, diante de ame­
ricanos e soviéticos, documentos de rendi�ão incondicional. A guerra terminara na
Europa, mas prosseguia no Pacífico.
Os norte-americanos reconquistaram as Filipinas, a Birmânia e, em fevereiro de 1 945,
tomaram a ilha de Iwo Jima, território japonês. Mesmo assim, os japoneses resistiam.
No dia 6 de agosto de 1 945, os EUA lançaram a primeira bomba atômica sobre
Hiroshima, provocando a morte de 1 00 mil pessoas. No dia 9, outra bomba lançada,
agora sobre a cidade de Nagasaki. O Japão não teve outra alternativa senão render-se
incondicionalmente aos americanos, em setembro de 1 945.
A li Guerra Mundial havia acabado.

Conseqüências imediatas da 11 Guerra Mundial

Perdas humanas: Mais de 60 milhões de pessoas morreram na li Guerra Mundial. A


URSS foi o país que mais sofreu com a guerra: com o fim do regime soviético foram
liberados os recenseamentos do período da guerra e do pós. A revelação foi surpreen­
A idéia de JUlgar os alemães dente: o número de russos mortos foi de quase 50 milhões, mais do que o dobro da anti­
responsáveis pelos crimes de
ga versão oficial de Moscou. Na China morreram seis milhões de soldados; na
guerra ganhou força quando os
líderes aliados compreenderam que
Alemanha, quatro milhões; no Japão, um milhão e duzentos mil. Os americanos foram
os nazistas não se sentiam os que tiveram menores perdas: trezentos mil soldados.
limitados por nenhuma das práticas
"normais" de guerra. Em outubro
de 1943, os Ministros das Relações Conseqüências políticas: A Europa perdeu a hegemonia sobre o mundo. Todo o centro de
Exteriores da Grã-Bretanha, decisões econômicas e políticas passou para as mãos dos EUA e da URSS. Para se recupe­
Estados Unidos e Uniao Soviética rar, a Europa teria que contar com um plano de ajuda norte-americano.
encontraram-se em Moscou. A
declaração que se seguiu
Mas o surgimento de várias nações socialistas criaria novos centros de tensão no mundo.
incorporou os objetivos expressos A vitória dos comunistas na China aumentou o temor de que o socialismo se expandisse.
por Churchill, (. .. ) numa nota à Portanto, inicia-se a formação de blocos que querem aumentar suas áreas de influência: de
conferência:"É certo que as
Potências Aliadas os perseguirão
um lado, os EUA tentando manter a situação e, de outro, a URSS querendo se defender e
(aos culpados) até os mais divulgar o socialismo. A essa tensão entre os dois blocos deu-se o nome de guerra fria,
longíquos confins da terra e os
que estudaremos no próximo capítulo.
entregarão a seus acusadores para
que a justiça possa ser feita".
A declaração afirmava também que Exercício
os criminosos de guerra cujos atos No ano de 1 94 1 os fatos mais importantes no desenrolar da Segunda Guerra Mundial
afetassem diversos pafses seriam
foram:
julgados e punidos por uma
"decisão comum" dos países
aliados.( . . . ) a) a invasão da Grécia pelo exército (Wermacht) alemão e a queda da França;
Os JUlgamentos de Nuremberg - b) a tomada do Canal de Suez pelo Afrika Korps e o ataque japonês à China;
que foram treze - representaram
somente uma pequena parte do
c) o ataque japonês à China e o abandono da neutralidade por parte dos americanos;
esforço geral aliado para d) a Operação Barbarossa (invasão da União Soviética) e o ataque j aponês a Pearl
desnazificar a Alemanha. Somente Harbour, levando os EUA à guerra contra o Eixo.
199 homens foram julgados desde
então: em cortes militares aliadas,
por seu próprio povo depois da Resposta
retirada dos Aliados, e em antigos Alternativa correta: d. A participação da União Soviética e dos Estados Unidos na
territórios ocupados. (John Man •
Segunda Guerra Mundial depois do ano de 1 94 1 mudou o rumo do conflito. O peso
Nuremberg: O julgamento do
nazismo in Hist6ria do Século XX) dos dois países acabou por derrotar a Alemanha e o Japão.

1 74
A SITUAÇA O
/IV

D O MUNDO DEPOIS
DA GUERRA

Depois da li Guerra, o centro vital da economia capitalista deslocou-se da Europa


para os Estados Unidos. Os antigos nacionalismos europeus perderam grande parte de
sua força e, em seu lugar, impunha-se cada vez mais a necessidade da integração eco­
nômica de todos os países europeus. Essa integração concretizou-se nos estatutos de
formação do Mercado Comum Europeu. No Leste Europeu, emergiram sistemas polí­
tico-econômicos socialistas mais ou menos integrados ao modelo soviético, em con­
seqüência direta das vitórias do Exército Vermelho soviético durante a li Grande Um panorama da política social
Guerra. depois da guerra.

No fim da guerra, o panorama da Europa Ocidental não podia ser mais desolador: os Os governos podiam, entretanto,
países se encontravam arrasados por seis anos de guerra, fome e desemprego. A agita­ corrigir a distribuição desigual
das necessidades, por meio d e
ção social era intensa. Além disso, a maioria desses países, endividada pelos gastos de
todos o s dispositivos do "Estado
guerra, não dispunha de capitais necessários à sua reconstrução. Nessas condições cres­ do Bem-Estar": através dos
cia um clima de tensão e de agitação social, colocando em risco a sobrevivência do pró­ subsídios de alimentos, como na

prio sistema capitalista na Europa. Inglaterra, por meio de um


sistema de generosas pensões de
Até 1 944 a América Latina havia sido a parceira econômica vital dos Estados família, como na França, e pelo
Unidos . Com o fim da guerra e a vitória sobre o imperialismo alemão, a Europa processo de taxação gradativa
e provisão de serviços sociais
tomou-se o ponto mais importante da estratégia política e econômica norte-ameri­
"de acordo com a necessidade' ,
cana. O Plano Marshall, iniciado em abril de 1 948, começou a injetar 1 7 bilhões de •• como n a maioria dos países,
dólare� na de�astada Europa. na metade do século XX. Mas,

e Alemanha. Essa verdadeira injeção de dólares nas moribundas economias da Europa devido ao fato de que uma parte
tão grande de seus alimentos
Ocidental não tardou em apresentar resultados: só nos dois primeiros anos de aplicação essenciais e de suas matérias­
do plano, a economia européia cresceu em média 25%. primas vinha dos Estados Unidos

Em todos os países europeus, a reconstrução econômica beneficiou prioritariamente e do Canadá, os países da área do
<(
esterlino encontraram-se em face CC
as grandes companhias monopolistas, além de servir como ponte para a penetração dos de um grande déficit de dólares e a:
UJ
capitais norte-americanos no parque industrial europeu. de um balanço de pagamentos :::::>
Depois da guerra, os europeus tomaram consciência da fraqueza relativa de sua eco­ desfavoráveL (A área do esterlino <D
nomia frente ao poderio representado pelo capital norte-americano. A reconstrução
incluía toda a Comunidade, <(
exceto o Canadá, e compreendia o
econômica, feita com o auxílio norte-americano, deixava esses países na incômoda cerca de 540 milhões de pessoas.) (f)
Também a França e a Itália
situação de dependência, que se tomava mais nítida com a desagregação dos velhos o
encontraram dificuldade, durante 0..
impérios coloniais. UJ
toda a década de 1 950, em evitar o
A solução para esse impasse estava numa integração econômica a nível continental um balanço de pagamentos
o
desfavoráveL Os países da
que criasse os recursos fmanceiros necessários para prosseguir com o crescimento eco­ o
Europa, em grau maior do que os z
nômico de cada país. de qualquer outro continente, :::::>
A integração econômica européia, facilitada pelo Plano Marshall, incentivou, até dependiam, para sua 2
prosperidade, do comércio o
certo ponto, a formação da BENELUX: união alfandegária entre Bélgica, Holanda .e
internacional. Dessa maneira, a o
Luxemburgo; Em 1 952, foi criada a Comunidade Européia do Carvão e do Aç� desorganização do referido o
(CECA), com a participação da França e da Alemanha, que procuravam racionalizar a comércio pela guerra, e pela ! <(
partilha que se lhe seguiu, feriu a U·
exploração de seus recursos. O êxito econômico alcançado por esses organismos esti­ <(
Europa com especial dureza.
mulou a formação, emJ257, .da. Cow.u.n.idad�. .E:c.:Qn,9mica Européia (CEE), mais :::::>
Contribuiu para a contração 1-
conhecida como Mercado Comum Europeu (MCE). relativa da posição da Europa no (f)
mundo. Aqui também houve um
Inicialmente assinaram o tratado do MCE a França, a Alemenha Ocidental e os paí­
(David
deslocamento de poder.
ses-membros da B ENELUX. Posteriormente foram admitidos outros países. O objeF Thompson - Pequena história do
-

tivo principal do MCE era abolir todas as tarifas internas que pudessem impedir mundo contemporâneo) 1 75
a livre circulação de mercadorias entre os
O objetivo d o Plano Marshall era reconstruir a Europa. O programa envolveria
dezesseis países da Europa e mais a Alemanha Ocidental. Foram esboçados quatro
países a ele associados.
objetivos principais: um aumento na produtividade agrícola e industrial. que atingis­ O cenário político europeu ganhou defi­
se pelo menos os níveis do pré-guerra; alcançar a estabilidade financeira; a coopera­ nitivamente um novo personagem, repre­
ção econômica entre os países participantes e uma solução para o problema do défi­
cit de dólares por meio do aumento das exportações. Os membros prometeram coo­
sentado pelos principais partidos comunis­
peração, redução das tarifas e, por fim, a conversibilidade da moeda. Paralelamente tas, que tiveram sua legalidade respaldada
ao trabalho da CEEC havia grupos de estudo nos Estados Unidos traçando planos pela participação dos comunistas nos
para fazer frente à emergência. O Conselho de Consultores E conômicos fez análises
detalhadas da situação geral; a Comissão Presidencial para Ajuda Estrangeira. sob a
movimentos de resistência contra a ocupa­
direção do secretário de Comércio, Averell Harriman, explorou as ramificações de um ção nazifacista. Muitos desses partidos
amplo programa de auxilio; e uma terceira comissão, sob a direção do secretário do evoluíram, transformando-se em poderosos
Interior, Julius Krug, estudou a capacidade dos Estados Unidos, em termos de recur­
sos, para manter um vasto programa de ajuda econômica. Nos relatórios apresenta­
partidos de massa, que contavam com
dos pelas comissões, no outono de 1 947, todos apoiavam a concepção presente no expressivo apoio eleitoral, como foi o caso
Plano Marshall e baseavam seus argumentos no fato de quEiJ, por diversas maneiras, da Itália e da França.
os interesses nacionais americanos seriam servidos por esse programa. Todos con­
cordavam em que a segurança dos Estados Unidos estaria em risco se a Europa capi­
Na Itália, a cena política do pós-guerra
talista entrasse em colapso. Segundo o Conselho de Consultores Econômicos, caso foi marcada pela disputa entre a Demo­
não houvesse um amplo programa de ajuda, as exportações americanas cairiam rapi­ cracia Cristã e o Partido Comunista Italia­
damente, trazendo problemas para a economia interna. A Comissãó Harriman calcu­
no (PCI), os dois maiores partidos políti­
lou que seriam necessários de 12 bilhões a 17 bilhões de dólares para a recuperação
européia, e que tal ajuda não seria caridade, mas um investimento no interesse públi­ cos. Na França, o Partido Comunista Fran­
co. Todos eles definiram os interesses nacionais americanos, enfatizando os fatores cês (PCF) e o Partido Socialista dividiam
econômico, político, estratégico e "humanitário". Um tema constante era o de que os
entre si os votos da maior parte da esquer­
Estados Unidos não deveriam dirigir as operações, mas sim cooperar num programa
inspirado pelos europeus. da. Em 198 1 , o Partido Socialista elegeu
(D. K. Adams in Histórüz do Século XX, op. cit.) François Miterrand presidente da França,
que em 1 988 foi reeleito.
Na Inglaterra, a luta política se dava entre
O Plano Marshall, ou Programa de dois grandes partidos: o Partido Conservador, que representava os interesses do grande
Recuperação Européia, foi sugerido
capital e de parte da classe média inglesa, e o Partido Trabalhista, que defendia um pro­
pela primeira vez por George Marshall,
secretário de estado norte-americano. grama reformista, com o apoio dos sindicatos e da numerosa classe trabalhadora.
No texto acima ficam evidentes os inte­ Nesses países, o impulso da participação popular, o crescimento do poder de barga­
resses americanos que na realidade
nha dos poderosos sindicatos trabalhistas e a pressão dos partidos de oposição levaram
eram uma tentativa de conter a expansão
soviética. os governos a adotar um sistema de segurança social (socialização da medicina, pen­
sões para desempregados, salário-família etc.); capaz de garantir um padrão de vida
mínimo à população, eliminando os problemas relacionados com a miséria. Por outro
lado, a expansão econômica vivida por esses países nas décadas de 50 e 60 combinada
com um poderoso movimento sindical, permitiu vitórias importantes para os assalaria­
dos, que conquistaram um alto padrão de vida.
Outra éáfãctei'Ísticã era a: crescente importância econômica que o Estado foi adqui­
rindó. A intervenção direta do Estado na economia, muitas vezes favorecendo certas
<{
0: companhias através de créditos especiais, isenção de impostos etc., outras vezes atra­
0:
UJ vés de empresas sob controle estatal, um fenômeno então recente na Europa, que des­
::)
(.9 pertou a atenção de muitos estudiosos. A tendência de intervensionismo estatal sofrefâ,
<{ como veremos, mudanças nos anos 80 e 90.
a
(f)
o
c..
w
a
o Os problemas da Europa Meridional
a
z
::)
� Talvez a disparidade mais gritante no quadro geral da Europa Ocidental era exata­
o mente aquela representada pelos países do sul da Europa, especialmente a Grécia,
a
Portugal e, até certo ponto, a Espanha.
o
I<{ Em Portugal, o Estado ditatorial salazarista só encontrou seu fim em 1 974, com a cha­
U· mada Revolução dos Cravos, que contou com a decisiva participação dos quadros da
<{
::) média oficialidade do Exército português; exasperados por quase duas décadas de guer- .••

C/) ra colonial na África.
Do ponto de vista econômico, a estrutura agrária de Portugal, marcada pela presença
- de grandes latifúndios mal-.adlllinistrados e improdutivos, colocou sérios obstáculds ao
176 des envolv1me!lto industrial desse país. Essa situação foi ainda agravada pela falta de
matéria-prima e de recursos financeiros
Lisboa, esta noite, está povoada de sombras.
capazes de financiar o desenvolvimento No entanto, esta noite de 24 para 25 de abril, assemelha-se a tantas outras.
português. Viaturas cruzam as artérias da capital; os noctívagos bebem o último copo. Nesta
primavera, há um pouco de boa disposição espalhada pela antiga e bela cidade.
Na Espanha, a morte do velho ditador
Por vezes adormece-se. A vida é vulgar.
Francisco Franco, em 1 975, precipitou a Alguns homens, no entanto, esperam pelo invulgar, pelo extraordinário. De
decomposição da ditadura franquista. O omlha colada aos ieceptoms de rádio, escutam a Rádio Renascença.
Assemelhamse aos resistentes que, na sombra, escutavam a B.B.C. durante a últi­
novo rei, Juan Carlos I, no poder desde
ma guerra; que esperavam uma mensagem, um código, um sinal para uma açao
1975, optou pelas reformas democratizantes de que talvez dependesse o resultado da guerra.
e pela modernização do Estado, que respon­ Meia-noite e meia. Algo se diz semelhante a uma esperança. Grândola, vila

diam às necessidades da nova classe empre­ momna,


Terra da fraternidade,
sarial espanhola. Essas reformas, de cunho O povo é quem mais ordena
democrático, se aprofundaram ao longo dos Dentro de ti, ó cidade.
últimos anos da década de 70, sob a pressão Vasconcelos, o locutor da Rádio Renascença, acaba de ler estes poucos versos.
A voz é grave, lentd para que todos possam compreender cada silaba. A voz cala­
das forças populares. se. Já soam as primeiras notas duma canção. Os versos recitados por
Os problemas relacionados com o reco­ Vasconcelos são agora cantados por Zeca Afonso.
Acaba de ser dado o sinal sonoro, a palavra de passe, a luz verde para a revolu­
nhecimento dos direitos das minorias nacio­
ção.
nais (em particular bascos e catalães) dentro A vitória estará próxima? Às oito horas, Luís Filipe Costa, locutor, lê aos micro­
do Estado espanhol e a persistência dos fones o comunicado que, finalmente, oferece as primeiras justificações para a

ideais franquistas no interior das Forças ação:


