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Carlos Biasotti

Citação do Réu
(Doutrina e Jurisprudência)

3a. edição

2021
São Paulo, Brasil
O Autor

Carlos Biasotti foi advogado criminalista, presidente da


Acrimesp (Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de
São Paulo) e membro efetivo de diversas entidades (OAB, AASP,
IASP, ADESG, UBE, IBCCrim, Sociedade Brasileira de
Criminologia, Associação Americana de Juristas, Academia Brasileira
de Direito Criminal, Academia Brasileira de Arte, Cultura e História,
etc.).

Premiado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo, no


concurso O Melhor Arrazoado Forense, realizado em 1982, é autor de
Lições Práticas de Processo Penal, O Crime da Pedra, Tributo aos Advogados
Criminalistas, Advocacia Criminal (Teoria e Prática), Da Prova, Da Pena,
Direito Ambiental, O Cão na Literatura, etc., além de numerosos artigos
jurídicos publicados em jornais e revistas.

Juiz do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo


(nomeado pelo critério do quinto constitucional, classe dos
advogados), desde 30.8.1996, foi promovido, por merecimento, em
14.4.2004, ao cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça.

Condecorações e títulos honoríficos: Colar do Mérito


Judiciário (instituído e conferido pelo Poder Judiciário do Estado
de São Paulo); medalha cívica da Ordem dos Nobres Cavaleiros de
São Paulo; medalha cultural “ Brasil 500 anos”; medalha “ Prof. Dr.
Antonio Chaves”, etc.
Citação do Réu
(Doutrina e Jurisprudência)
Carlos Biasotti

Citação do Réu
(Doutrina e Jurisprudência)

3a. edição

2021
São Paulo, Brasil
Sumário

I. Nota Preliminar...............................................................11
II. Citação do Réu: Doutrina e Jurisprudência
(Ementas).........................................................................13
III. Casos Especiais................................................................33
IV. Citação e Édito................................................................57
Nota Preliminar

“Princípio e fundamento de toda a ordem judicial”, como lhe


chamavam os velhos praxistas (cf. Alexandre Caetano Gomes,
Manual Prático Judicial Civil e Criminal, 1820, p. 3), é a citação
do réu ato da primeira importância na formação do processo
de conhecimento, para a pesquisa da verdade real.

“A citação é um princípio, não só de direito natural, como de


direito divino: está escrito no Evangelho de São João que nemo
inauditus debet damnari, isto é, ninguém deve ser condenado sem ser
ouvido” (Gabriel de Rezende Filho, Curso de Direito Processual
Civil, 1963, vol. II, p. 70).

Faz-se, em regra, na pessoa do réu; desde que, no


entanto, o oficial de justiça o tenha procurado intensamente,
sem êxito feliz, é válida sua citação por edital (art. 361 do Cód.
Proc. Penal).
12

A certidão do oficial de justiça, conforme a tradição


doutrinária, passa por artigo de fé: seu teor vale como
ato autêntico; suas afirmações têm por si a presunção de
veracidade. Trata-se, porém, de presunção “juris tantum”:
prevalece até que se demonstre o contrário.

Tem proclamado, sem quebra, a jurisprudência dos


Tribunais:

“É nula a citação por edital, quando desprezadas as cautelas


habituais para apurar o paradeiro do acusado” (Rev. Forense,
vol. 161, p. 349).

Eis, em termos gerais, as questões que, sob a rubrica


de citação, decidiu entre nós a 2a. Instância da Justiça
Criminal, e que são o objeto deste caderninho.

Meu intento, ao publicá-lo, foi homenagear, bem que


modestamente, os artífices do Direito Penal (os advogados e os
membros do Ministério Público e da Magistratura), com os
quais aprendi lição notável: ainda o mais vil dos homens não
decai nunca da proteção da Lei!

O Autor
Ementário Forense
(Votos que, em matéria criminal, proferiu o Desembargador
Carlos Biasotti, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Veja a íntegra dos votos no Portal do Tribunal de Justiça:
http://www.tjsp.jus.gov.br).

• Citação do Réu
(Art. 351 e segs. do Cód. Proc. Penal)

Voto nº 270
“Habeas Corpus” nº 301.868/4
Arts. 361 e 156 do Cód. Proc. Penal

– Ainda que indivíduo de sombria nomeada nas expansões do crime, tem


direito o réu à apreciação pelo Tribunal de questão de seu interesse.
Como o Sol, a Justiça tem sua jurisdição sobre bons e maus
indistintamente. Mesmo o mais vil dos homens não decai nunca da
proteção da Lei.
– Princípio e fundamento do juízo, na frase dos praxistas, “a citação é tão
essencial que nem o Príncipe a pode dispensar” (Cons. Ramalho, Postilas de
Prática, 1872, p. 71).
–“É nula a citação por edital de réu preso na mesma unidade da Federação em
que o juiz exerce a sua jurisdição” (Súmula nº 351 do STF).
– É regra de Direito geralmente recebida que não basta alegar um fato,
cumpre demonstrá-lo à saciedade.
14

Voto nº 801

Apelação Criminal nº 1.072.197/6


Art. 155, § 4º, ns. I e IV, do Cód. Penal

– Citado pessoalmente para o interrogatório, se o acusado resiste à


vocação da Justiça, não entra em dúvida que dá péssima opinião de si
mesmo, pois a inocência não foge.
– Embora consumidor das coisas — “tempus edax rerum” (Ovídio,
Metamorfoses, liv. 15, v. 234) —, nem tudo se sujeita de repente à tirania
do tempo. Das ações humanas ficam sempre vestígios, e estes bastam
à prova da existência de um fato.
– Ainda quando a ausência de prejuízo da vítima se equipare ao pequeno
valor da “res furtiva”, pode o Juiz deixar de conceder ao réu o privilégio
do art. 155, § 2º, do Cód. Penal, se lho não recomendarem as
circunstâncias pessoais, v.g.: maus antecedentes, personalidade inclinada
para o crime, etc.
15

Voto nº 3986

“Habeas Corpus” nº 416.680/2


Art. 303 do Código de Trânsito;
art. 72 da Lei nº 9.099/95;
art. 565 do Cód. Proc. Penal

– Não se aperfeiçoa a relação jurídico-processual sem a citação válida do


réu. É a lição dos patriarcas do Direito: “O princípio e fundamento de toda
a ordem jurídica é a citação, de sorte que sem ela se não pode tomar
conhecimento de causa alguma” (Alexandre Caetano Gomes, Manual
Prático Judicial Civil e Criminal, 1820, p. 3); “A citação é tão essencial que
nem o Príncipe a pode dispensar” (Cons. Ramalho, Postilas de Prática, 1872,
p. 71).
– Não pode alegar constrangimento ilegítimo por nulidade processual o
réu que, citado pessoalmente para os atos e termos da ação penal
e intimado para a audiência preliminar prevista na Lei nº 9.099/95
(art. 72), não comparece a Juízo e, pois, frustra a tentativa de
conciliação. “Nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado
causa, ou para que tenha concorrido” (art. 565 do Cód. Proc. Penal).
16

Voto nº 238

Apelação Criminal nº 1.040.743/1


Arts. 361 e 572 do Cód. Proc. Penal

– A revelia do acusado, sobre arguir-lhe sumo desdém pelo êxito do


processo, entende-se por efeito da clara consciência da própria atuação
criminosa. Da mesma forma que ao devedor aborrece passar pela porta
do credor, assim ao culpado repugna sempre dar estritas contas à
Justiça!
– Isso de não ter sido afixado o edital no lugar do costume não invalida a
citação ficta nem induz nulidade ao processo. Com efeito, já proclamou
o Pretório Excelso que “a ausência da afixação do edital não anula a ação
penal se não ocorreu prejuízo para o réu e não argui este, por seu advogado, a
nulidade na primeira ocasião de falar no processo” (Rev. Trim. Jurisp., vol. 68,
p. 34; apud Damásio E. de Jesus, Código de Processo Penal Anotado, 1996,
p. 240).
–“O Código de Processo Penal adotou o princípio de que as nulidades se
consideram sanadas, desde que o interessado as não alegue no momento
oportuno” (Damásio E. de Jesus, op. cit., p. 394).
17

Voto nº 435

Revisão Criminal nº 305.650/8


Art. 360 do Cód. Proc. Penal

– Embora seja a citação “o princípio e fundamento de toda a ordem judicial”,


não há mister fazê-la por mandado ao réu preso, “bastando sua requisição
para o interrogatório” (Damásio E. de Jesus, Código de Processo Penal
Anotado, 1996, p. 237).
–“A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos
desiguais, na medida em que se desigualam” (Rui, Oração aos Moços,
1a. ed., p. 25).
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Voto nº 1302

