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TIPOS PENAIS QUE PODEM

CONFIGURAR SITUAÇÕES DE
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
PROFª ESP. JENNYFER NASCIMENTO SILVA
BREVE HISTÓRICO DO DIREITO DA MULHER
Direito ao voto, à prática de esportes, a frequentar a escola. Muito se conquistou ao longo da
história, para que as mulheres no nosso país pudessem alcançar e ocupar determinados lugares,
travando até os dias atuais uma luta árdua, longe de terminar, para que fossem reconhecidas
como sujeitos de direitos, como pessoas humanas, dignas.
Breve histórico evolutivo dessas conquistas:
VIOLÊNCIA DE GÊNERO
Inicialmente, é necessário compreender que a concepção de gênero vai além do caráter
unicamente biológico, polarizado em “machos x fêmeas”. O conceito abrange o sentido social,
histórico e cultural da espécie humana, de modo que o gênero não é somente percebido na
diferença entre os sexos, mas também na visão do ser humano e seu respectivo gênero, como
produto da realidade social na qual está inserido. Assim, entende-se que o gênero, observado em
decorrência de determinada construção social, passa a definir de forma primária as relações de
poder.

“não se nasce mulher,


torna-se mulher.”
(Simone de Beauvoir)
IDENTIDADE DE GÊNERO
A identidade de gênero diz respeito, portanto, ao gênero com o qual a pessoa se identifica, e não
depende do sexo, embora o senso comum leve a crer que são sinônimos.
Vejamos a seguinte ilustração:
A IDENTIDADE DE GÊNERO, MAIS QUE UMA
ESCOLHA, É UM DIREITO!
O QUE É VIOLÊNCIA DE GÊNERO?
É natural que a sociedade atribua papéis sociais diferentes aos homens e
mulheres. O problema se inicia quando estes papéis possuem pesos e
importâncias diferentes, causando evidente desequilíbrio, assimetria das
relações sociais, levando à crença de que há uma hierarquia que deve
ser obedecida e, em consequência desse pensamento, justifica-se a
violência de gênero.

A violência contra a mulher surge como consequência da hierarquia


autoritária estruturante da nossa sociedade, que cria condições para que
o homem se sinta (e seja) legitimado a usar da violência para coibir o que
atentar contra esse sistema posto e, de igual modo, nos faz entender
porque mulheres suportam reiterados atos de violências, permanecendo
inertes ou, ainda que se voltem contra tais ações, “perdoem” seus
companheiros.
O QUE É VIOLÊNCIA DE GÊNERO?

É certo que a violência contra a mulher se revela


como uma ofensa à dignidade da pessoa humana,
notadamente por manifestar a relação de poder
historicamente desigual entre mulheres e homens
VÍTIMA X AGRESSOR (A)
No âmbito da proteção à mulher, com fundamento na Lei n.
11.340/2006 - Maria da Penha, o sujeito ativo (autor) na violência contra
a mulher pode ser homem ou mulher. Por seu turno, o sujeito passivo
(vítima) sempre será mulher, não importa se criança, adulta ou idosa,
devendo estar caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou
de afetividade, além da convivência, com ou sem coabitação, havendo
ainda motivação de gênero.

Assim, os tipos penais que serão observados adiante, devem ser lidos
sob a perspectiva do gênero e da LMP, de modo que o tratamento
destinado à vítima e as nuances penais e processuais penais sofrerão
influência deste aspecto, diferenciando-se dos crimes “comuns”.
MULHERES TRANSGÊNERO

Após a vigência da Lei n. 11.340/2006 (Maria da Penha), discutia-se muito no âmbito jurídico,
doutrinário e jurisprudencial, a respeito da aplicação da Lei às mulheres transgênero, isso porque
a lei traz em sua redação a “violência em razão da condição de mulher”, abrindo margem para
questionamentos acerca do conceito de mulher, que evoluiu do critério biológico para o conceito
jurídico.
MULHERES TRANSGÊNERO

Em recentíssima decisão, de 05 de abril de 2022, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu pela
possibilidade de aplicação da Lei Maria da Penha às mulheres transgênero, abordando os
conceitos de sexo, gênero e identidade de gênero, com base na doutrina especializada e na
Recomendação 128 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que adotou protocolo para
julgamentos com perspectiva de gênero.

Portanto, de acordo com o precedente supracitado, é possível a aplicação da Lei Maria da Penha,
nos crimes cometidos no âmbito da violência doméstica cuja vítima seja mulher transgênero.

