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em torno de um conceito
sociológico
O IVAB é calculado pela média aritmética entre os índices de 4 dimensões:
adequação do domicílio, perfil e composição familiar, acesso ao trabalho e
renda, condições de escolaridade.
A partir do IVAB, as Unidades Municipais de Saúde são ranqueadas sob a
lógica de intervalos regulares com base no conjunto de dados ordenados de
forma crescente, e divididas em três grupos a partir do cálculo dos tercis.
IVAB
As Unidades Municipais de Saúde localizadas no tercil 1 são denominadas
como de baixa vulnerabilidade (unidades de saúde com percentagem menor
que 3,91%),
no tercil 2 como de média vulnerabilidade (unidades de saúde com
percentagem maior ou igual a 3,91% e menor que 7,80%) e
no tercil 3 como de alta vulnerabilidade (unidades de saúde com percentagem
maior ou igual 7,80% até o limite superior, que pode atingir 100%) = AZUL
ESCURO NO MAPA.
Distribuição das unidades de saúde de acordo com o Índice de Vulnerabilidade das Áreas
de Abrangência das Unidades Municipais de Saúde (IVAB)
Índice de Vulnerabilidade das Áreas de Abrangência das Unidades Municipais de Saúde
(IVAB) DOS BAIRROS PERIFÉRICOS DE CURITIBA
COVID-19 EM CURITIBA
Como se pode notar, 12 das 18 unidades básicas de saúde, apresentam IVAB
indicador de alta vulnerabilidade (com percentagem maior ou igual 7,80%), o
que representa 66,6% de todas as unidades analisadas.
Chama a atenção o IVAB da Unidade Básica de Saúde Caximba, que é a única
unidade do bairro e possui o maior IVAB de todas as U.S do munícipio, com
impressionantes 77,795, índice muito superior às demais U.S.
COVID-19 EM CURITIBA
Já o próximo mapa apresenta a incidência do coronavírus por bairro de Curitiba
na data de 03 de março de 2022.
Quanto mais escuro, maior é a incidência. Nota-se que o bairro Caximba, que
apresenta os piores índices de vulnerabilidade social da cidade, com uma
população de 2.578 habitantes e 1.091 casos confirmados, apresentava a maior
taxa de incidência por 10.000 habitantes do município (3.553), o que equivale a
42,32% de contaminados no bairro.
Incidência do Coronavírus por bairro de Curitiba em 03/03/2022
COVID-19 EM CURITIBA
Os índices analisados permitem uma melhor compreensão do crescimento
expressivo da doença e de mortes no bairro, uma vez que as principais medidas
de prevenção recomendadas pelas autoridades sanitárias são impraticáveis para
muitos moradores, os mais afetados, também, pelos efeitos econômicos da
pandemia.
COVID-19 EM CURITIBA
São trabalhadores – na sua imensa maioria, informais – que não podem ficar
em casa, dependem do transporte público (superlotado) e cuja renda, muitas
vezes, mal garante a alimentação de sua família, inviabilizando a compra de
produtos que garantam a desinfecção das mãos. São moradores de domicílios
de poucos cômodos que abrigam várias pessoas e onde o abastecimento de
água é intermitente.
Ou seja, estamos falando de um contingente da população que tem
demonstrado a seletividade social das medidas de contenção da pandemia de
covid-19 e comprovado que o território é uma variável importante nos estudos
sobre a produção e reprodução das mais diversas formas de desigualdade,
sendo estas determinantes na disseminação do novo coronavírus.
Apartheid brasileiro: raça e
segregação residencial no Rio de
Janeiro
João H. Costa Vargas
O autor descreve os eventos políticos principais que, em julho de 2001,
levaram à instalação de portões e câmeras em volta do Jacarezinho, a
segunda maior favela do Rio de Janeiro, e as imediatas reações negativas a
essas medidas na imprensa – especialmente jornais e redes de TV.
O autor analisa essas reações a partir de dados etnográficos que coletou desde
junho de 2001 no Rio de Janeiro, quando iniciou um trabalho de colaboração
com ativistas negras/os que, com a ajuda de ex-membros do grupo Panteras
Negras (EUA), ousaram desafiar a polícia, os traficantes de drogas e, de fato,
setores mais amplos da sociedade.
Através da análise da cobertura dos jornais sobre o “condomínio-
favela” e dos debates públicos que se seguiram, o autor
demonstra como tais discursos, ainda que de forma
frequentemente tácita, desumanizam negras/os ao associá-las/os
ao crime, à corrupção e às favelas – bairros das classes
trabalhadoras considerados como o local onde futuras gerações de
negras/os perigosas/os continuarão a aterrorizar a imaginação e a vida
daquelas pessoas que não moram em favelas.