“Habeas Corpus” nº 334.414/9


Art. 171 do Cód. Penal;
art. 351 do Cód. Proc. Penal

–“Princípio e fundamento de toda a ordem judicial”, como lhe chamavam os


velhos praxistas (cf. Alexandre Caetano Gomes, Manual Prático Judicial
Civil e Criminal, 1820, p. 3), é a citação do réu ato da primeira
importância na formação do processo de conhecimento, para a pesquisa
da verdade real.
–“A citação é um princípio, não só de direito natural, como de direito divino: está
escrito no Evangelho de São João que nemo inauditus debet damnari, isto é,
ninguém deve ser condenado sem ser ouvido” (Gabriel de Rezende Filho,
Curso de Direito Processual Civil, 1963, vol. II, p. 70).
– Ainda que recomendável, não exige a lei processual que o Juiz,
primeiro que proceda à citação por éditos, oficie à Polícia e aos
presídios para saber se ali está preso o réu, dado regularmente em lugar
ignorado.
19

Voto nº 287

Revisão Criminal nº 299.682/1


Arts. 360 e 302 do Cód. Proc. Penal

– Por encarecer a importância do ato da citação no processo, referem


graves autores que até o Criador, antes de condenar Caim, “vocavit eum”,
isto é, chamou-o (cf. Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro; v. citação).
– Mas, porque ninguém estará em condições de pontualmente responder
à acusação primeiro que lhe conheça o teor, bem claro se mostra que o
principal intuito da citação é garantir ao réu o direito de saber por que a
Justiça o está processando.
– No caso, porém, de réu preso em flagrante, escusável é sua citação;
basta que o requisite o Juízo para o interrogatório. É que, ao receber a
nota de culpa, já não pode alegar que desconhece a acusação.
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Voto nº 1514

Apelação Criminal nº 1.134.283/4


Art. 171 do Cód. Penal;
art. 361 do Cód. Proc. Penal

– É válida a citação-edital, se o oficial de justiça, primeiro que o tenha


dado em lugar não-sabido, procurou o réu nos endereços que este
declarou nos autos (art. 361 do Cód. Proc. Penal).
– A mesma contumácia do réu depõe contra seus protestos de inocência:
apenas foge da Justiça o que se tem na conta de culpado.
– Aquele a quem o crime aproveitou, esse foi o que o cometeu! “Cui
prodest scelus, is fecit”.
21

Voto nº 2408

Revisão Criminal nº 357.704/1


Art. 155, § 4º, nº II, do Cód. Penal;
art. 155, § 2º, do Cód. Penal;
art. 361 do Cód. Proc. Penal

– Desde que o oficial de justiça o tenha procurado intensamente, sem


êxito feliz, é válida a citação do réu por edital (art. 361 do Cód. Proc.
Penal). A provocação do auxílio dos órgãos policiais, administrativos e
judiciários, para a obtenção de seu paradeiro, constitui superfetação a
que a lei processual não obriga o Juiz da causa.
– Ainda que satisfaça aos requisitos objetivos da lei, não faz jus ao
privilégio (art. 155, § 2º, do Cód. Penal) o condenado que ostenta maus
antecedentes. É de Damásio E. de Jesus a lição: “O privilégio tem por
fundamento princípios de política criminal, visando à individualização
da pena, e, assim, evitando que o sujeito que envereda pela primeira
vez no campo do atentado ao patrimônio alheio encontre sérios obstáculos
à sua recuperação social” (Código Penal Anotado, 9a. ed., p. 514).
22

Voto nº 2880

Apelação Criminal nº 1.242.169/8


Art. 168, § 1º, nº III, do Cód. Penal;
art. 44, § 2º, do Cód. Penal
art. 351 do Cód. Proc. Penal

– A responsabilidade criminal independe da civil; não há, pois, razão de


direito em suspender o curso do processo-crime por apropriação
indébita até se resolva, no cível, pendência entre as partes. É que a
prova elementar do crime não está subordinada ao desfecho da ação
cível.
–“A citação é o princípio e o fundamento do juízo” (Barão de Ramalho, Postilas
de Prática, 1872, p. 71).
– A suspensão do processo (art. 366 do Cód. Proc. Penal) visa a impedir que
o réu, com postergação de princípio de direito natural, seja condenado
sem ser ouvido (“nemo inauditus damnari potest”). Mas, no caso que se
oculte para não ser citado, não lhe aproveita a cautela da lei: reconhecê-
-la a seu favor o mesmo seria que admitir pudesse o réu beneficiar-se da
própria torpeza (“turpitudinem suam allegans, non est audiendus”).
– Comete o crime de apropriação indébita qualificada (art. 168, § 1º,
nº III, do Cód. Penal) o advogado que, em nome do cliente, efetua
levantamento de depósito em dinheiro e não lho entrega, ao invés o
emprega em proveito próprio.
– Ainda que, ao praticar apropriação indébita, o advogado ofenda a
ínclita profissão em seu ponto mais sagrado — a força moral — e dê em
terra com os princípios fundamentais do Direito, não se lhe haverá
agravar o rigor da lei: se primário e de bons antecedentes, faz jus à
substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos
(art. 44, § 2º, do Cód. Penal).
23

Voto nº 1302

“Habeas Corpus” nº 334.414/9


Art. 171 do Cód. Penal;
art. 351 do Cód. Proc. Penal

–“Princípio e fundamento de toda a ordem judicial”, como lhe chamavam os


velhos praxistas (cf. Alexandre Caetano Gomes, Manual Prático Judicial
Civil e Criminal, 1820, p. 3), é a citação do réu ato da primeira
importância na formação do processo de conhecimento, para a pesquisa
da verdade real.
–“A citação é um princípio, não só de direito natural, como de direito divino: está
escrito no Evangelho de São João que nemo inauditus debet damnari, isto é,
ninguém deve ser condenado sem ser ouvido” (Gabriel de Rezende Filho,
Curso de Direito Processual Civil, 1963, vol. II, p. 70).
– Ainda que recomendável, não exige a lei processual que o Juiz,
primeiro que proceda à citação por éditos, oficie à Polícia e aos
presídios para saber se ali está preso o réu, dado regularmente em lugar
ignorado.
24

Voto nº 6572

“Habeas Corpus” nº 891.541-3/3-00


Arts. 171 e 71 do Cód. Penal;
arts. 351 e 647 do Cód. Proc. Penal

– Inadmissível, no âmbito do “habeas corpus”, por suas características


especiais e rito sumaríssimo, discutir a injustiça de sentença
condenatória quanto à fixação do regime prisional. Questão que
implica exame aprofundado dos autos da ação penal somente poderá
ser tratada na via ordinária da apelação ou da revisão criminal.
– A finalidade precípua do “habeas corpus” é a tutela do direito
deambulatório, segundo a lição do eminente Pedro Lessa: “É exclusiva
missão do habeas corpus garantir a liberdade individual na acepção restrita, a
liberdade física, a liberdade de locomoção” (apud M. Costa Manso, O Processo
na Segunda Instância, 1923, p. 390).
–“A citação é tão essencial, que nem o Príncipe a pode dispensar” (Cons.
Ramalho, Postilas Práticas, 1872, 2a. ed., p. 71).
25

Voto nº 10.961

Revisão Criminal nº 993.04.077463-2


Art. 159 do Cód. Penal;
arts. 360 e 621 do Cód. Proc. Penal

– Isto de ter sido o réu citado no dia mesmo de seu interrogatório não
invalida nem desmerece o ato judicial; o que a lei exige é que se lhe dê
inteira ciência dos capítulos da acusação, primeiro que o interrogue a
Justiça (art. 185 do Cód. Proc. Penal).
– A confissão judicial, por seu valor absoluto — visto se presume feita
espontaneamente —, basta à fundamentação do edito condenatório.
–“A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena
abaixo do mínimo legal” (Súmula nº 231 do STJ).
– Nisto de revisão criminal, toca ao réu provar cumpridamente o erro ou
injustiça da sentença condenatória, sob pena de indeferimento de sua
pretensão, por amor da força da coisa julgada, que passa por verdade
incontestável (“res judicata pro veritate habetur”).
– A Lei nº 11.464, de 28.3.2007, atenuou o rigor da Lei dos Crimes
Hediondos (Lei nº 8.072/90) no que respeita à progressão no regime
prisional de cumprimento de pena. Se o sentenciado primário tiver dela
descontado já 2/5 — ou 3/5, se reincidente — e conspiram os mais
requisitos legais, faz jus ao benefício (art. 2º, § 2º).
26

