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SEÇÃO UM

Diagnósticos de Enfermagem no
Processo de Enfermagem
INTRODUÇÃO

Enfermagem consiste, fundamentalmente, em ajudar as pessoas (doentes ou sadias) nas atividades que contri-
buem para a saúde ou para a sua recuperação (ou uma morte pacífica). As pessoas normalmente fariam essas
atividades sem ajuda se possuíssem a força, o desejo ou o conhecimento necessários; a enfermagem também ajuda
o indivíduo a cumprir a terapia prescrita e a tornar-se independente do auxílio tão logo quanto possível.*

Os indivíduos são sistemas abertos, em interação contínua com o ambiente, criando padrões individuais de interação.
Esses padrões são dinâmicos e interagem também com os processos vitais (fisiológicos, psicológicos, socioculturais, de
desenvolvimento e espirituais) que influenciam o comportamento e a saúde. Saúde é um estado dinâmico, em constan-
te mudança, influenciado pelos padrões de interação passados e presentes. Trata-se do estado de bem-estar descrito pelo
cliente; não sendo mais definida segundo a presença ou não de uma doença biológica.
As necessidades de saúde da sociedade mudaram nas últimas décadas. O mesmo deve ocorrer com a visão do
enfermeiro a respeito dos consumidores de cuidados de saúde (indivíduo, família, comunidade).† Um indivíduo torna-
se cliente não apenas quando uma alteração real ou potencial desse padrão de interação compromete sua saúde, mas
também quando deseja atingir um nível mais alto de saúde. O uso do termo cliente em vez de paciente, para identificar
o consumidor do atendimento de saúde, sugere uma pessoa autônoma, com liberdade de escolha na busca e na seleção
da assistência. O cliente não é mais o receptor passivo dos serviços, mas um participante ativo que assume a responsa-
bilidade por suas escolhas e pelas conseqüências decorrentes. O indivíduo é um especialista responsável por si mesmo,
na busca ou na recusa do atendimento de saúde. Família, por sua vez, é o termo usado para descrever qualquer pessoa
que sirva de sistema de apoio ao cliente. Já o termo grupo é empregado para descrever os sistemas comunitários de
apoio, como os centros para pessoas de terceira idade.
O Modelo Bifocal da Prática Clínica descreve as responsabilidades específicas da enfermagem em relação a dois
componentes: diagnósticos de enfermagem e problemas colaborativos. Os diagnósticos de enfermagem abordam as res-
postas dos clientes, das famílias ou dos grupos às situações nas quais o enfermeiro pode prescrever intervenções para a
obtenção de resultados positivos. Por sua vez, os problemas colaborativos descrevem certas complicações fisiológicas que
a enfermagem controla, utilizando tanto intervenções prescritas por médicos quanto por enfermeiros. Nenhuma outra
disciplina, além da enfermagem, pode lidar com os diagnósticos de enfermagem e controlar também os problemas
colaborativos.
O Modelo Bifocal da Prática Clínica proporciona aos enfermeiros um sistema de classificação para a descrição do
estado de saúde do indivíduo, da família ou da comunidade e para a descrição do risco de complicações. Usando esse
sistema, eles podem descrever o estado de saúde de indivíduos ou grupos de maneira concisa e sistemática, abordando,
ao mesmo tempo, os aspectos típicos de cada situação.

* Henderson, V., & Nite, G. (1960). Principles and practice of nursing (5th ed.). New York: Macmillan.
† Carpenito, L.J., & Duespohl, T.A. (1985). A guide to effective clinical instruction (2nd ed.). Rockville, MD: Aspen Systems.
CAPÍTULO UM

