Há algum tempo, um famoso cantor americano (Michael
Jackson) foi acusado de assediar sexualmente menores de idade. Ao noticiar o fato, muitas emissoras de televisão falavam das "denúncias de abuso sexual contra Michael Jackson". Você percebe o que ocorre nessa construção? A frase é, no mínimo, ambígua. De réu, Jackson pode passar a vítima. Colocada depois de dois nomes (denúncias e abuso), a preposição contra pode relacionar-se a qualquer dos dois termos. Na verdade, por estar mais próxima de abuso, é a esse termo que a preposição parece ligar-se. Isso faz Jackson passar a ser vítima do abuso. Para que a frase fosse clara e fiel ao sentido pretendido, seria necessário aproximar a preposição contra do termo que efetivamente a rege denúncia. Surgiria a construção "as denúncias contra Michael Jackson de abuso sexual". Outra solução seria "as denúncias de abuso sexual feitas contra Michael Jackson". O termo regente da preposição contra passaria a ser feitas. É disso que se ocupa a REGÊNCIA, ou seja, como estabelecer relações entre palavras, para criar frases que não sejam ambíguas, que expressem efetivamente o sentido desejado, que sejam corretas e claras. REGÊNCIA VERBAL
Ocupa-se do estudo da relação que se estabelece entre os verbos
e os termos que os complementam (objetos diretos e objetos indiretos) ou caracterizam (adjuntos adverbiais). Você sabe que o verbo gostar rege a preposição de (gostar de alguém ou de algo), que o verbo concordar rege com (concordar com alguém ou com algo), que o verbo confiar rege em (confiar em alguém ou em algo). E o verbo ir? No dia-a-dia, no Brasil, é muito comum ir em algum lugar" ("Fui no cinema", "Fui na praia"). Porém, o verbo ir rege as preposições a e para: "Fui ao cinema"; "Ele foi para a Grécia". Outro aspecto que deve ser considerado é a mudança de significado que pode resultar das diferentes relações que se estabelecem entre um mesmo verbo e seus complementos: "agradar alguém" é diferente de "agradar a alguém". No primeiro caso ("A mãe agrada o filho"), agradar significa "acariciar", "contentar". No segundo ("A mãe agrada ao filho"), significa "causar agrado ou prazer", "satisfazer". Para estudar a regência verbal, os verbos serão agrupados de acordo com sua transitividade. Lembre-se de que a transitividade não é um fato absoluto: um mesmo verbo pode atuar de diferentes formas em diferentes frases. VERBOS INTRANSITIVOS
Os verbos intransitivos não possuem complementos. É
importante, no entanto, destacar alguns detalhes relativos aos adjuntos adverbiais que costumam acompanhá-los. Chegar e ir são normalmente acompanhados de adjuntos adverbais de lugar. As preposições usadas para indicar direção ou destino são a e para. Cheguei a Roma num domingo de Carnaval. Fomos a Siena. Ele deve chegar a Brasília no próximo sábado. RonaIdo foi para a Espanha. VERBOS TRANSITIVOS DIRETOS
Os verbos transitivos diretos são complementados por objetos
diretos. Isso significa que não exigem preposição para o estabelecimento da relação de regência.
Os pronomes pessoais do caso oblíquo da terceira pessoa que
atuam como objetos diretos são o, os, a, as. Esses pronomes podem assumir as formas lo, los, la, las (após formas verbais terminadas em -r, -s ou -z) ou no, nos, na, nas (após formas verbais terminadas em sons nasais). Não se devem usar como complemento desses verbos os pronomes lhe, lhes. São transitivos diretos, entre outros: abandonar alegrar conservar prejudicar abençoar ameaçar convidar prezar aborrecer amolar defender proteger abraçar amparar eleger respeitar acompanhar auxiliar estimar socorrer acusar castigar humilhar suportar admirar condenar namorar ver adorar conhecer ouvir visitar Esses verbos funcionam exatamente como o verbo amar: Amo aquele rapaz. /Amo-o. Amo aquela moça. /Amo-a. Amam aquele rapaz. /Amam-no. Ele deve amar aquela mulher. /Ele deve amá-la. Os pronomes lhe, lhes só acompanham esses verbos para indicar posse (caso em que atuam como adjuntos adnominais): Quero beijar-lhe o rosto. (= beijar seu rosto) Prejudicaram-lhe a carreira. (= prejudicaram sua carreira) VERBOS TRANSITIVOS INDIRETOS
Os verbos transitivos indiretos são complementados por objetos
