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08 Precursores de Adam Smith
08 Precursores de Adam Smith
Ricardo Feijó
Autor francês cujos trabalhos mais importantes concentram-se por
volta de 1700.
Foi um importante crítico das políticas mercantilistas na França no
reinado de Luis XIV.
É bem verdade que ele ainda não fornece um tratamento sistemático
da Economia com base em princípios e só analisa problemas
econômicos específicos, mas a sua obra tem elementos de
originalidade que merecem ser considerados.
Boisguillebert vê a Economia como um mecanismo natural
governado pelas forças de mercado e, contrário às práticas
mercantilistas, enfatiza a liberdade das trocas.
À época de Boisguillebert, a França vinha atravessando grave crise econômica
alimentada pelas despesas de guerra e pelas extravagâncias de consumo na
corte.
Os males econômicos são atribuídos por ele à adoção de preceitos mercantilistas.
Boisguillebert publica um conjunto de obras entre 1665 e 1712 que tratam
principalmente de reforma tributária e chegam a escandalizar o rei, a ponto de ser
penalizado tendo que se exilar pelo lançamento de O Memorial da França em
1707.
De original, ele propõe a ideia de que os bens e serviços à disposição de cada
cidadão e não a moeda ou a riqueza do rei constituem a verdadeira riqueza da
sociedade.
A fonte do crescimento da riqueza é o consumo individual, de modo que o bem-
estar nacional depende da pujança da demanda efetiva.
Boisguillebert acredita que a renda nacional seria determinada pelo fluxo de
dinheiro gasto, antecipando, pelo menos em espírito, as ideias de Keynes
A solução para o problema do declínio econômico da França requer uma reforma tributária
que possa reduzir os impostos, de modo a suprimir um fator limitante da demanda.
Boisguillebert havia calculado que os impostos em excesso e a concentração em sua
base de incidência tinham acarretado uma queda na renda da França em pelo menos
50%, entre os anos de 1665 e 1695, pela decorrente insuficiência de demanda agregada.
Os efeitos nocivos provocados pelo receituário mercantilista também foram
responsabilizados pela queda na renda.
Especialmente desastrosa tinha sido a decisão do ministro Colbert de proibir as
exportações de grãos, o que veio a prejudicar a agricultura do país. Como consequência
dela, os preços dos grãos tendiam a cair principalmente em tempos de crise quando se
acentuava a escassez de demanda.
Enaltecia dois elementos: a primazia da agricultura e os
benefícios do livre-comércio, também bandeiras dos
fisiocratas como veremos mais adiante.
As medidas que procuravam favorecer as manufaturas em
prejuízo da agricultura deveriam ser revertidas.
O mercado funcionando por conta própria traria a expansão
da agricultura, com estabilidade de preços e melhor
distribuição de renda.
Uma distribuição mais equitativa seria importante por
garantir a sustentação da demanda agregada.
Prioriza o combate a três tipos de impostos então cobrados na França: as talhas, as
sisas (aides em francês) e os impostos aduaneiros.
Os primeiros incidiam sobre as propriedades e eram sujeitos a muita arbitrariedade
e capricho pessoal na sua aplicação. Os nobres e membros do clero ficavam isentos
de pagá-los. A carga incidia fortemente nos proprietários mais pobres,
principalmente o pequeno camponês. As sisas são um imposto indireto sobre as
vendas.
Boisguillebert preocupava-se com a possibilidade do povo francês ter que cortar seu
hábito mais típico pelas pesadas sisas sobre a venda do vinho.
Os direitos aduaneiros eram cobrados pela circulação de mercadorias, não só entre
as fronteiras da França, mas também entre regiões internas; o que restringia
sobremaneira o fluxo de mercadorias e a concorrência nos mercados, implicando
assim em aumento de preços.
Boisguillebert defendia a liberdade dos mercados,
argumentando que, deixando a natureza agir, os preços,
espontaneamente determinados, garantiriam em todos os
setores da economia um ganho normal ou justo.
O mecanismo de formação de preços já asseguraria o máximo
de riqueza. O mercado leva à realização de todos os planos dos
produtores individuais e não haveria nunca o problema crucial
de falta de consumo.
Pode-se considerar, neste aspecto, que Boisguillebert tenha
antecipado a chamada Lei de Say, apontada pelo famoso
economista clássico.
O autor que estamos considerando propõe assim um
conjunto de medidas que compõe uma reforma tributária.
Anos depois, ele será criticado pelos fisiocratas por não
oferecer um “sistema natural de finanças públicas” mas
um conjunto de medidas arbitrárias visando o aumento do
consumo agregado.
Os críticos fisiocratas consideravam mais importante para
a expansão econômica do país a forma como os impostos
afetam não o consumo, mas o processo de acumulação
de capital.
