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FADIVALE – FACULDADE DE DIREITO VALE


DO RIO DOCE

DISCIPLINA: PSICOLOGIA APLICADA

Professor: Mário Gomes de Figueirêdo


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UNIDADE 1 - INTRODUÇÃO

BREVE HISTÓRICO DA PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA

Sempre tivemos fascínio pelo nosso próprio comportamento e especulações acerca da


natureza e conduta humanas é o tópico de muitas obras filosóficas e teológicas ao longo
do tempo. Estudiosos vêm tentando compreender o pensamento, as emoções e o
comportamento humano desde os primórdios da história registrada. Seus esforços têm
produzido muitas descobertas e conclusões respeitáveis, bem como imprecisões e mitos.
Os filósofos buscavam respostas através da especulação, do pensamento
sistematicamente organizado pela razão e pelas regras do raciocínio. Já o saber
teológico estabelecia a revelação divina, escritas nos livros sagrados, como fonte do
conhecimento de todas as coisas, acima de qualquer questionamento da consciência
humana.

Já no século V a.C., por exemplo, Platão, Aristóteles e outros pensadores gregos se


viam às voltas com muitos dos mesmos problemas que hoje ocupam os psicólogos:
como explicar a memória, a aprendizagem, a motivação, a percepção, a atividade
onírica e a loucura.

Durante a Idade Média, prevaleceu o saber teológico, com a supremacia do cristianismo


na Europa Ocidental. As escrituras sagradas eram a fonte de todo o conhecimento.
Durante esse período histórico, conhecido como Idade das Trevas, não houve mudanças
a considerar na forma de se compreender o mundo e o homem.

A partir do século XVII, começaram a surgir novas idéias. René Descartes (1596-1650),
por exemplo, filósofo francês, afirmou que os seres humanos, assim como o universo, se
assemelhavam ao mecanismo dos relógios. Assim, prevaleceu – entre os séculos XVII e
XIX – a concepção dos seres humanos como máquinas e o método científico seria a
forma possível de se investigar os “mecanismos” da natureza humana. Descartes
introduziu uma nova abordagem da relação entre a mente e o corpo: a dualidade físico
(res extensa) x psicológico (res cogitans). Depois de Descartes, foi rápido e prolífico o
desenvolvimento da ciência moderna em geral e da psicologia, em particular.

A distinção entre a psicologia moderna e seus antecedentes está menos nos tipos de
perguntas feitas sobre a natureza humana do que nos métodos empregados na busca das
respostas a essas perguntas. O que distingue a filosofia antiga da psicologia
moderna são os métodos e as técnicas utilizadas, que denotam a emergência da
psicologia como um campo de estudo próprio, essencialmente científico.

Uma grande transformação se sucedeu quando os filósofos começaram a aplicar


instrumentos e métodos que já tinham se mostrado bem sucedidos nas ciências
físicas e biológicas a questões relativas à natureza humana. Com os pesquisadores
agora se apoiando na observação e na experimentação sistemática,
cuidadosamente controlada para estudar o comportamento humano é que a
psicologia começou a alcançar uma identidade como ciência, que a diferenciava da
filosofia.
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Em dezembro de 1879, na Alemanha, foi implantado o primeiro laboratório de


psicologia do mundo. Em 1881, foi fundada a primeira revista de psicologia dedicada
primordialmente a relatos de experimentos. Já em 1895, havia vinte e seis laboratórios
de psicologia e três revistas em circulação, só nos Estados Unidos.

A psicologia passou a ser aplicada inicialmente à educação e, posteriormente, durante as


duas Guerras Mundiais, à seleção de pessoal, aplicação de testes de personalidade. Isso
demonstrou ao público o quanto a psicologia podia ser útil na resolução de problemas
da vida cotidiana. Desde então, a psicologia se expandiu não apenas em termos de seus
clínicos, pesquisadores, acadêmicos e de sua literatura publicada, mas também em
termos de seu impacto na nossa vida cotidiana.

Hoje em dia, a psicologia se define como a ciência dos fenômenos psíquicos e do


comportamento; é o conjunto de estado e disposições psíquicas de idéias de um
indivíduo ou de um grupo de indivíduos; conhecimento acerca dos sentimentos e do
comportamento de outrem; aptidão para prever ou compreender o comportamento do
outro.

Ainda tem-se que a psicologia é a disciplina que tem por objeto de estudo a alma, a
consciência ou os eventos característicos da vida animal e humana, nas várias
formas de caracterização de tais eventos, com o fim de determinar sua natureza
específica. Tais eventos podem ser considerados, dependendo da abordagem teórica,
como puramente mentais, ou seja, como fato da consciência, ou como eventos objetivos
ou objetivamente observáveis, como movimentos, comportamentos e respostas físicas.

Em síntese, a psicologia (psico = mente e logos = estudo) moderna pode ser definida
como o estudo científico do comportamento e dos processos mentais.

SENSAÇÃO E PERCEPÇÃO

Sensação e percepção constituem um processo contínuo, que se inicia com a recepção


do estímulo (que pode vir do ambiente externo ou interno ao corpo) até a interpretação
da informação pelo cérebro, valendo-se de conteúdos nele registrados.

Didaticamente, pode-se pensar na sensação como a operação por meio da qual as


informações relativas a fenômenos do mundo exterior ou a estados do organismo
chegam ao cérebro. Essas informações permitem ao cérebro compor uma imagem
mental correspondente a elas.

A percepção, que é a etapa seguinte à sensação, implica na interpretação dessa imagem


mental, que é produto da sensação. Assim, percepção é o processo de transformação
de estimulação física (sensorial) em informação psicológica (com significados
subjetivos, idiossincráticos). Pode ainda ser definida como o processo mental pelo
qual os estímulos sensoriais são trazidos à consciência.

Os estados emocionais (ansiedade, medo, alegria, raiva) afetam os limiares de sensação


(limite abaixo do qual o estímulo não é reconhecível). Quando se está com raiva de
alguém, por exemplo, um som, um suspiro, um leve sorriso são registrados com
intensidade muito maior.
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Substâncias psicoativas, como o álcool, alteram a interpretação dos efeitos de estímulos


do ambiente, gerando dificuldades para compreender orientações e confundir seus
conteúdos.

A sensação depende do estímulo e da capacidade do indivíduo de captá-lo; a percepção


depende de acontecimentos anteriores (condicionamento) que envolveram o mesmo
estímulo (ou outros semelhantes ou equivalentes) e que afetam a interpretação da
sensação pelo cérebro.

Afeto é a experiência da emoção observável, expressa pelo sujeito, onde ele a apresenta
através de gestos e palavras. O humor (afeto) é experimentado subjetivamente, pois tem
a ver com a percepção idiossincrática do mundo pelo indivíduo.

PENSAMENTO, LINGUAGEM E CONFLITO.

Pensamentos e emoções trafegam por uma rua de mão dupla: certos pensamentos
evocam certas emoções e certas emoções evocam certos pensamentos. Os planos
cognitivos e emocionais estão constantemente ligados por essas interações. A falta de
sintonia entre pensamentos e entre pensamento e linguagem, muitas vezes, encontra-se
na origem, manutenção e amplificação de graves perturbações psicológicas.

Os conflitos iniciam-se e se cronificam, muitas vezes, pela impossibilidade dos


litigantes lidarem com mudanças. São limitações impostas pelo pensamento (esquemas
de pensamento, crenças arraigadas, por exemplo) e pela emoção (raiva, ressentimento,
medo).

Quando as partes envolvidas em um litígio pensam e usam linguagens muito diferentes,


a incompatibilidade aumenta e situações banais, que nada teriam para gerar conflitos,
provocam reações e comportamentos surpreendentes. Tal incompatibilidade torna-se um
sério entrave para se chegar a soluções razoáveis e satisfatórias.

PERSPECTIVAS TEÓRICAS

A psicologia contemporânea abrange muitas áreas de estudo e aplicação, com diversas


teorias de base, tendo, muitas vezes em comum, apenas o interesse expresso pela
natureza e pela conduta humana. Algumas abordagens da psicologia concentram-se em
processos cognitivos (psicologia cognitiva). Outras explicam o comportamento humano
como determinado por forças e conflitos inconscientes.

Para o behaviorismo radical, proposto pelo psicólogo norte-americano B. F. Skinner


(1904-1990), o comportamento é produto de três níveis de variação e seleção: o
filogenético (determinado pela evolução natural da espécie), o ontogenético (que é a
história particular de vida do indivíduo) e o cultural (as práticas culturais de
determinada sociedade). Através da observação sistemática e experimentos com o
comportamento observável de animais, Skinner concebeu a aprendizagem operante,
que consiste da aquisição pelo indivíduo de novos comportamentos, mediante a
variação e seleção de resposta pela conseqüência produzida no ambiente. Um
comportamento que é bem sucedido em obter o que é útil para o organismo, tende a se
repetir automaticamente em situações semelhantes. Desta forma, o comportamento é
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reforçado pela conseqüência que produz, no sentido de ter aumentada sua probabilidade
de ocorrência futura em circunstância parecidas.

Na psicologia cognitiva, de Albert Ellis (1913-2008), o pressuposto é de que o mundo


não nos é dado, mas o construímos através de nossa experiência, de nossa classificação,
da memória e do reconhecimento contínuo. Ou seja, o mundo para o sujeito é a medida
de seus processos cognitivos. Assim, considera que a causa dos problemas humanos
encontra-se nas crenças irracionais, que levam as pessoas a um estado de não-adaptação
ao seu meio ambiente. Dominado por essas crenças irracionais, o sujeito processa
informações de maneira distorcida, levando-o a comportamentos inadequados,
prejudiciais a ele mesmo.

A psicanálise, concebida por Sigmund Freud (1856-1939), conceitua a existência do


inconsciente, cujas manifestações devem ser analisadas. Para Freud, todo
comportamento é determinado, não acontecem por acaso. A maior parte dos processos
mentais é absolutamente inconsciente. O indivíduo pode agir sem estar consciente do
que e por que faz. Os atos falhos ou lapsos são formas de expressão do inconsciente, o
qual funciona como uma espécie de blindagem para a consciência. Freud concebeu o
aparelho psíquico dividido em ID (princípio de prazer, irracionalidade), EGO
(consciência, razão, princípio de realidade) e SUPEREGO (censor, expressão de
proibições impostas pela cultura). A Justiça, por exemplo, pode apresentar-se como um
“superego externo”, ao atuar expondo e exigindo o cumprimento de normas éticas e
morais da sociedade.

Para Aaron Bech (1921-), criador da Terapia Cognitiva, as interpretações que o


indivíduo faz do mundo estruturam-se progressivamente, durante seu desenvolvimento,
constituindo regras ou esquemas de pensamento que comandam seu comportamento.
Pessoas dominadas PR esquemas rígidos de pensamento não “enxergam” outros pontos
de vista e ignoram novos conceitos. Exemplos são os fanatismos e preconceitos.

A visão da psicologia da Gestalt é a de que o sujeito funciona com um motivo único,


que é o da auto-realização. Assim, para a Gestalt, o organismo normal é aquele em que
a tendência para a auto-realização vem de dentro e supera a perturbação do choque com
o mundo externo, não por ansiedade e sim pelo prazer da conquista. A pessoa caminha
para a auto-realização exercendo suas preferências, que são motivações conscientes.

Quadro Resumo de cinco Paradigmas Teóricos


MODELO ELEMENTO BÁSICO TIPO DE INTERVENÇÃO
Psicanalítico Conflitos inconscientes Uso da livre associação de idéias,
interpretação de sonhos, transferência
e contra-transferência.
Comportamental O comportamento Estratégias de modificação do
comportamento pela utilização dos
princípios da aprendizagem operante.
Cognitivo Processos mentais Modificação de crenças disfuncionais
(reestruturação cognitiva)
Humanístico Experiências subjetivas de Intervenções centradas no cliente, no
cada indivíduo em sua aqui e agora.
condição existencial.
Gestalt Percepção Modificação da percepção de si e do
mundo em busca da auto-realização.
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INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA APLICADA AO DIREITO.

A lei predominante nas diversas civilizações era a Justiça de Talião, que prescrevia a
máxima “olho por olho, dente por dente, vida por vida”. Ao longo de muitos séculos
ocorreram variações pequenas nesse princípio de aplicação da justiça, cuja meta era a de
infligir ao delinqüente o mesmo mal que ele praticara, restaurando-se deste modo a
ordem e a paz social. Freqüentemente a punição ocorria na forma de penas vigorosas
que beiravam a fúria, com requintes de crueldade e de degradação humana. Assistiu-se a
isso até fins da Idade Média e meados do Iluminismo.

Os séculos XVII e XVIII foram de transição nos modelos de aplicação de penas, que
mesmo severas, não continham a criminalidade. Em fins do século XVIII e início do
XIX, com as reformas institucionais e da sistemática penal, percorridas no período
anterior e defendidas pela jurista e economista italiano Cesare Beccaria (1738-1794) é
que surge a prisão como a conhecemos hoje. O princípio básico passa a ser o de aplicar
uma forma mais humana e digna às penas. No bojo das reformas, constavam os
princípios de legalidade dos crimes e das penas, assim como a proporcionalidade das
penas aos delitos. Beccaria combateu ainda a pena de morte e as infamantes, com o
argumento de que o que combatia o crime não era o rigor, mas a certeza da pena.

Nesse sentido, nota-se que a utilização das ciências médicas e psicológicas pelo
Judiciário visa não só o cumprimento da lei, mas a humanização de sua aplicação, que
são os princípios que regem o Estado de Direito Democrático, onde a ética prescreve
que o bem maior é a vida, o sujeito humano.

Ao final do século XIX, são produzidas reflexões sobre o Direito e a sua função na vida
social, a partir de ciências próximas da Psicologia, como a filosofia. Foi nesse século
que surgiu a necessidade explícita da aplicação da Psicologia ao Direito.

Já no início do século XX havia a consciência de que os juízes não são tão livres em
suas decisões, sendo influenciados por componentes inconscientes. Aqui nota-se a
relação dos saberes da psicologia e a atuação dos atores jurídicos. Anteriormente ao
século XX, eram os próprios juristas que reclamavam a necessidade de um
conhecimento psicológico para poder realizar sua atividade judicial. A preocupação
com a necessidade do conhecimento psicológico na Justiça não é muito recente.

Diversos acontecimentos estabeleceram a definitiva relação da Psicologia com o


Direito. Em fins do século XIX, surgem obras em psicopatologia, como a do médico
italiano Cesare Lombroso, que criou a escola de pensamento sobre a criminalidade.
Lombroso defendia a relação entre características físicas e a criminalidade, a
partir de estudos realizados em prisões na Itália. Durante muito tempo a Psicologia
Criminal utilizou-se da teoria de Lombroso, apesar da existência de escolas contrárias.
Esse debate sobre a conduta criminosa foi importante para o ressurgimento da
Psicologia Jurídica, como também para a ampliação das suas áreas de atuação.

No início do século XX, houve uma consolidação da análise psicológica da conduta


humana relacionada com os aspectos legais (conduta criminal, testemunha) e também da
Psicologia Aplicada, utilizada tanto em assuntos penais como em civis, tais como
responsabilidade civil, custódia infantil, etc.
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Ainda nas primeiras décadas do século XX, os psicólogos alemãs e franceses


desenvolveram trabalhos empírico-experimentais sobre o testemunho e sua participação
nos processos judiciais. Em 1907, por exemplo, foi lançada na Alemanha uma obra que
defendia a utilização de teste de associação de palavras para ajudar a estabelecer a
culpabilidade ou a inocência de acusados, o que foi duramente atacado pelos juristas da
época. Nas décadas de 1950 e 1960, a Psicologia do Testemunho surge com vigor, a
partir de pressupostos da Psicologia Cognitiva.

Simultaneamente, os psicólogos clínicos começam a colaborar com os psiquiatras nos


exames psicológicos legais, promovendo um grande desenvolvimento nos estudos
psicométricos utilizados nos laudos psicológicos, inicialmente usados na justiça da
juventude.

Na década de 1950, o psicólogo forense é devidamente incorporado como perito que


testifica, utilizando os conhecimentos da Psicologia nos Tribunais. Estudos psicológicos
são utilizados para decisões judiciais.

A partir da premissa de que as decisões judiciais apresentavam mais um fundamento


psicológico (emocional, inconsciente) do que um juízo puramente lógico-dedutivo,
multiplicaram-se os textos realizados por juristas que enfatizavam a necessidade de
fundamentação psicológica não somente no Direito, mas também na prática do jurista.

