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Universidade Federal de Pernambuco

Centro de Artes e Comunicação


Bacharelado em Cinema - Disciplina: Cinema Brasileiro
Prof.: Paulo Cunha - Estágio de docência: Raquel de Holanda
Aluno: Txai Ferraz

Para um cinema plural, a diversidade de relatos

NAGIB, Lúcia. O Cinema da


Retomada: Depoimentos de
90 Cineastas dos Anos 90. São
Paulo: Editora 34, 2002.

Lúcia Nagib nasceu em São Paulo no ano de 1956. Possui mestrado e doutorado
em Artes pela USP. Em 1997, concluiu seu pós-doutorado na Cinémathèque Africaine,
órgão integrante do Ministério da Cooperação e do Desenvolvimento do governo francês.
Atualmente, leciona na UNICAMP e é pesquisadora de cinema, sua história e teorias. É
crítica e autora de vários livros sobre o assunto, incluindo O Cinema da Retomada:
Depoimentos de 90 Cineastas dos Anos 90, livro que analisaremos a seguir.

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Como sugere o subtítulo, O Cinema da Retomada é um livro de entrevistas. De


forma faraônica, foram coletados depoimentos de noventa realizadores do cinema
nacional que produziram filmes entre 1994 e 1998, anos comumente entendidos pela
crítica especializada como “o cinema da retomada”.
Duas preocupações nortearam a realização das entrevistas e a posterior
publicação. A primeira, a de que o livro não fosse, como evidencia a própria autora na
apresentação, “um ‘panteão’ do cinema brasileiro”. Abolindo o gosto como critério,
foram entrevistados realizadores das mais diversas correntes e experiências, deixando de
lado também por parte da equipe a teoria de um cinema autoral focado na figura do
diretor-gênio. Cinema, aqui, é entendido como uma atividade de natureza coletiva,
realizada por muitos e para muitos.
A segunda preocupação foi a de que o tratamento fosse igual a todos os
realizadores, assim os questionamentos foram os mesmos: formação, influências, opções
políticas, histórico dos filmes lançados e como avaliam a política de incentivo ao cinema
nacional, este último questionamento-chave do livro.
Assim, plano a plano, O Cinema da Retomada constroi um rico mosaico da forma
de produção e por consequência das características da atividade cinematográfica no
Brasil nos anos 1990. Por tratar-se de uma época em que o cinema nacional vivenciou a
falência dos ideais de certo e errado, resultando numa produção heterogênea por
excelência, nada mais justo que um panorama imparcial e amoral sobre todas as facetas
da nossa produção.
Aliás, o surgimento de um cinema plural no Brasil é tema recorrente em boa parte
das entrevistas. Para alguns, sobretudo a partir de 1995, o cinema nacional ganha uma
noção de coletividade nunca vista antes. Cacá Diegues, em sua entrevista (p. 183)
apresenta uma análise positiva da questão: “Não existe mais o cinema brasileiro como
gênero, mas uma cinematografia nacional com toda a sua diversidade interior, e isso é
fundamental e extraordinário”.
Outros cineastas, no entanto, não são tão otimistas. Walter Hugo Khouri (p. 245)
é categórico: “Falta unidade. Eu estava pensando nisso outro dia: na Suécia, na França,
há um denominador comum, uma unidade que mais ou menos agrupa, mesmo quando há
diversidade. Aqui não”.
Quando interrogados sobre a experiência da Lei do Audiovisual, os realizadores
apresentam discursos mais encontrados. A maioria mostra-se contente com a criação da
lei, mas, em contrapartida, as entrevistas mostram que é senso comum que ela deveria ser
aprimorada.
Uma minoria, como Bruno Barreto (p. 96) é completamente contrária à lei: “Sou
totalmente contra essa Lei de Incentivo Fiscal, acho que tudo deveria ser subsidiado
diretamente pelo governo e deveríamos produzir menos filmes, e melhores”.
Outros preferem criticar apenas alguns aspectos, ora a credibilidade de quem
capta recursos com a Lei do Audiovisual, ora a de quem seleciona os projetos, ora uma
contradição no sistema como denuncia a realizadora Daniela Thomas (p. 484): “É uma lei
que supõe a legitimidade das empresas. É praticamente impossível conseguir que as
empresas saiam do caixa 2 e trabalhem com o caixa 1, o que parece ser contrário à
natureza da economia brasileira”.
É consenso geral que o cinema nacional é órfão de uma distribuição como ocorria
nos tempos da Embrafilme. Sobre a questão, o melhor raciocínio parece ser o do
argentino Hector Babenco (p. 81): “O cinema brasileiro atual está nesse tripé: um roteiro
para aprovar na Lei, um captador e o Adhemar de Oliveira para exibir no Espaço
Unibanco de Cinema”.
Para um amante do cinema nacional nos anos 1990, é icomensurável o prazer
sentido ao deparar-se nas páginas de O Cinema da Retomada com detalhes sobre a
biografia e influências de cada realizador, além de relatos sobre cada uma de suas
produções, ou no caso dos que possuem filmografia extensa, das mais recentes.
O grande pioneirismo de Lúcia é, ainda durante a retomada (o projeto do livro se
iniciou em 1998), historiografar o momento então vivido pelo cinema nacional da forma
mais ampla possível. O Cinema da Retomda é um livro que, sem dúvida, lança caminhos
para o estudo do período, ainda muito recente, e também para a compreensão do
momento atual, afinal, as políticas atuais de incentivo ao cinema brotaram nos anos 1990.
Ainda que cada entrevista apresente um valor específico, o mais importante ao
percorrer o universo de tantos cineastas brasileiros é perceber o porquê das entrevistas
estarem reunidas em uma mesma publicação. E nesse aspecto não nos resta opção a não
ser reconhecer o trabalho profundamente árduo da autora em perceber linhas em comum
nos traçados formados pelas produções na década.
O Cinema da Retomada é voltado para toda classe de entusiastas de cinema no
Brasil, sejam interessados na pesquisa, na prática, ou na cinefilia. Fala-se nesse livro de
cinema de brasileiro para brasileiro, sem preciosismos linguísticos ou vícios do meio
acadêmico. A amálgama que é o cinema nacional está concentrada em um mesmo objeto.
Oportunidade única de deleite.

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