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Aula 06:

Liberalismo, Escravidão e Abolicionismo


(1)

Rec 3402 Desenvolvimento e pensamento econômico Brasileiro


1º semestre 2020
Objetivo das Aulas:
Como escravidão e abolicionismo eram defendidos
no Brasil
• Introdução: as ideias e seu lugar
• Defesa da escravidão no Brasil colônia
• Defesa cristã
• Azeredo Coutinho
• A primeira defesa abolicionista na construção da nação: Jose
Bonifácio
• Os debates no Império: José de Alencar e Joaquim Nabuco
O debate das ideias e seu lugar: o problema da recepção de ideias importadas
no país em que existe um contexto diferente
Critica a recepção do liberalismo no Brasil:
Roberto Schwarz em 1973 publica uma artigo na revista
Estudos CEBRAP que tem por titulo “As idéias fora do lugar”
Para ele: as ideias estão fora do lugar no Brasil,
• pois o liberalismo, segundo ele, se baseia no trabalho livre e no Brasil
prevalece a escravidão,
• mais do que isto: os liberais brasileiros (José de Alencar) praticam uma
comédia ideológica pois se dizem liberais ao mesmo tempo que
defendem a escravidão
Maria Sylvia Carvalho Franco concede uma entrevista à revista
Cadernos de Debate que sai publicado com o título “As idéias estão
no lugar”
Debate em torno disto (anos 60) acaba por discutir um ponto
fundamental no pensamento econômico brasileiro que é como as
ideias externas entram no país, que tipo de filtragem ocorre, até onde
as ideias foram (e podem) ser adaptadas à realidade nacional
De que liberalismo estamos falando ?
Um dos pontos da discussão no fundo é o que chamamos de
liberalismo, ou melhor, o que os autores nacionais do século XIX que
se intitulam liberais chamam de liberalismo
Resposta de Alfredo Bosi:

“Até meados do século [XIX], o discurso, ou o silêncio de todos, foi


cúmplice do tráfico e da escravidão. O seu liberalismo, parcial e
seletivo, não era incongruente: operava a filtragem dos significados
compatíveis com a liberdade intra-oligárquica e descartava as
conotações importunas, isto é, as exigências abstratas do liberalismo
europeu que não se coadunassem com as particularidades da nova
nação.”
(A Dialetica da Colonização – 1992)
Liberal: um conservador de liberdades
• Contradição entre liberalismo e escravidão: só ocorre se por liberalismo
entendermos a defesa do trabalho livre
• Nem todos os que se entendiam por liberais no Brasil tinham o trabalho livre como a essência do
seu liberalismo
• Entrada da Economia Política no Brasil (para alguns isto é o mesmo que a entrada das ideias
liberais) e a formação do chamado liberalismo moderado brasileiro
• Em torno do Visconde de Cairu – seu ponto central é o laissez faire ou seja a livre iniciativa, entendida
como liberdade de ação dos agentes, liberdade de compra, venda, produção etc
• No meio desta defesa encontra-se o livre comércio internacional
• Implicitamente também existe a defesa da propriedade sem a qual não existe comércio e produção
• Assim para a maioria dos liberais no Brasil do século XIX, ser liberal é conservar as liberdades
conquistadas em 1808 (de produzir, vender e comprar) - aspecto econômico do liberalismo brasileiro
(não quer dizer defesa do trabalho livre)
• Alguns vão além, para eles ser liberal é conservar a liberdade que eles obtiveram em 1808 e principalmente em 1822,
de representar-se politicamente – aspecto político do liberalismo (não quer dizer democracia)
Brasil debates em torno da escravidão ao longo do XIX
(1)
• Na época da independência – construção da nação com
ou sem escravidão
• em torno das idéias de José Bonifácio e Azeredo Coutinho
• Azeredo – ainda um reflexão colonial mas as suas posições são
transpostas para uma sociedade não mais colonial, mas onde
escravidão fora algo natural e era algo necessário
• Defesa se afasta da razão cristã na sustentação da escravidão que
prevalecera anteriormente (Padre Vieira)
• Na primeira metade do século XIX debates também muito
marcados por pressão internacional sobre a escravidão e
sobre o trafico de escravos
Brasil debates em torno da escravidão ao longo do XIX
(2)
• Debates são mornos depois do fim do tráfico até 1866/1867 quando
são retomados
• Resposta a uma mensagem da Junta Francesa de Emancipação e o
levantamento novamente do problema da escravidão por D. Pedro na fala do
trono de 67 e ao pedir projetos de emancipação no Conselho de Estado
• Abolição é uma questão de momento oportuno
• Reações e debates bastante grandes com posicionamentos próximos aos de
Bonifácio e Azeredo Coutinho
• Expoentes:
• Defendendo a manutenção da escravidão: José de Alencar (Cartas de Erasmo - 1867)
• Defendendo a abolição: Joaquim Nabuco (O Abolicionista - 1883)
• Guardadas as diferenças de contexto usam argumentos da primeira metade do século XIX
Os primeiros momentos: o trafico e a pressão internacional

