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Trabalhando com dificuldades na aquisição da Língua Escrita

Beatriz de Paula Souza


Orientação à Queixa Escolar, Casa do Psicólogo, São Paulo, 2007, pg. 137 a 163

- 5% ou menos dos alunos que concluem a 4ª série estão adequadamente alfabetizados.

- - 19% analfabetos SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica).

- Grande número de copistas que não lêem ou escrevem espontaneamente.

- A produção massiva de crianças/jovens mal alfabetizados leva à hipótese de que isto é


produto das relações escolares, de funcionamentos escolares insatisfatórios ou danosos.

- A autora aponta para a exclusão social e decorrente sofrimento psíquico dos


semialfabetizados e da situação de vulnerabilidade dos que se encontram nessa situação para
a criminalidade.

- Souza prega a necessidade de que a psicologia busque intervir contribuindo na busca


da superação dessa situação.

- Autora apresenta algumas respostas a partir de práticas construídas no Serviço de


Orientação à Queixa Escolar
- No Serviço OQE busca-se prioritariamente resgatar a possibilidade de pensar e aprender e
favorecer que tais possibilidades sejam apropriadas pelos clientes a fim de que voltem a ser sujeitos de
sua própria história.

- Oferece-se um lugar para pensar num ambiente de acolhimento e confiança para que a criança
volte a desenvolver-se.

- Oferece-se lugar para que a criança opere as informações que já tem sobre a escrita e leitura e
atinja uma elaboração. As intervenções visam que se apropriem de seu pensamento e de suas
hipóteses, que problematizem e forneçam algumas informações sobre a leitura e a escrita, trabalho
factível a qualquer adulto letrado, não específico do pedagogo.
-

- O trabalho inicia-se com materiais lúdicos, mas quando a criança sinaliza (escreve uma
palavra ou algo simples, mas também sugestivo), adentra-se o tema da linguagem escrita.

- Compreender como a criança adquire a noção de números, velocidade, etc. e a


evolução do desenho é importante ao psicólogo que se propõe a trabalhar com crianças com
queixa escolar: o desenvolvimento cognitivo.
Psicogênese da Língua Escrita

- Desenvolvida por Emília Ferrero que foi orientada por Jean Piaget.

- Ambos compreendem a inteligência como instrumento de adaptação do ser humano ao


seu meio (inclusive o social), na direção da ampliação de suas chances de sobrevivência.
Autorregulação, (alteração de si e do ambiente) na busca da adaptação. O Homem na
condição de Sujeito utiliza-se de sua inteligência para adequar-se às exigências de um meio e
modificá-lo de acordo com as suas próprias necessidades.

- Viver na nossa cultura, altamente letrada, pressupõe o mesmo mecanismo cognitivo-


intelectual na busca da adaptação.

- Ferrero, ao apontar para a necessidade de conceituação da escrita no processo de


alfabetização retirou a importância central anteriormente atribuída às funções
neuropsicológicas: lateralidade, coordenação motora fina, discriminações audiovisuais, etc.

- Não é possível ler e escrever sem entender o que a língua escrita representa e como
funciona essa representação.

- Ontogênese reproduz a filogênese: o percurso dos indivíduos é o mesmo realizado pela


espécie. Os humanos também começou a escrever por desenhos.

- PERÍODO ICONOGRÁFICO ou PRÉ-SILÁBICO

- Criança atribui à palavra características do OBJETO representado. Ainda não compreende que a
grafia da palavra refere-se ao som do nome e não da “coisa”. Não aceita que se escreva BOI ao nome
de animal tão grande se a palavra é tão curta e FORMIGA a inseto pequeno se é palavra tão extensa.

- Inicialmente não se difere desenho de escrita (desenhos e letras misturadas).

- No segundo momento, escrita e desenho ficam claramente separados.

- Ainda que conheça letras e as use para escrever pode não ter entrado no período fonográfico.

- PERÍODO LINGUÍSTICO ou FONOGRÁFICO


- Aprendiz tem uma revolução conceitual OU ACOMODAÇÃO: é o som da palavra que é
escrito e não o conteúdo.

NÍVEL SILÁBICO
Escrita dividida em unidades gráficas – LETRAS ou CARACTERES e a suposição é de que
correspondam a subdivisões. Ainda encerra grande diversidade.

A hipótese é de que CADA LETRA corresponde a uma SÍLABA (unidade sonora).

Escrita silábica: B I A (para ba-rri-ga) ou UMG (co-ru-ja); $@&* (pas-sa-ri-nho)

Ao apropriarem-se das letras, os aprendizes tendem a utilizar as de seus nomes, carregadas de


significado afetivo-simbólico. Da mesma forma, a reproduzir as letras dos nomes de pessoas próximas.
Geralmente são letras conhecidas e oferecem segurança no sentido de que existem.

