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MOROZOV, Evgeny. Big Tech. A ascensão dos dados e a morte da política.

São Paulo:
Ubu, 2018.

O bielorrusso Evgeny Morozov (1984-) é um crítico do utopismo digital, inclusive com


fortes opiniões contra a utilização do termo. Preocupa-se em estudar sobre os efeitos
sociais, políticos, econômicos, morais, culturais etc. da tecnologia. Escreve para
diversos jornais pelo mundo e publicou, em 2012, The Net Delusion: The Dark Side of
Internet Freedome, em 2014, To Save Everything, Click Here: The Folly of Technological
Solutionism, ambos sem tradução para o português brasileiro. Em 2018 publica Big
Tech:A Ascensão dos Dados e a Morte da Política, pela Editora Ubu. O livro é composto
por dez capítulos, com alguns textos já publicados pelo autor desde 2013, e um
prefácio para a edição brasileira. Morozov tem BA em Economia e Administração pela
American University in Bulgaria e PhD em History of Science pela Harvard
University.No primeiro capítulo –Capitalismo tecnológico e cidadania–Morozov indica
o tom do seu trabalho, criticando a ideia de aldeia global que nunca se materializou,
mas, pelo contrário, abriu mercados para empresas de tecnologia e de serviços de
inteligência. Traz casos de empresas que iniciam seus trabalhos com um pensamento
hacker e de erguimento de processos culturais, uma espécie de contracultura e do
faça-você-mesmo, mas que abandonaram essa postura em prol do domínio das
tecnologias e da implantação de um método de pensar. Uma contracultura da
contracultura, já que as restrições sociais, políticas e econômicas foram rompidas pelo
Vale do Silício. Argumenta, dessa forma, a necessidadede uma discussão sobre o
futuro tecnológico a partir do afastamento do neoliberalismo.
RICI: R.Ibero-amer. Ci. Inf., ISSN 1983-5213, Brasília, v. 12, n. 2, p. 642-645,
maio/agosto 2019. 643O segundo capítulo –Por que estamos autorizados a odiar o
Vale do Silício–visa mostrar argumentos que permitam criticar o modo como as
empresas de tecnologia mantêm um modelo de negócios que é copiado em vários
setores, através de ferramentas e políticas que instituem e controlam as ações das
pessoas, com o único intuito de manter a rentabilidade dos dados, onde não importa o
que é verdade ou mentira, mas, sim, a quantidade de cliques alcançados. Outra crítica
se faz presente em relação a um discurso característico de entusiastas e gerentes de
empresas de tecnologia: “nosso objetivo é melhorar o mundo”. No entanto isso

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significa que, para eles, há necessidade de mais processamento e mais dados, afetando
a privacidade e apostando no desenvolvimento de aplicativos para suprir necessidades
sociais.Solucionismo, um conto de fadasé o título do terceiro capítulo, o mais longo do
livro. O conto de fadas a que o título se refere está ligado ao falso empoderamento dos
usuários, os quais mantêm diferentes níveis de acesso; um embate entre corporações
e usuários; os primeiros com informações lucrativas sobre os segundos. Assume que a
tecnologia atua em relação direta de poder comos indivíduos, já que permite controle
e compartilhamento do histórico de interações dos usuários, gerando lucro com
propaganda.A ascensão dos dados e a morte da políticaé o título do capítulo que serve
como subtítulo à obra de Morozov. O autor alerta para o que chama de “regulação
algorítmica”, isto é, uma confiança tão generalizada na capacidade das plataformas,
dos algoritmos gerenciarem nossas vidas que as questões políticas são rebaixadas. Isso
permite que essa regulação seja vista como primeiro critério para tomada de decisões,
afetando, de modo substancial, a democracia. É um jogo onde empresas de tecnologia
e governos (que, muitas vezes, vendem os dados coletados) jogam juntos; em geral, as
corporações que dominam o uso das tecnologias e a manipulação de dados estão em
nível superior para jogar. Regulação, controle dos corpos, das ações, da sociedade, é
um desejo das empresas e dos Estados que pode ou deve ser combatido.Como cobaias
desavisadasé o quinto capítulo e faz menção ao poder de rastreartudo com a ideia de
projetar, governar, conhecer melhor; mas adverte que os cidadãos não sabem o
motivo disso ser melhor, apenas assumem que é; melhor realmente é para os lucros
das empresas e dos governos. Além disso, os sujeitos são colocados como cobaias para
estudos que correlacionam a capacidade de influenciar pessoas a partir do controle do
grupo e das mensagens recebidas, incorrendo em influência sobre os modos de viver.O
sexto capítulo, intitulado Catástrofe informacional: o custo da hipocrisiamenciona a
falta de relevância atribuída à coleta de dados pessoais. Morozov ataca o mito do
ciberespaço como estrutura digital descentralizada, sem esquecer que esse espaço
acaba incorrendo no consumismo informacional e em beneficiar os já poderosos
atravésde vigilância. Ainda aborda como os governos, democráticos ou autoritários,
utilizam-se das ferramentas digitais de vigilância para seus próprios benefícios,
enquanto tentam se desvencilhar do domínio exercido por outros governos,
mantendo, inclusive, vigilância sobre seus cidadãos, principalmente os

