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Personagens da intriga

Caetano da Maia é o pai de Afonso. Miguelista convicto e antijacobino ferrenho, dominado pelos valores
tradicionais e conservadores, não perdoa ao filho as aventuras contestatárias da mocidade e expulsa-o de casa,
desterrando-o para Santa Olávia. Esperava que o jovem ganhasse juízo, o que aconteceu, e Afonso, depois de
perdoado, regressa a Lisboa e parte para Inglaterra, abandonando os seus correligionários de lides políticas à
intervenção militante e activa, enquanto ele vai assistindo às corridas de Epson.
Afonso da Maia é filho de Caetano, conservador, na sua juventude defendeu valores opostos aos de seu
pai, convicções essas inconsistentes e que revelam um grande egoísmo. Ávido na leitura, prefere Tácito e
Rabelais, tendo já apreciado Rousseau, Volney, Helvetius e a Enciclopédia. Casa com Maria Eduarda Runa e,
durante as lutas liberais, vê o seu domicílio invadido pelos miguelistas; assim, sentindo-se ultrajado, exila-se em
Inglaterra com a mulher e o filho, Pedro, tomando contacto com a sociedade e culturas britânicas. A sua vida
em Inglaterra fica marcada pelo inconformismo da mulher que, amante do sol, estranha o tempo, definhando, e
se entrega incondicionalmente à religião beata, o que faz Afonso regressar. Contra o fanatismo e a ignorância
da mulher nada consegue fazer. Após a morte da mulher e do filho, regressa a Santa Olávia e aí tentará dar
uma educação diferente ao neto que lhe foi entregue pelo filho, da educação que ele permitiu que a mulher
ministrasse ao filho. Representante do liberalismo, simboliza a integridade moral e a rectidão de carácter. O
seu sentido de moralidade nada tem a ver com o medo da divindade, mas com o respeito pelos homens. É rígido,
puro, austero, puritano, sereno e risonho. Ama o progresso fruto de um esforço sério; é generoso para com os
amigos e os necessitados, o que o faz também amar a natureza e o que é pobre e fraco. Orna com requinte os
seus palácios. Crítico em relação à forma de estar na vida de Carlos e até de Ega, contesta a sua inactividade e
o seu diletantismo, incitando-os à acção. Contudo, não existe por parte de Afonso, patriota na forma e na
essência, qualquer iniciativa para curar os males do país, sendo também ele um pouco diletante. Como ele
próprio reconhece, não é “um varão esforçado das idades heróicas” mas somente “um antepassado bonacheirão
que amava os seus livros, o conchego da sua poltrona, o seu whist ao canto do fogão”. Não é mais do que a
representação de um eco e um reflexo do passado glorioso, incarnando apenas os valores de outrora; revela-se
incapaz de se adaptar às mudanças que se avizinham. Representa o português íntegro, associado a um passado
nacional heróico, mas cuja vitalidade se esgotou nesse mesmo tempo. Simboliza a incapacidade de regeneração
do país, que vive na ilusão desse tempo áureo, alimentando-se dessa imagem perdida. Irá desiludir-se com a
corrente liberal e ansiar por uma aristocracia Tory para repor a ordem, o progresso e a moral, a qual lhe é tão
querida e lhe há-de custar a vida ao saber do incesto dos netos. Morre de apoplexia, no Ramalhete, casa tão
funesta aos Maias, envolto em tristeza por saber do incesto dos netos. É o personagem mais simpático e aquele
que Eça mais valorizou, pelo que os seus defeitos são registados com indulgente simpatia, surgindo em
contraste com algumas qualidades dos mais novos; é ainda um modelo de autodomínio e, tal como o neto,
individualista. Fisicamente é maciço, não muito alto, de ombros quadrados e fortes, de cara larga, nariz aquilino
e pele corada, cabelo branco muito curto e barba comprida também branca.
Maria Eduarda Runa, uma verdadeira lisboeta, era pequenina e trigueira, pálida, magra e melancólica.
Extremamente devota, era uma mulher triste. Influenciou a educação deformada do filho.
