Você está na página 1de 78

O IDEAL ESTÉTICO NA GRÉCIA ANTIGA

Prof. Jorge Miklos


Setembro/2014
A filosofia sempre teve
dificuldades de lidar com o belo
artístico, pois ele parece
pertencer exclusivamente ao
domínio do gosto individual e é
certo que "gosto não se discute".
Como fazer uma
investigação sobre um
objeto que não se deixa
traduzir na forma de leis
necessárias e gerais?
Estética
O termo foi cunhado por um filósofo
alemão chamado Alexander
Baumgarten (1714-1762) e remete à
expressão grega aisthesis, que quer
dizer "percepção através dos
sentidos e/ou dos sentimentos".
O termo" estética" aponta para
um certo conceito: a crença de
que a capacidade de apreciar a
beleza se dá exclusivamente
pelos órgãos dos sentidos.
Os cinco sentidos
Hans Makart
• “A arte é para sentir e não para
pensar”

Seria possível uma reflexão racional


acerca de experiências sensoriais?
Se tocarmos a superfície da Danaide (1889), de Rodin, no
decepcionaremos ao notar que a figura que parece de carn
quente e cheia de sensualidade, na verdade é de mármore; f
rígida como a morte.
A experiência da arte não coincide
apenas com a mera experiência
sensorial mas exige também a
participação do pensamento.
Sem a interpretação daquele
que vê ou ouve, sem a
construção de sentido por
aquele que percebe, não há
beleza, nem obra de arte.
A experiência do belo na arte envolve
uma mistura entre o senso (tudo que
está relacionado ao pensamento, à
racionalidade e à significação) e o
sensível (tudo que se refere aos
sentidos, aos afetos e aos
sentimentos).
A história da filosofia da arte pode ser
compreendida como a diversidade de
tentativas de decifração desse mistério.
Platão e a
Verdade na Arte
Para Platão, o surgimento da arte
na sociedade está associado a
uma espécie de excesso, a uma
sobra de energia, um
transbordamento dos limites –
um luxo
Dupla ameaça
Epistemológica e Ética
Para Platão, o artista é um
fabricante de imagens fantasmas
que desviam os olhos do cidadão
das verdadeiras ideias, que só
podem ser apreensíveis pelo
pensamento.
a arte estimula as paixões, os
afetos a as emoções, tais como a
alegria, a tristeza ou a raiva, que
deixadas sem controle podem
conduzir em última instância à
guerra e à catástrofe.
Um cidadão livre corre sérios
riscos de se perder no contato
com a arte.
A boa convivência em sociedade
depende uma certa a-pathia (em
grego "ausência de pathos" =
afeto, paixão, sentimento).
Por isso os artistas não são
apenas luxo, mas também lixo
Os artistas devem ser expulsos
da cidade, para que esta possa
continuar a ser uma sociedade
justa e feliz
A depreciação platônica da
arte fundamenta-se na
suposição de que a arte é
sempre imitação em grego:
mimesis.
Para Platão, a obra do artista
não é apenas uma reprodução,
mas algo inferior e inadequado
tanto em relação aos objetos
como às ideias que os
pressupõem.
O pintor só é capaz de reproduzir
superficialmente a materialidade
da cachimbo, somente sua
aparência sensível.
Na cachimbo apresentado pelo
pintor não se pode fumar.
Se a ideia apresenta a essência imutável do
objeto, a reprodução artística nos dá
apenas um exemplo particular, uma
cama individual, congelada em uma