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dissidentes.Efeitos colaterais dos algoritmos para a cultura democráticaé,
provavelmente, o capítulo mais interessante do livro. Parte da ideia de que a
democracia é, de fato, um sistema incompleto, e como empresas e governos vêm
apresentado a ideia de que a automatização, baseada em dados, é a solução dessas
imperfeições. O problema está na criação de sistemas que algoritmicamente queiram
dar um passo rumo à objetividade universalizada, devido à sua capacidade de subjugar
a complexidade das relações humanas e direcionar mensagens por interesse, criando
bolhas informacionais.Oitavo capítulo: Big Tech: pós-capitalismo. Neste Morozov fala
da ascensão da Big Tech a partir, não por acaso, do início da recuperaçãoda crise
mundial, tomando ares de uma solução para o problema, baseando-se na produção de
produtos e serviços que são trocados por dados. Alerta que ainda que possam haver
benefícios nesse processo, é importante prestarmos atenção que não estamos em um
tipo de pós-capitalismo: a privatização desse saber está alinhada à privatização de
setores antes ligados ao bem-estar social, fazendo com que as detentoras de dados e
mercados vendam seus produtos aos governos e cidadãos que anteriormente
fomentaram suas pesquisas e crescimento.A mediação digital de tudo: na interseção
da política, da tecnologia e das finançasé o penúltimo capítulo e apresenta um passeio
pelo domínio das empresas de tecnologia digital a partir do extrativismo de dados
como processo onde tudo é mediado pela tecnologia digital (e pelos interesses das
empresas que controlam esse ramo) a partir de conformidade algorítmica que impõe
controle, vigilância e objetividade, constituindo uma “liberdade controlada”.
Apresenta, após, possíveis intervenções que podem reverter ou, ao menos, retardar as
tendências descritas, como romper com o monopólio intelectual e discursivo das
corporações, perceber as intenções dos dominantes e deixar de aceitar a liberdade
como um serviço.O décimo e último capítulo –Quem está por trás das fake news–,
Morozov (2018, p. 182) inicia direto: “A democracia está se afundando nas fake news”.
Argumenta que o problema da proliferação desse tipo de notícia está em “alarmes
falsos sobre icebergsgigantes no horizonte”. Morozov vai além de culpar apenas as
fake news, mas acusa também a falta de interesse sobre o que provoca a derrocada da
democracia. Para o autor, o principal problema não se dá a partir das notícias falsas,
mas a contar dos fatores tecnológicos que permitem sua rápida proliferação, aliados às
necessidades impostas pelo capitalismo digital que reconhece apenas

