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HUMBURGER, Esther.

Diluindo Fronteiras: a televisão e as


novelas no cotidiano. In: SCHWARCZ, Lilia (Org) História da
vida privada no Brasil. São Paulo:Companhia das Letras,
1998, v. 4, p. 440-487.
• Humburger divide o texto em três partes: a) A
consolidação de uma indústria televisiva de proporções
nacionais; b) Das remotas Dunas de Agadir à
contemporânea selva carioca; c)A mulher novidadeira.

• A autora inicia a discussão do tema afirmando que a


televisão no Brasil está inscrita na paisagem urbana e rural
> está presente nas casas de todos os segmentos sociais
da sociedade brasileira e nos meios de comunicação em
geral > em que pese as desigualdades do país.
• A penetração da TV na sociedade brasileira > deve-se a
sua capacidade de captar e atualizar representações de
uma comunidade nacional imaginária.
TV – Forma Identidades
• A televisão difunde informações a todos os
segmentos sociais > sem distinção. Torna
acessível repertórios, muitas vezes
disponibilizados por instituições formais, com
funções socializadoras, como: os partidos,
políticos, Igrejas, escola e a família.
• “A televisão > dissemina a propaganda e orienta
o consumo que inspira a formação de identidades.
Nesse sentido, a televisão, e a telenovela em
particular > é emblemática do surgimento de um
novo espaço público > antes privilégio dos
intelectuais, políticos e governantes titulares dos
postos de comando nas diversas instituições
estatais” (p. 442).
• Esse novo espaço público > surge sob a égide da
vida privada.
Espaço público > emerge sob a égide
da vida privada
• Não por coincidência, o programa de maior
popularidade e lucratividade da televisão
brasileira > é a telenovela > folhetim que na sua
origem estava voltado à mulher dona-de-casa >
patrocínio de produtos de limpeza e higiene
pessoal (EUA ). Com essas características
difundiu-se para outros lugares.
• As novelas mantêm-se fieis à estrutura básica
dos melodramas > com narrativa calcada nas
aventuras e desventuras amorosas de seus
personagens, movidos por oposições binárias
como bem e mal, lealdade e traição, honestidade
e desonestidade.
Novelas > tramas situadas no eixo
Sudeste ( Rio de Janeiro/São Paulo)
• Situam suas tramas em um Brasil contemporâneo
> construído de acordo com certas convenções de
representações geradas no eixo Rio São Paulo.
• As novelas difundem por todo o país > o que os
emissores imaginam como o universo
glamouroso das classes médias urbanas, > com
suas inquietações subjetivas, ânsias de
modernidade, sua identidade construída em torno
de uma atualidade sempre renovada e exibida por
meio do consumo dos últimos lançamentos
eletrônicos, de decoração e vestuário. Nesse
mundo da ficção > desigualdade social se resolve
> pela ascensão social > via casamento (p.443).
Novelas > estabelecem padrões de
referência comportamentais
• Humburger insiste que a novela lança certa
noção do que é ser contemporâneo > expressa na
moda, na gíria, na música e em muitos outros
artefatos apresentados e consumidos pelos
personagens. A novela estabelece padrões e
modelos de homem e mulher, de namoro e
casamento, de organização familiar > e divulga
para todo o território nacional as angústias
privadas da classe média urbana do Rio de
Janeiro e São Paulo.
• A novela dá visibilidade a certos assuntos,
comportamentos, produtos e a não outros > define
certa pauta que regula a interseção entre a vida
pública e a vida privada (p.443).
Novela > um negócio lucrativo
• A partir do início da década de 70 >As novelas
produzidas pela Globo >eram altamente lucrativas.
Manteve-se por 20 anos. A Globo > altos lucros e
audiência ampla, atingindo público diversificado
de homens e mulheres.
• Nos anos 90 > diversificação do mercado com a
introdução da TV a Cabo, a difusão do aparelho de
vídeo e a concorrência entre as emissoras de sinal
aberto > queda dos índices de audiência das
novelas das 7 e das 8 da Rede Globo. Essas
alterações promovem novos reajustes > emergem
novas representações que questionam as
representações modernizantes anteriores.
A consolidação de uma indústria televisiva
de proporções nacionais
• Em 1950- Inaugurada em São Paulo a TV Tupi > 1ª
emissora de televisão do Brasil (grupo Assis
Chateaubriand). A Tupi logo expande seu raio de ação
criando as Emissoras Associadas.Em 1955 > a rede já
possuía afiliadas no Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba,
Salvador, Campinas Grande, Fortaleza, São Luis, Belém,
Goiânia e Belo Horizonte. Nos primeiros vinte anos a rede
do grupo de Chateaubriand liderou o mercado de televisão,
em que pese a concorrência dos outros grupos
