o Novo Ensino Médio: A prevalência da língua estrangeira sobre a nativa, aspectos e consequências das mudanças.
Profª. Dra. Abigail Ribeiro
Gomes Primeiramente, uma experiência pessoal Comparação entre Ensino Fundamental e Ensino Médio A explicação presente na BNCC “Conforme já afirmado na Introdução, a BNCC do Ensino Médio não se constitui no currículo dessa etapa, mas define as aprendizagens essenciais a ser garantidas a todos os estudantes e orienta a (re)elaboração de currículos e propostas pedagógicas, seja no que diz respeito ao âmbito específico da BNCC, seja no tocante à organização e à proposição de itinerários formativos. Os sistemas de ensino e as escolas devem construir seus currículos e suas propostas pedagógicas, considerando as características de sua região, as culturas locais, as necessidades de formação e as demandas e aspirações dos estudantes. Nesse contexto, os itinerários formativos, previstos em lei, devem ser reconhecidos como estratégicos para a flexibilização da organização curricular do Ensino Médio, possibilitando opções de escolha aos estudantes”. (BNCC, p. 471) A lei do “Novo Ensino Médio” Art. 35-A. A Base Nacional Comum Curricular definirá direitos e objetivos de aprendizagem do ensino médio, conforme diretrizes do Conselho Nacional de Educação, nas seguintes áreas do conhecimento: I - linguagens e suas tecnologias; II - matemática e suas tecnologias; III - ciências da natureza e suas tecnologias; IV - ciências humanas e sociais aplicadas. § 3º O ensino da língua portuguesa e da matemática será obrigatório nos três anos do ensino médio, assegurada às comunidades indígenas, também, a utilização das respectivas línguas maternas. Lei § 4º Os currículos do ensino médio incluirão, obrigatoriamente, o estudo da nº13415/2017 língua inglesa e poderão ofertar outras línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de ensino. § 5º A carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular não poderá ser superior a mil e oitocentas horas do total da carga horária do ensino médio, de acordo com a definição dos sistemas de ensino. § 7º Os currículos do ensino médio deverão considerar a formação integral do aluno, de maneira a adotar um trabalho voltado para a construção de seu projeto de vida e para sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e “ Art. 36 . O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a saber: I - linguagens e suas tecnologias; II - matemática e suas tecnologias; III - ciências da natureza e suas tecnologias; Lei IV - ciências humanas e sociais aplicadas; nº13415/2017 V - formação técnica e profissional. § 1º A organização das áreas de que trata o caput e das respectivas competências e habilidades será feita de acordo com critérios estabelecidos em cada sistema de ensino. § 3º A critério dos sistemas de ensino, poderá ser composto itinerário formativo integrado, que se traduz na composição de componentes curriculares da Base Nacional Comum Curricular - BNCC e dos itinerários formativos, considerando os incisos I a V do caput . Que “língua portuguesa” tem sido privilegiada no NEM? Nas competências gerais da Educação Básica Segundo a BNCC, a língua portuguesa que perpassará os três anos do Ensino Médio faz parte das “competências gerais da Educação Básica”, que “inter-relacionam-se e desdobram- se no tratamento didático proposto para as três etapas da Educação Básica, articulando-se na construção de conhecimentos, no desenvolvimento de habilidades e na formação de atitudes e valores” (BNCC, pp. 8-9) Como as competências gerais mencionam a “linguagem” 4. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual- motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo. 7. Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta. O que isso significa na prática? Com a redução da carga horária para as competências gerais, ou seja, para o currículo básico, bem como a amplitude dos objetivos relacionados à linguagem, houve uma redução de carga horária de Língua Portuguesa na distribuição da disciplina nos três anos de Ensino Médio. Além disso, mediante a proposição da BNCC, aconteceu uma mudança de parâmetro do ensino de Língua Materna. Trocando em miúdos Deixam de ser trabalhados no decorrer do Ensino Médio conhecimentos importantes para a formação crítica E para oportunizar chances de acesso a outros conhecimentos que dependem do domínio da Língua Materna. Além de distanciar os estudantes de universos privilegiados, essa configuração do ensino de Língua Materna precariza a relação entre o ser humano e sua própria cultura, sua comunidade de vivência, interferindo até mesmo na sua opinião sobre si e sobre seu lugar no mundo. E a Língua Inglesa?