Voto nº 1209

“Habeas Corpus” nº 330.990/3


Art. 155, § 4º, ns. I e IV, do Cód. Penal;
art. 361 do Cód. Proc. Penal

– A certidão do oficial de justiça, conforme tradição doutrinária, passa


por artigo de fé: seu teor vale como ato autêntico; suas afirmações têm
por si a presunção de veracidade. Trata-se, porém, de presunção “juris
tantum”: prevalece até que se demonstre o contrário.
–“A citação é tão essencial, que nem o Príncipe a pode dispensar” (Cons.
Ramalho, Postilas Práticas, 1872, 2a. ed., p. 71).
–“E já Deus Senhor nosso, no primeiro processo que julgou no mundo, quando
quis punir a primeira culpa, usou da citação em Adão delinquente: Ubi es,
Adam?” (Alexandre Caetano Gomes, Manual Prático, 1820, p. 4).
–“É nula a citação por edital, quando desprezadas as cautelas habituais para
apurar o paradeiro do acusado” (Rev. Forense, vol. 161, p. 349).
– É sempre matéria de grande repugnância anular processo penal, pois
que representa perda irreparável para o Poder Judiciário. Muita vez,
porém, é força decretar-lhe a nulidade, por vício de citação do réu. De
outra forma, sacrificar-se-ia o direito de defesa, e este é a coluna do
templo da Justiça e a lâmpada de seu santuário!
27

Voto nº 21

Revisão Criminal nº 294.460/1


Arts. 171 e 71 do Cód. Penal;
art. 621, nº I, do Cód. Proc. Penal;
art. 351 do Cód. Proc. Penal

–“Princípio e fundamento do juízo”, na frase do Barão de Ramalho (Postilas de


Prática, 1872, 2a. ed., p. 71), é a citação ato processual da primeira
importância; pelo que, não há proceder ao chamamento do réu por
éditos sem prévia e formal satisfação de todas as cautelas impostas
na lei.
–“Justifica-se a citação por edital quando o réu fornece vários endereços, mas
em nenhum deles é encontrado, criando situação destinada a perturbar ou
embaraçar a ação da Justiça” (Rev. Forense, vol. 191, p. 256).
– A revisão criminal “é recurso reparatório que não se pode liberalizar sem
desprestígio para a coisa julgada” (Rev. Forense, vol. 132, p. 221; rel.
Min. Orosimbo Nonato).
– Perante o Juízo da revisão criminal, “o pedido não pode ter por objeto
a insuficiência da prova, uma vez que essa circunstânca não excluiu a
responsabilidade do condenado nem demonstra a sua inocência” (Florêncio de
Abreu, Comentários ao Código de Processo Penal, vol. V, p. 427).
28

Voto nº 5400

“Habeas Corpus” nº 459.240/2


Art. 168, § 1º, nº III, do Cód. Penal;
art. 648, nº VI, do Cód. Proc. Penal;
art. 361 do Cód. Proc. Penal

– O exame de provas no âmbito do “habeas corpus”, para a verificação da


falta de justa causa para a ação penal, tem sido pábulo de tormentosas
disputas. Mas, a inteligência que, de presente, prevalece a tal respeito,
assim na Doutrina como na Jurisprudência, é a que, embora
incompatível o processo de “habeas corpus” com o contraditório ou
ampla indagação probatória, tem lugar o exame dos elementos dos
autos, “para avaliar-se da legalidade ou ilegalidade da ação penal” (cf. Rev.
Tribs., vol. 491, p. 375; rel. Min. Costa Lima).
–“Exame de provas em habeas corpus é cabível desde que simples, não
contraditória e que não deixa alternativa à convicção do julgador” (STF; HC;
rel. Min. Clóvis Ramalhete; DJU 18.9.81, p. 9.157).
– Não se aperfeiçoa a relação jurídico-processual sem a citação válida do
réu. É a lição dos patriarcas do Direito: “O princípio e fundamento de toda
a ordem jurídica é a citação, de sorte que sem ela se não pode tomar
conhecimento de causa alguma” (Alexandre Caetano Gomes, Manual
Prático Judicial Civil e Criminal, 1820, p. 3); “A citação é tão essencial que
nem o Príncipe a pode dispensar” (Cons. Ramalho, Postilas de Prática, 1872,
p. 71).
–“É nula a citação por edital, quando desprezadas as cautelas habituais para
apurar o paradeiro do acusado” (Rev. Forense, vol. 161, p. 349).
– É sempre matéria de grande repugnância anular processo penal, pois
que representa perda irreparável para o Poder Judiciário. Muita vez,
porém, é força decretar-lhe a nulidade, por vício de citação do réu. De
outra forma, sacrificar-se-ia o direito de defesa, e este é a coluna do
templo da Justiça e a lâmpada de seu santuário!
29

Voto nº 11.511

Apelação Criminal nº 990.08.023124-3


Arts. 12, 14 e 16 da Lei nº 6.368/76;
arts. 33, § 4º, e 44 da Lei nº 11.343/06;
art. 360 do Cód. Proc. Penal

– Isto de ter sido o réu citado no dia mesmo de seu interrogatório não
invalida nem desmerece o ato judicial; o que a lei exige é que se lhe dê
inteira ciência dos capítulos da acusação, primeiro que o interrogue a
Justiça (art. 185 do Cód. Proc. Penal).
– Nenhum homem inocente, podendo falar, prefere o silêncio para
defender-se de injusta acusação. Se permaneceu calado, ainda que
direito seu garantido pela Constituição da República (art. 5º, nº LXIII),
dificilmente se eximirá de juízo adverso.
– A apreensão de grande quantidade de tóxico em poder do acusado
argui para logo a ideia de tráfico (art. 12 da Lei nº 6.368/76).
– A inidoneidade das testemunhas não se presume; ao arguente impõe-se
demonstrar, além de toda a controvérsia, que faltaram à verdade ou
caíram em erro de informação. É que, na busca da verdade real — alma
e escopo do processo —, “toda pessoa poderá ser testemunha” (art. 202 do
Cód. Proc. Penal).
– A desclassificação do crime do art. 12 da Lei nº 6.368/76 para o tipo do
art. 16 não se mostra atendível, se o réu guardava na residência
considerável quantidade de substância entorpecente acondicionada em
pacotes, apreendidos pela Polícia, pois tais circunstâncias revelam que o
tóxico se destinava ao comércio ilícito, e não ao uso próprio.
– Em se tratando de réu primário, a “regra é partir da pena-base no grau
mínimo” (TRF da 1a. R; Ap. nº 22.082; DJU 5.3.90, p. 3.233).
– O autor de tráfico de entorpecentes (art. 33 da Lei nº 11.343/06), crime da
classe dos hediondos, deve cumprir sua pena sob o regime inicial fechado,
por força do preceito do art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90.
30

Voto nº 10.680
Apelação Criminal nº 993.07.105410-0
Arts. 12 e 34 da Lei nº 6.368/76;
arts. 28, 33 e 62, § 11, da Lei nº 11.343/06 (Lei das Drogas);
arts. 149 e 360 do Cód. Proc. Penal

– Isto de ter sido o réu citado no dia mesmo de seu interrogatório não
invalida nem desmerece o ato judicial; o que a lei exige é que se lhe dê
inteira ciência dos capítulos da acusação, primeiro que o interrogue a
Justiça (art. 185 do Cód. Proc. Penal).
– Ainda que o requeira a Defesa, não está obrigado o Juiz a ordenar seja o
acusado submetido a exame médico-legal, se não há dúvida sobre sua
integridade mental ou alguma circunstância do processo lhe indique a
necessidade da realização da providência (art. 149 do Cód. Proc. Penal).
– A mera alegação de falta de higidez psíquica do réu não basta a deferir-
lhe pedido de instauração de incidente de insanidade mental; é mister
que o verifique o Juiz à luz dos elementos informativos dos autos e, na
condição de presidente e diretor do processo, decida, com prudente
arbítrio, se necessária ou não a diligência, que importa sempre demora,
muita vez escusada, na prestação jurisdicional (art. 149 do Cód. Proc.
Penal).
– A Lei nº 11.464, de 28.3.2007, atenuou o rigor da Lei dos Crimes
Hediondos (Lei nº 8.072/90) no que respeita à progressão no regime
prisional de cumprimento de pena. Se o sentenciado primário tiver dela
descontado já 2/5 — ou 3/5, se reincidente — e conspiram os mais
requisitos legais, faz jus ao benefício (art. 2º, § 2º).
– Para que se decrete a perda a que se refere o art. 62, § 11, da Lei nº
11.343/06 (Lei das Drogas), “há necessidade de um nexo etiológico entre o delito
e o objeto utilizado para a sua prática” (Vicente Greco Filho, Lei de Drogas
Anotada, 2007, p. 187).
–“Conceito da expressão utilizados. O termo deve ser interpretado restritivamente,
no sentido de que o confisco só deve recair sobre objetos materiais que sirvam
necessariamente para a prática do crime” (Damásio E. de Jesus, Lei
Antitóxicos Anotada, 2005, p. 193).
31