DESENVOLVIMENTO DOS DIAGNÓSTICOS


DE ENFERMAGEM

Antes do desenvolvimento de uma classificação ou lista de diagnósticos de enfermagem, os enfermeiros usavam qual-
quer palavra que desejassem para descrever os problemas dos clientes. Por exemplo, poderiam descrever um cliente
recuperando-se de cirurgia como “a apendectomia”, outro cliente como “o diabético” e ainda outro como “o difícil”.
Claramente, saber que a pessoa tem diabete traz à mente problemas de açúcar no sangue e risco de infecção; assim, o
enfoque estava em problemas comuns ou em fatores de risco derivados dos diagnósticos médicos. Se o cliente com
diabete ou submetido a cirurgia tivesse outro problema que exigisse a atenção da enfermagem, esse problema permane-
ceria sem diagnóstico. Antes de 1972, não apenas faltavam aos enfermeiros os termos para descrever os problemas (exceto os
diagnósticos médicos), como eles também não tinham questões investigativas para a descoberta desses problemas.
A necessidade de uma linguagem comum e coerente para a medicina foi identificada há mais de 200 anos. Se os
médicos decidissem usar quaisquer palavras para descrever as situações clínicas:
• Como poderiam comunicar-se entre si? E com os enfermeiros?
• Como a pesquisa poderia ser organizada?
• Como os novos profissionais seriam ensinados?
• Como a melhoria na qualidade seria alcançada se os dados não pudessem ser recuperados, sistematicamente, para
determinar as intervenções que resultaram em melhoria das condições do cliente?
Por exemplo, antes da designação formal para síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), era difícil, ou talvez
impossível, definir ou estudar a doença. Muitas vezes, os relatórios médicos dos clientes afetados podiam mostrar
diversos diagnósticos ou causas de morte, como septicemia, hemorragia cerebral ou pneumonia, porque o diagnóstico
de AIDS não existia.
Um sistema de classificação para a enfermagem define o conjunto de conhecimentos pelo qual ela é responsável. O
relacionamento entre os diagnósticos de enfermagem, a responsabilidade e a autonomia pode ser assim expresso:

Identificação mais Maior


Diagnóstico clara do conjunto Maior respon- autonomia
ý
ý

de enfermagem de conhecimentos sabilidade profissional


da enfermagem

Diagnóstico de Enfermagem: Definição


Por definição, diagnóstico é o estudo cuidadoso e crítico de algo para a determinação de sua natureza. A questão não é
se os enfermeiros devem diagnosticar, mas o que podem diagnosticar.
Em 1953, o termo diagnóstico de enfermagem foi utilizado por V. Fry para descrever um passo necessário ao desen-
volvimento de um plano de cuidados de enfermagem. Durante os 20 anos seguintes, as referências aos diagnósticos de
enfermagem apareceram apenas esporadicamente na literatura. Entretanto, a partir de 1973 (quando ocorreu o primei-
ro encontro do National Group for the Classification of Nursing Diagnosis) até os dias de hoje, as referências ao
diagnóstico de enfermagem na literatura aumentaram em 10 vezes.
Em 1973, a American Nurses Association (ANA) publicou os Padrões da Prática; isso foi seguido, em 1980, pela
Declaração da Política Social, que definia enfermagem como “o diagnóstico e o tratamento das respostas humanas a
problemas de saúde reais ou potenciais”. A maior parte das leis estaduais sobre a prática da enfermagem descreve-a
segundo a definição da ANA.
Em março de 1990, durante a 9a Conferência da North American Nursing Diagnosis Association (NANDA), a
Assembléia Geral aprovou uma definição oficial de diagnóstico de enfermagem (NANDA, 1990):

O diagnóstico de enfermagem é um julgamento clínico das respostas do indivíduo, da família ou da comunidade


aos problemas de saúde/processos vitais reais ou potenciais. O diagnóstico de enfermagem proporciona a base para
a seleção das intervenções de enfermagem, visando alcançar resultados pelos quais o enfermeiro é responsável.
DIAGNÓSTICOS DE ENFERMAGEM NO PROCESSO DE ENFERMAGEM 25

Essa definição é muito importante porque separa o tipo de julgamento feito pelo enfermeiro de todos os demais.
Esse julgamento, ou diagnóstico de enfermagem, é de responsabilidade dos enfermeiros para prescreverem interven-
ções que levem ao alcance de resultados.
Cabe ainda enfatizar que as respostas chamadas de diagnósticos de enfermagem podem ser para uma doença e para
acontecimentos da vida. Antes, os enfermeiros tinham o foco mais sobre as condições ou os tratamentos médicos. Eles,
agora, diagnosticam e tratam as respostas a eventos da vida, tais como paternidade ou maternidade, pais que envelhe-
cem e fracasso escolar.

Diagnóstico de Enfermagem: Processo ou Resultado?


