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JORGE ELIAS

CAVALEIRO
DA CONCÓRDIA
O HOMEM DO OUTRO MUNDO

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Racional-Gráfica Editora Ltda.Este volume foi composto e impresso na
Racional-Gráfica Editora Ltda.
- DISTRIBUiÇÃO INTERNA –

RACIONAL GRÁFICA EDITORA LTDA.

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Para João Roberto Kelly, Zé Ketty,
Vicente Paulo de Mattos, Orlando Dias, Paulo Bob,
José Ventura, Orestes e Robertinho Golden Soy.
Músicos, compositores e. cantores. Ventos Racionais a
embalar a vida com suas canções. Momentos de
poesia, ternura e êxtase;
Para Wilton Franco que me levou do
jornal para televisão. Padrinho, conselheiro e amigo;
Para José Louzeiro que me trouxe à
"força" da televisão para o livro. Irmãos de duras
jornadas, incentivador incansável e perseguidor
rigoroso;
Para Maurício Gaze, José Petros e Luiz
Sérgio. Amizades sinceras, solidificadas nos momentos
difíceis de minha vida .

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ANTES, UMA ADVERTÊNCIA

S e a situação política do Presidente José Sarney era difícil, à frente do


Executivo, em dezembro do ano passado, o mesmo não poderia se
afirmar três meses depois. Coincidência ou não, o Governo José Sarney
se fortaleceu, logo após a visita do Mestre Manoel Jacintho Coelho ao
Presidente, no Palácio da Alvorada, em Brasília.
A completa e surpreendente modificação do quadro político
brasileiro, possibilitou a José Sarney realizar todas as suas vontades,
aprovando, entre os Constituintes, por margem substancial de votos, tudo
aquilo que desejava: a vitória do presidencialismo como regime de governo
e o mandato de cinco anos para Presidente da República.
Mas quem seria Manoel Jacintho Coelho, esse homem de 85 anos
de idade, autor de uma obra de quase 800 livros, idolatrado por mais de
cem milhões de brasileiros, os quais se vestem de branco e o tratam de
PAI e GRANDE MESTRE?
Teria ele poderes suficientes para modificar o destino político do
País, com a mesma facilidade que consegue aparecer e reaparecer,
simultaneamente em vários lugares, realizando curas de moléstias tidas
como incuráveis?
Verdade ou não, as portas dos palácios sempre estiveram abertas
para Manoel Jacintho Coelho e os ocupantes do poder sempre ronronaram
aos seus pés.

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Não só por sua força política incontestável, mas também por seus Agora, se a senhora ou o senhor desejam saber um pouco mais
poderes há muito alardeados. Não foi à-toa que a principal figura política desse HOMEM, de sua história e dos muitos episódios que contam sobre
da história republicana do Brasil, o Presidente Vargas, tornou-se amigo e ele, de seus poderes, de sua força, do início de tudo, devem ler o livro.
confidente dele e até bateu cabeça no gongá da Tenda Espírita Francisco Fica aqui o meu convite. Se a curiosidade for muito grande, por certo vão
de Assis, no Méier. devorá-lo. Os caminhos percorridos por Manoel Jacintho Coelho foram tão
O livro que o senhor e a senhora têm nas mãos não é um trabalho surpreendentes quanto as suas atuais aparições.
específico de Cultura Racional, nem pretende mostrar aos incrédulos, aos O CAVALEIRO DA CONCÓRDIA nasceu da minha amizade com o
crentes e aos religiosos mais fervorosos, a luz da razão, o caminho da Mestre Manoel Jacintho Coelho, da sugestão dele, bem como da cobrança
salvação e da eternidade. de nossos amigos. Reúne, numa linguagem simples, sem pretensões
Longe de mim tamanha pretensão. literárias, passagens da vida do Mestre Racional e fatos ocorridos com ele,
Quem quiser continuar estudando Cultura Racional, terá de fazê-lo antes e após o surgimento da Cultura Racional. Muitos destes episódios
através dos Livros UNIVERSO EM DESENCANTO, uma obra gigantesca, foram contados pelo próprio Mestre Manoel e por certo teriam sido
valiosíssima, através da qual os Racionais afirmam que estão alicerçando varridos pelo tempo, não fosse a sua privilegiada memória. Outras foram
a construção de um mundo novo, aquele que será habitado, segundo eles colhidas por mim, aqui e ali, nas minhas andanças, com muito carinho e
próprios, pela civilização do Terceiro Milênio. interesse.
Não se trata tampouco de um retrato biográfico do Mestre Manoel De uma coisa estejam certos: O CAVALEIRO DA CONCÓRDIA vai
Jacintho Coelho. As biografias não me fascinam, nem me encorajam. aproximá-los ainda mais do homem Manoel Jacintho Coelho.
Quase sempre são cansativas, entediosas. Na maioria das vezes, Descortinará, através da leitura, um universo mágico, repleto de colorido e
pretensiosas, dirigidas. E não raro, encomendadas para o lustro e glória de energias. Vai ajudá-lo a compreender a obstinação e a inabalável coragem
quem alcançou o sucesso, o poder e a fama, sem predicados ou méritos. de construir deste escritor Racional e também a dimensão de seu trabalho:
Não me prestaria a esse tipo de trabalho, até por temperamento. Não envolvente, puro e branco como as roupas que vestem aqueles que
toparia participar da feitura de um retrato retocado, de cores pálidas, I decidiram segui-lo.
esmaecidas, deformado e irreal. Nem o Mestre Manoel Jacintho, pelo A advertência está feita.
muito que lhe conheço, iria desejá-lo. Venha, vamos iniciar a viagem.
Quem arrasta atrás de si milhares de seguidores, transmitindo
ensinamentos, lecionando corajosas lições, não precisa de biografias, nem O autor.
de retratos retocados. Vale por aquilo que prega, pelo que ensina, pela
imagem que empresta, pela árvore que planta, por suas revelações e
aquilo que realiza.

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I parte

A ÚLTIMA CARTADA

N oite inteira, as mulheres estiveram ali, exibindo a ilusão de seus


decotes. Enquanto havia música, deslizaram pelo salão, jogando
beijos aos freqüentadores mais tímidos e lançando olhares furtivos
furtiv aos
mais escolados. Mas acabaram
ram indo embora com o passar das horas,
algumas acompanhadas outras, não, deixando no ar a sedução de seus
perfumes, bem como a lembrança de seus vestidos rodados. Agora, o Bar
dos Carmelitas, um barulhento café-concerto,
concerto, instalado na Rua Moraes e
Vale,
e, na Lapa, vai ficando deserto. Apenas alguns músicos retardatários
ainda se misturam aos garçons, empenhados no recolhimento das
garrafas e copos espalhados sobre as mesas.
Terno azul-marinho
marinho bem cintado, camisa de seda branca, gravata
de "tussot" e sapato
ato preto de salto carrapeta, Manoel Jacintho Coelho
retoma do banheiro, onde fôra lavar o rosto, tentando afastar o sono e
diminuir o cansaço. Aquela noite havia sido diferente para ele, apesar da
rotina. Durante o tempo em que permanecera abraçado ao violão
vio de sete
cordas, divertindo boêmios, mulheres, artistas, políticos, jornalistas,
malandros e, principalmente, otários, muita coisa aconteceu.

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Por alguns instantes, tivera a estranha sensação de estar saindo de seu Nos rostos, as marcas da decepção.
próprio corpo, evaporando, depois partindo e encontrando um outro Encerrado o transe, concluída a viagem de volta, Manoel Jacintho
mundo. Coelho não escondia: estava atordoado. Perplexo, não sabia o que fazer
Tudo aconteceu de forma inesperada, incontida, e porque não nem tampouco o que contar. Imaginava apenas o fim daquela situação,
dizer, avassaladora. Seu corpo começou a ficar adormecido, como daquele estado aflitivo, inexplicável. Foi quando um forte assovio
estivesse anestesiado.· Ainda reagiu, respirando fundo. Quis falar, pedir invadiu-lhe os ouvidos, um assovio ensurdecedor, bem parecido com
ajuda, mas não conseguiu. Parecia flutuar no ar denso de fumo e de aqueles emitidos pelos rádios antes da sintonização. Surgiram, então,
muitas fragrâncias do Bar dos Carmelitas. E embora soubesse que algo diante de seus olhos, as terríveis imagens da
de anormal, de muito sério, de novo e também diferente estivesse tragédia.
acontecendo, tinha a certeza: não havia perdido a consciência, tanto que Sem perder tempo, procurou uma cadeira e tratou de sentar.
continuava dedilhando o violão, sem perder o compasso do samba de Ouviu os estampidos dos tiros. Foram quatro, pôde contar um-a-um.
Ismael Silva, cantado por um crooner mulato, alto e forte, voz quente de Seguiram-se os gritos de pavor e o corre-corre no cabaré. Homens e
lirismo e conhaque: mulheres buscavam a escada, desesperados, querendo fugir. Uns
- Se você jurar! Que me tem amor! Eu posso me regenerar! tropeçavam, caindo. Outros, não. Corriam e saltavam sobre os que estavam
Mas se é para fingir mulher! A orgia assim não vou deixar. no chão. O tumulto estava generalizado, o pânico estabelecido. Três dos
Assim permaneceu algum tempo, solto no espaço. Wanda, amiga da tiros haviam atingido um homem de terno branco, ele gemia de dor e ia se
Olívia, dançarina do Cabaré Royal Pigalle, após observá-lo, comentou curvando, segurando o peito e a barriga. Logo o sangue manchou-lhe o
com Ceci, aquela que se tornaria, no futuro, o grande amor de Noel Rosa: terno e as mãos, aumentando-lhe ainda mais a aflição. Manoel esforçou-se
- Olha só o Manoel. Hoje ele deve estar muito romântico. tentando reconhecer aquele homem, cujo rosto lhe era familiar. Foi quando
Desde que começou a tocar está com os olhos fechados. alguém bateu-lhe nas costas, cantando e interrompendo-lhe a visão:
Diante da observação da companheira, Ceci apenas sorriu. Meu Deus, eu ando com o sapato furado! Tenho mania de
Depois balançou a cabeça, concordando. andar engravatado! Minha cama é um pedaço de esteira! Uma lata
Aquelas pobres mulheres da Lapa, tão jovens, tão bonitas e tão velha me serve de cadeira ...
carentes, ali estavam todas as noites, arrastando suas vidas pela pista de Identificou o samba e a voz. O samba era Cabide de Molambo,
~:.~ I