Através de uma avaliação da literatura acadêmica sobre cidades
brasileiras o autor conclui sugerindo que é necessário dar atenção às
formas como raça e espaço urbano interagem se a pesquisa nessa
área pretende compreender e dialogar com ativistas moradores de
favelas que não têm outra saída a não ser confrontar sua contínua
desumanização.
Tudo começou com uma ideia inusitada: e se a favela fosse fechada
com portões e câmeras de segurança? Condomínios das classes
média e alta em todo o Rio de Janeiro – assim como nos grandes
centros urbanos no País (Caldeira, 2000; Zaluar, 1994) – são definidos
com base em tais medidas de proteção. Por que então não adotar as
mesmas estratégias em uma tentativa de limitar o abuso policial e
o tráfico de drogas?
Os ativistas que pensaram nessa ideia nem sequer se preocuparam em
consultar o resto da comunidade, pois estavam certos de que os
portões e as câmeras seriam aprovados por unanimidade. Assim, foram
em frente e instalaram os equipamentos de segurança em pontos-
chave da Favela do Jacarezinho. As câmeras, disse-me um dos
membros da Associação dos Moradores, foram doadas por um “cigano
que tinha ouvido falar de nosso trabalho”. Filmadoras camcorder
complementaram a estratégia para restringir o abuso policial e o
comércio de drogas.
O experimento ousado teve vida curta. Ativistas locais anteciparam as
reações negativas contra o condomínio-favela, e pôr a ideia em prática
foi uma medida calculada para criar um fato público-político
revelador das condições péssimas existentes naquela comunidade
pobre e marginalizada.
A notícia correu rápido não apenas na cidade e no estado do Rio de
Janeiro, mas também em São Paulo, onde, a despeito da violência
urbana crescente, a fascinação histórica com as favelas cariocas gerou
um artigo de página inteira em um dos principais jornais do País, a
Folha de S. Paulo.
Ainda assim, ativistas na favela ficaram surpresos com a forma visceral
com que a polícia, o público que não vive em favelas e os políticos,
incluindo os de esquerda, reagiram contra a ideia que viam como
lunática. Nos dois maiores centros urbanos brasileiros, as questões
essenciais por detrás das reações ao que ocorria no Jacarezinho
revelavam um profundo desconforto: como um bairro pobre,
majoritariamente negro, poderia ter a ousadia de monitorar e
restringir o trabalho da polícia?
Como a diretoria de uma associação de moradores, que muitos
acreditavam ser controlada por traficantes de drogas, poderia desafiar
aqueles que a haviam colocado no poder? Como uma favela poderia
se comparar aos condomínios cercados da elite?
PONTOS A SE DESTACAR DO ARTIGO
Através da análise da cobertura dos jornais sobre o “condomínio-favela”
e dos debates públicos que se seguiram, o autor argumenta que tais
discursos, ainda que de forma frequentemente tácita,
desumanizam as/os negras/os ao associá-los ao crime, à
corrupção e às favelas – bairros das classes trabalhadoras
considerados como os locais onde futuras gerações de negras/os
perigosas/os continuarão a aterrorizar a imaginação e a vida daquelas
pessoas que não moram em favelas.
Notícias não são feitas no vácuo; elas expressam ideias sobre
negras/os baseadas em um senso comum hegemônico (Gordon,
1998; Hall 1980, 1982). Utilizando-se de um idioma público para
descrever grupos racializados, o noticiário dos jornais e
televisionados dão voz e apoiam formas de discriminação
estrutural contra negras/os que são resultado de políticas públicas
e do comportamento cotidiano.
Curiosamente, no entanto, as notícias sobre os conflitos políticos no
Jacarezinho que apareceram no Rio e em São Paulo mostraram
negras/os nas favelas mas nunca mencionaram raça. Ainda assim,
estereótipos sobre negras/os eram articulados.
Quando comunidades pobres, crime, drogas e violência eram
abordados, a conexão tácita – mas sem dúvida poderosa – que se fazia
era com a população negra.
Esse silêncio, também presente no debate público que se seguiu, ao
impedir que certas concepções sobre as/os negras/os brasileiros
viessem à tona, reforçou os estereótipos e justificou a
discriminação.
Pleno de significado, assim, o silêncio sobre raça forma uma
atmosfera na qual o racismo respira e se mantém. Ademais, o
silêncio protege aquele que o produz de ser visto como alguém
abertamente preconceituoso e, como quase ninguém parece ser
preconceituoso, o mito brasileiro da democracia racial se mantém
(Goldstein, 2003; Guimarães, 1999; Nascimento, 1989; Twine, 1998).
As questões que estruturam o ensaio nos ajudam a entender esse
episódio no Jacarezinho, mas também fornecem ângulos pelos quais se
pode analisar categorias e experiências que se reforçam mutuamente,
são socialmente construídas e têm forte conotação política ao
relacionarem raça e espaço urbano. Essas questões são:
(1) Como noções sobre o espaço urbano brasileiro são influenciadas
por concepções hegemônicas de raça?
