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FEMINICÍDIO

Art. 121. Matar alguém:


Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
[...]

Homicídio qualificado
§ 2° Se o homicídio é cometido:

Feminicídio (Incluído pela Lei nº 13.104, de


2015)
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo
feminino:
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
“Trata-se de um crime de ódio. O conceito surgiu
na década de 1970 com o fim de reconhecer e dar
visibilidade à discriminação, opressão,
desigualdade e violência sistemática contra as
mulheres, que, em sua forma mais aguda, culmina
na morte. Essa forma de assassinato não constitui
um evento isolado e nem repentino ou inesperado;
ao contrário, faz parte de um processo contínuo
de violências, cujas raízes misóginas caracterizam
o uso de violência extrema. Inclui uma vasta gama
de abusos, desde verbais, físicos e sexuais, como o
estupro, e diversas formas de mutilação e de
barbárie.” Eleonora Menicucci, ministra-chefe da
Secretaria de Políticas para as Mulheres da
Presidência (Pronunciamento oficial)
A expressão femicide (do inglês) foi usada pela primeira
vez em 1976, no Tribunal Internacional de Crimes
contra Mulheres, em Bruxelas, pela socióloga Diana
Russell, significando a morte intencional de mulheres,
por homens, em razão de serem mulheres (motivadas
por razão do gênero). O vocábulo foi proposto como
uma alternativa ao termo neutro homicídio – que
contribuiria para manter invisível a realidade de
desigualdade, opressão e violência sistemática contra a
mulher (ONU MULHERES; SPM; SENASP, 2016, p. 20).
Segundo Russell, a definição de um nome que significa
a “morte de mulheres” é um passo importante na
evidenciação dessa forma de violência, uma vez que
poder nomear um crime provê meios de se
problematizar a questão, o que comumente precede o
enfrentamento do tema (RADFORD; RUSSELL, 1992, p.
XIV).
A partir de uma perspectiva jurídico-penal, femicídio
corresponderia à morte de uma mulher, não
necessariamente relacionada à condição do sexo
feminino (BIANCHINI; GOMES, 2015). Englobaria todas
as mortes evitáveis de mulheres – violentas ou não,
criminais ou não –, e.g., a morte de uma mulher por
bala perdida (violência urbana); como fruto de uma
esterilização forçada; em decorrência de partos e
abortos inseguros (LAURENZO-COPELLO, 2012, p. 125-
126). Assim, um traço do termo femicídio é a ligação
que ele faz entre as diversas formas de violência contra
as mulheres, de sorte que, se uma delas termina em
morte, constitui um femicídio (MELLO, 2016, p. 28).

Uma definição de feminicídio adequada e útil para a


análise jurídico-penal brasileira seria “o assassinato de
mulheres baseado no gênero, incluindo não apenas o
assassinato por parceiros íntimos, mas também a morte
intencional por parceiros não íntimos, que tenha sido
motivado em razão de gênero” (MELLO, 2016, p. 33).
Enquanto o femicídio se caracteriza pelo
simples assassinato de uma mulher (“fêmea”),
desatrelado do contexto político de gênero, o
feminicídio, preconizado pela lei, categoriza o
assassinato de uma mulher com lastro na
estrutura patriarcal de organização social, ou
como afirmado pelo doutrinador Rogério
Sanches Cunha: “(...) pressupõe violência
baseada no gênero, agressões que tenham
como motivação a opressão à mulher. É
imprescindível que a conduta do agente esteja
motivada pelo menosprezo ou discriminação à
condição de mulher da vítima.”
O § 2o-A foi acrescentado para esclarecer quando a morte da
mulher deve ser considerada em razão da condição do sexo
feminino: I - violência doméstica e familiar; II - menosprezo
ou discriminação à condição de mulher.

O esclarecimento, no entanto, além de inútil, causa confusão.


Explico.

Feminicídio, comportamento objeto da Lei em comento,


pressupõe violência baseada no gênero, agressões que tenham
como motivação a opressão à mulher. É imprescindível que a
conduta do agente esteja motivada pelo menosprezo ou
discriminação à condição de mulher da vítima. A previsão deste
(infeliz) parágrafo, além de repisar pressuposto inerente ao
delito, fomenta a confusão entre feminicídio e femicídio. Matar
mulher, na unidade doméstica e familiar (ou em qualquer
ambiente ou relação), sem menosprezo ou discriminação à
condição de mulher é FEMICÍDIO. Se a conduta do agente é
movida pelo menosprezo ou discriminação à condição de mulher,
aí sim temos FEMINICÍDIO.

Rogério Sanches Cunha


conclusão:
Nem todo crime contra uma mulher será considerado
feminicídio – a reflexão e ponderação sobre o tema são
possíveis inclusive para não desvirtuar o sentido da lei.

A ausência de contexto prévio de dominação ou


dependência (econômica, psicológica, emocional) assim
como o fato de inexistir um relacionamento abusivo
entre as partes, sugerem que o fato não seria motivado
por menosprezo ao sexo feminino.