No Brasil, não diferente da história mundial, a prática forense foi iniciada pela
psiquiatria (ou melhor situando, pela medicina legal). A partir do conhecimento do
psicólogo enquanto profissão no país, sua atuação na área jurídica se estendeu do final
dos anos de 1960 aos anos de l980 em atividades nos processos vinculados a Vara de
Menores ou Juizados de Menores, que incluíam casos de adoção, abandono e
ocorrências referentes a crianças e adolescentes. Nesse contexto, o papel do psicólogo
estava mais relacionado a orientações do que a um processo pericial mais específico.

A partir dos anos de 1980, os psicólogos com práticas jurídicas ingressaram em


unidades de perícias tais como Institutos de Medicina Legal por todo o Brasil e Instituto
de Medicina Social e Criminologia no Estado de São Paulo.

Conceitualmente pode-se dividir a relação da psicologia com o direito. A psicologia do


Direito, por exemplo, tem como objetivo explicar a essência do fenômeno jurídico, isto
é, a fundamentação psicológica do Direito, uma vez que todo o direito está repleto de
conteúdos psicológicos (elementos relativos aos processos mentais, às emoções e afetos,
à subjetividade). Esta proposta constitui-se de uma formulação eminentemente teórica.

Já a psicologia no Direito estuda a estrutura das normas jurídicas enquanto estímulo que
afetam a conduta humana. As normas jurídicas destinam-se a produzir ou evitar
determinados comportamentos e, nesse sentido, carregam inúmeros conceitos de
natureza psicológica. Nesse aspecto, a psicologia no direito é uma disciplina aplicada e
prática.

E ainda a psicologia para o direito vem auxiliar o direito, junto com outras disciplinas
tais como a medicina legal, a antropologia, a sociologia, a filosofia e outras. Aqui, a
psicologia é convocada a iluminar os fins do direito.
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A psicologia jurídica trata dos fundamentos psicológicos da justiça e do direito (caráter


mais teórico), enquanto a psicologia judicial aparece como a aplicação do saber
psicológico à prática do jurista, sendo inaugurada com a psicologia criminal. A
psicologia Jurídica, na sua totalidade, não é apenas um instrumento a serviço do
judiciário. Ela analisa as relações sociais, muita das quais não chegam a serem
observadas pelo legislador.

A Psicologia Jurídica é fundamentada como uma especialidade que desenvolve um


grande e específico campo de relações entre o Direito e a Psicologia, nos aspectos
teóricos e de pesquisa, assim como na aplicação, na avaliação e no tratamento. A
Psicologia, de um lado, procura compreender e explicar o comportamento humano, e o
Direito, de outro, possui um conjunto de preocupações sobre como regular e prever
determinados tipos de comportamentos, com o objetivo de estabelecer um contrato
social de convivência comunitária.

A Psicologia Jurídica se define ainda como sendo uma assessoria na condução do


processo jurídico. Essa atividade, que é diretamente vinculada aos Fóruns e ao
Ministério Público, cumpre o papel de facilitador no entendimento mais humano do ato
jurídico.

As funções do psicólogo jurídico incluem a avaliação e diagnóstico da conduta


psicológica dos atores jurídicos, o assessoramento para orientar como perito em
questões de sua área, fazendo intervenções, planejamento e realização de programas de
prevenção, tratamento, reabilitação e integração de atores jurídicos na comunidade, no
meio penitenciário, na formação e educação, treinamento e seleção de profissionais do
sistema legal, em campanhas de prevenção social contra a criminalidade em meios de
comunicação, em pesquisas, na vitimologia e na mediação, quando apresenta soluções
negociadas em conflitos jurídicos.

Em suma, o papel forense do psicólogo na realidade brasileira engloba desde o processo


da avaliação psicológica à implantação de recursos terapêuticos para as vítimas e
agressores em diferentes contextos.

Modalidades de atuação do psicólogo

a) No Direito Penal: casos provenientes da Vara Criminal e Vara de Execução Penal


(incidentes de sanidade mental e de farmacodependência, para verificação de imputação
e grau de dependência química).

b) No Direito Civil: Vara Cível, Vara da Família e Sucessão e Vara da Infância e


Juventude (casos de interdição, anulação de casamento e separação litigiosa, guarda dos
filhos, regulamentação de visitas, avaliação de transtornos mentais em ações de
indenização).

c) No Direito do Trabalho: casos provenientes da Vara Trabalhista (acidentes, doenças


profissionais, doenças decorrentes das condições do trabalho, verificação da capacidade
laborativa, etc.).
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d) No Direito Administrativo: verificação das condições mentais para fins de


aposentadoria por doença mental, reintegração de posse.

e) No Direito Militar: verificação das condições mentais para fins de


ingresso/reforma/integração de posse.

f) No Direito Canônico: verificação da capacidade para contrair matrimônio e para


receber sacramento.

SAÚDE MENTAL E PSICOPATOLOGIAS

O termo psicopatologia surgiu em 1878, como sinônimo de psiquiatria clínica. Esse


termo se compõe de psico, que se refere ao psiquismo e se origina do grego psiqué –
que significa sopro, respiro, princípio vital – e pathos, que tem o sentido de sofrimento
e também de paixão; isto é, perda do controle racional de si e de seus atos.

A psicopatologia como disciplina científica é independente da medicina e está


comprometida com a compreensão da experiência íntima do sofrimento psicológico do
indivíduo dentro de uma perspectiva biopsicossocial.

Os transtornos mentais estão descritos em duas publicações tradicionais, com utilização


internacional, que é a CID-10 (Código Internacional de Doenças, da Organização
Mundial de Saúde) e o DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatística de Distúrbios
Mentais, editado pela Associação Norte-Americana de Psiquiatria).

O conceito de normalidade em psicopatologia é uma questão de grande controvérsia.


Não obstante isso, podemos definir o patológico como aquilo que causa perturbação
intensa e persistente ao próprio indivíduo ou à sociedade.

A ação humana é de alta complexidade e deriva de determinante biológico, psicológico


e de um contexto ambiental. Para entender, por exemplo, porque uma pessoa mata outra
é preciso compreender fatores, como características de personalidade e o contexto onde
a ação ocorreu.

Estudos no intuito de compreender o comportamento delituoso seguem algumas


vertentes de pesquisa, como, por exemplo, quadros psiquiátricos em unidades de
custódia (manicômios judiciários) e de tratamento psiquiátrico. Aqui se observou que a
esquizofrenia paranóide, o transtorno delirante persistente, o transtorno de
personalidade explosiva, o transtorno de personalidade anti-social (psicopatia),
transtorno de personalidade dependente e o retardo mental são os quadros de maior
correlação com crimes violentos.

Nos termos da descrição da CID-10, a esquizofrenia é um transtorno mental que se


caracteriza por alterações da percepção sensorial (alucinações), do pensamento (delírios
e desorganização de idéias), da afetividade (embotamento), do humor (depressão,
irritabilidade) e do comportamento social (retraimento, isolamento). Na esquizofrenia
paranóide, que é o sub-tipo mais comum, o quadro clínico é dominado por delírios de
perseguição e alucinações áudioverbais.
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O transtorno delirante persistente é caracterizado por delírio que são usualmente


persistentes e muitas vezes duram a vida toda. Os delírios são variáveis em seu
conteúdo. O mais crítico é o delírio de conteúdo persecutório.

O transtorno de personalidade emocionalmente instável do tipo impulsivo


(explosiva) tem como características predominantes a instabilidade emocional e a falta
de controle dos impulsos, com uma tendência marcante para agir sem considerar as
conseqüências. Ocorrem comumente acessos de violência, particularmente em reação a
críticas. Pessoas com essa personalidade são popularmente chamadas de
“temperamentais”, que respondem de forma impulsiva e violenta a situações banais,
chegando ao homicídio. A impulsividade pode ser definida como uma falha em resistir
a um impulso, que é prejudicial à própria pessoa ou aos outros. Diferencia-se da
compulsão porque nesta há ainda uma tentativa do indivíduo resistir, porém geralmente
sem sucesso. O indivíduo impulsivo freqüentemente age no calor da situação.

A personalidade dependente se caracteriza por uma subordinação das próprias


necessidades e interesses às dos outros dos quais se faz dependente, se submetendo aos
desejos desse outro, além de capacidade limitada de tomar decisões cotidianas sem um
excesso de conselhos e opinião dos outros. Tem preocupação e medo de ser abandonado
pela pessoa com a qual tem relacionamento íntimo e se faz dependente. Quando ocorre
mudanças nas expectativas do relacionamento, a pessoa se sente ameaçada, podendo
ocorrer sentimentos de frustração. A frustração pode levar a altos níveis de ansiedade,
gerando insegurança e baixa auto-estima. Assim, em alguns casos, o desejo de manter o
relacionamento a qualquer custo pode levar o indivíduo a uma situação de homicídio
seguido de suicídio.

Pessoas com características de personalidade narcísica (excessivamente vaidosas e


orgulhosas) também podem cometer homicídio, na medida em que o orgulho ferido gera
um ódio intenso, que sustenta e embala a necessidade de vingança.

O retardo mental é uma condição de desenvolvimento cognitivo interrompido ou


incompleto, especialmente caracterizado por comprometimento de habilidades de
linguagem, motoras e sociais, o que leva o sujeito a atos criminosos, como o homicídio,
por uma incapacidade, geralmente parcial, de auto controle e conhecimento claro da
natureza anti-social de sua conduta.

O transtorno de personalidade anti-social (psicopatia, sociopatia) é caracterizado


por uma absoluta indiferença pelos sentimentos alheios, por atitudes flagrantes e
persistentes de desrespeito a normas, regras e obrigações sociais, além de baixa
tolerância à frustração e um baixo limiar para descarga de agressão, incluindo violência.
A ausência de sentimentos éticos e altruístas, unidos à falta de princípio morais
impulsiona o psicopata a cometer crimes, muitas vezes com requintes de brutalidade e
crueldade. Ressalte-se, entretanto, que nem todo psicopata comete homicídio. Muitos
podem ser descritos como violentos, mas sem romperem a barreira da transgressão.
Outros ainda podem se tornar contraventores, políticos corruptos, empresários
inescrupulosos ou estelionatários.

O psicopata apresenta como característica de comportamento aspectos como: encanto


superficial, inteligência, ausência de delírios e outros sinais de pensamento
desorganizado ou irracional, ausência de ansiedade neurótica, presença de
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irresponsabilidade e mentira, ausência de remorso e vergonha, apresentando


comportamentos claramente anti-sociais sem nenhum constrangimento, pobreza de
expressões afetivas, curso de vida errante, sem um plano ou projeto definido.

Ainda pode-se acrescentar, como aspectos da personalidade a serem investigados na


conduta criminosa, o seguinte: loquacidade e charme superficial (sujeito bom de lábia),
auto-estima exagerada (arrogância, ausência de constrangimento, fanfarrice),
necessidade de aventura e de correr riscos (atitude desafiadora e inconseqüente),
mentira (mente sem vergonha alguma), manipulação, fraude, ausência de remorso ou
culpa, insensibilidade afetiva-emocional, falta de empatia, estilo de vida errante,
descontrole de comportamento, promiscuidade sexual (relacionamentos impessoais,
fortuitos, sem envolvimento afetivo e sem compromisso), problemas de comportamento
na infância e adolescência, impulsividade, versatilidade criminal (registro criminal que
envolve acusações e condenações de diversos tipos).

O psicopata não tem capacidade de sentir os componentes emocionais do


comportamento pessoal e interpessoal. Ele pode copiar características de personalidades
(para fingir, dissimular), mas é incapaz de sentir realmente. Ele busca a satisfação de
seu prazer ignorando leis morais, jurídicas ou religiosas de sua cultura. Para o psicopata,
as regras sociais não se constituem de um impedimento para seus atos e a idéia de
compaixão e bem comum (senso ético) não passa de uma mera abstração confusa e
inconveniente (só serve para atrapalhar seus intentos).

Alguns psicopatas são menos refinados e não demonstram habilidades para planejar
suas ações, agindo de forma a não se importar com as conseqüências de seus atos nem
mesmo para si. Outros são mais inteligentes e planejam minuciosamente suas ações,
com um alto grau de complexidade.

Para entender os transtornos de personalidade, tem-se que a Psicologia, como ciência do


comportamento, considera a interação de fatores físicos (biológicos), psicológicos
(cognitivos, afetivos, próprios de cada indivíduo) e sociais, como determinantes da
personalidade de cada sujeito. O comportamento criminoso (personalidade anti-social),
que compreende o homicídio, latrocínio, agressão sexual, frutos, ações fraudulentas e
crime organizado envolvem diversas considerações etiológicas.

Desta forma, para se compreender o comportamento criminoso se faz imprescindível


entender uma interdisciplinaridade, que abrange desde os aspectos biológicos
(genéticos, neurofisiológicos e bioquímicos), aos aspectos psicossociais (condições
socioeconômicas familiar, nível de orientação quanto à saúde, educação, socialização e
histórico profissionalizante, considerando sua formação desde a infância).
A problemática do comportamento criminoso compreende não mais um fenômeno
isolado de um determinado local, em uma determinada cidade ou país. A conduta anti-
social constitui-se num fenômeno mundial e avassalador, cada vez mais audacioso. Sua
conseqüência à sociedade e ao próprio indivíduo tem-se caracterizado principalmente
psicogênico. As notícias e estatísticas diárias de crimes veiculadas na mídia tendem a
provocar na população um elevado nível de insegurança e ansiedade, levando-a a um
isolamento social, com residências sufocadas por grades de proteção, cercas elétricas e
outros aparatos de proteção.
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O estudo pormenorizado da personalidade do autor de um ato delinqüente implica no


estudo das circunstâncias onde tal comportamento anti-social ocorreu. Esse processo
caracteriza-se pela compreensão da ação anti-social pelo profissional perito, em
identificar o que levou o indivíduo a agir de tal maneira (motivação), a oportunidade
(circunstâncias) e as características de comportamentos anteriores (histórico de ações
delinqüentes). A compreensão desse complexo comportamento não deve limitar-se a um
plano de intervenção, mas também a ações preventivas.

ASPECTOS DA DINÂMICA DO COMPORTAMENTO DELITUOSO

O crime ocorre quando um indivíduo, em resposta a determinantes de ordem biológica,


psicológica e social, encontra-se em situação tal que a execução do delito se lhe afigura
subjetivamente como saída inevitável, necessária ou mesmo desejável. O crime, na
maioria dos casos, é produto de uma conduta que caracteriza um transtorno de
personalidade, não da inteligência: o criminoso, imputável, decide escolher pelo delito.

O comportamento de cada indivíduo implica na sua personalidade, como um padrão


estável de respostas, suas inclinações e disposições. No processo de compreender o
comportamento criminoso, a primeira tarefa é saber como o crime apareceu para o
sujeito; ou seja, o que o levou à prática de tal conduta delitiva. A segunda é saber por
que aconteceu de determinada forma e não de outra. A terceira é saber se, mudando este
ou aquele fator, o delito teria sido produzido da mesma maneira ou de maneira diversa.

O desenvolvimento da personalidade da pessoa periciada inclui fatores hereditários


(biológicos) e de sua história de vida. São importantes aspectos de uma visão
longitudinal, como comportamento e permanência na escola, na profissão, inconstância
no emprego, mentiras, arrebatamento afetivo, comportamento nas relações com os
outros (familiares, colegas, superiores), ocupação do tempo livre, vida sexual, uso de
bebidas e drogas, atividade econômica, estratégias utilizadas para resolução de
conflitos, histórico de delitos. Numa visão transversal, tem-se a o estado psicológico e
físico atual, no momento da avaliação, que inclui tipo constitucional, condições de
saúde física e mental, capacidade física para o trabalho, temperamento, tendências
funcionais e materiais da vida afetiva e volitiva, inteligência, discernimento moral e
jurídico.

ASPECTOS PSICOLÓGICOS DE JULGADORES, TESTEMUNHAS E


VÍTIMAS

Juízes e jurados trabalham antes com a realidade dos relatos, e não com a realidade dos
fatos. Julga-se por meio da comparação com referenciais inscritos no social e
modulados por eventos mentais que dominam o funcionamento psicológico de cada
indivíduo. A relação entre sujeito e ambiente social constrói o funcionamento mental,
cognitivo, com seus afetos, crenças e auto-regras.