Pedro da Maia vai ser objecto de uma caracterização naturalista. Herdou da mãe o seu temperamento
nervoso, as suas crises de melancolia, os seus sentimentos exagerados e a sua instabilidade emocional.
Desenvolvera-se lentamente, sem curiosidades, indiferente a brinquedos, animais, flores e livros. Educado pelo
padre Vasques, a quem tomara birra devido ao ensino tradicional e retrógrado deste, nunca foi capaz de lhe
desobedecer. Sente um amor quase doentio pela mãe, pelo que, quando esta morre mergulha num estado
próximo da loucura, mas, quando reage, adopta uma vida devassa e vulgar, a qual abandona pouco depois,
regressando à sua vida soturna e à leitura de livros religiosos. Deixou-se encadear por um amor à primeira vista
que o conduziu a um casamento, de estilo romântico, com Maria Monforte. Este enlace precipitado levá-lo-á
mais tarde ao suicídio – após a fuga da mulher – por carecer de sólidos princípios morais (a religião que a mãe
lhe transmitiu era feita de sentimentalismos vagos) e de força de vontade que o deveriam levar à aceitação da
realidade e à superação daquele contratempo. Fisicamente é pequeno, de rosto oval, tem os bonitos olhos dos
Maias, mas é murcho, amarelo e tem grandes olheiras, um corpo frágil capaz de reflectir a fragilidade da alma,
extremamente sensível e melancólica. Herda as características físicas dos Runas, opostas à robustez física
típica dos Maias. É o protótipo do herói romântico.
Maria Monforte é filha de Manuel Monforte e é conhecida em Lisboa por “a negreira”, alcunha ligada à
forma como o seu pai enriqueceu, comercializando escravos. Deslumbrará Pedro com a sua beleza (alta, cabelos
loiros, de um oiro fulvo, testa curta e clássica, olhos azuis e carnação de mármore, comparável às deusas) e
contra a vontade de Afonso casar-se-á com ele. Viaja com Pedro pela Itália e pela França. De regresso a
Portugal, o casal vai viver para Arroios, onde iniciam uma intensa vida social. Salienta-se o seu gosto pelo luxo e
a sua capacidade de se fazer admirar: os amigos de Pedro idolatravam-na e Alencar sentia por ela uma paixão
platónica. A instabilidade instala-se quando Pedro recolhe, em sua casa, Tancredo a quem ferira
involuntariamente num acidente de caça. Mulher volúvel e insatisfeita, abandona Pedro, fugindo com Tancredo,
e leva consigo a primeira filha do casal, Maria Eduarda. Radicam-se em Viena e Manuel Monforte vai suportando
a vida caprichosa de ambos; partem para o Mónaco onde Tancredo morre num duelo, e Manuel Monforte, já
totalmente arruinado, morre também. Sem meios de subsistência parte para Londres e mais tarde para Paris,
deixando a filha num convento em Tours e indo viajar pela Alemanha, Terra Santa e Oriente, até se fixar
definitivamente em Paris onde abrirá uma casa de jogo e posteriormente uma segunda, na qual Maria Eduarda
conhecerá o seu primeiro amante, um irlandês, Mac Green, do qual terá Rosa. Após a guerra franco-prussiano
em que Mac Green morre, muda-se para Londres com a filha e a neta. Antes de morrer, confia a um velho
amigo, Guimarães, o cofre com os documentos que comprovam a verdadeira identidade de Maria Eduarda, a
quem nunca confessara a verdade sobre a sua origem. É descrita em quatro adjectivos: “pobre, formosa, doida,
excessiva”, pobre só na fase final da vida. É o protótipo da cortesã: leviana e amoral, sem preocupações
culturais ou sociais; tem uma personalidade fútil mas fria, caprichosa, cruel e interesseira. É nela que radicam
todas as desgraças da família Maia, mas não faz o mal por maldade, mas antes por paixão.