única perspectiva, que assim será sempre
inferior às camas produzidas pelo
marceneiro, nas quais se pode deitar,
além de poderem ser observadas sob
vários ângulos.
Ao contrário do artista, o
carpinteiro tem como
modelo de seu trabalho a
ideia e não a pura
aparência.
A ideia de que arte deve
imitar a realidade
começou a ser
questionada já na
modernidade, embora
ainda tenha seus
defensores mesmo no
século XX.
Quando o pintor francês
Matisse expôs pela
primeira vez o quadro
Retrato de
Madame Matisseno salão
de outono de Parisem
1905, foi duramente
criticado por ter marcado
o rosto da mulher com
uma enorme faixa de
verde brilhante. "Não
existem mulheres
verdes", teriam dito
indignados. Conta-se que
Matisse teria retrucado:
"Isso não é uma mulher,
isso é uma pintura."
Para Platão a arte pouco ou nada
tem a ver com a verdade, mas
apenas com a Ilusão e a
superfície. Nada se aprende da
arte, porque ela não repousa
sobre nenhum conhecimento
efetivo.
Aristóteles e a Poética
Aristóteles defende a ideia de que a mimesis é
natural ao homem: "nós contemplamos com
prazer as imagens mais exatas daquelas
mesmas coisas que olhamos com
repugnância, por exemplo, as representações
de animais ferozes e de cadáveres"(Poética,
1448b).
• Esse prazer com a arte seria similar ao prazer
que o homem também sente quando aprende
algo novo sobre o mundo. Para Aristóteles a
mimesis não é apenas imitação de objetos já
existentes, mas pode ser também imitação de
coisas possíveis, que ainda não têm, mas que
podem ou devem ter realidade.
Nesse sentido a arte não é apenas reprodução,
mas invenção do real. Além disso, a arte pode
ter uma função idealizadora ou caricatural.
Na tragédia, a arte melhora seus modelos,
apresentando-os de forma mais nobre,
heroica ou virtuosa do que costumam ser. Na
comédia, pode piorá-Ios, apresentando-os de
modo mais ignorante, teimoso ou feio do que
o normal (Poética, 1448a).
Vasso Katraki (“O dever de Antígona”)
Antígona
Universalidade e Atualidade da Arte Trágica
• “A história gira em torno de Antígona, cujo irmão
morre em batalha contra sua própria cidade, ao
tentar recuperar o trono, que ele achava lhe ser
de direito. A heroína vê-se confrontada então
com um impasse sem redenção. Ou segue uma
antiga lei da cidade que proíbe, sob pena de
morte, realizar os rituais fúnebres de seu irmão,
considerado um traidor, ou então segue um lei
ainda mais antiga, uma lei da família, que proíbe
abandonar o corpo de uma parente amado ao
relento, sem um enterro digno.
Antígona
Universalidade e Atualidade da Arte Trágica
• O drama de Antígona pode ser repetir em
qualquer época da história, pois os interesses
coletivos nem sempre coincidem com os
interesses individuais. A dimensão trágica da
história de Antígona reside no fato de não se
tratar apenas da descrição de um destino
particular, mas da própria condição humana.
Efeito Purificador
• Finalmente, Aristóteles considera a arte
necessária porque ela provoca um efeito
benéfico denominado "catarse", um termo
oriundo da medicina e que significa
literalmente o processo de purgação dos
elementos perniciosos presentes no corpo.
Efeito Purificador