O examinador (delegado, advogado, promotor ou juiz) empreende um confronto de


linguagem e pensamentos entre o que se pergunta e o que se responde, no contexto de
uma entrevista investigativa.
13

O primeiro passo na arte de entrevistar é forjar um ambiente cordial e confiável. Dentre


os aspectos envolvidos em uma entrevista, um deles consiste em dominar os
procedimentos da entrevista e as estratégias para se estabelecer sintonia emocional com
o entrevistado, a qual consiste em se atingir uma interação entre o entrevistador e
entrevistado por meio do qual o entrevistador consiga compreender a natureza das
principais emoções que dominam o entrevistado. Entender que a emoção domina
profundamente uma pessoa possibilita ao entrevistador identificar limites a estabelecer
ou respeitar.

Observa-se que há sintonia emocional quando o entrevistador:

a) Percebe e interpreta sinais do estado de tensão do entrevistado, de emoções que


o dominam e efeitos que possam causar em seu comportamento, no seu
entendimento e na sua capacidade de elaborar as respostas;
b) Identifica as informações relevantes para entender o relato que possibilite
interpretar as respostas;
c) Ajusta a linguagem, para torná-la compreensível ao entrevistado, evitando a
ocorrência de falhas de comunicação, que possam comprometer o entendimento;
d) Identifica esquemas de pensamento do entrevistado, ajusta o questionamento,
elimina ambigüidades capazes de interferir nas respostas e no sentido destas;
e) Observa o desenvolvimento mental do entrevistado (quando criança, ou
indivíduo com retardo mental), com o objetivo de formular as questões de
maneira a serem adequadas à elaboração cognitiva do indivíduo. Perguntas
abstratas, por exemplo, dirigidas a pessoas com déficit intelectual produzirão
respostas inconsistentes ou mesmo absurdas.

O entrevistador deve estar atento a fatores que contribuem para comprometer a atenção
e, assim, a entrevista. São eles:

a) Cansaço físico: ocasiona relaxamento involuntário da atenção e desvia o


pensamento. Quando entrevistas e audiências prolongam-se por horas seguidas,
aumenta a probabilidade de ocorrer desatenção de detalhes importantes por
cansaço do entrevistador;
b) Mecanismos psicológicos de defesa: alguns temas e situações podem ocasionar
sofrimento ou desconforto emocional, quando, por exemplo, o entrevistador se
vê confrontado em seus valores pessoais. Assim, processos cognitivos
involuntários e automáticos podem produzir esquiva de tais questões. A perda
ou desvio de atenção pode constituir um dos mecanismos de defesa, assim como
a atenção seletiva, a observação de certos detalhes e esquecimento de outros.
c) Pensamentos automáticos: palavras, gestos, alguns comportamentos e outros
estímulos podem provocar ou desencadear pensamentos automaticamente, que
são capazes de desviar totalmente a atenção em relação ao tema tratado na
entrevista, ou conduzir a linha de raciocínio em direção a conclusões
equivocadas;
d) Crenças arraigadas: São “certezas subjetivas” que podem impedir a
concentração em argumentos e idéias que as contrariem, produzindo conflitos
entre valores pessoais “indiscutíveis”. Por exemplo, fanatismo em relação a
determinado conceito ou idéia (política, religiosa, sexual, etc.).
e) Esquemas de pensamentos: São estruturas cognitivas, raciocínios próprios do
entrevistador que se desenvolvem a partir de idéias do próprio indivíduo
14

fazendo-lhe não dar a devida consideração ou exercer a melhor crítica a respeito


de resultados da entrevista de dos depoimentos.

Outro fator importante é a influência das emoções. Uma grande parte dos processos
possui uma a causa psicológica, e não apenas jurídica. Quando se descobre a real
motivação da requerente, fica mais fácil a apuração da verdade.

Reconhecer e controlar as próprias emoções são essenciais no processo de julgar.


Entretanto, não é possível atuar sem se emocionar, até porque é imprescindível a
sintonia emocional com os participantes. O desafio é emocionar-se sem se contaminar
pelas emoções próprias e dos participantes.

Quando existe raiva, por exemplo, dominando os envolvidos na entrevista, o


profissional deve aceitar essa realidade e não se intimidar ou se esquivar de seus efeitos
sobre sua pessoa. Sentir a presença de raiva, ou qualquer outra emoção, é indispensável
para se compreender o que tal emoção ocasiona entre os envolvidos e, assim, evita-se
ser contagiado por ela, o que pode comprometer o exercício da neutralidade do
entrevistador.

Deixar-se dominar pela emoção significa comprometer percepção, atenção, pensamento


e memória e abrir espaço para enganos de raciocínio (falsas inferências, conclusões
inadequadas), falhas de percepção (fixação em aspectos inadequados, eliminação de
detalhes), lapsos e outros fenômenos psíquicos. As emoções não percebidas podem
levar o sujeito a crenças disfuncionais, esquemas rígidos de pensamento, pensamentos
automáticos, preconceitos e ativarem mecanismos de defesa que comprometem o seu
desempenho profissional.

Valores sociais exercem inegável e poderosa influência sobre as pessoas. O grande


desafio daquele que julga, que aplica a pena, consiste em se abstrair dessa influência do
social (o que as pessoas dizem, acredita e legitima). O comportamento de grupo
encontra-se presente, por exemplo, no corpo de jurados, quando se trata da atuação
deste. Um líder autoritário e preconceituoso pode polarizar interpretações dos
acontecimentos para conduzi-los ao encontro de suas próprias crenças e preconceitos.
Uma pessoa dependente, insegura, indecisa pode ser facilmente influenciada.

Todo julgar é relativo e realiza-se dentro de um contexto, para o qual contribuem não
apenas elementos de origem social, mas também os conteúdos intrapsíquicos
(subjetivos, idiossincráticos) de cada participante. Os fenômenos intrapsíquicos (aquilo
que compõem o funcionamento mental, cognitivo, subjetivo de cada indivíduo) possui
conteúdos conscientes e também inconscientes (que o próprio sujeito não conhece, não
discrimina), na forma de esquemas de pensamentos, crenças, pensamentos automáticos,
mecanismos de defesa. Esse conjunto de conteúdos transfere para o julgador o ônus de
buscar o autoconhecimento, para que ele consiga, então, conhecer a maneira como
responde a estímulos que recebe do ambiente. Ele precisa ter a autocrítica, a avaliação
de seu próprio comportamento de julgar.
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Em sua percepção, o julgador pode entender o comportamento


criminoso de três maneiras distintas:

a) Como algo anormal, onde o conflito e seu contexto perdem relevância


(criminologia tradicional);
b) Como derivada de conflitos interpessoais e processos sociais, porém,
responsabilizando cada sujeito por seus comportamentos (criminologia
moderna);
c) Como derivada da sociedade, cabendo a esta a assunção da responsabilidade
pelo comportamento criminoso, incluindo-se aí a identificação de formas de
inserção do indivíduo na sociedade (criminologia crítica).

PSICOLOGIA DO TESTEMUNHO

As testemunhas levam aos tribunais sua bagagem psicossocial e suas idiossincrasias


com a qual respondem aos interrogatórios e opinam. As pessoas “vêem” o que
acreditam que devam enxergar. Isso se acentua em fanáticos e preconceituosos. O
entrevistador, então, defronta-se com o desafio de separar os efeitos dos preconceitos,
das visões distorcidas para deduzir aquilo que seria realmente relevante e fidedigno.

A testemunha sofre a influência dos meios de comunicação. Um delinqüente, por


exemplo, transformado em herói pela televisão terá testemunhas de acusação pouco
propensas a refinar suas percepções, podendo distorcê-las para manter a provável
simpatia dos ouvintes, inclusive dos jurados.

Distorções na recuperação de informações a respeito de fatos profundamente


desagradáveis não deve ser motivo de surpresa. O psiquismo adota mecanismos de
defesa para evitar a repetição dos sofrimentos vivenciados anteriormente na vida do
sujeito. A memória também sofre os efeitos de substâncias psicoativas, como o álcool.
O uso dessas substâncias pode ocasionar sérios prejuízos para a fixação das imagens e
para a recuperação dos conteúdos armazenados.

Na percepção, há existência de limites, alguns ligados a mecanismos fisiológicos (por


exemplo, a redução da visão e audição em idosos), outros relacionados com aptidões
desenvolvidas (tato, sensibilidade auditiva, visual, etc.). O testemunho, portanto,
depende do modo como a pessoa percebeu o acontecimento, conservou-o na memória,
de sua capacidade de evocá-lo e da maneira como quer expressá-lo. Isso tudo se
manifesta no relato que ela fará dos acontecimentos.

Relato Espontâneo

Nesta forma de relato, verificam-se as irregularidade e a incompletude; elementos


inúteis são interpolados com aqueles relevantes ao caso. A espontaneidade possibilita a
falta de objetividade, até mesmo porque aquele que fala pode não ter consciência do que
efetivamente seja relevante à questão. Além disso, pode haver problemas relativos a
crenças subjetivas, esquemas de pensamento e preconceitos que a livre expressão pode
favorecer, quando não há direcionamento da fala. O relato espontâneo pode ainda ser
prejudicado por características pessoais do entrevistado, tais como detalhes de
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personalidade (indivíduo muito vaidoso, por exemplo, pode perder-se no relato ao


buscar se exibir), pessoa muito tímida, com dificuldade de articulação verbal e outros.

Relato por Interrogatório

Aqui, o testemunho será produto da tensão entre entrevistador e entrevistado. Vários são
os riscos associados ao interrogatório. A tensão emocional pode levar o sujeito a
preencher lacunas de seu relato, comprometendo sua precisão. Fatores sociais e
psicológicos combinam-se para influenciar nas respostas. As perguntas têm a função de
estimular a memória e, muitas vezes, isso não acontece de forma satisfatória.

A Formulação de perguntas

Uma pergunta, efetivamente, pode produzir falsas associações na memória do


entrevistado. Dependendo da formulação, a pergunta poder sugerir um fato que leva a
outro e assim por diante, afastando-se da realidade dos fatos ou aproximando-se dela.

A pergunta também pode questionar a respeito de fatos esquecidos, lacunas, que o


sujeito, inconscientemente, procurará preencher, por meio de breves confabulações,
decorrentes de um mecanismo de defesa inconsciente de auto-proteção. A confabulação
pode originar-se também de uma continuidade lógica de raciocínio, que, entretanto,
mesmo lógica, não tem evidências na realidade.

O interrogatório pode, por falha de formulação da pergunta, sugerir respostas


preferenciais; o indivíduo escolhe uma delas por falta de opção ou por identificá-la
como a mais adequada. São perguntas do tipo “E então, o suspeito foi para a direita ou
para a esquerda?”. O correto seria “Para onde o suspeito foi?”. São perigosas perguntas
que dão uma indicação de uma resposta “melhor” ou “socialmente mais correta”. A
testemunha optará por esta sempre que se sentir insegura, em dúvida ou quando queira
demonstrar sua aderência à suposta opinião do entrevistador.

Inexatidão do depoimento por tendência afetiva.

Pode acontecer, por exemplo, por:

a) Identificação emocional da testemunha com a vítima ou com o réu;


b) Valores e princípio presentes no julgamento e que se sobrepõem à questão em si
(justiça e verdade);
c) Preconceitos originados da condição social, do comportamento, da aparência de
uma ou outra parte, capazes de provocar distorções no pensamento;
d) Falsas crenças em relação ao que a vítima ou réu praticam. Por exemplo, “todo
político é ladrão”, “quem mora no morro é bandido” e outras, gerando antipatia
pela vítima ou pelo réu.

Testemunho de Crianças

A entrevista com crianças tem características peculiares. O desafio implica em:

a) Emitir uma linguagem que a criança entenda


b) Compreender a linguagem que a criança utiliza
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c) Preservar sua integridade psicológica, não a submetendo a situações que possam


comprometê-la.

Além disso, ao adentrar no universo do crime, a criança torna-se fragilizada, seja na


condição de vítima ou testemunha, sentindo medo e insegurança. Outro desafio é
imprimir credibilidade ao testemunho da criança, em virtude da imaturidade
psicológica, que torná-la imaginativa e sugestionável, tornando-a facilmente
manipulável.

Confissão

A confissão será sempre a fala do entrevistado confrontada com as provas existentes nos
autos. Confessar um crime é expor-se voluntariamente à respectiva punição, o que leva
a se pensar porque tantos criminosos confessam seus crimes. Acredita-se que isso se dá
porque, para muitos (não para todas as pessoas), o sentimento de culpa é insuportável,
levando o sujeito a preferir a dor da punição à dor psicológica da culpa.

Entretanto, também há a confissão falsa, seja ela por motivos materiais (pagamento, por
exemplo), solidariedade familiar e, nos grupos de grande coesão, por valores morais
(confessar para livrar um companheiro, um líder, etc.). A confissão falsa pode também
estar associada a uma extrema fragilidade emocional: pressionado por evidências
incriminadoras ou sentindo-se pressionada pelo advogado, a pessoa confessa mesmo
não sendo culpada. A tortura também pode levar à confissão falsa.

VITIMOLOGIA

Muitas pessoas buscam o judiciário com a esperança de que o poder decisório do Juiz
resolva seus problemas emocionais. Assim, nem sempre uma demanda judicial é
motivada por questões de reparação, seja ela de natureza econômica ou moral.

Vitimologia é a ciência que trata do estudo da vítima, sob os pontos de vista


psicológicos e sociais, na busca do diagnóstico e da terapêutica (prevenção) do
crime, bem como da proteção individual e geral da vítima.

Constituem áreas de interesse da Vitimologia:

a) Prevenção do delito, por meio da identificação de medidas de natureza


preventiva. Para isso se estuda o comportamento do delinqüente em relação à
vítima, o comportamento da vítima em relação ao delinqüente, a influência do
comportamento da vítima para a ocorrência do evento criminoso.
b) Formulação de propostas de criação e reformulação de políticas sociais;
c) Desenvolvimento continuado do modelo de Justiça Penal, conjugando o respeito
à individualidade com a preservação dos direitos da coletividade.

Uma das questões da vitimologia é quanto ao que leva a vítima a ser expor a situações
de risco. Uma das possíveis explicações são os ganhos secundários, que constituem
recompensas, reais ou imaginárias. Outra possibilidade é a glorificação do sofrimento.
Certas culturas valorizam o que consideram ato de coragem, destemor, ou mesmo
influência da religião, quando se valoriza a expiação de culpa por meio do sofrimento.
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Como vítima, o indivíduo pode passar a ser admirada e apoiada pelas pessoas, e isso
reforçar tal comportamento.

Vitimização é um processo complexo, pelo qual alguém se torna ou é eleito a tornar-se


um objeto-alvo da violência por parte de outrem. Como processo, implica numa rede de
ações e/ou omissões, interligadas por interesses, ideologias e motivações conscientes ou
inconscientes.

A vitimização pode ocorrer em instituições sociais como a família. Mais presente em


idosos e crianças, a vitimização existe em todas as faixas etárias, em todos os níveis
socioeconômicos. Pode ser física ou psicológica, sendo que uma interfere na outra.

A vitimização física caracteriza-se pela negligência e pelos maus-tratos, podendo


instalar-se gradativamente, de forma mais leve à mais grave. Na vitimização
psicológica encontra-se a pessoa depreciada do ponto de vista afetivo, humilhada por
negligência ou rejeição, gerando baixa da auto-estima. A vitimização psicológica pode
combinar-se com a física.

A Síndrome de Estocolmo é o caso paradigmático de vitimização psicológica e física.


Consiste em um estado psicológico no qual vítimas de seqüestro, ou pessoas detidas
contra a sua vontade – prisioneiros – desenvolvem uma relação de solidariedade com
seus raptores, que pode se transformar em verdadeira cumplicidade.

PERÍCIA PSICOLÓGICA

O termo perícia tem sua raiz no latim peritia, que significa destreza e habilidade ou
peritus, que é indivíduo erudito, capaz, expert. Nossos dicionários definem este como
“...conhecimento, ciência” ou ainda “aquele sabedor ou especialista em determinado
assunto, habilitado para fazer perícia ou aquele que é nomeado judicialmente para
exame ou vistoria”.

Do ponto de vista jurídico, a perícia fica definida como “exame realizado por técnicos
(profissionais de diversas áreas) a serviço da Justiça”. Em geral, são exames
especializados dos quais a autoridade judiciária pode recorrer em inúmera
eventualidades, com o objetivo de fundamentar sua sentença.