Quadro de Johann Moritz


Rugendas (1802-1858) - Itaú Cultural
Fonte: Alencastro, 2000
População da América Afro-Latina, c. 18oo (Andrew 2000)
afro-latinos
Pais Brancos
livres escravos sub total
Brasil 587.000 718.000 1.305.000 576.000
México 625.000 10.000 635.000 1.107.000
Venezuela 440.000 112.000 552.000 185.000
Cuba 114.000 212.000 326.000 274.000
Colombia 245.000 61.000 306.000 203.000
Porto Rico 65.000 25.000 90.000 72.000
Peru 41.000 40.000 81.000 136.000
Argentina 69.000 70.000
Santo Domingo 38.000 30.000 68.000 35.000
Panamá 37.000 4.000 41.000 9.000
Equador 28.000 5.000 33.000
Chile 31.000 281.000
Paraguai 7.000 4.000 11.000 56.000
Costa Rica 9.000 5.000
Uruguai 7.000 23.000
12
Abolição do tráfico de escravos africanos e da escravidão,
1810-1888
Tráfico de escravos lei do ventre livre abolição final
República
1822 1822
Dominicana
Chile 1811 1811 1823
América Central 1824 1824
México 1824 1829
Uruguai 1825 (1838) 1825 1842
Equador 1821 1821 1851
Colômbia 1821 1821 1852
Argentina 1813 (1838) 1813 1853
Peru 1821 1821 1854
Venezuela 1821 1821 1854
Bolívia 1840 1831 1861
Paraguai 1842 1842 1869
Porto Rico 1820, 1835 (1842) 1870 1873
Cuba 1820,1835 (1866) 1870 1886
Brasil 1830,1850 (1852) 1871 1888
Haitian Revolution in the passage of the 18th- 19th

The Haitian Revolution, (Revolta de


São Domingos) (1791-1804), was a
period of brutal conflict, leading to
the elimination of slavery and the
independence of Haiti, making it the
first people-ruled republic of African
descent.
Haiti is a republic, but a radical
republic:
•Property was not contained in
natural rights (it was a civil right if so
much)
Escravidão: o fim do tráfico
 Restrições ao tráfico: várias tentativas: 1815, 1831, 1845 – leis para inglês ver
• Depois de 1831 ,Diogo Feijó proíbe trafico em função dos acordos estabelecidos com GB em
1826 para o reconhecimento da independência), a entrada é ilegal
• Debate se estes escravos (e seus descendentes) deveriam ou não continuar sendo escravos ou se não deveriam ser
libertados
• 1854 Ministro da Justiça (Nabuco de Araújo) – anistia os infratores da lei e portanto valida a escravidão dos
ingressantes por 1831

 Final em 1850 – Lei Eusébio de Queiroz e forte repressão


• Pressão estrangeira recrudesce
• 45 - Bill Aberdeen, GB se dá o direito de tomar navios com escravos mesmo em território brasileiro
• Mas deixa navios com bandeira norte-americana passar
• No Brasil
• Inicio não aceita pressões
• processo de aquiescência em relação ao fim do trafico
• dado forte entrada de escravos no período (acima de 30.000 escravos por ano)
• o poder que traficantes passaram a ter inclusive sobre agricultura pois esta se endivida com traficantes
Escravos X Imigrantes
Lei Eusebio de
Queiroz -Fim efetivo
do trafico
Solução dos
lei de 1830 sobre problemas para
fim do trafico Ascensão inicial
imigração –
oferta de mão de
da imigração e obra na Europa
volta atrás (Itália)

