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de vulnerabilidade socioambiental
como decorrência da problemática
urbana no Brasil
Analysis of the Brazilian assessment methodologies of socio-
-environmental vulnerability as a result of urban problems in Brazil
Mônica Maria Souto Maior
Gesinaldo Ataíde Cândido
Resumo Abstract
O artigo intenta refletir e analisar as principais The article intends to reflect on and analyze the
metodologias de avaliação da vulnerabilidade main methodologies to assess socio-environmental
socioambiental propostas e aplicadas em con- vulnerabilit y that have been proposed and
textos específicos no Brasil, através de um en- applied to specific contexts in Brazil, through
saio teórico-comparativo utilizando um conjunto a comparative theoretical essay using a set of
de critérios de avaliação retiradas das variáveis assessment criteria extracted from the variables
existentes nos diversos modelos pesquisados. Os existing in the diverse surveyed models. The
resultados apontam que os modelos foram contri- results show that the models have contributed
butivos para o avanço dos estudos da vulnerabili- to the advancement of socio-environmental
dade socioambiental no Brasil, possibilitando um vulnerability studies in Brazil; in addition, they
diagnóstico preciso dos fatores que contribuem have enabled an accurate diagnosis of the
para acentuar e mitigar o fenômeno. No entanto, factors that contribute to intensify and mitigate
dadas a dinâmica e complexidade do processo de the phenomenon. However, given the dynamics
urbanização e suas implicações, se fazem necessá- and complex nature of the urbanization process
rias constantes adaptações das metodologias cria- and its implications, it is necessary to constantly
das, assim como a criação de novas metodologias adapt the established methodologies, as well
que consigam traduzir fidedignamente a dinâmica as to create new methodologies that are able to
e complexidade da urbanização, sobretudo para as translate faithfully the dynamics and complexity of
comunidades mais carentes. urbanization, particularly for poor communities.
Palavras-chave: processo de urbanização; vulne- K e y w o r d s : urbanization process; socio-
rabilidade socioambiental; metodologias; avaliação environmental vulnerability; methodologies;
e indicadores. assessment and indicators.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 241-264, jun 2014
http://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2014-3111
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públicasvoltadas para o enfrentamento destas ruptura. Afirma ainda que não somente a falta
questões (Dieese, 2007; Busso, 2005; Lavinas, de recursos materiais define os grupos como
2002; Castel, 1997). vulneráveis, mas também a instabilidade de
Dessa forma, é importante ressaltar a se- suasrelações sociais, que os fragiliza.
melhança espacial, histórica e conceitual que Kaztman (1999; 2000) analisa a vulne-
envolve a interligação entre esses dois termos. rabilidade a partir da existência, ou não, por
A exclusão social teve sua origem na França, no parte dos indivíduos ou das famílias, de ativos
século XX, e se estendeu a outros países euro- disponíveis e capazes de enfrentar determina-
peus para ressaltar situações que iam além do das situações de risco. Ele trabalha o conceito
mercado de trabalho e que representavam rup- de capital para os grupos vulneráveis, que pode
turas de vínculos sociais e perdas da base de capacitá-los a aproveitar as oportunidades
sustentação da reprodução da vida: a casa, a disponíveis em distintos âmbitos socioeconô-
vizinhança e a família (Castel, 1997). micos, e que influencia o estado de respostas
Diante dessa conjuntura e como parte de diante das situações de risco.
um mesmo campo conceitual, há os que rela- Observa-se que os estudos de Kaztman
cionam a perda do vínculo social como resul- não consideram as estruturas de oportuni-
tante da perda de solidariedade e aqueles que dades como um fator constante, ao contrá-
a vinculam à negação dos direitos sociais esta- rio, essas estruturas variam de acordo com
belecidos. Segundo Kowarick (2003), o interes- a área geog ráfica e com os fatores tempo-
se pelo campo da exclusão na Europa surge em rais históricos. Ele incorpora na sua ideia de
virtude de uma situação de mudanças tecnoló- ativos /vulnerabilidade /estrutura de opor-
gicas, reestruturação econômica e desmantela- tunidades o conceito de mobilidade social,
mento do estado de bem-estar social, em que o como fator determinante das situações de
estado de exclusão caracterizaria um conjunto ascensão e declínio da condição de vulne-
de situações marcadas pela falta de acesso aos rabilidade. Segundo o Dieese (2007), essa
meios de vida e que afetaria a plena integração noçãode vulnerabilidadesocial, que conside-
social até então existente. ra a relaçãoativos/vulnerabilidade/estrutura
Segundo Castel (1997), para se chegar de oportunidades, tem sido adotada para a
numa situação de exclusão social, é necessário construção de indicadores sociais mais am-
passar por três estágios distintos: uma etapa plos, não se restringindo à delimitação de
inicial de integração social, em que se teria uma determinada linha de pobreza.