(2) Como concepções hegemônicas de raça matizam a compreensão
do espaço urbano?
(3) Quais são as consequências políticas do círculo cognitivo que
existe entre raça e espaço urbano no contexto brasileiro?
Essas três perguntas tentam responder à questão mais óbvia e
fundamental: Por que as câmeras no Jacarezinho causaram reações tão
passionais? Como o artigo demonstra, havia algo mais naquela
indignação do que apenas a convicção de que as câmeras e os
portões iriam dificultar o trabalho da polícia e proteger o tráfico de
drogas.
A indignação vinha, em grande medida, com a forma pela qual a
instalação daquele equipamento no Jacarezinho desafiava as relações
tácitas, frequentemente reprimidas, mas perfeitamente claras, entre
negritude e favela.
Em outras palavras, o uso do equipamento de segurança rompia com
a compreensão hegemônica de espaços urbanos racializados
definidos a partir de atividades ilícitas e de moradores desprovidos
de agência política legítima.
Concebidos dessa forma, moradores de favelas são, em última análise,
perigosos, subumanos e incapazes de ações políticas racionais e
organizadas. Favelas têm sido pensadas como áreas
necessariamente permeáveis e sujeitas às regras da lei a todo e
qualquer momento; como lugares onde medidas preventivas
violentas sancionadas pelo Estado e pela sociedade destinam-se a
conter os perigos que possuem – antes que tais perigos possam
infiltrar-se no espaço político mais amplo.
Para contextualizar o conflito político entre a favela e seus
adversários, e refletir sobre as possíveis agendas de
pesquisa que podem emergir a partir daí, o autor discute
como a produção acadêmica pertinente no Brasil e nos
Estados Unidos têm abordado raça e espaço urbano.
O autor conclui com uma discussão sobre as implicações
teóricas e políticas mais amplas de como raça e espaço
urbano são componentes essenciais de um senso
comum hegemônico que sustenta e se alimenta da
marginalização histórica imposta aos negros.
VANALI, Ana Crhistina. Outras histórias da negritude em Curitiba: volume 3. Editora Fi © 2022
A Curitiba idealizada e cosmopolita, tão propagada pela mídia
nacional e internacional, principalmente entre as décadas de 1970 e 1990,
com os slogans “cidade modelo”, “cidade ecológica”, “união de etnias”,
entre outros, enquanto, falaciosamente, passou a ideia de um lugar perfeito
para se viver, mascarrou uma realidade que não confirmava essa versão.
Hoje, a maioria da população autodeclarada negra reside nas regiões mais
afastadas do centro da cidade e com menos acesso a equipamentos
públicos de educação, cultura, lazer, saúde e segurança. Simbolicamente,
esse dado se reproduz por meio da valorização seletiva, por esse nexo, não
só as populações, mas a história da população negra e indígena é
escondida do centro.
A valorização de algumas etnias aparece em pontos estratégicos da
cidade, como o Bosque do Alemão, o Bosque do Papa, entre outros.
Enquanto o Parque Tingui, que homenageia uma personalidade indígena,
tem uma boa localização, na região norte da cidade, mas abriga em seu
interior o Memorial Ucraniano. E a Praça Zumbi dos Palmares, homenagem
à cultura afro-brasileira está localizada na região sul da cidade, distante do
centro.
Apesar de ser a capital com o maior número de
pessoas negras da região sul do Brasil – 24% da população -,
Curitiba ainda é uma cidade marcada pela segregação e
desigualdade racial que insiste em negar a história e cultura
afrodescendente que a formou. É o que evidencia a pesquisa
“A racialização do espaço urbano da cidade de Curitiba-
PR“, de Glaucia Pereira, Mestre em Geografia pela
Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Desenvolvido em 2021 com o objetivo de expor que
Curitiba foi arquitetada para expulsar a população de
baixa renda e negra do centro da cidade, o estudo é um
dos poucos que discutem a segregação espacial urbana
circunscrita à questão racial e as territorialidades negras
na capital paranaense.
Isso é muito explorado nas pesquisas que analisam a questão de gênero e sua
relação com a Covid-19. O relatório “Gender and Health Analysis: COVID-19 in the
Americas”, lançado em 2022 durante um webinar para marcar o Dia Internacional da
Mulher, explora os efeitos da pandemia em mulheres e meninas e apresenta
resultados em áreas como saúde, emprego e bem-estar social. Durante a pandemia,
o papel de cuidadora expôs as mulheres a um risco aumentado de contrair COVID-
19.
Hayden descreve, a partir dessa observação sobre o subúrbio residencial,
uma situação paradoxal produzida pelo modelo urbano que formatava a
condição feminina: a imposição do papel doméstico não poderia ser
superada a não ser no caso de a posição social da mulher ser transformada
e, por outro lado, esta posição social não poderia mudar caso as
responsabilidades domésticas continuassem sendo base de sustentação do
modelo hegemônico de família.