A perícia é praticada por profissional especializado, que se denomina perito: oficial,


judicial e/ou nomeado e louvado e compromissado legal, ética e tecnicamente. A
função da perícia é proceder a um exame com a finalidade de subsidiar os julgadores,
no estrito esclarecimento dos elementos adstritos às suas profissões.

Pode ocorrer também a solicitação pelo advogado da requerente, que pretende por meio
de exame pericial, instruir processo judicial, no objetivo de oferecer sustentação jurídica
para que se proceda a abertura do processo.

Na área da saúde mental (psiquiátrica e psicológica) não é da competência do perito o


fornecimento de provas, no sentido de estabelecer relação de nexo entre o agente e o
delito; o perito é simplesmente um informante técnico e o seu laudo é um documento
que fará parte integrante dos autos do processo.
19

O papel do psicólogo como perito oficial já é legitimado há algumas décadas, na Vara


do Menor e da Adolescência, no Instituto de Medicina Legal e Criminologia, em
diversas Instituições do Sistema Penitenciário e, principalmente, na Vara da Família e
Sucessão.

O perito psicólogo precisa preencher alguns pré-requisitos, como ser especialista em


investigação psicológica, manter-se atualizado cientificamente e nas alterações das leis,
ter prática em atuação multidisciplinar e ter consciência de que a perícia pode ensejar
procedimento jurídicos diferenciados: ao doente mental e com retardo o tratamento
integral em local apropriado; à pessoa consciente de seus atos e conseqüências, a pena
de privação de liberdade.

Na perícia multidisciplinar observa-se na anamnese a inabilidade de ação e pobreza na


fala do periciando, verificando aspectos que indiquem deficiência ou perturbação
mental, sugerindo caso de psicose ou retardo.

IMPUTABILIDADE, SEMI-IMPUTABILIDASDE E INIMPUTABILIDADE

Nos casos de Instauração de Incidente de Insanidade Mental, o psicólogo realizará o


estudo sobre a capacidade de imputação do indivíduo, respondendo se o sujeito pode ou
não ser responsabilizado pelo seu ato delituoso. Essa resposta advirá da análise do
conjunto dos dados obtidos nos exames a que se submeteu o indivíduo, sintetizado pelas
duas capacidades essenciais para a atribuição de responsabilidade penal: entendimento
(cognição) e autodeterminação (volição). A vontade (volição) pode ser entendida como
a motivação do comportamento, que inclui a capacidade de avaliar os riscos e as
conseqüências a si e aos outros. Assim, o indivíduo é psicologicamente dotado de
inteligência e autocontrole dos impulsos e afetos.

Entendimento é a capacidade normal de apreensão intelectual das coisas, de que está


dotado o homem médio, capaz de ter consciência do certo e do errado, de ter noção das
conseqüências de seu ato e de seu caráter delituoso.

Autodeterminação é a capacidade do indivíduo de determinar-se, é a espontaneidade


na inclinação ou tendência que o impulsiona para o ato e que ele, entre diversas opções,
escolhe aquela para o fim previsto que deseja. E a capacidade do indivíduo de se
comportar de acordo com seu entendimento e autocontrolar-se.

De acordo com o grau de comprometimento dessas duas capacidades essenciais para a


responsabilidade penal, três são as possibilidades de gradação da imputabilidade
jurídica:

a) Inimputablidade: é quando o agente, à época dos fatos, era totalmente incapaz


de entender e/ou determinar-se de acordo com o entendimento do caráter
delituoso de sua ação;
b) Semi-imputablidade: é quando o agente, à época dos fatos, era parcialmente
incapaz de entender e/ou determinar-se de acordo com o entendimento do
caráter delituoso de sua ação;
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c) Imputablidade: é quando o agente, à época dos fatos, era totalmente capaz de


entender e determinar-se de acordo com o entendimento do caráter delituoso de
sua ação.

É preciso deixar claro que nem todos os transtornos mentais comprometem a


capacidade de entendimento e/ou determinação. A imputabilidade não significa
“normalidade psíquica”. O sujeito que disponha da integridade mental e esteja em
condições de avaliar seus próprios atos no momento da ação, apesar da presença de
algum diagnóstico de transtorno mental, continuará a ser imputável. Casos de conduta
delituosa por forte emoção ou paixão, pelo uso de álcool ou qualquer substância
psicoativa, não excluem a imputabilidade penal. A legislação brasileira considera que
quem se coloca em estado de embriaguez por álcool ou qualquer outra substância
psicoativa assume o risco de cometer uma ação ilícita no momento em que decidiu
ingerir a bebida ou a substância. A pessoa embriagada de forma voluntária (quis
embriagar-se) ou culposa (embriagou-se sem querer) vai responder como plenamente
imputável em razão do princípio que diz que a ação é livre em sua origem. A
imputabilidade é considerada no momento em que o indivíduo começa a beber de forma
voluntária ou culposa.

Entretanto, é isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de


caso fortuito ou de força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento. No caso de perda parcial do entendimento e/ou determinação por
embriaguez proveniente de caso fortuito ou força maior, a pena pode ser reduzida em
um a dois terços. Um exemplo de embriaguez de caso fortuito é um indivíduo que
respira um gás tóxico de forma acidental e, no estado de confusão mental daí
decorrente, comete um crime. Exemplo de força maior é o sujeito se colocar em estado
de embriaguez forçado sob ameaça de arma de fogo. Por outro lado, quando
preordenada (se embriagou para cometer o crime) a embriaguez pode ser um agravante
da pena.

Uma outra situação prevista na Lei 11.343/2006 estabelece em seu artigo 45 que é
isento de pena o agente que, em razão da dependência ou sob efeito de caso fortuito ou
força maior de droga era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a
infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento. Absolvido, o agente poderá, por
determinação judicial, ser encaminhado para tratamento adequado da dependência da
droga.

O exame criminológico, nos termos da nossa legislação penal, tem por finalidade o
conhecimento da personalidade do agente criminal, assim como visa ao planejamento de
medidas reeducativas penais, selecionando as populações dos presídios e pronunciando-
se a respeito do prognóstico das reincidência criminal (provável ou não). Implica na
atuação de uma equipe multidisciplinar, que busca uma visão pluridimensional dos
aspectos básicos da personalidade do infrator e de suas motivações criminosas.

O exame criminológico não é isento de falhas que podem ser comprometedoras,


principalmente quando embasado em inferências puramente subjetivas dos
examinadores. Para se evitar isso, é necessário que o profissional seja devidamente
capacitado, equilibrado psicologicamente e tenha uma conduta ética profissional.
21

O exame criminológico está inserido no Código Penal de 1984, colocado como


exigência obrigatória aos condenados à pena privativa de liberdade a ser cumprida em
regime fechado, estabelecendo o artigo 34 que “...o condenado será submetido, no início
do cumprimento da pena, a exame criminológico para individualização da execução
penal.”

Individualização da pena significa que ao Juiz Criminal permite-se, atendendo a


pressupostos de antecedentes, da personalidade, dos motivos do crime, suas
circunstância e conseqüências e até mesmo ao comportamento da vítima, a escolha das
penas aplicáveis a cada delito em sua espécie, a quantidade, o regime de cumprimento
inicial e sua substituição por outra espécie de pena, que não a privativa de liberdade,
conforme seja o necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime.

A Lei 7.210/1984 estabelece regras para a execução penal. Em seu artigo 5 preconiza
que “os condenados serão classificados segundo seus antecedentes e sua personalidade,
para orientar a individualização da execução penal.” Ou seja, busca-se o máximo de
personalização (individualização) da pena, que deve ser complementada n o curso do
procedimento executório, em função do exame criminológico. É importante que haja,
portanto, uma triagem, classificação e, então, uma separação, com cada condenado
cumprindo uma pena adequada ao seu perfil criminológico, em locais distintos.

O rigor da pena há de ser avaliado levando-se em conta a natureza do delito e as


características da personalidade do infrator, bem como suas motivações. A
proporcionalidade, que visa impor uma sanção, uma pena, necessária e suficiente para
prevenir e reprovar o crime, também está igualmente atendida nesse processo de
classificação, de modo que cada condenado tenha o tratamento penitenciário que lhe
seja adequado. Assim, o exame criminológico, que conhecerá a inteligência, a vida
afetiva e os princípios morais do preso, determinará a sua inserção no grupo com o qual
conviverá no curso da execução da pena.

UNIDADE 2 – TEMAS DA PSICOLOGIA JURÍDICA

ESTUDO DA VIOLÊNCIA

A violência implica em um comportamento cada vez mais presente nas relações


interpessoais de todos os tipos, em todos os lugares na sociedade brasileira. Isso tem um
efeito dramático na qualidade de vida das pessoas, além de consumir recursos essências
no seu combate que poderiam ser canalizados para áreas como a educação e a saúde.

A sociedade violenta desenvolve um aparato tecnológico, material e humano para lidar


com a violência e, pouco a pouco, a manutenção e o desenvolvimento desse aparato
incorporam-se à vida das pessoas. Pouco a pouco, os indivíduos vão se habituando a
conviver com a violência.

A violência contra a ética ou contra a moral não perde seu estatuto porque não ocasiona
fraturas em pessoas; ela provoca rupturas na frágil epiderme das crenças, dos valores,
dos princípios, dos fundamentos da convivência social. Assim, pode-se afirmar que a
violência física é o resultado da violência contra a ética e contra a moral. Enfim, todo
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crime constitui um ato de violência contra a humanidade (e não apenas contra aquele
indivíduo em particular) e, assim, deve ser encarado, pois do contrário não se caminha
em direção à convivência pacífica e justa, o que não deve ser visto como utopia.

Se a violência contra a ética e contra a moral ocupar um espaço secundário nas


preocupações dos gestores maiores da sociedade, isso tem repercussão tanto social
quanto psicológica, que merecem uma profunda reflexão e ações objetivas.

Costumeiramente empregam-se os termos agressividade e violência como sinônimos.


Entretanto, cabe aí uma diferenciação. A agressividade traz em si algo de força
combativa, comportamento adaptativo, instinto de vida determinado filogeneticamente.
Trata-se, pois, de uma característica de personalidade, como aquela pessoa que defende
seus interesses com grande ênfase e garra, a ponto mesmo de intimidar os que com ele
concorrem, sem, contudo, transgredir regras legais ou socais e mantendo o respeito à
integridade física e psicológica dos demais. Ou seja, usa sua agressividade canalizada
para conquistar objetivos, sem ferir a ética.

Quando a agressividade, por outro lado, não está relacionada à proteção de interesses
vitais e legítimos, está desta forma mais próxima do conceito de violência, que traz em
si a idéia de destruição, de investimento destrutivo, quando outras vias de solução
poderiam ser empregadas. A violência contém, assim, a marca da agressão física e/ou
psicológica e moral, ultrapassando o limite do aceitável tanto legal como socialmente.

A agressividade é inerente a todo ser humano, garante sua sobrevivência e a sua


disposição para vencer obstáculos. Já a violência apresenta-se quando a pessoa não
conseguiu canalizar a agressividade para atividades produtivas e denota impulsividade e
baixa tolerância à frustrações.

O comportamento do indivíduo indica impulsividade quando alguma emoção negativa o


domina (raiva, ódio), ocorrendo de agir sem pensar nas conseqüências. Não há direito
para o outro. Em muitos casos, a expectativa de punição não existente ou irrelevante
funciona como motivador para que o indivíduo não se empenhe em desenvolver
qualquer estratégia de autocontrole.

Não há como se tratar de agressividade e violência sem se levar em conta o contexto


social e cultural em que o ato se insere. O comportamento apenas agressivo em um
contexto pode ser considerado um ato de violência em outro e vice-versa. A
interpretação do que seja agressividade ou violência depende, portanto, do contexto
sociocultural e legal de quem a recebe. Essa interpretação não é fixa; transforma-se da
mesma forma que os costumes se modificam.

Sob o ponto de vista psicológico, a agressão pode ser entendida como resposta à
frustração. Na impossibilidade de ver realizado seu desejo, de obter aquilo que é de seu
interesse, o sujeito pode reagir agressivamente de uma forma incontrolável.

Pode ainda ser entendida como resultado da percepção inadequada de comportamentos


emitidos: o indivíduo não discrimina os detalhes que diferenciam um comportamento
agressivo de outro socialmente aceito. Agride os outros sem notar que o está fazendo.
23

O comportamento agressivo socialmente inadequado pode ser aprendido pela


conseqüência positiva que produz para quem se comporta, ou ainda por observação de
modelos. A observação de comportamentos de pessoas importantes para a criança a leva
a imitá-los automaticamente, levando-a a adquirir comportamentos que contrariam
aquilo que lhes foi ensinado verbalmente, como, por exemplo, na forma de conselhos.

Nota-se a glorificação da violência nos meios de comunicação em geral (telejornais,


novelas, filmes, revistas, etc.), o que desenvolve a percepção de que a violência é algo
natural, inevitável e mesmo legítima na conquista de objetivos. O indivíduo comporta-
se de maneira inadequada e sabendo que nada acontecerá a ela, isso acaba se
constituindo um reforço que fortalece a expectativa de impunidade.

A violência na família apresenta muitas faces, dentre elas tem-se o assédio moral, a
violência física, a violência psicológica e a violência contra a criança, contra o
adolescente, contra a mulher, contra o idoso, etc. Ocorrem na forma de ameaças,
xingamentos, humilhações e ofensas morais (assédio moral). A violência contra a
criança e o adolescente constitui o embrião da violência social de maneira geral, pois
envolve o processo de educação e desenvolvimento da personalidade do indivíduo.

Enfim, a violência surge no latrocínio, na briga por motivo fútil, na vingança irrefletida,
não crime passional “por amor”, na agressão física contra conhecidos e desconhecidos,
na condução perigosa do automóvel e mesmo assassina. Muitas vezes, a violência
invade o cotidiano dissimulada de comportamentos meramente acintosos,
desrespeitosos, levando os pacíficos cidadãos de bem a uma evitação a lugares públicos,
passando a viver prisioneiros em sua própria casa. Evitam ir a jogos de futebol, temendo
a violência das torcidas organizadas, evitam a ir a shows de música, temendo a violência
de indivíduos drogados e descontrolados. Porém, mesmo dentro de casa, hoje em dia
não se está plenamente protegido, pois o computador é uma porta para o mundo.

A rede mundial de computadores (internet) constitui um avança tecnológico altamente


paradoxal porque, ao mesmo tempo, abre para os seus usuários as portas para o que há
de melhor e para o que há de mais execrável no comportamento humano. O navegador
internauta, livre da censura, no recôndito de seu quarto, por exemplo, encontra-se
disposto a experimentar as seduções que a internet proporciona. Nesse contexto, pode se
tornar vítima de malandros do cyber-espaço. Assim, acaba caindo em situações
dramáticas, envolvendo sexo, exploração, drogas e violência. Por meio da internet,
combinam-se encontros, tem-se sexo virtual, pornografia que inclui a pedofilia. E isso
tudo em uma escala global.

A violência, muitas vezes, não é um meio de se chegar a um objeto ou atingir um


objetivo; ela se converte no próprio fim em si mesmo: busca-se a violência pela
violência, o que reforça a tese de que são imprescindíveis intervenções de caráter mais
educativo do que repressivo, visando programar estratégias para modificação do
comportamento violento para uma atitude pacífica e ponderada.

DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA

O estudo dos Direitos Humanos interessa a todas as áreas da ciência, porque não se faz
ciência sem afetar direitos. No desenvolvimento científico há a transferência de poder
entre os indivíduos e a criação de aspirações que se atingem pela alteração de relações
24

de poder. O Direito, assim como a Psicologia, são ciências que não se constituem como
exceção.

Direitos Humanos constituem uma área do conhecimento em que as questões de


natureza psicológica possuem um papel determinante na compreensão, estruturação e
interpretação dos fenômenos a ela correlatos.

Dois fenômenos encontram-se, em geral, presentes quando se trata de infringir os


direitos humanos: o preconceito e a discriminação. Ainda que tantas vezes esses termos
sejam entendidos como sinônimos, eles se diferenciam pela forma com as ações a eles
correspondentes se evidenciam.

Os preconceitos étnicos e religiosos são exemplos de como a não aceitação da diferença,


da diversidade, conduz ao conflito e à violência. A marca do preconceito, portanto, é a
intolerância. Seus produtos são as guerras, as atrocidades contra humanidade, muitas
vezes dissimuladas sob as mais estapafúrdias explicações e justificativas. Onde há o
preconceito, torna-se difícil a convivência com o diferente, gerando inevitavelmente a
injustiça e perversidade.