Através da música, do teatro e da poesia o


espectador é incentivado a sentir fortes
emoções, tais como o medo, a piedade ou o
entusiasmo, sem cair em descontrole ou
desespero. Após a catarse vem o alívio e
sensação de equilíbrio.
Efeito Purificador

As histórias ideais, para fins purificadores, dizem


respeito, portanto, aos infortúnios do
concidadão, do vizinho, do amigo. A catarse
contribui para fortalecer o sentimento de
comunidade na plateia.
Efeito Purificador

A boa convivência entre os habitantes da cidade


ideal não seria nunca obtida com a mera
apathia mas somente através de uma boa
medida entre razão e afetividade.
O riso é um gesto filosófico.

Para Platão, o riso era uma ameaça à


racionalidade
O riso é um gesto filosófico.

Aristóteles, ao contrário, aprovava o riso


como uma forma de purgação dos males
da alma e o reconhecia como uma das
formas de acesso a uma atitude crítica
diante da realidade.
O riso divide opiniões porque é
uma experiência-limite. Durante
o riso não há mais mente e corpo,
pelo menos não no sentido
tradicional enquanto substâncias
separadas.
Rindo, desvela-se o modo como o
homem existe no mundo, um ser
que pensa e sente, sempre e de
cada vez, simultaneamente.
Surge a questão
A arte tem sempre que cumprir uma função
edificante, como parece sugerir Aristóteles?
Da Antiguidade à Idade Moderna, as obras de
arte sempre foram usadas como suporte de
mensagens políticas, religiosas, ideológicas.
A função primordial da arte é servir ao Estado,
às leis ou à educação?
A religião é entorpecente para o povo.
O Partido e Lênin são irmãos gêmeos - quem é mais valioso para a história-mãe?
Nós falamos Lênin, - subentendemos o Partido,
Nós falamos o Partido, subentendemos Lênin.
O conhecimento romperá as
correntes da escravidão
A arte só é verdadeira
quando atende a um fim
que a transcenda?
IDEAL ESTÉTICO NA GRÉCIA ANTIGA.

• De fato, na Grécia antiga a


Beleza Não tinha um
estatuto autônomo:
poderíamos dizer também
que faltavam aos gregos, ao
menos até a era de Péricles,
uma estética propriamente
dita e uma teoria da Beleza.
IDEAL ESTÉTICO NA GRÉCIA ANTIGA.

• “(...) a Beleza é
associada a outros
valores, como a
“medida”! e a
“conveniência” ”
IDEAL ESTÉTICO NA GRÉCIA ANTIGA.

• “A nobre simplicidade e tranqüila


grandeza das estátuas gregas
constituem a verdadeira marca
característica dos escritos gregos dos
melhores tempos, ou seja, dos
escritos da escola de Sócrates; e é
também as qualidades que fazem a
particular grandeza de Rafael,
grandeza que ele alcançou através da
imitação dos antigos. Era preciso uma
alma bela como a sua, em um corpo
belo, para ser o primeiro em tempos
modernos a sentir e descobrir o
verdadeiro caráter dos antigos e, para
sua maior ventura, ainda naquela
idade em que as almas vulgares e
imperfeitas são in sensíveis
à verdadeira grandeza.”
IDEAL ESTÉTICO NA GRÉCIA ANTIGA.

• “O que é belo é
sempre desejável.”
IDEAL ESTÉTICO NA GRÉCIA ANTIGA.

• “O objeto belo é um objeto que, em


virtude de sua forma, deleita os
sentidos, e entre estes em particular
o olhar e a audição. Mas não são
apenas os aspectos perceptíveis
através dos sentidos que exprimem a
Beleza do objeto: no caso do corpo
humano assumem um papel
relevante também as qualidades da
alma e do caráter, que são percebidas
mais com os olhos da mente do que
com aqueles do corpo. Sobre essas
bases podemos falar de uma primeira
compreensão da Beleza que é ligada,
entretanto, às diversas artes que a
exprime na harmonia do cosmo; na
poesia, no encanto que faz os
homens se deliciarem; na escultura,
na apropriada medida e simetria das
partes; na retórica, no ritmo justo.”
IDEAL ESTÉTICO NA GRÉCIA ANTIGA.

• “No período de ascensão de Atenas


como grande potência militar,
econômica e cultural forma-se uma
percepção mais clara do belo
estético. A época de Péricles, que
tem seu ápice nas guerras vitoriosas
contra as persas, é uma era de
desenvolvimento das artes e em
particular da pintura e da escultura.
As razões desse desenvolvimento
podem ser distinguidas
principalmente na exigência de
reconstruir os templos destruídos
pelos persas, na exibição orgulhosa
da potência ateniense, no
favorecimento dos artistas por
Péricles. A essas causas extrínsecas
deve-se acrescentar o peculiar
desenvolvimento técnico das artes
figurativas gregas.”
IDEAL ESTÉTICO NA GRÉCIA ANTIGA.

• “A arte grega, ao
contrário, põe a
visão subjetiva em
primeiro plano.”
IDEAL ESTÉTICO NA GRÉCIA ANTIGA.