uma situação de estabilidade econômica e Blaikie et al. (1994) afirma que a vulne-
social; um momento crítico de vulnerabilidade rabilidade está diretamente associada à ca-
caracterizada pela precariedade do trabalho e pacidade de um grupo ou família para resistir
a fragilidade dos apoios proporcionados pelas a efeitos nocivos e perigo e de se recuperar
relações familiares e sociais; e, finalmente, a facilmente. Assim, a vulnerabilidade envolve
chegada ao estágio final – o de exclusão so- uma combinação de fatores que determina o
cial. Nessa visão, a vulnerabilidade identifica- grau em que a vida de alguém ou de um grupo
ria a fragilidade do vínculo social antes de sua é colocada em risco por um evento discreto e
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identificável (ou uma série de tais eventos), na recursoshumanos no seio das famílias, alimen-
natureza e na sociedade. tação insuficiente e de má qualidade, alta per-
Segundo Hewitt (1997) e Lavell (2000), meabilidade aos serviços sociais, controle de-
as ameaças naturais, a destruição e sua distri- ficiente aos cuidados de saúde, falta de redes
buição social e territorial podem tornar o even- de reciprocidades e contatos, são alguns dos
to físico como um ponto de referência, mas, no fatores que determinam o grau dessa vulnera-
final, a perda é determinada pelas diferenças bilidade. Segundo Cardona (1996), no contexto
de níveis de exposição e vulnerabilidade da urbano, as zonas de riscos coincidem com áreas
população, infraestrutura e produção. Devido a que apresentam condições de marginalidade
essa enorme variedade entre diferentes espa- ou subnormalidade, e seus habitantes têm ní-
ços e unidades sociais, será consequentemente veis de renda que impossibilitam seu acesso a
diferenciada a capacidade dos indivíduos em se instituições de crédito para habitação, quando
recuperar, porque, mesmo dentro de um único esse benefício de crédito existe.
nível de unidade espacial ou social, serão en- Essas teorias abordadas mantêm uma
contrados diferentes níveis de danos que refle- conexão entre o ambiental e o social, as quais
tem essa estruturação heterogênea da vulnera- exercem intrínseca influência no meio urbano
bilidade social. sobre uma comunidade, grupo social ou fa-
D´Ercole (1994) e Blaikie et al. (1994) mílias e, assim, essa conexão socioambiental
estabelecem uma relação de causa e efeito influencia o modo de resposta diante de situa-
gerada entre a natureza e a sociedade, reco- ções que geram vulnerabilidade.
nhecendo que os fatores de risco estão asso- D’Ercole (1994) afirma que a análise da
ciados a um certo grau de exposição a uma vulnerabilidade na cidade não pode deixar de
situação crítica, natural ou social, que gera contar com uma abordagem sistêmica que in-
vulnerabilidade em determinados grupos; es- clua: fatores socioeconômicos (êxodo rural e
sas contextualizações incorporam ao fenômeno especulação imobiliária), fatores psicossocio-
da vulnerabilidade uma perspectiva temporal lógicos (memória de risco, percepção e cultura
de futuro, quando estabelecem que os grupos de risco), fatores ligados à cultura e à história
mais vulneráveis são também aqueles que pos- das sociedades expostas (autoconstrução, lan-
suem mais dificuldades para reconstruir suas çamento de dejetos), fatores técnicos (preven-
vidas após algum desastre; consequentemente, ção), fatores funcionais (gestão de crise) e fato-
esses mesmos grupos se tornarão mais vulne- res institucionais (gestão de risco).