"As Forças Armadas desencade.3ram na madrugada de hoje uma série de ações
Armadas permaneceram como dois proble­ com vista a libertarem o País do regime que há tanto tempo o domina (. .. )
mas que ameaçavam a estabilidade do novo Consciente de que interpreta os verdadeiros sentimentos da Nação, o Movimento

regime. das Forças Armadas prosseguirá na sua aç&o libertadora e pede à população que
se mantenha calma e se recolha a suas residências. Viva Portugal! " Chegam ainda
A eleição em 1 982 de Felipe Gonzáles, à Rádio Clube dois outros comunicados. Dirigem-se respectivamente aos homens
líder do Partido Socialista Operário Espa­ da Guarda Nacional Republicana, da Polícia de Segurança Pública, da Legião
Portuguesa e da D.G.S., as forças policiais e militarizadas de que falavam os pri­
nhol (PSOE), aparecia como uma saída
meiros comunicados. Sao ameaçados de resposta implacável no caso de intervi­
pacífica para a situação do povo espanhol. rem. (Pierre Audibert e Daniel Brignon - Portugal - Os novos cen turiões)
A Grécia enfrentou, na década de 60, uma
das ditaduras mais corruptas e violentas da
história européia mais recente. Jnsfal.Irªflo em 1 967, o "regime dos coronéis" só foi çles­ No dia 24 de abril de 1 974 é dada a
senha pela Rádio Renascença de Lisboa
truído em 1974, quando CaranÍanlls, hcierando a direita liberal, subiu ao poder e restau­
para o início da Revolta dos Cravos. No
rou as instituições democráticas . dia seguinte, Portugal entrava numa
Apesar disso, a democracia grega permaneceu ainda instável, ameaçada de um lado nova era após mais de meio século de
ditadura. Os autores do texto são dois
pelo Exército ainda não depurado de suas pretensões golpistas e, de outro, pelas tensões
jornalistas franceses que se encontravam
sociais que se agravaram com as dificuldades geradas pela economia agrícola do país. na ocasião acompanhando a revolução.
A situação desse países mudará substancialmente depois do ingresso na Comunidade
Econômica Européia nos anos 80 e 90.
<(
a:
a:
O problema das duas Alemanhas LU
:::>
{!)
As premissas que orientaram o tratamento que os aliados dispt;nsaram à Alemanha de
<(
Hitler, após a vitória, foram decididas na Conferência de Yal� i:rm fevereiro de 1 94� e, Cl
posteriormente, reafirmadas na Conferência d� fcj�cfl(tfií;,: ��julho do mesmo ano. •• (f)
Nessas conferências, as três potências aliadas (Inglaterra, EUA e URSS) se comprome­ o
a..
teram a dotar a Alemanha de uma constituição democrática no mais breve intervalo de LU
Cl
tempo possível; ao mesmo tempo se prócédéda ao desarmamento do país. o
No entanto, divergências entre os antigos aliados mudaram os planos inicias. Na parte Cl
z
ocupada pelos exércitos da França, Inglaterra e Estados Unidos foi criada a República :::>
Federal Alemã, dentro dos moldes liberais-democráticos-capitalistas. Em 1 949, o novo :2!
governo alemão promulgou a "lei fundamental de Bonn", que viria a ser a primeira o
Cl
Constituição provisória da República Federal Alemã (RFA). Ao mesmo tempo, uma série o
de reformas econômicas e a ajuda norte-americana permitiam a reconstrução da economia. 1<(

A URSS, por sua vez, passou a atuar no sentido de favorecer uma solução socialista para <(
:::>
sua zona de ocupação. Em 1949, respondendo à criação da RFA, no lado ocidental, o go­ l­
verno soviético pressionou a criação de uma República Socialista Alemã. Em outubro C/)
desse ano, o Congresso do Povo Alemão, eleito em maio com poderes legislativos,
-
proclamou a Constituição da República Democrática Alemã (RDA), na porção oriental da
antiga Alemanha. 1 77
A cidade de Berlim, situada na Alemanha Oriental, acabaria sendo dividida e m duas:
uma porção c apitalista e uma socialista, separadas por um muro que só foi derrubado
em novembro de 1 989, quando começará, como veremos, a reunificação alemã.

As Repúblicas Socialistas do
leste europeu

Os países do leste europeu, que até o final dos anos 80 faziam parte do bloco
soviético, se tran sformaram em sociali stas de diferentes forma s . A Pol ô n i a , a
Tchecoslováquia e a Bulgária, organizaram, durante a invasão da Alemanha Nazista,
movimentos clandestinos guerrilheiros para combater os alemães.
De modo geral, esses grupos clandestinos eram conduzidos pelos partidos comu­
nistas, auxiliados pela União Soviética. Na medida em que o Exército Vermelho ia
avançando e libertando esses países do domínio nazista, formavam-se governos pro­
visórios. Os novos governos eram compostos pelas diferentes forças políticas que resis­
tiram ao Nazismo.
Na Iugoslávia o processo foi diferente. Seguindo um caminho próprio, os guerril­
heiros, dirigidos pelo lendário Marechal Tito, derrotaram os nazistas. Combateram os
guerrilheiros chetniks (também iugoslavos), liderados por Mikhailovich, que em certos
momentos apoiavam os nazistas. Assim, em 3 1 de janeiro de 1 946, a Iugoslávia trans­
formou - s e em uma repúblic a liderada por Tito . O sistema de confederação fia ·

Iugoslávia sobreviveu até 1 99 1 , quando iniciou-se a guerra civil. •

Sob o título "Duas mil palavras··, seten­ A Hungria e a Romênia tiveram situação diversa. Esse países haviam sido aliados da
ta destacadas personalidades tchecos­ Alemanha Nazista. Por isso, quando os exércitos sovi�tic()s derrotaram os alemães, )iún­
lovacas divulgaram um documento que
exerceu influência decisiva na crise que
garos e romenos foram tratados �oi'ri�T�ill1ig�� �j'()��n{ ��b�gtídÓ� � �rri ii�t)rüso controle.
abalou aquele país da Europa Central. Na Romênia. por exemplo. os soviéticos impuseram um governo de frente popular,
destituindo a liderança pró-ocidente apoiada
pela Inglaterra e pelos Estados Unidos. De
A vida de nossa nação, antes ameaçada pela guerra, conheceu em seguida um perío­
do sombrio pelos acontecimentos que puseram em perigo sua saúde espiritual e seu
modo geral, a União Soviética concordava
próprio caráter. . com governos de coalizão, resultado de
Foi com um sentimento de esperança que a maioria da nação aceitou o programa do
acordos não muito claros entre os antigos
socialismo. Mas as alavancas de comando não cairam em boas mãos. Oue faltasse
<( experiência aos estadistas, conhecimentos práticos ou cultura filosófica, isto não teria aliados (Inglaterra e Estados Unidos) . Na
a: tido maior importância se, ao menos , eles tivessem sido capazes de escutar as opiniões
a: medida em que cresciam as desconfianças
w dos demais e se eles se deixassem substituir por outros mais capazes.
::::> O Partido Comunista que, depois da guerra, contava com a confiança do povo, gra­ entre a liderança soviética e os ocidentais, o
t9 dualmente substituiu essa confiança pelos postos até ocupá-los todos com exclusivida­ quadro político dos países do chamado leste
<( de. Devemos dizê-lo e os que, entre nós, são comunistas sabem que é verdade. A sua
Cl decepção diante dos resultados é tão grande como a decepção dos demais. europeu tendia a ser determinado pela URSS.
C/) A linha incorreta dos dirigentes transformou o partido, que era um partido político e A vitória do Exército Vermelho sobre os
o um agrupamento ideológico, em uma organização do poder que atraiu os egoístas ávi­
0.. dos de domínio, os covardes hábeis e as pessoas de má conseqüência. O afluxo desses
nazistas dava condições morais para que a
w
Cl elementos ao partido afetou sua natureza e conduta. URSS destituísse governos que fossem
Sua organização interna não permitia às pessoas honestas conquistar influência sem
o pró-ocidente. Tanto a Inglaterra quanto os
o incidentes escandalosos nem modificar o partido para mantê-lo constantemente em
z harmonia com o mundo moderno. Muitos comunistas combateram essa decadência, Estados Unidos procuravam, por todos os
::::> mas não conseguiram impedir o que aconteceu.
:i!! meios, impedir o aumento da influência
A situação no interior do Partido Comunista serviu de modelo e provocou uma situa­
o ção similar no Estado. O fato de o Partido Comunista estar ligado ao Estado levou-o a russa na região. A Guerra Fria começava a
o perder as vantagens do distanciamento do poder executivo. Ele não tinha mais as críti­
tomar corpo.
o cas das atividades do Estado e das organizações econômicas. O Congresso esqueceu os
t<( procedimentos parlamentares, o Governo esqueceu como se governa, os dirigentes, A cada investida do Ocidente, a União
U· como se dirige. As eleições não tinham mais significação e as leis perderam seu valor.
<( Soviética ajudava os comunistas a estab­
::::> Não podíamos mais contar com nossos representantes em nenhuma organização. Se
podíamos neles depositar nossa confiança, não lhes pod.iarnos pedir o que quer que elecer governos de maioria na Europa
t:
(/) fosse porque eles nada podiam fazer. Pior ainda, não podíamos mais ter confiança uns Oriental. Formavam-se assim os chamados
nos outros. A honra pessoal e coletiva declinava. (Revista civilização .bra.sileirà cader­
países s atélites da esfera de influência
-

- no especial n' 3)
soviética.
178
Evolução econômica dos p aíses
do Leste europ eu

Nos anos que se seguiram à II Guerra Mundial , os países da Europa Oriental, ao con- .•• Houve fortes reações contra a socializa­

trário cl() que Írluitós observadores . previiílin , ãpresentaram crescimento econômico. ção forçada da Hungria. Em 1 956
explodiu uma revolta contra a presença
Em especial, o desenvolvimento indl1sifialsuperou todas as expectativas: Partindo de
soviética. No texto abaixo, o ponto de
uma situação de atraso crônico, com parques industriais obsoletos e pouco desenvolvi­ vista da URSS sobre os acontecimentos:
dos, esses países souberam imprimir um ritmo particularmente intenso ao processo de
industrialização de suas economias. A planificação da economia nacional e o esforço
concentrado no desenvolvimento de uma sólida indústria de base foram as alavancas do Em 23 de outubro de 1956,
espetacular crescimento industrial registrado nos últimos anos. começaram em Budapeste
demonstrações de rua. Os
Entretanto, esse desenvolvimento não deixou de custar alguns sacrifícios à população
operários e os estudantes exigiam
local, especialmente no que se referia à ofertade bens de consumo . .As indústrias pesa­ a correção dos erros cometidos.
das desses países receberam relativamente muito mais investimentos que as indústrias Esse movimento dos trabalhadores
foi aproveitado pelos conspiradores
de consumo durável (automóveis, eletrodomésticos etc.). Essa situação tendeu a se
para iniciar uma insurreição
inverter a partir da década de 70. contra-revolucionária. A revolta foi

Na agricultura, os resultados da administração centralizada foram menos brilhantes. preparada cuidadosamente pela
reação internacional, pois, com
A reforma agrária, realizada após a expulsão dos nazistas, distribuiu a terra dos gran­
de terra, o
bastante rapidez , foram
des latifundiários, criando uma numerosa classe de pequenos proprietários transportados, da Alemanha

que dificultou a exploração racional do solg. Alguns países tentaram resolver esse pro­ Ocidental, bandos de terroristas e
armas. Os amotinados
blema através da nacionalização da terra; a adoção dessa política causou grandes atri­
apoderaram-se das posições-chave,
tos entre os camponeses. Outros países buscaram a solução em cooperativas agrícolas, em Budapeste e em outras

que orientavam as atividades de cada região. cidades, surgindo então um terrível


terror branco. Durante os dias da
Para facilitar o intercâmbio comercial entre os países da Europa Oriental e permitir
revolta, os insurretos mataram, em
um planejamento econômico de sua economia, foi criado, em 1 949, o COMECON meio a horríveis torturas, e

(Conselho de Mútua Ajuda Econômica). Esse organismo desempenha atualmente um enforcaram mais de duas mil e
setecentas pessoas; vinte mil
papel semelhante ao do MCE da Europa Ocidental.
homens foram feridos e mutilados.
Com exceção da Albânia e da Iugoslávia, praticamente todos os outros países da O governo do revisionista lmre

Europa Oriental participam do COMECON, inclusive a URSS. A Iugoslávia mantém Nagy, formado durante os dias da
revolta, declarou, de maneira
contatos comerciais tanto com o MCE como com o COMECON, porém não participa traidora, que a Hungria se afastava
de nenhum deles como país-membro. A Albânia afastou-se da esfera de influência da organização do acordo de

soviética a partir de 1 959, quando tiveram início as disputas sino-soviéticas. Desde Varsóvia. Entretanto, os elementos
avançados da classe operária não
então, até a morte de Mao Tsé-Tung, a Albânia manteve estreitos contatos políticos e
permitiam que a causa do
econômicos com a China. socialismo sucumbisse na Hungria.
(Revonenkov História dos
-

tempos atuais) <(


ex:
o:
UJ
::::>
(.9
<(
Cl
A ONU e a guerra fria U)
o
a..
UJ
Cl
O fim do conflito mundial foi marcado pela tentativa dos países aliados de instaurar o
Cl
uma política de paz duradoura. Criou-se, então, um organismo para coordenar as dire­ z
trizes para a manutenção da paz: a Organização das Nações Unidas (ONU). ::::>

Ao mesmo tempo que se pensava na consolidação da ONU, os EUA e a URSS ini­
o
ciavam acirrada disputa pela hegemonia mundial, que ficou conhecida como Guerra Cl
Fria. O foco inicial dessa disputa ocorreu na própria Europa, tendo como momento o
I<(
mais crítico o bloqueio da cidade de Berlim pelas tropas soviéticas, em março de 1 948. U·
Nos meses que se seguiram ao bloqueio, os habitantes da cidade receberam mantimen­ <(
::::>
tos e carvão através de uma ponte aérea estabelecida por aviões americanos e ingleses l­
e o mundo julgou que estava às portas de uma nova guerra mundial. Mas as duas super­
U)
potências chegaram a um acordo e a guerra fria passou para uma nova fase. Os novos -
focos de atrito ocorreram na definição política e econômica das ex-colônias da África,
1 79
da Ásia e também da América Latina.
A Organização das Nações Unidas

