Você está na página 1de 5

Métodos semiológicos de exame físico em ruminantes

Introdução

A atividade do clínico depende essencialmente da habilidade e do raciocínio. Assim,


distinguem-se duas importantes etapas que lhe permitem o estabelecimento do
diagnóstico e conseqüente escolha da melhor terapia. A primeira etapa consiste em
colher o maior número de informações, ou sinais, do animal examinado e a segunda
consiste em, através do raciocínio, determinar-se a possível causa do processo em
questão. Academicamente essas duas etapas são abordadas, respectivamente, por dois
segmentos distintos: a semiotécnica (semio = sinais) e a propedêutica. O conjunto destes
dois segmentos compõe a semiologia.

O exame do animal, ou exame clínico, é feito em várias etapas definidas no plano geral
do exame clínico. Basicamente, distinguem-se as etapas de identificação ou resenha,
anamnese ou histórico, exame físico e exames complementares (exames laboratoriais,
Raio X, etc.). Iremos abordar neste momento as principais ferramentas que o clínico
pode empregar para a realização da terceira etapa do exame clínico, qual seja, o exame
físico.

Métodos Semiológicos

Como o próprio nome diz, o exame físico é aquele que o clínico se vale de suas
sensibilidades físicas para detectar alterações no animal examinado. É importante
salientar que este exame é essencialmente um exercício de comparação do animal
examinado com um determinado "padrão de referência normal". Assim, o clínico jamais
conseguirá examinar um animal doente se não conhecer um animal sadio. As
"sensibilidades físicas" citadas são aquelas que o ser humano dispõe, quais sejam, tato,
visão, audição e olfato. A gustação, apesar de ser um dos "cinco sentidos", raramente é
usada na clínica veterinária por razões óbvias. Através da visão, tem-se um método que
é chamado de inspeção. O tato define o método da palpação. Da audição decorrem os
métodos da percussão e da auscultação. Finalmente a olfação possui o mesmo nome na
semiologia.

Os métodos semiológicos podem ser realizados de duas formas. A forma direta é aquela
que se realiza sem o uso de equipamentos (forma imediata). Já a forma indireta
(mediata) é aquela em que se vale de equipamentos. Quando forem abordados
individualmente os diferentes métodos, serão exemplificadas essas duas formas.

INSPEÇÃO

A visualização do animal, ou de partes de seu corpo, representa um importante recurso


ao clínico. Todavia, alguns cuidados devem ser tomados, como por exemplo, na
avaliação do estado cárneo de um ovino, já que a existência de uma capa de lã, pode dar
margem a falsas interpretações. Durante a inspeção, o examinador deve se limitar a
descrever o que está vendo, não se preocupando, neste momento, com sua interpretação.
Na inspeção do animal como um todo, deve-se observar o seu comportamento em
relação ao rebanho. Quando avaliado isoladamente, a atenção deve estar voltada a sua
movimentação e a sua postura em estação e em decúbito.

Na realidade, talvez a inspeção seja o método semiológico mais fácil de ser realizado,
mas o mais difícil de ser descrito.

Uma importante preocupação que se deve ter durante a inspeção do animal refere-se à
iluminação. Deve-se dar preferência à luz natural, já que luzes artificiais, além de
poderem ser insuficientes, comumente alteram as cores originais.

A inspeção indireta pode ser realizada através intrumentos como espéculos, lupas,
punções, curetagens, etc. Mesmo o exame radiológico pode ser considerado como uma
inspeção indireta do animal. Pode-se considerar, inclusive, os exames laboratoriais de
forma geral como uma inspeção indireta. Naturalmente, discussões acadêmicas devem
ser conduzidas de maneira cautelosa para não se tornarem, no mínimo, desnecessárias,
tal como: "O clínico míope que usa óculos faz uma inspeção direta ou indireta?".

PALPAÇÃO

A palpação do animal deve ser voltada para a avaliação das seguintes características:
consistência, conteúdo, sensibilidade e temperatura. Classificar essas características é
uma tarefa muito subjetiva, por isso deve se dar preferência a poucos critérios, para se
obter uma classificação homogênea.

Quando se avalia a consistência, deve-se pressionar a estrutura em exame com a ponta


dos dedos, verificando-se a sua resistência a esta pressão. Se for muito grande esta
resistência, a consistência será "dura" (ossos), se for muito pequena, será "mole"
(gordura) e, numa condição intermediária, será "firme" (musculatura).