A discriminação evidencia-se no campo da ação concreta, em que necessidades e


singularidades de determinados sujeitos são ignoradas ou desrespeitadas. Ela pertence,
assim, ao campo da desigualdade e opõe-se, evidentemente, à igualdade de direitos. Ao
se discriminar alguém, condena-se essa pessoa a um lugar de inferioridade e se lhe veda
o acesso a direitos que devem ser comuns a todos. Um exemplo é a privação do acesso a
bens de consumo e benefícios, como resultados de desigualdade econômica,
consolidando um círculo vicioso de exclusão social. Isso flagrantemente tem
consideráveis efeitos sobre a saúde psicológica do sujeito, levando-o muitas vezes a
uma condição de intenso sofrimento mental.

Direitos Humanos e Cidadania são conceitos que se consumam no ambiente de


relacionamento interpessoal, inerentes, portanto, à própria vida das pessoas. Ao se
mencionar tais conceitos, remete-se à dimensão da subjetividade humana, que é aquilo
que particulariza o sujeito, tornando-o único em suas característica e idiossincrasias.

A subjetividade manifesta-se no pensamento, nas emoções e afetos, produtos da


contínua interação do sujeito com seu ambiente, por meio do relacionamento com as
outras pessoas e de tudo que decorre do encontro entre os seres humanos.

As leis devem ter o objetivo de assegurar a identidade, o exercício da cidadania e o


respeito à diversidade humana. Assim, há normas específicas, por exemplo, aquelas
constantes no Código Penal ou no Código Civil, além de normas gerais, que se
encontram nas convenções sociais de direitos.

Os direitos sempre nasceram das necessidades de cada povo em seu tempo, e da luta
empreendida pela sociedade para efetivá-los. Assim com a ética, os primeiros registros
de documentos que tinham por objetivo garantir direitos datam da Antigüidade. O
Código de Hamurabi data do ano de 1694 a.C. e os avanços foram se consolidando
lentamente, acompanhando a evolução política, econômica e tecnológica.
25

Em 1948, a ONU – Organização das Nações Unidas, consolidou a Declaração Universal


dos Direitos Humanos, que trata de temas básicos e essenciais (pode ser encontrada na
íntegra em sítios da rede de computadores).

Preconceito e discriminação são basilares quando se trata de descumprir os Direitos


Humanos e impedir o pleno exercício da cidadania, que é o direito de ter direitos, além
de deveres.

Na psicologia, o ser humano pode ser considerado um ser do desejo, que dirige seus
esforços para a sua auto-realização, incorporando crenças e valores ao logo da vida,
aprendendo por meio do condicionamento e observação de modelos, adaptando e
ajustando seus conhecimentos e suas emoções para lidar com problemas e as demandas
que o ambiente continuamente lhe impõe. Assim, cada indivíduo percebe o mundo à sua
maneira. A percepção, construída ao longo da vida do sujeito (ontogenia), desenhada
pela experiência, pelos esquemas de pensamentos aprendidos, pela discriminação
peculiar dos estímulos do ambiente, vai edificando a visão de mundo de cada indivíduo,
que será confirmada, modificada e ajustada pela sua contínua relação com o ambiente.

Os comportamentos condicionados (aprendidos através do condicionamento reflexo e


operante), da mesma maneira que as crenças, podem ser socialmente ajustados,
adequados ou não. Quando ajustados, o indivíduo encontra-se dentro da lei, respeitam
os limites impostos aos seus atos pelos princípios de civilidade. Quando desajustados, o
indivíduo se comporta em confronto com os dispositivos legais, caracterizando a
conduta transgressora.

Tudo isso ocorre dentro de um contexto em que a pessoa integra um sistema que a afeta
e que, ao mesmo tempo, é afetado por suas ações. Cada indivíduo é único e assim deve
ser percebido e respeitado. O que satisfaz uma pessoa difere daquilo que satisfaz outra.
Isso é o que se chama de subjetividade: tudo aquilo que marca o sujeito como único e
singular.

Todo ser humano está continuamente em busca de satisfazer seus desejos, procurar
alcançar seus objetivos de vida e tem o direito de fazê-lo. Entretanto, essa busca
legítima do indivíduo é limitada, é restringida, regulamentada pela cultura, pelas leis
jurídicas e morais, que estabelecem regras de convivência entre os seres humanos,
firmando harmonia e justiça entre as pessoas e os povos.

A civilização é o processo de restrição de liberdades ao indivíduo para poder garantir-


lhe o mínimo delas. A liberdade total e infinita para apenas alguns representa a perda de
liberdade para os demais.

Nesse sentido, desenvolvimento humano significa, entre outras coisas, o indivíduo


aprender a buscar realizar seus desejos em harmonia com o bem comum, em sintonia
com os interesses coletivos. Direitos Humanos e Cidadania, portanto, implicam não
meramente em repressão e imposição de leis e punições, mas de educação do indivíduo,
tanto no sentido racional (entender os valores de sua cultura) e acadêmico (adquirir
conhecimentos científicos), como também no sentido afetivo (sentimentos de
compaixão e altruísmo).
26

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS


Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III)
da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948

Preâmbulo

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus
direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,
Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram
a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de
crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do
homem comum,
Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não
seja compelido, como último recurso, à rebelião contra tirania e a opressão,
Considerando essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações,
Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos
fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e
que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,
Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a desenvolver, em cooperação com as Nações
Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e
liberdades,
Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mis alta importância para o pleno
cumprimento desse compromisso,

A Assembléia Geral proclama

A presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e
todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta
Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e,
pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua
observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos
territórios sob sua jurisdição.

Artigo I

Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem
agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.

Artigo II

Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem
distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem
nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

Artigo III

Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo IV

Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas
as suas formas.

Artigo V

Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.

Artigo VI

Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei.

Artigo VII
27

Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a
igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal
discriminação.

Artigo VIII

Toda pessoa tem direito a receber dos tributos nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os
direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.

Artigo IX

Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo X

Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal
independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal
contra ele.

Artigo XI

1. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade
tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as
garantias necessárias à sua defesa.
2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o
direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática,
era aplicável ao ato delituoso.

Artigo XII

Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência,
nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou
ataques.

Artigo XIII

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado.
2. Toda pessoa tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar.

Artigo XIV

1.Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países.
2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito
comum ou por atos contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas.

Artigo XV

1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade.


2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.

Artigo XVI

1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer retrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito
de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua
dissolução.
2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes.

Artigo XVII

1. Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.


2.Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

Artigo XVIII
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Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de
mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e
pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência,
ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de
fronteiras.

Artigo XX

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas.


2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

Artigo XXI

1. Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de sue país, diretamente ou por intermédio de
representantes livremente escolhidos.
2. Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.
3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas
e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.

Artigo XXII

Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional,
pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos,
sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Artigo XXIII

1.Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à
proteção contra o desemprego.
2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.
3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à
sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros
meios de proteção social.
4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses.

Artigo XXIV

Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas
remuneradas.

Artigo XXV

1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar,
inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à
segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de
subsistência fora de seu controle.
2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro
ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.

Artigo XXVI

1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e
fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem
como a instrução superior, esta baseada no mérito.
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento
do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a
tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações
Unidas em prol da manutenção da paz.
3. Os pais têm prioridade de direito n escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.

Artigo XXVII
29

1. Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de
participar do processo científico e de seus benefícios.
2. Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção
científica, literária ou artística da qual seja autor.

Artigo XVIII

Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na
presente Declaração possam ser plenamente realizados.

Artigo XXIV

1. Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, em que o livre e pleno desenvolvimento de sua
personalidade é possível.
2. No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas pela
lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e
de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.
3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos propósitos e
princípios das Nações Unidas.

Artigo XXX

Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado,
grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer
dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.

UNIDADE 3 – PSICOLOGIA E DIREITO

PSICOLOGIA E DIREITO DE FAMÍLIA

As leis existem para normatizar as relações humanas. No caso do Direito de Família, as


relações são permeadas de afetos, sentimentos, interesses, vontades e motivações que
não estão no âmbito de aplicação do Direito e sim abrangidas pela Psicologia.

Há questões importantes que não estão somente na ordem da racionalidade, da


objetividade, mas também da subjetividade, da influência das emoções e dos afetos, que
não são freqüentemente conscientes ao sujeito.

É nesse sentido que a Psicologia se apresenta como uma importante ciência para
auxiliar na compreensão do comportamento humano nas relações de família. A análise
do profissional psicólogo pode trazer uma leitura da linguagem verbal e não-verbal
(aquilo que não é dito, mas é importante), consciente e inconsciente dos membros da
família para, assim, compreender o contexto familiar envolvido na questão trazida a
litígio.

Com a convivência rotineira do casamento, a paixão não encobre mais os defeitos do


outro e cada um depara-se com uma realidade muito diferente daquela idealizada no
início do relacionamento. Aí, cada um dos cônjuges acredita se enganou ou foi
enganado pelo outro, que o casamento foi um farsa ou um equívoco. Não tendo
capacidade de lidar diretamente com os próprios conflitos, ocorre de transferirem
responsabilidades para os outros, inclusive para o Judiciário e para o psicólogo: o Juiz
passa então a ser uma espécie de Pai, que irá impor a ordem e decidir o destino das
pessoas e o psicólogo como aquele que fará entender o caso a partir de interpretação da
linguagem emocional e afetiva dos envolvidos no litígio, que permita ajudá-las a
30

compreender por si mesmas os aspectos psicológicos até então desconhecidos, para


elaborar forma mais amadurecida de lidar com os seus conflitos. Se a separação é
mesmo o único recurso, então que seja um processo equilibrado, que possibilite a
libertação de ambos, e jamais como uma forma de destruir o outro.

São muitos comuns sentimentos de desprezo, ódio e vingança. A presença de filhos é


em fator agravante da situação, e podem ser os maiores prejudicados, principalmente
quando os pais tentam denegrir-se mutuamente perante eles. Ocorre então um conflito
de afeto e lealdade, os sentimentos ficam confusos, as crianças se sentem desamparadas,
esquecidas e abandonadas. A destruição de vínculos parentais também é uma forma de
violência doméstica.

Nos processos judiciais de separação e divórcio envolvendo questões de guarda de


filhos é comum que o genitor não-guardião (geralmente o pai) se queixe de que o
genitor guardião (geralmente a mãe) dificulta ou impede as visitas dele aos filhos, sob
as mais variadas alegações. A partir daí, o comportamento dos filhos se altera, passando
do amor, saudade, carinho e companheirismo para a aversão total, sem que tenha havido
algum fato que motivasse tal mudança. Quando isso acontece, instaura-se um fenômeno
que se denomina de SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL (SAP).

Tal síndrome age sobre duas frentes: por um lado, demonstra a condição psicológica
difícil do genitor alienador que utiliza-se de todos os meios, até mesmo ilícitos e
inescrupulosos, para atingir seu intento; por outro lado, o ciclo se fecha quando essa
influência emocional começa a fazer com que a criança modifique seu comportamento,
sentimentos e opinião do outro pai, o alienado da relação.

Nesse processo, ocorre ambivalência de sentimentos; a criança sente que precisa afastar-
se do pai porque a mãe tem opinião sobre ele, mas também se sente culpada por isso.
Aos poucos, porém, essa ambivalência via diminuindo e a própria criança contribui para
o afastamento.

A SAP se torna um sério entrave às vinculações parentais justamente porque condiciona


a criança a formar ações, sentimentos e comportamentos contra o outro genitor
diferentes dos que havia antes, tudo por influência de quem tenha interesse direto na
destruição do vínculo parental. Para esse intento, geralmente não há critérios éticos e
morais, induzindo a criança, por exemplo, a relatar episódios de agressão que não
ocorreram.

Em curto prazo, a criança para sobreviver nesse contexto aprende a manipular, a mentir
e a ser dissimulada. A médio e longo prazo, os efeitos podem ser depressão crônica,
incapacidade de se adaptar aos ambientes e normas sociais, tendência a isolamento,
comportamento hostil, consumo de álcool e drogas e tentativas de suicídio. Podem
ainda ocorrer também sentimentos incontroláveis de culpa quando a pessoa já for adulta
e constatar que foi cúmplice inconsciente de uma grande injustiça.

Em geral, para evitar esses sofrimentos, a família deve procurar um profissional


especializado na SAP, para intervenção mais breve possível, a fim de evitar que seus
efeitos não sejam irreversíveis. É possível recorrer à mediação familiar se o psicólogo
constatar, por meio de uma avaliação individual, que nenhum dos genitores representa
perigo ou ameaça para os filhos; porém, se houver alguma ameaça ou risco, devem-se
31

tomar medidas mais rígidas, como recorrer ao sistema judicial, que poderá aplicar
punições, como multas, perda da guarda ou mesmo a prisão.

Nos dias de hoje, a legislação ampliou o conceito de família, e, assim, tem-se que
ampliar a idéia de relações e vínculos familiares. A complexidade das relações pode
permitir uma variabilidade maior de relacionamentos da criança com os atuais e novos
membros da família, o que pode lhe proporcionar uma variedade de experiências. Por
isso, não se concebe mais a exclusão e o isolamento das crianças em relação às famílias
de origem, a pretexto de estarem inseridas em novas relações familiares. Quanto mais
vivências a criança puder experimentar, mantendo suas raízes, tanto mais amadurecida
estará para enfrentar as situações cotidianas. Se tiver isolada, a criança não saberá lidar
com as transformações e permanências.

Importante ressaltar que a Guarda Compartilhada é uma forma de preservação dos


vínculos parentais. Mas, para isso, é necessário amadurecimento e diálogo por parte dos
pais, bem como recursos internos para prover as necessidades afetivas das crianças após
a separação. O desenvolvimento psicológico das crianças onde é aplicada a guarda
compartilhada é muito maior do que aquelas que têm contatos esporádicos com o pai. A
criança que convive sob a proteção da guarda compartilhada apresenta maior
capacidade de estruturação de vínculos afetivos, porque se sente segura com a
permanência, o que lhe estrutura uma base importantíssima para o seu desenvolvimento
psicológico futuro.

PSICOLOGIA E A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

O termo “violência doméstica” inclui aquela praticada por um parceiro íntimo ou por
outro membro da família, em qualquer situação ou forma. O mais comum neste
contexto é a violência do homem contra a mulher. Trata-se de um fenômeno mundial,
que não respeita fronteiras de classe social, etnia, religião, idade ou grau de
escolaridade.

A violência doméstica é a forma de violência mais prevalente no mundo conta as


mulheres e crianças, embora seja relativamente ignorada ou encoberta. Estatísticas
mostram entre 20 a 50% das mulheres já foram vítimas de violência física nas mãos de
companheiros íntimos ou de outros membros da família. Tem sido estabelecida forte
correlação entre violência doméstica e suicídio, com base em estudos realizados nos
Estados Unidos. É descrita tentativa de suicídio como 12 vezes superior entre as
mulheres vítimas de violência doméstica com relação às mulheres que não viveram tal
situação.

A ONU (Organização das Nações Unidas) tem definido a violência contra a mulher
como “qualquer ato de violência que resulte ou possa resultar em lesão ou sofrimento
físico, sexual ou psicológico para as mulheres, inclusive ameaças de tais atos, coerção
ou privação arbitrária da liberdade, quer ocorra na vida pública ou privada”. A violência
no ambiente doméstico tende a consistir em atos recorrentes, cometidos por pessoas
conhecidas da vítima, e que derivam de conflitos familiares ou conjugais. Não obstante
isso se deve levar em conta o conhecimento específico das dimensões culturais e sociais
de cada cultura, relacionadas com a valorização de gênero.
32

A evolução da idéia de violência doméstica para violência sexual, dentro do processo


desenvolvido em fóruns internacionais e conferências nacionais, a partir de 1975,
representa uma mudança na conceituação da violência contra as mulheres e uma
compreensão dos fatores de risco associados à violência sexual. A visão de que a
violência contra as mulheres é violência sexual baseia-se no pressuposto de que a
desigualdade de poder nas relações entre homens e mulheres constitui um fator
relevante na escala de gravidade da violência. A diferença entre esse tipo de violência e
outras formas de coação e agressão é que o fator de risco ou vulnerabilidade é o simples
fasto de ser mulher.

Tanto a violência doméstica quanto a social constitui questões de direitos humanos.


Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), viver uma vida livre do medo da
violência é um direito básico. A violência é de fato uma série ameaça à saúde pública,
pois conduz ao aumento tanto da morbidade quanto da mortalidade da população.

A violência pode ser classificada segundo diferentes variáveis: indivíduos que sofrem
violência (mulheres, crianças ou idosos, por exemplo); motivo (político, racial, etc.);
relacionamento entre a vítima e seu agressor (parente, conhecido, cônjuge, etc.). As
classificações mais comuns da violência doméstica têm sido feitas segundo o tipo de
violência e a identidade de suas vítimas. Pode ser, então, física, psicológica ou sexual.
Nesse contexto, a violência doméstica psicológica é a mais comum e ocorre quando a
vítima sofre agressões verbais freqüentes, é ameaçada, submetida a gritos e palavrões.

Como a violência é principalmente aprendida, o primeiro contexto para alguém


aprender a ser violento acontece dentro de casa, na casa dos pais, parentes ou a partir de
outros modelos de comportamento. Recompensas parentais para o comportamento
agressivo, bem como maus-tratos parentais ou modelos paternos violentos são alguns
dos mecanismos pelos quais as crianças aprendem a violência bem cedo na vida, o que
sugere que vivenciar ou testemunhar violência crônica no lar pode ser o ponto de
partida de um padrão constante de comportamento violento, usado para exercer controle
sobre os outros e para resolver conflitos inter-pessoais. Crianças expostas à violência
doméstica têm pontos de vista inadequados sobre a aceitabilidade e a utilidade da
violência como um meio de resolver conflitos. Entretanto, não um único fator isolado
responsável pelo comportamento violento. Diversos fatores atuam nos níveis
individuais, familiar e comunitário.

Fatores individuais: maior propensão em rapazes, freqüentemente envolvidos com


abuso de álcool ou drogas ilícitas;
Fatores familiares: promiscuidade, dinâmica e normas familiares (sobretudo se as
normas predominantes são mais autoritárias do que igualitárias), relações desiguais
entre gêneros (na maioria das vezes a violência contra esposas ocorre quando estas são
dependentes econômica e psicologicamente dos seus maridos dominantes).
Fatores comunitários: a desigualdade de renda acentua as noções de privação e
frustração, que podem ser poderosos precedentes para o comportamento violento.
Níveis altos de desigualdade sócio-econômica são fatores que contribuem para a
violência social e doméstica na América Latina.
Fatores culturais: a violência é aprendida no tecido cultural de muitas sociedades e se
torna parte de um conjunto de normas (regras) que orientam o comportamento e
contribuem na formação de identidade de grupo.
33

No Brasil, o Ministério da Justiça, através do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher


(1997), estabeleceu uma estratégia para promoção de igualdade de gênero na área da
saúde, a qual propõe sensibilizar e capacitar profissionais para o atendimento de
mulheres em situação de fragilidade emocional, decorrente do pós-parto, do estágio
puerperal, de estupro, de violência doméstica, de abuso sexual e outros. Tal propósito
inclui ainda implementar sistema de proteção às vítimas de violência doméstica e sexual
e seus familiares em caso de risco à vida e garantir o atendimento psicológico às
mulheres vítimas de violência, pelas equipes dos dispositivos do SUS.

Na década de 1980, foi se demarcando uma nova atitude da sociedade, com a criação de
instituições femininas de apoio, com as delegacias da mulher, criada no Brasil em 1984.
O trabalho de tais instituições, que objetiva receber queixas específicas de violência de
gênero, trouxe à tona uma realidade oculta, a de que os maus tratos e violência sexual
contra as mulheres ocorriam muito mais freqüentemente do que se imaginava. Isso
trouxe a pública o que era visto como um problema privado (do tipo do dito popular de
que “briga de marido e mulher não se mete a colher”). Uma vez revelada, foi se
convertendo em problema penal, induzindo uma demanda criminalizadora.

Quando se fala em violência doméstica, a demanda criminalizadora defronta-se com a


postura individual das próprias vítimas, uma vez que a maioria hesita em recorrer à
justiça e, quando o faz, adota uma atitude que interpreta como extrema e age,
principalmente, impulsionada pela repetição das agressões e pelo desejo de obter uma
via de mediação que lhe permita a renegociação de seu pacto doméstico.

A hesitação da vítima de violência doméstica em recorrer à Justiça retrata a debilidade


do sistema penal do Brasil na proteção às vítimas de violência doméstica, já que o
mesmo não previne a reiteração da conduta por parte do agressor e fecha-se às
necessidades reais da vítima no sentido de resolver o conflito.

O Poder Judiciário ao receber casos de violência doméstica contra a mulher tende a


desconsiderar o conflito de origem e dispensar ao episódio o mesmo tratamento que
dispensaria a qualquer outro, priorizando o andamento do processo em detrimento ao
compromisso de pacificação, que deveria, em tese, nortear a atividade jurisdicional. O
resultado é que o sistema acaba por negligenciar o conflito doméstico, cuja
potencialidade lesiva é alta, porque a violência ocorre num âmbito eminentemente
privado, costuma aumentar de intensidade e é normalmente repetitiva, implicando,
geralmente, em risco à vida constante e crescente para a vítima.

Freqüentemente os episódios de violência doméstica eram vistos como mero incidente


privado. Essa visão cultural muitas vezes obriga a mulher a conviver com o perigo e lhe
sonega, principalmente às vítimas das camadas sociais mais baixas, o acesso a
instâncias e mecanismos de mediação que possam assessorá-las adequadamente.
Entretanto, o impacto da violência doméstica na saúde mental das mulheres envolvidas
pode trazer dramáticas conseqüências, como síndrome do estresse pós-traumático,
síndrome do pânico, depressão, transtornos alimentares e alcoolismo.

Além de conseqüências para saúde mental, há também prejuízos para a saúde física das
mulheres, tais como lesões, gravidez não desejada, problemas ginecológicos, DSTs,
aborto. Também inclui tentativas de suicídio e homicídio.
34

Os custos econômicos da violência doméstica para a família e para a sociedade também


são amplos. Incluem o valor dos serviços de saúde usados em tratamento ou prevenção,
bem como o valor de bens e serviços que deixam de ser produzidos quando os maus-
tratos levam ao aumento do absenteísmo, ao decréscimo de produtividade e mesmo a
perda do emprego. A violência doméstica é uma das formas mais comum de violência,
sendo, assim, uma das violações dos direitos humanos mais praticadas no mundo.

VIOLÊNCIA CONJUGAL

A violência conjugal, física ou psicológica, encontra-se disseminada na sociedade e, da


mesma maneira que a violência sexual permanece encoberta na maior parte dos casos.
Um dos motivos para isso é o desconhecimento de que determinados comportamentos
constituem violência conjugal. Acham atitudes violentas como “normais” no casamento.

Mas, ainda que a vítima tenha consciência do que lhe acontece, é fato corriqueiro que
não deixe o lar e ali continue desfiando uma ladainha de reclamações estéreis quanto ao
seu relacionamento ruim. A vítima crônica constitui um exemplo de pessoa com baixa
auto-estima, insegura e que aprendeu a viver nessa condição. Não acredita ser capaz de
modificar a situação. Além disso, pode haver o ganho secundário, na forma, por
exemplo, de manter controle sobre o agressor, mantendo-o na relação em virtude de
benefícios financeiros, sociais ou outros. O ganho secundário acentua-se quando o
agressor manifesta sentimento de culpa por seus atos violentos e promove momentos de
reconciliação e expiação. Ainda pode-se acrescentar o fato da cultura da submissão
estimulada por crenças religiosas, como a troca de sofrimento no presente, por futuros
benefícios idealizados.

A violência conjugal estritamente psicológica é de caracterização difícil porque:

a) Não tem início repentino


b) Vai sendo aprendida pouco a pouco pelos participantes, podendo um ou outro
não se dá conta do que está acontecendo
c) Acaba por instalar uma espécie de ritual de sarcasmos, ofensas e desprezo que
passam a fazer parte do “estilo de relacionamento do casal”.

A violência conjugal pode desembocar na separação ou no crime. É comum o


envolvimento de um terceiro, compondo um triângulo amoroso, na tentativa equivocada
de se resolver o que, até então, não se via solução. Isso, entretanto, acaba por precipitar
conseqüências trágicas.

Lei Maria da Penha (Lei 11.340)


PONTOS IMPORTANTES

1. Aplica-se à violência doméstica que cause morte, lesão, sofrimento físico (violência física), sexual
(violência sexual), psicológico (violência psicológica), e dano moral (violência moral) ou patrimonial
(violência patrimonial);

1.1.No âmbito da unidade doméstica, onde haja o convívio de pessoas, com ou sem vínculo familiar,
inclusive as esporadicamente agregadas;

1.2.No âmbito da família, formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços
naturais, por afinidade ou por vontade expressa.
35

1.3.Em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida,
independentemente de coabitação;

2. Aplica-se também às relações homossexuais (lésbicas);

3. A ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor;

4.Quando a agressão praticada for de pessoa estranha, como por exemplo vizinho, prestador de serviço ou
médico, continuam os velhos TERMOS CIRCUNSTANCIADOS;

5. Garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao


Poder Judiciário;

6.Informar à ofendida os direitos a ela conferidos;

7. Feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade, de imediato:

7.1. Ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar arepresentação a termo, se apresentada;
7.2. Colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato;
7.3. Remeter no prazo de 48 horas expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a
concessão de medidas protetivas;
7.4. Expedir guia de exame de corpo de delito e exames periciais;
7.5. Ouvir o agressor e testemunhas;
7.6. Ordenar a identificação do agressor e juntar aos autos sua folha de antecedentes;

8. O pedido da ofendida deverá conter: qualificação da ofendida e do agressor, nome e idade dos
dependentes, descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida, e cópia de
todos os documentos disponíveis em posse da ofendida;

PSICOLOGIA JURÍDICA E JUSTIÇA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE

Nas Varas de Infância e da Juventude, psicólogo judiciário não realiza perícias, nos
termos da perícia psicológica das Varas de Família e Sucessão. A participação dos
psicólogos assistentes técnicos é relativamente reduzida, mas emitem pareceres que
trazem informações acerca da estrutura familiar, em caráter de diagnóstico situacional.

Isso ocorre porque os processos nessas Varas não transitam em julgado sob aspecto
material; isto é, as sentenças não são definitivas, e o psicólogo deve acompanhar essas
mudanças.

As condições em que se realizam as atividades da psicologia geralmente não propiciam


a privacidade e a neutralidade necessárias para o atendimento e sofrem a influência do
viés institucional, que exige um parecer conclusivo. A clientela que acorre ao Judiciário
é formada por pessoas que já esgotaram todos os recursos possíveis para lidar com os
conflitos, o que freqüentemente pressiona a psicologia a proferir uma solução imediata,
mesmo que essa possa ser mudada posteriormente.

Com a elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), houve a necessidade


de se estabelecerem parâmetros da atuação do psicólogo judiciário para atuar
adequadamente nos processos que tramitam nas Varas.

A maior parte das ações que tramitam nas Varas da Infância e da Juventude dispensa a
presença do advogado. Essa medida, por um lado, pode agilizar o processo e reduzir
36

despesas com serviços advocatícios, por outro lado pode criar o entrave de impedir a
participação de um profissional da área jurídica para orientar as pessoas.

A atuação do psicólogo judiciário nas Varas da Infância e da Juventude compreende


diversas áreas, com teorias e técnicas específicas e, em algumas situações, sua
participação é obrigatória e, em outras, facultativas, pois intervém a pedido do Juiz.

Tais áreas de atuação do psicólogo são:

1) processos de adoção da criança ou do adolescente (nacional ou internacional), onde a


intervenção busca garantir à criança uma adequada adaptação à nova família,
investigando suas condições psicológicas, assim como aquelas dos pais adotantes.

2) Em uniões homossexuais e guarda dos filhos, uma vez que o Estatuto da Criança e do
Adolescente não traz qualquer restrição quanto a sexualidade dos candidatos.

3) Processos de guarda e tutela, realizando avaliação como forma de buscar elementos e


informações para fundamentar a decisão judicial, bem como ouvir a criança ou o
adolescente para que este manifeste sua opinião, sentimentos, desejos e incertezas,
alegrias ou angústias, objetivando o equilíbrio psicológico, além de avaliar a motivação
da família ou do requerente e a sua adequação.

4) Processo de união homossexual com solicitação de guarda de filhos, uma vez que o
ECA não traz qualquer restrição, seja a sexualidade dos candidatos, seja ao pré-requisito
de uma família constituída pelo casamento. O que geralmente ocorre é que o
preconceito acaba prevalecendo sobre o “bem” da adoção, e com isso muitas crianças
são privadas de ter lar, afeto, carinho, atenção e boa educação. Segundo estudos, não é o
fato de os pais pertencerem ao mesmo sexo que vai determinar a identidade sexual da
criança, nem sua orientação sexual no futuro, visto, inclusive, que a opção homossexual
ocorre geralmente por filhos de casais heterossexuais.

5) Processo de guarda e tutela, efetuando avaliação no intuito de obter informações e


elementos para fundamentar a decisão judicial, além de ouvir a criança ou o adolescente
para que manifeste sua opinião, desejos e sentimentos, visando seu bem-estar
psicológico.

6) Em casos de família substituta, que é aquela que se propõe a trazer para o convívio
doméstico uma criança ou adolescente que, por qualquer circunstância, foi desprovido
da sua família de origem. A legislação prevê três possibilidades de família substituta:
através de tutela, guarda e adoção, o que é regulamentado pelo ECA.

7) Em processo de queixa de mau comportamento, caracterizado por práticas delituosas,


visto que muitas crianças e adolescentes apresentam sérios problemas psicológicos que
precisam ser investigados e submetidos a um programa de intervenção.

Projeto de lei que proíbe pais de dar palmada nos filhos


O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA - Lei 8.069/90) poderá sofrer mais uma
alteração ao completar duas décadas (1990 a 2010). O governo federal encaminhou
37

nesta quarta-feira (14 de julho de 2010) projeto de lei ao Legislativo que proíbe
castigos corporais em crianças e adolescentes, como palmadas e beliscões.

A proposta pretende garantir que meninos e meninas cresçam livre de violência física e
psicológica. A sugestão do projeto de lei foi encaminhada ao governo pela Rede Não
Bata, Eduque - formada por instituições e pessoas físicas. Pelo texto, "castigo
corporal" passa a ser definido como "ação de natureza disciplinar ou punitiva com
o uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente".

Para os infratores, as penas são advertência, encaminhamento a programas de proteção à


família e orientação psicológica. Será necessário o testemunho de terceiros - vizinhos,
parentes, assistentes sociais - que atestem o castigo corporal e queiram delatar o infrator
para o Conselho Tutelar. Não há um propósito na lei de criminalizar a prática parental,
mas um objetivo de educar os pais no relacionamento com seus filhos. Mas será que
pais que foram maus educados sabem educar?

Atualmente, o ECA proíbe maus-tratos, mas não define quais são os casos. Há
necessidade de mais proteção para garantir a convivência familiar adequada e um
ambiente saudável. Medidas que criam um padrão de relacionamento em relação à
agressão física são importantes para que a violência não comece em casa.

Há divergências quanto aos castigos corporais, como prática educativa, serem uma
questão pública ou privada. Há que se demonstrar a partir de quando [o castigo] passa a
ser um excesso e uma questão pública.

Importante ressaltar que, como mostram estudos, práticas educativas parentais que
utilizam a violência, além de implicar em uma questão moral, pode gerar problemas no
desenvolvimento psicológico da criança, levando-a, por exemplo, a aprender
comportamentos violentos ou a adquirir padrões patológicos de ansiedade ou depressão.

Práticas educativas parentais devem cumprir seu papel de estabelecer limites ao


comportamento da criança. Para isso, exige dos pais atitude firme e coerente, com
paciência, afetuosidade e equilíbrio. Há diversas alternativas à agressão como prática
educativa, como negociação e diálogo, e estas devem ser aplicadas à criança desde cedo,
e não apenas quando a criança, já em certa idade, apresenta flagrantes comportamentos
anti-sociais, em casa ou na escola.