{)í?}Wt�ç���pt�� �f!:fgriJUW�?: �� Ç>N{;J enE Qmr�m� s e na Carta do Atlântico, as s i ­


nada por Churchill e Roosevelt, ern agosto de 194 l{Mas a ONU, como entidade
congregadora de outras nações, teve, como primeiro passo para s u a efetivação, a
declaração, em 1 942, dos 26 países que se encontravam em luta contra as potências
do Eixo.
A formalização da ONU se deu no dia 26
cfé junho de 1 945, antes mesmo de cessar a
Desde o inicio houve acordo sobre alguns pontos. Primeiro, que era necessário guetnltí-avada río Pacífico contra o Japão.
uma organização; a Liga das Nações falhara e tinha que ser substituída. Segundo, Nessa ocasião, a fundação da ONU se fez
que o novo órgão tinha que ser tão universal quanto possível, e dessa vez deveria
com a assinatura de cinqüenta nações em
incluir os Estados Unidos e a União Soviética desde o inicio. Terceiro, que precisa­
va ter à sua disposição sanções mais efetivas do que as que tivera a Liga, isto é, uma carta-programa com 1 1 1 artigos.
deveria possuir "dentes " . A falta destes fora considerada a causa principal do fra­ A estrutura e o funcionamento dos orga­
casso da Liga.
nismos, seções e departamentos são, com
Embora todos concordassem em que o desempenho da Liga das Nações - única
experiência anterior de uma organização internacional - não fora satisfatório, sua pequenas modificações, os mesmos' até hoje.
estrutura foi reproduzida em grande parte na nova organização. Desse modo, con­ A ONU possui, como corpo deliberativo
cordou-se em Dumbarton Oaks em que deveria haver - como na Liga - uma
mais i mportante, a Assembléia Geral.
Assembléia com funções sobretudo consultivas, quE) S\3 rel!niria anualmente, excéi
to no caso de asseril!}h§'ias extí::\'cítciiné.í:iag, e uili conselho éom athl:lúições basica- . Desse corpo participam todos os p aíses da
ttieíí.te exécutfvas'; que se réúniria durante todo o ano. ;I'al como na Liga, haveria Organização, que devem se submeter aos
alguns membros permanentes do Conselho - que, na prática, viriam a ser os países
seguintes princípios básicos:
mais fortes dentro da aliança vitoriosa, pois eles é que conceberiam a estrutura da
organização. A Corte de Justiça Internacional Permanente foi reorganizada em mol­ • manter a paz por meios pacíficos e
des substancialmente semelhantes aos anteriores, recebendo o nome menos ambi­ diplomáticos ou mesmo pela força, se for
cioso de Corte Internacional de Justiça. Foi estabelecido um Secretariado, cujas
preciso;
linhas gerais eram comparáveis às estabelecidas para o órgão similar da Liga das
Nações. As atividades sociais e econômicas que na Liga deveriam ter sido radical­ • reconhecer o direito de cada E s tado à
mente expandidas em 1939 - se tivesse havido tempo -, foram reforçadas e distri­ pr0ptiª cl!i!fe�<Ú
buídas entre diversas novas "agências especializadas" com a nova organização.
� re�onhecer os direitos de autodeterrni­
(Evan Luard - A criação das Nações Unidas in História do Século XX)
nação<.loi povos, o que equivale à não i nter­
ferência nos assuntos internos das nações;
Foi ainda em plena guerra, na Carta do • tod o s os membros devem cumprir as determinações da ONU e renunciar ao
Atlântico assinada pelo presidente emprego da força e da ameaça.
Roosevelt e pelo primeiro-ministro
Churchill em 14 de agosto de 1 94 1 , que
se formulou pela primeira vez como Anualmente, as reuniões oficiais da Assembléia são convocadas em setembro,
ficaria o mundo após a derrota dos país­ podendo haver convocações extraordinárias em caso de emergência.
es do Eixo. A Carta ganha novas formu­
<( O órgão mais representativo da ONU é o Conselho de Segurança, que possui quin­
lações em janeiro de 1 942, quando foi
CC: ze membros, sendo cinco permanente s : os E UA, a URSS , a França, a Inglaterra e a
CC: publicada a Declaração das N ações
w Unidas, assinada por 26 países. Mas China. Os outros dez são eleitos pela Assembléia Geral, por um período de dois anos,
::>
será apenas em 1 945 que se criará uma
(.!:) não podendo ser reeleitos em seguida.
nova organização para substituir a Liga
<( das Nações. Ao Conselho de Segurança cabe m anter a paz e a segurança internacionais. Pode
o
(/) convidar seus membros a praticarem sanções econômicas contra algum país que
o adote atitudes ameaçadoras à paz mundial. Os cinco membros permanentes possue111
a_ ··

w o direito de veto sobre resoluções com as quais não c on c orde rii :


o
A ONU é composta de outros organismos com funções específicas. O C onselho
o
o Econômico e Social, por exemplo, tem a função de divulgar a cooperação cultural,
z econômica e, ao mesmo tempo, de dedicar-se a questões de direitos humanos. Esse
::>
� Conselho possui várias comissões, para tratar dos mais diversos assuntos, como, por
o exemplo, o Fundo da Criança (UNICEF).
o
A chefi a administrativa da ONU é exercida por u m Secretário-geral, escolhido pela
o
!<( Assembléia Geral e referendado pelo Conselho de Segurança. A S ecretaria-geral da
Ü· ONU fica n a sede central do organismo, na cidade de Nova York.
<(
::> Por muitos anos, a ONU foi um instrumento da política internacional dos EUA. O

C/) governo norte-americano, utilizando-se do direito de veto, impedia sempre o cresci­
mento dos movimentos anticolonialistas e intervinha em muitos países. O governo
- norte-americano impediu também, por vários anos consecutivos, a admissão da China
1 80 comunista na organização. Com isso, durante muito tempo, a ONU se constituiu
numa arma que os EUA utilizaram para pressionar a URSS, sua maior concorrente pela
hegemonia mundial.
Na década de 70, com a derrota dos EUA no Vietnã, a hegemonia norte-americana
começou a ser contestada. Os países independentes formaram um bloco dos não-ali­
nhados, pressionando os EUA a aceitar algumas resoluções da ONU. E o organismo
passou a ter um papel mais justo. .. . . . ..
Mesmo assim os desafios à autoridade da ONU perduraram. O .Eúitéta dé lsrael, por
exemplo, só recentemente admitiu a possibilidade de retirar-se das terras ocupadas
desde a guerra de 1 967. Outro país que agiu contra as diretrizes da ONU foi a Áfric(l'
do Sul, que manteve a Namíbia sob rígido controle, impondo sua política racista até
1 990, apesar de a independência do país ter sido decretada pela ONU.
A situação da ONU tendeu a mudanças, principalmente depois do fim do bloco sovié­
tico. Ainda que suas forças estejam atuando em zonas de conflitos, como é o caso da
guerra no interior da antiga Iuguslávia, a ONU tem cada vez menos autoridadci.

As alianças militares
Durante a li Guerra Mundial, a URSS lutou ao lado das potências capitalistas contra
o nazifascismo. Depois da guerra, entretanto, essa aliança se tornou tensa. As descon­
fianças dos aliados do Ocidente já se faziam presentes quando a guerra se aproximava
do fim, pois a URSS já havia tomado quase todo o Leste europeu.
A Conferência de Potsdam realizou-se em julho de 1945, quando os países da área
capitalista, sob a liderança dos EUA, deixaram claras suas preocupações com a ascen­
são dos comunistas nos países do Leste. Harry Truman, presidente norte-americano,
passou a intervir nos assuntos internos desses países, exigindo eleições livres. A partir
daí, a posição da URSS, sob a liderança de Stálin, foi se tomando mais rígida, pois este
temia o renascimento militar da Alemanha, com o apoio do Ocidente.

A doutrin a Truman e a OTAN

Faltava pouco para que se desse um rompimento efetivo entre os Estados Unidos e a
União Soviética. O conflito diplomático aumentava dia a dia. Finalmente, em 1 2 de
abril de 1 947, o presidente Truman tomou pública a doutrina que ficou conhecida pelo A pressão da União Soviética sobre a
seu nome. Era o rompimento efetivo entre os antigos aliados. Grécia, a Turquia e o Irã levou o presi­
dente dos Estados Unidos a formular a
.Adoutrina .IruiiJ.an.tinha por objetivo específico a contenção do comunismo, onde ele • Doutrina Truman, com a finalidade de
pudesse se está&efecei': :(rártindo desse princípio, os Estados Unidos coméçaram a enviáf conter a expansão soviética.
<X:
a:
armas para os goverhos da GréCia e. dá a:
.
Turquiá, pâra
r�pririi f fth fu� � gd
Óvi nt: s erri� A existência legítima do Estado grego é ameaçada hoje em dia pelas atividades ter­
w
:::::>
lheiros C()1Ulll1iStZ!�. ql1e já dominavam roristas de vários milhares de homens armados, orientados pelos comunistas e que (!)
grai!Cie p'm:te·aesses paísés. desafiam a autoridade governamental em diversas regiões, particularmente ao
longo das fronteiras do norte. Uma comissão indicada pelo Conselho de Segurança
<X:
Cl
A partir desse momento começou a se das Nações Unidas está presentemente investigando as condições de agitação no (/)
norte da Grécia, de um lado, e de outro na Albânia, Bulgária e Iugoslávia ( . . . ). O país
popularizar, na imprensa comprometida o
vizinho da Grécia, a Turquia, também requer a nossa atenção ( . . . ). Para assegurar o (L
com os países capitalistas, o termo "cortina desenvolvimento pacífico das nações, livre da coerção, os Estados Unidos tomaram w
Cl
de ferro", reinventado por Winston Chur­ uma posição de liderança ao criarem o organismo das Nações Unidas. A esse órgão
cabe possibilitar a continuidade da liberdade e da independência para todos os o
chill em março de 1 946. Cl
seus membros. Não podemos alcançar, no entanto, os nossos objetivos, a menos
Era a guerra fria, conflito não-declarado z
que sejamos capazes de auxiliar um povo livre a manter suas instituições livres e :::::>
entre a URSS e os EUA, que não se sua integridade nacional contra movimentos agressivos, que buscam impor-lhe �
regimes totalitários. Isso não é mais do que um reconhecimento franco de que os
enfrentavam diretamente, mas apoiavam, o
regimes totalitários impostos a povos livres, por agressão direta ou indireta, minam Cl
cada um a seu favor, forças em conflito em os fundamentos da paz internacional e, assim, a segurança dos Estados Unidos ( . . . ).
o
vários pontos do mundo. Acredito que a nossa ajuda deve processar-se primariamente através de auxílio !<X:
O fato de os Estados Unidos terem explo­ econômico e financeiro, que é essencial para a estabilidade econômica e a ordena­ U·
ção dos processos políticos ( . . . ). Os Estados Unidos, ao ajudarem nações livres e <X:
dido as bombas atômicas sobre o Japão, em independentes a defender sua liberdade, estarão concretizando princípios da Carta
:::::>

agosto de 1 945, demonstrava o poder com das Nações Unidas (. .. ). As sementes de regimes autoritários são alimentadas pela
C/)
miséria e pela necessidade. Elas brotam e se desenvolvem no solo daninho da
essa poderosa arma principalmente dos
pobreza e da discórdia. (R. B. Morris Doutrina Truman, in. J. J. Arruda
norte-americanos, capazes de ameaçar a
- -

-
História Modema e Con temporânea.)
União Soviética. 181
Em 1 949, os EUA fizeram uma aliança militar com os países europeus para com­
bater a influência da URSS, o que aumentou o clima de tensão entre as duas potências.
Estava nascendo a famosa OfAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) ,
que completava, no campo militar, aquilo que no campo econômico havia sido feito
pelo plano Marshall. Para efetivar os objetivos militares da OfAN criou-se um exército­
conjunto dos seguintes países: EUA, Alemanha Ocidental, Bélgica, Canadá, Dina­
marca, França (que deixou a OfAN em 1966), Grã-Bretanha, Grécia, Islândia, Ho­
landa, Itália, Luxemburgo, Noruega, Portugal e Turquia. A sede da OfAN fica em
Bruxelas, na Bélgica, onde o comando é feito por um Estado Maior que dirige as
operações de cinco grupos regionais.

Com a Guerra Fria as duas superpotên­


cias, Estados Unidos e União Soviética,
garanúram-se muruamente fonnando sis­
temas de alianças militares . Em 1949, foi
criada a afAN (Organização do Trata­
do do Atlântico Norte) da qual fazem
parte a Alemanha Ocidentâl, a Bélgica,
Canadá, Dinamarca, Espanha, França,
Grã-Bretanha, Grécia, Holanda, Islân­
dia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Por­
tugal e Turquia, sob a hegemonia dos
Estados Unidos. De acordo com um dos
itens da afAN, a agressão armada con­
tra qualquer país signatário seria enca­
rada como uma agressão a todos os países
e revidada com uma combinação das for­

ças armadas.
Do lado socialista ocorrem os mesmos
pactos. Em 1947, é criado o COMECON
(Conselho de Mútua Ajuda Econômica)
visando coordenar e planejar as econo­
mias dos países socialistas europeus; a
aliança militar desses países foi efetiva­
da com a criação do Pacto de Varsóvia,
em 1955.

<t:
a:
a:
w
::>
<.9
<t:
o
(/)
o

w
D Palses membros da OTAN • Palses membros do Pacto de Varsóvia
.
D Países neutros

o
o
o
z
::>

o
O Pacto de Varsóvia
o
o
l<t: Em 1955, a URSS organizou um pacto de defesa com os demais países socialistas
U· da Europa (Romênia, Tchecoslováquia, Bulgária, Polônia, Hungria e Albânia) -
<t:
::> o Pacto de Varsóvia, assinado na capital polonesa. Um pouco mais tarde, a Repúbli­

(/) ca Democrática Alemã aderiu ao tratado, que tinha por objetivo a ajuda mútua em
<t: caso de agressões armadas e consultas sobre problemas políticos e de segurança. No
- final da década de 80, as reformas democráticas em todos esses países levaram à ex­
1 82 tinção do pacto ( 199 1 ) .
A diminuição das tensões
URSS: as reformas de Gorbatchev.