(caso Ibicaba)
Ataque ao tráfico de escravos no Brasil feito, inicialmente
mais de fora do que dentro (algumas exceções)
• Por que GB exerce pressão? Resposta mais comum: mercado consumidor, , mas....
• Pressão colonos da GB sobre Coroa: igualdade de condições
• Debates entre grupos na GB: industriais x gdes comerciantes
• Pressão dos abolicionistas – religiosos, iluministas

• Debate jurídico inglês: quanto àqueles (ingleses) que foram punidos por GB no
tráfico: cidadão inglês é livre para fazer comércio,
• Ou seja a Magna Carta lhe daria o direito inalienável de comercializar, e comercializar o que bem
quisesse (inclusive escravos) e tendo direito às suas propriedades independente se o bem é
imóvel, móvel ou “semimovente”

• Esta argumentação é a base no Brasil da compatibilização liberalismo e escravidão:


o importante é o direito a livre iniciativa e à propriedade
• Para alguns no Brasil: A posição inglesa de combate e mesmo as ações que buscam impedir o
trafico de escravos é anti-liberal
• Este argumento servirá inclusive de base para a defesa da abolição com indenização nos debates
futuros (sexagenário etc.)
O abolicionismo europeu (EUA)
• Antiescravismo – se baseia em amplos movimentos intelectuais
internacionais que ganharam muita força ao longo do século XVIII
• A base do revisionismo anti-escravidão que se espalha no século XVIII é a
crítica à existência de diferenças (de natureza) entre os seres humanos,
• afirmação da igualdade, em primeiro lugar, entre os seres humanos
e a condenação moral de se pressupor que um ser humano fosse
diferente do outro e, portanto, poderia ser menos livre que o outro.
• Duas fontes básicas fornecem esta argumentação :
• Direito Natural, ou no novo Jusnaturalist estes estão por trás de praticamente
todo o pensamento iluminista, incluindo estes de uma nova ciência que
emerge - a Economia Política.
• Nos debates internos à religião cristã e à ascensão do chamado "igualitarismo
evangélico".
• Debates religiosos:
Anti-escravidão
• Difusão da ideia de igualdade dos homens e fraternidade cristã
• Monogenismo (x poligenismo)
• Movimento Quaker (Inglaterra e EUA): vê a escravidão como um pecado e inverte a
tese cristã em que a escravidão (junto com a catequese) redime o pecado
• Onde existe escravidão – existe subversão dos bons costumes
• “Grande despertar” e “Sociedade pela abolição da escravidão”
• Iluminismo (parte)
• Concepção de liberdade como um direito natural dentro do jusnaturalismo, especialmente em
Rousseau, Montesquieu, Condorcet
verbete sobre comércio de escravos da enciclopédia – considera este comércio como nulo
• Concepções mais radicais negam o direito de propriedade como direito natural
• Questões econômicas existem mas são secundárias
• Economia Politica e Fisiocratas (Turgot): superioridade do trabalho livre faz cálculos
econômicos (os quais exerceram nos EUA forte influencia sobre Benjamin Franklin)
• Implícito em Smith falta de incentivos na escravidão à ganhos de produtividade (não participa
nos frutos do trabalho)
• Mesmo que o abolicionismo possa ser tratado como um movimento internacional, há aspectos e
argumentos próprios às localidades e momentos em que a luta pela abolição ocorreu, especialmente
após a Revolução do Haiti
Escravistas, Antiescravistas e abolicionistas
A. Defensores da escravidão
• Reformadores - algumas mudanças nas regras dos escravos, mas você não vê o fim da escravidão como uma
instituição
B1. Antiescravistas- condenar moralmente a escravidão
• Uma perspectiva /decisão individual - manter ou não seus próprios escravos