Carlos da Maia é o protagonista, segundo filho de Pedro e Maria Monforte. Após o suicídio do pai, vai
viver com o avô para Santa Olávia, onde é educado à inglesa pelo preceptor inglês Brown. Sairá de Santa Olávia
para tirar Medicina em Coimbra. Descrito como um belo jovem da Renascença com olhos negros e líquidos
próprios dos Maias, alto, bem feito, de ombros largos, com uma testa de mármore sob os anéis dos cabelos
pretos, barba muito fina, castanho escura, rente na face, aguçada no queixo e com um bonito bigode arqueado
aos cantos da boca, era admirado pelas mulheres, elegante na sua toilette e nos carros que guia. Durante o seu
período de estudos, experimenta um interlúdio amoroso com Hermengarda, que abandona por sentir compaixão
do marido e do filho, e mais tarde com uma prostituta espanhola. Depois do curso acabado, viaja pela Europa,
indo visitar os Lagos escoceses com Mme. Rughel, uma holandesa separada. Regressando a Lisboa, traz planos
grandiosos de pesquisa e curas médicas, que abandona ao sucumbir à inactividade, pois, em Portugal, um
aristocrata da sua estirpe não é suposto ser médico, e ainda porque, por ser um belo jovem, desencadeava a
desconfiança dos maridos que não lhe queriam confiar as mulheres enfermas. Apesar do entusiasmo e das boas
intenções, fica sem qualquer ocupação e acaba por ser absorvido por uma vida social e amorosa que levará ao
fracasso das suas capacidades e à perda das suas motivações. É um diletante que se interessa por imensas
coisas, demonstrando um comportamento dispersivo. Carlos transforma-se numa vítima da hereditariedade
(visível na sua beleza e no seu gosto exagerado pelo luxo, herdados da mãe, e pela tendência para o
sentimentalismo, herdada do pai) e do meio em que se insere, mesmo apesar da sua educação à inglesa e da sua
cultura, que o tornam superior ao contexto sociocultural português, revelando-se um gentleman. Será absorvido
pela inércia do país, assumirá o culto da imagem, numa atitude de dândi. A sua superioridade e distância em
relação ao meio lisboeta são traduzidas pela ironia e pela condescendência. O dandismo revela-se em Carlos
num narcisismo que se alia ao gosto exagerado pelo luxo e também na auto-marginalização voluntária em relação
à sociedade, motivada pelo cepticismo e pela consciência do absurdo e do vazio que governa o mundo daqueles
que o rodeiam. A Condessa de Gouvarinho surge como o primeiro fio da teia que irá aprisionar Carlos, ao se
entregar a ele em busca de uma aventura que apimentasse o seu casamento. Carlos entregar-se-á ao prazer
sensual do qual se entedia. A sua verdadeira paixão nascerá em relação a Maria Eduarda, que compara a uma
deusa e jamais esquecerá. Por ela dispõe-se a renunciar a preconceitos e a colocar o amor no primeiro plano. Ao
saber da verdadeira identidade de Maria Eduarda, consumará o incesto voluntariamente por não ser capaz de
resistir à intensa atracção que Maria Eduarda exerce sobre ele. Acaba por assumir que falhou na vida, tal como
Ega, pois a ociosidade dos portugueses acabaria por contagiá-lo, levando-o a viver para a satisfação do prazer
dos sentidos e a renunciar ao trabalho e às ideias pragmáticas que o dominavam quando chegou a Lisboa, vindo
do estrangeiro. Simboliza a incapacidade de regeneração do país a que se propusera a própria Geração de 70.
Não teme o esforço físico, é corajoso e frontal, amigo do seu amigo, parece incapaz de fazer uma baixeza. No
final da obra afirma-se partidário do “fatalismo muçulmano”, ou seja, “nada desejar e nada recear... não se
abandonar a uma esperança, nem a um desapontamento.” Eça terá querido personificar em Carlos o ideal da sua
juventude, a que fez a Questão Coimbrã e as Conferências do Casino, e que acabou no grupo dos Vencidos da
Vida, de que Carlos é um bom exemplo. É uma personagem modelada.
Maria Eduarda é apresentada como uma deusa (Juno), completa e talvez demasiado idealizada.