ráveis aos efeitos de desastres futuros. Na cidade, alguns desses fatores são
Kaztman (1999) concorda com esses elementos inerentes ao crescimento urbano,
dois autores quando considera que uma má e fortemente integrados à dinâmica urbana,
resposta a um evento potencialmente danoso principalmente em países em desenvolvimento,
está relacionada ao gradiente de vulnerabili- onde há ausência de controle, má qualidade da
dades sociais e econômicas dos indivíduos ou infraestrutura, falta de planejamento e legisla-
grupos diante do evento, e que suas condições ção urbana ineficiente, permitindo a expansão
precárias de habitação, inadequados ativos de urbana para áreas de preservação e/ou de risco.
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Diante do que se expôs sobre as peculia modelos brasileiros, para conhecer o quadro da
ridades geográficas, temporais, socioeconô- sistemática de avaliação da vulnerabilidade so-
micas e dos fenômenos a serem estudados, cioambiental para a realidade brasileira.
pesquisadores brasileiros como Alves (2008),
Deschamps(2004; 2006), Almeida (2010) e
Silveira(2010) trabalham com as seguintes
dimensões em relação à vulnerabilidade das
Apresentação e análise
famílias expostas aos riscos num contexto de
dos resultados
expansão urbana: econômicos, sociais e am-
bientais. Os autores ainda descrevem caracte- Apresentação das metodologias
rísticas demográficas, que devem ser conside- estudadas
radas na unidade doméstica e que tendem a
acentuara vulnerabilidade: estrutura familiar, Nos meios científicos brasileiros, o estudo da
ciclo de vida e aspectos demográficos. Nesse vulnerabilidade socioambiental é tratado em
contexto social, as indagações partem da ne- âmbito local, identificando grupos populacio-
cessidade de resposta sobre quais os elemen- nais submetidos a um alto grau de risco em
tos que mais contribuem para a vulnerabilida- relação a desastres específicos de países em
de social e se esses elementos afetam de for- desenvolvimento. Nos últimos dez anos, as
ma homogênea os diferentes grupos sociais. pesquisas avançaram, e foram criadas e aper-
No contexto ambiental, os principais aspectos feiçoadas metodologias com o duplo objetivo
considerados por esses autores são os relacio- de entender como o processo de adensamento
nados à infraestrutura urbana, considerando populacional e expansão urbana influenciava e
os danos que sua falta pode trazer em termos influencia a situação de risco de forma desigual
de saúde e de qualidade de vida. a grupos populacionais específicos. Dentre elas,
Os estudos que abarcam a vulnerabilida- cinco se destacam por sua qualidade metodo-
de buscam contribuir para avaliação das dife- lógica, pelo impacto gerado e pelo campo de
renças socioambientais urbanas, porque abran- pesquisa aberto nos meios científicos.
gem todo o sistema atingido pelo adensamento Dentre os modelos analisados todos
populacional. Dessa forma, conhecer os mode- partem do método dedutivo, que faz uso do
los utilizados, suas ferramentas e seu conjunto raciocínio, a partir de fatos e indícios, para ob-
de indicadores, pode apontar a estreita relação ter uma conclusão a respeito de determinadas
entre a segregação social urbana, o sistema de premissas. No caso da vulnerabilidade socio-
infraestrutura urbana e o processo de adensa- ambiental, os níveis de risco e vulnerabilida-
mento. Esse conhecimento servirá para vislum- de são estudados tomando por base a identi-
brar soluções específicas em cada localidade, ficação de relações estatísticas significativas
porque as cidades apresentam problemas espe- dentre um conjunto de potenciais indicadores,
cíficos diante do fenômeno de transbordamento estabelecendo relações com uma proposição
urbano. Sendo assim, se faz necessário conhe- geral para, a partir de raciocínio lógico, chegar
cer os procedimentos adotadosem cada um dos à verdade daquilo que se propõe.
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ambiental. Os resultados são visualizados em janela “b” que define a vizinhança de “x” e os
mapas cartográficos. pontos que pertencem à estimação, ou seja, é
uma técnica de análise espacial que se baseia
na criação de superfícies de densidade.