Uma revisão da literatura revela que, ao longo do tempo, o termo diagnóstico de enfermagem vem sendo utilizado em
três contextos:
1. Como a segunda etapa do processo de enfermagem. Nessa etapa, o enfermeiro analisa os dados coletados durante a
investigação e avalia o estado de saúde do cliente. Algumas das conclusões resultantes da análise dos dados levarão
a diagnósticos de enfermagem; outras, não. É importante reconhecer que o resultado desse processo pode incluir os
problemas tratados, basicamente, pela enfermagem e aqueles que exigem o tratamento por profissionais de várias
disciplinas. Por exemplo, ao entrar em contato com determinado cliente, o enfermeiro pode registrar observações
que apontam para problemas médicos como convulsões, pneumonia e hipertensão, assim como para o diagnóstico
de enfermagem Risco de Lesão. O uso do termo diagnóstico de enfermagem para designar a segunda etapa desse
processo pode ser confuso e ter o efeito indesejável de levar a enfermagem a tentar transformar todas as conclusões
ou problemas em diagnósticos de enfermagem.
2. Como uma lista de categorias ou títulos diagnósticos. Após a primeira conferência sobre os diagnósticos de enferma-
gem, em 1973, o termo diagnóstico de enfermagem foi aplicado a categorias específicas, descrevendo os estados de
saúde que os enfermeiros podiam diagnosticar e tratar legalmente. Essas categorias são descritores concisos de um
agrupamento de sinais e sintomas, como Ansiedade, ou de vulnerabilidade aumentada, como Risco de Lesão.
3. Como um enunciado, redigido em duas ou três partes. Os enfermeiros usam o termo diagnóstico de enfermagem para
descrever um enunciado em duas ou três partes sobre a resposta de um indivíduo, família ou grupo a uma situação
ou problema de saúde.
Assim, torna-se necessário indicar claramente se o termo diagnóstico de enfermagem está sendo usado no contexto de
identificação de problemas, sistema de classificação de enunciados diagnósticos (como o desenvolvido pela NANDA)
ou diagnóstico individualizado. Para evitar o uso inadequado e a confusão, a autora recomenda a utilização dos seguin-
tes termos:
• Para a segunda etapa do processo de enfermagem: diagnóstico
• Para a lista de categorias ou títulos diagnósticos: categoria diagnóstica ou diagnóstico de enfermagem
• Para o enunciado do diagnóstico: diagnóstico de enfermagem

A North American Nursing Diagnosis Association International


Em 1973, a primeira conferência sobre diagnósticos de enfermagem foi realizada para identificar o conhecimento de
enfermagem e estabelecer um sistema de classificação compatível com a informática. Dessa conferência surgiu o Natio-
nal Group for the Classification of Nursing Diagnosis, composto por enfermeiros de diferentes regiões dos Estados
Unidos e do Canadá, representando todos os elementos da profissão: prática, educação e pesquisa. De 1973 até agora,
o National Group reuniu-se 15 vezes. Sua lista mais recente de diagnósticos de enfermagem é apresentada no final da
Seção Um.
Em 2003, a organização foi renomeada North American Nursing Diagnosis Association International (NANDA).
Além de revisar e aceitar os diagnósticos de enfermagem para adição à lista, a NANDA também revisa os diagnósticos
de enfermagem previamente aceitos. Por exemplo, em 1994, ela revisou 10 diagnósticos previamente aceitos.
Em março de 1990, o primeiro número de Nursing Diagnosis, periódico oficial da NANDA, foi publicado. Esse
periódico pretende promover o desenvolvimento, o aprimoramento e a aplicação dos diagnósticos de enfermagem, e
servir como um fórum para os aspectos pertinentes ao desenvolvimento e à classificação dos conhecimentos de enfer-
magem. O periódico é atualmente denominado Nursing Diagnosis: The International Journal of Nursing Language and
Classification.
No International Council of Nursing (ICN), em Seul, em 1989, as associações norte-americana e canadense propu-
seram uma resolução ao Conselho de Representantes Nacionais. A resolução solicitava que o “ICN encorajasse as asso-
ciações de enfermeiros membros a se envolverem no desenvolvimento de sistemas de classificação para atendimento e
26 LYNDA JUALL CARPENITO-MOYET

conjuntos de dados de enfermagem, a fim de fornecer instrumentos que os enfermeiros em todos os países pudessem
usar para descrever a enfermagem e suas contribuições para a saúde” (Clark e Lang, 1992, p. 110). A resolução foi
aprovada, e uma força-tarefa foi formada para considerar como o ICN poderia auxiliar melhor as associações-membros.
A International Classification for Nursing Practice (ICNP) é um sistema de classificação de diagnósticos de enferma-
gem, intervenções e resultados, publicado em 1993. Sua finalidade é (Clark e Lang, 1992):
• Conhecer a contribuição da enfermagem à saúde
• Capacitar a comparação da prática de enfermagem no país
• Promover o desenvolvimento da enfermagem
Esse esforço inicial lutou para compilar todos os termos para os diagnósticos de enfermagem, as intervenções e os
resultados na literatura. Desde o primeiro esboço do trabalho, a equipe de desenvolvimento do ICN disseminou a
classificação por todo o mundo. Criar um sistema de classificação para enfermeiros em Nova York, na zona rural do
Zimbábue, em Tóquio e na Nova Guiné é uma tarefa monumental e exaustiva, mas essencial para a profissão de
enfermagem. O ICNP Beta Version, ICNP: A Unifying Framework, está disponível mediante solicitação ao ICN: FAX:
44-33-908-01-01; e-mail ICN@uni2auniga.ch.