DIREITO DOS PORTADORES DE TRANSTORNOS MENTAIS


38

O marco institucional da assistência psiquiátrica no Brasil foi em 1852, com a


inauguração, pelo próprio Imperador D. Pedro II, do hospício que recebeu o seu
nome, no Rio de Janeiro, com capacidade para 350 pacientes. Em pouco mais de
um ano, já tinha lotação esgotada. Os asilos abertos na época, em curto espaço de
tempo eram lotados e outros então eram abertos. Esta foi uma tendência constante
ao longo de toda a história da assistência psiquiátrica até tempos recentes.

A exemplo do Rio de Janeiro, seguiram-se construções, nas décadas seguintes, de


instituições em São Paulo, Pernambuco e Pará. A função exclusivamente
segregadora do hospital psiquiátrico nos seus primórdios de existência aparece no
Brasil sem disfarces de qualquer natureza. Os médicos eram em pequeno número
nessas instituições e tinham pouca influência nas questões administrativas e na
seleção da clientela dos hospitais. Posteriormente, passaram a reivindicar poder e
exclusividade sobre um saber sobre assuntos de saúde e doença mental.

O período imediatamente posterior à proclamação da República é o marco divisório


entre a psiquiatria empírica e a psiquiatria científica, com a ascensão da classe
médica como porta-vozes legítimos do Estado, enquanto responsável pelo
tratamento à doença mental.

Na última década do século XIX, a assistência a alienados em São Paulo foi entregue a
Franco da Rocha, que fez construir, em 1898, O Hospício Colônia de Juqueri. No
Rio de Janeiro, em 1903, a Saúde Pública e a Psiquiatria unem-se na tarefa comum
de sanear a cidade, remover a imundície e os focos de infecção que eram os
cortiços, além dos focos de desordem que eram os sem-trabalho maltrapilhos que
perambulavam pela cidade.
Com a glorificação do trabalho incorporada à ideologia burguesa então emergente, os
ociosos recalcitrantes e os desadaptados à nova ordem foram jogados na categoria
de anti-sociais e duramente reprimidos. A prática psiquiátrica buscava devolver à
comunidade indivíduos tratados e curados, aptos para o trabalho. O trabalho era ao
mesmo tempo meio e fim do tratamento.

No Brasil, é implementada a construção de colônias agrícolas, não apenas como outra


estratégia terapêutica, mas como uma forma de reverter ao “normal” a tradicional
“moleza e preguiça do brasileiro”. Ante o insucesso de tal empreitada, os hospitais
agrícolas permaneceram com a função exclusiva de excluir os doentes mentais de
seu convívio social e escondê-lo dos olhos da sociedade.

A população de internados não parava de crescer e novos hospícios eram construídos,


como o Hospício Colônia de Barbacena, em 1903, o Manicômio Judiciário de
Barbacena, em 1929 e o Instituto Raul Soares, em Belo Horizonte, na década de
1920. Ao fim da década de 1950 a situação já era caótica: por todo o país, os
manicômios agrícolas estavam superlotados de internos. As colônias agrícolas
entram em colapso e começam a ser desativadas.
39

Importantes transformações na prática psiquiátrica ocorriam nos Estados Unidos e


Europa, a partir do período da Segunda Guerra Mundial. No Brasil, apenas
lentamente a atenção psiquiátrica é incorporada às demais especialidades que
englobava os benefícios previdenciários, o que vem a ocorrer apenas a partir da
década de 1950 e, mesmo assim, restrito a estreita parcela de trabalhadores, que
passaram a ter o direito a internações a sanatórios particulares. As drogas anti-
psicóticas só faria sua aparição no mercado em 1955, o que causaria grande
transformação no modelo de tratamento.

Com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), a doença mental passa a ser vista não
mais como um “sub-produto” do progresso, mas como uma questão relevante para
a economia, uma vez que transtornos psiquiátricos nos trabalhadores causavam
prejuízo na produção industrial. Assim, agora investir no tratamento de doença
mental era algo economicamente importante. A psiquiatria é chamada a dar sua
contribuição como prática assistencial de massa no Brasil a partir de1964.

O período que se seguiu ao movimento militar de 1964 foi o marco divisório entre uma
assistência eminentemente destinada ao doente mental indigente para a cobertura de
atendimento à massa de trabalhadores e seus dependentes. A opção do Estado,
nesse contexto, foi privatista, com a contratação de leitos em hospitais privados.
Houve então uma significante expansão de leitos financiados pelo Governo,
caracterizando uma situação de comercialização da doença mental (DELGADO,
2001).

No período de 1965 a 1970 houve um grande fluxo de doentes para os hospitais da rede
privada. Não havia controle do tempo de internação e a duração média de
permanência era de três meses. Neuróticos e alcoolistas passaram a integrar a
clientela. Uma interpretação para isso era a avidez dos hospitais por mais pacientes
e lucros.

Sob o rótulo de neurose ou outro qualquer diagnóstico impreciso, problemas sociais


diversos tinham no asilo a única solução.

Intensificaram-se as denúncias contra o favorecimento do que passou a ser conhecido


como a INDÚSTRIA DA LOUCURA, partindo de vários setores de representantes
da área de saúde (Resende, 2001).

A assistência ao doente mental, ao fim dos primeiros cinco anos da década de 1970,
perde importância que tivera até então, e há uma drástica redução de gastos com a
saúde mental. Isso coincide com a famosa “crise do petróleo” que, na segunda
metade da década de 70, modificou radicalmente o panorama econômico do país.

Em 1978, já no contexto da redemocratização do país, surge no Rio de Janeiro o


Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), que constrói um
pensamento crítico no campo da saúde mental, que permite visualizar uma
possibilidade de inversão do modelo psiquiátrico clássico, a partir do conceito de
desinstitucionalização. (Amarante, 1995).
40

Em 1979, durante o III Congresso Mineiro de Psiquiatria, a opinião pública foi sacudida
por denúncias da situação de degradação dos pacientes do Hospital-Colônia de
Barbacena, que na ocasião foi comparado pelo italiano Franco Basaglia, presente ao
evento, como um “campo de concentração” (Delgado, 2001).

Em dezembro de 1987, acontece encontro dos trabalhadores em saúde mental, na cidade


paulista de Bauru. Surge uma nova e fundamental estratégia. O movimento amplia-
se no sentido de ultrapassar sua natureza exclusivamente técnico-científica,
tornando-se um movimento social por transformações no campo da saúde mental.
O objetivo então era sensibilizar e envolver novos atores sociais na questão da
saúde mental. Assim, inúmeras entidades da sociedade civil passaram a incluir o
tema em seus debates e pautas d e atuação. Surge o Movimento da Luta Anti-
manicomial.

Em 1989, dois acontecimentos marcantes: primeiro a intervenção pela Prefeitura de


Santos na Casa de Saúde Anchieta, um hospício privado que contava com mais de
500 internos. Possibilitada pelo processo de municipalização do sistema de saúde
(SUS), a intervenção deu início ao fechamento do hospício e à substituição do
modelo assistencial, com a criação de Centros de Atenção Psicossocial , que
funcionavam 24 horas, atendendo quaisquer situações de crise psiquiátrica e/ou
social relacionada ao estado mental, inclusive com leitos de suporte para
hospedagem em situações mais graves. Acrescentou-se aos Centros, projetos
culturais e artísticos, lares abrigados e cooperativas de trabalho; segundo, foi o
surgimento do Projeto de Lei do deputado Paulo Delgado, que propunha a extinção
progressiva do modelo psiquiátrico clássico, com sua substituição por outras
modalidades assistenciais e tecnologias de cuidados. (Amarante, 1995)

O Movimento da Luta Anti-Manciomial teve prosseguimento nos anos seguintes,


firmando conquistas e estabelecendo mudanças.

A desinstitucionalização não significa apenas desospitalização, mas superação de um


modelo arcaico, centrado no conceito de doença e tratamento como entidade
abstrata, para uma efetiva promoção do portador de sofrimento mental à sua plena
condição de cidadão de direitos. Isso significa não apenas administrar-lhe fármacos
ou psicoterapias, mas construir-lhes possibilidades.

ASPECTOS JURÍDICOS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA

Reformas no sistema penal, no início do século XIX, regularizaram em Lei medidas


penais cabíveis ao doente mental criminoso. Desde as antigas leis romanas havia uma
preocupação em proteger o doente mental, mas nada quanto ao enfermo mental que
praticar crime. Ele recebia as mesmas sanções legais que os demais criminosos e, na
convivência com estes, sofria toda sorte de abuso e maus-tratos.

Em 1838, é promulgada na França a primeira lei de Proteção aos Alienados, após


diversos inquéritos em que se apuravam inúmeras denúncias. Dois nomes se destacam
nesse contexto: o de Esquirol (na França) e de Ferrus (na Itália). Estes defendiam a idéia
de que os progressos da civilização não deviam permitir confundir alienados com
vagabundos e criminosos. Alienados deveriam ser colocados em tratamento, e não
presos a cumprirem pena. Entretanto, o tratamento na época acabava por ser também
41

uma forma de segregação e exclusão social, através do confinamento dos doentes


mentais em manicômios.

O diagnóstico seguia critérios diversos, dependendo da teoria que o sustentava. O


psiquiatra francês Esquirol, por exemplo, defendia a idéia que estabelecia ligações entre
a loucura do indivíduo e uma degeneração racial, que implicava em distúrbios morais. O
cientista britânico, Francis Galton, por sua vez, defendia a conceituação frenológica da
loucura, que estabelecia o caráter e as funções mentais relacionadas com o tamanho e
formato do crânio. O médico italiano, Cesare Lombroso, argumentava que a
criminalidade era um fenômeno hereditário.

No Brasil, o Código do Império (início do século XIX) destacava que não se julgaria
criminoso os loucos de todo o gênero, salvo se tivessem lúcidos nesse intervalo e neles
cometessem o crime.

No Código Republicano (1890), aprovado em 1903, contemplava a proteção ampliada


ao alienado criminoso, que não só não seria julgado, como deveria ser encaminhado a
instituições para tratamento adequado. Nas décadas de 1920 e 30 surgem os
manicômios judiciários, hoje denominados hospitais de custódia.

Em abril de 2001, é promulgada, no Brasil, a Lei federal 10.216, que garante os direitos
dos portadores de transtorno mental e redireciona o modelo de atenção à saúde mental.

RESUMO DA LEI No 10.216 DE 06 DE ABRIL DE 2001

Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e


redireciona o modelo assistencial em saúde mental.

- Assegura os direitos e a proteção de portadores de transtorno mental sem qualquer


forma de discriminação;

- Garante ao portador de transtorno mental o acesso ao melhor tratamento do sistema


de saúde;

- Garante ser tratado com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de


beneficiar sua saúde, visando alcançar sua reabilitação pela inserção na família, no
trabalho e na comunidade;

- Ter garantia de sigilo nas informações prestadas;

- Ter direito à atendimento médico para esclarecer a necessidade ou não de sua


hospitalização involuntária;

- Receber informações sobre sua doença e seu tratamento;

- Ser tratado em ambiente terapêutico e, preferencialmente, em serviços comunitários


de saúde mental, e por meios menos invasivos possíveis;
42

- Estabelece como responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de


saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde, com a participação da
sociedade e da família;

- Estabelece que a internação só será indicada quando os recursos extra-hospitalares


se mostrarem insuficientes;

- O tratamento em regime de internação será de forma a oferecer assistência integral


ao portador de transtorno mental;

- O tratamento terá como objetivo permanente a reinserção social do usuário;

- É vedada a internação em instituições com características asilares;

- O paciente há longo tempo hospitalizado (institucionalizado) será objeto de política


específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida;

- A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico


circunstanciado que caracterize os seus motivos;

- A internação poderá ser voluntária, involuntária ou compulsória (Judicial);

- A internação involuntária deverá, no prazo de 72 horas, ser comunicada ao


Ministério Público Estadual.

A FAMÍLIA DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO E A CRIMINALIDADE

A família atual vem sofrendo mudanças significativas em sua constituição e


funcionamento. Passamos pela família patriarcal, em seguida pela família moderna e,
atualmente, famílias com constituição diversas, como as formadas por casais em seu
segundo ou terceiro casamento e casais homossexuais.

A sociedade de consumo pós-moderna, com ênfase no prazer imediato a qualquer preço


e no individualismo, provocou a desagregação da família tradicional. Com isso, ao
contrário do que ocorria nos primeiros séculos da história do Brasil, a família é agora
mais influenciável do que influente.

Na área da saúde mental, a família tem um papel de fundamental importância como


auxiliar no tratamento de seu doente, já que mantém com ele os mais estreitos laços
afetivos e é a primeira a tomar contato e a sofrer com as mudanças de comportamento
deste. É da família que vem o principal apoio a um programa de tratamento. Nesse
objetivo, são feitos trabalhos psicoeducativos e de orientação da medicação pelos
profissionais do serviço público de saúde.

Além da dificuldade de se aceitar e lidar com um doente mental, os familiares muitas


vezes acredita-se culpados pelo aparecimento do transtorno psiquiátrico em um dos
seus. Tais dificuldades ocasionam que grande parte das famílias que abriga um paciente
psiquiátrico apresenta uma dinâmica de relacionamento tenso ou desequilibrado.
Estudos mostram que pacientes psiquiátricos geralmente vivem em famílias com
baixíssima coesão, aumentando dessa forma sua vulnerabilidade a tornarem-se pacientes
43

crônicos, dificultando relações sociais em geral, prejudicando a qualidade de vida dele e


de seus familiares.

Repetindo o que acontece nas famílias que abrigam em suas casas um membro com
transtorno psiquiátrico, as famílias de criminosos freqüentemente exibem uma dinâmica
disfuncional e tensa, estando na maioria das vezes desestruturadas, por exemplo, devido
a situação econômica precária, a abuso de álcool e outras drogas, violência ou todos
esses elementos juntos.

Alguns estudos mostram que boa parte dos criminosos apresenta comportamento anti-
social desde a pré-adolescência. Há a constatação de que indivíduos violentos foram
expostos à violência durante sua formação e tendem a repetir os mesmos
comportamentos em algum momento de sua vida. Entretanto, é importante lembrar que
o comportamento violento abrange aspectos biológicos, psicológicos e sociais. Daí a
importância de trabalhos de intervenção preventiva em famílias e comunidades
envolvidas com a violência. No Brasil, não há um trabalho efetivo, da parte do sistema
penal, que busque uma participação dos familiares dos delinqüentes em um processo
interativo. As famílias dos presidiários e jovens em casas de recuperação são pouco ou
nunca procuradas para participar de um plano conjunto de reabilitação ou prevenção de
novas ocorrências criminais.

O papel do profissional da área da saúde mental, como o psicólogo, que atua como
perito nos casos de acusações criminais feitas contra indivíduos com transtornos
mentais ou de personalidade, é de alta complexidade. O profissional precisa examinar o
paciente seguindo princípios da justiça em harmonia e convergência com critérios
técnicos e científicos, para elaborar o correspondente laudo pericial. Nesse sentido, o
perito funciona como um tradutor da linguagem clínica para a jurídica.

MÉTODOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

A solução de conflitos requer métodos adequados à sua natureza, às características dos


envolvidos, às experiências anteriores dessas pessoas e também a outros fatores que se
combinam para indicar o caminho mais adequado a cada caso.

Métodos informais

1) o “nada a fazer ou dar um tempo”: deixa-se prá lá e espera que o tempo solucione
o conflito;
2) a acomodação: tentativa através de iniciativa e esforços próprios, sem buscar auxílio
de profissionais;
3) o aconselhamento: busca-se opinião de pessoas mais experientes e respeitadas.

Métodos Tradicionais e Alternativos

1) Julgamento

Neste, o Poder Judiciário decide fundamentado na apreciação dos fatos e na aplicação


do Direito, em sentença vinculativa para as partes. O juiz representa o poder e, como tal,
os envolvidos encontram nele a autoridade suprema, a quem delega a responsabilidade
pelos resultados. O mesmo se aplica quando há a figura do corpo de jurados, ou ainda
44

dos peritos e assistentes técnicos. Os aspectos psicológicos envolvidos no julgamento


vão desde a possibilidade de dano psicológico em função de uma decisão insatisfatória,
até o ganho secundário, transferência de culpa, onde o sujeito pensa que ele estava
certo, e foi o Juiz que errou. Sob a ótica do relacionamento interpessoal, o julgamento
pode não apaziguar, e, até mesmo, contribuir para reforçar a percepção de que a outra
parte é inimiga.