Voto nº 12.243

Apelação Criminal nº 993.05.033442-2

Arts. 155 e 157 do Cód. Penal;


arts. 185 e 360 do Cód. Proc. Penal

– Isto de ter sido o réu citado no dia mesmo de seu interrogatório não
invalida nem desmerece o ato judicial; o que a lei exige é que se lhe dê
inteira ciência dos capítulos da acusação, primeiro que o interrogue a
Justiça (art. 185 do Cód. Proc. Penal).
– É questão fria nos pretórios da Justiça que as regras do art. 226
do Cód. Proc. Penal, de caráter suasório ou de recomendação, podem
ser postergadas, se impossíveis de executar ou se o dispensar o caso
concreto. Não acarreta, portanto, a nulidade do processo o
reconhecimento do réu pela vítima, sem as formalidades legais, se esta
lhe não pôs em dúvida a identidade física. O fim a que deve atender o
ato do reconhecimento — não importando as circunstâncias de sua
realização — é se o sujeito passivo, ao indicar o autor do roubo, fê-lo,
ou não, com certeza e espontaneidade.
– Palavras de quem foi protagonista do fato delituoso, as da vítima são,
pelo comum, dignas de crédito; servem, pois, a lastrear condenação,
máxime se em harmonia com outros elementos do processo.
– Diz-se consumado o roubo se o agente, ainda que por breve lapso de
tempo, teve a posse desvigiada da coisa subtraída à vítima mediante
violência ou grave ameaça.
– A prescrição intercorrente (art. 110, § 1º, do Cód. Penal) “constitui forma de
prescrição da pretensão punitiva (da ação), que rescinde a própria sentença
condenatória” (Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, 18a. ed.,
p. 358).
Casos Especiais

Em obséquio à importância do ato processual


da citação, as ementas seguintes acompanham-se
do próprio voto. “Quod abundat non nocet”! Quer
isto dizer, traduzido para vernáculo: o que abunda
não prejudica.
PODER JUDICIÁRIO

1
T RIBUNAL DE ALÇADA C RIMINAL

D ÉCIMA Q UINTA C ÂMARA

“Habeas Corpus” nº 459.240/2


Comarca: São Paulo
Impetrante: Ordem dos Advogados do Brasil,
Secção de São Paulo (OAB/SP)
Paciente: RMPM

Voto nº 5400
Relator

– O exame de provas no âmbito do “habeas corpus”,


para a verificação da falta de justa causa para a
ação penal, tem sido pábulo de tormentosas
disputas. Mas, a inteligência que, de presente,
prevalece a tal respeito, assim na Doutrina como
na Jurisprudência, é a que, embora incompatível o
processo de “habeas corpus” com o contraditório ou
ampla indagação probatória, tem lugar o exame
dos elementos dos autos, “para avaliar-se da
legalidade ou ilegalidade da ação penal” (cf. Rev.
Tribs., vol. 491, p. 375; rel. Min. Costa Lima).

– “Exame de provas em habeas corpus é cabível desde que


simples, não contraditória e que não deixa alternativa
à convicção do julgador” (STF; HC; rel. Min. Clóvis
Ramalhete; DJU 18.9.81, p. 9.157).
36

– Não se aperfeiçoa a relação jurídico-processual


sem a citação válida do réu. É a lição dos
patriarcas do Direito: “O princípio e fundamento de
toda a ordem jurídica é a citação, de sorte que sem ela
se não pode tomar conhecimento de causa alguma”
(Alexandre Caetano Gomes, Manual Prático
Judicial Civil e Criminal, 1820, p. 3); “A citação é tão
essencial que nem o Príncipe a pode dispensar” (Cons.
Ramalho, Postilas de Prática, 1872, p. 71).

–“É nula a citação por edital, quando desprezadas as


cautelas habituais para apurar o paradeiro do acusado”
(Rev. Forense, vol. 161, p. 349).

– É sempre matéria de grande repugnância anular


processo penal, pois que representa perda
irreparável para o Poder Judiciário. Muita vez,
porém, é força decretar-lhe a nulidade, por vício
de citação do réu. De outra forma, sacrificar-se-ia
o direito de defesa, e este é a coluna do templo da
Justiça e a lâmpada de seu santuário!

1. A Ordem dos Advogados do Brasil – Secção de São


Paulo, por intermédio do ilustre advogado Dr. Laertes de
Macedo Torrens, impetra a este Egrégio Tribunal “Habeas
Corpus” em favor da Dra. RMPM, que lhe ponha cobro ao
constrangimento ilegal que afirma está a padecer da parte do
MM. Juízo de Direito da 6a. Vara Criminal da Comarca da
Capital.

Alega a impetrante, em esmerada e substanciosa petição,


que a paciente está sendo processada perante aquele douto
Juízo, acusada de ter praticado crime de apropriação indébita.
37

Acrescenta que, recebida a denúncia, a mui digna


autoridade judiciária indicada como coatora ordenou a citação
da paciente.

Mas — acentua a impetrante —, como o encarregado da


diligência certificasse que a paciente se estava ocultando para
não ser citada, houve a bem o douto Juízo determinar-lhe a
citação por edital, na forma do art. 362 do Código de Processo
Penal.

Visto não comparecera à audiência de interrogatório,


foi-lhe decretada a revelia.

A ação penal entrou a correr os seus trâmites.

A paciente, assistida da Seccional Paulista da Ordem dos


Advogados do Brasil, comparece perante esta augusta Corte de
Justiça, com o escopo de obter ordem de “habeas corpus” para
conjurar o que denomina constrangimento ilegal.

Tem para si a impetrante que o processo instaurado


contra a paciente se acha malferido de nulidade essencial, por
defeito de citação. Ajunta que o oficial de justiça não se
houvera com toda a diligência e rigor no cumprimento do
mandado de citação da paciente.

Argui também de nulo o feito porque o MM. Juízo não


mandara incluir no auto de chamamento a possibilidade de
outorga da suspensão do processo, nos termos do art. 89 da Lei
nº 9.099/95.
38
À derradeira, assevera que a paciente está sofrendo
coação em seu direito deambulatório por falta de justa causa
para a “persecutio criminis in judicio”.

Pleiteia, destarte, o trancamento da ação penal por falta


de justa causa ou a decretação da nulidade do processo, por vício
de citação (fls. 2/10).

O pedido acompanha-se de numerosas cópias de peças


processuais e outros documentos de interesse da ação de
“habeas corpus”.

A egrégia Vice-Presidência do Tribunal, pelo r. despacho


de fl. 70, proferido pelo eminente Juiz Eduardo Pereira deferiu
a medida liminar “para suspender o andamento do feito até que a
colenda Câmara se pronuncie definitivamente”.

A mui digna autoridade judiciária apontada como


coatora prestou as informações do estilo, nas quais esclareceu
que a paciente foi denunciada como incursa nas penas do art.
168, § 1º, nº III, do Código Penal.

Informou ainda que, recebida a denúncia e em


tramitação o processo, desapareceram os respectivos autos do
cartório. Foram, todavia, restaurados, nos termos do art. 541
do Código de Processo Penal.

Narrou ainda a distinta Juíza que a paciente foi


procurada em cinco diferentes endereços, e em nenhum deles
encontrada; pelo que, em face da informação do meirinho de
que se estava ocultando para não ser citada, determinou Sua
Excelência que o fosse por éditos.
39
O não-comparecimento da paciente à audiência de
interrogatório implicou-lhe a revelia.

Remata o ofício de informações que os autos se


encontram na fase do art. 500 do Código de Processo Penal,
aguardando a apresentação de alegações finais pela Defesa (fls.
74/75).

Ao ofício de informações foram acostadas novas cópias


de peças processuais (fls. 76/144).

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em minucioso


e abalizado parecer do Dr. Hermann Herschander, reputado
expoente de sua Instituição, opina pela concessão parcial
da ordem “para determinar-se a suspensão do processo e do lapso
prescricional, nos termos do art. 366 do CPP” (fls. 146/154).

O despacho de fl. 160 determinou diligência, cumprida


pontualmente pela impetrante (fls. 164/172).

É o relatório.

2. Da denúncia, juntada a estes autos por cópia (fls. 11/12),


consta que a paciente, no dia 18 de maio de 2000, no interior
do “Banco do Estado de São Paulo S/A”, nesta Capital, apropriara-
-se indevidamente de coisa alheia móvel, de que tinha a posse
em razão de profissão, pertencente à vítima Eleonete Gama
dos Santos.
40
Reza a denúncia que a paciente, advogada de profissão,
fora contratada pela vítima para patrocinar-lhe a defesa dos
direitos e interesses em ação de consignação em pagamento.