B2. Abolicionistas há uma visão política para acabar com a escravidão e isso não é apenas uma questão
individual, a emancipação passou a ser um projeto social
• Mas há questões importantes sobre como proceder até o fim da escravidão e há questões sobre a formatação da
sociedade pós-escravidão, qual será o papel dos ex-escravos nesta sociedade
B2.1. Moderados - Gradualistas , "emancipacionistas": o fim da escravidão deve ocorrer gradualmente, por etapas
• Outras questões separam os abolicionistas: a necessidade ou não de compensação; a necessidade ou não de
abolição ser acompanhada por outras reformas sociais, como reformas agrárias etc
• B2.2. Radicais - a abolição deve ocorrer de uma vez, não há possibilidade de uma situação intermediária
entre a escravidão e a liberdade.
• disseminação de suas ideias e defesa da concessão de alforia por senhores
As tradições de defesa (cristã) da escravidão na
Colônia
• inicio Escravidão Africana defesa cristã
• A Igreja Católica não condenou a escravidão negra,
ao contrário
• Idade Média: escravidão como castigo divino; uma
punição para os hereges
• Idade Moderna: reconhecimento expresso da
validade da instituição escravidão
A defesa da escravidão no Brasil no século XVIII
• Prevalece a defesa cristã da escravidão
que teve entre um dos principais
expoentes: o jesuíta Padre Vieira ainda
no século XVII
• Sermões da decada de 30 (especialmente
sermão de 1633), cartas e sermões dos anos
60 (XVII)
• No Século XVIII
• Jorge Benci “A economia cristã dos senhores
no governo dos escravos” (1705)
• Padre Manuel Ribeiro da Rocha – “O Etíope
resgatado, empenhado, sustentado,
corrigido, instruído e libertado” (1758)
Escritos de Vieira
Varias fases acompanhando a sua trajetória
• Nasce em Lisboa – se transfere para o Brasil com 6 anos, entra para o Noviciado da Cia de Jesus (Ba, Pe)
Sermão de Nossa Sra. do
•1ª Fase: Escritos iniciais – professor da Cia de Jesus no Brasil Rosário (1633)
• Reflexões sobre escravidão, escravidão negros x índios, comportamento dos Srs. no trato com o gentio
– justificativas teológicos dos processos de conquista
• Reflexões sobre invasões ao NE (Ba e Pe) por holandeses – força dos opositores x castigo de Deus

•2ª fase – anos 40 (restauração e aproximação com Afonso IV)


• Recomendações ao Príncipe (a criação dos seus inimigos: nobreza e Santo Oficio)
• Impostos, meritocracia na formação da Burocracia, a constituição das companhias de navegação e comércio,
aproximação com judeus e cristãos novos.

•3ª fase: anos 50 retorno ao Maranhão


• Remédios para o desenvolvimento da colônia (Amazônia) – questão da escravidão e dos indígenas - Conflito
com colonos e com Santo Oficio

•4ª fase: anos 60: as defesas (e ataques) de Vieira em Portugal


•5ª fase: os anos em Roma e a volta (Portugal e ao Brasil)
• Contrário a escravidão do negro da terra (índios) mas não do negro africano
(Etíope)
• Nota-se certo incomodo e alguma dubiedade na defesa
• Defesa da escravidão com base em Santo Agostinho: a escravidão não é um
pecado, mas o pecado justifica a escravidão
• Não se defende a escravidão por si - reconhecida como algo comparável ao inferno – pelo
menos no Brasil
• mas defende a escravidão para aqueles que foram aprisionados em guerra justa – guerra
contra o pecado
• Pecadores aqueles que tiveram a oportunidade de “verem a Luz” , de “entenderem a palavra de
Deus” mas a negaram e a combateram - Daqui a ideia de Guerra Justa
•Africanos (etíopes) são descendentes de Cam (filho maldito de Noé) – linhagem de pecadores
condenada ao inferno se não houver uma redenção
• Mais do que isto escravidão é condição de redenção, purgação dos pecados
•Escravidão é uma benção para os africanos pois traz os etíopes para o cristianismos
(escravidão e catequese se completam)
• Senhores deveriam conduzir os escravos nesta redenção, neste sentido condena-se os
exageros dos senhores
• Índios não são a principio pecadores, precisam ser tutelados e catequizados (não
escravizados )

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