emergentes.
• Em 1952 > surge a TV Paulista;
• Em 1953 foi criada a TV Record;
• Em 1955 > a TV Rio;
• Em 1956 a TV Itacolomi de Belo Horizonte;
• Em 1958 > a TV Cultura de São Paulo (também pertencente
às Associadas).
Os anos 70 > consolidação da indústria de
comunicação eletrônica
• Afirma Humburger > que somente nos anos 70 > a
indústria de comunicação eletrônica se consolida,
embora ainda esteja muito concentrada no eixo
Rio - São Paulo > alcança destaque no cotidiano
dos brasileiros, e interesse dos estudiosos, no
Brasil e exterior.
• Em 1998 > O Brasil ocupava o 4º lugar em
números de aparelhos televisivos. Também é
citada pela baixa percentagem de programas
estrangeiros em sua programação (23%, enquanto
EUA chegava a 19%). O seriado não teve sucesso
no Brasil(nem mesmo Dallas) e a rede Globo
passou a exportar novelas para países em todos
os continentes,a começar por Portugal, em 1975.
Competição entre as emissoras >
investimento tecnológico
• Os primeiros vinte anos foram dominados pela Tupi, já os
vinte seguintes passaram a ter o comando da Globo.
• As diferenças começam a aparecer no logotipo das
emissoras.
• A TV Tupi > logotipo > Um índio (desenhado à mão, por
Mário Foracchi) feições ocidentais e as antenas no cocar.
• A Globo > vinheta high-tech metálica ( feito por Hans
Donner) > antenada com a modernidade.
• Ambos os logotipos > expressam a disposição de estarem
antenados com a modernidade. O índio o faz chamando a
atenção para a peculiaridade local. O plim-plim sugere a
inclinação a dominar as regras da globalização (p. 448).
A implantação
• Com uma audiência estimada em 98,7 milhões de
telespectadores, em 1991 a TV atingiu 71% dos domicílios
brasileiros > emitindo sinais para 99% do território
nacional, inclusive para regiões que na época não tinham
acesso à luz elétrica.
• Em 1960 >dez anos após a inauguração da primeira
emissora > apenas 4, 61% dos domicílios brasileiros tinha
um televisor. A região Sudeste liderava > 12,44% de
domicílios com TV, percentagem que nas outras regiões
não passavam de 1%.
• Em 1970 > 24,11% dos domicílios brasileiros contavam
com ao menos um aparelho de TV. Esses domicílios
concentravam-se no litoral e nas regiões Sul e Sudeste .
Nas outras regiões > salto qualificativo só ocorreu durante
a década de 80 quando a Embratel permitiu que as redes
emitissem sinais abertos capazes de ser captados do
satélite por antenas parabólicas situadas em qualquer
lugar do território nacional.
A implantação e a presença do Estado
nesse processo
• Durante essa fase de implantação > o Estado
através de vários governos influiu diretamente
nessa expansão.
• Nas décadas de 50 e 60 > o poder público
contribuiu com a expansão da televisão >
mediante empréstimos CONCEDIDOS POR
BANCOS PÚBLICOS a emissoras privadas;
• Durante a ditadura militar >os investimentos foram
na infra-estrutura e nos anúncios publicitários.
• Até os anos 60 > havia pouca regulamentação dos
meios de tele-comunicações.
Regulamentação da TV
• Durante o governo JQ > foi criado o CNT –
Conselho Nacional de Tele-comunicações > que
regulou:
• Definição da duração dos comerciais;
• Dublagem dos programas estrangeiros;
• Exigência de as estações de televisão > de
exibição de um número mínimo diário de filmes
nacionais;
• Após 1964 > durante a ditadura militar, a
ingerência do Estado na indústria de televisão
aumenta e muda de qualidade. As tele-
comunicações foram consideradas estratégicas
na política de desenvolvimento e integração
nacional do regime (p. 454).
O Estado e a Infra-estrutura
• Os militares investiram na infra-estrutura necessária à
ampliação da abrangência da televisão e aumentaram seu
poder de ingerência na programação por meio de novas
regulamentações, forte censura e políticas culturais
normativas. Em 1968 > foi inaugurado um sistema de
transmissão de microondas > que estendeu o tráfego de
ondas de televisão via terrestre para além dos estreitos
limites anteriores. Posteriormente > o governo passou a
financiar a comunicação via satélite > nucleada na estação
de Itaboraí. Em 1974 > novas estações para comunicação
via satélite > possibilitaram que os sinais atingissem as
capitais da região norte (e centro-oeste), como Manaus e
Cuiabá.Em 1981 > acordo da Embratel com as TVs
Bandeirante e Globo > permitiu as emissoras emitirem
sinal aberto para todas as regiões do país,captados a
partir de antenas parabólicas. A comunicação, via satélite,
foi incrementada em 1985/1986> com o lançamento dos
satélites brasileiros 1 e 2.
O estado e a infra-estrutura
• A rede Globo > maior beneficiária dessas políticas de
expansão da televisão. Isso deveu-se a combinação de
vários fatores