Narra a denúncia ter sido depositada em Juízo, em prol


da vítima, a quantia de R$ 183.285,00, que a paciente, na
condição de advogada, comparecendo à agência do “Banespa”,
munida do mandado de levantamento judicial, transferiu para
a conta-corrente do filho (JVPM).

É dos autos ainda que, aos 18 de outubro de 2000, a


paciente, em seu escritório, confessara à vítima e a seu
contador (Édson de Castro Rodrigues) a prática do ilícito;
aduzira, no entanto, que a quantia a ser paga à vítima orçava
por R$ 128.541,51.

Ato contínuo, o filho da paciente (JVPM), emitiu cheque


daquele valor. A cártula bancária, todavia, foi sustada, sob o
argumento de que o negócio não se realizara.

Conclui a peça de introito da ação penal que, em razão


do “grande lapso temporal percorrido e do modus operandi”, era
manifesto que a paciente obrara com o “animus rem sibi
habendi”.

Destarte, foi denunciada por infração do art. 168, § 1º,


nº III, do Código Penal.

A Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo,


impetra agora a este Egrégio Tribunal, ordem de “habeas
corpus”, a fim de reparar o injusto gravame que a paciente alega
estar sofrendo.
41
3. Sem embargo dos bons esforços do advogado da
impetrante para pôr termo ao litígio, impossível deferir-lhe o
pleito de trancamento da ação penal.

Com efeito, no que respeita à alegada falta de justa causa,


manifesta lhe é a improcedência.

Mesmo em processo de “habeas corpus”, permite a tradição


de nosso Direito o exame de prova, porque antecedente lógico
da verificação da existência (ou não) de justa causa para a ação
penal.

Doutrina é esta consagrada por acórdãos infinitos de


nossos Tribunais, como o persuadem os adiante reproduzidos
por suas ementas:

a) “Exame de provas em habeas corpus é cabível desde que


simples, não contraditória e que não deixe alternativa
à convicção do julgador” (STF; HC; rel. Min. Clóvis
Ramalhete; DJU 18.9.81, p. 9.157);
b) “O habeas corpus é o instrumento tutelar da liberdade. No
seu exame o Juiz não pode criar obstáculos tais que venham a
tornar letra morta a garantia constitucional. Daí que
superado o entendimento de, a priori, não se examinar
prova. Como, sem vencer esse obstáculo, se poderá afastar o
abuso de poder ou ilegalidade da coação? Para se poder
concluir sobre a tipicidade ou não do fato é, em certa medida,
indispensável examinar a prova em que se baseia a acusação”
(Revista do Superior Tribunal de Justiça, vol. 26, p. 95;
rel. Min. José Dantas; apud Alberto Silva Franco et alii,
Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial,
1999, vol. I, pp. 593 e 595).
42
Exame de matéria de alta indagação (como a que
pretende a paciente versar) é, entretanto, vedado no âmbito do
“habeas corpus”; só na instância ordinária da dilação probatória
tem lugar.

De feito, em razão de seu rito sumaríssimo, na via


heroica do “habeas corpus” é defeso proceder a análise de
matéria de alta indagação. Isto de haver ou não a paciente
obrado com dolo, como se trata de questão que apenas pode
ser dirimida na quadra de instrução criminal, não há apreciá-la
no raio exíguo do processo de “habeas corpus”.

Trancamento da ação penal por falta de justa causa


apenas se admite quando comprovada, ao primeiro súbito de
vista, a atipicidade do fato imputado ao réu, ou sua inocência.

Esta, com efeito, é a jurisprudência dominante em nossos


Tribunais, em acórdãos notáveis, como o que dou a seguir por
sua ementa:

“Somente pode ser reconhecida e afirmada, em sede de habeas


corpus, quando os fatos apontados como delituosos são atípicos
ou quando a inocência do acusado se manifesta de forma
desembuçada, clara, precisa, límpida e incontestável” (Rev.
Tribs., vol. 499, p. 488).

4. À derradeira, nossos Tribunais têm decidido, sem


quebra, ser inadmissível o trancamento de ação penal
por alegada ausência de justa causa, quando se baseia
a denúncia em indícios de crime, em tese, e de sua autoria.
43
Comprovam-no que farte os julgados seguintes:

a) “O trancamento da ação penal, por falta de justa causa,


implica reconhecimento de fato atípico, ilegitimidade ad
causam ou extinção da punibilidade. Em descrevendo fato
amoldável a um tipo legal de crime, havendo, pois,
indicação, em tese de delito, inviável encerrar o processo, ou
inquérito policial” (STJ; rel. Min. Vicente Cernicchiaro,
DJU 14.6.93, p. 11.791);

b) “Não é possível o trancamento de uma ação penal sob a


alegação de falta de justa causa, como pretende o recorrente,
na via estreita do habeas corpus. É imprescindível a
produção de prova na instrução criminal, a fim de se
constatar a ocorrência do fato dado como delituoso” (STJ;
rel. Min. Pedro Acioli; DJU 25.10.93, p. 22.511; apud
Alberto Silva Franco et alii, op. cit., 1999, vol. I, pp.
1.271 e 1.274).

Não evidenciado, à prima face, o constrangimento ilegal


que afirma está a sofrer por falta de justa causa, não cabe o
trancamento da ação penal.

5. No que tange, porém, ao outro fundamento da


impetração — nulidade do processo por vício de citação da
paciente —, tenho-o por mui atendível.

Com efeito, os documentos entranhados ultimamente


nos autos (fls. 164/173) comprovam que a paciente residia,
sem dúvida, na Rua Santo Eufredo (Jardim Guedala). Aí, embora
a tivesse procurado para citação, informou o oficial de justiça
que estava “o local em reforma” (fl. 94).
44

Mas, o estar “em reforma” um imóvel e servir a um tempo


de residência a seu proprietário não são ideias que se implicam
nem excluem.

Era mister, pois, que outras vezes o encarregado


retornasse àquele endereço para dar cabal cumprimento à
diligência. Tal preterição induziu, inegavelmente, nulidade ao
processo.

6. Da importância da citação escreveram graves autores


páginas antológicas.

O doutíssimo Conselheiro Ramalho afirmou, com suma


autoridade: “A citação é o princípio e o fundamento do juízo”.

Ainda:

“A citação é tão essencial, que nem o Príncipe a pode dispensar”


(Postilas Práticas, 1872, 2a. ed., p. 71).

De Alexandre Caetano Gomes temos a lição clássica:

“E já Deus Senhor nosso, no primeiro processo que julgou no


mundo, quando quis punir a primeira culpa, usou da citação
em Adão delinquente: Ubi es, Adam?” (Manual Prático,
1820, p. 4).

E o saudoso José Frederico Marques discorreu do ponto


por este feitio:
45

“Por ser elemento integrante do contraditório e substancial ao


exercício do direito de defesa, a citação é tão indispensável que
a sua falta não fica sanada sequer com a res judicata. Cabe,
assim, habeas corpus contra sentença condenatória proferida
em processo onde faltou a citação, por ser ele manifestamente
nulo, como o prevê o art. 648, nº VI, do Cód. de Proc. Penal”
(Elementos de Direito Processual Penal, 1965, vol. II,
p. 176).

Pelo mesmo teor, a jurisprudência do Colendo Supremo


Tribunal Federal:

a) “É nula a citação por edital, quando desprezadas as cautelas


habituais para apurar o paradeiro do acusado” (Rev.
Forense, vol. 161, p. 349);

b) “O oficial de justiça deve procurar o acusado para citá-lo no


endereço por este indicado quando foi interrogado. Não o
encontrando, deve esgotar todos os meios possíveis para sua
localização. E só depois disso é que deve ser declarado, para
fins de citação por edital, em lugar incerto e não sabido”
(Rev. Tribs., vol. 726, p. 613; rel. Min. Edson Vidigal).

Daqui por que é forçoso decretar a nulidade do processo


desde a citação; o que faço com grande repugnância, pois a
anulação de processo representa sempre perda irreparável para
o Poder Judiciário.

De outra forma, porém, sacrificar-se-ia o direito


de defesa, e este é a coluna do templo da Justiça e a lâmpada
de seu santuário!
46

7. Pelo exposto, acolho parcialmente o pedido de “habeas


corpus” para conceder à paciente a ordem impetrada, a fim de
anular, a partir da citação, o processo a que responde perante o
MM. Juízo de Direito da 6a. Vara Criminal da Comarca da
Capital (proc. nº 00/098225).

São Paulo, 17 de março de 2004


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

2
T RIBUNAL DE JUSTIÇA DO E STADO DE S ÃO PAULO

Q UINTA C ÂMARA – S EÇÃO C RIMINAL

Apelação Criminal nº 993.05.033442-2


Comarca: São Bernardo do Campo
Apelante: MAS
Apelado: Ministério Público

Voto nº 12.243
Relator

– Isto de ter sido o réu citado no dia mesmo de seu


interrogatório não invalida nem desmerece o ato
judicial; o que a lei exige é que se lhe dê inteira
ciência dos capítulos da acusação, primeiro que o
interrogue a Justiça (art. 185 do Cód. Proc. Penal).