A soberania concedida aos jurados permite que eles


excluam a qualificadora, caso assim o queiram
(com o devido respaldo teórico e jurisprudencial).
Sequestro emocional ou Sequestro da amídala
Sequestro emocional é quando uma emoção muito forte toma conta do
nosso cérebro e determina as nossas ações, bloqueando a nossa
capacidade de raciocínio e ponderação. Isso não é apenas característico
de eventos isolados e tragédias, ocorrendo conosco com mais freqüência do
que podemos imaginar.

A anatomia da amêndoa sequestradora.

Na nossa complexa estrutura cerebral, temos as amígdalas: feixes, em


forma de amêndoa, que se situam acima do tronco cerebral, uma de cada
lado do cérebro. Essas amígdalas junto com o hipocampo são responsáveis
pelo aprendizado e memória do cérebro, sendo elas as especialistas nas
questões emocionais. Sem elas, perdemos a capacidade de significar
emocionalmente os fatos, a chamada cegueira afetiva.
E é exatamente essa pequena amêndoa a responsável pelo sequestro
emocional: a amígdala pode assumir o controle das nossas funções,
enquanto o cérebro pensante, o neocórtex, responsável pela ponderação
mais elaborada, ainda toma uma decisão.
 No passado, nosso centro emocional localizado na região da amígdala, era
responsável direto pela nossa sobrevivência e decisões. É nela que ainda
são gravadas nossas memórias emocionais, como felicidade, tristezas,
através da conexão entre tálamo/amígdala, que nos faz lembrar-se de
determinadas situações carregadas ou não desta memória emocional. Nesta
região do cérebro nascem nossas emoções mais básicas como medo, raiva e
amor.
 O sequestro emocional acontece quando esta região do cérebro, onde a
conexão neuronal entre tálamo/amígdala nos informa sobre um perigo
iminente ou a situação emocional carregada de emoções passadas nos
fazem agir tomando decisões impróprias ou incoerentes com aquele
momento. Ah, aqui então começamos a entender quando uma pessoa tem
um momento que chamamos de “perder a cabeça” e realiza algo
totalmente impensável para os que conhecem seu comportamento.
 Do ponto de vista neurológico o sucesso da inteligência emocional depende
do controle executivo realizado pela região pré-frontal do cérebro sobre a
amígdala. Quando este controle neuronal falha é que acontece o sequestro
de amígdala, que desencadeia um processo em que somos totalmente
controlados pelas nossas emoções.
 As habilidades da inteligência emocional destacados por Goleman, que são
capazes de nos fazer controlar nossas emoções são: Autossuficiência,
Autocontrole (controlar nossos impulsos), Motivação, Empatia (lidar com as
emoções dos outros) e Habilidades Sociais (relacionamento).
 Nossas emoções estão ligadas ao nosso sistema imunológico, por exemplo,
destacando como pessoas mais irritadas, depressivas, aflitas, pessimistas
tem o dobro do risco de adoecer. Então ser inteligente emocionalmente
também é uma questão de saúde.
 O stress é fator que reduz as habilidades da inteligência emocional e
desencadeia, sob determinadas circunstâncias, situações de sequestro
emocional.
“Foi uma tragédia de erros. Matilda Crabtree, 14 anos,
apenas queria dar um susto no pai: saltou de dentro do
armário e gritou “Buu!”, no momento em que os pais
voltavam, à uma da manhã, de uma visita a amigos. Mas
Bobby Crabtree e sua mulher achavam que Matilda estava
em casa de amigas naquela noite. Quando, ao entrar em
casa, ouviu ruídos, Crabtree pegou sua pistola calibre .357 e
foi ao quarto da filha verificar o que estava acontecendo.
Quando ela pulou do armário, ele atirou, atingido-a no
pescoço. Matilda Crabtree morreu 12 horas depois”.
(excerto do livro de Daniel Goleman – Inteligencia
emocional)
Art. 121 - Caso de diminuição de pena
 § 1º Se o agente comete o crime impelido
por motivo de relevante valor social ou
moral, ou sob o domínio de violenta
emoção, logo em seguida a injusta
provocação da vítima, o juiz pode reduzir a
pena de um sexto a um terço.
A qualificadora do feminicídio é subjetiva,
incompatível com o privilégio, ou objetiva,
coexistindo com a forma privilegiada do crime?

É claramente subjetiva, pressupondo motivação


especial, qual seja, o menosprezo ou a
discriminação à condição de mulher.

Em resumo: reconhecendo o Conselho de Sentença a


forma privilegiada do crime, fica afastada,
automaticamente, a tese do feminicídio.
Rogério Sanches Cunha
Promotor de Justiça no Ministério Público do Estado de São Paulo
Promotor de Justiça/SP, Professor da Escola Superior do MP/SP, Professor de
Penal e Processo Penal
Disponível em: https://rogeriosanches2.jusbrasil.com.br/artigos/172946388/lei-
do-feminicidio-breves-comentarios

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