Quanto ao conteúdo, existem três possibilidades. O edema representa um derrame de


líquido de forma difusa e é diferente do acúmulo de líquido em cavidades ou cistos. No
primeiro caso, após a pressão com o dedo, percebe-se a marca do mesmo, pois a
estrutura não recupera seu aspecto original. Essa consistência é chamada de "pastosa".
Já no segundo caso, há o retorno do aspecto original e, se posicionarmos outro dedo em
outra parte da mesma estrutura, notaremos que ele é rechaçado, quando se faz a pressão.
Trata-se de uma consistência "flutuante". Finalmente, a presença de gás pode ser
notada, quando se pressiona a estrutura e sente-se bolhas movimentando-se. Essa
consistência é chamada de "crepitante".

Consistências obtidas à palpação:

• dura: ossos
• mole: gordura
• firme: músculos
• pastosa: edema
• flutuante: cistos
• crepitante: gases subcutâneos
Na pesquisa de sensibilidade, verifica-se se o animal manifesta no momento da pressão
da estrutura em exame algum sinal de dor, como balir, mugir ou gemer, ou alguma
reação de defesa, como retirada do membro, coices e cabeçadas. A temperatura desta
estrutura também pode ser avaliada neste momento, comparando-a com outras
estruturas do animal (deve-se utilizar o dorso da mão para a pesquisa da temperatura).

A palpação pode revelar também um "ruído palpável" denominado frêmito, produzido


pelo atrito entre duas superfícies do animal. É algo semelhante ao "ronronar" do gato e
costuma estar presente, por exemplo, nas pleurisias (inflamação da pleura).

Nos grandes animais, a palpação retal é um método muito usado para o exame do
sistema digestivo e do sistema genito-urinário e é, talvez, a palpação realizada em sua
forma mais pura, já que não se consegue visualizar a estrutura que está sendo palpada.

A palpação indireta pode ser realizada, por exemplo, em bovinos para se pesquisar a
sensibilidade do retículo. Usa-se, para tanto, uma barra de metal ou madeira que é
pressionada ventralmente na região do retículo por duas pessoas enquanto o clínico
observa a reação do animal. A avaliação da sensibilidade no casco pode ser realizada
indiretamente através da chamada "pinça-de-casco". Outro exemplo bastante comum é o
uso de sondas para pesquisar obstruções em condutos naturais e como, por exemplo,
sondas esofágicas.

PERCUSSÃO

A percussão consiste no método de se percutir uma determinada estrutura observando-


se o som produzido, comparando-o com o som adotado como referência normal. Foi
estabelecida como método semiológico em 1761 pelo médico austríaco Leopold
Auenbrugger. Conta-se que Auenbrugger teria se inspirado na técnica de percussão de
tonéis que seu pai, negociante de vinhos em Viena, usava em sua adega.

A percussão visa produzir um som (difere-se de ruído, que é obtido na auscultação)


através das seguintes técnicas:

• percussão direta: com a ponta do dedo, com a articulação interfalangeana proximal


do dedo médio ou com o punho fechado.
• percussão indireta: com um dedo percutindo sobre outro dedo apoiado sobre a
estrutura em exame (método dígito-digital), através de um martelo percutindo sobre
uma chapa metálica (plexímetro) apoiada sobre a estrutura em exame (método martelo-
pleximétrico) ou com o cabo do martelo de percussão.

A percussão pode ser feita para se avaliar estruturas superficiais, através da aplicação de
golpes leves, ou de estrututuras profundas, através da aplicação de golpes mais fortes.

A finalidade da percussão é a localização topográfica de determinadas vísceras


(percussão topográfica) e a avaliação funcional destas estruturas, pesquisando-se as
alterações sonoras demonstradas pelo órgão percutido (percussão comparada).

Os sons produzidos pela percussão são classificados conforme a sua freqüência. Sons
agudos são chamados de "maciços" (musculatura), sons graves são chamados de
"timpânicos" (porção dorsal do rúmen) e sons intermediários são chamados de "claros"
(pulmão). Na semiologia clássica, existe um som entre o timpânico e o claro, chamado
de "hipersonoro", e outro entre o claro e o maciço, chamado de "sub-maciço". Na
prática, todavia, é muito difícil diferenciar esses dois sons dos três fundamentais.

A percussão pode, ainda, ser útil na pesquisa de sensibilidade e no exame neurológico,


quando se utiliza a percussão para se avaliar os reflexos tendíneos. A percussão pode ser
combinada com a palpação, definindo um método conhecido com “sucussão”.