dança. Mais que um par constante, um cavalheiro bonito e bem arrumado, de João da Baiana, um velho amigo, mostrando com' humor, um
para enlaçá-las pela. cintura, num rodopio elegante, ao ritmo da canção, tipo miserável, mas bastante comum nos bares e . na boemia da cidade. A
sonhavam com um lar, um marido, filhos e uma família. A cada manhã, voz, de um outro companheiro: Aristides Júnior de Oliveira,
porém, despertavam do sonho, sobre os lençóis manchados de pecados e o Moleque-diabo:
amarrotados dos hotéis pouco recomendados da Rua Conde Lage. Nas - Então, Manoel, vamos embora? A festa acabou ...
bolsas, alguns trocados a mais.
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- Moleque, não sei o que está acontecendo comigo. Difícil de razoável, o melhor bife com fritas da cidade. A conversa se tornara tão
explicar, foi tudo muito estranho. interessante que eles nem perceberam, bem próximo, um bêbado
- De que você está falando, Manoel? Eu não estou entendendo discutindo com a sombra, debaixo de um poste de iluminação a gás:
nada ... - Você tem de parar de me seguir ... o que você quer de mim ... A
- Vamos embora, Moleque. No caminho, eu lhe conto tudo. caminhada, porém, foi interrompida. Diante dos olhos de Manoel surge
Certo? novamente o rosto do homem de terno branco, cujas cenas da morte lhe
- Podemos dar uma paradinha no Capela. E ali comer qualquer foram antecipadas, ainda nas dependências do Bar dos Carmelitas. O
coisa ... músico estremece, pára, empalidece. Começa a suar frio, sua expressão é
- Está bem, Moleque. Vamos até lá. de pavor. Ao seu lado, Moleque-diabo quer saber o que está acontecendo,
mas Manoel não consegue falar. O homem baleado não geme mais nem
2 demonstra sentir dores. Sorri e fala, num tom debochado. Apenas Manoel
escuta:
Unhas polidas e anel de chuveiro, jaquetão de tropical inglês, num - Não queria saber meu nome, Manoel? Estou aqui para isso, dizer
tom cinza-claro, Aristides Júnior de Oliveira, o Moleque-diabo - apelido quem sou. Realmente você me conhece de alguns carnavais. Tenho
que ganhou· por suas qualidades de músico inigualável de qualquer dançado muito ao som de seu violão, pergunte ao amigo, o
instrumento de corda - logo se apressa. Acomoda com todo cuidado, num Moleque-diabo, a quem você escolheu para as confidências. Meu nome é
estojo de veludo preto, o bandolim importado, e acena para o Octávio José Pinto. Mas na Lapa, na roda da malandragem, ganhei um
companheiro: apelido: Meia-noite.
- Estou pronto Manoel, vamos? Segue-se uma forte gargalhada e o rosto de Meia-noite
Essa hora já não é difícil de se conseguir uma cadeira num desaparece. No ar paira a fragrância francesa do perfume predileto do
restaurante. E o Largo da Lapa, aparentemente intransitável, no início da malandro. No chão, reluzente, um monograma feito em ouro, com as
noite, aos poucos vai ficando deserto. Ao apagar das luzes, a Lapa, porém, iniciais do nome dele.
não é menos barulhenta nem menos alegre. O vozerio de sua gente ainda
pode ser ouvido à distância, vindo dos bares, dos cafés, das pensões de 3
mulheres e também dos cabarés.
Os dois músicos descem pelas calçadas estreitas e pecaminosas Bem próximo dali, um dos maiores amigos de Meia-noite, o
da Rua Moraes e Vale, na direção do mal-afamado Beco dos Carmelitas, Miguelzinho Camisa Preta - assim chamado por só usar camisa dessa
onde mora o poeta Manoel Bandeira. Protegidos pelas sombras das cor - encontrava-se em apuros. Valente, bom de briga, apesar de sua
paredes dos antigos sobrados, seguem para o Largo da Lapa, onde o baixa estatura - 1 ,64m de altura e 54 quilos de peso - ele está sendo
bonde faz a curva e fica o Capela, restaurante que serve, por preço retirado do interior do Cabaré Novo México, por uma mulher,

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Rosinha, uma ex-bailarina, muito ciumenta. E ela não faz por menos, Sob o pretexto de que "eu não quero você brigando na rua como um
castiga o companheiro com beliscões, xingamentos, puxões de orelha e vagabundo, sujando a roupa que eu lavo", Rosinha continuou castigando
empurrões. Dominado pelo coração, Miguelzinho não esboça a menor o companheiro. Ela pretendia a qualquer custo, tirar seu homem daquele
reação. Pelo contrário, cabisbaixo, apanha em silêncio. E enquanto o táxi lugar, afastá-lo da malandragem, da boemia, dos cabarés, das pensões
não vem, multiplicam-se os golpes. Rosinha está furiosa. das decaídas, o que ia conseguir anos depois.
Do outro lado da Avenida Mem de Sá, oito marinheiros divertem-se.
com a situação. Chegam a se contorcer em gargalhadas e gritam, vez por 4
outra, para a mulher:
- Bate mais, ele gosta ... bate mais, ele gosta ... - Eu vi o malandro morrendo, Moleque. Foram três tiros.
Miguelzinho continua calado. Aguarda um táxi. Quando o primeiro - Que malandro, Manoel... que loucura é essa? Você está
se aproxima, ele não perde tempo: lança à sua frente e trata de pará10. precisando de um médico, isso deve ser cansaço, procure dormir um
Embarca a mulher, sem perda de tempo, e fala ao motorista: pouco mais e se alimentar melhor ...
- O senhor pode manter o motor ligado. Vou ali e não demoro. De fato não - Moleque, eu sei do que estou falando. Não estou doente nem
perdeu muito tempo. Ágil como um gato, mestre na capoeira, senhor na tampouco delirando. O que vi não foi um sonho nem um pesadelo. Foi uma
malandragem, foi logo colocando as mãos no chão, derrubando os três visão, antecipando-me um acontecimento, daí a minha preocupação.
primeiros. Os outros três se assanharam, não acreditavam no que Gostaria de evitá-lo, mas não posso fazê-lo. Não gosto de derramamento
estavam vendo. Resultado: receberam igual tratamento. Solto no espaço, de sangue. Sou um músico, um homem de sensibilidade, portanto, avesso
mãos no chão, pernas girando no ar, como pás de moinho. Miguelzinho a qualquer tipo de violência, embora saiba que ela exista, principalmente
bate forte, massacrando os adversários. aqui na Lapa.
Ao final da briga, cinco deles estavam no chão, necessitando de Moleque-diabo não consegue esconder a curiosidade.
socorros médicos. Os três outros, após terem se certificado de que a briga Acompanha, com muita atenção, as palavras de Manoel:
era ruim, embarcaram no primeiro pé-de-vento, descendo a Avenida Mem - O Meia-noite vai morrer, não demora muito, Moleque. Quem vai
de Sá, rumo ao Passeio Público. O cantor Francisco Alves, o Chico Viola, matá-lo, eu não sei. Mas ele será assassinado. A visão que tive, e que
na porta da Leiteria Boi, ficou sem entender nada. E indagou do acabou me deixando neste estado, antecipavam-me as cenas do crime.
compositor Nilton Bastos, ao seu lado: Diante da afirmação do Manoel Jacintho Coelho, Moleque pára.
- Tem algum navio pegando fogo por aí? .. Descrente das revelações, procura convencê-lo de que elas não são
Miguelzinho durante a briga havia sujado um pouco da manga do verdadeiras, palpáveis. Teriam sido, no seu entendimento, uma
paletó bege, o que não acontecia quando brigava contra dois, três ou alucinação, como tantas outras ocorridas com diversas pessoas:
quatro adversários, por isso de volta ao táxi continuou apanhando.
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- Manoel, sai dessa. O Meia-noite eu conheço bem. Quando você
- Manoel, você pode até ficar aborrecido comigo, mas não acredito
acabar de contar essa história, ele vai rir na sua cara. O homem não
nessa história de crime. Não me venha com absurdos, coisas do outro
acredita em Deus nem no diabo, mas no "fogareiro" que leva sempre na
mundo. Não acredito em espiritismo, macumba, olho grande. Tenho por
cintura e que tem mandado muito valente dessa vida para outra.
hábito trabalhar, ao invés de rezar. Se fico por aí rezando, meu Deus,
agradecido pelas orações, não vai me dar o que comer. Ponho minha fé no
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trabalho. Aliás, o trabalho tem sido o meu Deus e também a minha
salvação. Com esse bandolim faço da música a minha oração. Depois, o
Meia-noite já abandonou essa vida de malandragem, de boemia. Está E era verdade. Branco, valente e bonito, Meia-noite havia se
morando com uma mulher, a Arminda, lá na Rua Assis Carneiro, na tornado, em pouco tempo, no maior matador que a Lapa conhecera.
Piedade. E levando uma vida tranqüila como chefe de família. Convicto da sua condição de malandro, mantinha a palavra, cumprindo
Regenerou-se mesmo, você acredita, Manoel? sempre aquilo que havia prometido. Era autêntico e possuía muita
- Acredito. Como também acredito naquilo que vi. Moleque-diabo sorri. Vai personalidade. Sabia respeitar os mais fracos, não mexia com mulheres
ser difícil demover daquela idéia e começava a se preocupar com o amigo: dos outros e só brigava quando era provocado.
- Será que Manoel vai continuar tendo essas alucinações? Indagou Tornou-se amado pelas decaídas, temido pelos policiais e
a si próprio, em silêncio. respeitado pelos boêmios.
No fundo, aquela história do assassinato de Meia-noite lhe Vestia-se muito bem.
impressionara bastante, mas havia decidido: ia manter os pés firmes e não Durante o dia não dispensava uma camisa de seda pura nem
daria o braço a torcer. Sabia que Manoel tinha uma tenda espírita, a Tenda tampouco um lenço no pescoço, a calça boquinha de panamá e o chinelo
Espírita Francisco de Assis, lá na Rua Lopes da Cruz, 89, no Méier, e "charlot". À noite, metia-se sempre num elegante terno claro, de
talvez por culpa do espiritismo, nem estivesse com o juízo perfeito. Por um preferência branco, os sapatos de bico fino e saltos carrapeta. Na cabeça,
momento, pensou mesmo que devia procurar o Meia-noite e lhe contar o chapéu de panamá.
toda a história, mas logo mudou de idéia, temendo parecer ridículo: Vivia do carteado: da ronda, do sete-e-meio e do montinho inglês,
- O Meia-noite não ia acreditar em nada disso e, por certo, até modalidades de jogo preferidas pela malandragem. Nas horas vagas
zombaria de mim ... realizava cobranças para os banqueiros de bicho Pascoal e Alberto,
Manoel ainda pediu a Moleque-diabo que fosse procurar Meia-noite, ambos do Mangue. À noite, protegia os cabarés, os cassinos, as pensões
alertá-lo para o perigo. Mas Moleque tratou de colocar um pé atrás: das mulheres da ação dos desordeiros e também dos maus pagadores,
multiplicando a receita.

20 Embora pertencesse a uma ótima família, Meia-noite ingressara


muito cedo na malandragem, influenciado por filmes policiais.

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Ainda não havia completado dezesseis anos e já freqüentava os piores - Como foi bom lhe encontrar, preciso muito falar com a Celeste. Há
antros do Catumbi, do Mangue, da Praça Onze e também da Lapa. Nas pouco a Margot perguntou por ela ...
suas costas pesavam a autoria de mais de quinze crimes de morte. Foi o bastante. Moleque fechou o rosto, demonstrou claramente o
O último deles, tivera como vítima um guarda civil e ocorrera no seu descontentamento. Não escondia: estava apaixonado por Celeste,
Largo da Lapa. Levado a julgamento, acabara absolvido. E, a partir daí, uma portuguesa rechonchuda, de pernas grossas, roliças e cabeludas. Ela
decidira abandonar, de uma vez por todas a malandragem. era dançarina do Avenida, mas ele a levara para casa e pensava
Montara um armarinho na Rua Laura de Araújo, no Mangue, e transformá-la em sua esposa.
passara a explorar com bons lucros, a venda de balas nos trens da Central Mas Bianca parecia disposta a provocá-lo, talvez por inveja da
do Brasil. Para muitos, estava regenerado, como acreditava o próprio amiga que conseguira um lar, uma família. Sorridente, insistiu:
Moleque-diabo. - Lembra da Bia, aquela que tinha casa lá na Joaquim Silva.
Ela também casou. Só que foi com um aviador americano. Um homem
6 alto, bonito, forte. Branco e de olhos azuis. Foi morar nos Estados Unidos
e tudo.
Durante o jantar no Capela, Manoel Jacintho Coelho ainda se Indignado, Moleque nada respondeu. Mas levantou-se da mesa.
mostrava inquieto, tenso e preocupado. E contava detalhes do crime que Colocou o chapéu na cabeça e despediu-se de Manoel:
iria ocorrer. Dessa forma buscava, decididamente, convencer o amigo a - Eu te procuro na repartição. Não vou ficar aqui aturando essa
levá-lo à casa de Meia-noite. Moleque-diabo, porém, mantinha-se mulher. Estou cansado, com sono. Melhor é ir dormir.
irredutível. Logo que Moleque partiu, Bianca levantou-se da mesa. Empurrou

Com a aproximação de Margot, uma francesa de meia idade, a cadeira, deu uma rabanada, desaprovando o comportamento de

simpática, fornida de corpo, tiveram de mudar de assunto. Dona de uma Moleque. E murmurou:
das melhores pensões de mulheres da Rua Joaquim Silva, a Imperial, - Só porque é músico pensa que tem o rei na barriga. Vai mesmo, o
Margot parecia uma verdadeira matrona e estava acompanhada de diabo que o carregue.
8ianca, mulher bonita, a quem os boêmios tratavam de LiIi das Jóias. Depois, foi juntar-se a Margot que ocupava outra mesa.