Taxonomia da NANDA
Uma taxonomia é uma classificação; trata-se do estudo teórico de classificações sistemáticas, incluindo suas bases,
seus princípios, seus procedimentos e suas regras. O trabalho do grupo teórico inicial na terceira conferência
norte-americana e, subseqüentemente, do comitê taxonômico da NANDA iniciou a estrutura conceitual para o
sistema de classificação diagnóstica. Essa estrutura foi denominada NANDA Nursing Taxonomy I, compreen-
dendo nove padrões de respostas humanas. Em 2000, a NANDA aprovou a Taxonomia II, com 13 domínios, 106
classes e 155 diagnósticos (NANDA, 2001).
A Tabela 1.1 mostra os 13 domínios e as definições associadas. O segundo nível, classes, pode ser útil como critério
de investigação. O terceiro nível (conceitos diagnósticos), mais útil para os clínicos, é o de enunciados de diagnósticos
de enfermagem. As mudanças na terminologia foram feitas por uma questão de coerência. Por exemplo, Nutrição
Alterada foi modificada para Nutrição Desequilibrada. Um exemplo de domínio é:

TABELA 1.1 Domínios e Definições da Taxonomia II


Domínio 1 Promoção da saúde Consciência do bem-estar ou normalidade da função e das estratégias
usadas para manter o controle e favorecer esse bem-estar e a normali-
dade da função
Domínio 2 Nutrição Atividades de tomar, assimilar e usar os nutrientes com a finalidade de
manutenção e reparação do tecido e produção de energia
Domínio 3 Eliminação Secreção e excreção de produtos residuais do organismo
Domínio 4 Atividade/Repouso Produção, conservação, gasto ou equilíbrio das fontes de energia
Domínio 5 Percepção/Cognição Sistema de processamento de informação humano incluindo atenção,
orientação, sensação, percepção, cognição e comunicação
Domínio 6 Autopercepção Consciência sobre si mesmo
Domínio 7 Papéis nos relacionamentos Conexões ou associações positivas ou negativas entre pessoas ou gru-
pos de pessoas e os meios pelos quais essas conexões são demonstradas
Domínio 8 Sexualidade Identidade sexual, função sexual e reprodução
Domínio 9 Enfrentamento/Tolerância ao estresse Afirmação dos eventos da vida/processos da vida
Domínio 10 Princípios da vida Princípios subjacentes a conduta, pensamento e comportamento sobre
atos, costumes ou instituições, vistos como verdadeiros ou tendo valor
intrínseco
Domínio 11 Segurança/Proteção Liberdade do perigo, lesão física ou dano ao sistema imunológico, pre-
servação de perda e manutenção da segurança
Domínio 12 Conforto Sensação de bem-estar ou conforto mental, físico ou social
Domínio 13 Crescimento/Desenvolvimento Aumento nas dimensões físicas, sistemas orgânicos apropriados à idade
e/ou marcos do desenvolvimento

North American Nursing Diagnosis Association (2001). Nursing diagnosis: Definitions and classification 2001-2002. Philadelphia: NANDA.
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Domínio 4 Atividade/Repouso
Classe 1 Sono/Repouso
Conceitos diagnósticos 00095 Padrão de Sono Perturbado
00096 Privação de Sono

Resumo
O desenvolvimento de um sistema de classificação para os diagnósticos de enfermagem vem ocorrendo desde 1973.
Durante esse período, a pergunta inicial “A enfermagem necessita realmente de um sistema de classificação?” foi substi-
tuída por “Como pode ser desenvolvido um sistema, de maneira científica e confiável?”. A ANA designou a NANDA
como a organização oficial para o desenvolvimento desse sistema de classificação. Apesar dos problemas, por meio do
esforço concentrado de excelentes enfermeiros clínicos, pesquisadores de enfermagem e outros profissionais e organiza-
ções da área, esse sistema de classificação em evolução reflete cada vez mais tanto a arte quanto a ciência da enfermagem.

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