AUSCULTAÇÃO

A auscultação consiste na avaliação dos ruídos que os diferentes órgãos produzem


espontaneamente. Esta é outra diferença da percussão, já que os sons necessitam que o
examinador os produza ativamente. Em 1819, Laennec, o fundador da medicina
científica moderna, descreveu a auscultação como método de investigação clínica.

Apesar da auscultação poder ser realizada diretamente, normalmente ela é feita de


maneira indireta, valendo-se de instrumentos. O fonendoscópio é um dos instrumentos
mais conhecidos e consiste num aparelho dotado de uma membrana em uma das
extremidades que permite uma auscultação difusa e intensa do órgão examinado.
Comumente este instrumento é chamado de maneira errada de estetoscópio. O
estetoscópio é um instrumento muito semelhante ao fonendoscópio, mas sua
extremidade possui, no lugar da membrana, um cone que permite uma auscultação mais
localizada, porém menos intensa. Atualmente, muitos instrumentos são providos
simultaneamente dos dois tipos de extremidades (esteto/fonendo).

A auscultação deve ser feita em local silencioso e os animais não devem estar se
alimentando. Convém salientar que, à exceção dos ruídos produzidos pelo coração,
todos os ruídos produzidos pelos animais são muito baixos e passam facilmente
despercebidos pelos iniciantes.

Animais muito pequenos normalmente possuem uma auscultação mais difícil já que os
seus ruídos se propagam por todo o corpo. Nos ovinos, a lã pode representar algum
obstáculo ao clínico iniciante. Todavia, quando simplesmente afastada, ela não chega a
comprometer a qualidade deste exame.

Outras técnicas de auscultação indireta são a ecografia e o exame ultrassonográfico (na


realidade o exame ultrassonográfico é uma combinação da inspeção com a auscultação,
já que muitos aparelhos convertem em imagens os sinais sonoros obtidos).

Existe uma técnica que combina a auscultação indireta com a percussão (percussão
auscultatória) que consiste em se posicionar o fonendoscópio em uma determinada
região e se percutir simultaneamente. É o caso da pesquisa do chamado "som metálico",
típico das grandes dilatações abdominais gasosas. Este som metálico também é
chamado de “ping” e é característico de doenças como o deslocamento do abomaso em
bovinos.

A auscultação direta pode ser realizada apoiando-se o ouvido diretamente sobre a


superfície a ser examinada ou mesmo à distância. Esta última forma é usada para se
avaliar alterações na voz dos animais.
OLFAÇÃO

A olfação é um método de fácil realização e consiste simplesmente em se avaliar o


cheiro de diversas estruturas, como secreções, pele, fezes e ar expirado. No caso do ar
expirado, pode-se colocar a mão em concha na frente das narinas do animal. Em
seguida, cheiram-se as mãos. A mesma técnica pode ser feita recolhendo-se o ar
expirado em um saco plástico.

Bibliografia

ANDREWS, A.H. Outline of clinical diagnosis in cattle. London: Wright, 1990.

ARAÚJO, L.M. Meios e métodos de diagnóstico em medicina veterinária. São


Paulo: Sociedade Paulista de Medicina Veterinaria, 1971.

BODDIE, G.F. Métodos de diagnóstico en medicina veterinária. Barcelona: Labor,


1965.

GARCIA, M.; DELLA LIBERA, A.M.M.P.; BARROS FILHO, I.R. Manual de


semiologia e clínica dos ruminantes. São Paulo: Varela, 1996.

JAKSCH, W. & GLAWISCHNIG, E.R. Propedeutica clinica de las enfermidades


internas y de la piel de los animales domésticos. Zaragoza: Acribia, 1978.

KELLY, W.R. Veterinary clinical diagnosis. East Sussex: Baillière Tindall, 1984.

MAREK, J. & MOCSY, J. Tratado de diagnóstico clínico de las enfermidades


internas de los animales domésticos. Barcelona: Labor, 1963.

MARQUES, A. Manual de semiologia. Rio de Janeiro: Atheneu, 1959.

RODRIGUES, T. Exploración clínica de los animales domésticos. Barcelona: Labor,


1943.

ROSENBERGER, G. Exame clínico dos bovinos. 3.ed. Rio de Janeiro: Guanabara


Koogan, 1993.

WIRTH, D. Veterinary clinical diagnosis. London: Baillière Tindall, 1956.

www.vetarquivos.blogspot.com

Você também pode gostar