Seios pequenos e erguidos, cintura de vespa, dentes brancos e


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perfeitos, pele clara e aveludada, lábios grandes e carnudos, Bianca se
tornara famosa por levar muitos figurões à ruína.
Foi ela quem se adiantou, cumprimentando os músicos. A seguir, Sem perder a calma, Manoel Jacintho Coelho terminou de jantar.
virando-se para Moleque-diabo, disse: Depois, como se nada tivesse acontecido, chamou o garçom e pediu a
conta. Após o pagamento, levantou-se. Pegou o chapéu e o violão,
22 cumprimentou o repórter Carlos Lacerda, do Correio da

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Manhã - aquele que arrastaria, anos depois, Vargas ao suicídio e se As alucinações seriam em razão do espiritismo? E o Meia-noite, ia morrer
tornaria, ainda mais para o futuro, um hábil e eloqüente político, e também
mesmo?
governador. Finalmente, ganhou a rua.
Outro fato também o atormentava: o da Margot estar procurando
Caminhou um pouco, mas antes de embarcar para o Méier, onde Celeste:
morava, sentiu vontade de tomar um cafezinho. Foi até ó Indígena, ponto
- Tantas mulheres na vida e essa cafetina procurando logo a minha
de encontro dos comunistas e integralistas da época. Lá estavam
...
conversando animadamente, como pôde observar, alguns conhecidos:
Moleque-diabo gostaria de esquecer tudo aquilo e dormir um sono
Agildo Barata, Plínio Salgado, Santiago Dantas e o pintor Cândido
solto, livre de preocupações, mas não podia. Estava impressionado. Sabia
Portinari. Ainda de cabelo castanho escuro o jornalista e escritor Jorge
que na Lapa do dinheiro fácil, dos cassinos tolerados, da prostituição
Amado. Acenou, saudando a todos, tomou o café e foi embora.
consentida, das mulheres bonitas, dos malandros convictos, dos boêmios
Parecia refeito das sensações estranhas que havia sentido. E as
incorrigíveis, tudo podia acontecer. Acobertada pela escuridão das longas
imagens da tragédia já não lhe incomodavam mais. Estava leve e
noites alegres, a Lapa vivia engolindo muita gente, liquidando homens e
purificado, tranqüilo. O sono e o cansaço haviam desaparecido. Sentiu
massacrando mulheres, nas suas casas suspeitas, nos cabarés
vontade de ir andando, andando, olhando as pessoas, procurando
freqüentados, nos cassinos famosos.
ajudá-las. Sentiu-se um homem feliz, completo, realizado.
Mesmo assim decidiu ir para casa descansar. Às 11 horas estaria no 9
Palácio do Itamaraty, na Rua Larga de São Joaquim, hoje Avenida
Marechal Floriano, próximo a Central do Brasil. Voltaria à sua vidinha de
Os dias se passaram. Manoel Jacintho Coelho até já havia
funcionário do Ministério das Relações Exteriores. Ao pensar em relações
esquecido daquela história da morte de Meia-noite. O trabalho, a família, a
exteriores, sorriu. E disse:
Tenda Francisco de Assis, os necessitados e outros afazeres consumiam
- Tenho sido um homem de relações exteriores mesmo.
as suas horas. E, embora tivesse vontade, não dispunha de tempo para
saborear um bom vinho do porto, do Adriano Ramos Pinto, ou de deixar
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descer, garganta abaixo, uma deliciosa cerveja Cascatinha, bem gelada. O
violão encapado, estava em casa, guardado com todo o cuidado.
Ao contrário de Manoel, Moleque-diabo não ia conciliar o sono
Filho de músicos - Manoel, o pai, era maestro, e Rosa, a mãe, era
naquele fim de madrugada e início de manhã. Pensativo, rolaria na cama
professora de piano - Manoel herdara o talento dos dois, bem como o amor
de um lado para outro, tomado de angústia, tristeza e revolta. Apertando o
de ambos pela música. Sonhava em poder reunir, aquela ocasião,
travesseiro contra o rosto, indagaria a si próprio:
despreocupado, em sua casa, todos os seus amigos músicos,
- Por que essa história de crime? Manoel estaria doente?
semanalmente, numa espécie de recital.

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Por certo, lá estariam o maestro Luperce Miranda, o Jacob do Bandolim, o Quando concordou em participar daquela festa em sua homenagem, como
Ciro Monteiro, o Altamiro Carrilho, a Odete Amaral, o Luiz Americano, a despedida da vida boêmia, da malandragem das noites da Lapa, fez
pianista Carolina Cardoso de Menezes e também o Aristides Júnior de algumas restrições. Pediu que tudo fosse feito de forma discreta, sem
Oliveira, o Moleque-diabo. alaridos, algazarras ou desordem. Na verdade, pretendia rever os amigos,
Bastou pensar nele e o homem apareceu. abraçá-los, apertar a mão de todos e se despedir pessoalmente de cada
Manoel deixava o vestíbulo da biblioteca, no andar térreo do um. Seria bonito, comovente e sincero. Havia iniciado uma nova vida, mais
Palácio do Itamaraty, onde trabalhava, quando avistou Moleque-diabo tranqüila, menos arriscada, dedica da à mulher, voltada ao lar e à família.
caminhando apressado, contornando o lago e buscando alcançar a Para ele a vida boêmia não fazia mais sentido.
varanda para procurá-lo. Estava nervoso, apavorado, podia-se notar, à Todos concordaram. Mas Falúa, um sargento naval, de quem era
distância, através de sua fisionomia abatida. concorrente no negócio de venda de balas nos trens, ali estava quebrando
Ao contrário das vezes anteriores, não trazia consigo o bandolim, o acordo, ignorando suas ponderações. E botava a boca no mundo,
mas um jornal. Ao encontrá-lo, não chegou a cumprimentá-lo. Foi logo anunciando sua chegada:
dizendo: - O Meia-noite está presente, viva o Meia-noite ...
- Veja a desgraça, Manoel. Veja, veja, veja ... Não perdeu tempo. Aborrecido, caminhou em direção ao homem e
Sem entender ao certo do que falava Moleque, Manoel pegou tratou de repreendê-lo. E decidiu: não ia ficar ali nem participaria de festa
o jornal. E ali estava a notícia: nenhuma. Mas, ao atravessar o salão, rumo às escadas, ouviu os tiros.
"MORREU MEIA-NOITE" Fôra alvejado, estava ferido. Três tiros o atingiram: na barriga, no peito e
E mais: no braço esquerdo. Um outro tiro, acabou atingindo o comerciário Ângelo
"TRÊS TIROS COLOCARAM FIM NA VIDA E NA CARREIRA DE Millozi que ali se divertia e nada tinha com a confusão.
CRIMES DO MAIS VALENTE MALANDRO QUE A LAPA CONHECEU." Meia-noite nem chegara a vislumbrar o homem que empunhava o
revólver, baleando-o. E muito menos identificá-lo. Sabia apenas que ele
10 estava misturado a um grupo de outros homens,. entre a chapelaria e o
corredor de acesso ao quarto usado pelas bailarinas para a troca de
- O Meia-noite está presente!. .. Viva o Meia-noite ... roupas.
Assim que entrou no Cabaré Brasil Dourado, na parte superior do Quisera se defender, revidar a agressão. Vida inteira fôra assim.
sobrado n° 10, da Rua da Lapa, naquele final de madrugada, recebera Não provocava ninguém, mas se provocado, revidava com o dobro da
estrondosa saudação. Após os ''viva Meia-noite" seguiram-se as palmas, violência. Mas àquela altura era impossível, sangrava muito e sentia fortes
fato que acabou por surpreendê-lo e contrariá-la. Aquilo não havia sido dores.
combinado, não estava em seus planos, muito menos a seu gosto.
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26
Grande confusão verificou-se no cabaré. Clientes e empregados, Ao inteirar-se das circunstâncias das mortes de Meia-noite e
homens e mulheres, alheios ao que acontecia, apavorados com os tiros, Arminda, Manoel Jacintho Coelho ficou arrepiado. Um forte vento
tratavam de correr, rumo à escada, tentando alcançar a rua. Era pânico, a soprou-lhe as costas. E novamente seus ouvidos foram invadidos pelo
desgraça. Muitos conseguiram, outros não. Acabaram pisoteados e zumbido irritante do rádio mal sintonizado. Quis evitar a sensação de
feridos. antes, mas fôra impossível. Antes de perder de todo a consciência, ainda
Meia-noite conseguiu encontrar forças para descer também. pôde ouvir aquele samba de Ismael, o mesmo que tocava aquela noite, no
Na rua, sentou-se no meio-fio e ali aguardou, em silêncio, a chegada do Bar dos Carmelitas:
táxi para o pronto-socorro. Se você jurar/ Que me tem amor/ Eu posso me regenerar/ Mas
Na calçada, o sangue escorrendo. Lembrou de Arminda Mattos, a mulher, se é pra fingir mulher/ A orgia assim não vou deixar.
a quem deixara em casa, na Piedade, e murmurou baixinho: - Doce
Arminda. Tive de brigar com ela para poder vir cavar a minha própria 11
sepultura.
Arminda não queria que Meia-noite voltasse à Lapa, mas, diante Olhos entumecidos, esbugalhados, de lágrimas e de sono, Aristides
da imposição dela, ele pensou: Júnior de Oliveira, o Moleque-diabo, lamenta:
- Um malandro não deve deixar se dominar, mesmo estando _ Manoel, eu devia ter ouvido o conselho. A tragédia bem que podia
regenerado. ter sido evitada. Agora, resta-me velar o corpo do companheiro na Capela
Brigou com ela. E agora estava ali, a caminho do hospital, baleado, à beira Frei Fabiano de Cristo, ali na Praça da República. E acompanhá-lo,
da morte. Apostara alto e perdera a última cartada. Aliás, essa seria a sua amanhã, à última morada, no Cemitério de São Francisco Xavier, no Caju.
última frase, dita ao médico que ia operá-la - Eu perdi· a última cartada, Manoel parecia-lhe alheio, desligado, num outro mundo, desatento
doutor. ao desabafo de Moleque. Este, sem saber o que estava acontecendo,
O que Meia-noite não viu nem chegou a saber, foi que Arminda, achando tudo muito estranho, tratou de sacudi-lo:
sua adorada mulher, morreu com ele. Os dois agonizantes, estendidos - Manoel, Manoel, você está dormindo?
sobre as macas, ainda se cruzaram nos silenciosos corredores do _ Não, Moleque. Tentando salvá-la. Abre o olho, você também
hospital, por onde passa um pedaço de dor e sofrimento de toda a cidade. terá urna morte violenta.
Inconformada com a briga que tivera com o companheiro, Arminda
chegou à conclusão de que Meia-noite não ia abandonar a boemia nem UM ANO DEPOIS, DIVULGAVAM AOS JORNAIS
tampouco a malandragem. Diante desta certeza, preferiu o suicídio,
tomando veneno. Socorrida foi levada também para o pronto-socorro, "Inconformado por ter sido abandonado pela companheira, a
onde ambos encontraram a morte no mesmo horário. bailarina Celeste Maria, por quem estava perdidamente apaixonado,

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28
o conhecido músico Aristides Júnior de Oliveira, o Moleque--diabo,
acabou se suicidando. Ontem de manhã, após ingerir pesada dose de
formicida, ele pulou do 30 andar do Prédio dos Correios, na Rua 10 de1.
2.
Março, no Centro, onde trabalhava."