indiretos. Isso significa que esses verbos exigem uma preposição para o estabelecimento da relação de regência. Os pronomes pessoais do caso oblíquo de terceira pessoa que podem atuar como objetos indiretos são lhe, lhes, para substituir pessoas. Não se devem usar os pronomes o, os, a, as como complementos de verbos transitivos indiretos. Com os objetos indiretos que não representam pessoas, usam-se os pronomes oblíquos tônicos de terceira pessoa (ele, ela) em lugar dos pronomes átonos lhe, lhes. Lembre-se de que os verbos transitivos indiretos não admitem voz passiva - as poucas exceções serão apontadas a seguir. São verbos transitivos indiretos, entre outros: antipatizar e simpatizar, que têm complemento introduzido pela preposição com: Antipatizo com aquela apresentadora. Simpatizo com os que condenam os políticos que governam para uma minoria privilegiada. Esses verbos não são pronominais. Não se deve dizer, portanto, "antipatizei-me com ela" ou "simpatizei-me com ela". Consistir, que tem complemento introduzido pela preposição em: A modernidade verdadeira consiste em direitos iguais para todos. Obedecer e desobedecer, que têm complemento introduzido pela preposição a: Obedeço ao código de trânsito. Os brasileiros desobedecem aos sinais de trânsito. Apesar de transitivos indiretos, admitem a voz passiva analítica: Leis devem ser obedecidas. Regras básicas de civilidade não podem ser desobedecidas. Observe que, para substituir uma pessoa que funcione como complemento desses verbos, pode-se usar lhe ou a ele/ela: "Obedeço ao mestre/Obedeço-lhe/Obedeço a ele". Para substituir o que não for pessoa, só se pode usar a ele/ela: "Obedeço ao código / Obedeço a ele". Dignar-se, pronominal, que rege a preposição de: Ele não se dignou de olhar-me nos olhos. Ela ao menos se dignou de responder-me. É comum, em textos formais, encontrar esse verbo com a preposição de elíptica: "O reitor se dignou ouvir minhas palavras até o fim". Responder, que tem complemento introduzido pela preposição a. Respondi a todos os alunos interessados. O acusado responderá a inquérito. VERBOS INDIFERENTEMENTE TRANSITIVOS DIRETOS OU INDIRETOS
Alguns verbos podem ser usados como transitivos diretos ou
transitivos indiretos, sem que isso implique alteração de sentido. Alguns deles são: abdicar (de) desdenhar (de) acreditar (em) gozar (de) almejar (por) necessitar (de) ansiar (por) preceder (a) anteceder (a) precisar (de) atender (a) presidir (a) atentar (em, para) renunciar (a) cogitar (de, em) satisfazer (a) consentir (em) versar (sobre) Também podem ser usados como transitivos diretos ou transitivos indiretos os verbos esquecer e lembrar. Nesse caso, porém, há um detalhe importante: quando transitivos indiretos, esses verbos são pronominais. Observe as formas corretas de usá-los: Esqueci o livro./ Esqueci-me do livro. Não esqueça os amigos./ Não se esqueça dos amigos. Não esquecemos suas palavras./ Não nos esquecemos de suas palavras. Não lembro nada./ Não me lembro de nada. Lembre que nada acontece por acaso./ Lembre-se de que nada acontece por acaso. VERBOS TRANSITIVOS DIRETOS E INDIRETOS Os verbos transitivos diretos e indiretos são acompanhados de um objeto direto e um objeto indireto. Merecem destaque, nesse grupo: agradecer, perdoar e pagar, que apresentam objeto direto de coisa e objeto indireto de pessoa: Agradeço aos ouvintes a audiência. Cristo ensina que é preciso perdoar o pecado ao pecador. Paguei o débito ao cobrador. O uso dos pronomes oblíquos átonos deve ser feito com particular cuidado. Observe: Agradeci o presente. /Agradeci-o. Agradeço a você. /Agradeço-lhe. Perdoei a ofensa. /Perdoei-a. Perdoei ao agressor. /Perdoei-lhe. Paguei minhas contas. /Paguei-as. Paguei aos meus credores. /Paguei-lhes. É importante notar que, com esses verbos, a pessoa deve sempre aparecer como objeto indireto, mesmo que na frase não haja objeto direto. Observe: A empresa não paga aos funcionários desde setembro. Já perdoei aos que me acusaram. Agradeço aos eleitores que confiaram em mim. VERBOS CUJA MUDANÇA DE TRANSITIVIDADE IMPLICA MUDANÇA DE SIGNIFICADO
Há vários verbos cujas modificações de transitividade
produzem mudanças de significado. Veja a seguir os principais. - agradar, no sentido de "fazer carinho", "acariciar", é transitivo direto: Sempre agrada o filho quando o revê. /Sempre o agrada quando o revê. Cláudia não perde oportunidade de agradar o gato. / Cláudia não perde oportunidade de agradá-lo. - agradar, no sentido de "causar agrado a", "satisfazer", "ser agradável a", é transitivo indireto e rege complemento introduzido pela preposição A: O cantor não agradou aos presentes. O cantor não lhes agradou. - aspirar, no sentido de "sorver", "inspirar", "inalar", é transitivo direto: Quem não fuma muitas vezes é obrigado a aspirar a fumaça dos cigarros de quem se acha dono do mundo. Quem não fuma muitas vezes é obrigado a aspirá-la. - aspirar