• relações amistosas com o regime;


• sintonia com o incremento do mercado de consumo;
• uma equipe de produção e administração preocupada em
otimizar o marketing e a propaganda;
• um grupo de criadores de esquerda vindo do cinema e do
teatro;

• Esse processo coincide com as transformações da


sociedade brasileira.
Transformações da sociedade brasileira >
ressonância em outras esferas
• Essas transformações, em diversos níveis, foram
o processo migratório do campo para cidade;
• industrialização e proletarização do trabalho no
campo;
• desenvolvimento de um amplo mercado de
consumo;
• redefinição da família (diminuição do número de
filhos) são captadas pela televisão, notadamente
pelas telenovelas > são capazes de captar,
alimentar e re-elaborar reiteradamente as
ambigüidades provocadas por tais mudanças > e
expressar os dramas privados em termos
públicos e os dramas públicos em termos
privados (p. 458).
Anos 90 > Redefinição do papel da TV
• Na década de 90 > novamente as relações entre
Estado e TV modificam-se > retraimento dos
investimentos públicos; a censura é suspensa; o
mercado de televisão se segmenta com a
introdução da Tv a cabo; há maior competição
entre as redes de TV abertas > isso leva as
emissoras a uma maior independência em relação
aos partidos e ao governo.
• Para a autora > os meios de comunicação e a TV
> passam constituir a esfera pública > cuja
legitimidade está calcada em mecanismos de
mercado regidos por comportamentos de
telespectadores > medidos pelos institutos de
pesquisa de opinião (p.459).
As telenovelas > final dos anos 60
• As novelas surgem na televisão no final dos anos 60 pela
Rede Globo > patrocínio dos sabonetes Gessy Lever e
Colgate > usando a experiência das radionovelas > ênfase
em dimensões fantasiosas e românticas, presa a
ambientes, lugares e épocas remotas >característica dos
textos de Gloria Magadan que passou a integrar o elenco
dos escritores da Rede Globo. Ex. O Sheik de Agadir e O
Direito de Nascer, textos de expressivo sucesso.
• De 1950 1963 > elas eram transmitadas algumas vezes por
semana > estigmatizadas pelos profissionais de televisão
que preferiam os teledramas. Somente com a introdução
do videoteipe em 1962 > elas puderam ser produzidas
diariamente.
A consolidação do gênero > mudança de
linguagem
• A consolidação das novelas como gênero mais
popular > está vinculada a mudança de linguagem
e também de seu conteúdo > deslocamento das
novelas “fantasiosas” para as “realistas”. Em
1969 > o romantismo, a ambientação e a
linguagem anterior > foram substituídas por
cenários contemporâneos e brasileiros, com
gravações externas, linguagem coloquial >
permitiram agregar novo potencial comercial ao
gênero > incorporação de novos produtos como >
de trilhas sonoras a livros, passando para
diversos produtos anunciados nos intervalos
comerciais, mas também na merchandising,
prática em vigor desde meados da 1970.
Tramas das novelas > oposições
• As tramas das novelas são movidas por
oposições entre homens e mulheres; entre
gerações; entre classes sociais; entre localidades
rurais e urbanas, “arcaicas” e “modernas”>
representadas pelas características intrínsecas da
sociedade brasileira.
• Em fins das décadas de 60 e início de 70 > A