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compartilhamentos e cliques, transformando em verdade aquilo que é mais
acessado.Com uma apresentação de ideias e complementos a partir de alguns autores
e poucas citações, e apresentando conceitos geralmente escamoteados por uma
escrita que chama mais atenção do que a de citações longas, o livro, por compreender
uma série de textos já publicados além dos inéditos, traz, por vezes, certa repetição de
assuntos. No entanto, através do escrutínio de elementos, permite que se compreenda
a conexão entre os textos e como eles se complementam. Isso também possibilita que
o livro seja lido a partir de qualquer capítulo, sendo que o aprofundamento de um
assunto pode estar em outro ponto da obra. A obra é uma tentativa de resgaste. Seus
argumentos são, em geral, tentativas de destituir o “digital” e o “tecnológico” de uma
posição privilegiada em análises e estudos e levantar a pauta considerada relevante,
isto é, a política. Assume que a utilização de termos relacionados à computação é
favorável às empresas de tecnologia, relegando o caráter social e político. Aliado a
isso, forte fator que perdura durante toda obra é a visão crítica ao neoliberalismo, com
textos impregnados de preocupação com o poder financeiro que a manipulação de
dados é capaz de fornecer às empresas e aos governos. Ler a obra de Morozov, por
mais radical que pareça (e é!), é um caminho interessante para aqueles que ainda
percebem a técnica e a tecnologia como redentoras dos sistemas que necessitam de
soluções. Interessante para mostrar que o estudo de questões políticas continua tendo
caráter primordial para não deixar se enganar pelo utopismo técnico e tecnológico
solucionista, ainda visto em muitos cursos de graduação e pós-graduação, em
empresas, em governos, entre outros ambientes.

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Evgeny Morozov, pesquisador e escritor bielorrusso, apresenta um trabalho altamente
sugestivo no que diz respeito à crítica política da tecnologia. Por um lado, expõe de
maneira empírica, com abundância de casos, como Google, Amazon, Uber, Airbnb,
Facebook, entre outros, se valem dos dados de seus usuários como matéria-prima do
capitalismo digital. Por outro, a sua incursão, ainda que enxuta em referências mais
clássicas (embora claramente apoiada em Marx, Foucault e Deleuze), constitui ao fim
do livro uma contribuição teórica e metodológica fundamental aos estudos sobre
tecnologia. Ainda que seja, antes de tudo, um livro de intervenção política, Morozov
lança as bases para se pensar uma profícua teoria da tecnologia. O livro é basicamente
uma coletânea de artigos acadêmicos e publicados em jornais (The New York Times,
The Economist, The Wall Street Journal, Financial Times, London Review of Books e
Times Literary Supplement, El País e Folha de S.Paulo). Ainda que eventualmente
alguns argumentos se repitam, é razoável dizer que eles configuram um todo.
A tese de Morozov pode ser sintetizada na ideia de que aquilo que chamamos de
tecnologia ou, ainda, o que chamamos de “digital”, apenas pode ser apropriadamente
compreendido se levarmos em consideração o pano de fundo social e econômico que
a constitui: “Ela [a tecnologia digital] é, na verdade, um emaranhado confuso de
geopolítica, finança global, consumismo desenfreado e acelerada apropriação
corporativa dos nossos relacionamentos íntimos” (p.7). Para o autor, a condição de
possibilidade de aplicativos como Uber reside no desmantelamento progressivo das
legislações trabalhistas somado a contextos de crise econômica e urbana. Ou, ainda, o
Airbnb apenas é possível a partir do encorajamento de se tomar os imóveis como
“ativos” a serem a valorizados no mercado. O fundo desse processo, segundo
Morozov, reside no contexto de enfraquecimento do Estado de bem-estar social e da
privatização de serviços. Os aplicativos de saúde, por exemplo, nos quais são
oferecidas dicas de uma vida saudável a partir dos dados colhidos, são a privatização
compensadora da falta de serviços adequados por parte do Estado.
Nisso reside uma das observações mais sugestivas do livro: a importância dos dados
como meio a partir do qual se estruturam os aplicativos. A ideia de que dados são para
o século XXI o que o petróleo foi para o capitalismo fóssil, ainda que problemática,
encerra uma verdade perturbadora: “Se os dados são o petróleo do século XXI, quem
vai ser o Saddam Hussein deste século?” (p.9).