A obrigatoriedade da Língua Inglesa garantida na lei,
aliada à já antiga baixa carga horária da disciplina, têm como consequência a manutenção do tempo de aula da disciplina. Isso aumenta sua importância dentro do currículo básico. Outro ponto relevante é o entendimento de que a Língua Inglesa, “cujo estudo é obrigatório no Ensino Médio (LDB, Art. 35-A § 4º), deve ser compreendida como língua de uso mundial, pela multiplicidade e variedade de usos, usuários e funções na contemporaneidade”. Língua mundial ou Língua franca Desregionalizar a Língua Inglesa, como foi feito com a Língua Portuguesa, leva a uma imprecisão quanto ao papel dos países falantes do idioma no mundo contemporâneo. Essa imprecisão distancia a consciência do estudante quanto à hegemonia desses países na configuração política e econômica mundial. Em outras palavras, os jovens perdem a noção de que “absorver acriticamente” a língua “mundial” é abrir mão da própria identidade e se submeter a uma supremacia disfarçada de generalização. Teoria e prática Quando lidas as competências e habilidades listadas na BNCC, pode parecer ao leitor que se trata de uma proposta de fortalecimento da criticidade do estudante. Habilidades como a EM13LGG101, que estabelece o objetivo de “compreender e analisar processos de produção e circulação de discursos, nas diferentes linguagens, para fazer escolhas fundamentadas em função de interesses pessoais e coletivos” (BNCC, p. 483) fazem parecer que o propósito da reforma foi o de ampliar os horizontes dos estudantes. Porém, analisando as condições estabelecidas, em especial as restrições do currículo básico, fica evidente que tais objetivos são inatingíveis. Consequências do NEM Muitas consequências da implementação do NEM são mencionadas pelos especialistas, principalmente: O aumento das diferenças entre educação pública e educação privada, O distanciamento dos estudantes das Universidades e o direcionamento para o trabalho, O impedimento das escolhas serem efetivadas em função da precariedade de estrutura das Consequências do Talvez tão grave quanto o despreparo com relação ao futuro dos estudantes é a consequência de NEM com a perda de referencial cultural e o aumento do “complexo de vira-latas” que a nova configuração das Linguagens acarreta. Um país só resiste mudança nas mediante ataques hegemônicos quando sua população tem a base cultural e o senso de Linguagens pertencimento a uma comunidade fortalecidos. O “Novo” Ensino Médio é o pior retrocesso possível para a Educação Brasileira. Referências BRASIL. Lei nº 13.415/2017. In: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13415.htm. Acesso em 30/05/2023. BRASIL. Base Nacional Comum Curricular Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação, 2018. DOMINGUES, José Juiz; TOSCHI, Nirza Seabra; OLIVEIRA, João Ferreira de. A reforma do Ensino Médio: a nova formulação curricular e a realidade da escola pública. In: Dossiê Ensino Médio, Educ. Soc. 21 (70), Abr. 2020. FERRETTI, Celso João. A reforma do Ensino Médio e sua questionável concepção de qualidade da educação. In: Estud. av. 32 (93) • May-Aug 2018. SILVA, Flávia Matias da. O ensino de língua inglesa sob uma perspectiva intercultural: caminhos e desafios. In: Dossiê Trab. linguist. apl. ; nº 58 (1); Jan-Mar 2019. SILVA, Mônica Ribeiro da. BNCC da Reforma do Ensino Médio: o resgate de um empoeirado discurso. In: Palavra Aberta Educ., nº 34, 2018. SOUZA, Carlos Fabiano de. Novo ensino médio: deriva de sentidos em uma propaganda televisiva do governo federal. In: ling. (Dis)curso, 20 (03), sep-dec 2020 . Obrigada.