Ignorando a sua verdadeira identidade, entra na sociedade lisboeta pela mão de Castro Gomes, com quem
partilhava a sua vida, havia três anos. Dizendo-se viúva de Mac Green, sabia apenas que a sua mãe abandonara
Lisboa, levando-a consigo para Viena, quando contava apenas um ano e meio de idade. Da sua união com Mac
Green, que durara quatro anos, tivera uma filha, Rosa, a quem amava com desvelo e por quem sacrificara a sua
felicidade aliando-se a Castro Gomes a fim de lhe dar estabilidade económica. Mónaco, Londres e Paris foram
cidades onde viveu antes de vir para Lisboa, onde se dá o infortunado encontro com Carlos que consuma a
desgraça predita por Vilaça, quando Afonso resolve habitar de novo o Ramalhete, ignorando as suas lendas e
agouros. À sua perfeição física alia-se a faceta moral e social que tanto deslumbram Carlos. A sua dignidade, a
sensatez, o equilíbrio e a santidade são características fundamentais da sua personagem, às quais se juntam
uma forte consciência moral e social aliadas a uma ideologia progressista e pragmática, o que faz ressaltar a
sua dualidade aristocrática e burguesa. Salienta-se ainda a sua faceta humanitária e a compaixão pelos
socialmente desfavorecidos, que motiva a comparação que Carlos faz entre ela e o avô. A súbita revelação da
verdadeira identidade da sua deusa vai provocar em Carlos estupefacção e compaixão, posteriormente o
incesto consciente e depois deste a repugnância. A separação é a única solução para esta situação caótica a que
se junta a morte de Afonso, consumando as predições de Vilaça. A sua apresentação cumpre os modelos
realista e naturalista, é o exemplo acabado de que o indivíduo é um produto do meio, pelo que coincidem no seu
carácter e no espaço físico que ela ocupa duas vertentes distintas da sua educação: a dimensão culta e moral,
construída aquando da sua estadia e educação num convento, e a sua faceta demasiado vulgar, absorvida
durante o convívio com sua mãe, proprietária de uma casa de jogo onde toma contacto com uma realidade
sórdida que se manifesta na jóia de cocotte e no “Manual de Interpretação dos Sonhos”. Ela é o último
elemento feminino da família Maia e simboliza, tal como as outras mulheres da família, a desgraça e a
fatalidade, assim, em vez de significar fecundidade criadora, a mulher é na obra um elemento estéril. É a
terceira figura feminina na panóplia de três gerações da família Maia apresentadas na obra. Simbolicamente o
número três é o número da completude e implica a conjugação de três momentos temporais: o passado, o
presente e o futuro, ou seja, a mulher surge na obra como um factor de transformação do mundo masculino,
conduzindo à esterilidade e à estagnação; o terceiro elemento feminino torna-se a revelação simbólica dos
outros que foram nefastos à família. Eça não lhe estuda muito o carácter, mas o que transparece é bom: sem
defeitos, a não ser os que a vida nela marcou. É de uma enorme dignidade, principalmente quando não quer
gastar o dinheiro de Castro Gomes por estar ligada a Carlos. Adivinha-se bondosa e terna, culta e requintada no
gosto. Talvez seja a figura feminina que mais marca na obra, pela dignidade que assume e pela tragédia que a
atinge. No final da obra, parte para Paris onde mais tarde casa com Mr. de Trelain, casamento considerado por
Carlos o de dois seres desiludidos.
Ega, filho de uma viúva rica e beata de Celorico de Basto, escandalizava e chocava esse pequeno meio
com o seu espírito sacrílego. É amigo inseparável de Carlos, que conhece em Coimbra, onde se licenciou em
Direito, fala por ele, sofre por ele, aprecia em Carlos as qualidades que lhe faltam; comparsa no drama de
Carlos, torna-se o seu confidente, a sua consciência, o seu companheiro nas angústias e nos prazeres. É o alter-
ego de Eça, que ao nível físico brinca com a sua magreza, com o seu monóculo e com o bigode arrebitado, e ao
nível intelectual revela a sua dualidade romântica e regeneradora. Partidário do Naturalismo, opõe-se ao poeta
ultra-romântico, Alencar. Embora defensor dos valores realistas, revela-se um romântico, no pior sentido,
incapaz de fazer fosse o que fosse. Irreverente, revolucionário, boémio, excêntrico, exagerado, caricatural,
provocador, cínico, sarcástico, crítico, anarquista sem moral e sem Deus, satânico, positivista e romântico, um
pobre diabo apaixonado, que interpretará o mensageiro funesto dos amores incestuosos de Carlos e Maria
Eduarda, ao tornar-se depositário das missivas e dos papéis que confirmam os laços de sangue entre ambos.