30 31
II parte
UMA PEDRA NO CAMINHO

I niciada em São Paulo, com o apoio da oligarquia da burguesia do


café, a revolução de 1932 não alcançou seus verdadeiros objetivos: o fim
do Governo Provisório e o afastamento de Getúlio Vargas da chefia
daquele governo. Muito pelo contrário, a vitória militar sobre os rebeldes
acabou garantindo a Vargas enorme prestígio, o desejado poder e
também grande influência sobre a Assembléia Constituinte que iria se
instalar em novembro do ano seguinte.
Vitorioso, cheio de caprichos e marcas pessoais, Vargas tornou-se
inabalável às críticas de seus adversários políticos, embora acusado de
caudilho, maquiavélico e oportunista. Pulsos fortes e passos medidos,
decidiu ir em frente, tresandando a água de colônia inglesa e dando
continuidade a sua festejada e irreversível trajetória.
Sem dúvida, havia conquistado invejável posição: a do mais
importante político brasileiro, uma espécie de símbolo da emancipação
nacional. Aquele que ia criar, num futuro próximo, um Brasil forte, unido,
altaneiro, novo e soberano, edificado sobre os alicerces e pilares de um
trabalhismo que começava a florescer.

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Mas, por trás daquela figura risonha, sempre impecavelmente vestida, todos vai começar a enfraquecer. Portanto, prepare-se. Com a mudança
de fase, você vai iniciar a construção de um mundo novo, um Mundo
do azul fio de fumo de seu charuto sem i-aceso, pairava no ar uma
Racional, real e verdadeiro. Anote, Manoel: até 1935, a natureza será
inevitável e permanente ameaça: a de uma ditadura cruel, caprichosa, governada pelas energias elétricas e magnéticas. Depois, não. A
mas sombria como todas as outras ditaduras .. natureza vai mudar, passando a ser governada pela Energia Racional,
Ao pensar nisto, Manoel Jacintho Coelho ficava totalmente pelo raciocínio.
arrepiado, preocupado, pensativo. Morna, forte, grave, a voz masculina vai rasgando o Universo,
O futuro histórico, o rumo político do País e o destino do povo advertindo e orientando:
brasileiro parecia desfilar diante de seus olhos, através de cenas - Estamos em 1933, Manoel. Faltam apenas dois anos. Tenha
coloridas com todos os matizes da vida. Os fatos e suas evoluções lhe paciência. Em muito breve você vai conhecer o caminho do
eram quase sempre antecipados. Para isto, bastava apenas que desenvolvimento do raciocínio e terá de ensiná-lo, através de um Livro, a
fechasse os olhos e pronto: estava tudo ali, exatamente como ia toda a humanidade. Lembre-se: você não pertence a esse mundo. Vestiu
acontecer, numa tela de cinema, imensa e natural. a carcaça de bicho para cumprir dignificante e salvadora missão: a da
Muitas vezes ficou amedrontado e teve vontade de fugir. Outras, Racionalização dos povos. Quando chegar o grande momento tudo vai
não. Sua curiosidade se tornara maior do que o medo que inicialmente ficar bem claro e luminoso. Deixe de lado a preocupação, fique calmo.
lhe assustava tanto. Com o passar do tempo, a coisa havia se Procure viver normalmente como um habitante da Terra. Estou falando de
modificado. Agora, tomado de coragem cívica, estava disposto se inteirar seu mundo, procurando orientá-lo, de modo você possa percorrer com
definitivamente de tudo que ia acontecer. Se o inesperado lhe muita rapidez, o caminho que lhe foi destinado.
surpreendia, o espetáculo lhe agradava. Esperança e mistério no olhar.
O zumbido da comunicação e contato do outro mundo em sintonia Manoel Jacintho Coelho contempla o espaço, rosto molhado de
passou a se transformar numa enorme e cintilante cascata de luz. Uma suor, braços abertos, numa demonstração de ternura, bondade e
luz que variava de cor, tonalidade, tamanho e intensidade. Quase dedicação. No cálice do saber, as lições de um Universo mágico:
sempre começava prateada, de um brilho profundo, encantador. Depois - O Livro que você vai escrever, Manoel, será definitivo. Vai
dava lugar ao azul. Inicialmente o claro, a seguir o escuro, vivo, forte, mostrar o princípio e o fim do mundo, o caminho da luz e da eternidade, a
misterioso. Do azul-real passava ao azul-turqueza e outros tons estrada da salvação. Revelará conhecimentos para que todos possam
azulados. A seguir aparecia o amarelo, também variável, até o dourado. voltar ao seu mundo de origem: a Planície Racional. O Livro será a
Depois o verde-alface, o verde-bandeira, o verde-oliva, o verde-escuro. verdadeira luz do animal Racional, a energia que vai impulsioná-lo para o
No crepitar do vermelho, o espanto, o grito e o clarão: conhecimento. Portanto, não se esqueça, Manoel: as revelações contidas
- Manoel, a fase do pensamento está para terminar. Encerrada a neste Livro jamais poderão ser usadas para
fase do pensamento, a natureza vai deixar de alimentar o pensamento
dos pensadores. E por falta do alimento natural, o pensamento de
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34
o comércio e a exploração. Deverão ser usadas para a salvação de todos Mangabeira, Artur Ribeiro, Assis Brasil, Temístocles Cavalcanti, Prudente
e também para proporcionar aos Racionais a volta ao seu mundo de de Moraes Filho, Carlos Maximiliano Pereira dos Santos, Agenor de
origem, para indicá-los o caminho da redenção e da vida eterna. Reune, Francisco José de Oliveira e o General Góis Monteiro.
Trabalhavam empurrados por um desejo: o da realização de uma
13 profunda mudança na vida nacional.
Cauteloso, mas pragmático, Vargas acompanhava de perto os
Endereço chique da nobreza e também palco de grandes e trabalhos da Comissão da Constituição e a feitura do anteprojeto. Sua
inesquecíveis festas durante o Segundo Império, o Palácio do Itamaraty, permanência no governo dependeria dos constituintes e ele sabia disto.
sede dos três primeiros Governos Republicanos, passou a abrigar, por Daí a importância de sua permanência, da sua assiduidade, da sua
determinação do Governo Provisório, a comissão encarregada da habilidade política.
I
elaboração do anteprojeto da Nova Constituição. Como funcionário do Discreto, apesar do sorriso, Vargas procurava não se abrir, nem se
Ministério das Relações Exteriores, instalado naquele palácio, Manoel expor. Jogava, às vezes, hesitante, noutras, conivente.
passou a acompanhar o trabalho dos comissionários e também a ajudá- Solitário e obstinado na sua desmedida ambição política não
los. Logo tornou-se amigo do Ministro Afrânio de Meio Franco, nomeado recuava um milímetro sequer. Sem receio ou remorso, não poupava nem
Presidente da Comissão da Constituição. E como amizade implica, muitas a amizade de seus seguidores mais fiéis, transformando-os em
vezes, em pedidos e solicitações, Manoel não tinha mais hora para mamulengos de suas inconfessáveis intenções e peças azeitadas de
chegar e sair do trabalho, servindo ao amigo. suas engendradas manobras políticas.
Como todo brasileiro, alimentava um sonho: o da
reconstitucionalização do País. 14
Nos longos corredores de pisos trabalhados em mármores e nos
amplos salões de sancas douradas do Palácio do Itamaraty, o movimento Transpondo todos os obstáculos possíveis e buscando soluções
tornou-se intenso com o passar dos dias, após a instalação da Comissão. simples e desejadas para os problemas de sua vida, Manoel Jacintho
Além do Ministro Afrânio das Relações Exteriores, dois outros Ministros Coelho traçara o seu próprio caminho. Dono de um idealismo contagioso,
passaram a trabalhar ali: Oswaldo Aranha, da Fazenda (antes fôra da discreto e obstinado, logo tratou de alargar os seus passos, aproveitando
Justiça), e José Américo de Oliveira, da Viação e Obras Públicas. o máximo de sua vitalidade:
Além deles, faziam parte da Comissão outros políticos famosos, - O trabalho dignifica o homem - repetia, quase sempre, sem
intelectuais e juristas. Nomeados por Vargas, lá estavam João despregar os olhos daquilo que estivesse fazendo.
Sempre preso a objetivos elevados e com enorme capacidade de
realização tornou-se estimado por seus colegas de trabalho, os quais
não lhe poupavam elogios:

36 37
1.
II1

II
- Ah!... Seu Manoel... ele executa as tarefas com o máximo de Buscava a paz, o sossego e a luz. Gostaria de p"er se deitar
rigor, empenho e dedicação. E também se adapta, com a maior numa rede, esquecido, embalado pela suave brisa da tarde e
facilidade, a qualquer tipo de trabalho. Parece mesmo ter nascido acompanhar despreocupado, a queda indecisa da luminosidade do
para servir. Aceita, com muita naturalidade, aquilo que os crepúsculo. De ficar longe da cidade, da boemia inconseqüente,
sentimentos ditam, principalmente as intuições, ou melhor, o sentimental e nostálgica.
raciocínio. O excesso de trabalho, sabia, oprimira o cavaquinho, deixando
Senhor de uma vida muito rica em acontecimentos singulares e seu velho violão surdo, mudo e amargurado.
também inesperados, Manoel não tinha mais preocupações nem se Mas naquela tarde morna de abril seria diferente. A Comissão
I

importava com os riscos. Recebia e assimilava os conselhos, as da Constituinte suspendera o trabalho mais cedo, permitindo-lhe um
lições e as normas que lhe eram ditadas através do Universo, pouco mais de tempo para o descanso.
procurando adaptá-las a sua própria vida. Ao deixar o Palácio do Itamaraty, as cigarras ainda cantavam
Indiferente aos preconceitos de época, convivia, sem receio, nos oitizeiros na Rua Larga de São Joaquim e um vento moleque

com pessoas das mais diferentes camadas sociais. Da mesma forma varria a rua em toda a sua extensão. Na calçada, parou um pouco.
que impunha sua presença entre Ministros, com sugestões Abriu o paletó e passou o lenço no rosto. Pensou em dar uma
inteligentes, fazia sua ausência se tornar sentida entre os boêmios da chegadinha ao Café Paraíso, tomar um copo de água bem gelada e
cidade: também um café. Depois, bem. Depois seguiria até a Avenida Central
- Você sabe onde tem andado o Manoel, aquele do violão de (hoje Rio Branco), rumo à praia.
sete cordas? O homem desapareceu, evaporou. Há mais de três Estava ansioso de mar, de um mar cheio de lirismo e energias,
semanas que não aparece por aqui, o pessoal tem reclamado muito a de grandes ondas barulhentas, quebrando sobre as pedras e
falta dele. Você tem notícias do Manoel, João da Baiana? esparramando-se em espumas. Um mar misterioso, soluçando,
-' Não, Donga. Eu não tenho notícias do Manoel. Há bastante crescendo, bramindo de solução.
tempo que não cruzo com ele. O homem ultimamente não tem Deixou-se seduzir pelo cheiro do mar, cada vez mais forte.
aparecido aqui na Lapa nem tampouco visitado a Tia Ciata, como Ouviu o barulho de pés rangendo na areia e sentiu o calor de um sol
fazia sempre. abrindo às suas costas, naquele céu de final de tarde e início de
Na verdade, Manoel Jacintho Coelho andava muito atarefado. noite.
Deixava o trabalho tarde, faminto, cansado, pensando apenas num Desejou ser o mar. Imprevisível. Incapaz de ficar parado.
banho e descanso. Como um estranho príncipe dos aflitos dedicava o
pouco tempo que tinha atendendo aos necessitados na Tenda 15
Espírita Francisco de Assis, na Rua Lopes da Cruz, 89, no Méier.
Filho de músicos, Manoel fôra recebido, gerado e crescido ao
som das valsas, das polcas, das mazurcas e modinhas.