– É questão fria nos pretórios da Justiça que as


regras do art. 226 do Cód. Proc. Penal, de
caráter suasório ou de recomendação, podem ser
postergadas, se impossíveis de executar ou se o
dispensar o caso concreto. Não acarreta, portanto,
a nulidade do processo o reconhecimento do réu
pela vítima, sem as formalidades legais, se esta lhe
não pôs em dúvida a identidade física. O fim a
que deve atender o ato do reconhecimento não
importando as circunstâncias de sua realização é
se o sujeito passivo, ao indicar o autor do roubo,
fê-lo, ou não, com certeza e espontaneidade.
48

– Palavras de quem foi protagonista do fato


delituoso, as da vítima são, pelo comum, dignas
de crédito; servem, pois, a lastrear condenação,
máxime se em harmonia com outros elementos
do processo.

– Diz-se consumado o roubo se o agente, ainda que


por breve lapso de tempo, teve a posse desvigiada
da coisa subtraída à vítima mediante violência ou
grave ameaça.

– A prescrição intercorrente (art. 110, § 1º, do Cód.


Penal) “constitui forma de prescrição da pretensão
punitiva (da ação), que rescinde a própria sentença
condenatória” (Damásio E. de Jesus, Código Penal
Anotado, 18a. ed., p. 358).

1. Condenado pela r. sentença de fls. 98/104 à pena de


4 anos de reclusão, no regime semiaberto, e 10 dias-multa, por
infração do art. 157, “caput”, do Código Penal, apela para este
Egrégio Tribunal, com o intuito de reformá-la, MAS.

Nas razões de apelação, elaboradas por competente


Procuradora do Estado, argui, preliminarmente, nulidade do
processo por cerceamento de defesa (vício de citação).

No mérito, afirma que o conjunto probatório não lhe


autorizava a condenação; no caso, porém, que se confirmasse o
edito condenatório, era força desclassificar-lhe a conduta para
o tipo do art. 155 do Código Penal, reconhecida a forma tentada.

Insiste a Defesa no argumento de que a inobservância


da regra do art. 226 do Código de Processo Penal, no ato de
reconhecimento de pessoa, induzira nulidade ao feito.
49
Acrescenta que o caso dos autos devia ser interpretado à
luz do princípio da insignificância, pois se tratava de delito de
bagatela.

Pleiteia, destarte, a reforma da r. sentença de Primeiro


Grau, se não para absolvê-lo por insuficiência de prova, para
reduzir-lhe a pena, a seu aviso imposta com mão draconiana,
ou fixar-lhe regime aberto (fls. 119/141).

Contrariado o recurso, opinou a douta Procuradoria-


-Geral de Justiça por seu improvimento (fls. 155/158).

É o relatório.

2. A Justiça Pública deu denúncia contra o réu porque, no


dia 24.11.2004, pelas 13h, dentro do ônibus da linha 54B, em
São Bernardo do Campo, subtraiu para si, mediante grave
ameaça exercida com emprego de arma de fogo, uma folha de
cheque no valor de R$ 520,00, pertencente a Marcelo C. do
N., além de dinheiro, caneta esferográfica e um molho de
chaves pertencentes à empresa “SBC Trans”.

Instaurada a persecução penal, transcorreu o feito


segundo as normas legais; por fim, a r. sentença de fls. 98/104
decretou a condenação do réu que, inconformado, apela para
esta augusta Corte de Justiça, levando a mira na absolvição.

3. A matéria arguida pelo réu à guisa de preliminar —


cerceamento de defesa por vício na citação — não procede,
“data venia”.
50

Na verdade, isto de ter sido citado no dia mesmo do


interrogatório não invalida nem desmerece o ato judicial.

De feito, o que exige a lei é que se dê inteira ciência ao


réu dos capítulos da acusação, primeiro que o interrogue a
Justiça.

Acerca do tema, merece reproduzido, por sua ementa, o


seguinte ven. acórdão deste Egrégio Tribunal:

“Tratando-se de réu preso, desnecessária sua citação por


mandado, bastando à validade do chamamento processual
a requisição prevista no art. 360 do Cód. Proc. Penal”
(RTACrSP, vol. 24, p. 201; rel. Dínio Garcia).

Assim, não comprovado à evidência o cerceamento da


defesa do apelante, que a exercera em sua plenitude, rejeita-se
a preliminar de nulidade do processo.

4. Ao revés do que alega a nobre Defesa, as provas obtidas


na instrução do processo demonstram “quantum satis” que o
réu, efetivamente, praticou o crime descrito na denúncia.

Deveras, suposto se empenhasse em subtrair-se à sanção


penal, o réu não pôde ilidir a direta e verossímil incriminação
da vítima, a qual, inquirida em Juízo, não apenas discorreu do
roubo senão que reconheceu, sem hesitar, o réu como a seu
autor (fls. 45/48).
51

Com as declarações da vítima frisa o testemunho de


Marcelo Carneiro do Nascimento e o do policial Moacir Suheo
Tanaka, ouvidos na instrução criminal (fls. 49/55).

Prova desse quilate era a que bastava para autorizar o


decreto condenatório, sobretudo em obséquio ao valor da
palavra da vítima, geralmente merecedora de consideração.

Ao contrário do que alega a Defesa, as declarações da


vítima, quando inspiram credibilidade — como no caso —,
têm força de artigo de fé e justificam a edição de decreto
condenatório.

Este, com efeito, é o magistério da Jurisprudência:

“A palavra da vítima de crime de roubo é, talvez, a mais valiosa


peça de convicção judicial. Esteve em contacto frontal com
o agente e, ao se dispor a reconhecê-la, ostenta condição
qualificada a contribuir com o juízo na realização do justo
concreto” (TACrimSP; Ap. nº 1.036.841-3; rel. Renato
Nalini; apud Alberto Silva Franco et alii; Código Penal
e sua Interpretação Jurisprudencial, 6a. ed., vol. I, t. II, p.
2.569).

Realmente, apreendidas as “res furtivae” em poder do réu,


tocava-lhe comprovar, além de toda a dúvida, a posse legítima,
aliás era lícito increpá-lo de crime.

Esta, com efeito, é a jurisprudência consagrada em


nossos Tribunais:
52

“Em tema de delito patrimonial, a apreensão da coisa subtraída


em poder do réu gera a presunção de sua autoria e, invertendo-
-se o ônus da prova, impõe-lhe justificativa inequívoca”
(RJTACrimSP, vol. 43, p. 253; rel. Rulli Júnior).

O auto de exibição e apreensão de fl. 13, comprovando-


-lhe a materialidade, e os depoimentos harmônicos e verossímeis
da vítima e testemunhas induzem à inequívoca certeza de que
o apelante foi o autor do roubo descrito na denúncia.

As razões apresentadas pelo réu, por fantásticas, não


podem ser acolhidas sem injúria da mesma verdade.

5. O primeiro indício que se elevou dos autos, poderoso a


abafar os protestos de inocência do réu, foi o silêncio a que se
restituiu, na fase do inquérito (fl. 6).

Como nada respondesse à autoridade policial a respeito


da grave imputação de que era arguido, nisso mesmo deu a
conhecer sua culpa. É que ninguém deixa de repelir com todas
as forças injusta acusação, notadamente se da gravidade da que
ao réu desfechou o órgão do Ministério Público.

O ven. acórdão, abaixo reproduzido por sua ementa,


bem o persuade:

“Muito embora o silêncio do interrogando seja uma faculdade


procedimental, é difícil acreditar que alguém, preso e acusado
de delito grave, mantenha-se calado só para fazer uso de uma
prerrogativa constitucional” (RJTACrimSP, vol. 36, p. 325;
rel. José Habice).
53

A solidez da prova da conduta criminosa do réu impedia


se lhe invocasse o aforismo jurídico “in dubio pro reo”.

6. A objeção da Defesa, de que se não devia atribuir fé


inteira ao reconhecimento do réu pela vítima (porque
preteridas as formalidades do art. 226 do Cód. Proc. Penal), não
procede, “data venia”.

Deveras:

“Tem-se como eficaz o reconhecimento pessoal do indiciado em


inquérito policial, mesmo se não colocado ao lado de outras
pessoas, visto que tal procedimento é tão somente uma
recomendação contida no art. 226, II, do CPP” (Rev. Tribs.,
vol. 777, p. 660; rel. João Carlos Brandes Garcia).

Sua condenação, portanto, não é possível impugná-la


sem fazer agravo à prova dos autos e ao siso comum.

