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A G R I C U LT U R A

a produção e moradia, ou seja, organi- da reforma agrária defendida pelos


zando a economia e as dimensões da assentamentos do MST: produzir ali- A
vida social, educacional e cultural das mentos, eliminar a fome, superar o ciclo
famílias assentadas. de dependência do mercado capitalista
Todavia, a grande função social e assegurar a produção da maioria dos
dos assentamentos é produzir alimentos alimentos, construindo assim soberania
com fartura. Esse é o sentido primeiro alimentar e autonomia camponesa.

Referência
CALDART, R. S. Pedagogia do Movimento Sem Terra. São Paulo: Expressão Popular, 2004.

Para saber mais


BREEISE, E. O MST e os assentamentos rurais no Oeste do Paraná: encontros e desencontros na
luta pela terra. Estudos Sociedade e Agricultura. Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, p. 128-163, 2004.
CARTER, M. Combatendo a desigualdade social: o MST e a reforma agrária no Brasil [tradução de
Cristina Yamagami]. São. Paulo: Editora Unesp, 2010.
COFEDERAÇÃO ACIOAL DAS COOPERATIVAS DE REFORMA AGRÁRIA DO BRASIL
(COCRAB). Novas formas de assentamentos de reforma agrária: a experiência da Comuna da Terra.
Brasília, DF: Concrab/Incra/CRT, 2004.
FERADES, B. M. A formação do MST no Brasil. Petrópolis: Editora Vozes, 2001.
VEDRAMII, C. R. A experiência coletiva como fonte de aprendizagens nas lutas do Movimento
Sem Terra no Brasil. Revista Lusófona de Educação, n. 6, p. 67-80, 2005.

Nota
1
A opção em examinar a experiência do MST deve-se ao fato de, historicamente, ser essa a organi-
zação que assumiu como principal forma de sua luta a ocupação de terras, organizada por meio de
acampamentos, e a posterior conquista de assentamentos. Outras organizações também organizam
acampamentos e conquistam assentamentos, com pequenas nuances em suas formas de mobilização
e organicidade dos sem-terra.

AGRICULTURA

J osé m Ar iA tAr din

a atualidade brasileira e interna- Em direção oposta, convidamos a


cional, o capital no campo se constitui uma análise do assunto a partir do sen-
em agronegócio [ver Agronegócio], ter- tido etimológico do termo agricultura, e
mo que eficazmente expressa sua sínte- indicamos duas alterações pertinentes:
se: “agricultura é negócio” e que, mais a primeira, na forma – agri-cultura –; e
recentemente no Brasil, vem ampla e a segunda, o destaque plural – agri-cul-
insistentemente divulgando sua máxima turas (Tardin, 2012).1
ideológica no slogan: “agro é pop; agro é A forma agri-cultura, posta com o
tech; agro é tudo”! destaque para a sua formação binária,

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pode tensionar o imaginário comum agroecossistemas, realizando no tempo