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Nascera no dia 30 de dezembro de 1903, na Rua Barão do Iguatemi, . na Sua voz negra e pungente atravessaria o vento, anunciando que o
Cidade Nova, nas proximidades da Rua do Matoso e da Praça da menino que acabara de nascer trazia uma mensagem do Universo e era
Bandeira. o símbolo da união das raças, porque preto e branco são iguais.
Noite de verão, céu aberto e estrelado. No ar pairava um vago sentimento de benção.
Durante o parto, sua mãe, a professora de piano Rosa Santos, fôra No céu, um espetáculo de luz.
assistida por uma vizinha, dona Maria Amélia, a negra Amélia Baiana, Um meteorito em forma de estrela descera sobre a Terra, indo cair
filha de escrava, beneficiada pela Lei do Ventre Livre, cuja preocupação, bem em frente à casa do menino que nascera. A noite quente de
agora, era ajudar aos outros a nascer. surpresa e curiosidade logo arrastaria uma multidão ao local.
Logo que sentiu as primeiras dores, dona Rosa mandou chamá-la. O prefeito, a mulata e o general.
Predisposta à caridade, sorriso largo, Amélia Baiana não demorou, Lá estavam todos. Alfaiates, marceneiros, macumbeiros,
tratando de atendê-la. funcionários públicos, sapateiros, jornalistas, advogados, políticos,
Além da arte de forno e fogão, aquela mulher, como poucas chacareiros, pedreiros, engraxates, doceiras, lavadeiras, malandros,
pessoas, dominava os segredos da vida. comerciantes e costureiras - iam apressados, rumo à Praça da Bandeira,
Sua presença acalmou dona Rosa. cobrindo com seus passos o calçamento das ruas e o desenho das
Mangas de camisa, gravata borboleta, o maestro Manoel, o pai, calçadas.
procurava ajudá-la, embora inquieto e nervoso. O maestro Manoel estava feliz. Após esvaziar uma caneca de
- Traga um pano limpo. Pegue água e coloque pra fervê, vamo vinho, acendeu um charuto e chegou à janela. Queria contemplar a noite
precisá - pedia Amélia. e agradecer ao céu, quando alguém lhe perguntou:
O menino Manoel não demorou a nascer, o parto fôra normal. - Então, Maestro. Nasceu mais um Silva em sua casa?
Ao ampará-lo, Amélia Baiana sorriu de felicidade. Beiços largos, testa - Silva, não. Nasceu outro Manoel, amigo.
suada, mão negra segurando o menino pelas pernas, ela berrou, num Manoel Jacintho Coelho.
misto de contentamento e esperança: Atento à conversa, um repórter magro, alto, cabelos negros,
- É homê, é homê, Rosa ... vai lutá pelus homês. Ele trás um glostorados, murmurou baixinho:
canto de amô, de paz, de concórdia e de liberdade ... - Silva ou Coelho que diferença faz. Na verdade somos todos
Dona Rosa não disse nada, apenas fechou os olhos, deixando-se fulanos de tal, enganados pelos políticos, explorados pelos patrões e
levar pelos acordes de uma doce e suave melodia que lhe chegara aos humilhados pelas esquinas.
ouvidos. Emocionada, Amélia Baiana começou a chorar, boca aberta, Vestido comprido e rodado, com aplicações de viés e rendas, laço
garganta vermelha de tanto gritar verdades. de fita no cabelo, a menina Leonor Nunes dos Santos acompanhara todo
Seu choro rasgaria a calma. o espetáculo com interesse e deslumbramento.
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Na inocência de seus nove aninhos, ela achava tudo muito bonito e O maestro Manoel não conseguira entender exatamente o que
iluminado, "um dia de festa, com aquela gente toda". Amélia Baiana pretendia dizer, mas pressentira que o filho viera ao
Tempo distante, de lembranças e de saudades. mundo predestinado a uma missão. E aquela mulher sabia de tudo. Era
Naquele dia, muita coisa a menina Leonor ficou sem entender. um testemunho vivo, palpitante da anunciação de um novo tempo.
Hoje, quase centenária, cabelos brancos servindo de moldura ao rosto Diante desta certeza, olhara para o céu e pedira ao Verdadeiro
bonito, ela vai repetindo para os netos o seu conto de príncipe. DEUS:
Na voz cansada, o sublime, o belo, o terno e o saudoso: Pai, que o sacrifício de meu filho tenha uma finalidade.
_ Naquela noite, uma estrela desceu do céu. Era uma estrela
grande e azul. Veio descendo, descendo, descendo ... e deixando, por 16
onde passava, um brilhante rastro de luz. Os sinos tocaram e as pessoas
saíram de suas casas, indo para a rua. Estavam emocionadas e felizes.
Durante a noite anterior não conciliara o sono. As VI soes
Homens e mulheres, jovens e velhos, pobres e ricos, adultos e crianças se
acabaram por deixá-lo preocupado. Agora, de volta ao trabalho, Manoel
abraçavam. Era um novo tempo de amor, de confraternização, de amizade
não conseguia esconder a inquietação.
e respeito, um dia de festa. Afinal, um menino que viera de muito longe e
Na tentativa de fugir à curiosidade dos colegas de repartição,
acabara de nascer.
atravessou apressadamente a galeria onde ficam expostos os bustos dos
_ Quem? ... Indaga com interesse um dos netos e dona Leonor diplomatas, alcançando o jardim.
responde comovida: No espelho d'água do imenso lago, ladeado por palmeiras, Manoel
- O Cavaleiro da Concórdia. examinou o rosto cansado, os olhos vermelhos. Sentiu vontade de ir
A negra Amélia Baiana tinha razão. Manoel viera ao mundo na cor embora para casa, de descansar um pouco. Mas acabou desistindo da
de bronze unindo as raças. E ali estava para lutar pela Redenção do idéia. Sabia que tinha muito a fazer, naquele dia, no Palácio do Itamaraty.
homem, pela liberdade definitiva, para devolvê-Io ao seu estado natural. Ao pensar nisto, sentou-se na grama. E procurou relembrar a
Suor negro a inundar a Terra, aquela mulher com seu enorme infância, buscando apagar aquelas imagens que tanto lhe atormentavam.
poder de percepção, entre o soluço e a lágrima, sentira o poder da energia Como tinha saudades do tempo de menino, da vida colorida a
que emanara daquele pequenino corpo, tanto que balbuciara:
lápis de cor.
- Com a chegada de Manué começa um novo tempo.
Nos quintais da infância, no esquecido chão de circo, não havia
Depois dele, não vai havê mais lugá prôs miserávis donos da vida,
lugar para as preocupações, embora fatos estranhos já pontilhassem
porque todo mundo vai sabê de onde vem, pra onde vai. seus caminhos, provocando medo e inesperadas reações.
42 43
Sorriu ao imaginá-la correndo, descalço, sem camisa, pelas - Dona Joana, o Manoel é um menino que guarda tudo aquilo
ruas da Cidade Nova, disputando espaço com outras crianças. E os que ouve e assimila os fatos com enorme facilidade. O que ele sabe
olhos de Amélia Baiana a acompanhá-lo e protegê-lo, cercando-o de de política, aprendeu, estou certa, ouvindo as conversas lá em casa.
todos os cuidados. Naquele tempo, como agora, amava os pássaros, Se a mentira livrou Manoel da indiscrição das pessoas não foi
os bichos. suficiente para tranqüilizar dona Rosa. Ela voltou para casa muito
Depois mudou-se. Foi para a Rua Alice, no Rocha. Matriculado na preocupada, aflita, impressionada.
Escola Modelo, na Rua Ana Neri, no Riachuelo, logo a professora Era inacreditável tudo aquilo que ela ouvira sobre Manoel. À
constatou: o aluno Manoel já sabe ler, escrever e contar. E mais: noite, logo após o jantar, ela contou ao marido o que estava
sabe tudo que lhe for perguntado. História, ciência, português, acontecendo.
matemática, geografia, astronomia e mais: até política, uma loucura. O maestro tratou de acalmá-la:
Tudo isso sem ter freqüentado o colégio anteriormente. - Rosa, o Manoel é um menino prodígio. Eu diria mais: um
Ao lembrar de dona Joana, a professora, sorriu. Após conhecê- menino predestinado. Veio ao mundo para cumprir uma missão. Você
lo, ela piorou ... não deve se surpreender nem tampouco ficar preocupada. Encare
Intrigada, confusa, desnorteada, ela vivia a perguntá- tudo, meu amor, com naturalidade e paciência. Seja compreensiva e
lo: - Manoel, você consegue ler minha cabeça? dedicada, afinal, fomos os escolhidos. Não sei por que razão, mas
- Olha, eu ia lhe fazer essa pergunta, mas você me respondeu fomos os escolhidos.
antes mesmo de ter sido perguntado, como foi isso? O maestro Manoel abraçou a mulher. Depois relembrou o
O menino Manoel desconhecia os seus poderes e acabava nascimento do filho, aquele meteorito em forma de estrela e também
complicando ainda mais a cabeça da professora, a coitada já andava as palavras de Amélia Baiana, aparentemente sem sentido, mas
falando sozinha. verdadeiras e profundas.
Um dia porém, dona Joana resolveu colocar tudo em pratos
limpos. Não se conteve e mandou chamar dona Rosa na escola. 17
Queria, porque queria, uma explicação para o fenômeno. Para
proteger o filho, a mãe de Manoel escondeu a verdade. Mentiu sem o As lágrimas da saudade umedeciam os olhos de Manoel
menor receio: quando a voz, vinda do Universo, tratou de chamá-lo à razão e
- Tudo o que ele sabe, aprendeu comigo lá em casa. O passou a orientá-lo:
Manoel é um menino muito inteligente. Não tive a menor dificuldade - Vamos, Manoel, está chegando a hora. O Presidente Getúlio
para alfabetizá-lo. Vargas já está a caminho. E você precisa orientá-lo. Não fique tenso
- Mas, ele está atualizado até em política. A senhora não acha nem preocupado. Vou estar ao seu lado e irei conduzi-Ia.
que é demais para um menino de dez anos? 45
44
Repita exatamente aquilo que vou lhe falar. Através de minhas E o mais curioso é que eles preservam até a índole felina: ode amar a
palavras, você vai entender exatamente as visões da noite passada. casa onde são moradores, no caso um palácio, o Palácio do Governo.
Na tentativa de evitá-las, a comunicação acabou sendo dificultada. Sorriu. Depois esfregou as mãos. Estava mais tranqüilo. Havia
Vamos, Manoel. Temos uma mensagem muito importante para o dado o primeiro passo.
Presidente que vem chegando. Livre da preocupação e esbanjando energias, voltou à mesa de
Uma força estranha tratou de empurrá-lo. No caminho ajeitou o trabalho na repartição. Aguardaria ali, com ansiedade, o reencontro
paletó, a gravata, passou o pente no cabelo. Tirou o lenço do bolso e com Vargas. Mas logo que se acomodou na cadeira, aconteceu o
enxugou o rosto. Muito não demorou, Getúlio Vargas chegou ao inesperado. Diante de seus olhos apareceu novamente a Luz da
Palácio do Itamaraty, acompanhado de uma imensa comitiva. Anunciação. E a voz morna e grave se fez ouvir:
Sorridente, comunicativo, cumprimentou a todos, indo apertar a mão - Manoel, vamos entrar na Fase Racional, a última fase da vida
de um por um. Depois, adiantou-se, seguindo em direção ao gabinete na matéria. Nesta fase, vai surgir urna nova cultura, a Cultura
do Ministro Afrânio de Meio Franco, onde iria receber e examinar o Racional. Através desta nova cultura, todos vão poder adquirir
anteprojeto da Nova Constituição. orientações para se manter em equilíbrio. Você será o divulgador
Foi nesse momento que Manoel interceptou-lhe os passos: desta cultura. E quem quiser adquiri-Ia não vai precisar sair de casa,
- Presidente, Presidente ... preciso falar com Vossa Excelência. ir a igrejas, templos ou terreiros. A Cultura Racional é um,
Trago-lhe importantes revelações. conhecimento natural, Manoel. Não é ciência da imaginação, você vai
Getúlio parou. Examinou cuidadosamente as palavras de ver.
Manoel. Sabia ser ele funcionário público e que trabalhava ali no Manoel fechou os olhos e começou a prestar atenção nas
Itamaraty. Após olhá-lo nos olhos, respondeu: palavras que chegavam aos seus ouvidos. A intensidade dá luz foi
- Terei enorme prazer de conversar com o senhor. Mas, devido aumentando, os focos se multiplicando, profundos e cintilantes:
ao compromisso que tenho agora com o Ministro Afrânio não vou - O homem vai saber, através da Cultura Racional, todos os
poder atendê-lo imediatamente. O senhor vai ter de aguardar um segredos da vida. Quem ele é, de onde ele vem, como ele vem e o
pouco. Assim que a reunião terminar, pedirei para chamá-la. que ele está fazendo nesta vida. E ainda para onde vai, como vai e
- Vou aguardá-lo, Presidente. por que vai. De forma lógica, simples e clara, com provas e
Vargas foi em frente, levando o cortejo de puxa-sacos. comprovações, os mistérios da natureza serão desvendados. Os
Olhos na comitiva, Manoel observou. conceitos filosóficos, de vida e de religião, então, rolarão por terra
Nenhum governante, por mais habilidoso que seja, vai completamente ultrapassados.
conseguir se livrar da sina de aturar os puxa-sacos. Retóricos, eles Manoel Jacintho Coelho apóia os cotovelos na mesa, cobre os
ronronam como gatos de madame os pés daqueles que ocupam o olhos com as mãos, ouvindo, compenetrado: 47
poder. São verdadeiros angorás da política do apadrinhamento, do
privilégio. 46
- Você vai conhecer o RACIONAL SUPERIOR e representá-lo na Vargas tratou de intensificar um programa de ajuda ao setor
Terra. Terá de ensinar aos homens, mulheres e crianças que a vida é um cafeeiro e assumiu plenamente, através de seu governo, a direção dos
rosário de contas e que todos os habitantes da Terra são encantados. negócios naquele setor.
Vai mostrar-lhes o caminho da Imunização Racional, da verdade e da Com argúcia, colocou em prática um plano de reformulação do
razão. sistema de pagamento da dívida externa, calculada, na época, em 250
Manoel, então, indaga: milhões de libras.
- Por que a Cultura Racional não veio há mais tempo? Todo o saldo da balança comercial brasileira passou a ser usado
- Ora, Manoel. O espanto nem sempre surge com a para o pagamento da dívida, medida que provocou a redução dos juros e
descoberta de um fato novo. Nem tampouco através de um deu ao governo absoluta credibilidade no exterior.
acontecimento inesperado. O espanto às vezes dorme, anos e anos, na Estava satisfeito com a política econômica desenvolvida por seu
cama do cotidiano e da rotina. E desperta à-toa, quando alguém faz governo. A política social, porém, era motivo de imensa preocupação.
estremecer o dorminhoco. Sabia da necessidade de um estreitamento de relações entre patrões e
Manoel voltou a sorrir, diante da brincadeira. Mas a voz, empregados, através do campo sindical. Caso contrário não ia encontrar
ganhando tom de seriedade, sentenciou: meios para anular a forte influência anarquista e conter a influência
- Tudo tem seu tempo, Manoel, aprenda. E o tempo vai chegar. comunista que começava a se agigantar.
Árvore nenhuma dá fruto antes do tempo. Portanto, seja paciente. Quando Manoel entrou no Salão Nobre, Vargas dizia ao Ministro
A mensagem transcendental, a comunicação de Manoel com o Afrânio:
outro mundo acaba sendo interrompida com a chegada de um homem - Inimigos, Afrânio ... não sei se os tenho. Se os tiver, não serão
moreno, pouco mais de 40 anos, bigode aparado: jamais tão inimigos hoje que não possam vir a ser amigos amanhã.
- Rápido, rápido, rápido Seu Manoel. O Presidente mandou Capricho e ambição marcavam aquele homem, além daquele
chamá-lo. Ele está esperando pelo senhor no Salão Nobre. charuto, daquela barriga, daquele sorriso.
- Entre, por favor, esteja à vontade. O Brasil também lhe
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pertence - disse Vargas ao avistar Manoel.
Já de saída, o Ministro Afrânio despediu-se e foi embora.
A economia brasileira começava finalmente a se recuperar. O Carregando no sotaque gaúcho, Vargas falou:
algodão havia surgido no mercado como o segundo grande produto de - A partir deste momento, estou à sua disposição, pronto para ouvi-
exportação, amenizando, em parte, a crise do café. Ia.
A elevação da produtividade industrial também fôra surpreendente Manoel, então, passou a explicar:
e o País reiniciava, de forma irreversível, sua marcha para o crescimento. - Tenho uma tenda espírita lá no Méier, uma pequena casa de
48 caridade ...
49
- Entendo, entendo. O senhor deseja ajuda. Ora, o Presidente vai - Necessita de um Ministério do Trabalho, da promulgação da Lei
ajudá-lo!. .. da Sindicalização, de uma Lei de Amparo ao Trabalhador Nato, da
- O Presidente está enganado. Não estou aqui para pedir ajuda, redução das correntes migratórias. Na Educação, Presidente, precisamos
mas para ajudá-lo. Tomei conhecimento, através da minha vidência, de modernizar com urgência, o ensino médio e superior, criar as sonhadas
um acidente. Vossa Excelência vai sofrer um grave acidente e estou aqui universidades brasileiras, promover uma ampla reforma do ensino
para alertá-lo para o perigo. Gostaria imensamente de poder ajudá-lo, secundário.
mas isto independe de mim. Vargas ficou perplexo, embasbacado. Manoel fizera desfilar ali, sem o
- Acidente? O senhor tem certeza do que está falando? ... menor esforço, suas intenções e planos de governo. Parecia ter aberto o
- Tenho. seu cérebro, especulando, devassando, coisa inacreditável. - Então,
Da curiosidade natural, Vargas passou à preocupação. Sua Presidente? Estou certo?
fisionomia risonha e rosada, logo ficou anuviada, transformando-se numa - Claro que está, Seu Manoel. O senhor está certo.
máscara de gelo: - Vamos precisar também - insistiu Manoel - de uma revisão
- Mas como o senhor, como o senhor - indagou Vargas, agora na Legislação Eleitoral, Vossa Excelência vai precisar dela. Estamos
claudicante - conseguiu saber deste acidente? próximos das eleições. Fique tranqüilo, não precisa perguntar, o senhor
- Foi ontem à noite, Presidente, durante a minha vai sair vitorioso. A Constituinte vai elegê-lo Presidente do Brasil. Durante
concentração. A vidência não se alongou muito, mas posso adiantá-lo muito tempo o poder vai permanecer nas suas mãos. Agora, tome
que o acidente vai envolver um automóvel. Pude vê-lo ferido com outras cuidado.
pessoas, peço que acredite nas minhas palavras e tome cuidado. - Terei muito cuidado, Seu Manoel.
- E quanto a meu governo, o senhor está gostando? Manoel levantou-se. Despediu-se e retirou-se.
Na indagação de Vargas, duas intenções: a necessidade de Quando cruzou o batente da porta principal do Salão Nobre, três
mudar de assunto e também a de investigar Manoel. Vargas imaginou a copos de cristal que estavam sobre a mesa foram partidos sem que
possibilidade de estar diante de um homem doente. ninguém tivesse tocado neles.