Metodologia de Alves Essa estimativa é apropriada para posi-
ções de dados individuais; entretanto, pode-se
A pesquisa de Alves et al. (2010b) foi desen- adotar esta técnica se o interesse é mostrar re-
volvida, no contexto urbano do Litoral Paulis- giões menos fragmentadas de um determinado
ta, formada de 16 municípios, para identificar evento ou conjunto de eventos (Alves, 2010b).
áreas com alta vulnerabilidade às mudanças O método pode ser descrito da seguinte
climáticas, permitindo assim a construção de forma: se “s” representa uma localização qual-
indicadores em escala desagregada, que repre quer numa região “R” e “s1”, ..., “sn" são as
sentem as dimensões da vulnerabilidade – sus- localizações dos “n” eventos observados, en-
ceptibilidade e exposição ao risco ambiental – tão a intensidade λ(s), é estimada por:
com a integração de dados socioeconômicos,
demográficos e ambientais. A pesquisa parte
da hipótese de que os problemas recorrentes,
associados a eventos extremos causados pe- em que “k” é uma função de densidade biva-
la mudança climática, estão relacionados a riada escolhida, conhecida como Kernel, e T o
ocupaç ões irregulares em encostas ou nas raio de influência. Para isso, foi considerada ca-
margens dos corpos de água, falta de abasteci- da unidade de setor censitário como unidade
mento de água potável para toda a população de análise, na qual foi estimada a densidade
e falta de saneamento básico. de eventos segundo o centróide de cada setor
A pesquisa explora a relação entre popu- censitário. Assim, a distribuição de eventos foi
lação e meio ambiente, buscando a identifica- transformada em uma superfície contínua de
ção e caracterização das áreas de maior risco e vulnerabilidade socioambiental no litoral pau-
dos grupos populacionais mais vulneráveis às lista, onde as áreas mais vulneráveis são indi-
mudanças climáticas nas áreas urbanas, utili- cadas pelas zonas de cores mais escuras nos
zando conjuntos específicos de variáveis socio- mapas cartográficos.
econômicas e ambientais.
O procedimento estatístico adotado co-
mo técnica de análise foi baseado na estima- Metodologia de Almeida
tiva da densidade de Kernel, que é um método
não paramétrico para estimação de curvas de O estudo desenvolvido por Almeida (2010) tra-
densidades, em que cada observação é ponde- ta de pesquisa que explora as vulnerabilidades
rada pela distância em relação a um valor cen- socioambientais de rios urbanos na Região Me
tral, o núcleo. A ideia é centrar cada observação tropolitana de Fortaleza/CE. Esse estudo parte
“x” onde se queira estimar a densidade, uma da hipótese de que há uma coincidência entre
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média a alta; média a baixa; baixa e muito devem ser considerados nessa dinâmica, bus-
baixa; que podem ser representadas através de cando uma multidisciplinaridade que envolve
uma matriz. o tema da população e meio ambiente.
Os resultados são apresentados através O trabalho parte de uma tentativa de
de mapas com a justaposição dos índices de sistematizar algumas conclusões a respeito do
vulnerabilidade social e o de vulnerabilidade sentido e da importância do conceito de vulne-
ambiental, indicando com as cores para cada rabilidade para os estudos urbanos, para, em
nível o grau da vulnerabilidade socioambiental seguida, buscar sua aplicação empírica a partir
ao longo do espaço urbano estudado, mostran- do uso de dados secundários, no caso, o censo
do ser uma metodologia de fácil visualização demográfico de 2000, apresentando como re-
dos resultados, apesar dos longos cálculos para sultado uma divisão da cidade em “zonas de
se chegar aos índices. vulnerabilidade”, cuja importância reside na
possibilidade de identificar, no âmbito intraur-
bano, carências ou vantagens diferenciadas
Metodologia de Hogan que, mais além das disponibilidades materiais,
possam dar maior poder de resposta ao con-
O estudo de Hogan (2007) foi desenvolvido no junto de dificuldades que a cidade desigual im-
contexto urbano de Campinas-SP, sob o título põe a seus habitantes.
