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CCNEXT - Revista de Extensão, Santa Maria v.3 - n.Ed.

Especial
XII EIE- Encontro sobre Investigação na Escola , 2016, p. 914– 918
Revista do Centro de Ciências Naturais e Exatas - UFSM
IISSN on-line: 2179-4588

O ensino de história e a palavra dita pelo povo

Kathleen Kate Dominguez Aguirre, Eron da Silva Rodrigues e Bruno Santos da Silva

katedominguezaguirre@gmail.com; rodrigues.eron@hotmail.com; bruno.silva@furg.br

Resumo
A proposta deste relato é apresentar algumas experiências em sala de aula como licenciandos e pibidianos de História e discutir a riqueza
das socializações entre educadores na construção de uma prática emancipadora. Temos percebido cada vez mais o despertar do i ndivíduo
como sujeito histórico quando aproximado da sua realidade, e tentamos nos dedicar a essa prática como motivadora e transformadora do
ambiente de ensino. Ou seja, as vivências dos educandos têm refletido nas nossas propostas didáticas. É através desse relato que vamos
apresentar esta proposta, expondo aqui duas aulas que tiveram como motivação as manifestações ocorridas no mês de junho de 2013 no
Brasil.

Palavras chave: PIBID, Povo, Realidade.


CCNEXT v.3 Ed. Especial- XII EIE- Encontro sobre Investigação na Escola, 2016, p.914– 918 915

1. Contexto do relato

O curso de licenciatura em História da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) nos proporciona
conhecer espaços de ensino desde o primeiro ano da graduação, porém, não à vivência em sala de aula do
profissional-professor. É como bolsistas do Programa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID) que temos a
possibilidade de nos dedicar à condição de professores, tendo como espaço de formação a sala de aula, e
enfrentar os desafios das diferentes realidades encontradas nos sistemas de ensino brasileiro.
O grupo PIBID da História da FURG é formado por quinze graduandos e volta-se para a Educação no
Campo, atendendo três escolas distantes do espaço rural de Rio Grande, nos desafiando a relacionar os
conhecimentos acadêmicos e a prática educacional. Atuamos cada um em duas dessas escolas e nos propomos a
discutir suas realidades, compatibilidades e divergências e encontramos uma dificuldade ainda maior do que a
apresentada nas nossas discussões durante estes dois anos de graduação.
Uma das principais propostas do PIBID da História é diversificar a dinâmica em sala de aula,
abandonando as características tradicionais do ensino e possibilitando ao educando o diálogo e o prazer
relacionado à aprendizagem. Como colegas de graduação e do PIBID, socializamos as propostas de didática e as
dificuldades em cada escola. Para que estas dificuldades sejam discutidas durante o relato é necessário apresentar
as turmas que serão citadas. Na Escola Municipal de Ensino Fundamental Maria Angélica, localizada no Taim,
uma das turmas que atendemos é composta por alunos de 11 a 15 anos cursando durante o período matutino o 7º
ano. Os alunos interagem bastante com o grupo PIBID e entre eles próprios. Na Escola Estadual de Ensino
Fundamental e Médio Alfredo Ferreira Rodrigues, localizada no Povo Novo, a turma que citaremos aqui é a 7ª
série composta em maioria por alunos adolescentes, de 15 a 16 anos, mas também há alunas mais velhas. A
turma é atendida no período noturno. Os educandos das duas escolas residem em moradias distantes, alguns
trabalham, e todos enfrentam dificuldades em relação à escola e à educação. Um dos nossos principais desafios é
desconstruir as ideias de senso comum, discuti-las, e construir novamente, com eles, uma nova percepção sobre a
realidade concreta e a condição histórica dos homens e mulheres.

2. Detalhamento das atividades

Antes que nos dediquemos a conteúdos e programações, defendemos uma prática docente totalizadora e
emancipadora e para isso é preciso estar atento aos fenômenos atuais e à realidade em movimento.