O clima de tensão entre as duas grandes potências chegou diversas vezes à beira A reabilitação do físico Andrei
Sakharov, a libertação de mais de
do conflito armado. Vários aliados dos EUA, que faziam parte da OTAN, passaram
uma centena de dissidentes, a
a tomar atitudes mais independentes. A Inglaterra, por exemplo, reconheceu o go· punição a diversos altos
verno revolucionário instalado na China, a partir de 1 950. Um novo acontecimen­ funcionários acusados de
corrupção e abuso de poder, a
to levou os Estados Unidos a rever sua posição intransigente em relação à União
retomada de um movimento de
S oviética em 1 949, os soviéticos explodiram sua primeira bomba atômic �; Esse desestalinização do país que tinha
fato rompeu o monopólio que os EUA vinham exercendo até então sobre as armas estado interrompido durante 20
anos, mudanças fundamentais nas
atômicas. A partir desse momento, qualquer tentativa de conflito passaria, inevi·
relações sociais e econômicas, a
tavelmente, pelo perigo de uma guerra nuclear, significando uma ameaça para toda revitalização das atividades
a humanidade. culturais com a atenuação dos
mecanismos repressivos de
Ao mesmo tempo, a vitória da Revolução Chinesa e as constantes derrotas dos
censura, até mesmo a reformulação
EUA na guerra da Coréia foram fatores que desencorajaram a política belicista dos do tradicional sistema de eleições
norte-americanos. Do lado socialista, a morte de Stálin contribuiu paulatinamente controlado ferreamente pelo
partido: num espaço de tempo
para a melhoria das relações com o Ocidente, principalmente com a ascensão de
muito curto, a URSS experimentou
Nikita Krushev ao cargo de Secretário Geral do Partido Comunista da URS S . reformas absolutamente inéditas
No início dos anos 8 0 , o s discursos ameaçadores do então presidente dos EUA, em 70 anos de história. O processo
de mudanças radicais, que afeta
Ronald Reagan, contra a política independente dos países da América Central e a
todos os setores da vida soviética,
ameaça de aumentar o número de mísseis nucleares (Pershing-2) na Europa trou· e que tem sido conhecido com o

xeram de volta uma certa possibilidade de guerra. Esse clima de tensão motivou a nome de glasnost (transparência),
iniciou.:'ie a 1 1 /03/1 985 quandoi
atuação dos pacifistas da Europa, que desde o início da década de 70 pediam o
a�&t a rirmte ae Kóristáríúri •·F •

desarmamento do mundo para que a humanidade pudesse viver em paz. Tch�me!JJ<o ,,ÇJ. �'Atg{i.�\i $éi2f�tário­
A perestroika de Gorbatchev, no entanto, colocou uma pá de cal na guerra fria \fe�iÍÍ�� Í?Ç0S fÇli oqypaéío pÓÍ:
Mikhail Gorbatchev. A adoção de
que ameaçava reaparecer e alterou as relações entre as duas superpotências a par­
medidas de abertura do regime,
tir de 1 98 5 . entretanto, não ocorreu
imediatamente: antes disso,
Exercício Gorbatchev preocupou-se em
consolidara séu poder afastando
da cúpula dirigente, membros da
(UFPR) A Segunda Guerra Mundial gerou uma nova situação internacional, sej a pela velha-guarda brejneviana,
definição de elementos novos ou pela aceleração de processos que vinham se manifes­ reticentes á idéia de mudanças nas
estruturas tradicionais do Estado
tando há algum tempo. Sobre essa conjuntura é correto afirmar:
soviético e, em seu lugar,
colocando colaboradores mais
0 1 . A política de equilíbrio europeu, praticada há séculos, não mais encontra lugar e a jovens e de sua inteira confiança.
( . . . ) Paralelamente a essa
Europa não detém mais a hegemonia mundial.
progressiva consolidação de seu
02. As nações se aglutinam em torno de duas potências emergentes: URSS e EUA, poder, Gorbatchev foi
gerando a política de blocos e a bipolarização do poder. implementando, a nível interno e
externo, medidas de dissensão que
04. Antes que a guerra terminasse os aliados já se dividiam; os ocidentais temendo a <(
se manifestaram através de novas a:
expansão soviética se organizam em alianças, o mesmo fazendo os soviéticos e os paí­ propostas nas negociações com os a:
w
ses transformados em socialistas. EUA sobre a limitação de armas ::J
estratégicas; da flexibilização da <.!J
08 . A descolonização dos países africanos e asiáticos se faz imediatamente após a
atitude quanto aos dissidentes <(
guerra. ( . . . ) e de indícios da disposição em o
1 6 . A guerra aguçou as manifestações de descolonização, acelerando seu processo, cujo encontrar uma solução negociada (J)
para questões externas como a
apogeu ocorreu na década de 1 960. o
intervenção no Afeganistão ou os 0...
atritos nas relações com a China.
UJ
o
Resposta (Almanaque Abril 1988) •

o
o
z
Em outubro de 1 944, Stálin e Churchill se reuniram para entrar em acordo sobre as :::::>
esferas de influência de cada potência, e é em decorrência desse acordo que Stálin retira :2:
seu apoio aos guerrilheiros gregos, durante a guerra civil, por exemplo, deixando a Grécia o
o
permanecer sob a área de influência inglesa.
o
Com o fim da guerra rompia-se a grande aliança entre Grã-Bretanha, EUA e URSS e o ! <(

cerne da política mundial nos vinte anos seguintes seriam as relações entre EUA e URS S. <C
A perda de hegemonia da Europa levou a um rápido colapso os impérios coloniais da ::J

África e da Ásia. Em 1 955 haviam apenas 5 países independentes na África e em 1 969 já (J)
eram 6 1 . -

Em vista dessas considerações estão corretas as afirmativas, 1 , 2 , 4 e 1 6 . 183


DA GUERRA FRIA À
GLOBALIZAÇAO
/1'lfrl

A II Guerra Mundial tirou os Estados Unidos da crise na qual estavam mergulhados


desde 1 929. Já durante a guerra, a prosperidade havia tomado conta da economia norte­
americana. E quando o conflito terminou, as fábricas de material bélico passaram a pro­
duzir bens de consumo. Automóveis e eletrodomésticos eram produzidos e vendidos
em número cada vez maior. Novas tecnologias davam origem a artigos como televi­
sões, fibras sintéticas, alimentos congelados e industrializados, plásticos, eletro­
domésticos e, mais recentemente, computadores.
Os norte-americanos se orgulhavam de ter um padrão de vida alto, que os diferencia­
va dos habitantes de outros países, mesmo os europeus. Para se ter uma idéia, e guar­
dando as proporções da época, mais de 35% da população americana recebia um salá­
rio superior a cinco mil dólares por ano, em meados da década de 50.
Enquanto o movimento operário europeu fazia reivindicações de caráter político e
econômico, os operários norte-americanos se preocupavam em obter melhores condi­
Stokely Carmichael, um dos fundadores
ções de vida. As antigas centrais sindicais americanas agora apoiavam as medidas do
do Poder Negro na posse da presidência
do SNCC (Comitê Nacional de Coor­ governo. A AFL (American Federation of Labor) havia se coligado à CIO
denação Estudantil para a Não-violên­ (Congress of Industrial Organization) , agrupando mais de quinze milhões de
cia), em maio de 1 966, ataca violenta­
trabalhadores sindicalizados. A AFL-CIO é, ainda hoje, um dos mais importantes
mente a política de integração e não­
violência que orientava até então os suportes ideológicos do governo.
movimentos negros: Mas, apesar de todo o desenvolvimento econômico, uma parte da sociedade dos EUA
achava-se marginalizada desse mundo de conforto e consumo. Entre 1 949 e 1 954 havia
A integração é um subterfúgio
insidioso cuja finalidade é manter a
mais de três milhões de desempregados.
supremacia branca. A estrutura do
poder branco não quer que o povo A situação política norte-americana
negro tenha poder. Nós não
queremos a integração. Queremos
O presidente Harry Truman, que assumiu o cargo em 1945, pôs em prática uma polí­
é sentir o que é o sangue branco; tica social (a Fair Deal, ou seja, "Tratamento justo"), que melhorou a vida dos norte­
queremos, para começar, poder americanos menos favorecidos, embora não conseguisse eliminar a miséria.
econômico e político, queremos
Poder Negro.
No plano da política externa, o período Truman foi marcado por um feroz anticomu­
o nismo. Os EUA interferiram na Guerra da Coréia (1950- 1 953), provocando a divisão do
1 <(
C> país entre as facções em luta: Coréia do Norte (comunista) e Coréia do Sul (capitalis­
<( Outm líder negro, o deputado federal
N ta). O secretário de Estado responsável pela política externa de Truman foi John Foster
pelo bairro do Harlem, Adam Powell,
_J
<( também lançava seus apelos: Dulles. A luta contra a expansão socialista se tornou mais tensa após a independência
CXl
o da China e dos movimentos anticolonialistas na Ásia e na África. Foi nessa época que
_J Nós somos os últimos
.c::s revolucionários dos EUA. a última
o senador J oseph MacCarthy criou o Comitê de Atividades Antiamericanas, persegui n­
'<( transfusão de liberdade nas artérias do todas as pessoas suspeitas. O macartismo desencadeou uma verdadeira onda antili­
<( da democracia. Assim sendo,
0::: beral . Qualquer intelectual que se manifestasse livremente poderia ser acusado de ser
u... devemos mobilizar nosso audacioso
descontentamento para transformar contra os EUA. Muitos intelectuais e artistas foram perseguidos, como Charles Chaplin
<(
0::: o coração frio e a face branca desta e o casal Rosemberg, executado na cadeira elétrica.
0:::
LU nação. Não devemos permitir que
Entre 1 953 e 1 960, os EUA foram governados pelo presidente-general Eisenhower,
:::::> organizações, ligas e associações
(.!J nos representem quando ao mesmo do Partido Republicano. Uma de suas principais preocupações foi diminuir as tensões
<(
Cl tempo representam o decadente entre norte-americanos e russos. Essa política permitiu, pela primeira vez, que um líder
edifício do poder branco que paga
- soviético, Nikita Krushev, pudesse visitar os EUA (1959). O encontro dos dois líderes
seu salário, e seus aluguéis e lhes
1 84 diz o que fazer. foi o primeiro passo para a discussão de uma política de desarmamento nuclear.
A ação mais importante de Eisenhower foi sua atuação na Corte Suprema, que duran­
te seu governo aprovou várias medidas a favor da igUaldade de direitos civis dos
negros. Em 1 954, a Corte Suprema dos Estados Unidos manifestou-se contra a segre­
gação racial que ocorria nos lugares públicos, em especial nas escolas, e exigiu que os
estados do sul integrassem seu sistema escolar. Esse ato encontrou forte oposição; em
1957, diante do desafio aberto do governador de Arkansas, o presidente foi obrigado a
enviar tropas federais para Little Rock para que fosse cumprida uma ordem judicial de
dessegregação nas escolas.
O movimento negro, por sua vez, cresceu durante esse período, com marchas de protes­
to e boicotes, liderados por Martin Luther King e outras figuras adeptas da não-violência.
Em 1 960, o Partido Republicano perdeu as eleições para o democrata John Kennedy,
que se notabilizou por iniciar a intervenção norte-americana na Guerra do Vietnã e por
pressionar a URSS a retirar as bases de mísseis que estava implantando em Cuba. No
plano interno, a política de assistência social e de melhoria das condições de vida da
população carente dos EUA surtiu efeito. No entanto, Kennedy foi assassinado em
1 963, quando se empenhava em diminuir a influência dos grandes monopólios que
dominavam a economia norte-americana.
O sucessor de Kennedy foi Lyndon Johnson, sob cuja gestão os EUA envolveram-se
mais efetivamente na Guerra do Vietnã. Até 1 968, os EUA passaram por uma crescen­ Martin Luther King, um dos mais

te onda de violência social e política. Os negros se organizaram em movimentos, como importantes líderes do movimento negro
dos Estados Unidos, assassinado em 4
os Black Panthers e os Black Muslin, que propunham a luta violenta contra o
de abril de 1968, era um pregador
racismo, e também a ANPPC (Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de incondicional da não-violência, um
Cor) que desde 1950 defendia a causa negra, através da via pacífica. O principal líder humanista e integracionista do movi­

desse movimento, o reverendo Martin Luther King, foi assassinado em 1 968. Nesse mento negro. Segue um trecho de um
famoso sermão :
ano também os estudantes iniciaram manifestações para protestar contra a intervenção
dos EUA na Guerra do Vietnã. Eu tenho o sonho de que, um dia,
Nesse clima violento foi eleito o conservador Richard Nixon para presidente. Por os homens se ergam e percebam

alguns momentos, os americanos pareceram recobrar o espírito de esperança, principal­ que são feitos para viver uns com
os outros, como irmãos.
mente quando os astronautas da Apolo XI chegaram à Lua Gulho de 1 969). Mas os Esta manhã, ainda tenho o sonho
protestos logo continuaram. Em 1971 foram presas mais de quinze mil pessoas que de que, um dia. todos os negros

protestavam contra a Guerra do Vietnã. deste país, todas as pessoas de cor


do mundo, serão julgados com
Nixon conseguiu reeleger-se presidente, mas teve de renunciar em 1 974, acusado de base no seu caráter, e não na cor
corrupção eleitoral (escândalo Watergate). Mesmo assim, antes de abandonar o cargo, da sua pele, e de que todos os
homens respeitarão a dignidade e ...J
seu secretário de Estado (Henry Kissinger) conseguiu que os EUA saíssem da Guerra
o valor da personalidade humana. <(
do Vietnã, depois de longo período de conversações internacionais. ::::>
Ainda sonho, hoje , que um dia a I­
Para piorar a situação dos americanos, a economia entrou em recessão. A inflação justiça jorrará como água e o <(
havia atingido quase 6% ao ano, o que significa para os padrões norte-americanos uma dinheiro será como um rio o
caudaloso. (. .. ) Ainda sonho, hoje, o
alta dos preços a um nível bastante alto. Em 1 976, o novo presidente, Jimmy Carter, que um dia a guerra chegará ao z
iniciou sua gestão com promessas de recuperação econômica dos EUA. fim, que os homens transformarão
::::>
as espadas em arados e as lanças

Mas a recessão cresceu, refletindo-se no aumento do desemprego e na desativação de
em machados, e as nações não o
várias indústrias. Em 1 980, Carter foi derrotado por Ronald Reagan, do Partido mais se levantarão contra outras
Republicano, que iniciou uma administração conservadora com aplicação de choques o
nações, nem se estudará mais a t<(
econômicos, fazendo com que a riqueza se concentrasse ainda mais nas mãos de pou­ arte da guerra. U·
Ainda sonho, hoje, que um dia o <(
cos. Mas Reagan conseguiu controlar a inflação e foi reeleito em 1 984. Nesse mesmo cordeiro e o leão ficarão lado a lado
a:
(.!)
ano, os EUA retiram suas tropas do Líbano e invadem Granada, localizada no Caribe. e todos os homens poderão sentar­ w
se sob a sua vinha e sob a sua 1-
Em 1 986, estourou o escândalo Irã-contras, da venda ilegal de armas ao Irã e da z
figueira, e ninguém sentirá medo.
remessa clandestina de fundos aos anti-sandinistas. Em 1988, os EUA invadiram o (. .. ) Ainda sonho que, com essa fé. -<(
Panamá e depuseram o presidente, cel. Manuel Noriega. George Bush foi eleito presi­ seremos capazes de derrotar o
o
dente e, num encontro com Gorbatchev, anunciou o início de uma nova era nas relações desespero e levar uma luz nova ás t<(
câmaras escuras do pessimismo. U·
entre os Estados Unidos e a União Soviética, com acordos que visam sobretudo a redu­ Com essa fé, apressaremos a <(
N
ção dos arsenais nucleares. No governo Bush, os EUA lideraram a coalizão ocidental chegada do dia nem que haverá
ex:
::i
na Guerra do Golfo (19 9 1 ) , após a invasão do Kuweit pelo Iraque de Saddam Hussein. paz na Terra e boa vontade para
com todos os homens. (Martin
A vitória americana, ao mesmo tempo em que a União Soviética desmoronava, consa­ Luther King, O grito de o
Q_
grou os EUA como única potência mundial. Mas o país passa por grave crise econô­ consciência)
<(
mica, e nas eleições presidenciais de 1 992 o eleitorado pede mudanças, elegendo o o
democrata Bill Clinton. Enquanto isso, os "tigres asiáticos", na esfera de influência do -