Assume-se como um dândi, mas também como um literato falhado, pois começa a escrever “Memórias de um
Átomo”, história das grandes fases da Humanidade e do Universo, “O Lodaçal” para se vingar de Cohen, mas
nunca os acaba. Mostra ainda vontade de escrever “As Jornadas da Ásia”, mas não chega sequer a iniciá-lo, bem
como uma revista que revolucionasse o ambiente cultural português. É o intelectual das grandes ideias, das
revoluções facínoras, das grandes alterações sociais, porém nada faz, vive num amplo parasitismo, refugiando-
se por detrás de Carlos. Cultiva a sua própria imagem, excêntrica e exuberante, o que se evidencia na
decoração da Vila Balzac. Saliente-se ainda a sua faceta sensual. O seu discurso demolidor serve a Eça para
atingir as instituições e os valores que pretendia denunciar, e permitiu a Eça escrever as passagens mais
hilariantes da obra. No final da obra, assume grande importância na intriga por ser o depositário da carta
reveladora da identidade de Maria Eduarda. É uma personagem modelada, pois tem densidade psicológica,
evidenciada ao tecer considerações sobre a situação incestuosa de Carlos e Maria Eduarda. Fisicamente pouco
se sabe, tem um nariz adunco.
Personagens-tipo da crónica de costumes

Alencar é o poeta romântico à portuguesa que exerceu grande influência na geração de Pedro. Foi o
autor de “Vozes d’Aurora”, “Elvira” e “Flor de Martírio”. Era frequentador assíduo das soirées de Arroios.
Identificado com os valores do romantismo hiper-sentimental, tinha uma paixão platónica e literária por Maria
Monforte, pois foi ele o conselheiro das suas leituras de obras novelísticas românticas. É caricato e exagerado
e denuncia uma feição sentimental e pessimista do ultra-romantismo. Tem uma atitude poética declamatória e
teatral, cheio de tiques, os seus versos são caricatos, condizendo com a sua atitude melancólica: “Muito alto,
todo abotoado numa sobrecasaca preta, com uma face escaveirada, olhos encovados, e sob o nariz aquilino,
longos, espessos, românticos bigodes grisalhos; já todo calvo na frente, os anéis fofos de uma grenha muito
seca caíam-lhe inspiradamente sobre a gola; e em toda a sua pessoa havia alguma coisa de antiquado, de
artificial e de lúgubre”. Tem uma voz grossa e macilenta. Na sua juventude levou uma vida boémia. Serviu a Eça
para figurar as discussões de escola entre naturalistas e românticos, numa visão caricatural da Questão
Coimbrã. Não se lhe conhecem defeitos e tem um grande e generoso coração, é bondoso e sentimental,
idealista e sincero. Foi o informador do destino de Maria Monforte. É uma personagem-tipo, representando os
artistas das letras e a sobrevivência dos valores ultra-românticos na geração de 70. A vitalidade desta
personagem foi atestada pela reacção de Bulhão Pato, que nela se sentiu retratado e contra-atacou
violentamente Eça em vários textos.
Castro Gomes, um fidalgo brasileiro, é o elemento catalisador da catástrofe ao desvendar o passado de
Maria Eduarda, de quem fora amante em Paris durante três anos. Foi o responsável pela entrada dela na
sociedade lisboeta. Após a descoberta do romance de Maria Eduarda com Carlos, abandonou Portugal sem
grande pesar.