A hegemonizado no termo “agro-negócio”, e no espaço distintas formas sociais de
na medida em que instiga a atenção e a existência, de produção e reprodução
reflexão a partir das palavras “cultura” social agri-culturais.
e “negócio”. Consideraremos no termo agri-cul-
Pode-se problematizar o termo “cul- tura tanto os cultivos comumente deno-
tura” em uma perspectiva ampliada do minados de agrícolas (vegetais) como a
seu conteúdo: a expressão das múltiplas pecuária (animais).
exteriorizações e objetivações da práxis
humana nas suas relações na e com a Agricultura – quando, onde, quem,
natureza – as relações sociais em geral, como, por quê?
a produção, a circulação, a distribuição, Mazoyer e Roudart (2010) destacam
o consumo, as regras, normas, o Direito, que a hominização-humanização se
o Estado, as ideologias, as teorias, as apresenta como um processo de trans-
ciências, a filosofia, as cosmovisões, a formações complexas, simultaneamente
ética, a moral, os costumes, as tradições, “biológicas e culturais”. As espécies
as crenças, as religiões, a estética, as hominídeas do mesmo período muitas
artes, a arquitetura, a culinária, ou seja, vezes compartilham o mesmo terri-
produção e reprodução social. tório, e “cada nova geração toma seu
Por sua vez, “negócio” é uma forma impulso no terreno técnico e cultural
temporal de relação social que se dá em enriquecido pelas gerações precedentes,
determinada formação social histórica, de modo que os precursores biológicos
constituindo, todavia, um aspecto da- de uma nova espécie de hominídeos são
quela cultura. Está posto nas relações necessariamente tributários da herança
sociais dentre nós, como determinação técnica e cultural da espécie precedente”
da ordem social burguesa capitalista, mas (Mazoyer; Roudart, 2010, p. 68).
não está posto nas relações sociais dos Dessa maneira, os hominídeos se-
povos indígenas não contatados no inte- guiram estabelecendo miscigenação
rior da floresta amazônica, por exemplo. interespécies, possibilitando a difusão
Verifiquemos também o prefixo de mutações vantajosas e apreensões
agri – campo –, lugar, ambiente, espaço técnicas e culturais, proporcionando a
geográfico, território onde dada cultura transmissão dos saberes e de práticas
se exterioriza e objetiva agri-cultural- adquiridas, todavia não exatamente de
mente, constituindo sistemas agrários geração a geração, dado que as transfor-
[ver S iStemAS AgrárioS] compostos por mações se dão variando amplamente a
distintos agroecossistemas [ver A gro ­ depender de cada espécie e período, ade-
ecoSSiStemAS] , onde efetiva múltiplos mais das extinções que vão se efetivando.
sistemas de produção. Significativos consensos e compro-
Trata-se de práxis humana, sendo vações reiteram até aqui que o Homo
o humano histórico e cultural. Assim, sapiens sapiens seria a última e única
agri-culturas diz respeito às distintas espécie dos hominídeos que – estando
práxis humanas em suas relações sociais presente em todos os continentes da
na e com a natureza, direcionadas a Terra há 12 mil anos, na atual Era Ceno-
transformar ecossistemas naturais em zoica2 – realiza extraordinária revolução

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épica: as agri-culturas. Foi após a última a região onde se iniciou a domesticação


glaciação (Época Holoceno) que a do- das primeiras plantas e animais. essa A
mesticação de plantas e animais passou a mesma região se situa Jericó, uma das ci-
ser realizada por distintos grupos sapiens dades mais antigas, denotando a relação
sapiens em diferentes lugares e períodos. entre as transformações operadas pelas
Este período é denominado de o “Gran- agri-culturas e o processo de urbanização
de Salto Adiante” (Diamond, 2002, p. que seguirá desde então.
39), destacando-se como principal feito A iniciação original das agri-cul-
a revolução agrícola neolítica, “[...] a turas não se fez linear e progressiva, e
primeira revolução que transformou a mesmo onde houve contínuas relações
economia humana” (Childe, 1983, apud de trocas de bens entre grupos de ca-
Mazoyer; Roudart, 2010, p. 70), desen- çadores-coletores e agricultores que se
cadeando assim a passagem da condição avizinhavam, os primeiros não adotaram
típica da predação para a agri-cultura. prontamente a agricultura, ao que Dia-
A iniciação das agri-culturas não foi mond (2002) acrescenta ser impróprio
uma invenção ou uma descoberta, como atribuir que a agricultura é um feito
se pode pensar, e sequer havia à época direto e imediatamente implicado com
uma escolha consciente entre produzir a passagem do nomadismo para o se-
comida ou ser caçador-coletor, como dentarismo, havendo distintas situações
propõe Diamond (2002, p. 104-105). O quanto a este estado social.
Homo sapiens não nasceu agricultor, ele Um contributo fundamental foi
emerge como coletor-caçador, como bem dado pelo botânico russo ikolai Ivano-
analisam Mazoyer e Roudart (2010, p. 70): vich Vavilov, que pioneiramente identifi-
Quando ele começou a praticar o cou o que nominou de centros de origem
cultivo e a criação, ele não encon- das plantas cultivadas – oito centros3 –, o
trou na natureza nenhuma espécie que seguiu sendo revisto e aperfeiçoado
previamente domesticada, mas por novas pesquisas (Sereno; Wiethölter;
domesticou um grande número Terra, 2008, p. 54-56).
delas. ão dispunha também de O que é certo e consensual até aqui
instrumentos anatômicos adapta- é que as principais espécies animais e
dos ao trabalho agrícola, mas os vegetais com as quais nos alimentamos
fabricou de todas as maneiras e
– cereais, raízes, frutas, hortaliças –, mas
cada vez mais poderosos. Enfim,
também para fibras, foram domesticadas
nenhum saber inato ou revelado
lhe ditava a arte e a maneira de entre 10 mil e 5 mil anos atrás, com novos
praticar a agricultura, e, graças a feitos posteriores em grau secundário,
isso, ele pôde ajustar livremente complementar. Frise-se que, em que pese
os sistemas de cultivo e de criação todo o desenvolvimento das ciências e
extraordinariamente variados e tecnologias, especialmente a partir do
adaptados aos diferentes meios século XIX, é extrema a insignificância
do planeta, transformando-os de quanto à domesticação de novas espécies.
acordo com suas necessidades e Em relação às plantas, enfatiza-se
de acordo com suas ferramentas. que originalmente as mulheres apreen-
Os achados arqueológicos mais anti- deram a germinação das sementes; no
gos identificam o Crescente Fértil como entanto, distintas ponderações perma-

