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Admin, Gerente Da Revista, 10 - Rosane e Letícia - A Reforma Da Lei de Direitos Autorais
Admin, Gerente Da Revista, 10 - Rosane e Letícia - A Reforma Da Lei de Direitos Autorais
ABSTRACT: This article brings up the question about the patrimonial and
individualistic character of copyright no longer finds support in the informational
society, and should be designed in harmony with the Federal Constitution, since
it has a social function to fulfill. Accordingly, the present study aims to analyze
the reform of the Copyright Law to determine whether the proposed changes
are in line with the changes produced by the use of the internet, providing a
greater balance between copyright and the right to information and culture.
Therefore, it was chosen the dialectic approach method, due to the conflict of
rights presented by the subject, dividing the article into two parts: firstly, the
impact of the informational society in copyright was verified; secondly, the law
reform was analyzed. Finally, it was found that the proposals to change the law
fail because they do not properly handle the transformations of copyright in the
context of the internet.
1 Introdução
1 que não significa abandonar a expressão sociedade da informação. Apenas indica que este artigo
O
abordará os fluxos informacionais a partir de uma visão dinâmica, multidimensional e complexa.
do que está disponível na rede hoje é protegido pelo direito de autor. Ascensão
(2011b) argumenta que passa a haver um questionamento acerca do acesso aos
conteúdos existentes na internet, sobretudo porque a cultura cada vez mais se
baseia em produtos com suporte virtual ou, ao menos, digitalizáveis, tornando-a
depositária desse acervo cultural mundial.
Desse embate jurídico surgiram, segundo Paesani (2007), duas correntes.
A primeira, mais conservadora, entende que a obra pertence exclusivamente ao
autor e todos os direitos são a ele reservados. Já a visão oposta considera que
deve haver um abrandamento dos direitos exclusivos do autor, incentivando
a livre reprodução e a difusão da obra. Assim, percebe-se uma nítida colisão
entre o direito patrimonial do autor e a possibilidade sem precedentes oferecida
pela internet para a produção e a difusão do conhecimento cultural. Portanto, a
sociedade informacional acentuou o conflito – que, embora antigo, existia em
menor escala entre o interesse privado do titular do direito sobre a obra (o autor e
às vezes também o editor) e o interesse público da coletividade em ver facilitado o
acesso a bens culturais.2 Diante desse impasse, surge um desafio: como encontrar
um equilíbrio entre o interesse do criador e o interesse da sociedade no acesso
à cultura? Tal questão tem extrema relevância pelo fato de que, com os estudos
sobre o tema, verificou-se que o direito de autor, assim como os demais direitos,
está sujeito ao cumprimento de uma função social.
2 Constituição Federal (BRASIL, 1988), ao lado da tutela concedida aos direitos de autor, também
A
confere especial proteção ao direito à cultura. Nesse aspecto, José Afonso da Silva (2009, p. 838)
afirma que a Constituição de 1988 “deu relevante importância à cultura, tomado esse termo
em sentido abrangente da formação educacional do povo, expressões criadoras da pessoa e das
projeções do espírito humano materializadas em suportes expressivos, portadores de referências
à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, que se
exprimem por vários dos seus artigos (5o, IX, 23, III a V, 24, VII a IX, 30, IX, e 205 a 217), formando
aquilo que se denomina ordem constitucional da cultura, ou constituição cultural, constituída
pelo conjunto de normas que contêm referências culturais e disposições consubstanciadoras dos
direitos sociais relativos à educação e à cultura”.