A vulnerabilidade social no contexto metro- Para desenvolvimento de seu estudo,
politano: o caso de Campinas. A intenção era Hogan vai abordar os conceitos desenvolvidos
aprofundar estudos e pesquisas para proble- por Katzman (1999): capital físico – envolven-
mas urbanos que envolvessem as relações da do todos os meios essenciais para a busca de
população com o ambiente, e na busca do en- bem-estar; capital social – inclui as redes de
tendimento dos condicionantes – além da po- reciprocidade, confiança, contatos e acesso à
breza, da diferenciação das pessoas ou famí- informação; e capital humano – que inclui o
lias –, estudar a inabilidade de resposta diante trabalho como ativo principal e o valor a ele
dos riscos. agregado pelos investimentos em saúde e
Nesse trabalho, o autor parte da hipótese educação, os quais implicam maior ou menor
de que há uma coincidência entre espaço sus- capacidade física para o trabalho. Dessa forma
cetível a processos naturais perigosos e os es- ele classifica seus indicadores de acordo com
paços da cidade que apresentam os piores in- essa nomenclatura.
dicadores sociais, econômicos e de acesso aos Para cada uma dessas três dimensões de
serviços e infraestrutura urbana, trabalhando indicadores, foram realizadas análises fatoriais,
numa linha moderada para analisar as relações a partir das quais foram obtidos cinco fatores:
da dinâmica demográfica, em toda sua comple dois para o capital físico, um para o capital hu-
xidade, com a mudança ambiental, consideran- mano e dois para o capital social. Através da
do importante romper os limites impostos pela interpretação dada aos fatores identificados,
questão da população e restringir ou não o pro- resultante de análise fatorial, é que se pode-
gresso, pois outros aspectos mais importantes rá analisar e interpretar os resultados obtidos,
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Esse modelo pode ser analisado toman- o de Micklin (1999), que inclui a degradação
do-se como referência as teorias de Lefebvre ambiental urbana, entre os grandes desafios
(1991), que trata da segregação espacial, pro- ambientais para a América Latina, observa-se
curando, em um esforço analítico e empírico, uma semelhança nas preocupações, mas uma
uma forma de entender esse fenômeno sob distinção de enfoque por considerar como res-
três prismas, ora sucessivos, ora simultâneos: ponsabilidade única da degradação a ação do
espontâneos (provenientes das rendas e ideo- homem, que invade áreas de preservação, não
logias) – voluntário (estabelecendo espaços considerando, assim, as responsabilidades po-
separados) – programado (sob pretexto de ar- líticas e institucionais que levam o homem a
rumação e plano). No entanto, percebe-se que, essa invasão.
apesar de a pesquisa estudar os espaços urba- Considerando as teorias de Liverman
nos produzidos a partir da égide capitalista, em (1990), o estudo de Alves (2010b) concentra
que existe uma intencionalidade de ocupação esforços na caracterização da população sujei-
do solo urbano por diferentes camadas sociais, ta a risco de desmoronamentos, e considera a
não enfatiza os processos sociais, nem econô- vulnerabilidade como risco do lugar – concei-
micos que vulnerabilizam a população, como to de Cutter (2003) – e como geograficamente
também não relevam na mobilidade social ur- centrada, mas com efeitos diferentes de acordo
bana os motivos que trouxeram essa popula- com a capacidade de resposta da população.
ção para esse tipo de ocupação. Observa-se que todos os modelos, ape-
Dessa maneira, os aspectos relacionados sar do afunilamento do campo geográfico uti-
por Cardona (1997), Abramovay (2002), Lavi- lizado por Alves (2010a; 2010b), analisam as
nas (2002), relativos à exclusão e vulnerabili- áreas urbanas baseados na apropriação do es-
dade social, não são tratados de forma direta, paço por grupos sociais, no processo de trans-
e, sim, incorporados às tipologias urbanas exis- bordamento urbano, considerando as áreas pe-
tentes na cidade, servindo apenas como meio riféricas e periurbanas.
de entender a ocupação urbana sob os aspec-
tos únicos da expansão urbana desassociados
dos processos socioeconômicos que vulnerabi- Dimensões mensuradas
lizam a população da cidade de Tiradentes.