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necem em aberto sobre como, a partir de primitiva religião humana estava inti-
A então, se desencadearam as agri-culturas. mamente relacionada com a busca de
a controvérsia das explicações, alimentos” (Heiser Jr., 1977, p. 21-26), e
Heiser Jr. (1977), em diálogo com vários que nas crenças religiosas seja possível
autores, indica algumas possibilidades: encontrar indícios de como começou a
a) mudança climática que provocou domesticação. esta linha de especula-
seca e acabou inf luenciando a aglo- ção, havemos de registrar a perenidade
meração de animais e humanos em do antigo mito da Mãe Terra, ampla-
locais onde havia água, o que favoreceu mente presente em diversas culturas
a domesticação de algumas espécies campônias até o presente.
animais; b) a crescente diferenciação Em direção contrastante com consi-
e especialização cultural das comuni- derações que reconhecem a possibilidade
dades humanas, dado que já estavam de “causas” transcendentes, de ordem má-
familiarizadas grandemente com as gica, miraculosa ou divina, as evidências
espécies que já coletavam e caçavam; c) resultantes de pesquisas arqueológicas e
a pressão demográfica, impulsionadora biológicas das últimas décadas
da busca pela manipulação do ambiente mostram claramente que a domes-
a fim de aumentar a disponibilidade de ticação é um processo de trans-
alimentos; d) a observação do “monte formação biológica, que resulta de
de lixo”, ou melhor, nos amontoados de maneira automática das atividades
detritos dos acampamentos humanos de protocultura e de protocriação,
talvez fossem jogadas sementes e partes quando aplicadas a certas espécies
inaproveitáveis de plantas, onde estas selvagens e que se explica por me-
germinavam ou vegetavam, passando canismos genéticos perfeitamente
compreensíveis. (Mazoyer; Roudart,
a serem colhidas oportunamente. Há
2010, p. 119)
inclusive a sugestão de que a agri-cul-
tura tenha sido iniciada no interior das essa direção, dado o longo período
primeiras cidades. de coleta de plantas alimentícias, pode-se
Outras evidências arqueológicas pressupor que por este manejo elementar
demonstram que, originalmente, os tenham se efetivado modificações em
primeiros cultivos se deram na forma certas populações de espécies, indicando
de ‘hortas’ próximas às moradias, sendo a possibilidade de a domesticação ter se
expandidas para as áreas de formações dado anterior ao cultivo. Em contrapar-
arborizadas e herbáceas vizinhas (Ma- tida, nem toda domesticação sempre
zoyer; Roudart, 2010, p. 131). evolui em relações agrícolas, sugerindo
Encontramos no Paleolítico as ba- três formas no processo de domesticação:
ses iniciais do panteísmo, mas também o incidental; o especializado; e o agrícola
da ampla dispersão de estatuetas de (Rindos, 1984, apud Sereno; Wiethölter;
figuras femininas, simbolizando a gra- Terra, 2008).
videz ou dando à luz, caracterizando E mais, ao contrário do que comu-
um culto muito difundido à fertilidade mente se afirmava, de que o início das
da deusa mãe. Ressaltando também a agri-culturas teria se dado nos férteis va-
emergência do politeísmo, reiteramos les dos rios, as evidências corrigem esta
que “não pode haver dúvida de que a informação demonstrando que se dera