e tecnológico de uma sociedade. Observa-se, portanto, que a atual LDA não está
de acordo com a função social que o direito de autor deve ter, uma vez que o
caráter restritivo e individualista da lei vai de encontro a ideais democráticos
expressos na Constituição, como o acesso à educação e à cultura. Krestchmann
(2011) argumenta que, ao se observar o rol de limitações, percebe-se que elas
foram criadas muito mais para reforçar o direito do autor ou do titular do que
para efetivamente possibilitar um equilíbrio entre o justo interesse privado dos
criadores e o interesse público da sociedade. O conflito de interesses torna-se
ainda mais acirrado quando se trata da difusão de obras na internet. Afinal, é
notório que boa parte das atitudes adotadas pelos internautas desafia as regras
clássicas de direito de autor, especialmente quando são compartilhados arquivos,
a partir do download de livros, filmes, músicas, ou realizados remix a partir de
obras de terceiros. Todavia, critica-se o fato de o Brasil, um país no qual não há
compatibilidade entre a renda da população e o preço dos livros, possuir uma
legislação que proíbe a cópia ou a digitalização para uso educacional ou científico,
prejudicando o acesso a recursos educacionais, elemento fundamental para
desenvolver a qualificação profissional (LEMOS, 2011).
Diante disso, o problema enfrentado pela sociedade contemporânea é que as
atuais limitações da LDA pátria não se coadunam mais com a realidade advinda
da internet. Se, por um lado, a internet auxilia no cumprimento da função social
do direito de autor na medida em que facilita a circulação da informação, por
outro lado essa facilidade vem muitas vezes acompanhada de violação ao direito
patrimonial do detentor da obra. Wachowicz (2011) resume bem a questão,
apontando o paradoxo existente no fato de que a sociedade informacional
se estrutura a partir do primado da liberdade de informação em favor da
disseminação do conhecimento e da cultura. Afinal, apenas pode haver uma
sociedade informacional se existir garantia de liberdade de acesso à informação.
No entanto, o sistema de tutela jurídica dos bens intelectuais somente se justifica
pela concessão de um direito exclusivo ao autor. Surge assim um conflito de
direitos, na medida em que boa parte do conteúdo disponível na rede é protegido
por leis de direitos de autor. Em suma, embora boa parte das atitudes dos
internautas configure violação de direitos de autor, a divulgação massiva de bens
culturais contribui como nunca antes para cumprir a função social desse direito,
propiciando de maneira ampla e facilitada o acesso à informação, à educação e à
cultura. É dentro dessa perspectiva que o conflito deve ser trabalhado, no intuito
de buscar o balanceamento entre dois interesses antagônicos.
4 Peer-to-peer é “uma tecnologia aonde dados são distribuídos sem que haja um servidor central
para onde todos devem enviar seus dados e de onde os dados são obtidos, como no caso do
e-mail e da www. Na prática, todos os usuários de um sistema de peer-to-peer – que significa
ponto-a-ponto ou parceiro-a-parceiro – atuam como clientes – receptores – e como servidores –
transmissores – de dados” (LESSIG, 2004, p. 37).
Nesse contexto, Palfrey e Grasser (2011) lecionam que uma das lições do
passado recente é que é improvável que a ampliação das restrições previstas
em lei seja uma resposta convincente aos desafios apresentados pela tecnologia
digital. Nesse caso específico, as normas legais existentes estão desconectadas
de normas sociais poderosas, como no caso do compartilhamento de arquivos.
Contudo, alertam os autores, ainda mais perigosas do que regras ultrapassadas
são novas regras inadequadas. É por isso que qualquer mudança na legislação
autoral deve ser pensada com muito cuidado, especialmente quanto às limitações,
porquanto são elas que vão determinar o quão restritiva ou não será a lei e o quão
adaptada estará ao ambiente digital, conforme se demonstrará a seguir.
5 O atual artigo 46 possui oito incisos. No Projeto de Lei, o artigo 46 passa a contar com dezoito
incisos e dois parágrafos. Nesse sentido, a fim de abordar as mudanças propostas nos anteprojetos
de lei, analisar-se-ão o caput do artigo 46 e os incisos I, II, III, IV, VI, VIII, IX, XIII, XVII, XVIII,
bem como o parágrafo segundo, porquanto são os dispositivos que passaram por alterações e
possuem relevância no contexto da sociedade informacional (BRASIL, 2012).