Globo consolidou mecanismos de produção e
convenções de linguagem >inclui a participação
do telespectadores no momento mesmo da
produção > novelas são obras abertas > tornam-se
importantes espaços de problematizações do
Brasil, das intimidades privadas às públicas.
Captam padrões legítimos e ilegítimos de
comportamento.
Fusão do domínio público e privados
• As novelas >promovem a fusão do domínio público e do
privado > permitem sintetizar problemáticas amplas em
figuras e tramas pessoais > sugere que dramas pessoais
podem ter significados amplos.
• A trajetória das personagens femininas, assim como a das
representações do amor e da sensualidade > expressam
de maneira sugestiva essa capacidade de aglutinar
experiências públicas e privadas que caracteriza as
novelas (p.470).
• Nos anos 70 > as representações dos tipos ideais de
mulher, de relações amorosas e de estrutura familiar
modificaram-se. Os cenários de quartos de casais, gestos
de que simbolizam o orgasmo, a nudez , o sexo antes do
casamento são os novos elementos em cena.
As novelas > dissociam sexo e procriação
• Inicialmente o ato sexual > significava gravidez
imediata > e casamento certo. Com o tempo , o
ato sexual mudou de significado, deixando de
implicar tanto gravidez quanto casamento. Essa
trajetória de liberalização das representações,
inicialmente tímidas e contidas do papel da
mulher, do amor e da sexualidade > não ocorre de
maneira linear.
• A autora insiste que a novela é responsável pela
emergência de um espaço público peculiar que
nos anos 90 se diversificou e se apresenta como
alternativa principal de realização pessoal,
inclusão social e poder.
Novela > representação de uma
sociedade brasileira “ideal”
• A novela representa o cotidiano de uma sociedade
mais rica e mais branca que a brasileira > mas
essa sociedade “ideal” > reconhecida como a
sociedade brasileira. Poucos se orgulham mas ela
perpassa todos os segmentos sociais. Os
segmentos populares ao assistirem as novelas
imaginam que estão adentrando o universo das
elites. Os abastados quando o fazem, alegam estar
assistindo os programas prediletos das classes
populares. A novela que é vista por muitos > é um
programa de todos e de ninguém.
Simulacro do real
• Em algumas situações > a novela galvaniza
o país. Nessas situações > a novela atualiza
seu potencial de sintetizar uma comunidade
nacional imaginária mais branca e mais
permeável à ascensão social que a
sociedade real > embora tal representação
tenha sido construída sob o signo da
superação do atraso.
• A partir da década de 90 > essa matriz
modernizante de representação da realidade
> revela-se incapaz de sintetizar versões
verossímeis da realidade nacional.
Simulacro do real
• Mesmo assim > o mundo do espetáculo continua
visto como uma porta aberta para o mundo “real”
> aquele que propicia visibilidade pública. Nessa
sociedade do espetáculo > o desejo de inclusão
via espetáculo > permanece, mas a exibição em si,
reinstaura as diferenças.
• Diz a autora:“E, perversamente, os populares
programas sensacionalistas reinscrevem as
marcas da discriminação, confirmando as
representações que associam a pobreza ao
sensacionalismo, à violência e à barbárie” (p. 486).

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