Boisguillebert raciocina pensando em tornar os impostos
mais progressivos e melhorar a distribuição da sua base de
incidência de modo a liberar renda disponibilizando-a para
o consumo.
Ele também deu uma importante contribuição em
questões monetárias analisando a natureza da moeda.
Percebeu então que há outros meios de pagamento na
forma de papéis (letras de câmbio, títulos do governo
etc.) que podem funcionar como substituto da moeda
nas transações.
Também se notabiliza por considerar que o efeito de
uma certa quantidade de moeda sobre a economia
dependeria também da velocidade de circulação da
moeda, conceito ainda mal compreendido à época.
Em 1755, é publicada em Paris a obra de um autor não
muito conhecido, que já havia falecido duas décadas
antes, assassinado em condições obscuras nas ruas de
Londres; são os Ensaios sobre a Natureza do Comércio
em Geral de Richard Cantillon.
Banqueiro e comerciante, de origem irlandesa, pouco se
conhece de sua vida. Seus Ensaios constituem um
tratado brilhante que, sob influência do método
newtoniano, busca a descoberta de princípios básicos
da vida econômica.
Em analogia com o princípio universal da gravitação, Cantillon
localiza o motor do processo de ajuste dos mercados na busca auto-
interessada do lucro. Todo o sistema econômico é visto como um
processo de ajuste entre partes conectadas, de modo que mudanças
básicas na população, nos gostos e na produção afetam umas às
outras.
É possível que o seu legado tenha sido ainda mais importante que o
dos fisiocratas na formação das idéias de Adam Smith. No entanto, a
importância de Cantillon só foi reconhecida no final do século XIX
quando foi, por assim dizer, redescoberto por Willian Jevons. Com
justiça podemos considerá-lo o autor do primeiro tratado sistemático
de Economia.
Em Cantillon, pela primeira vez, ao que consta, a
variável demográfica é incorporada como parte de um
modelo econômico. Também de modo pioneiro ele
oferece uma explicação racional para a localização
espacial das cidades e da atividade econômica.
1. A estrutura das classes sociais;
2. A teoria dos preços e a descrição do sistema de mercado;
3. A teoria monetária e os fluxos de renda.
Cantillon parte da existência da propriedade privada como um
requisito para o funcionamento dos mercados.
A sociedade é composta por quatro classes: nobres, proprietários de
terra, empresários e assalariados. As duas primeiras são os
segmentos das pessoas financeiramente independentes, que não
precisam trabalhar, e tão somente fornecem suas propriedades para
que os produtores possam extrair delas os recursos naturais.
As propriedades incluem terra e capital físico em geral.
Os empresários ocupam uma posição intermediária, seu
papel consiste em operar nos mercados de produtos e
fatores de produção procurando tirar vantagem do sistema
de preços de modo que da ação deles dependa o
mecanismo de ajuste entre oferta e demanda em cada
mercado. Eles também são os que contratam trabalhadores
e organizam a produção.
Os assalariados trabalham por remuneração fixa, enquanto
o empresário tem uma renda incerta, pois é ele quem corre
o risco: quando produz não sabe o preço a que poderá
vender o produto.
Esta divisão social em classes era um procedimento analítico ainda
pouco usual nos escritos econômicos.
Usualmente atribui-se aos fisiocratas a introdução de classes sociais na
análise econômica, mas sem dúvida antes deles Cantillon já raciocinava
em termos delas.
O representante típico da classe empresarial é o fazendeiro, pois os
modernos métodos capitalistas de produção estavam mais disseminados
na área rural da França.
Toda troca e circulação de bens que aciona o sistema econômico parte
da classe dos empresários e, sendo assim, eles ocupam nele uma
posição vital.
Cantillon descreve a economia como um sistema organizado de
mercados interconectados que afetam uns aos outros, no
interior do qual atuam indivíduos em relação de dependência
mútua.
O sistema ajusta-se pela ação de empresários auto-
interessados que operam nos mercados comprando, vendendo
e organizando a produção em condições de incerteza.
Com o tempo os mercados tendem a se estabelecerem na
situação de equilíbrio.
No equilíbrio de longo prazo os preços estabilizam-se em torno do
custo real de produção.
Nesta condição, Cantillon define o conceito de valor intrínseco, que
pode ser reduzido a quantidades e qualidades de terra e trabalho
humano que entraram na produção.
A tentativa de fundamentar os preços em alguma medida de custo real
não é bem sucedida e falta-lhe maior clareza, por exemplo, em como
se define as diferentes qualidades de terra e trabalho e como unidades
de terra e trabalho podem ser comparadas entre si, questões também
enfrentadas e igualmente não resolvidas por Petty.
A contribuição analítica mais importante de Cantillon diz
respeito à sua descrição do processo de convergência para
os valores de equilíbrio.