7. O pedido alternativo da Defesa reconhecimento, “in


casu”, de exemplo de crime de bagatela (fl. 132) não se mostra
digno de acolher, com a devida vênia.

Não há aplicar ao roubo a teoria do crime de bagatela: ao


contrário do que sucede com o furto, o valor da coisa subtraída
não serve de critério ou pedra de toque para aferir eventual
insignificância da lesão jurídica, em se tratando de roubo.
Aqui, a objetividade jurídica não é apenas a tutela da posse ou
a propriedade, senão a integridade física, a vida, a saúde e a
liberdade, e estas não podem nunca ser subestimadas.
54

Outro tanto em relação do pedido de desclassificação do


roubo para furto: impossível é dar-lhe guarida.

Com efeito, antes que lhes subtraísse o dinheiro, o réu


simulando portar arma de fogo ordenara à vítima permanecesse
calada; ora, se empregou grave ameaça contra as vítimas o que
é atributo do roubo, fica evidente a impossibilidade jurídica da
desclassificação do crime para furto.

8. O argumento da tentativa de roubo, com que a diligente


Defesa pretende rescindir o julgado, não persuade nem
convence.

Em verdade, segundo inteligência deste Egrégio


Tribunal, consagrada em número sem conto de sufrágios,
somente há tentativa de roubo se o agente, após praticar a
subtração mediante violência, não logra a posse tranquila e
desvigiada das coisas da vítima.

O caso de que se trata, no entanto, não pode ser


examinado a essa luz: após subjugar a vítima, subtraiu-lhe o
réu dinheiro e demais objetos. É força, pois, considerar
consumado o roubo que praticou.

Com efeito:

“Se o agente teve a posse da res furtiva, ainda que breve, por
ter sido preso e havido recuperação, a hipótese é de consumação”
(Rev. Tribs., vol. 703, p. 315; rel. Luiz Ambra).
55
O conjunto probatório, bem é de ver, demonstrou, sem
azo para dúvida, a responsabilidade criminal do réu, donde a
legitimidade e justiça de sua condenação por roubo simples.

9. A pena está correta, porquanto fixada com bom critério,


dentro nos limites legais.

Vem a talho este lugar do escorreito parecer da


Procuradoria-Geral de Justiça:

“Condenação acertada, a pena foi calcada no limiar, com


determinação correta de regime intermediário de desconto
corporal, malgrado roubo, sob qualquer modalidade, represente
delito nefando e quase hediondo, a demonstrar má índole e
deformada personalidade do agente” (fl. 158).

Não há que dizer, portanto, contra o regime prisional


que a r. sentença estipulou ao réu: semiaberto.

10. O Estado, no entanto, já não tem o direito de executar a


pena imposta ao réu, por extinta sua punibilidade.

Deveras, a pena de 4 anos de reclusão prescreve em 8,


nos termos do art. 109, nº IV, do Código Penal, prazo que se
reduz de metade se, por ocasião do crime, o réu era menor de
21 anos (art. 115).

Ora, desde a publicação da r. sentença 25.2.2005 (fl.


105) até aqui decorreu lapso de tempo superior a 4 anos,
suficientes à consumação do prazo prescricional, por incidente
56

a hipótese do art. 115 do Código Penal: contava o réu, ao tempo


do crime, 18 anos de sua idade (fl. 17). É força, portanto,
declarar-lhe extinta a punibilidade pela prescrição intercorrente.

Com efeito, na expressão clássica de Abel do Vale, o


decurso do tempo apaga a memória do fato punível e a
necessidade do exemplo desaparece (apud Ribeiro Pontes,
Código Penal Brasileiro, 8a. ed., p. 154).

É de preceito, por conseguinte, decretar a extinção da


punibilidade do réu pela prescrição intercorrente, que “constitui
forma de prescrição da pretensão punitiva (da ação), que rescinde a
própria sentença condenatória” (Damásio E. de Jesus, Código Penal
Anotado, 18a. ed., p. 358).

11. Pelo exposto, nego provimento ao recurso e, de ofício,


julgo extinta a punibilidade do réu pela prescrição intercorrente
(arts. 107, nº IV, 109, nº IV, 110, § 1º, e 115 do Cód. Penal e art. 61
do Cód. Proc. Penal).

São Paulo, 18 de setembro de 2009


Des. Carlos Biasotti
Relator
Citação e Édito

1. Da Citação do Réu

I – Conforme regra inviolável de Direito Natural, ninguém


pode ser condenado sem que primeiro se ouça de sua justiça(1).
De tal eminência é este preceito, que insignes autores
costumam remontar sua origem aos primórdios da Criação:
Deus, “antes de condenar Caim, vocavit eum, isto é, chamou-o”(2).
Ainda: “a citação é tão essencial que nem o Príncipe a pode
dispensar”(3).
Segundo a letra do art. 351 do Código de Processo Penal, “a
citação inicial far-se-á por mandado”. No caso porém que o réu
não seja encontrado — reza o art. 361 do referido diploma
legal —, “será citado por edital, com o prazo de quinze dias”(4). Mas,
à citação por éditos(5), é entendimento jurisprudencial
uniforme dos Tribunais de Justiça do País que não se deve
recorrer, exceto depois de o encarregado das diligências haver
dado todas as providências que lhe estavam nas mãos para citar
o réu em sua própria pessoa.
O que bem se explica por duas razões forçosas:

a) como “a citação é o princípio e o fundamento do juízo”(6),


dela se não pode prescindir sem que a um tempo se
mortifique a mesma relação processual;

b) a não ser o réu citado “in faciem”, ter-se-á por ineficaz


outra forma do chamamento a juízo, pois que, ainda
quando afixado o edital no átrio do fórum, ou publicado
pela imprensa, dificilmente seu teor literal lhe chega à
notícia(7).
58
Donde haverem os Tribunais encarecido sempre ao
oficial de justiça a máxima exação no cumprimento do
mandado citatório.
Sua primeira cautela será, portanto, procurar o réu em
todos os endereços constantes nos autos, antes que certifique
não o haver encontrado, porque algum defeito ou balda que
haja aqui poderá fulminar de nulidade irremediável toda a
ação penal(8).

II – O conhecido rigor com que a Superior Instância tem


versado o ponto da citação do réu claramente se mostra das
ementas seguintes:
a) “É nula a citação por edital, quando desprezadas as cautelas
habituais para apurar o paradeiro do acusado” (Rev. Forense,
vol. 161, p. 349);

b) “A certidão de achar-se o acusado em lugar incerto e não sabido


deve ser lançada pelo oficial depois de esgotadas todas as
tentativas na pesquisa do paradeiro do citando” (Ibidem, vol.
147, p. 444);

c) “Representando a citação-edital uma exceção, é imperativo da


Justiça esgotar todos os meios ao seu alcance, com os elementos
constantes dos autos, para positivar o paradeiro do réu”
(Ibidem, vol. 186, p. 331).

Cumpre-nos referir, porém (e gratamente o fazemos),


que, dos atos processuais, é a citação, sobre todos, o em cuja
realização mais se têm distinguido e acreditado, pelo zelo
funcional e pela consciência do dever, abnegados servidores da
Justiça. Raros, mui raros são os casos em que o Tribunal se vê
59
na contingência de decretar, por defeito de citação, nulidade
de processo-crime!
O que é matéria de não pequeno consolo, pois que,
fundamento da ordem judicial, a citação válida constitui
igualmente o primeiro estádio da busca da verdade, escopo e
alma de todo processo.

2. Édito ou Edito?

Alguma dúvida costuma haver quanto à exata acepção e


pronúncia destes vocábulos, de uso corrente no meio forense;
não será, portanto, fora de propósito aduzir ligeiras
observações a tal respeito.
Édito (palavra proparoxítona) significa edital, proclama;
edito (palavra paroxítona) é o mesmo que decreto, sentença.
Esta é a lição de graves autores.
Napoleão Mendes de Almeida, laureado mestre da
língua portuguesa, ensinou em uma de suas conhecidas e bem
reputadas obras:
“Edito, édito. Não devem ser confundidas estas palavras. Edito,
que também se grafa edicto, é a lei, o decreto, ou parte da lei, em que
alguma coisa se preceitua: o edito de Nantes. O edito pode ser
revogado.
Édito é o edital, a simples publicação de um aviso, de uma
ordem dimanada de câmara municipal, é o traslado de ordem oficial
destinado ao conhecimento de todos e afixado em lugares públicos ou
anunciados na imprensa periódica” (Dicionário de Questões
Vernáculas, 1a. ed., p. 91).
60
Tal distinção também consta do Dicionário Houaiss da
Língua Portuguesa (1a. ed.): edito — “qualquer preceito legal”; édito
— “ordem de autoridade superior ou judicial que se divulga através
de anúncios ditos editais, afixados em locais públicos ou publicados
nos meios de comunicação de massa; edital” (cf. verbete édito).
Isto mesmo traz o Dicionário Contemporâneo da Língua
Portuguesa (Caldas Aulete e Santos Valente, 2a. ed.):
Edito — “decreto, ordem, mandado”; édito — “ordem,
mandado da autoridade ou citação do juiz, que se afixa nos lugares
públicos para que chegue à notícia de todos”.
De igual parecer é De Plácido e Silva:
“Edito. Exprimindo o preceito que é contido na lei ou no
decreto, é aplicado no mesmo sentido de lei e decreto.
Édito. É mais propriamente indicado para significar a ordem, o
mandado, a citação, que se contém num edital” (Vocabulário
Jurídico, 1973, vol. II, p. 575).
Numa palavra, edito é sinônimo de decreto, sentença,
decisão; ao passo que a voz édito inculca a ideia de edital,
proclama (outrora: bando ou banho).