Japão, lideram a economia mundial. 1 85


A União Soviética

Uma característica básica de uma economia socializada é o Estado ser proprietário


dos bens de produção. Foi baseado nesse princípio que a política econômica soviéti­
ca, depois da guerra, voltou-se mais para a expansão dos bens de produção, isto é,
para as indústrias de base. Os bens de consumo foram deixados para um segundo
plano. Só bem mais tarde, os bens de consumo tornaram-se objeto de maior preocu­
pação por parte das autoridades econômicas soviéticas.
No plano político, a URSS viveu sob a ditadura de Stálin até sua morte, em 1953.
Logo depois da guerra, Stálin passou a ser cultuado como um verdadeiro guardião
da doutrina marxista-leninista e como um símbolo da autoridade que salvara os so­
viéticos da barbárie nazista. O responsável pelo desenvolvimento desse culto à per­
sonalidade de Stálin foi seu mais fiel colaborador, Zdanov, que espalhou milhares
de estátuas e retratos do líder por toda a URSS e pelos países sob a influência soviética.
Stálin morreu em março de 1953. Líderes mais liberais, como Nikita Krushev,
Malenkov, Beria e outros,começaram então uma feroz luta pelo controle da máquina
estatal. A secretaria do Partido Comunista foi assumida por Krushev, o que lhe per­
mitiu ascender definitivamente ao poder. Aos poucos foram surgindo as primeiras
manifestações de repúdio à política de Stálin. Em fevereiro de 1956, no Congresso
Discurso de Nikita Kruschev perante o
do Partido Comunista da URSS, Krushev denunciou os crimes de Stálin e teve iní­
URSS.
20? Congresso do Panido Comunista So­
viético (25 de fevereiro de 1956) dando cio o que ficou conhecido como desestalinização da Novos nomes começa­
início à denúncia do culto da personali­ ram a desapontar na política soviética: Kossiguin, Brejnev e outros.
dade ao processo de desestalinização.
Krushev concentrou em suas mãos os
cargos de primeiro-ministro e secretário do
Camar�das: devemos abolir o culto da personalidade decisivame�te, de uma Partido Comunista. O clima de guerra fria
vez por todas; devemos tirar as conclusões adequadas sobre o trabalho ideológico­ arrefeceu e os recursos que eram antes ca�
teórico e sobre o trabalho prático.
Para isso é necessário: nalizados para a produção de armas desti­
Primeiro, condenar e erradicar, de modo bolchevique, o culto da personali­ nadas à defesa puderam, ainda que em
dade como estranho ao marxismo-leninismo e em desacordo com os princípios pequena escala, ser dirigidos para a melho­
da liderança partidária e às normas de vida partidária, e combater inexoravel­
mente todas as tentativas de fazer renascer essa prática, de uma forma ou de outra. ria das condições de vida dos cidadãos so­
Devemos voltar, em todo o nosso trabalho ideológico, às mais importantes te­ viéticos.
ses da ciência marxista-leninista sobre o povo como o criador da História e co­ A política agrícola foi reestruturada, au­
mo o criador de todo o bem material e espiritual da humanidade, sobre o papel
decisivo do Partido Marxista na luta revolucionária pela transformaçao da so­ mentando a produção de cereais. No pla­
ciedade, sobre a vitória do comunismo, e colocar essas teses realmente em prática. no da política externa, Krushev iniciou a
Sob tal aspecto, seremos forçados a trabalhar muito para examinar criticamente, chamada política de coexistência pacífi ­
do ponto de vista marxista-leninista, e corrigir as opiniões errôneas, muito di­
ca com o mundo capitalista.
fundidas, relacionadas com o culto da personalidade na esfera da História, Filo­
sofia, Economia e outras ciências, bem como na Literatura e Belas-Artes. É Além di�so, a URSS não estava mais iso­
particularmente necessário que no futuro imediato compilemos um manual sé­ lada, pois a China havia se transformado
rio da história de nosso Partido, preparado com uma objetividade científica mar­
xista, um manual da história da sociedade, um livro relacionado com os em um país socialista desde 1949, com a
acontecimentos da guerra civil e da grande guerra patriótica. vitória da revolução liderada por Mao
Segundo, continuar, sistemática e coerentemente, o trabalho realizado pelo Tsé-tung.
Comitê Central do Partido durante os últimos anos, trabalho esse caracterizado
pela observaçao minuciosa em todas as organizações partidárias, de cima a bai­ As negociações entre os blocos comunis­
xo, dos princípios leninistas de liderança do Partido, caracterizados acima de ta e capitalista prosseguiram no sentido de
tudo pelo princípio da liderança coletiva, pela observaçao das normas de vida diminuir as possibilidades de uma guerra
partidária descrita nos estatutos do nosso Partido e, finalmente, pela prática am­
pla da crítica e autocrítica. atômica, pois esta significaria o aniquila­
Terceiro, reestabelecer totalmente os princípios leninistas da democracia so­ mento do mundo.
viética, expressos na Constituiçao da Uniao Soviética, para lutar contra os abu­ Foi essa aproximação com o Ocidente
o
Cl sos do poder pelas personalidades. O mal causado pelos atos que violam a
<( legalidade revolucionária socialista, e que se acumulara durante longo tempo que acabou provocando o início do chama­
N
a:: em conseqüência da influência negativa do culto da personalidade, tem de ser do conflito sino-soviético. A China não ad­
:5 completamente eliminado. mitia que a URSS "traísse" os princípios
o Camaradas! O 20'? Congresso do Partido Comunista da União Soviética reve­
a...
lou, com um vigor novo, a inquebrantável unidade de nosso Partido, sua coesão do comunismo e se aproximasse de países
o
Cl em torno do Comitê Central, sua disposiçao resoluta de realizar a grande tarefa capitalistas. Iniciava-se um período de di­
:z de construir o comunismo. E o fato de que apresentamos, em todas as suas rami­
:::::> vergências entre os Estados socialistas, que
::;§: ficações, os problemas básicos da superaÇão do culto do indivíduo, que é estra­
nho ao marxismo-leninismo, bem como o problema de liquidar suas one�sas foi muito bem aproveitado pela propagan­
::;§:
:::::> conseqüências, é prova da grande força moral e política de nosso Partido. (C.
·
da das nações ocidentais.
- W. Mills - Os marxistas) As lutas internas acabaram por marcar o
1 86 período fmal do governo de Nikita Krus-
chev, que foi afastado em 1 964. O poder passou para as mãos de Leonid B rejnev e
Alexei Ko ssiguin, secretário do Partido Comunista e primeiro-ministro respectiva­
mente. Apesar de as conversações com o Ocidente continuarem no sentido de dimi­
nuir a militarização da economia, a corrida armamentista continuou.
A participação dos EUA na Guerra do Vietnã fez com que a relação com a URSS
voltasse a ficar tensa.
Nos anos 70, durante o governo Carter, a guerra fria diminuiu. Mas a ascensão de
Ronald Reagan ao poder nos EUA, no início da década de 80, voltou a gerar tensões,
pois Reagan incentivou o armamentismo norte-americano para fazer frente à U RS S .
O apoio dado pelos soviéticos a o governo d o Afeganistão na luta contra a guerrilha
de direita aumentou ainda mais as divergências entre as duas grandes potências. O s
EUA, por s u a vez, intensificaram s u a intervenção na América Central, invadindo a
ilha de Granada, por exemplo.
Com a morte de B rejnev, em novembro de 1 982, a URSS começou a sofrer mudan­
ças. O governo passou para as mãos de Andropov e em seguida de Tchernenko.
Ambos os líderes faleceram logo que tomaram o poder.
O sucessor de Tchernenko foi Mikhail Gorbatchev, um dos mais jovens líderes da
URSS desde a Revolução de 1 9 1 7 que, como veremos, provocou profundas transfor­
mações no sistema soviético.

O Neoliberalismo e a vitória do Capitalismo

Os países capitalistas: crises e expansão

A eleição de Margareth Thatcher, líder do Partido Conservador inglês para o cargo de


primeiro-ministro da Inglaterra, pôs fim a um longo domínio do Partido Trabalhista. Isto
não teria grande importância não fosse o fato de a ministra ser uma adepta do programa
neoliberal.
Logo após sua posse, Margareth começou a desmontagem do projeto da sociedade­
do-bem-estar que havia marcado, não só o governo britânico do pós guerra, mas grande
parte dos países europeus.
Destruindo a força dos sindicatos -Trade Unions- o governo conservador poderia
implementar sua política de privatizações sem temer protestos organizados. Mesmo a
onda de greves, que se espalhou algum tempo depois, não mudou o rumo da política ...J
<(
recessiva adotada por Thatcher. :::::>

A grande quantidade de desempregados que lotavam as ruas das cidades inglesas ( e �


o
depois de outras cidades européias), estava em perfeito acordo com as teorias neoliberais o
z
de mercado: um grande exército de reserva era ( e é) uma poderosa arma para manter os :::::>

salários baixos. o
Em 1 9 8 2 , graças à guerra contra a Argentina pela posse das Ilhas Malvinas o
l<(
(Falkland), Thatcher conseguiu recuperar sua popularidade. c..>
<(
a:
As mesmas medidas monetaristas e recessivas colocadas em prática na Inglaterra C!)
w
foram também aplicadas nos Estados Unidos pelo governo de Ronald Reagan, iniciado 1-
z
em 1 9 8 1 . Houve diminuição das despesas com os programas sociais (aposentadorias,
-c:x:
auxílio desemprego) e redução das taxas sobre a renda e propriedade. Suprimindo gastos o
te:(
sociais, Reagan economizou o equivalente a 19% do PNB americano. c..>
c:(
N
Para reativar o chamado complexo industrial-militar, Reagan reacendeu a chama da
ã:
Guerra Fria: iniciou o programa conhecido como Guerra nas Estrelas. O projeto permitia ::5
o
aplicação de bilhões de dólares em armas adaptadas a satélites, prontas para disparar con­ c..
tra a União Soviética. c:(
C!
Com a reeleição de Reagan em 1 984, a Guerra Fria, que havia marcado a primeira -

fase do seu governo, transformou-se numa política de aproximação com a União 1 87


Soviética, j á sob a liderança de Mikhail Gorbatchov. A política de desarmamento e dis­
tensão com a URSS, não impediu que o governo americano prosseguisse com suas inter­
venções militares em vários pontos do mundo. Em 1983, Reagan ordenou a invasão de
Granada, pequena ilha caribenha com um governo, dito de esquerda. Juntamente com três
países europeus enviou tropas para o Líbano, numa operação que se pretendia pacificado­
ra. Na América Central, apoiou abertamente o movimento guerrilheiro dos contra nicara­
guenses, numa tentativa de desestabilizar o governo sandinista. Na Ásia, apoiou os rebel­
des do Afeganistão que lutavam contra o governo pró-soviético. O governo conservador e
moralista de Ronald Reagan envolveu-se em um escândalo internacional por ter ajudado
financeiramente os guerrilheiros anti-sandinistas, os chamados contras na Nicarágua, com
o dinheiro da venda ilegal de armas para o Irã.
Ainda na era Reagan, a recuperação econômica americana foi abalada por escândalos
financeiros e principalmente pela "nova" quebra da bolsa de Nova York em outubro de
1987, provocando a falência de vários especuladores. O modelo econômico de Reagan
deixou 1 1 milhões de trabalhadores desempregados, a maior cifra desde 1 940. O cenário
nas grandes cidades chegava a lembrar os anos da crise de 1 929. Os homeless, pessoas
que não têm onde morar ou sem-teto, viviam pelas ruas e pelas estações de metrô. Além
dos problemas econômicos e sociais, o governo Reagan foi marcado por divergências
entre os membros de seu gabinete. Mesmo assim os republicanos permaneceram no poder
com a eleição de George Bush.
Bush derrotou o democrata Michel Dukakis nas eleições de 1 988 e deu continuidade
ao ciclo republicano. Quando Bush assumiu, o déficit orçamentário era astronômico.
Tentando diminuí-lo, cortou verbas para os projetos bélicos, o que ajudou a dar continui­
dade à política de desarmamento em conjunto com a União Soviética de Gorbatchov. O
arsenal armamentista, que havia mantido o clima da Guerra Fria, ia sendo desmontado.
No plano interno, seu conservadorismo se refletia em tentativas de vetar as leis do aborto
e do salário mínimo.
Os problemas das finanças, no entanto se agravaram. Buch tentou salvar o sistema de
bancos de poupanças acusados em escandalosos empréstimos para compra de casas. A
compensação para esses fracassos veio no plano das representações. Em 1989, os mari­
ners - tropas americanas - invadiram o Panamá para capturar o general Manuel de
Noriega, acusado de envolvimento com o narcotráfico. Em 1 990, o Iraque invadiu o
Kuwait. Com o apoio das Nações Unidas, uma força-tarefa da OTAN, liderada pelos
Estados Unidos, desfechou um poderoso ataque contra o Iraque de S addam Hussein.
_J Enfrentando um exército dotado das mais modernas e sofisticadas armas, guiadas eletro­
<(
:::J
nicamente, as forças iraquianas foram derrotadas em quatro dias. Os interesses das com­

o panhias de petróleo foram salvos da política nacionalizante do governo iraquiano.
Cl
z A rápida vitória, na chamada Guerra do Golfo ( também conhecida como operação
:::::>
2
Tempestade no Deserto) deu a Bush um momentâneo alto índice de popularidade. O pre­
o sidente americano, no entanto, não conseguia resolver a crise do déficit orçamentário e o
o crescente desemprego. Várias grandes fábricas começaram um programa de corte de des­
<<(
C> pesas, gerando mais desemprego. O exemplo mais notável foi dado pela General Motors,
<(
a:
<!l que fechou várias filiais e despediu milhares de trabalhadores.
UJ
� O tenso clima racial americano estourou em Los Angeles depois do julgamento de
z
,<( policiais envolvidos no espancamento de um negro: a cidade califomiana foi parcialmente
o destruída por uma multidão furiosa revoltada com a absolvição dos policiais brancos. As
I<(
C> medidas neoliberais aumentam os lucros das grandes corporações, mas a custos sociais
<(
N
a: sem precedentes. A popularidade que o presidente havia conseguido diminuiu, principal­
:5 mente, depois que soldados americanos tiveram de se retirar às pressas da Somália, onde
o
CL tinham ido combater guerrilheiros muçulmanos.
<(
Cl
-
Na eleição de 1 992, o conservador republicano Bush enfrentou o democrata Bill
188 Clinton. Bush foi vencido por um candidato cuja imagem foi ligada à do presidente
Roosevelt pelos militantes do Partido Democrata. Em campanha, Clinton utilizou em seus
discursos a idéia de que faria uma política do well jare - bem-estar - ao mesmo tempo
em que se apresentava como um candidato jovem com passado contestador nos anos 60.
O governo Clinton vem se mostrando bastante eficiente, principalmente para as gran­
des corporações com seus executivos g anhando milhões de dólares por a n o .
Recentemente, a política de perseguição a milhares de clandestinos mexicanos que cru­
zam diariamente a fronteira dos estados vizinhos do México, parece mostrar que a política
social de Clinton não está sendo posta em prática. Apesar disso, o aumento do salário
mínimo, depois de muitos anos de congelamento, é uma esperança do governo de atingir
setores sociais marginalizados. Sabe-se que no país mais rico do mundo há milhões de
pessoas em estado de miséria absoluta.
Os problemas político-raciais parecem aumentar a cada dia. Em abril de 1 995, o
maior atentado terrorista matou, em Oklahoma, quase duzentas pessoas. A opinião públi­
ca americana ficou estarrecida ao saber que o atentado não era obra de grupos fanáticos
árabes, mas sim de um americano branco. O sul dos Estados Unidos está testemunhando,
neste final de século, o renascimento de um racismo raivoso: igrejas de negros vêm sendo
queimadas por movimentos da chamada "supremacia racial" .
No plano da política externa o governo Clinton, inicialmente pouco expressivo, inva­
diu o Haiti para ajudar a restaurar o presidente Jean-Bertrand Aristide, que havia sido
eleito democraticamente e deposto por militares ligados ao antigo regime dos Duvalier.
No final do ano de 1 995, o secretário de Estado foi incentivador da política de apazigua­
mento na Bósnia e na Sérvia. Uma força multinacional da OTAN, liderada pelo exército
norte-americano, iniciou uma operação de imposição de acordos entre as diversas partes
em conflito na antiga Iugoslávia.
As intervenções não afetaram a imagem dos Estados Unidos nas Américas. Aliás,
melhorou bastante principalmente quando, em dezembro de 1 994, Clinton promoveu a
reunião de cúpula de presidentes do continente em Miami onde "anunciou a criação, até o
ano 2005, da maior zona livre de comércio no mundo, unindo o continente americano do
Alasca à Patagônia. No plano da política interna, no entanto, Clinton amargou uma pesa­
da derrota nas eleições parlamentares de novembro de 1994: os republicanos conquista­
ram a maioria, tanto no senado como na Câmara dos Deputados, além de importantes ....J
governos estaduais. <(
::::>
Os antigos inimigos dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, isto é, o Japão e 1-
<(
a Alemanha (Ocidental) transformaram-se, como já vimos, em área de influência dos
o
Estados Unidos. No entanto, depois de longo programa de reconstrução, estes países o
z
começaram a ameaçar a hegemonia econômica dos Estados Unidos. Até recentemente, ::::>
por exemplo, um operário alemão recebia quase 20% a mais que um operário americano. �
o
Isto antes da unificação das duas Alemanhas. Em meados da década de 70, as reservas
o
monetárias alemãs eram maiores do que as do Estados Unidos e sua balança comercial era
•<(
favorável. Nesse mesmo período, a Alemanha foi agitada por uma onda terrorista u­
<(
empreendida por remanescentes de ativistas políticos dos anos 60, cujo grupo mais 0:
(9
importante foi o de Baader-Meinhof. Aos poucos o sistema repressivo alemão conseguiu LlJ
1-
controlar e submeter os militantes. A Alemanha Ocidental vinha apresentando sinais de z
crescimento intenso até a unificação com a Oriental, cujo processo e conseqüências vere­ -<(
mos mais adiante. o
•<(
O caso do Japão é bastante significativo. Depois da guerra, sob intervenção das u­
<(
Forças Armadas americanas comandadas pelo general MacArthur, os j aponeses conhece­ N
ram reformas democráticas e começaram lenta reconstrução. A guerra da Coréia transfor­ 0:
mou o Japão num dos mais importantes fornecedores das tropas americanas envolvidas no ::í
o
a..
conflito. Este foi o motivo da arrancada da economia j aponesa. Pretendendo melhorar a
<(
qualidade de seus produtos, contaram com a ajuda de técnicos americanos e logo supera­ o
ram seus mestres. Até o final de 195 1 a produção cresceu 70% e as exportações quase tri­ -