NÍVEL SILÁBICO
Controle qualitativo e quantitativo

Qualitativo: aprendiz percebe que as escritas são formadas por caracteres variados, letras
diversas que geralmente não se repetem continuamente. EX: OOEA (para bor-bo-le-ta). Como
parece absurdo dois “O” juntos, a criança resolve o conflito pondo uma outra letra para
substituir um dos “O”: BOEA.
Crianças entendem que as palavras não podem ser escritas da mesma forma. Assim OEA (cor-
ne-ta) e OEA (o-ve-lha) não podem ser grafadas da mesma forma e o conflito pode ser
resolvido assim: OVA (o-ve-lha).

NÍVEL SILÁBICO
Controle qualitativo e quantitativo

Quantitativo: aprendiz entende que as escritas têm um número mínimo de letras para aceitá-las
como palavras. Geralmente, no mínimo 3 ou 4. Ao tentar escrever PÁ, fica angustiada e pode
tentar resolver o conflito grafando PA e ler pa-a ao ser pedido que leia o que escreveu.

É necessário diferenciar-se os erros de distração dos erros construtivos. Do ponto de vista


evolutivo, estes erros podem representar avanços importantes.

NÍVEL SILÁBICO
Geralmente, as vogais são as primeiras letras a serem aprendidas e a compreensão de que as
consoantes não têm som isoladamente requer nova acomodação (insight)

NÍVEL SILÁBICO-ALFABÉTICO
Geralmente, a clientela da OQE encontra-se neste e no nível posterior.

Neste nível transicional do Silábico para o posterior que é o Nível Alfabético, o aprendiz alterna as
hipóteses de cada um deles na mesma produção: LAGT (lagarta), SBIA (sabiá)

HÁ O VISLUMBRE da lógica alfabética que consiste na percepção da possibilidade de se subdividir a fala


em unidades ainda menores do que as sílabas: os fonemas.
O conceito de fonema exige uma abstração superior a da sílaba.

NÍVEL SILÁBICO-ALFABÉTICO
Geralmente, a clientela da OQE encontra-se neste e no nível seguinte. As falas de pais e
professores referem que a criança troca ou come letras e que escreve tudo atrapalhado. Têm
sido entendido como sintomas de distúrbios de aprendizagem, dislexia, déficit de atenção,
problemas neurológicos.

Neste Nível, a hipótese alfabética ainda não foi estabilizada. Estão a meio caminho disso e,
com uma intervenção adequada, que valoriza seu pensamento, podem avançar, muitas vezes,
rapidamente. A escola, se cristalizada a ideia de incompetência da criança, pode não fornecer
tal ambiente

NÍVEL SILÁBICO-ALFABÉTICO
Avançar para o próximo Nível requer que a criança possa investigar, pensar, experimentar,
organizar seus conhecimentos e tornarem-se, assim, capazes de operar adequadamente com
esta estrutura. Muitas vezes a vergonha e o medo de errar impedem que a criança opere e
transcenda este nível.

NÍVEL ALFABÉTICO
Quando o aprendiz opera neste Nível de maneira estável e a base alfabética está conquistada. Ainda há
muitos desafios a superar mesmo nesta fase.
As sílabas simples (2 letras apenas, uma vogal+uma consoante) geralmente aprendidas antes e fixadas.
Os desafios que vão além de sistematização e exercícios de fixação:
-as letras “irregulares”: “S” como S, SS, Z; G ora como J e ora como GA,GUE, etc. C como ca e como ce
ou com cedilha ço;
-sílabas com mais de 2 letras: tra-tor, cas-pa,etc.
-vogais abertas usadas para representar as fechadas: bolo, mas se pronuncia bolu, menino, mas se fala
mininu, etc.
Psicogênese da Língua Escrita

NÍVEL ALFABÉTICO
-acentos e suas especificidades;

- -“arbitrariedades”: família em vez de familha; exemplo em fez de exemplo, erros


ortográficos, convenções, etc.

- - a separação das palavras que de início são grafadas sem espaço;

- - a pontuação;

- -a quebra da frase na linha

A superação entre os níveis e dos desafios dos 2 slides anterior pode ser ansiogênica ao ponto de gerar
regressão a fases já superadas e comportamentos resistentes de choro, resistência propriamente dito,
indisciplina e desinteresse em sala de aula.

É comum que os pais entendam a não memorização de uma grafia como algo patológico, problema de
memória, etc., muitas vezes endossados em sua visão pela visão da escola. Muitas vezes percebem
muito pouco dos saberes já adquiridos e potenciais dos filhos. Por isso é muito importante o contato com
eles e com a escola ao longo da OQE conforme as abordagens que ressaltam a ênfase nos potenciais
para descristalizar-se uma visão negativa e paralisante dos alunos “olhar desqualificador”. Tal olhar ataca
a possibilidade da criança seguir aprendendo e pode gerar outras dificuldades, inclusive violência
doméstica.

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