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Desse modo, o modelo que orienta a criação e uso de aplicativos é aquilo que Morozov
vai chamar de “extrativismo de dados”, trata-se da tese de que a valorização decorre
da retirada, armazenamento e utilização dos dados dos usuários. Para bom êxito da
extração, basta oferecer serviços aos usuários – a navegação gratuita no Facebook é
financiada pelos dados que voluntariamente se dispõe à empresa. Com esses dados é
possível aprimorar a publicidade e desenvolver formas de inteligência artificial mais
aprimoradas (p.165). Distração e fadiga online também são assim melhor explicadas:
“Eles continuam escavando a nossa psique tal como as empresas de petróleo escavam
o solo” (p.166).
O apelo dos aplicativos, todavia, não decorre apenas de maneiras de socializar com
amigos distantes ou poder comprar com mais comodidade. É central na ideologia do
Vale do Silício, berço dessas iniciativas digitais, a ideia de que os aplicativos
melhorarão o mundo – segundo o novo léxico, serão “disruptivos”.
Nesse sentido, Morozov direciona sua crítica ao “solucionismo”, à noção de que “os
problemas devem ser resolvidos por meio de aplicativos, sensores e ciclos infinitos de
retroalimentação – todos fornecidos por startups” (p.88). Aplicativos que monitoram a
saúde de pacientes e que os incentivam a melhores práticas premiando-os com
deduções fiscais são um modelo desse tipo de ideia. Contudo, esses mesmos dados
podem ser compartilhados com seguradoras de saúde que avaliarão os clientes com
maior escrutínio punindo aqueles cuja provável cobertura de saúde não cobrirá os
gastos envolvidos na operação. No fundo, trata-se da “boa e velha utopia tecnocrática
da política apolítica” (p.92), segundo a qual a boa organização social deriva de um
conjunto mais completo de dados e não de escolhas econômicas e políticas.
As próprias tecnologias já em funcionamento anunciam, de algum modo, o possível
futuro de seu potencial socializado. Ainda que o Uber seja uma tecnologia cuja criação
leva a marca de seu lugar de origem (os EUA e seu péssimo sistema público de
transporte que conduz o usuário ao total desencorajamento a viagens que não sejam
motorizadas), há modelos que se valem do potencial de dados do Uber a fim de
oferecer maiores modalidades de transporte ao usuário.
Morozov menciona o aplicativo Kutsuplus de Helsinque (resultado da colaboração
entre uma startup e a prefeitura da cidade), o qual permite que, a partir da rota
selecionada, seja indicado ao usuário as diferentes possibilidades de se perfazer o

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trajeto. Limitar a imaginação política de resolução do problema do transporte ao Uber
significa deixar de lado modos de organizar o transporte que respondam à
complexidade das sociedades locais. Para tanto, é preciso reinstaurar a soberania
popular em torno do controle dos dados: “o resultado de muitas batalhas cruciais em
torno do futuro dos serviços públicos depende de quem controla os dados necessários
e os sensores que os produzem” (p.65).
Em termos teóricos, a abordagem de Morozov merece destaque por pensar a
tecnologia de maneira sistemática, compreendendo o mundo digital “como a
interseção das lógicas complexas que regem o mundo da política, da tecnologia e das
finanças” (p.163). Ou, ainda, por realçar que é preciso “pensar nos termos da
economia política”. Essa orientação metodológica permite refletir, por exemplo, sobre
as fake news de um ponto de vista que não se concentra tanto no usuário, mas sim na
atmosfera digital cujo modelo de negócio acaba por propiciar a difusão delas. É claro
que notícias falsas são presentes em vários momentos históricos, de modo que a
pergunta se desloca do “quem as faz?” para “por que elas se amplificam tanto?”: “O
problema não são as fake news, e sim a velocidade e facilidade de sua disseminação, e
isso acontece principalmente porque o capitalismo digital de hoje faz com que seja
altamente rentável – veja o Google e o Facebook – produzir e compartilhar narrativas
falsas que atraem cliques” (p.184). Ou seja, o modelo de negócio que gravita em torno
da absorção do tempo do usuário dispensado no uso do aplicativo, medido pelos
cliques, é a condição das fake news. Elas são a consequência não desejada do modelo
social adotado: “assim como as alterações climáticas são o subproduto natural do
capitalismo fóssil, as fake news são o subproduto do capitalismo digital” (p.186).
Morozov está cônscio da dificuldade de seu ponto de partida: como criticar a
tecnologia sem ser confundido com um tecnofóbico ou ludita? Para o autor, a
tecnologia pode aprimorar decisivamente a experiência das sociedades, entretanto
isso apenas será possível “se antes reconquistarmos a soberania sobre a economia e a
política” (p.25). Em outros termos, “o verdadeiro inimigo não é a tecnologia, mas o
atual regime político e econômico” (p.30). O potencial das tecnologias digitais apenas
será desdobrado quando elas não mais se moverem segundo a lógica capitalista, mas
sim quando forem postas segundo os objetivos democráticos da sociedade.

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