No curto prazo, ele enfatiza a noção de preço de mercado
dando-lhe uma interpretação subjetivista que realça, na sua
determinação, os humores e caprichos dos agentes
envolvidos, bem como o desejo de consumo deles.
No longo prazo, os preços se estabilizam nos valores
intrínsecos
Cantillon, considera que os preços de mercado se afastam dos valores
intrínsecos na medida em que os planos de produtores e de seus clientes
não estão perfeitamente coordenados.
Os planos inconsistentes distanciam temporariamente os preços de seus
custos. Os preços funcionam como uma rede de sinais que serve para
conectar mercados diferentes.
Os homens, movidos pelo autointeresse, reagem aos sinais dos preços e
entram em diferentes mercados vendendo e comprando de modo a
explorar as diferenças observadas entre preços praticados e valores
intrínsecos.
A própria ação dos agentes, à medida que desloca a oferta e a demanda,
leva a uma mudança nos preços relativos, sinalizando novas estratégias
até que os planos de compradores e vendedores se tornem compatíveis.
O mesmo processo também se verifica no mercado de
fatores e conduz à realocação constante de trabalho e
outros insumos produtivos até que a demanda se iguale
à oferta.
Este mecanismo explica, por exemplo, como as forças
naturais alocam o trabalho em seus diferentes empregos.
É verdadeiramente surpreendente a fecundidade das
idéias econômicas contidas nos Ensaios. Smith interpreta
a economia de mercado tomando na íntegra o esquema
de Cantillon do funcionamento dos mercados.
Há três canais de transmissão de renda: o que vai dos fazendeiros para os
proprietários, na forma de pagamento de aluguéis; o fluxo entre os primeiros e
trabalhadores, proprietários de matérias primas e vendedores de bens
manufaturados, que corresponde aos pagamentos dos fazendeiros na aquisição
de bens.
Por fim, resta o fluxo interno entre os próprios fazendeiros, obtido como resíduo
ou renda líquida dessa classe.
A noção de fluxos de pagamento entre classes sociais, embora ainda muito
primitiva em Cantillon, conhecerá em François Quesnay grande aprimoramento,
onde um esquema bastante complexo dos fluxos de recebimentos e gastos em
cada setor será proporcionado pelo Quadro Econômico, sua principal obra.
A análise dos fluxos de renda está integrada a uma teoria monetária
bastante desenvolvida.
A relação entre moeda e preços já era bem conhecida entre os
economistas. E também a análise da velocidade de circulação da
moeda.
Faltava, no entanto, um melhor entendimento da cadeia causal em que
as moedas afetariam os preços.
Locke havia lançado uma explicação em termos do que hoje é
conhecido como teoria quantitativa da moeda, mas a grande
dificuldade, ainda não resolvida, consistia em mostrar de que maneira e
em que proporção variações monetárias impactariam os preços.
A ideia popularizada até então era a de que acréscimos de moeda nas
mãos do público afetariam o nível agregado das despesas, que por sua
vez levaria a um aumento da produção.
A pressão da demanda dos produtores elevaria os custos e finalmente os
preços dos bens finais. Cantillon tratou dessa questão embasado em
sólida pesquisa empírica, assim como Petty ele também tinha grande
habilidade na coleta e análise de dados.
Estimou então o estoque de moeda necessário para o bom
funcionamento da economia com base em um estudo minucioso da
velocidade de circulação da moeda. A sua pesquisa empírica acabou
revelando-lhe o princípio analítico de se separar o nível geral de preços
dos preços relativos.
Cantillon ficou convencido de que a ênfase no nível geral
de preços encobre o aspecto mais fundamental de como
as emissões monetárias afetam os preços relativos entre
diferentes setores da economia.
Dependendo de como a moeda entra no sistema
econômico, ou seja, das mãos que ela passa primeiro,
poderia afetar prioritariamente o consumo ou a poupança.
Quando se destina aos que consomem proporcionalmente
mais, o aumento da demanda de bens finais estimula o
aumento da produção e a decisão de investir.
Como não haveria acréscimos significativos nos fundos para investimentos, a
concorrência no mercado de fundos conduziria a uma elevação nas taxas de
juros.
Por outro lado, se a moeda adicional é transferida inicialmente aos que
poupam mais, a menor pressão da demanda de bens finais e a disponibilidade
maior de fundos reduziria as taxas de juros.
No primeiro caso temos aumento dos juros e pressões inflacionárias, na
segunda hipótese ocorre redução dos juros e menor influência sobre os
preços.
Assim, o mecanismo automático de ligação entre moeda e preços é
questionado na análise setorial de Cantillon.
Apenas no fim do século XIX este tipo de análise dos elos microeconômicos
da teoria monetária é retomada.