“Destacada a importância da Educação na sociedade em processo de transformação, urge que


abandonemos o quanto antes os mitos que pretendem colocá-la como neutro. A educação possui caráter
essencialmente político, quando direcionada a emancipar os sujeitos. Mas o teor político que a conduz
no interior do Modo de Produção Capitalista é também revelado quando a mesma é utilizada como
elemento reprodutor da ideologia dominante, o que rompe nitidamente com a crença ingênua, ou astuta,
de que a Educação é neutra”. (GRUPO CLANDESTINO PÃO, MANTEIGA E MARX, 2012)

É historicamente perigoso e ingênuo ignorar as estruturas da sociedade e os instrumentos utilizados pela


minoria dominante para sua manutenção. Um destes instrumentos é a prática de ensino tradicional.
O Brasil está passando por um momento que há muitos anos ignorava. Milhares de pessoas saem às ruas
de norte a sul do país com um sentimento de revolta e mudança. Em sala nossos alunos estão atentos. Alguns
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reproduzem informações de senso comum, outros reclamam a falta de informação por se sentirem excluídos do
espaço urbano. No cotidiano escolar precisamos relacionar o conteúdo previsto às atualidades.
Na turma de 7º ano da Escola Maria Angélica tínhamos na programação a Formação dos Estados
Nacionais. Iniciou-se a aula com uma conversa informal sobre o que se passa no Brasil, quais as principais
pautas, quem está na rua, contra quem e sobre o vandalismo. A tentativa foi de perceber as ideias básicas dos
educandos e reconstruir novas significações com eles. Das manifestações atuais introduzimos as revoltas
camponesas como elemento de transição da Idade Medieval para a Idade Moderna. Foram expostas as principais
características do Estado Absolutista. Para atividade em aula os alunos construíram, em duplas, panfletos
relacionando elementos da Idade Moderna e da atualidade, como governo e povo, riqueza e pobreza. Os
panfletos foram construídos com gravuras de recorte e parágrafos explicativos. Ao final da aula foram
questionados alguns alunos: “Se você fosse se manifestar, qual seria a sua causa?”. Os alunos que se mostraram
interessados levaram para casa uma folha A4 que carrega um desenho a ser preenchido: manifestantes e seus
cartazes. O objetivo é identificar a leitura do aluno para a diversidade do povo e do mundo.
Na turma de 7ª série da Escola Alfredo Ferreira Rodrigues o conteúdo a ser discutido era a Revolução
Puritana. O link proposto foi semelhante ao da outra escola. Iniciou-se a aula com uma exposição e discussão do
conteúdo já apresentado pelo professor titular. Questionava-se principalmente a presença de diferentes grupos e
interesses nas Revoluções Burguesas. Logo os próprios alunos começaram a apresentar os conflitos atuais como
exemplo de manifestação popular, comentando em especial o dia em que a comunidade da sua escola saiu às
margens da BR 392 na cidade do Rio Grande para reivindicar a construção da escola e denunciar o descaso para
com o ensino público. Parte da escola foi demolida em 2012 para a duplicação da rodovia que liga Rio Grande a
Pelotas, e desde então a comunidade questiona os governantes responsáveis e suas promessas de construir um
novo prédio, o que ainda não aconteceu. A discussão acabou por envolver ainda mais a turma. Ao final da aula
também foram entregues as folhas citadas na turma acima, propondo que preenchessem com suas reclamações e
percepções do mundo.
Com a atividade concluída pudemos identificar vários aspectos que constituem o cotidiano e a leitura de
mundo de nossos alunos. Percebemos a reprodução pesada dos discursos midiáticos quando a tarefa era pintar o
povo e os cartazes da manifestação representadas por eles em uma folha de papel: o discurso nacionalista “verde-
amarelo”, antivandalismo, sem pautas concretas e com frases prontas. Em outros trabalhos já pudemos
identificar um grau maior de libertação dos discursos prontos, pintando um povo colorido e diverso e com frases
que manifestam sentimentos individuais.

3. Análise e discussão do relato

Segundo Maria Stephanou a prática do ensino de história “tem se constituído em solo fértil para a
memorização, a repetição, o monólogo do professor, um espaço propício para a ideia de saber pronto, acabado,
que resta apenas transmitir”, ou seja, ao longo das gerações tem se resumido à memorização de narrativas
postas na fala do professor, ou na leitura acrítica de textos didáticos de verdade indiscutível.
A história encontrada nos métodos tradicionais refere-se especificamente aos fatos passados, podendo
ser “resgatado”, porém significando aquilo que é imutável e que não se refere ao tempo presente. É abordada
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então a história como ciência aplicada através do seu estudo imagético e cronológico, apoiado em discursos
oficiais, em que o professor é simples instrumento de transmissão destes fatos, fazendo com que a massa
presente carregue determinado conhecimento acumulado pelas gerações passadas e devendo seguir dominante
sobre as próximas.