uso privado e não comercial (BRASIL, 2012). Essa possibilidade está em plena
consonância com as facilidades trazidas pelas tecnologias digitais. Outro impacto
lembrado pela doutrina é no setor educacional, na medida em que autoriza a
cópia de um livro para uso privado e não comercial. Atualmente a maior parte
da doutrina considera a redação atual da LDA ultrapassada no que tange à cópia
privada e para uso não comercial, pois é totalmente restritiva na admissão da
reprodução de uma obra, impondo diversas condicionantes e permitindo somente
a cópia de pequenos trechos. Segundo Ascensão (2011a, p. 23), a redação da lei
“[...] não é compatível com a difusão da cultura, nem tem que ver com os objetivos
do direito do autor”. Inclusive, a introdução desse inciso na atual LDA mostrou-se
um retrocesso, uma vez que a normativa anterior, Lei no 5.988 (BRASIL, 1973),
permitia a reprodução de um exemplar inteiro, feito pelo próprio copista, para
uso próprio e sem fins lucrativos. No Projeto de Lei (BRASIL, 2012), eliminou-
se a expressão pequenos trechos existente na lei atual, autorizando assim a cópia
integral de um exemplar. Ademais, a inclusão da expressão por qualquer meio
ou processo possui o mérito de abranger a reprodução digital, o que se mostra
coerente com os avanços tecnológicos.
Criticam-se as exigências inseridas tanto no inciso I quanto no II, que
determinam que a obra seja legitimamente adquirida. Ascensão (2011c) censura
severamente essas expressões do Projeto de Lei (BRASIL, 2012), uma vez que
entende que elas não se relacionam com a cópia para uso privado. O que interessa,
em última análise, é que a cópia seja feita para uso privado, independentemente
do modo de aquisição da obra que foi copiada. A obtenção da obra originária de
forma ilegítima interessa apenas para fins de repressão desse ato de aquisição
ou publicação, não tendo relação com o fato de terem sido feitas cópias privadas
da obra. Assim, Ascensão (2011a) entende que, em vez de estabelecer diversas
condicionantes para o uso privado da obra, seria mais adequado que a lei fizesse
um reconhecimento genérico da licitude do uso privado. Isso porque quem faz
uso privado está fora do âmbito do direito de autor, uma vez que não efetua
exploração econômica da obra.
Por sua vez, os incisos III e IV (BRASIL, 2012) tratam das limitações ao
direito de autor que visam a garantir o livre exercício da imprensa. Equivalem
ao inciso I, alíneas a e b da atual LDA (BRASIL, 1998). O inciso III do Projeto
de Lei prevê ser livre a reprodução na imprensa, ou em qualquer outro meio
de comunicação, de notícias ou artigos informativos, publicados em diários ou
periódicos. O inciso IV prevê ser livre também a utilização na imprensa, ou em
que permite a adequação das limitações em outros casos. Prevê que não constitui
ofensa aos direitos autorais a reprodução, a distribuição e a comunicação ao público
de obras protegidas, dispensando-se inclusive a prévia e expressa autorização do
titular e a necessidade de remuneração por parte de quem as utilizada quando
a utilização for para fins educacionais, didáticos, informativos, de pesquisa ou
para uso como recurso criativo. Para tanto, a utilização deve ser feita na medida
justificada para o fim a se atingir, sem prejudicar a exploração normal da obra
utilizada e nem causar prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores
(BRASIL, 2012). Essa alteração revela-se positiva ao permitir maior flexibilidade
ao rol fechado da atual LDA. Outro aspecto positivo é que não condiciona o uso
livre das obras à autorização do Poder Judiciário, evitando uma judicialização
desnecessária da questão. Numa época em que se buscam meios alternativos
de resolução de conflitos de modo a desafogar o Poder Judiciário, o Projeto
de Lei coaduna-se a essa tendência, por diminuir a burocracia e propiciar uma
adaptação ao contexto dinâmico da internet. Nesse sentido, o Projeto de Lei
apresenta maior dinamicidade em relação à atual normativa, permitindo uma
adaptação das limitações do direito de autor ao constante e cada vez mais rápido
desenvolvimento tecnológico. Ascensão (2011c) corrobora o entendimento,
aduzindo que a complementação das restrições elencadas no artigo por meio de
uma cláusula geral inspirada na regra dos três passos permite a maleabilidade das
limitações, algo muito necessário quando estão em discussão questões impactadas
pelo desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação.