"Olha só, doutor, saca só que


genial: sabe a minha identidade?
Nada a ver com genital." (Linn da
Quebrada)
VALE DESTACAR TRECHO DO JULGAMENTO:

"Este julgamento versa sobre a vulnerabilidade de uma categoria de seres humanos, que não
pode ser resumida à objetividade de uma ciência exata. As existências e as relações humanas são
complexas, e o direito não se deve alicerçar em discursos rasos, simplistas e reducionistas,
especialmente nestes tempos de naturalização de falas de ódio contra minorias", afirmou o
Relator, Ministro Rogerio Schietti Cruz.
O BRASIL NO MAPA DA VIOLÊNCIA

O nosso país ocupa a 5ª posição no ranking dos países que mais matam mulheres em razão do
gênero. É importante colacionar os dados estatísticos sobre as ocorrências de crimes cometidos
contra a mulher no Brasil, de acordo com o 16º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP,
2022):
CURSO DE

Atendimento às Vítimas
de Violência Doméstica
Indígena
Amarelas 3%
2,3%

CURSO DE

Atendimento às Vítimas
de Violência Doméstica

29%

Negras
66%
EVOLUÇÃO LEGISLATIVA E PRINCIPAIS LEIS DE
PROTEÇÃO À MULHER
Constituição Federal
Art.5º, I, CF – “Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações,
nos termos desta Constituição;”

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado:


§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um
dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no
âmbito de suas relações.

Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha)


Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a
mulher.
EVOLUÇÃO LEGISLATIVA E PRINCIPAIS LEIS DE
PROTEÇÃO À MULHER

Lei n. 14.344/2022 (Lei Henry Borel)

Cria mecanismos para a prevenção e o enfrentamento da violência


doméstica e familiar contra a criança e o adolescente, nos termos do § 8º do
art. 226 e do § 4º do art. 227 da Constituição Federal e das disposições
específicas previstas em tratados, convenções ou acordos internacionais de
que o Brasil seja parte.
1 em cada 3 mulheres disse já ter sofrido agressão física ou sexual
de parceiro ou ex
CURSO DE

Atendimento às Vítimas
de Violência Doméstica

9,8%

12,9% Violência psicológica (ofensas, ameaças, constrangimento);


32,6%
Agressão física;
Estupro;
Isolamento em casa e proibição de se comunicar com
amigos e família;
Proibição de acessar recursos básicos, como ir ao médico,
21,1% e dinheiro.

24,5%
CRIMES EM ESPÉCIE : CONTRA A LIBERDADE
INDIVIDUAL
Ameaça - art. 147 do CPB
Este crime atenta contra a liberdade psíquica da vítima, e pode ser
direta ou indireta. Ex: enviar uma coroa de flores. STJ: prometer fazer
um “despacho” contra a pessoa.

Stalking - art. 147-A (inserido pela Lei n. 14. 132/2021)


Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-
lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade
de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua
esfera de liberdade ou privacidade.

Operam-se mediante ação pública condicionada à representação .


CRIMES EM ESPÉCIE : CONTRA A LIBERDADE
INDIVIDUAL
Violência psicológica - art. 147 -B do CPB (inserido pela Lei n.
14.188/2021)

Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu


pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas
ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,
constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem,
ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio
que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação.
CRIMES EM ESPÉCIE : CONTRA A LIBERDADE
INDIVIDUAL

Sequestro x cárcere privado - art. 148 do CPB

Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere


privado: Pena - reclusão, de um a três anos.

Ambos restringem a liberdade da pessoa, mas o crime de cárcere


privado é mais grave que o crime de sequestro pois a diferença está
na restrição por tempo juridicamente relevante, que é maior naquele.
CRIMES EM ESPÉCIE : CONTRA A LIBERDADE
INDIVIDUAL

Violação de domicílio - art. 150 do CPB x descumprimento de


medida protetiva - art. 24-A da LMP x fase da “Lua de mel”

O dissenso da vítima deve estar provado;


Presença dos elementos da clandestinidade, astúcia ou contrariedade
à vontade da vítima, expressa ou tacita.
“ Smart Home”
CRIMES EM ESPÉCIE : CONTRA A LIBERDADE
INDIVIDUAL

Invasão de dispositivo informático art. 154-A do CPB (Lei Carolina


Dieckman) e Lei n. 14.155/2021

Invadir dispositivo informático de uso alheio, conectado ou não à rede


de computadores, com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou
informações sem autorização expressa ou tácita do usuário do
dispositivo ou de instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita.