“Nessas sociedades, governadas pelos interesses de grupos, classes e nações dominantes, a “educação
como prática de liberdade” postula, necessariamente, uma “pedagogia do oprimido”. (...) A educação
liberadora é incompatível com uma pedagogia que, de maneira consciente ou mistificada, tem sido
prática de dominação. (...) Ao contrário, uma nova pedagogia enraizada na vida dessas subculturas, a
partir delas e com elas, será um contínuo retomar reflexivo de seus próprios caminhos de liberação;.”
(FREIRE, 2011)

Nós, como graduandos de História e pibidianos, temos identificado que a História tradicional já não
cabe nas angústias e expectativas dos nossos alunos, e nem mesmo as nossas. A história que se constrói a cada
dia parece despercebida hoje pelos que a constituem, mas em poucos anos estas manifestações farão parte da
História do Brasil. E porque não do mundo? Afinal, acontecimentos simultâneos acontecem por todo o globo.
Impossível hoje, para um professor de História, entrar em uma sala de aula e não discutir o que se passa nas ruas,
relativizar o que diz a mídia, o que anunciam os jornais. A nossa principal proposta no PIBID de História é
instigar no educando falar a sua palavra, enfrentar os seus medos. Os alunos no espaço rural, em geral, sentem-se
esquecidos e demonstram isso. O nosso objetivo não é de inclusão, pois eles já estão no mundo. Ao contrário,
nosso objetivo é fazê-los perceber que são sujeitos ativos na história e que têm o direito e o dever de fazer a sua
história.
Com este relato, deixamos clara a nossa perspectiva do professor de História como agente de
transformação social. Tentamos ao máximo encorajar nossos alunos a pensar e modificar sua realidade, e uma
simples atividade de colagem que denuncia as injustiças de diferentes períodos históricos, e até mesmo a
representação de uma manifestação em uma folha de papel já é um passo para a cidadania.

4. Considerações finais

O principal aspecto que queremos trazer nesse relato é a harmonia essencial entre os integrantes dos
diferentes grupos dentro do PIBID História. O diálogo e as discussões entre nós, pibidianos, enriquecem ainda
mais nossa prática. Foi diante da socialização de conhecimentos que descobrimos as mesmas necessidades das
diferentes turmas atendidas. A atividade proposta no 7º ano foi apresentada em uma de nossas reuniões e
reconhecida por outro grupo como uma atividade rica para as necessidades da sua turma atendida. E esta
experiência já nos coloca o desafio de incentivar e praticar o compartilhamento de conhecimentos e práticas
entre profissionais da educação.

“Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar,
constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço
e comunicar ou anunciar a novidade”. (FREIRE, 1996)

Outro aspecto que ressaltamos aqui é a importância do educador se autoavaliar, questionar o que sua
prática tem priorizado e o que tem possibilitado para si, para seus alunos e para o mundo. Para Freire “a
consciência do mundo e a consciência de si como ser inacabado necessariamente inscrevem o ser consciente de
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sua inconclusão num permanente movimento de busca”, ou seja, percebemos na sua fala a essencialidade para o
educador de se reciclar, sempre associar sua prática à pesquisa e ao domínio das atualidades, pois compromisso
com a própria formação é compromisso que temos com aquele que formamos.
Mas não basta ao educador conhecer apenas a si mesmo. Sem o educando não se faz sua prática. É
preciso dialogar com a realidade do aluno, conhecer sua comunidade, suas expectativas. Não trabalhamos com
seres prontos e ideais. E se realmente temos como objetivo uma educação problematizadora e humanizadora
“não é possível à escola (...) alhear-se das condições sociais culturais, econômicas de seus alunos, de suas
famílias, de seus vizinhos” (FREIRE, 1996).
Concluímos declarando nossa gratificação em nos dedicarmos à educação do povo, e que esta deve ser
feita não só com rebeldia ou rigorosidade, mas com amor, respeito e dedicação para aqueles com quem estamos
lutando.

Referências bibliográficas

Grupo Clandestino Pão, Manteiga e Marx: Café de Sábado. Educação da classe trabalhadora: emancipação dos
sentidos e libertação da consciência. In: MACHADO, Carlos RS e GONÇALVES, Leonardo Dorneles (orgs.).
Marx e Educação : Trabalho, Natureza e Conflitos. Porto Alegre: Evangraf, 2012.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra,
1996.
STEPHANOU, Maria. Instaurando Maneiras de Ser, Conhecer e Interpretar. São Paulo: Revista Brasileira de
História, v. 18, n. 36. São Paulo, 1998.

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