4 Conclusão
Conforme o viés clássico da legislação, de caráter patrimonial e individualista,
o direito de autor deveria ser entendido como absoluto e, portanto, restringido
somente em casos excepcionais. Contudo essa concepção não encontra mais
espaço na atualidade, uma vez que, no paradigma do Estado Democrático de
Direito, passou-se a entender que o direito de autor possui uma função social
que lhe é inerente, em consonância com os valores e os princípios irradiados da
Constituição Federal (BRASIL, 1988).
A sociedade informacional abriu imensas possibilidades para produção,
transmissão e compartilhamento de bens culturais, contribuindo com a promoção
do desenvolvimento econômico, tecnológico e cultural, e possibilitando assim
concretizar a função social do direito de autor. Nada obstante, a lei atual é
positiva. Contudo, mais do que essa previsão, seria interessante que fosse aberto
o debate acerca do empréstimo de exemplares digitais de obras de bibliotecas.
Por exemplo: para a educação a distância, o empréstimo de livros em formato
digital é extremamente relevante. Não se pode desconsiderar que a tendência do
livro digital é crescente, e a possibilidade de bibliotecas emprestarem materiais
em formato digital é uma boa maneira de ampliar o acesso a bens culturais.
Entende-se relevante a previsão sobre intercâmbio de material digitalizado entre
bibliotecas, a fim de ampliar o material disponível para consulta e possibilitar
que obras inacessíveis numa instituição possam ser disponibilizadas por outra.
Isso reduziria desigualdades regionais, ao permitir o acesso a livros disponíveis
somente num determinado local.
Positiva é a inclusão, nos incisos III e IV, que tratam do livre exercício
da imprensa, da expressão em qualquer outro meio de comunicação, de modo a
permitir que blogs ou outros sites que não sejam essencialmente jornalísticos, mas
que também veiculam informações a título ilustrativo, de crítica ou de pesquisa
acadêmica estejam abarcados pelo manto da proteção legal. Outro avanço foi a
inserção do parágrafo segundo no Projeto de Lei, cuja cláusula aberta se coaduna
com a flexibilidade necessária imposta pela internet na interpretação das leis,
porquanto no ambiente digital as alterações e as novidades são constantes e
cada vez mais céleres, exigindo uma legislação dinâmica. Uma lei que contemple
limitações de forma restrita e fechada dificilmente será adaptável à velocidade
do mundo digital. Já a cláusula aberta, tendência das legislações elaboradas nos
últimos anos, permite averiguar cada caso concreto, realizando a ponderação
entre o interesse privado e o interesse público. Essa ponderação é absolutamente
necessária a fim de verificar se deve preponderar o direito do autor ou o direito
de acesso à cultura por parte dos cidadãos.
Entende-se que a harmonização desses direitos em colisão pode ser obtida por
meio da elaboração de legislação que reconheça e respeite as rápidas e constantes
mudanças propiciadas pela sociedade informacional. Essa lei deve se mostrar
flexível e dotada de cláusula geral que inclua a cláusula dos três passos, essencial
para responder as novas questões decorrentes das mudanças tecnológicas. A
adoção desse modelo permitirá que a nova lei não somente responda de maneira
mais adequada aos conflitos envolvendo a propriedade intelectual em tempos
de internet, como também harmonize interesses atualmente contrapostos, já
que o exame do caso concreto oferece os contornos para atingir a desejável
funcionalização dos direitos do autor. Portanto, ainda que o atual Projeto de Lei
seja aprovado (o que por ora é apenas uma hipótese), suas insuficiências estão
apontando que o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer para adequar os
direitos de autor ao ritmo da sociedade informacional.
5 Referências
ASCENSÃO, José de Oliveira. A proposta do MinC de reforma da LDA: as limitações
aos direitos autorais. In: WACHOWICZ, Marcos (Org.). Por que mudar a lei de
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