Craft era filho de um clérigo de uma igreja inglesa, facto que o aproximou de Carlos e da sua forma de
estar no mundo, pelo que entre eles nasceria uma amizade espontânea. De diminuta importância, de
temperamento byroniano, dedica o seu tempo a viajar e a coleccionar obras de arte juntando-as na casa que
possuía nos Olivais, passatempos deveras em conformidade com a sua fortuna herdada de um tio. É um
gentleman que herdou da sua cultura britânica a bravata, a defesa de ideias, a rectidão de carácter e a frieza
e controlo emocional que o levam a não manifestar socialmente os seus sentimentos. É o arquétipo do que deve
ser um homem, e Eça não escondeu as suas simpatias por ele. É marcado pelo diletantismo e desocupação que, à
semelhança de Carlos, o irão vitimar. Tem uma posição de nítida superioridade e desdém face aos demais. A
última menção ao seu nome foi para, implicitamente, conduzir o leitor à conclusão de que este amante do Belo e
do xadrez acabaria os seus dias em Richmond, sucumbindo ao álcool. Tal como Carlos e Ega, é um boémio, mas,
ao contrário destes, é uma personagem-tipo.
Cruges é uma personagem-tipo que simboliza o músico idealista, que sucumbe à mediocridade cultural
nacional. O seu objectivo é compor uma ópera que o imortalizasse, mas falta-lhe a motivação, devido ao meio em
que se insere, e que pode ser comprovado pela sua afirmação: “Se eu fizesse uma ópera, quem é que ma
representava?” Evidencia-se sem génio criativo, esmagado pelo meio cultural obsoleto.
Guimarães foi um antigo trabalhador do jornal “Rappel”, fundado por Victor Hugo e Rochefort, e tio de
Dâmaso. Democrata e simpatizante do comunismo, ele é uma personagem-tipo. É o portador da desgraça da
família Maia. Conheceu Maria Monforte em Lisboa e encontrou-a posteriormente em Paris, onde recebeu a
caixa que encerrava o segredo da verdadeira identidade de Maria Eduarda, que mais tarde entregaria a Ega. É
uma encarnação do Destino, que, ao assumir o papel de destinador pela sua acção meramente casual, recusa o
êxito a Carlos, a quem inviabilizou os seus amores com Maria Eduarda, e fere também Afonso, que aliás morreu
na sequência da revelação de Guimarães.
Os Vilaça (pai e filho) eram os procuradores da família Maia. Apesar de empregados da casa dos Maias,
foram sempre tratados com familiaridade. Vilaça (filho) é o arauto da fatalidade que ensombra a família e o
Ramalhete (“…aludia mesmo a uma lenda, segundo a qual eram sempre fatais aos Maias as paredes do
Ramalhete”). Após a morte do pai, Manuel Vilaça assume a função de procurador, com escritório na Rua da
Prata, e deseja ser vereador ou talvez deputado. Embora de condição subalterna, este burguês diligente e
empreendedor, mas calmo, torna-se o mensageiro da fatalidade ao revelar a Carlos a identidade de Maria
Eduarda, função que lhe fora incumbida por Ega, que não tivera coragem. Ambos os Vilaça são de uma lealdade
sincera à família Maia. Manuel Vilaça é uma personagem-tipo, representando o burguês típico e conservador,
honesto e prudente.
Dâmaso Salcede é a personagem mais caracterizado por Eça, ao tornar-se um cabide de defeitos:
defeitos de origem (filho de um agiota), presumido, cobarde, não tem dignidade (porta-se como um rafeiro
sabujo), mesquinho, convencido e gabarola, provinciano e tacanho, somente com uma preocupação na vida: o
“chique a valer”. Fisicamente é baixote, gordo, frisado como um noivo de província, mas a quem não falta
pretenciosismo. Aproxima-se de Carlos, que admira e inveja, por interesse e desejo de condição social. Tenta
convencer-se e convencer os outros do seu fascínio irresistível face ao sexo oposto, não obstante as suas
conquistas estarem confinadas a espanholas de reputação muito duvidosa. Possuidor de grande bazófia e de
uma enorme cobardia, difamou pública e anonimamente Carlos, mas retractou-se logo em seguida. Nada tem de
inteligente, de honrado ou de nobre. Consegue casar com uma filha dos Condes de Águeda que se apressa a
traí-lo. Condensa toda a estupidez, futilidade e ausência de valores da sociedade. Imitava qualquer
comportamento importado do estrangeiro, principalmente de França.