• “(...) – a Beleza das


formas orgânicas é
preferida àquela dos
objetos inorgânicos
(...).”
IDEAL ESTÉTICO NA GRÉCIA ANTIGA.

• “Contrariamente ao que
se pensará em seguida, a
escultura grega não
idealiza um corpo
abstrato, mas busca uma
Beleza ideal operando
uma síntese de corpos
vivos, na qual se exprime
a Beleza psicofísica que
harmoniza a alma e o
corpo, ou seja, a Beleza
das formas e a bondade
da alma (...).”
IDEAL ESTÉTICO NA GRÉCIA ANTIGA.

• “Essa Beleza tem sua


melhor expressão nas
formas estáticas, nas
quais um fragmento de
ação ou movimento
encontra equilíbrio e
repouso, e para as quais
a simplicidade expressiva
é mais apropriada que a
riqueza de particulares.”
IDEAL ESTÉTICO NA GRÉCIA ANTIGA.

• “(...) Pelo menos três diversas


categorias estéticas: a Beleza ideal,
que representa a natureza através de
uma montagem das partes, a Beleza
espiritual, que exprime a alma
através do olhar (como acontece nas
esculturas de Praxíteles, cujos olhos o
escultor pintava para torná-los mais
verdadeiros); e a Beleza útil ou
funcional. Mas complexa é a posição
de Platão, da qual nascerão as duas
concepções mais importantes da
Beleza que foram elaboradas no
decorrer dos séculos: a Beleza como
Harmonia e Proporção das partes
(derivada de Pitágoras) e a Beleza
como esplendor, exposta no Fedro,
que influenciará o pensamento
neoplatônico.”
IDEAL ESTÉTICO NA GRÉCIA ANTIGA.

• “Para Platão, a Beleza tem uma existência


autônoma, distinta do suporte físico que
acidentalmente a exprime; ela não está,
portanto, vinculado a este ou àquele objeto
físico, mas resplandece em toda parte. A
Beleza não corresponde àquilo que se vê
(célebre era, de fato, a feiúra exterior de
Sócrates que, no entanto, resplandecia de
Beleza interior). Como o corpo é para Platão
uma caverna escura que aprisiona a lama, a
visão sensível deve ser superada pela visão
intelectual, que exige o aprendizado da arte
dialética, ou seja, da filosofia. Nem a todos,
portanto, é dado perceber a verdadeira
Beleza. Em compensação, a arte
propriamente dita é uma falsa cópia da
autêntica Beleza e como tal é deseducativa
para os jovens: melhor, portanto, bani-la das
escolas e substituí-la pela Beleza das formas
geométricas, baseadas na proporção e em
uma concepção matemática do universo.”
IDEAL ESTÉTICO NA GRÉCIA ANTIGA.

• “Segundo a mitologia, Zeus teria


designado uma medida apropriada e
um justo limite para cada ser: o
governo do mundo coincide assim
com uma harmonia precisa e
mensurável, expressa nos quatro
motes escritos nas paredes do
templo de Delfos: “O mais justo é o
mais belo”, “Observa o limite”, “Odeia
a hybris “arrogância)”, “Nada em
excesso”. “Sobre estas regras se
funda o senso comum grego da
Beleza, em acordo com uma visão do
mundo que interpreta a ordem e a
harmonia como aquilo que impõe um
limite ao “bocejante Caos”, cuja goela
saiu, segunda Hesíodo, o mundo.”
IDEAL ESTÉTICO NA GRÉCIA ANTIGA.

• “(...) é somente às
formas visíveis que se
aplica a definição de
belo (Kalón) como
“aquilo que agrada e
atrai”.”
Referências
• ECO, Umberto. História da Beleza. São Paulo:
Cia das Letras, 2007.
• FEITOSA, Charles. Explicando a Filosofia com
Arte. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
• GOMBRICH, Ernest H. História da Arte. São
Paulo LTC, 2000.

Você também pode gostar