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nas regiões montanhosas e semiáridas tiva – o trabalho excedente –, pois, além


próximas (Heiser Jr., 1977, p. 6). da antiga divisão sexual do trabalho, A
desenvolve-se a divisão social do trabalho.
Agri-culturas: da natureza Dessa maneira, parte dos integrantes da
para a fábrica sociedade deixa de trabalhar, passando a
O trabalho [ver trAbAlho] é uma ca- viver do trabalho alheio, instaurando-se
pacidade específica e tipicamente huma- a “exploração econômica da força de
na,4 que o Homo sapiens sapiens realiza de trabalho” e estabelecendo de forma clara
forma complexa e sofisticada; por este, as “classes sociais” fundamentais.
alcança historicamente autoproduzir-se, Em tais “modos de produção”, as
e fundar-se “ser social”, sujeito da práxis classes sociais dominantes alcançam
(etto; Braz, 2010; Martins, 2016). Em estabelecer a forma de “impérios” – es-
seu devir, estabelece relações sociais na cravismo e modo de produção asiático,
e com a natureza, independente de suas e “feudos” – feudalismo, e organizam
vontades e circunstanciadas pela mate- formas específicas do “Estado”, fortale-
rialidade do meio em que está inserido, cendo a capacidade de exercer de forma
e articula forças produtivas e relações de abrangente a opressão de classe e asse-
produção determinando materialmente gurando para si a apropriação privada da
sua forma geral de vida em sociedade – o riqueza socialmente produzida.
modo de produção. É neste prisma que Outra alteração substancial e mar-
havemos de apreender as determinações cante vai sendo estabelecida com a pas-
que historicamente estão dadas e postas sagem da forma das trocas diretas de
nas agri-culturas de cada época. mercadorias pelo estabelecimento das
O primeiro período agri-cultural se trocas pela moeda (o dinheiro) como
desenvolve com base na divisão sexual equivalente geral do valor, facilitando e
do trabalho, de tipo cooperado e ajuda agilizando as trocas comerciais.
mútua, com partilha equânime da pro- Em todo o processo histórico huma-
dução dentre os integrantes do grupo so- no anterior à Idade Moderna, foram as
cial, no regime de “propriedade coletiva agri-culturas, com seus sistemas agrários5
dos meios de produção”, caracterizando fertilizados por matéria orgânica e mine-
assim o mais longo modo de produção – o rais naturais, que proporcionaram gran-
comunismo primitivo. dezas econômicas e materiais necessárias
As agri-culturas se constituem tam- à sustentação das sociedades e às suas
bém na principal objetivação na produção transformações sociais e econômicas.
dos bens para a satisfação das necessi- Em outro ciclo de revoluções so-
dades humanas nos modos de produção ciais, se estabelece o “modo de produção
escravista, asiático e feudal, sendo carac- capitalista” na Europa, em que se dá a
terístico destes a “propriedade privada dos revolução industrial do século XVIII, que
meios de produção fundamentais” pelo introduz a “divisão técnica do trabalho”
controle impositivo e despótico da terra e generaliza a forma “assalariada”.
e territórios e das e dos trabalhadores no Desde então, tem-se significativos
campo, com relações de trabalho escravo avanços nas ciências, incluindo estudos
e servil. São “modos de produção” onde em agricultura, com uma série de novos
se verifica nova capacidade social produ- conhecimentos que vão sendo alcançados

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em química, logrando-se estabelecer en- dinários em várias ciências que incluem