Eusebiozinho, vizinho de Carlos em Resende, é inicialmente o negativo de Carlos no que toca à educação.
Levou uma existência doentia, mergulhado nos alfarrábios, sem qualquer contacto com a natureza. Tornou-se
“molengão e tristonho”, com as perninhas flácidas. Depois de viúvo procura os bordéis para se distrair. É um
fidalgo de província sem vontade própria. É uma personagem-tipo representando a educação retrógrada
portuguesa.
Tancredo é um napolitano que dizia ser sobrinho dos príncipes de Sória, participou numa conspiração
contra os Bourbons e por isso teve que abandonar Itália, vindo para Portugal. É um homem fatal pela sua
extraordinária beleza e pela sua sedução irresistível. Além de fatal, demoníaco, com o seu olhar taciturno e
orgulhoso, a sua figura pálida que atrai para depois aniquilar, para provocar desassossego, desespero e morte
(vejamos o caso de Pedro).
Conde de Gouvarinho é ministro e par do Reino, personagem-tipo que representa o político
incompetente. Casou com a filha de um comerciante rico do Porto, aliando o seu título ao dinheiro dela, pelo que
era um casamento de conveniência.
Condessa de Gouvarinho foi amante de Carlos até este se enfastiar e resolver abandoná-la. Sensual e
provocante, é uma personagem-tipo simbolizando as mulheres adúlteras. É uma aristocrata que corporiza a
decadência moral e a ausência de valores da alta sociedade. É uma mulher fatal.
Steinbroken é o ministro da Finlândia, entusiasta da Inglaterra, grande entendedor de vinhos, uma
autoridade no whist e um bom barítono. Parece resumir as suas funções diplomáticas a duas preocupações: a de
exercer com zelo, formalidades e praxe o seu cargo e o de se remeter a uma neutralidade constante e
prudente, comodamente conseguido à custa da repetição de frases-chave, despidas de conteúdo: o inevitável
“c’est grave” ou “c’est excessivement grave”. Não deixa de constituir um juízo muito significativo da Finlândia
sobre o universo político português, já que, ao confiar no labor de tal embaixador, a Finlândia revela um
conhecimento razoável do carácter monótono e repetitivo da vida pública portuguesa. É uma personagem-tipo
representante dos diplomatas.
Taveira é um empregado no Tribunal de Contas, tipificando os funcionários públicos, pelo que é uma
personagem-tipo. É a única personagem com funções definidas.
Neves é o director d’ “A Tarde”, deputado e político. Personagem-tipo, símbolo do jornalismo político e
parcial.
Palma Cavalão é o director d’ “A Corneta do Diabo”. Personagem-tipo, símbolo do jornalismo corrupto,
devasso, insultuoso e sem fidedignidade. O seu acompanhante em sociedade é Eusebiozinho, ambos consideram
assaz importante conviver e saber lidar com prostitutas espanholas.
Jacob Cohen é um judeu banqueiro, director do Banco Nacional, casado com Raquel. Considera que
Portugal caminha para a bancarrota, mas não hesita em aproveitar a situação económica do país em proveito
próprio. É uma personagem-tipo representando a alta finança.
Raquel Cohen é uma mulher adúltera, bela e refinada que não hesita em pôr em prática o seu poder de
sedução. Foi amante de Ega até o caso ser descoberto, precisamente no dia em que Cohen ia dar um baile de
máscaras praticamente organizado por Ega.
Rufino é deputado por Monção, símbolo da oratória parlamentar, usando e abusando de uma retórica
balofa e oca com uma mentalidade profundamente provinciana e retrógrada. É uma personagem-tipo.
Sousa Neto é o representante da Administração Pública, ignorante e nunca saiu de Portugal.
Personagem-tipo da burocracia, tacanhez intelectual e ineficácia da Administração. É amigo e próximo do
Conde de Gouvarinho.

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