plicaram. Em 1 972, o Produto Nacional Bruto deixou o Japão em segundo lugar no ran- 1 89
king das economias capitalistas mundiais. Já em fins de 1 960 e começo de 1 970, os reló­
gios fabricados no Japão eram mais vendidos do que os tradicionais suíços. As suas
máquinas fotográficas superaram as tradicionais alemãs. Suas televisões eram vendidas
nos Estados Unidos desbancando as tradicionais marcas norte-americanas. Finalmente, o
automóvel, símbolo máximo da cultura e da indústria americanas, sucumbiu diante dos
japoneses. Os americanos tiveram de se habituar a ver nas ruas de suas cidades, automó­
veis com marcas tais como Ronda, Mitsubishi e Toyota convivendo com as tradicionais
Ford, Chrysler e Chevrolet. No ano de 1 990, a indústria automobilística japonesa produ­
ziu 1 3 milhões e 487 mil veículos enquanto que os Estados Unidos produziram pouco
mais de 9 milhões. Ainda nesse ano, as tradicionais marcas como Ford ou Chevrolet
foram superadas, no próprio mercado americano, pela venda do Ronda Accord. Outro
interessante dado: em 1 986, os japoneses tinham 1 1 6 mil robôs trabalhando em suas
indústrias, enquanto que os Estados Unidos tinham somente 25 mil e a então Alemanha
Ocidental, pouco mais de 1 2 mil.
Em dezembro de 199 1 , o Japão comemorava mais de 60 meses de crescimento inin­
terrupto. Era a chamada "heisei boom". Em julho de 1992, os valores dos títulos negocia­
dos na bolsa de valores de Tóquio caíram mais de 50%. O Japão conheceu sua primeira
grande recessão, que só no começo de 1 995 mostrou sinais, ainda que pequenos, de recu­
peração.
Mesmo assim, se fizermos um balanço da produção e do consumo mundial da atua­
l i dade, chegaremos a resultados surpreendente s . Os Estados Unidos, a Europa
Ocidental e o Japão são os responsáveis, Iia prática, pela produção de cerca de 90% dos
computadores, aviões, aparelhos eletrônicos de alta tecnologia, fibras de náilon, etc.
Além disso, essas três regiões detêm cerca de 80% da produção mundial de veículos.
Nos últimos anos vem despontando a formação de outro pólo de desenvolvimento
industrial de relativa importância. Trata-se dos chamados tigres asiáticos. Grupo for­
mado por Ron g - Kong, o enc lave britânico na China, por Taiwan (Formosa) e
Cingapura. Produzindo calçados, aparelhos eletrônicos que não exigem tecnologia
muito sofisticada ou relógios, eles se consolidaram na esteira do vácuo deixado pela
indústria j aponesa fornecedora dos mercados ocidentais. Ultimamente estes países
começaram a imprimir maior qualidade a seus produtos conseguindo atender mercados
de computadores , câmaras fotográficas e automóveis, ocupando uma faixa pequena,
mas importante, dos mercados dos países ocidentais. Os tigres asiáticos exportaram
no ano de 1 990, 223 bilhões de dólares enquanto o Brasil, México, Chile e Argentina
_J
<(
juntos "exportaram somente 7 1 bilhões de dólares.
::::>
A Comunidade Econômica Européia, a CEE, tem grande peso no panorama econô­
·�
o mico com mais da metade das exportações. A Comunidade Econômica Européia nas­
o
z ceu depois da guerra, através da paulatina eliminação das barreiras alfandegárias, feita
::::>
2 com o objetivo de aumentar o mercado interno. A maior potência industrial no interior
o da Comunidade é a Alemanha, que, sozinha, produz mais que a Inglaterra e a França
o
l <( juntas. Como veremos mais adiante, com o fim do bloco socialista europeu e o fim do
c.>
<( império soviético, há uma perspectiva de ampliação deste mercado.
CC
(!J No dia 1° de j aneiro de 1 993, foi ratificado o tratado assinado anteriormente na
LJJ

z
cidade holandesa de Maastricht. Pela ata de formação da União Européia, a partir de
;<( 1 993 passaria a existir um"espaço sem fronteiras internas, com trânsito livre de merca­
o
l <(
dorias, pessoas, serviços e capitais". Formada por 1 2 países, a Comunidade Européia
c.>
conta, depois de 1° de j aneiro de 1995, com mais de três membros, com uma popula­
;::5
CC ção total de 370 milhões de habitantes. Apesar da "unificação", os países europeus
<(
_J enfrentam ainda graves problemas. O maior deles refere-se aos 1 1 % da população
o
a._ ativa que continuava desempregada no começo de 1 995. A população alemã ainda vê
<(
o com certo temor a união achando que o seu tão valorizado marco pode despencar.
- A política neoliberal está sendo seriamente contestada pelos trabalhadores em geral
1 90 e, na França, em dezembro de 1995, desencadeou uma onda de greves . Os sindicatos
exigem a manutenção dos benefícios sociais que vem sendo drasticamente reduzidos
pelo primeiro ministro Allain Juppe.

O fim da Europa socialista:


novo mapa europeu

Depois da morte de Leonid Brejnev em 1982, como já vimos, o governo da União


Soviética foi exercido brevemente por velhos líderes até 1 985. Neste ano, começou a
maior transformação no país desde a Revolução Socialista de 1 9 1 7, quando Mikhail
Gorbatchov assumiu o cargo de secretário geral do Partido Comunista. Gorbatchov acre­
ditava que sem uma profunda reforma econômica, a União Soviética ficaria estagnada.
Glasnost (transparência) e a perestroika (reconstrução) foram os dois princípios básicos
da reforma proposta pelo novo líder do Partido Comunista e, isto significava profundas
transformações econômicas, políticas e sociais. Com a assinatura do acordo com os
Estados Unidos, em dezembro de 1987, prevendo a destruição dos mísseis atômicos, a
União Soviética poderia voltar-se às suas reformas internas. Em março de 1989, o povo
soviético escolheu parte do Congresso em eleições em que se apresentaram inclusive can­
didatos não comunistas. Era o início das mudanças que poriam fim ao Estado Socialista.
Já se falava na aproximação com a economia de mercado, embora mantendo algumas
características do Estado Socialista.
A situação dos países da Europa socialista, submetidos à área de influência da União
Soviética desde o fim da Segunda Guerra, havia chegado a um impasse social, econômico
e político. A abertura soviética impulsionou-os rumo às transformações.
A Polônia foi o primeiro país a mostrar os sinais da abertura que estava por vir: em
fevereiro de 1989, o clandestino sindicato independente Solidariedade, teve seu líder
Lech W alesa incluído numa reunião do Partido Comunista para discutir o futuro do país.
No dia 7 de agosto, depois de longas negociações, o poder comunista foi substituído por
um governo liderado por Walesa, cujas primeiras medidas visaram a instalar a democra­
cia política e a liberdade de mercado.
Em maio, foi a vez da Hungria que, num gesto simbólico de grande significação, der­
rubou as cercas eletrificadas na fronteira com a Áustria. O ato teve grande repercussão _J
na opinião pública e foi muito bem explorado pela mídia dos países ocidentais pois <(
=>
representava uma via aberta para os refugiados dos regimes socialistas. Pouco depois, o I­
<(
Partido Comunista mudava seu nome para Partido Socialista e renunciava aos princípios o
leninistas. o
z
Na Tchecoslováquia, mais de 3 mil manifestantes tomaram as ruas de Praga para lem­ =>

brar a invasão do país pelas forças dos países do Pacto de Varsóvia, lideradas pela União
o
Soviética.
o
A Alemanha, dividida em uma parte liberal-capitalista e outra socialista, tornava a crise •<(

mais evidente. A perspectiva de união das duas Alemanhas questionava a própria existên­ <(
0:
cia do governo socialista. Em setembro de 1 989, já havia sido formado um movimento (.?
LU
democrático semi-clandestino chamado Neues Forum. Logo em seguida, num ato sur­ 1-
preendente, Eric Hoenecker, o líder comunista da velha guarda, permitiu o livre trânsito de z
trens com dissidentes que quisessem emigrar para a Alemanha Ocidental. Mas, tentando -<(
controlar a continuidade dos movimentos de contestação, deu ordens de dispersar a tiros
o
•<(
uma manifestação de 1 20 mil pessoas reunidas em Leipzig. Como a ordem não foi cumpri­ U·
<(
da, a autoridade de Hoenecker caiu rapidamente. Algo estava mudando para além da cha­ N
0:
mada "cortina de ferro". No dia 18 de outubro, alegando doença, Hoenecker foi substituído
por Krenz, adepto da política de abertura de Gorbatchov. As demonstrações populares que
::5
o
CL
cresciam a cada dia em Berlim e em outras cidades da Alemanha Oriental, as constantes
<(
fugas de milhares de pessoas que atravessaram a fronteira, tinham importante significado. o
-
O sistema socialista não tinha atingido os objetivos propostos, e os apelos da sociedade
capitalista e consumista eram irresistíveis. Consumismo em vez de comunismo. 191
Simbolicamente, o mais importante fato desencadeou-se quando um jovem alemão
desfechou o primeiro golpe de picareta no famoso Muro de Berlim construído 27 anos
antes e que dividia a velha capital alemã.
Oficialmente, o muro havia sido aberto no dia 9 de novembro de 1 989, mas o fato
de o jovem começar a golpeá-lo com uma picareta teve efeito catártico sobre os ale­
mães dos dois setores, principalmente do setor oriental . Catártico e publicitário. Até
recentemente, podiam-se comprar, em qualquer grande capital do mundo, pedacinhos
do muro, como se fossem os amuletos vendidos na Idade Média tidos como pedaços
da cruz de Cristo.
Pela fenda inicial do muro de Berlim, começou a vazar um pequeno volume de
anseios que depois adquiriu proporções gigantescas. Por ali passaram todas as liberda­
des e fantasias oferecidas pelo mundo ocidental. Por ali passaram suas mazelas tam­
bém.
Na Bulgária, entre os dias 10 de novembro e 10 de dezembro, o Partido Comunista
deixou o poder que detinha por décadas desde a S egunda Guerra. A "transição" mais
violenta, no entanto, deu-se na Romênia, onde o velho ditador Nicolae Ceausescu e
sua mulher Elena, com quem dividia o poder, tentaram reprimir as manifestações de
protesto. Foram depostos, capturados e executados em dezembro pelo Comitê de
Salvação Nacional. A Tchecoslováquia teve seu primeiro presidente eleito em fins de
1989 e, pouco depois, as duas etnias resolveram criar dois países independente s : a
República Tcheca e a República Eslovaca.
Em outubro de 1 990, oficializou-se a unificação das duas Alemanhas sob a direção
de um só governante, Helmut Kohl, o líder da União Democrática Cristã. O país tinha
agora 78 milhões de habitantes em vez de pouco mais de 60. Mas os alemães orientais
(ossis, pejorativamente) não conseguiram, como imaginavam, chegar imediatamente
ao mundo fantástico do liberalismo e do consumo das quinquilharias fabulosas ofere­
cidas pelo discurso de Helmut Kohl e pelas imagens americanizadas da TV. Os ale­
mães orientais perceberam que eles eram cidadãos de segunda categoria e, pior,
desempregados. Não é coincidência que os militantes neonazistas tenham surgido exa­
tamente na ex-Alemanha Oriental, hoje um dos centros de manifestações racistas con­
tra os imigrantes asiáticos.
Além dessas importantes questões, o governo de Helmut Kohl também se vê às
voltas com inflação, aumento de desemprego, manifestações racistas e nazistas: pro­
blemas sempre anunciados como em vias de serem solucionados pelos mecanismos do
.....J sistema democrático e pelas vantagens da economia do mercado liberal.
<(
::J
As experiências liberalizantes de Gorbatchov encontraram cada vez mais resistên­
� cia, tanto por parte da liderança tradicional do Partido Comunista, os chamados linha
o
o
z
dura, como por parte dos liberais, que achavam as reformas da perestroika lentas
::J

demais. No primeiro grupo encontrava-se , por exemplo, Valentin Pavlov, primeiro­
o ministro desde j aneiro de 1 99 1 , e no segundo grupo encontrava-se Boris leltsin, fervo­
o
•<C
roso defensor da rápida introdução da economia de mercado, eleito presidente da
o
<( República.
CC
(.!:) Na madrugada do dia 1 8 de agosto de 1 99 1 , os setores mais conservadores do
u.J
f­ Partido Comunista quiseram controlar a situação e interromper a experiência reformis­
z