- Estou gostando muito de seu governo. Mas vejo a necessidade Vargas ficou arrepiado. A sensação fôra de que alguém havia
de uma preocupação maior com a política social, voltada para o entrado para quebrá-los, usando um estilete. Durante algum tempo,
Vargas permaneceu sentado, confuso, intrigado.
atendimento das classes trabalhadoras. Os poderosos, evidentemente,
ficarão descontentes, mas, com o tempo, vão reconhecê-lo, aceitá-lo,
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aplaudi-lo. Mas o trabalhador brasileiro necessita de mais, de muito mais
...
- Como assim? O vento varria furioso a escarpada, vergando as árvores e
ameaçando levar pelos ares os telhados das pequenas casas. 51
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exposta da perna esquerda, ela desfalecera.
A chuva grossa e intensa fazia rolar pela serra imensas cachoeiras, Por sorte (ou proteção), o menino Getúlio não sofrera ferimento,
tamanho o volume de água. Iluminada pelos relâmpagos, a estrada mas ficara abalado, chorando muito.
deserta havia se tomado escorregadia e perigosa. Na casa de Manoel Jacintho Coelho, na Rua Lopes da Cruz, 89,
Indiferente à tempestade e aos riscos, a Lincoln presidencial no Méier, o relógio despertador começou a tilintar ruidosamente,
avançava, vencendo a distância, rumo ao Palácio Rio Negro, em parando, logo depois, definitivamente, às 19h30min.
Petrópolis. Um redemoinho de vento invadiu a casa, varrendo todos os
Sentado à esquerda, no banco traseiro do automóvel, tendo ao cômodos, arrancando as cortinas e desfolhando o calendário, na parede,
seu lado a mulher Darcy e o filho Getúlio, Vargas permanecia em silêncio até o dia 25 de abril.
e acompanhava, com atenção, todos os movimentos do chauffeur Dia e hora da tragédia.
Euclides José Fernandes. Derrubado pelo vento, olhos presos no teto, Manoel assistira ao
O Capitão-tenente Celso Pestana, ajudante de ordem Presidência da desastre bastante nervoso.
República, ocupava a cadeirinha fronteira ao Chefe do Desta vez não surgira a cintilante cascata de luz.
Governo, e procurava tranqüilizar a todos. Logo após ter sido derrubado, entrou num estado de imobilidade
A certa altura, dona Darcy trocou de lugar com o filho, assustado contemplativa.
com o ribombar dos trovões e com a claridade brusca e intensa dos raios O barulho fôra ensurdecedor, indescritível.
que cortava o céu. Preocupada, queixava-se do frio e do vendaval que A luz vermelha crepitando. O clarão, o espanto. A pedra rolando
ameaçava, agora, arrancar a capota do automóvel. serra abaixo. Depois resvalando e precipitando-se no espaço para cair
O chauffeur procurou diminuir a marcha à medida que a chuva sobre o automóvel.
aumentava, por preocupação. Mas, ao alcançar o quilômetro 53 da Gritou.
antiga Rio··Petrópolis, altura do terceiro viaduto, a visibilidade tornou-se Mas o grito não lhe passou da garganta.
ainda mais difícil. Pensou em parar, aguardar a estiagem, mas poderia Situação terrível, angustiante. De prostração e de pavor.
ser pior, como imaginou. Assim decidiu ir em frente. Doloridos, sofridos, desesperados, diante de seus olhos, os

De repente, o inesperado. rostos de Vargas, de sua mulher Darcy, do menino Getúlio e do

Um estrondo formidável. O pânico, o pavor, o medo e a morte. chauffeur Euclides.