Alves (2010b) trabalha com 16 cida- Os estudos latino-americanos que envolvem
des da faixa litorânea de São Paulo, buscando a vulnerabilidade socioambiental, tais como
analisar a relação entre a vulnerabilidade am- Barrenechea (2000), Moser (1998), Gonzáles
biental, causada pelas mudanças climáticas, e (1998), Blaikie et al. (1996), D´Ercole (1994)
o processo de apropriação do espaço urbano, estabelecem que a vulnerabilidade é uma com-
pelos grupos populacionais mais vulneráveis binação de características de um grupo social
socialmente. As variáveis ambientais conside- derivada de suas condições sociais e econô-
radas nesse estudo partem de uma análise ba- micas relacionadas a uma periculosidade es-
seada nos efeitos ocasionados à natureza pela pecífica. Dessa forma, a vulnerabilidade socio-
ação antrópica. Comparando esse estudo com ambiental precisa interrelacionar a dimensão
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Indicadores sociodemográficos
Indicadores econômicos
Indicadores ambientais
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Modelos
Características
Alves (a) Alves (b) Almeida Hogan Deschamps
Características
Dedutivo Dedutivo Dedutivo Dedutivo Dedutivo
do método
Dinâmicas
Vínculo com grupos ambientais, riscos Observatório das
CEM/Cebrap CEM/Cebrap Nepo/Nesur
de pesquisas e ordenamento do Metrópoles
território/UFRN
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evolução dos estudos anteriores feitos por es- mundo, quando o sujeito passa a pautar suas
ses pesquisadores. atitudes e suas ações dentro de uma visão de
Assim, observa-se a necessidade de mundo baseada em princípios socioambien-
aprimoramento da dimensão ambiental, tra- tais, o qual estabelece amplo conjunto de prá-
tada de forma superficial nos estudos ana- ticas proativas para a conservação da natureza
lisados, e a incorporação de outras variáveis e melhoria da qualidade de vida.
para abarcar outras dimensões não con- A dimensão política institucional tam-
templadas nesses cinco modelos estudados. bém se apresenta como de grande importância
Relacionada às variáveis ambientais, existe para o contexto da vulnerabilidade socioam-
a necessidade de considerar os indicadores biental no Brasil, porque identifica as ações
relacionados à exposição de risco naturais políticas e administrativas de contenção aos
existentes nos espaços urbanos do Brasil: en- fatores de riscos que ameaçam as populações,
chentes, desmoronamentos, deslizamentos, servindo como termômetro para mensurar as
vendavais, chuva de granizo e ciclones, pois políticas públicas necessárias para o supri-
o estudo direcionadoa uma só dimensão do mento das necessidades sociais, econômicas,
risco ambiental – como os estudados por Al- ambientais e como resposta às revindicações
ves (2010b) e Almeida (2010) – desconsidera feitas pela sociedade civil.
a existência de outras ameaças que podem Outro aspecto negligenciado, nos estu-
ocorrer no mesmo contexto geográfico, e, pior dos analisados, é a especificidade da situação
ainda, num período temporal próximo, o que de vulnerabilidade, pois grupos populacionais
acarretaria uma maior vulnerabilidade. podem estar sujeitos ao mesmo perigo, mas
Observou-se a necessidade de incor- não apresentem o mesmo risco, por não esta-
poração da dimensão psicológica referente à rem igualmente em situação de vulnerabilida-
percepção ambiental, a qual foi desconsidera- de, assim os indicadores devem ser levantados
da em todos os modelos brasileiros. Nas refe- através de dados primários que identificam, no
rências teóricas, a percepção ambiental é de lugar e tempo, as fragilidades das famílias que
fundamental importância para os estudos de estão expostas aos riscos.
vulnerabilidade, porque o nível dessa percep- Observa-se que os modelos utilizados
ção faz diferença em seu poder de mitigação e abrem espaço para a elaboração de novas
resiliência diante dos riscos socioambientais a abordagens, no entanto, deixam a desejar,
que estão expostos. porque não conseguem abranger outras va-
A percepção ambiental ajuda na forma- riáveis que são importantes para o contexto
ção cidadã de um sujeito ecológico, a qual geográfico e cultural brasileiro, e, quando
exerce uma função importante no exercício da aplicadas de forma limitada, não conseguem
cidadania e aguça a capacidade de enxergar o contemplar os reais riscos existentes.
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