-<C
ta de Gorbatchov e tentaram um golpe de estado. Grandes pressões internacionais e,
o
l <(
principalmente, a reação popular, somada à falta de apoio por parte do exército, fize­
o
<(
ram o golpe fracassar. O golpe tornou Ieltsin o grande líder da resistência e o transfor­
N
CC
mou no grande paladino da liberalização. Até o final do ano de 1 99 1 , as transforma­
<(
_J ções foram rapidíssimas. No dia 25 de dezembro houve um fato simbólico: a bandeira
o
o... vermelha com a foice e o martelo foi substituída pela velha bandeira czarista branca,
<(
o azul e vermelha. Gorbatchov renunciou, e a União das Repúblicas S ocialis tas
- S oviéticas desapareceu, dando lugar à Comunidade dos Estados Independentes .
1 92 Instalou-se da noite para o dia a economia de mercado.
Dentre as medidas tomadas por Ieltsin destacaram-se o ato colocando o Partido
Comunista na ilegalidade, que teve sua popularidade restaurada a concorrer às eleições em
1996; a despolitização do Exército; a dissolução da temida KGB, a agência de espionagem
e controle político; a privatização dos meios de comunicação, com a remodelação da agên­
cia Tass. Graves problemas começaram a surgir quando nações inteiras, como a Geórgia,
Azerbaidjão, Turkmenistão ou Quirguízia se rebelaram reivindicando o direito de se tomar
independentes de um domínio secular da Rússia. As repúblicas bálticas, por exemplo, já
haviam proclamado sua independência. O antigo império soviético dissolvia-se rapidamen­
te. O resultado é a constante ameaça, muitas vezes concretizada, de guerra civil.
O caso da pequena Tchetchênia, pode bem ilustrar a difícil situação em que se encon­
tram as diversas nações que faziam parte da União Soviética. Com uma população em sua
maioria islâmica, o "país" se rebelou contra o governo central russo, provocando prolonga­
da e sangrenta guerra civil. Em abril e maio de 1996, tentativas de acordos de paz foram
constantemente interrompidas por atentados e lutas. O exército russo tem se mostrado
impotente para controlar a situação.
A situação atual da Rússia é bastante complicada. Bóris leltsin, o presidente, está às
voltas com rebeliões armadas de povos que faziam parte da União, com o aumento da mor­
talidade infantil e com uma inflação galopante. Está às voltas como o crescimento vertigi­
noso da criminalidade que formou várias máfias no país. Estes grupos criminosos contro­
Carta de Ho-Chi-Minh ao presiden­
lam desde as drogas, cujo consumo aumentou vertiginosamente, até a venda de proteção te dos Estados Unidos Lincoln B .
aos novos ricos. Estes surgiram do vácuo deixado pela ausência do Estado. Fortunas incal­ Johnson (15 de fevereiro d e 1967)
culáveis foram parar nas mãos de antigos dirigentes ou de espertalhões que souberam apro­
Excelência.
veitar a ocasião. Em 10 de fevereiro de 1 967,
Bóris leltsin vem também enfrentando uma forte oposição não só dos liberais ou dos recebi vossa mensagem. Eis minha
ex -comunistas, mas também da extrema direita russa que renasceu rapidamente. Vladimir resposta.
O Vietnã enccmtra-se a milhares
Jirinovski, o líder desse grupo, tem posições racistas e propõe, por exemplo, a divisão da de milhas dos Estados Unidos. O
Polônia entre a Rússia e a Alemanha, restaurando o mapa do antigo império russo. povo vietnamita nunca cometeu
A absoluta minoria dos novos ricos moscovitas tenta imitar os ricos ocidentais. De qualquer atentado contra os
Estados Unidos. Mas, contrariando
modo geral, copiam, numa versão de bastante mau gosto, a vida dos sofisticados milioná­ .os compromissos assumidos por

rios nova-iorquinos. Quando esses russos visitam o Ocidente, em especial os Estados seu representante na Conferência
Unidos, mergulham numa euforia consumista. No entanto, essa nova classe está aterroriza­ de Genebra de 1954, o governo dos
Estados Unidos não cessou de
da com o rápido crescimento da pobreza e do crime na antiga União Soviética. intervir no Vietnã ( . .. ) e cessar esta
Os famintos - a grande maioria da população - viam com simpatia as propostas de agressão, é o único caminho para o
Zyuganov, líder do renascido Partido Comunista. Zyuganov argumentava que na época da restabelecimento da paz. O gover­
no dos Estados Unidos deve cessar
União Soviética, se não havia uma plena democracia havia ao menos emprego, moradia e definitiva e incondicionalmente os
assistência médica para todos. bombardeios e todos os outros atos
Em 1 996, durante a campanha para a eleição presidencial, Zyuganov declarou: "É de guerra contra a República
Democrática do Vietnã, retirar do _J
claro que os membros desse governo (referindo-se a Ieltsin) não são reformistas e sim Vietnã do Sul as tropas americanas c::x:
::>
assassinos da mãe-pátria". e os satélites, reconhecer a Frente 1-
<(
Entretanto, apesar de Ieltsin estar com a popularidade em baixa devido aos efeitos das Nacional de Libertação do Vietnã
o
do Sul e deixar o povo vietnamita o
reformas econômicas e à guerra na Tchetchênia, as eleições realizadas em 03 de julho con­ resolver por si mesmo seus pró­ z
::>
firmaram a continuidade das reformas capitalistas e a aceleração do crescimento econômi­ prios assuntos. Este é o conteúdo
:::2:
co com a reeleição de Boris Ieltsin. fundamental da posição em quatro
o
pontos do governo da
Ainda com relação ao antigo bloco europeu socialista, cabe lembrar que a Iugoslávia RepúblicaDemocrática do Vietnã, a é:i
l <(
foi abalada por um longo período de sangrenta guerra civil. Com um saldo de mais de 250 qual é aexpressão dos princípios e 0
<(
mil mortos, a antiga federação de nações da região chegou a um acordo. No final de 1 995, disposições essenciais dos cr.
Acordos da Genebra de 1 954 sobre <!:l
a Bósnia, a Croácia e a Sérvia assinaram um acordo patrocinado pelos Estados Unidos. A o Vietnã. É a base de uma solução
w
1-
z
paz está sendo garantida por tropas da OTAN, em sua maioria compostas por soldados política correta para o problema
americanos. vietnamita. ( ... ) -c::x:
O povo vietnamita não cederá o
l<(
jamais diante da força, ele não <...r
aceitará jamais conversações sob a <(
N
ameaça de bombas.
A luta pela independência
cr.
Nossa causa é justa. É de se c::x:
_J
desejar que o governo dos Estados o
das antigas colônias Unidos aja de conformidade com a a..
c::x:
razão. o

Vimos que praticamente toda a Á sia e a África haviam se transformado em domínio Ilustres saudações Ho-Chi-Minh -
(Ho-Chi-Minh - A resistência do
das grandes potências européias. A I Guerra provocou a primeira crise no sistema impe- Vietnã) 193
rialista que dominava as colônias. Mas foi depois da II Guerra Mundial que o mundo
colonial das velhas potências imperialistas européias entrou em profunda crise.
Na Á sia, formaram-se grupos guerrilheiros para lutar contra o domínio da Europa e
do Japão.
No Vietnã, por exemplo, os movimentos guerrilheiros que lutaram contra o fascismo
japonês não se desmobilizaram depois da guerra, continuando a lutar contra as forças
francesas, que haviam colonizado a região e tinham sido momentaneamente expulsas
A emancipação política da maior pelos j aponeses.
parte dos países da África inicia um Os guerrilheiros do líder vietnamita Ho-Chi-Min proclamaram a República Popular
período de rápidas mudanças e gran­
de instabilidade. No mapa abaixo do Vietnã (socialista) logo depois de terem destroçado as forças japonesas. A França,
estão localizadas as principais áreas querendo retomar a região, iniciou operações militares contra o novo país. A resistência
de conflito pós-colonial, com a data
vietnamita foi tenaz e conseguiu derrotar os franceses em 1954.
de independência dos países. A maio­
ria conseguiu sua liberdade política No sul de Vietnã, entretanto, restavam forças de resistência que se aliaram aos fran­
n a década de 60, mas as possessões ceses contra os comunistas do norte. Em 1 955, os EUA passaram a dar apoio ao gover­
portuguesas obtiveram sua indepen­
dência a partir de 1 974. Outros tive­
no do sul: surgiram o Vietnã do Sul sob a proteção do governo norte-americano e o
ram de esperar um pouco mais. Vietnã do Norte (comunista), que contava com o apoio da China e da URSS.

A descolonização da África

1 974'

SERRA LEOA
1 96 1 '

LIBÉRIA
1822'

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::;:: Itália 111 influência britânica
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���� França Espanha * data de independência

1 94 Bélgic" • Portugal .... conflito pós-colonial


Sob a influência e a ajuda do governo Socialista do norte, militantes anticolonialistas
do sul (vietcongues) iniciaram uma guerrilha contra a presença dos norte-americanos.
Era o início da Guerra do Vietnã, que acabou envolvendo totalmente os EUA.
Para impedir a ajuda que o norte dava aos guerrilheiros do sul, os EUA iniciaram
sistemáticos bombardeios sobre o Vietnã do Norte. Apesar da formidável força repre­
sentada por seu poderio econômico, os EUA não conseguiam vencer os vietcongues. Ao
mesmo tempo, a guerra acabou por tornar-se impopular no próprio território norte-ame­
ricano. Ondas de protesto se avolumavam diante de uma guerra que parecia não ter fim.
Finalmente, em 1 97 3 , os EUA iniciaram uma retirada gradual de suas forças envol­
vidas no Vietnã. Depois de onze anos de luta, o saldo não era nada animador: mais de
cinqüenta mil jovens norte-americanos haviam morrido. Em abril de 1975, o governo de
Saigon rendeu-se às tropas do Vietnã do Norte e do Vietcong. Em julho de 1976, os dois
Vietnãs tornaram-se um só país sob o regime socialista.
Uma outra importante colônia que se tornou independente foi a Índia, depois de uma
dura luta iniciada bem antes da li Guerra e terminada apenas em 1 947, quando a
Inglaterra finalmente reconheceu sua independência.
Na Á frica, os movimentos de libertação nacional apelaram para a luta de guerrilhas.
O exemplo mais importante foi a Guerra da Argélia, que, no começo dos anos 60, teve a
Sékou Touré, um dos líderes d o
sua independência reconhecida pela antiga metrópole imperialista, a França.
movimento d e libertação das colô­
Depois de longos processos de luta, antigas colônias inglesas na Á frica, como a nias francesas, foi presidente da
Nigéria, a Tanzânia e o Quênia, tiveram sua independência reconhecida. Boa parte da Guiné, ex-colônia francesa, desde
África passou, então, para as mãos dos líderes nacionalistas. sua independência em 1958 até sua
morte em 1984. No texto que segue,
Com a derrota do salazarismo em Portugal, em 1 974, Angola e Moçambique obtive­ Touré denuncia as pressões à que
ram sua independência, depois de violenta guerra de guerrilhas. A antiga Rodésia, que foram submetidos os países africa­
nos por suas ex-metrópoles após a
por longos anos esteve sob o domínio dos brancos racistas, passou para a direção da independência.
maioria negra, que restaurou o antigo nome do país: Zimbábue.
Durante a ocupação francesa,
A Á frica do Sul pode ser considerado o país mais desenvolvido do continente africa­
além das vãs tentativas de assimi­
no. A República da África do Sul (nome oficial) viveu até recentemente sob o domínio lação que visavam a transformá-la
(a Guiné) num prolongamento mili­
de uma elite branca de origem européia. O chamado apartheid mantinha uma esmagado­
tar. econômico e cultural da
ra maioria de negros submetida a regime de trabalho quase que forçado e morando em França, ela conheceu o trabalho
forçado, os fornecimentos obrigató­
guetos extremamente pobres. Enquanto isso, a elite branca vivia em bairros luxuosos
rios, os vexames, as humilhações,
nas grandes cidades. Esta situação começou a ser alterada quando os negros, sob a lide­ as discriminações raciais, que não

rança do ativista Nelson Mandela, iniciaram uma longa luta de libertação. No dia 27 de eram, aliás, mais do que as marcas
de uma política de explorações a
abril de 1 994, finalmente ocorreram eleições livres que transformaram o líder do Partido um tempo opressiva e repressiva.
do Congresso Nacional Africano, Nelson Mandela, no primeiro presidente negro da his­ Mas se o fato colonial comporta­
va todas essas práticas desonrosas .....J
tória do país. <.(
que atingiam a nossa dignidade e
:;::)
os nossos interesses, provocava ao
mesmo tempo uma corrente con­

o
trária favorecida pela nossa tomada Cl
de consciência das múltiplas alie­ z
:;::)
O Oriente Médio e o conDito árabe-israelense nações que suportávamos, como
::2:
possibilidades naturais, humanas e
o
políticas. A organização da luta
anti-colonialista e a profunda aspi­
o
Teoricamente, o Egito era independente da Inglaterra desde 1 936, mas esta continua­ l<.(
ração popular à soberania e à res­ üo
va com o direito sobre o canal de Suez, o que reservava aos britânicos uma das maiores <.(
ponsabilidade nacional eram devi­ c:
fontes de renda da região. das a essa tomada de consciência (!J
LU
política. 1-
Quando a li Guerra Mundial terminou, os líderes egípcios tentaram entrar em acordo z
Após a Segunda Guerra
com os ingleses, para que estes abandonassem sua pátria. Mas a Inglaterra se opôs, Mundial, o Ocidente Africano ,<.(
conheceu esse movimento de o
desestabilizando o governo do Egito, que foi derrubado por forças nacionalistas lidera­ l<.(
emancipação que, sob o triplo üo
das pelo coronel Nasser. Os ingleses tiveram enfim que deixar o país. plano político, sindical e cultural, r:5
O Egito tornou-se verdadeiramente independente, mas deveria lutar contra um novo combatia o regime colonial, não j á c:
nos seus efeitos, mas nos seus pró­ <.(
país que se formava e que começava a defender os interesses das antigas potências colo­ _J
prios fundamentos, exigindo, em o
nialistas: o Estado de Israel. benefício dos povos, o respeito do
a..
<(
No final do século passado iniciou-se o movimento sionista, que pretendia recons­ direito à autodeterminação. (Sékou o
Touré " Sobre Doutrina e Política
truir um Estado judeu na Palestina, habitada há quase dois mil anos por povos árabes. -
Geral" , in Problemas da África
Aos poucos, os judeus foram se transferindo para aquela região e, durante o domínio Negra). 1 95
A Europa Pós-Guerra Fria

AsIA

RÚSSIA
(P.,n� E:vtcp6i3i

MOS<;OU •

ÁSIA

_J
<!
� ÁFRICA

o
o '

z Com o fim do bloco soviético, o mapa da ruropa ganha novas fronteiras: a fragmentação da URSS.
:::l a d ivisão da Tchecoslováquia e o conflito étnico na Iugoslávia.
2
o
O Oriente Médio é uma das regiões
o mais tensas do mundo atual. A principal
<<! nazista na Alemanha, essa migração se intensificou bastante. A opinião pública mundial
C> causa dessa sangrenta disputa é o petró­
<! leo, abundante nas terras árabes, fonte tomava-se simpática aos judeus, na medida em que se conheciam os massacres realiza­
cr:
(!) energética vital para os países altamente
dos pelos nazistas durante a II Guerra.
LJ.J
1--­ industrializados. A guerra é uma cons­
z tante nessa região desde a criação do Em 1947, a Assembléia Geral da ONU consentiu na criação de um Estado judeu na
,<(: Estado de Israel, com a expulsão dos Palestina, que em pouco tempo se transformou em uma nova potência, graças ao grande
o árabes da Palestina e a formação da
> <! afluxo de capitais carreado principalmente pelos judeus norte-americanos . E não tardou
C> O r g a n i z a ç ão para a L ibertação da
<! Palestina (OLP). O conflito árabe-israe­ para que se iniciasse um conflito com os árabes, que permanece até hoje.
N
lense, que se prolonga até os dias atuais,
cr: Após a decisão da ONU, grupos de voluntários árabes se armaram para lutar contra
<! iniciou-se um dia após a independência
_J Israel - o novo país - que, com o auxílio militar britânico, conseguiu repelir sucessi­
o de Israel, em 1 948. Em 1975, estoura a
a... guerra do Líbano e em 1 9 80 a guerra vos ataques.
<! Irã-Iraque. Em 2 de agosto de 1 990, o
o Em meio a constantes ataques dos países árabes vizinhos, que abrigavam os palesti­
Iraque invade o Kuweit dando origem à
-
Guerra do Golfo, cuja causa básica foi o nos como refugiados, foi oficializada a fundação do Estado de Israel, em maio de 1 948.
1 96 petróleo. A partir daí, judeus e árabes empenharam-se numa luta marcada por várias guerras: a de
1956, a de 1967 e a de 1 973. Mas as vitórias dos judeus não significaram paz para o povo
israelita, que vive permanentemente em estado de guerra e depende do apoio dos EUA.
A ocupação da Palestina pelos judeus desestabilizou outras regiões do Oriente Médio.
Muitos palestinos refugiaram-se, por exemplo, no Líbano, desequilibrando a situação
política do país e gerando conflitos entre cristãos e muçulmanos que perduram até hoje.
Depois de longos anos de luta entre a guerrilha palestina, liderada pela OLP
(Organização de Libertação da Palestina) e as forças de Israel, árabes e judeus chegaram
a um prévio acordo. Em abril de 1993, o líder Yasser Arafat concordou em estabelecer
um Estado palestino na faixa de Gaza em troca do reconhecimento do Estado de Israel.
Aparentemente, a paz havia chegado entre os dois povos. No entanto, radicais, tanto de
um lado como de outro, fazem de tudo para impedir a conclusão dos acordos de paz.
Um desses movimentos é o Hamas, nascido em 1987 na Intifada, o movimento de resis­
tência do povo palestino à ocupação dos territórios ocupados por Israel. Em abril de
1995, militantes do fundamentalismo islâmico (ligados ao Hamas e ao Hezbollah, outro
grupo fundamentalista islâmico) desfecharam uma série de atentados suicidas em Israel
matando várias pessoas. Esses atentados influíram na eleição do direitista Binyamin
Netanyahu, que já mudou o rumo da política de distensão iniciada por Yitzhak Rabin e
continuada por Shimon Peres.