A tão as bases da ruptura das agri-culturas a extrema artificialização do ambiente e
de base húmica – centradas no uso da da produção: física quântica, microele-
matéria orgânica – para a fertilização trônica, genética molecular, cibernéti-
mineral – baseada na síntese química –, ca, informática, inteligência artificial,
abrindo caminho para uma nova “revo- nanotecnologia, biologia sintética, que
lução agrícola”. têm seus desdobramentos tecnológicos
Em 1843, é instalada a primeira fábri- sob domínio do capital, com direcio-
ca de fertilizante mineral na Inglaterra, e, namentos configurando novo ciclo de
em 1848, se institucionaliza a agronomia, “revolução na agri-cultura”.
com a fundação do Instituto acional a dinâmica das transformações
Agronômico de Versailles, França. São que vêm se dando no modo de produção
verificados avanços exponenciais em vá- capitalista, em sua atualidade imperia-
rias áreas das ciências – a própria química, lista, a economia mundial passou a ser
a mecânica, a microbiologia do solo, a hegemonizada pelo capital financeiro
genética vegetal e animal, conformando [ver FinAnceirizAção], que determina em
um vasto campo de aplicação das tecno- grande escala a agri-cultura, sendo esta
ciências nas agri-culturas. operada sob a exploração e o domínio
a primeira metade do século XX, direto de megacorporações transnacio-
a agri-cultura de base industrial vai ser nais, também hegemônicas no controle
impulsionada globalmente, apoiada no político e na apropriação do orçamento
crédito bancário e em amplas políticas dos Estados nacionais, configurando
públicas dos Estados nacionais e em insti- sua objetivação agri-cultural – o “agro-
tuições privadas de empresas capitalistas, -negócio”. Impõe em escala mundial um
constituindo a revolução verde [ver revo­ mesmo padrão agri-cultural e o consumo
lução verde], em contradição antagônica daquilo que lhe proporciona a maior
com as agri-culturas de distintos povos rentabilidade financeira – alimento é
camponeses e a diversidade ecológica mercadoria –, da mesma maneira que
da biosfera. Definitivamente, o modelo os demais produtos derivados do negócio
de produção hegemônico na agri-cultura agropecuário e florestal.
passa a ser a “fábrica”, em abandono ao A mercantilização é estendida mais
modelo da “natureza” vigente até então. e mais sobre a natureza – terra, água,
Já no século XIX, contraposições vão florestas, sementes, animais; e o labor
se agudizando tanto no âmbito das lutas agri-cultural é subsumido à lógica indus-
sociais por território e reforma agrária trial – a trabalhadora e o trabalhador
quanto no plano técnico, destacando-se rural realizam atividades meramente
as ações impulsionadas por Julius Hensel operacionais. O campesinato submetido a
(1898), inaugurando, talvez, o que pode- essa lógica fica condicionado ao estado de
mos chamar de “reações contemporâneas servidão moderna imposta por contratos
à agri-cultura de base industrial” (ver de “integração”; ou a reproduzir, completa
Khatounian, 2001), até chegarmos na ou parcialmente, o “pacote tecnológico”,
agroecologia [ver AgroecologiA]. recorrendo ou não ao crédito bancário.
o século XX e neste início de sécu- Tanto os trabalhadores rurais quanto o
lo XXI, são verificados avanços extraor- campesinato são alijados do reconhe-

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cimento na participação na produção indivíduos [...]. Com esta formação


social dos conhecimentos agri-culturais social termina, pois, a pré-histó- A
[ver educAção PoPulAr]. ria da sociedade humana. (Marx,
Há significativos casos na história 2008, p. 48)
das agri-culturas em que, localizadamen- Isso porque o capital é uma relação
te, determinadas sociedades humanas social estrutural e necessariamente vio-
entraram em colapso generalizado como lenta, dado que, por suas leis, coisifica o
consequência das contradições em suas ser humano e a natureza na forma merca-
relações sociais de produção e depredação doria; portanto, não comporta racionali-
das bases ecológicas mantenedoras das dade capaz de efetivar soluções ecológicas
condições naturais da fertilidade geral dos sustentáveis ou a emancipação humana.
seus sistemas agrários (como os Anasazis, As agri-culturas camponesas e
no sudoeste do atual território dos EUA; de povos originários historicamente
e os Rapa ui, da Ilha da Páscoa). engendram distintas capacidades de
Como objetivação setorial do capital, relações sociais de cooperação e de
a realização prática do “agro-negócio” sinergias na e com a natureza, consti-
coloca em movimento um conjunto de tuindo agroecossistemas sustentáveis.
forças produtivas de impactos destrutivos o interior das contradições postas
em escala planetária, em vistas do que, na pelo “agro-negócio”, ao mesmo tempo
comunidade científica, se popularizou o em que sofrem as determinações do
termo “antropoceno” [ver AntroPoceno], capital, assumem uma clara posição de
para designar o atual tempo geológico – antagonismo, tensão e conflito, enfren-
“a idade recente do Homem” –, dada a tamento e resistência.
magnitude da insustentabilidade que vem Em movimento oportunista, al-
potencializando nos processos ecológicos guns empresários capitalistas adotam
da Terra. tecnologias de base ecológica-orgânica
– “capitalismo verde” –, superfaturando
Caminhando na Pré-História... a sobre nichos de mercado. o entanto,
reconstrução social e ecológica das preservam o essencial do seu interesse
agri-culturas econômico (relações de exploração da
O surgimento das agri-culturas e a força de trabalho) e, por isso, falseiam
fabricação de instrumentos de pedra sua imagem como negócio sustentável.
polida inauguram o último período da A superação das determinações
Pré-História, o eolítico. O desenvolvi- sociais que nos mantêm em estados
mento da escrita e da metalurgia indicam desumanos de alienação, em nossas
a passagem para a História, de acordo com relações sociais na e com a natureza, so-
a periodização clássica. Entretanto, pode- mente pode ser posta na direção radical
mos afirmar que seguimos caminhando da emancipação humana pelas classes
na Pré-História, uma vez que sociais oprimidas e exploradas. Situação
as relações de produção burguesas social em que justamente está posto o
são a última forma antagônica do campesinato, que, uma vez consciente
processo de produção social, [...] em sua posição de classe e seu particular
um antagonismo que nasce das e diverso contributo agri-cultural, pode
condições de existência sociais dos se somar nos múltiplos combates que