no sentido de "desejar", "almejar", "pretender", é transitivo indireto e rege a preposição A. Não se deve usar lhe ou lhes como objeto indireto desse verbo: Os brasileiros sensíveis aspiramos a um país mais justo. Os brasileiros sensíveis aspiramos a - assistir, no sentido de "ajudar", "prestar assistência a", é transitivo direto: As empresas de saúde negam-se a assistir os idosos. As empresas de saúde negam-se a assisti-los. - assistir no sentido de "ver"," presenciar", "estar presente a" ou "caber", "pertencer", é transitivo indireto. Nos dois casos, rege complemento introduzido pela preposição A; no primeiro, apresenta objeto indireto de coisa; no segundo, de pessoa. Observe: Assisti a um ótimo filme. /Assisti a ele. Não assisti as últimas sessões. /Não assisti a elas. Exigir qualidade é um direito que assiste ao consumidor. /Exigir qualidade é um direito que lhe assiste. - chamar, no sentido de "convocar" "solicitar a atenção ou a presença de, dizendo o nome em voz alta", é transitivo direto: Por gentileza, vá chamar sua prima. /Por favor, vá chamá-la. Chamei você várias vezes, mas você não ouviu. /Chamei-o várias vezes, mas você não ouviu. - chamar no sentido de "denominar", "tachar", "apelidar", pode ser transitivo direto ou transitivo indireto. É normalmente usado com predicativo do objeto, que pode ser introduzido pela preposição DE. Observe as diferentes possibilidades de construção: A torcida chamou o jogador mercenário. /A torcidachamou-o mercenário. A torcida chamou ao jogador mercenário. - confraternizar não é pronominal, o que equivale a dizer que não se aceitam construções como "Os atletas se confraternizaram" ou "Os professores se confraternizaram com os alunos". Deve-se dizer "Os atletas confraternizaram"; "Os professores confraternizaram com os alunos". - custar, no sentido de "ser custoso", "ser penoso", "ser difícil", tem como sujeito uma oração subordinada substantiva reduzida. Observe: Ainda me custa aceitar sua ausência. Custou-nos encontrar sua casa. Custou-lhe entender a regência do verbo custar. - implicar, no sentido de "ter como conseqúência", "trazer como conseqúência", "acarretar", "provocar", é transitivo direto: Sua decisão implicou o cancelamento do projeto Sua decisão implicou cancelar o projeto. Recessão implica desemprego. - implicar no sentido de "embirrar", "ter implicância", é transitivo indireto e rege a preposição COM: Sua sogra implica muito com você? - implicar no sentido de "envolver", "comprometer", é transitivo direto e indireto: Acabaram implicando o ex- ministro em atividades criminosas. - proceder, no sentido de "ter cabimento", "ter fundamento", "fazer sentido" ou "portarse", "comportar-se", "agir 'é intransitivo. Nessa segunda acepção, vem sempre acompanhado de adjunto adverbial de modo: Seus argumentos não procedem. Você procede muito mal. - proceder no sentido de Aprovir, "originar-se", "ter origem", é transitivo indireto e rege a preposição DE: Seu comportamento vil procede da ganância desmesurada que assola sua alma. - proceder no sentido de "dar início", "realizar", é transitivo indireto e rege a preposição A: O delegado procederá ao inquérito. O fiscal procedeu ao exame na hora marcada. - querer, no sentido de "desejar", "ter querer vontade de", "cobiçar", é transitivo direto: Queremos um país melhor. Quero muitos beijos, meu amor. - querer no sentido de "ter afeição", "estimar", é transitivo indireto e rege a preposição A: Quero muito aos meus amigos. Despede-se o filho que muito lhe quer. - visar, no sentido de "mirar", "apontar" ou "pôr visto", "rubricar", é transitivo direto: O caçador visou o corpo do animal. O gerente não quis visar o cheque. - visar no sentido de "ter em vista", "ter como objetivo", "ter como meta", é transitivo indireto e rege a preposição A: O ensino deve sempre visar ao progresso social. Só um projeto que vise à eliminação dos vergonhosos contrastes sociais pode levar o Brasil à verdadeira modernidade. Assim, são condenáveis construções como: "A rua que eu moro é esburacada", "Os países que eu fui são ricos", "É o único amortecedor que eu confio", "O filme que assisti é italiano", "O cargo que eu aspiro é muito disputado", "O restaurante que eu comia no tempo de faculdade foi fechado". Essas frases devem ser corrigidas para: A rua em que moro é esburacada. Os países a que fui são ricos. É o único amortecedor em que confio. O filme a que assisti é italiano. O cargo a que aspiro é muito disputado. O restaurante em que eu comia no tempo da faculdade foi fechado.