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O trabalho do

psicólogo no CAPS
Luisa Motta Corrêa
(psicóloga do CAPSi Mauricio de Sousa e doutoranda em
Saúde Coletiva - IMS/UERJ)
Breve histórico da Reforma
Psiquiátrica
• A Reforma Psiquiátrica é um “processo social complexo” (AMARANTE, 2003), que foi
deflagrado pela crítica à instituição asilar e a subsequente criação de estratégias para transformar
este modelo.

• Conjuntura do pós-guerra: necessidade de reconstruir a política e economia de países devastados


 não era mais possível admitir o tratamento deteriorante dos doentes mentais nos manicômios.
As condições presentes nestas instituições apenas contribuíam para a cronificação da doença e o
isolamento do doente, indo na contramão do intuito de recuperá-lo para o mercado de trabalho.

COMUNIDADES TERAPÊUTICAS

12/03/2021
• EUA  psiquiatria preventiva e comunitária > desinstitucionalização como
desospitalização > redução do número de leitos e tempo médio de permanência
hospitalar e implantação de uma rede assistencial de cunho preventivo/promocional
para interferir no surgimento ou desenvolvimento das doenças (AMARANTE, 1996) -
reforma de cunho mais administrativo, com o objetivo de reduzir os custos do
governo.

• Embora as CT e a psiquiatria preventiva e comunitária tenham reestruturado a


dinâmica e organização do tratamento, mudando a forma de aplicar a psiquiatria, elas
não conseguiram modificar as bases sobre as quais se fundamenta a instituição
psiquiátrica. O arcabouço teórico que dá respaldo a este sistema, definindo a doença
mental e a cura a partir de padrões sociais preestabelecidos, não foi revisto.

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Experiência italiana: um novo olhar sobre a
desinstitucionalização

“O que efetivamente demarca uma real distinção entre os projetos de reforma


[...] é a forma do lidar prático e teórico da desinstitucionalização, conceito este
que sofre metamorfose substancial e que abre novas possibilidades para o
campo da reforma psiquiátrica” (AMARANTE 1996, p. 15).

Para entender o significado da desinstitucionalização na reforma italiana e o


diferencial trazido por esta concepção, se faz necessário analisar como a própria
ideia de instituição é entendida pelos teóricos italianos.

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Instituição (Rotelli; 1994): conjunto que liga os saberes, as administrações, as leis, os
regulamentos, os recursos materiais, que estruturam a relação médico-paciente; e,
em uma visão objetivante, naturalística, o médico faz-de-conta que não vê o que está
implicado nesta rede institucional (p.151).

Para os teóricos italianos, a questão não é apenas o hospital psiquiátrico enquanto


estabelecimento, mas a ideologia que nele opera, tomando o sofrimento mental
como doença a ser curada e risco a ser controlado.

Manicômio  “representação das instâncias de autoridade e de ordem: espaço


hipersignificante em condições de materializar a ideologia dominante” (VENTURINI,
2016, p. 111).

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Basaglia (1985):

• “as conseqüências da doença variam segundo o tipo de abordagem dado em relação a


ela” (p. 106)  muitas vezes, os níveis de deterioração, apatia e desinteresse do paciente
são fruto do grau de institucionalização ao qual está submetido. Ao ser despojado de sua
identidade pessoal pela estrutura asilar, lhe resta incorporar a imagem de si que a
instituição lhe impõe, passando a abdicar de seus desejos e viver como objeto.

• “dentro de uma instituição psiquiátrica existe uma razão psicopatológica para cada
acontecimento e uma explicação científica para cada ato” (p. 122).

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Se a doença mental ganha forma e expressão a partir da ótica que a instituição produz sobre ela,
transformando-a em problema a ser solucionado, torna-se necessário desconstruir esta lógica, desmontando “a
solução institucional existente para desmontar (e remontar) o problema” (ROTELLI, LEONARDIS, MAURI, 2001,
p. 29). Para isso, era preciso inverter a operação da psiquiatria, colocando não o doente, mas a doença entre
parênteses, de modo a dar voz aos sofrimentos e desejos do sujeito concreto na sua relação com a sociedade
(GIOVANELLA e AMARANTE, 1994).

•Década de 70 – Trieste: desmontagem do manicômio e criação de serviços terapêuticos territoriais. Rede de dispositivos
– centros territoriais, moradias e serviço de psiquiatria dentro do hospital geral com no máximo 15 leitos.
Objetivo  “reprodução social das pessoas” (ROTELLI, 2001, p. 91) e não mais a cura  a ação terapêutica deve se
voltar para os lugares da cidade que o sujeito percorre e habita – seu território- tomando como foco a relação e não o
indivíduo isoladamente.
•Tanto na “revolução” de Trieste, quanto na de outras cidades italianas, como Ímola, buscou-se tornar os usuários
protagonistas das escolhas, pois “o verdadeiro indicador da desinstitucionalização – o selo DOC, o rótulo azul – é a
presença ativa dos [mesmos]” (VENTURINI, 2016, p. 93)  revolve o mandato implícito da psiquiatria, que é, sempre e
de todas as maneiras, o de tornar passivos e controláveis seus usuários (Ibidem, p. 113).
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A reforma psiquiátrica brasileira
Fortes influências da reforma italiana  desinstitucionalização como desconstrução de um paradigma.
 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS )  principal dispositivo.
Marcos históricos:
1987 – CAPS Luiz da Rocha Cerqueira.
Entre 1989 e 1996 - intervenção na Casa de Saúde Anchieta (Santos)  planejamento de 5 Núcleos de
Atenção Psicossocial (NAPS).
Décadas de 90 e 2000  expansão da rede de CAPS.
Residências Terapêuticas.
Centros de Convivência.
2001 – aprovação da Lei 10.2016 (lei da Reforma Psiquiátrica)  mutação do panorama assistencial (com a
abertura e expansão da rede de base comunitária), gradual redução no número de leitos em hospitais
psiquiátricos, deslocamento da aplicação dos recursos financeiros (que migraram da rede hospitalar para os
serviços comunitários) e estabelecimento de uma base de garantia de direitos aos usuários em
questão”(Fiocruz e Fundação Calouste Gulbenkian, 2015, p. 15).
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Principais atividades do CAPS:
• Visitas domiciliares