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (Redação dada


pela Lei nº 14.155, de 2021)
CRIMES EM ESPÉCIE : CONTRA A LIBERDADE
INDIVIDUAL

Invasão de dispositivo informático art. 154-A do CPB (Lei Carolina


Dieckman) e Lei n. 14.155/2021

O artigo foi alterado em 2021, com o intuito de tornar mais graves os


crimes de violação de dispositivo informático, furto e estelionato
cometidos de forma eletrônica ou pela internet.
Fonte: site Migalhas
A cada segundo, 1 mulher sofre assédio ou importunação sexual
CURSO DE

Atendimento às Vítimas
de Violência Doméstica

11,2%

Cantadas e comentários desrespeitosos na rua;


41%
Cantadas e comentários desreipeitosos no trabalho;
12,8%
Assédio físico no transporte público;

Abordagem agressiva em festa.

18,6%
CRIMES EM ESPÉCIE : CONTRA A DIGNIDADE
SEXUAL (OU COSTUMES?)

Violação sexual mediante fraude e “Stealthing” - Art. 215 CPB


CRIMES EM ESPÉCIE : CONTRA A DIGNIDADE
SEXUAL

Importunação sexual - art 215-A do CPB (Incluído pela Lei nº


13.718/2018)
Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o
objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro.
X
Assédio sexual - art. 216-A do CPB (2001)
Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou
favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição
de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de
emprego, cargo ou função.
CRIMES EM ESPÉCIE : CONTRA A DIGNIDADE
SEXUAL

“Invasão virtual de domicílio” - art 216-B do CPB (Incluído pela Lei


nº 13.772/2018)

Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo


com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e
privado sem autorização dos participantes.
LEI N. 12.650/2012 - LEI JOANA MARANHÃO

Alterou o prazo prescricional para crimes sexuais contra crianças. Entendendo que as
crianças são vulneráveis a tais violências que ainda vêm acompanhadas de chantagens,
ameaças e outras estratégias de silenciamento, hoje, é possível que a vítima faça a
denúncia em até vinte anos, após concluir sua maioridade.
LEI N. 12.650/2012 - LEI JOANA MARANHÃO
ART. 111, INCISO V

V - nos crimes contra a dignidade sexual ou que envolvam violência contra a criança e o
adolescente, previstos neste Código ou em legislação especial, da data em que a vítima
completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal.
(Redação dada pela Lei nº 14.344, de 2022)
LEI N. 12.845/2013 - LEI DO MINUTO SEGUINTE

Dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência


sexual.

Assistam ao vídeo: https://leidominutoseguinte.mpf.mp.br/


LEI N. 12.845/2013 - LEI DO MINUTO SEGUINTE
LEI N. 13.931/2019 - NOTIFICAÇÃO COMPULSÓRIA

Promoveu a alteração da Lei n. 10.778/2003, que estabelece a notificação compulsória, no


território nacional, do caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de
saúde públicos ou privados.

Art. 1, Constituem objeto de notificação compulsória, em todo o território nacional, os


casos em que houver indícios ou confirmação de violência contra a mulher atendida em
serviços de saúde públicos e privados. [...]

§ 4º Os casos em que houver indícios ou confirmação de violência contra a mulher


referidos no caput deste artigo serão obrigatoriamente comunicados à autoridade
policial no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, para as providências cabíveis e para fins
estatísticos.
LEI N. 14.245/ 2021 - LEI MARIANA FERRER

Alterou o Código Penal, Processual Penal e Lei dos Juizados Especiais para coibir a prática
de atos atentatórios à dignidade da vítima e de testemunhas e para estabelecer causa de
aumento de pena no crime de coação no curso do processo.
LEI N. 14.321/ 2022 - VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL

Entrou em vigor em 31/03/2022, tipificou o crime de violência institucional, inserindo o artigo 15-A
na Lei contra o abuso de autoridade (Lei 13.869/19).

Art. 15-A. Submeter a vítima de infração penal ou a testemunha de crimes violentos a


procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, que a leve a reviver, sem estrita
necessidade:

I - a situação de violência; ou
II - outras situações potencialmente geradoras de sofrimento ou estigmatização:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

§ 1º Se o agente público permitir que terceiro intimide a vítima de crimes violentos, gerando
indevida revitimização, aplica-se a pena aumentada de 2/3 (dois terços).§ 2º Se o agente
público intimidar a vítima de crimes violentos, gerando indevida revitimização, aplica-se a
pena em dobro.”
GÊNERO E REVITIMIZAÇÃO
SEGUE A DICA:

LIVRO FILME SÉRIE (NETFLIX)


“Todos ansiamos por amor - todos o
buscamos -, mesmo quando não temos
esperança de que ele possa ser de fato
encontrado.”
(BELL HOOKS)
Profa. Jennyfer Nascimento Silva, Especialista em ciências penais e Direito Processual Penal.
Atua e leciona sobre temas relacionados à violência de gênero, feminicídio, assédio moral,
sexual e discriminação.

Obrigada!

jennyfersilva@tjal.jus.br jennypotelli

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