Escreve-se edito nestes casos:

I – “E aconteceu naqueles dias que saiu um edito — isto é, um


decreto — emanado de César Augusto para que fosse alistado
todo o mundo” (Lc 2,1; trad. Antônio Pereira de
Figueiredo).

II – O edito absolutório do réu — isto é, a sentença — vale


por brasão de glória do ilustre magistrado que o
subscreveu.
61
III – O edito de pronúncia — isto é, a sentença, decisão ou
despacho — remeteu o réu a julgamento pelo Tribunal
do Júri.

Empregar-se-á todavia édito na seguinte hipótese:

I – Como o réu estava em lugar não sabido, mandou-o citar


o juiz por édito (isto é, por edital).

II – A lista geral dos jurados foi divulgada por éditos (isto é,


por editais), afixados no átrio do edifício do fórum.

À derradeira, faz ao intento a advertência de Eliasar


Rosa, advogado e exímio cultor do vernáculo:
“Até agora, nossa profissão é essencialmente verbal e tem por
instrumento básico a linguagem.
Advogado, se não fala, escreve.
Isto significa que estará sempre em risco seu bom êxito na
profissão, se ele não falar e escrever bem” (Glossário Forense, 1a. ed.,
p. 8).

Notas

(1) É o clássico aforismo jurídico: “Nemo inauditus damnari


potest”.
(2) Cf. Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro; v. citação.
Pelo mesmo teor, a lição de Alexandre Caetano Gomes:
“E já Deus, Senhor nosso, no primeiro processo que julgou no
mundo, quando quis punir a primeira culpa, usou da citação
em Adão delinquente: Ubi es, Adam? Gên., cap. 3º ” (Manual
Prático Judicial Civil e Criminal, 1820, p. 4).
62

(3) Cons. Ramalho, Postilas de Prática, 1872, p. 71.


(4) Quando não o encontra para citar, costuma o meirinho
certificar que o réu está em lugar incerto e não sabido.
Faz ao caso, por isso, a lição do mui douto Geraldo
Amaral Arruda: “Há contrassenso em dizer lugar incerto e
não sabido. Nenhum lugar pode ser incerto e, ao mesmo tempo,
não sabido” (A Linguagem do Juiz, 1996, p. 10).
(5) São vocábulos que se empregam distintamente: édito e
edito. Édito significa “ordem judicial publicada por anúncios
ou editais” (Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua
Portuguesa, 11a. ed.); edito (sem acento) é o mesmo que
decreto, lei e, por extensão, sentença, decisão, etc. Ex.
edito condenatório, edito de absolvição, etc. (Ver,
adiante, o artigo “Édito ou Edito?”).
(6) Cons. Ramalho, op. cit., p. 71.
(7) A respeito da publicação do édito no órgão da imprensa
oficial, vêm a talho de foice estas palavras do Conde de
Afonso Celso: “Verdade é que, segundo Ferreira Viana, quem
quisesse guardar um segredo devia dá-lo à estampa nesse
diário” (Oito Anos de Parlamento, 1981, p. 80).
(8) A certidão do oficial de justiça, conforme a tradição
doutrinária, passa por artigo de fé: seu teor vale como ato
autêntico; suas afirmações têm por si a presunção de
veracidade. Trata-se, porém, de presunção “juris tantum”:
prevalece até prova em contrário.
Trabalhos Jurídicos e Literários de
Carlos Biasotti

1. A Sustentação Oral nos Tribunais: Teoria e Prática;


2. Adauto Suannes: Brasão da Magistratura Paulista;
3. Advocacia: Grandezas e Misérias;
4. Antecedentes Criminais (Doutrina e Jurisprudência);
5. Apartes e Respostas Originais;
6. Apelação em Liberdade (Doutrina e Jurisprudência);
7. Apropriação Indébita (Doutrina e Jurisprudência);
8. Arma de Fogo (Doutrina e Jurisprudência);
9. Cartas do Juiz Eliézer Rosa (1a. Parte);
10. Citação do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
11. Crime Continuado (Doutrina e Jurisprudência);
12. Crimes contra a Honra (Doutrina e Jurisprudência);
13. Crimes de Trânsito (Doutrina e Jurisprudência);
14. Da Confissão do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
15. Da Presunção de Inocência (Doutrina e Jurisprudência);
16. Da Prisão (Doutrina e Jurisprudência);
17. Da Prova (Doutrina e Jurisprudência);
18. Da Vírgula (Doutrina, Casos Notáveis, Curiosidades, etc.);
19. Denúncia (Doutrina e Jurisprudência);
20. Direito Ambiental (Doutrina e Jurisprudência);
21. Direito de Autor (Doutrina e Jurisprudência);
22. Direito de Defesa (Doutrina e Jurisprudência);
23. Do Roubo (Doutrina e Jurisprudência);
24. Estelionato (Doutrina e Jurisprudência);
25. Furto (Doutrina e Jurisprudência);
26. “Habeas Corpus” (Doutrina e Jurisprudência);
27. Legítima Defesa (Doutrina e Jurisprudência);
28. Liberdade Provisória (Doutrina e Jurisprudência);
29. Mandado de Segurança (Doutrina e Jurisprudência);
30. O Cão na Literatura;
31. O Crime da Pedra (Defesa Criminal em Verso);
32. O Crime de Extorsão e a Tentativa (Doutrina e Jurisprudência);
64
33. O Erro. O Erro Judiciário. O Erro na Literatura (Lapsos e
Enganos);
34. O Silêncio do Réu. Interpretação (Doutrina e Jurisprudência);
35. Os 80 Anos do Príncipe dos Poetas Brasileiros;
36. Princípio da Insignificância (Doutrina e Jurisprudência);
37. “Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?”;
38. Tópicos de Gramática (Verbos abundantes no particípio;
pronúncias e construções viciosas; fraseologia latina, etc.);
39. Tóxicos (Doutrina e Jurisprudência);
40. Tribunal do Júri (Doutrina e Jurisprudência);
41. Absolvição do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
42. Tributo aos Advogados Criminalistas (Coletânea de Escritos
Jurídicos); Millennium Editora Ltda.;
43. Advocacia Criminal (Teoria e Prática); Millennium Editora Ltda.;
44. Cartas do Juiz Eliézer Rosa (2a. Parte);
45. Contravenções Penais (Doutrina e Jurisprudência);
46. Crimes contra os Costumes (Doutrina e Jurisprudência);
47. Revisão Criminal (Doutrina e Jurisprudência);
48. Nélson Hungria (Súmula da Vida e da Obra);
49. Ação Penal (Doutrina e Jurisprudência);
50. Crimes de Falsidade (Doutrina e Jurisprudência);
51. Álibi (Doutrina e Jurisprudência);
52. Da Sentença (Doutrina e Jurisprudência);
53. Fraseologia Latina;
54. Da Pena (Doutrina e Jurisprudência);
55. Ilícito Civil e Ilícito Penal (Doutrina e Jurisprudência);
56. Regime Prisional (Doutrina e Jurisprudência);
57. Alimentos (Doutrina e Jurisprudência);
58. Estado de Necessidade (Doutrina e Jurisprudência);
59. Receptação (Doutrina e Jurisprudência);
60. Inquérito Policial. Indiciamento (Doutrina e Jurisprudência);
61. A Palavra da Vítima e seu Valor em Juízo;
62. A Linguagem do Advogado;
63. Memorando aos Colegas da Advocacia e da Magistratura;
64. Código de Defesa do Consumidor (Casos Especiais em Matéria
Criminal);
65. Crime de Dano (Doutrina e Jurisprudência);
65
66. Nulidade Processual (Doutrina e Jurisprudência);
67. Da Coação no Direito Penal (Doutrina e Jurisprudência);
68. Violação de Domicílio (Doutrina e Jurisprudência).
www.scribd.com/Biasotti
Citação do Réu (Doutrina e Jurisprudência) Carlos Biasotti

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