Uma pedra pesando 80 quilos desprendeu-se da encosta, rolou Socorridos, eles foram levados, minutos depois, para o Sanatório

do alto da serra, indo cair bem no centro do automóvel, sobre a O São José, em Petrópolis. Ali tiveram de ser operados pelos médicos

ajudante de ordens do Presidente, Capitão-tenente Celso rosto Haroldo Leitão da Cunha e Florêncio de Castro Araújo.
esmagado, morreu imediatamente. Getúlio, com as duas pernas Estropiado, tenso, amargurado, ainda deitado no chão, sem força
fraturadas, procurava, arrastando-se e gemendo, socorrer a dona Não para mover, Manoel perguntava a si próprio a razão daquilo tudo. 53

suportando a dor, pois sofrera fratura 52


Ouviu, então, a Voz da Anunciação: todos se maldizem, sofrem, lutam e enfrentam dificuldades: o sol, a
- A felicidade que brilha no mundo, meu bom Manoel, é uma chuva e o sereno.
felicidade sem base. E a felicidade sem base sólida, deixa de ser - Você quer ser feliz, Manoel?
felicidade, expondo os viventes a transes, sempre à procura dela. - Quero, quem não quer?
Quanto mais se procura a felicidade, mais distante ela se encontra. Há - Para ser feliz, Manoel, torna-se necessário trazer para si o
gente vivendo momentos insignificantes na vaga esperança de serem que é certo, viver de maneira certa e não na incerteza que todos vivem.
felizes, morrendo e ficando por alcançar a felicidade. Meu bom Manoel, Vou lhe mostrar, em muito breve, o caminho da felicidade, a solução para
não existe na Terra quem possa dizer: "eu sou realmente feliz". Porque, todos os problemas da vida e você terá de ensiná-lo à humanidade.
quando está tudo bem de um lado, do outro lado tudo vai mal. E a
felicidade continua sendo procurada. 20
- Mas por que a felicidade não é encontrada? Indagou Manoel.
- Porque o mundo é de lutas. E onde há lutas, existe o Ao despertar na manhã seguinte, ainda sob efeito de analgésicos
sofrimento, não pode existir felicidade. Uns lutam pelos amores, outros e convalescente da cirurgia, Vargas tinha diante de seus olhos a imagem
pelos negócios, muitos por melhorias de vida, vários por razão de de Manoel Jacintho Coelho. Chapéu na cabeça e cigarro de palha na
doenças, alguns por ideais. Todos na esperança de alcançarem aquilo boca, iluminado por uma luz prateada intensa:
que desejam. Enfim, uma vida de lutas, de sacrifícios e sofrimentos. - O pior já passou. O senhor agora vai se recuperar rapidamente.
- E tem mais - prosseguiu a Voz da Anunciação - luta o rico, luta o Tenha paciência, acredite ...
pobre, filhos de uma natureza que não regula. Uma hora frio demais, A imagem de Manoel desapareceu a seguir. Vargas não podia
outra frio irresistível. Ventos castigando, maltratando, ferindo e matando. falar, embora fosse seu desejo conversar com aquele homem. Figura
De repente, um calor de rachar. Doenças de todas as formas e espécies. singular, Seu Manoel sabia dos segredos da vida e dos mistérios da
Portanto, se a natureza não regula, como os viventes desejam ser morte.
felizes, desregulados, sem equilíbrio? Decidiu. Assim que tivesse recuperado ia procurá-la. Aquele
A indagação fica no ar. homem que o alertara do perigo do acidente e agora estivera ali
Manoel acompanha o raciocínio. materializado podia ajudá-lo. Lembrou-se do primeiro encontro. Da
A voz, num tom paternal, vai explicando: sinceridade das palavras de Manoel, do seu desejo de colaborar. Ajuda
- A felicidade é uma palavra que só existe no nome, arranjada desinteressada, despretensiosa. Por diversas vezes, ao ouvi-lo, ficou
para amansar os iludidos, para aliviar aqueles que não conhecem os arrepiado, mas procurou controlar as emoções. Afinal, não ficava bem
segredos da vida. Como pode a mãe ser feliz permanentemente para um Presidente sair por aí batendo cabeça nem tampouco se
preocupada com os filhos? Que felicidade pode ter os pais atormentados deixando levar por premonições, espiritismo. 55
pela mesma preocupação? Na procura da felicidade 54
Iria procurar Manoel, precisava agradecê-lo. Não perdeu mais tempo. Olhou o relógio, acendeu o charuto,
Pensava assim quando o Ministro Afrânio de Meio Franco chegou pegou o telefone e ligou para o Ministro Afrânio de Meio Franco, no
para visitá-lo, acompanhado do médico Pedro Ernesto, prefeito do Palácio do Itamaraty:
Distrito Federal. - Dr. Afrânio?
Logo após cumprimentá-la e antes mesmo de falar sobre o seu
- Sim.
estado de saúde ou ainda contar como ocorrera o acidente, Vargas quis
- Quem está falando é o Dr. Getúlio. Estou desejando saber
saber:
do senhor Manoel Jacintho Coelho, aquele funcionário. Ele me pediu que
- Afrânio, como vai o Manoel?
resolvesse um problema dele, e vou atendê-la. Trata-se de um emprego
- Que Manoel, Presidente? para um parente, um sujeito estudioso, competente, merecedor da
-- Aquele seu funcionário lá do Itamaraty. oportunidade. Por favor, peça a ele que venha imediatamente ao Palácio
- Vai bem, eu acho que vai bem. Mas por que o Presidente do Catete, porque não disponho de muito tempo.
quer saber dele? - Vou mandá-lo sim. E de resto, Presidente?
Vargas sorriu, respondendo apenas: - Vou bem, DI'. Afrânio. Estou recuperado e pronto para servir
- Sei lá, ele me pareceu um bom sujeito. ao nosso País.
Dois meses após, Vargas estava completamente recuperado. - Isto é ótimo, Dr. Getúlio, isto é ótimo ...
Após removê-la para a Casa de Saúde de sua propriedade no Rio de - Vou desligar, Dr. Afrânio. Não deixe de mandar o Manoel aqui.
Janeiro, o médico Pedra Ernesto dedicou-lhe inteira assistência até curá- - Sim, Presidente ...
la.
Ele não conseguia, porém, esquecer de Manoel. 21
Quando soube dos resultados eleitorais da Constituinte, dia 3 de
maio, voltou a vê-Ia, sempre iluminado pela luz prateada:
Muito não demorou, Manoel chegava ao Palácio do Catete com
- Esse Seu Manoel parece mesmo um homem do outro mundo. A ampla
seus quase dois metros de altura e mistério. Imediatamente foi arrastado
vitória dos representantes das situações estaduais haviam lhe garantido
para o gabinete do Presidente. Ali, Vargas o esperava ansioso, inquieto,
a realização de mais um sonho: o de se tornar Presidente da República,
caminhando de um lado para outro e fumando muito.
eleito através do voto indireto, fato que iria ocorrer no dia 17 de julho do
- Como vai o homem do outro mundo - exclamou sorridente ao vê-
ano seguinte, um dia após a promulgação da Constituição.
Ia. Depois veio abraçá-la, feliz e agradecido.
Chapéu na cabeça e cigarro de palha na boca, Manoel parecia
- Não sei como escapei daquele terrível acidente, Seu Manoel.
acompanhá-la. Sentia vontade de revê-Ia, agradecê-la e abraçá-la. E
Daquele acidente para o qual o senhor havia me alertado e pedido para
também ouvi-Ia. Afinal, ele sabia das coisas. 56
que tivesse cuidado. Mas reconheço, poderia ter sido bem pior, bem mais
trágico. 57
E recordou Getúlio:
- A vida tem suas organizações muito claras para quem sabe viver.
- Quando ouvi o estrondo fechei os olhos. De olhos fechados vi o
Para quem não sabe, a vida torna-se desorganizada e difícil. Os seres
seu rosto. Tive a consciência, àquela altura, de que não me livraria do
orgânicos se digladiam, lutam, destruindo a própria vida. Para ser bem
acidente, mas que iria sobreviver, porque o senhor estava do meu lado.
formada, bem construída, equilibrada ao bem-viver, a vida necessita que
Mandei chamá-la para agradecê-lo e também presenteá-lo.
os seres orgânicos e as organizações estejam paralelas e adequadas ao
Caminhou até à mesa e abrindo a gaveta, dela retirou uma
modo de que se constitui a vida. O poder da vida está naquilo que as
pequena caixa, embrulhada em papel colorido.
organizações podem corresponder para equivaler à vida.
Disse:
- O que vale o vivente ter vida, viver e não saber viver, Presidente?
- É um relógio, Seu Manoel. Um relógio de excelente marca, uma
Indaga Manoel, respondendo depois:
pequena lembrança. Ao usá-lo, o senhor vai se lembrar do seu amigo
- Ora, não vale nada, porque quanto mais se procura organizar a
Presidente e também quanto lhe sou agradecido. Saiba, onde quer que
vida, mais se desorganiza. E se desorganizando, mais sofrimento vai
eu esteja, não vou esquecê-lo. E espero que o senhor esteja sempre
colhendo. É como a maré, sempre contra a maré, dentro do mar revolto.
comigo.
Assim como as tempestades que reinam na vida do vivente, acabam por
Manoel sorriu, baixou a cabeça, estava emocionado. Depois
naufragar-lhe a vida, deixando-o a imaginar e dizer:
começou a falar:
- Quanto mais procuro o bem, mais ele se afasta de mim, mais
- Nesta vida nada é verdadeiro, a começar pela própria vida.
longe fica, porque não enxergo o que vou fazer da vida.
Se a vida fosse verdadeira, ninguém iria perdê-la, Presidente. O que
E concluiu:
parece certo hoje, amanhã será errado, porque vivemos uma fase de
- Neste crepúsculo amargo, neste pesadelo infernal, neste vale de
desacertos, de desencontros. O homem é um vago bicho sem destino,
lágrimas, fica o vivente a pensar numa infinidade de coisas, sem saber
nasceu sobre a Terra sem saber por que nem para quê.
resolver o ideal.
- E como vamos saber o porquê, Seu Manoel?
- Mas, Seu Manoel, o que seria o ideal no seu ponto de vista?
- Daqui a dois anos, Presidente, com início da Fase Racional,
- Seria viver num mundo natural, verdadeiro, limpo, imenso,
a fase do raciocínio, quando a humanidade vai conhecer o mundo de sua
puro, longe dos problemas, das humilhações, das angústias e dos
raça e saber também como voltar para ele. A vida não terá mais
sofrimentos. Um mundo de união, de concórdia e de fraternidade. Um
segredos.
mundo sem mentiras, sem desconfiança, de equilíbrio e de virtudes.
- O Presidente sabe o segredo da vida?
E arrematou:
Um raio de sol fraco e louro iluminou o rosto redondo de Vargas.
- No mundo de agora, a esperança que consola, aborrece e amola.
Surpreso e curioso, ele absorvia, em silêncio, as palavras sábias de
Vargas sorriu. Balançou a cabeça, concordando. 59
Manoel: 58
Manoel despediu-se dele, prometendo voltar um dia. Além dos
ensinamentos de uma nova cultura, ele acabara de mostrar a Vargas, a
luz da razão, o caminho da eternidade.
Agora sim, o Cavaleiro da Concórdia poderia partir para dar
continuidade ao seu trabalho: o de fazer renascer das trevas o esplendor
do Terceiro Milênio.
I I I Parte

A LUZ DA SALVAÇÃO

D e nada adiantaram as promessas à Nossa Senhora do Parto. Nem o


copo de água, nem as velas acesas sobre a cômoda, num canto do
quarto. Ana Maria não sobreviveu ao dar a luz ao filho, apesar dos
esforços.
Quem conheceu o drama, jamais vai esquecê-lo.
O menino nascendo, chorando. E Aninha se debatendo, sofrendo,
lutando e morrendo, num ataque de eclampsia.
Ninguém sabia que seu sangue se intoxicara nos últimos dias da
gestação. E quando Aninha começou a tremer, olhos arregalados,
sacudindo-se toda, alguém ainda perguntou num tom nervoso:
- Ela é epilética, ela é epilética?
A pergunta ficou no ar, sem resposta.
Na verdade, o que todos sabiam sobre Aninha era muito pouco -
ou quase tudo de uma vida simples: era uma moça trabalhadeira,
caprichosa, amável e simpática. E não abandonara a máquina de costura
até a véspera do filho nascer, porque trabalho era coisa que ela não
recusava.