2) Arbitragem

Neste método a decisão cabe a um terceiro, o árbitro, escolhido pelas partes. O método
aplica-se quando há “compromisso arbitral” firmado pelos interessados. A arbitragem
distingue-se do julgamento pelo fato de as partes influenciarem diretamente na escolha
do árbitro, escolhido livremente pelos litigantes. Isso se reflete na confiança que detém
sobre determinada matéria e na idoneidade pessoal e profissional. O efeito psicológico é
próximo daquele do julgamento, com a diferença de que são as partes que escolhem o
árbitro. A arbitragem reduz o impacto emocional que o ritual da justiça formal
estabelece, tornando-o mais confortável para os litigantes. Tanto no julgamento, quanto
na arbitragem, o comportamento dos advogados é um fator determinante no clima
emocional entre os litigantes, além de refletir sobre o próprio comportamento.

3) Negociação

Negociar não é discutir. A negociação requer objetivo, determinação e preparação. Na


negociação, as perdas e os ganhos de cada parte são colocados na mesa e constituem as
cartas com as quais a negociação se desenvolve, com objetivos claramente definidos.
Atualmente, a negociação profissional aplica-se preponderantemente a temas
complexos, em geral envolvendo grandes Organizações públicas e privadas. A
negociação pode acontecer no transcorrer da arbitragem ou do julgamento, com a
participação de promotores, advogados e árbitros. É comum que as pessoas se
intimidem, quando em confronto com outra de maior poder (físico, social ou
econômico). Assim, diferenças de personalidades entre os litigantes influenciam no
resultado da negociação.

4) Conciliação

Conciliação e mediação constituem métodos cooperativos de tratamento de conflitos.


Nisso, diferem substancialmente dos métodos formais anteriores. O objetivo da
conciliação é colocar fim ao conflito manifesto, isto é, a questão trazida pelas partes. O
conciliador, na busca de soluções, interfere e questiona os litigantes, mas sem ter o
poder de decisão, que deve ser tomada, cooperativamente, pelas partes. O conciliador
procura mostrar as vantagens e de um acordo, ainda que com concessões mútuas, para
evitar outros tipos de prejuízos, como a demora, incerteza quanto aos resultados, etc.

5) Mediação

Na mediação, um terceiro, o mediador, atua para promover a solução do conflito por


meio de realinhamento das divergências entre as partes, os mediandos. Para isso, o
mediador, diferentemente do conciliador, explora o conflito para identificar os
interesses que se encontram além ou ocultos pelas queixas manifestas. O mediador não
decide, não sugere soluções, mas trabalha para que os mediandos as encontrem e se
45

comprometam com elas. De maneira semelhante ao que acontece na conciliação, a


mediação abrange a negociação assistida, que faz parte do processo. É fundamental que
as partes aceitem a ajuda do mediador para lidar com suas diferenças. O marco
distintivo da mediação, em relação aos outros métodos, encontra-se na presença dos
conteúdos emocionais no desenho do acordo.

PSICOLOGIA E ÉTICA

Dada a grande confusão semântica atual em torno dos termos 'ética' e 'moral', aqui
busca-se verificar a natureza estritamente terminológica, a saber, a questão do uso de
dois termos de grafias distintas - 'ética' e 'moral' - para se referir a um mesmo domínio
de saber e a um mesmo campo de fenômenos.

Num primeiro momento, observa-se a sinonímia original dos termos 'ética' e 'moral', a
partir de suas respectivas raízes etimológicas. Em seguida, algumas nuances de
significação no uso desses termos que se originaram no início do século XIX, ao fim da
Era Moderna, e se revelam no vocabulário ético atual. Por fim, neste texto, será
discutida a preferência atual do termo 'ética' sobre a palavra 'moral'.

Ética e Moral como sinônimos

A palavra 'ética' provém do adjetivo 'ethike', termo corrente na língua grega, empregado
originariamente para qualificar um determinado tipo de saber. Aristóteles foi o primeiro
a definir com precisão conceitual esse saber, ao empregar a expressão 'ethike
pragmatéia' para designar seja o exercício das excelências humanas ou virtudes morais,
seja o exercício da reflexão crítica e metódica (praktike philosophia) sobre os costumes
(ethea)1. Com o passar do tempo, o adjetivo gradualmente se substantiva e passa a
assinalar uma das três partes da filosofia antiga (logike, ethike, physike).

O adjetivo 'ethike', por sua vez, originara-se do substantivo 'ethos', que constitui uma
transliteração de dois vocábulos gregos: éthos (com eta inicial - hqoV) e êthos (com
epsilom inicial - eqoV). Éthos com eta (ç) inicial designa, em primeiro lugar, a morada
dos homens e dos animais. É o éthos como morada que dá origem à significação do
éthos como costume2, estilo de vida e ação. A metáfora contém a idéia de que o espaço
do mundo torna-se habitável pelo homem por meio do seu éthos. Isto é, mais do que
habitar a physis, a natureza, o homem habita o seu éthos: pois, diferentemente da physis,
o éthos, como espaço construído e incessantemente reconstruído - e tecido pelo logos - é
o seu abrigo protetor mais próprio3.

Êthos com epsilom (å) inicial refere-se primordialmente ao processo genético do hábito
(hexis) como disposição estável para agir, que decorre do exercício dos atos. A partir
daí, passa a significar o caráter pessoal como um padrão relativamente constante de
disposições morais, afetivas, comportamentais e intelectivas de um indivíduo4.

O termo latino mos, de onde provém o termo moral, foi usado (provavelmente por
Cícero) para traduzir o vocábulo ethos, o qual conhece, no mundo latino, quase idêntica
história semântica ao termo grego ethos. Designando originariamente a morada dos
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homens e dos animais, amplia gradualmente seu significado para denotar, do ponto de
vista coletivo, os costumes, e de um ponto de vista individual, o modo de ser - o caráter.

Com a criação da Ética como ciência do ethos no mundo grego - como aplicação do
logos demonstrativo à reflexão crítica sobre os costumes e modos de ser dos homens - a
palavra 'ética' passou a designar, na tradição filosófica, tanto o objeto de estudo de uma
disciplina quanto o estudo do objeto. 'Ética' significa, portanto, tanto a disciplina que
reflete criticamente sobre o saber ético encarnado nos costumes e modos de ser, como
esse próprio saber. O mesmo se verifica com a palavra 'moral', que servirá para designar
tanto o objeto de estudo - a mo- quanto o estudo crítico do objeto - a Filosofia Moral.

No que respeita a tradição filosófica, os termos 'moral' e 'ética' designam, portanto, o


mesmo campo de fenômenos e o mesmo domínio de reflexão. Isto é, são sinônimos.
Posição esta que é assumida pela maior parte dos filósofos e está plenamente de acordo
com a organizadora do principal dicionário de ética de nossa época - Dicionário de
Ética e Filosofia Moral.

Alguns autores atuais consideram que a palavra "moral" sugeriria, fundamentalmente, a


presença da obrigatoriedade das normas, dos deveres, das obrigações; seu domínio
semântico pertenceria, primordialmente, ao registro do imperativo categórico e à
filosofia kantiana. A ética, por sua vez, estaria associada ao bem viver, às virtudes ou às
práticas efetivas concretas, e expressar-se-ia no optativo. Torna-se, pois, relevante rever
o que nos diz o ilustre filosofo francês neste contexto:

É preciso distinguir entre moral e ética? A dizer a verdade, nada na etimologia ou na


história do uso das palavras o impõe: uma vem do grego, outra do latim, e ambas
remetem à idéia dos costumes (ethos, mores); pode-se, todavia, distinguir uma nuance,
segundo se ponha o acento sobre o que é estimado bom ou sobre o que se impõe como
obrigatório. É por convenção que reservarei o termo 'ética' para a intenção da vida boa
realizada sob o signo das ações estimadas boas, e o termo 'moral' para o lado
obrigatório, marcado por normas, obrigações, interdições caracterizadas ao mesmo
tempo por uma exigência de universalidade e por um efeito de constrição. Pode-se
facilmente reconhecer na distinção entre intenção de vida boa e obediência às normas a
oposição entre duas heranças: a herança aristotélica, na qual a ética é caracterizada por
sua perspectiva teleológica (de télos, fim); e uma herança kantiana, na qual a moral é
definida pelo caráter de obrigação da norma, portanto por um ponto de vista
deontológico10.

Para outros autores, a palavra 'moral' deve ser usada preferencialmente para denotar o
objeto de estudo, enquanto a palavra 'Ética' - ou Filosofia Moral- deveria reservar-se à
disciplina filosófica que busca refletir criticamente da moral.

Esse uso encontra apoio na linguagem corrente. De fato, o termo 'moral' é muitas vezes
usado como substantivo, em suas diversas acepções, para designar âmbitos que
constituem o objeto de estudo da Ética ou da Filosofia Moral: (1) ou um modelo de
conduta socialmente estabelecido em uma sociedade concreta ("a moral vigente"); (2)
ou um conjunto de convicções morais pessoais ("fulano possui uma moral rígida"); (3)
ou tratados sistemáticos sobre as questões morais ("Moral"), sejam doutrinas morais
concretas ("Moral católica" etc.), sejam teorias éticas ("Moral aristotélica" etc., embora
o mais corrente seja "ética aristotélica" etc.); (4) ou uma disposição de espírito
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produzida pelo caráter e atitudes de uma pessoa ou grupo ("estar com o moral alto"
etc.); (5) ou uma dimensão da vida humana pela qual nos vemos obrigados a tomar
decisões ("a moral"). Como adjetivo, em usos que interessam à Ética, o termo moral é
preferencialmente usado em contraposição à "imoral", ou em contraposição à "amoral".

Já o termo 'moralidade' é muitas vezes usado, seja como (a) sinônimo de "moral", no
sentido de uma concepção moral concreta (p. ex. quando dizemos "isso é uma
imoralidade" = "isso não é moralmente correto"), seja como (b) sinônimo de "a moral",
isto é, uma dimensão da vida humana identificável entre outras e não redutível a
nenhuma outra, e que se manifesta no fato de que emitimos juízos morais; (c) ou na
contraposição filosófica de cunho hegeliano entre "moralidade" e "eticidade", já
discutida antes.

Ética sem Moral?

No uso dos termos ética e moral, a sinonímia original deve prevalecer como pano de
fundo para as diversas nuances de significação. E isso, antes de mais nada, porque a
idéia de um bem desejado remete sempre a uma certa normatividade, e, por outro lado,
toda normatividade sempre faz referência a uma certa idéia de bem. Em termos gerais,
se quero algo, devo algo; se devo algo, quero algo.

O que não se pode é tratar os termos como antônimos. Tal uso é superficial e
contraditório: é contraditório defender, por exemplo, uma ética sem moral, ou uma
moral sem ética. Enquanto a sinonímia é, em geral, mais adequada: é perfeitamente
legítimo falar, por exemplo, de uma ética universal de Kant ou uma moral das virtudes
de Aristóteles.

Quando filósofos utilizam distintas nuances de significação, geralmente o fazem para


denotar diferentes aspectos da vida moral ou da reflexão moral, isto é, diferentes
dimensões de um mesmo fenômeno. É evidente que uma parte considerável da vida em
comum exprime-se mais adequadamente através das idéias de obrigação e do dever,
enquanto outra se expressa por aspirações. Devo, por exemplo, respeitar os direitos do
outro, devo honrar os contratos, devo ser justo etc. Por outro lado, a generosidade não se
pode obrigar: ela expressa um dom gratuito.

Uma separação excessiva no uso dos termos implicaria um uso avaliativo da distinção,
subentendendo, grosso modo, que a ética vale mais que a moral, ou seja, que a aspiração
e o desejo valem mais que o dever e a obrigação. Essa prevalência do termo 'ética' em
relação ao termo 'moral' serviria, finalmente, para expressar aquele novo ethos
denunciado por Gilles Lipovetsky, num livro que se tornou célebre - O crepúsculo do
dever. A ética indolor dos novos tempos democráticos, que poderia ser também
traduzido com outro título: O crepúsculo da moral. A ética indolor dos novos tempos.

Para Lipovestsky - recordemos que trata-se aqui de uma análise sociológica - a era da
moral se apagou para dar lugar à era da ética, que se instalou com todo seu brilho. Fruto
do novo ethos individualista e do narcisismo dos tempos atuais, essa nova ética é
indolor, foge da dor do dever, na medida em que "não ordena nenhum sacrifício maior,
nenhuma separação de si mesmo". A pós-modernidade é, pois, nessa perspectiva,
uma era "pós-moralista", que consagra a saída da forma-dever, de devoção a fins
superiores, transcendentes. Para Lipovetsky, com efeito, apesar da secularização em
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marcha na era moderna, a moral se encontraria demasiado próxima do espírito religioso,


da qual preserva "a noção de dívida infinita, de dever absoluto [...] da imperatividade
ilimitada dos deveres", como conjunto de "obrigações supremas em relação ao que nos
ultrapassa" e fundamento das obrigações morais e coletivas.

Em relação às palavras finais de Lipovestsky, é forçoso nos interrogarmos se, de fato,


existiu, um dia, tal moral incandescente, em que tal dever infinito vibraria nos corações.

O que parece certo, entretanto, é que não podemos abrir mão das aspirações por uma
vida melhor, dos deveres para com o outro, nem de ética e nem de moral.

Mas então, o que é ética, o que é moral? É a mesma coisa ou há distinções a fazer? Há
muita confusão acerca disso.

Tentemos um esclarecimento. Na linguagem comum, e mesmo na linguagem culta,


ética e moral são sinônimos. Assim dizemos: ''Aqui há um problema ético'' ou ''um
problema moral''. Com isso emitimos um juízo de valor sobre alguma prática pessoal ou
social, se boa, se má ou duvidosa.

Mas, aprofundando a questão, percebemos que ética e moral não são sinônimos. A
ética é parte da filosofia. Considera concepções de fundo, princípios e valores que
orientam pessoas e sociedades. Uma pessoa é ética quando se orienta por princípios e
convicções. Dizemos, então, que tem caráter e boa índole. A moral é parte da vida
concreta. Trata da prática real das pessoas que se expressam por costumes, hábitos e
valores aceitos. Uma pessoa é moral quando age em conformidade com os costumes e
valores estabelecidos que podem ser, eventualmente, questionados pela ética. Uma
pessoa pode ser moral (segue costumes) mas não necessariamente ética (obedece a
princípios).

Embora úteis, essas definições são abstratas porque não mostram o processo como a
ética e a moral, efetivamente, surgem. E aqui os gregos nos podem ajudar. Eles partem
de uma experiência de base, sempre válida, a da morada entendida existencialmente
como o conjunto das relações entre o meio físico e as pessoas. Chamam à morada de
ethos (em grego, com o e longo). Para que a morada seja morada, é preciso organizar o
espaço físico (quartos, sala, cozinha) e o espaço humano (relações entre os moradores
entre si e com seus vizinhos), segundo critérios, valores e princípios, para que tudo flua
e esteja a contento. Isso confere caráter à casa e às pessoas. Os gregos chamam a isso
também de ethos. Nós diríamos ética e caráter ético das pessoas. Ademais, na morada,
os moradores têm costumes, maneiras de organizar as refeições, os encontros, estilos de
relacionamento, tensos e competitivos ou harmoniosos e cooperativos. A isso os gregos
chamavam também de ethos (com o e curto). Nós diríamos moral e a postura moral de
uma pessoa.

Ocorre que esses costumes (moral) formam o caráter (ética) das pessoas. Winnicot,
prolongando Freud, estudou a importância das relações familiares para estabelecer o
caráter das pessoas. Elas serão éticas (terão princípios e valores) se tiverem tido uma
boa moral (relações harmoniosas e inclusivas) em casa.

Os medievais não tinham as sutilezas dos gregos. Usavam a palavra moral (vem de
mos/mores) tanto para os costumes quanto para o caráter. Distinguiam a moral teórica
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(filosofia moral), que estuda os princípios e as atitudes que iluminam as práticas, e a


moral prática, que analisa os atos à luz das atitudes e estuda a aplicação dos princípios à
vida.

Qual é a ética e qual é a moral vigentes hoje? Seria a ética e a moral capitalista. Sua
ética diz: bom é o que permite acumular mais com menos investimento e em menos
tempo possível. Sua moral concreta reza: empregar menos gente possível, pagar menos
salários e impostos e explorar melhor a natureza. Imaginemos como seria uma casa e
uma sociedade (ethos) que tivessem tais costumes (moral/ethos) e produzisse caracteres
(ethos/moral) assim conflitivos. Seria ainda humana e benfazeja à vida? Eis a razão da
grave crise atual.

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