Revolução Chinesa:
Mao Tsé-tung no seu famoso dis­
um novo país socialista curso "Que cem flores desabro­
chem", publicado em 1956, convida
os cidadãos da China a criticarem a
conduta do PCC, denunciando os
A República Chinesa havia sido proclamada em 1 9 1 1 , acabando com o milenar
conflitos de interesse entre vários
sistema monárquico. Mas o novo regime não acabou com o domínio imperialista grupos. Mao acreditava que não
estrangeiro que, aliado aos chefes militares locais e parte da burguesia chinesa, manti­ havia conflito, mas o domínio de
uma burocracia que poderia ser
nha o povo na miséria. Por essa época, os grupos internos que lutavam pelo poder se superado pela educação. Esse e
dividiam em dois grandes movimentos: de um lado, o Partido Kuomintang, liderado outros documentos serão responsá­
veis pelo desencadeamento da
pelo general Chiang-Kai-Chek, que era apoiado pelas forças conservadoras e pelos
Revolução Cultural.
imperialistas europeus e americanos: de outro lado, o Partido Comunista Chinês, lide­
rado pelo legendário Mao Tsé-tung, que recebia o apoio de parte da burguesia chinesa "Que Cem Flores Desabrochem"
e "Que Cem Escolas de Pen­
e, principalmente, dos camponeses. Esses dois grupos lutaram pelo poder numa san­ samento Discutam" , "Coexistência
grenta guerra interrompida momentaneamente pela II Guerra Mundial, quando o e Supervisão Mútua a Longo
Prazo", como foram
Japão invadiu a China na tentativa de submetê-la.
criadas essas palavras de ordem? _J
O Partido Comunista Chinês se aliou ao Kuomintang até quase o fim da guerra. Foram criadas à luz das condi­ <(
::::::>
Mas, mesmo antes da derrota do Japão, o conflito entre os exércitos dos dois partidos ções específicas existentes na
China, à base do reconhecimento !;c
j á havia reinic i ado . Até 1 946, os comunistas haviam dominado quase toda a dos vários tipos de contradições
o
Cl
Manchúria, a região mais industrializada da China. Os exércitos do Kuomintang ainda existentes numa sociedade z
::::::>
(nacionalistas) recebiam ajuda maciça norte-americana, mas os comunistas, com sua socialista e em resposta à necessi­
2
dade premente que tinha o país de
convicção inabalável, foram dominando aos poucos o território chinês, recebendo em intensificar o seu desenvolvimento
o

cada região o apoio total das populações. econômico e cultural.


o
<<(
A política de fazer brotar cem <:.>
Nas áreas sob o governo dos comunistas se processavam profundas reformas, com <(
flores e fazer cem escolas de pensa­ o::
a distribuição de terras aos camponeses, garantia de trabalho, assistência à saúde etc. mento discutir visa a promover o (.!:)
w
florescimento das artes e o progres­
Enquanto isso, nas regiões sob controle dos nacionalistas de Chiang Kai-Chek se pra­ f-­
z
so da ciência; destina-se a permitir
ticavam torturas e prisões, mantendo-se os privilégios das altas camadas. a cultura socialista florescer em ·<C
A resistência de Chiang Kai-Chek não suportou a violenta pressão, e a maioria dos nossa terra. Diferentes formas e o
<<(
estilos de arte podem desenvolver­
soldados nacionalistas aderiu às forças comunistas. Em outubro de 1 949, toda a China <:.>

se achava sob o controle dos comunistas liderados por Mao Tsé-Tung. Nesse mesmo
se livremente e diferentes escolas

na ciência entrar em livre competi­ o::
mês, nascia a República Popular da China. ção. Acreditamos ser prejudicial ao
:5
crescimento da arte e da ciência o o
O peso da transformação da China em um país comunista foi grandemente sentido uso de medidas administrativas a..
<(
pelos países ocidentais, principalmente pelos EUA, que continuaram a apoiar a manu­ para impor um determinado estilo Cl
de arte ou escola de pensamento e
tenção de uma chamada China Nacionalista, sob a direção de Chiang Kai-Chek, que -
proibir outro. (C. Wright Mills Os
-

se estabeleceu na ilha de Taiwan (Formosa). marxistas) 1 97


Seguindo o modelo soviético, a China implantou o seu I Plano Qüinqüenal ( 1 953-
1 957) que estimulava a industrialização e a coletivização da agricultura. Em 1 958,
Mao pregava o Grande Salto para Frente ( I I Plano Qüinqüenal) que não atingiu os
resultados previstos. Mao, embora afastado do governo, desencadeia, entre 1 966 e
1969, a Revolução Cultural, verdadeira "revolução dentro da Revolução".
Com a morte de Mao, em 1 97 6, a ala mais radical (Bando dos Quatro) é expulsa
do PC. Em 1 979, são restabelecidas as relações com os EUA, e na década de 80 a
China adota medidas para liberalizar a economia (privatização de algumas empresas),
enquanto recebe o primeiro empréstimo do FMI. Mas crescem os atritos entre refor­
mistas e conservadores. Em 1 989, o país reata relações com a URSS, e protestos estu­
dantis resultam no massacre da praça Tian An-Men. No início dos anos 90, o monopó­
lio do poder é reforçado e os dissidentes são perseguidos, mas pouco depois o próprio
Partido Comunista admite a necessidade de reformas.

A América Latina depois


da Guerra

Uma das principais mudanças ocorridas na América Latina depois da II Guerra


Mundial foi o fato de países como o Brasil, a Argentina e o México não poderem mais
ser vistos como simples produtores de matérias-primas e alimentos para a exportação.
Mas, de modo geral, os países latino-americanos tiveram uma industrialização apoiada
nos favorecimentos, ligados à produção dos bens de produção (usinas hidrelétricas,
poços de petróleo, siderúrgicas). Por isso, o Estado fez o papel da grande burguesia
como a que havia se formado na Europa e nos EUA. Além disso, passou a exercer o
papel de guardião contra a agressiva concorrência das empresas estrangeiras.
Aos poucos, a velha divisão internacional de trabalho, que implicava na América
Latina fornecedora de matéria-prima e receptora de produtos manufaturados, tendeu a
desaparecer. A descentralização das atividades industriais deu-se em escala mundial.
Surgiram as empresas multinacionais, que passaram a controlar o novo processo pro­
dutivo. Formou-se, portanto, uma nova dependência.

_J
Tendências Atuais
c::(
::::l
� Vários países tentaram uma alternativa independente para suas economias. Essas
o tentativas não foram facilmente implantadas, pois os interesses dos capitais estrangei­
o
2 ros, aliados aos setores conservadores dos países latino-americanos, impediam as
::::l
:2: reformas. Um dos exemplos mais próximos dessa tentativa frustrada de reformas foi o
o
período presidencial de Getúlio Vargas ( 1 950 a 1 954). Em agosto de 1 954 Vargas sui­
o
I<::( cidou-se, acusando os grupos estrangeiros e nacionais ligados aos estrangeiros de
o
c::( terem impedido a implantação de uma economia autônoma no Brasil.
a:
(.!J As décadas de 50 e 60 se caracterizaram pelo apoio dos EUA aos regimes milita­
LU
1-
2 res que se estabeleceram na América Latina para impedir a formação de governos
,<:( nacionalistas. Instalaram-se longas ditaduras, principalmente na América Central :
o
I<::( Trujillo, na República Dominicana; Somoza, na Nicarágua; Duvalier, no Haiti. Essas
o
c::( ditaduras incorporaram o aparelho policial aos órgãos políticos de domínio.
N
a: Esse panorama começou a sofrer modificações importantes a partir de fins da
::5 década de 1 970.
o
CL Na Nicarágua, a ditadura da família Somoza foi derrubada por uma revolução no
c::(
o ano de 1 979. Iniciava-se assi�, o regime chamado sandinista com matizes socialistas
-
tendo como forte aliado Cuba de Fidel Castro. O governo revolucionário nicaragüense
1 98 teve que enfrentar, durante muitos anos, o movimento guerrilheiro de direita conheci-
do como Contras, apoiados pela CIA americana. Em . 1 990, convocadas as eleições
gerais, o movimento sandinista foi derrotado e o líder Daniel Ortega foi substituído por
Violeta Chamorro na presidência da república. Enfrentando alto nível de desemprego e
inflação, as perspectivas do pequeno país centro americano não são as mais promisso­
ras.
O fim de outros regimes militares acentuou as perspectivas de mudanças no sub­
continente: Argentina, Brasil, Chile são os exemplos mais marcantes que conseguiram
livrar-se dos regimes militares, mas carregam os problemas da chamada modernização
coexistindo com bolsões de atraso. Os grandes acordos de integração econômica entre
países, como o Mercosul por exemplo (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), junta­
mente com aplicação de medidas econômicas ortodoxas para reduzir os crônicos pro­
blemas inflacionários, têm atingido seus objetivos. No entanto, o preço parece estar
sendo alto: o número de desempregados tem aumentado e a pobreza tem crescido. No
México, um dos países que está se submetendo às reformas, em janeiro de 1 994, a ten­
s ão explodiu na rebelião de Chiapas desencadeada pelo Exército Zapatista de
Libertação Nacional. Além dos problemas sociais e políticos, a economia mexicana,
seguindo o modelo do Fundo Monetário Internacional fracassou. O México talvez,
seja o retrato futuro de "nuestra América" do capitalismo neoliberal. O saldo, aponta­
do pelo jornalista Elio Gaspari, é revelador: "La modernidad triplicou a mortalidade
infantil e o preço da cesta básica. Enquanto isso, o número de milionários com fortuna
estimada em mais de 1 bilhão de dólares passou de 2 para 24. A grana desses seiiores,
somada, equivale à renda anual de 1 7 milhões de mexicanos".

Che Guevara, um dos mais impor­


tantes revolucionários latino-ameri­
A Revolução Cubana canos, mostra no texto abaixo a
importância da Revolução Cubana
como modelo a ser seguido por
Desde 1952, Cuba era uma típica ditadura da América Central, sob o domínio de outros povos. Em 1960, Ct.e escreve
o seu clássico A gue. ra de guerrilha
Fulgêncio Batista, que se apoiava no Exército e na polícia. Os EUA controlavam pra­
onde mostra a exr �riência acumu­
ticamente toda a economia da ilha. Mais de 50% das estradas de ferro, 90% das minas lada em Sierra Mt i$tra que esboça­
e 50% da indústria açucareira pertenciam aos norte-americanos . va a prática do foco guerrilheiro.

A ilha era também u m ponto d e turismo obrigatório dos milionários americanos. Por uma simples lei da gravidade , a
Os jogos, a prostituição, os cabarés luxuosos eram a marca registrada de Cuba. pequena ilha de 1 14.524 km' e
6.500.000 habitantes está assumin­
Enquanto isso, a maioria da população, composta de camponeses, vivia na miséria
do a liderança da luta anticolonial
habitando em favelas e passando fome. na América, pois há condições
Em agosto de 1958, duas colunas de guerrilheiros desceram a serra e começaram o importantes que lhe permitem .....J
assumir esse glorioso, heróico e <(
ataque às principais bases militares do Exército de B atista. Vencidos alguns quartéis :::;)
perigoso papel. As nações da
(Las Villas, Yaguajay, entre outros), os guerrilheiros, comandados por Ernesto Che América colonial que são economi­ !;;:
camente menos fracas, as que o
Guevara e por Camilo Cienfuegos, iniciaram a marcha sobre Havana. Cl
estão desenvolvendo seu capitalis­ 2
Diante da impossibilidade de derrotar a guerrilha, pois grande parte dos soldados mo nacional aos trancos e barran­ :::;)
::2!:
aderiu às forças de Fidel Castro, Batista fugiu da ilha. No dia 2 de j aneiro de 1 959, cos numa luta contínua, por vezes
o
violenta e sem quartel, contra os
Fidel Castro e seus guerrilheiros entraram em Havana. Formou-se imediatamente um o
monopólios estrangeiros, estão I <(
Governo Revolucionário, que tomou algumas medidas urgentes : diminuição das gradualmente cedendo seu lugar a c..»
esta nova e pequena força da liber­ <(
taxas de energia elétrica, nacionalização da Companhia Telefônica e do comércio de 0::
dade, já que seus governos não se C!:l
derivados de petróleo. Foram estabelecidos uma política de aumento salarial e um LU
julgam suficientemente fortes para f--
sistema de seguro de saúde, e reorganizou-se o sistema educacional. levar a luta até o fim. E isso porque 2
a luta não é simples nem está livre '<(
O programa de Fidel Castro era reformista. A reforma agrária instituída previa a
dos perigos e das dificuldades. É o
expropriação dos grandes latifúndios, mas não a coletivização. Porém, depois das I <(
essencial ter o apoio da totalidade c..»
pressões exercidas pelos EUA, Fidel passou a radicalizar os rumos da Revolução. do povo e um idealismo e um espí­ ;::5
rito de sacrifício enormes, para 0::
Após romper relações com Cuba, os EUA fracassaram na tentativa de desembar­ levá-la a cabo sob as condições de <(
.....J
car tropas na baía dos Porcos (abril de 196 1 ), e Fidel voltou-se cada vez mais para a isolamento quase total em que o
lutamos na América {Ernesto o..
URSS (armas e petróleo). Cuba sofreu boicote dos EUA e, em 1 962, foi expulsa da
"Che" Guevara - "Notas para o <(
OEA (Organização dos Estados Americanos). A maioria dos países do continente Cl
Estudo da Ideologia da
-
rompeu com Havana. Revolução Cubana" in
Os marxistas) 1 99
Embora o regime socialista cubano acabasse por ser aceito pela maioria dos paí­
ses do mundo, a perestroika e aproximação da URSS com os EUA provocaram um
distanciamento entre Cuba e Moscou. A partir de 1 989, cresceram as críticas a Fidel,
resultando em novas represálias diplomáticas. Internamente, porém, um plebiscito
realizado em 1 993 confirmou a manutenção do regime cubano, sob o comando de
Castro.
No começo de 1 995, a inauguração do primeiro McDonald' s em Havana demons­
trava que Cuba tenta, a seu modo, adaptar-se ao capitalismo. Em setembro de 1 995, o
governo cubano decretou a abertura para o capitalismo internacional. Duzentas e doze
empresas já se instalaram em Cuba e investiram mais de 2 bilhões de dólares. O presi­
dente americano Bill Clinton, antes simpático à abertura dos EUA em direção à Cuba,
mudou radicalmente de posição em virtude de a Força Aérea Cubana ter derrubado
um avião americano que violou as fronteiras do espaço aéreo cubano.

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� NOVA CULTUML I VESTIBULAR I

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