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nos transcendam da Pré-História – na à comunidade da Vida. E, cônscios do


A marcha da expansão das liberdades e nosso pertencimento cósmico, demarcar
múltiplas capacidades humanas, no o planeta Terra com pegadas em com-
encontro radical do humano com o hu- passos de mãos dadas, nos realizando
mano, do ser social com o ser natural, sua no Antropoceno, como a Época sapiens
unidade de gênero humano vinculado sapiens de caminhar na História.

Referências
DIAMOD, J. M. Armas, germes e aço: os destinos das sociedades humanas. 3. ed. Rio de Janeiro:
Record, 2002.
HEISER Jr., C. B. Sementes para a civilização: a história da alimentação humana. São Paulo: Ed. acional,
Ed. da Universidade de São Paulo, 1977.
KHATOUIA, C. A. A reconstrução ecológica da agricultura. Botucatu: Agroecológica, 2001.
MARTIS, A. G. F. (org.). Elementos para compreender a história da agricultura e a organização do
trabalho agrícola. Cartilhas do Setor de Produção, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, São
Paulo, v. 1, n. 40, nov. 2016.
MARX, K. Contribuição à crítica da Economia Política. 2. ed. Tradução e Introdução de F. Fernandes.
São Paulo: Expressão Popular, 2008.
MAZOYER, M.; ROUDART, L. História das agriculturas no mundo: do neolítico à crise contemporânea.
São Paulo: Ed. Unesp, 2010.
ETTO, J. P.; BRAZ, M. Economia política: uma introdução crítica. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
SEREO, M. J. C. M.; WIETHÖLTER, P.; TERRA, T. F. Domesticação das plantas. In: BARBIERI,
R. L.; STUMPF, E. R. T. (Ed.) Origem e evolução das plantas cultivadas. Brasília: Embrapa Informação
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TARDI, J. M. Cultura camponesa. In: CALDART, R. S. et al. (org.). Dicionário da Educação do
Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular,
2012, p. 178-186.

Para saber mais


OLIVEIRA, A. U. Modo capitalista de produção, agricultura e reforma agrária. São Paulo: FFLCH, 2007.

Notas
1
Sugerimos consultar também os verbetes “Agroecologia” e “Agriculturas Alternativas” do Dicionário
da Educação do Campo (2012).
2
É usual descrever a origem da agricultura recorrendo à periodização clássica da História, situando-a
no eolítico – Idade da Pedra Polida. Aqui, a opção é pelas eras geológicas, situando a origem da
agricultura no Holoceno, atual Época do Período Quaternário da Era Cenozoica, no intuito de
destacar as relações entre esses dois sistemas, na medida em que no texto coloca, de forma transversal,
a unidade – História atural/História Humana – como totalização da História.
3
Centros de Vavilov, ou Centros de Origem das Plantas Cultivadas, identificados nas expedições
realizadas no período de 1919 a 1932, pelo botânico russo ikolai Ivanovich Vavilov. Inicialmente,
ele identificou cinco centros, e, posteriormente, adicionou-se três centros e três sub-centros ou
centros secundários, sendo: 1) Centro Chinês; 2) Centro Indiano; 3) Centro Asiático Central; 4)
Centro Asiático Menor; 5) Centro Mediterrâneo; 6) Centro Etiópia; 7) Centro América Central;
8a) Centro América do Sul (peruano-boliviano-equatoriano); 8b) Centro América do Sul (Chiloé,
no Chile); 8c) Centro América do Sul (brasileiro-paraguaio).
4
Considera-se aqui o trabalho como categoria ontológica do ser humano.
5
Especialmente Mazoyer e Roudart (2010), e muito bem sintetizado e ampliado por Martins (2016),
identificam alguns dos “sistemas agrários” mais expressivos que alcançamos conhecer de cada período
histórico até o presente, ao que se pode associá-los aos respectivos “modos de produção”.

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