• Visitas hospitalares

• Oficinas terapêuticas

• Convivência

• Passeios

• Atendimentos a usuários e familiares, individuais ou em grupo

• Assembléias

• Reuniões de equipe

• Trabalho em rede; supervisões de território.


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Clínica e cotidiano: o CAPS como dispositivo de desinstitucionalização
2007
EROTILDES MARIA LEAL e PEDRO GABRIEL GODINHO DELGADO

• CAPS = Dispositivo estratégico da atual política pública de assistência à saúde mental,


que tem como desafio central a desinstitucionalização. Deve ser entendido também e
principalmente como um modo de operar o cuidado e não como um mero
estabelecimento de saúde. MODO “CAPS” DE OPERAR O CUIDADO.

• Uma das tarefas primordiais dos CAPS: agenciar a saída de pessoas que vivem em
hospitais psiquiátricos para a comunidade.

• Para se tornar instrumento eficaz da desinstitucionalização, a estratégia “CAPS” de


cuidado precisa se sustentar sobre o seguinte tripé:
• a rede, a clínica e o cotidiano do serviço.
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CLÍNICA  cuidado que é fruto da relação do serviço com a comunidade e com o
sofrimento psíquico apresentado pelo paciente. É da relação que se estabelece
entre o sofrimento psíquico apresentado pelo paciente, o serviço e a comunidade,
que se produz a intervenção.

Território: campo de abrangência do serviço, lugar de vida e relações sociais do


usuário, lugar de recursos onde, em geral, o usuário tem baixo ou nenhum poder
de troca. As ações de cuidado passam a acontecer onde o sujeito vive. Entre
indivíduo e sociedade, há uma relação de imanência e não de oposição.

COTIDIANO  “mundo de vida”, lugar de existência de todos nós, feito de


heterogeneidade de atividades, espaços e movimentos modulados pela
especificidade dos interesses de seus protagonistas.

REDE  ligação, articulação viva entre as instituições, processo no qual ao longo


do tempo se produzem encontros e se operam separações, mas principalmente
se dá movimento. Isso significaria a possibilidade de rearticulação de encontros
permanentes entre os vários atores em cena.

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Referências bibliográficas:
•AMARANTE, P. O homem e a serpente: outras histórias para a loucura e a psiquiatria. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1996.

•___________ A (clínica) e a reforma psiquiátrica. In: ______. (Org.). Archivos de saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2003.

p.45-66.  
•BASAGLIA, F. A instituição negada: relato de um hospital psiquiátrico. Tradução de Heloisa Jahn. Rio de Janeiro: Graal, 1985.

•Fiocruz. Fundação Calouste Gulbenkian. Inovações e Desafios em Desinstitucionalização e Atenção Comunitária no Brasil. Seminário Internacional de Saúde

Mental: Documento Técnico Final. Fiocruz. Fundação Calouste Gulbenkian. Organização Mundial de Saúde. Ministério da Saúde – 2015, 90 p. (mais anexo,

4p.).
•GIOVANELLA, L.; AMARANTE, P. O enfoque estratégico do planejamento em saúde e saúde mental. In: Amarante, P. (org.) Psiquiatria Social e Reforma

Psiquiátrica, Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1994, p. 113-148.


•LEAL, E.; DELGADO, P.G.G. Clínica e cotidiano: o CAPS como dispositivo de desinstitucionalização. In: Pinheiro, R. et al. (Orgs.). Desinstitucionalização

na saúde mental: contribuições para estudos avaliativos. Rio de Janeiro: Cepesc; IMS/LAPPIS; Abrasco, 2007, p. 137-54.
•ROTELLI, F. Superando o manicômio: o circuito psiquiátrico de Trieste. In: Amarante, P. (org.) Psiquiatria Social e Reforma Psiquiátrica, Rio de Janeiro:

FIOCRUZ, 1994, p. 149-170.


•ROTELLI, F.; LEONARDIS, O.; MAURI, D. Desinstitucioalização, uma outra via. In: Nicácio, M.F. (org.). Desinstitucionalização. São Paulo: HUCITEC,

2001, 2ª edição, p. 17-59.


•VENTURINI, E. A linha curva: o espaço e o tempo da desinstitucionalização. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2016 .

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