63
- Aninha pespontadeira, Aninha pespontadeira ... era assim Tempo passou e Antônio acabou por conquistá-la.
que todos lhe chamavam na Cidade Nova. Foi Dino Jumbeba, irmão de Marinho, tesoureiro da Irmandade de
Embrulho de roupas na cabeça, lá ia Aninha entregar as São Jorge, na Praça da República, quem tratou de casá-los:
encomendas. - Vocês se amam de verdade. E esse amor tem que dar frutos,
Mulata sestrosa, colo desabrochado. Cintura fina e fala mansa. No compreendem, compreendem? .. Repetia sempre.
seu jeito, feitiço, dengue e malícia: Quem não se lembra da festa de casamento. Das valsas, dos
- Bom dia, seu Antenor. Bom dia, dona Carolina ... lundus, dos chorinhos. Do samba comendo solto, durante o sábado,
O ferreiro Antônio Faustino da Conceição encantou-se por ela. entrando pela noite, varando a madrugada e estendendo-se por todo o
domingo.
Apaixonou-se. E com ela acabou se casando, meses depois, num
grande dia de festa. E agora ele chora, coração dilacerado, rasgado, Aquele casamento reuniu, sem dúvida, a fina flor do Rio musical.
sangrando. Peito preste a explodir de tanta dor. Lá estavam Lamartine Babo e Miguel Guimarães Júnior, Dunga e
Lágrimas rolam pelo seu rosto, umedecendo-lhe o bigode farto, Chico Viola, Ismael Silva e Joubert de Carvalho, Nilton Bastos e Heitor
insolente, arrogante - bigode que Aninha tanto gostava. dos Prazeres, Jacob do Bandolim e o poeta Catulo da Paixão Cearense.
O desespero aumenta, impossível viver sem Aninha. Pixinguinha, num terno de linho engomado, e Noel Rosa, batucando,
Ela fôra tudo para ele: mulher, amante, amiga. Mãe e irmã. tempo todo, numa caixa de fósforos. Paulo Benjamim de Oliveira, o Paulo
-- Por que Aninha, por quê? Você não podia ir embora, Aninha. da Portela, foi um dos últimos a chegar, acompanhado de Cartola e
Me deixar assim, sozinho, largado no mundo, filho para criar ... Nelson do Cavaquinho.
Antônio ferreiro chora a ausência da companheira, reclama, Foram abraçar Aninha, cumprimentar o marido felizardo e
grita, padece. Garganta ardendo, saliva escorrendo da boca aberta de comemorar o enlace.
tanta dor. Parece querer morrer. Sua voz estala e se arrasta no ar, Naquele dia, Antônio se tornara o homem mais felizardo do
chorando, queimando de sofrimento, alta e desesperada. mundo. Agora, com a morte da mulher amada, era o mais infeliz de todos
Conhecera Aninha, há seis anos, durante o Carnaval. Ficara os homens.
enfeitiçado ao vê-Ia requebrar no Rancho Recreio das Flores, onde Sentado no chão da desolação e da desgraça, rosto entre as
Marinho, neto de Ciata, era mestre-sala e tinha grande prestígio. pernas, coberto pelas mãos calejadas, queimadas de fogo e ácido,
Não conseguiu mais despregar os olhos dela. Nem tampouco fugir Antônio chorava o infortúnio da tragédia:
de seu jeito dengoso, dos seus lábios de desejo, do seu canto poderoso - Por que isso foi acontecer? Por que, por quê? Eu não sei
e livre: que fazer. Aninha, você não podia ir embora, não podia morrer. É o
- Ah! Aquelas ancas de requebros, aquela pele dourada, aqueles meu amor, Aninha, o que vou fazer?
braços bem-feitos, aquelas pernas compridas ... 64 Lembrou-se do Padre Mário, barroco e ecumênico. Do casamento.
Aninha vestida de noiva, caminhando para o altar. 65
a glória, honra e adoração a Vós pertencem, Pai, Filho, Espírito Santo,
De véu e grinalda, como sempre desejou: -
agora e sempre por todos os séculos dos séculos; amém.
Estava bonita ...
Padre Mário tomou as alianças e após colocá-las nos dedos dos
Ao vê-Io nervoso, ela sorriu, mostrando as fileiras de dentes
noivos, tratou de abençoá-los, fazendo sobre eles o sinal da cruz.
brancos e iguais.
Entregue às alucinações e preso às lembranças do casamento,
_ O senhor Antônio Faustino da Conceição, quer receber, por
Antônio não chora mais.
livre e espontânea vontade, a senhora Ana Maria de Oliveira, aqui
Como seria bom se a vida voltasse no tempo, devolvendo às
presente, por sua legítima esposa, conforme o rito da Santa Igreja
pessoas as coisas perdidas. As tristezas, por certo, seriam evitadas. Não
Católica? haveria tantas desgraças no mundo nem sofrimento. Aninha não estaria
_ Sim, sim. Claro, claro - respondeu apressadamente ao ouvir
deitada naquele quarto, imóvel.
a voz do padre em sua alucinação. - Morreu abençoada pelo Padre Mário. Mas o que isso adiantava?
Depois aguardou ansioso a resposta de Aninha. O que ela desejava mesmo era ter um filho, criá-lo. Sonhava sempre com
_ A senhora Ana Maria de Oliveira quer receber, por livre e
o bebê, ele acabou por arrastá-la à morte. Ah! meu Deus, quando vamos
espontânea vontade, o senhor Antônio Faustino da Conceição, aqui
deixar de sofrer? - Indagou incrédulo.
presente, por seu legítimo esposo, conforme o rito da Santa Igreja
Antônio olhou o céu, contemplativo. Buscou um lenitivo na
Católica? imensidão do Universo. Uma luz que fosse intensa e pura. Verdadeira
- Sim, padre. como a crença que possuía, mas que acabara de perder. Uma luz que
Doce Aninha. pudesse lhe revelar, através daquela claridade e da força, o segredo da
Padre Mário fez, por três vezes, o sinal da cruz sobre os vida, a razão para afastá-lo da descrença.
noivos, ajoelhados diante do altar. Depois começou a orar: Mas alguém inadvertidamente acabou por despertá-lo:
_ Senhor eterno, que consagrastes as coisas dispersas, que
- Vamos lá, Antônio. Seja forte. Olhe, seu filho. Está aqui, veja ... o
constituístes para os corações um vínculo de união indissolúvel, que
rostinho dele, uma gracinha. Como se parece com a mãe.
abençoastes Isaac e Rebeca, que os fizestes herdeiros de vossa Ao abraçar o menino, Antônio tratou de aproximá-lo bem de seu
promessa, abençoa i também estes vossos servos e guiai-os para toda a peito. No seu gesto de amor e de afeto, uma necessidade: a de senti-lo
boa ação. Porque sois um Deus misericordioso e amigo dos homens, nós respirando, vivendo ... o filho de Aninha.
vos rendemos honra, Pai, Filho e Espírito Santo, agora e sempre por Depois pediu forças para criá-lo:
todos os séculos dos séculos, amém. - Você, menino. Vai ter de ser um homem honesto, trabalhador e
O sacerdote procedeu à benção das alianças: honrado. Um homem de bem como desejou sua mãe.
_ Senhor nosso Deus que tomastes por vossa noiva, como Na pia batismal, o filho de Aninha se chamou Moacir, aquele que
virgem pura, a igreja nascida dos gentios, abençoa i este noivado e uni nasceu do sofrimento. 67
estes servos, guardando-os na paz e na concórdia, porque toda 66
Em meio ao burburinho provocado pela tragédia que arrastou Controlando os impulsos, de forma lúcida, clara, decidida, vai
vizinhos, amigos e parentes ao leito de morte da mulher, alguém se entregando seu corpo com denodo, abnegação e coragem.
lembrou de Maria Amélia, a negra Amália Baiana: Na atmosfera envolvente e suavemente perfumada da Tenda
Uma parteira de mão-cheia, caridosa, sensitiva. Foi a melhor que Espírita Francisco de Assis, ele recebe mais uma comunicação: sobre sua
passou por aqui, igual a ela, nenhuma. Sabia das coisas, da natureza, da cabeça, um foco de luz prateada, intensa, transparente a iluminá-lo:
essência. Sabia se a mãe ia passar mal, se o filho ia nascer bem, com - Onde existe adiantamento, Manoel, existe a luz. Portanto, não há
saúde. Era uma mulher especial. sofrimento. Quem sabe não sofre. Quem não sabe, pena. Existem os que
- Mas por onde anda essa Amália Baiana? Por que _não foram pensam que sabem. Mas o sofrimento prova que eles não sabem, pois se
buscá-la? Indagou o relojoeiro Assunção. Moreno, cabelos lisos, terno soubessem não sofreriam nem tampouco fariam os outros sofrer.
cinza, colarinho engomado, correntinha caindo do bolso do colete. Manoel mostrou-se inquisitivo, desejoso de maiores
Gorda, vestido estampado, a costureira Cândida, vizinha de esclarecimentos. Então, a luz tornou-se mais forte, mais intensa, mais
clara sobre ele.
Aninha, adiantou-se, bondade nos olhos e nas atitudes:
A voz elevou-se:
- Ninguém sabe por onde anda a Amália Baiana, não, moço.
Se ela está viva, ou se já morreu. Talvez esteja perdida, ou abandonada. - Os que sabem, Manoel, não sofrem. Resolvem tudo por si e por todos.
Ande lá para os lados do Cais do Porto, sendo alimentada pelas mãos Porém, muitos vivem com saber insignificante, triste, sem nenhum valor.
generosas de algum estivador, conhecedor de suas histórias e seus Envaidecidos de uma sabedoria fraca. E embora convictos da nulidade da
poderes. Ou mesmo tenha encontrado o caminho do mar, da sedução, sabedoria que apregoam, consideram-se sábios, mantendo-se no
do encantamento. Ido para o subúrbio, subido o morro, salpicado de pedestal, na tribuna, no púlpito. Na verdade não passam de grandes
verde, embalada pela brisa suave, fresca e carinhosa. Ou mesmo, quem impostores. São impostores por serem sofredores, mantendo lições de
sabe, voltou para a Bahia, para seu povo de velas, saveiros e lendas. uma sabedoria que só traz sofrimento para todos. O que adianta, Manoel,
um saber que só aumenta o sofrimento? Não adianta nada, não vale
23 nada.
Olhos semicerrados, Manoel ouve em silêncio, expressão de
atenção concentrada no rosto:
- Onde existe atraso, existe sofrimento, existe trevas: Por isso,
todos vivem no escuro, sofrendo, sem saber como se livrar do - O mundo está convertido por uma sabedoria invertida, aonde o

sofrimento. atraso é adotado como saber. Isto é tão visível, como tornou-se visível o
sofrimento do mundo. Tanto assim que admitem a salvação do mundo
Jamais inteiramente satisfeito, Manoel Jacintho Coelho continua a
pelo desenvolvimento da destruição. Ah! Manoel, dentro de 69
sua procura, buscando novos caminhos, novos horizontes. 68
pouco tempo todos vão ver a água ferver e esfriar de repente, como uma capacidade e coragem que você foi escolhido. Já estamos bem próximos
brasa jogada dentro da lagoa. Não fique preocupado, logo depois tudo do Terceiro Milênio. E a fase do Terceiro Milênio é a fase da
será normalizado. E a paz vai voltar a reinar, finalmente, em todo o Racionalização dos povos, onde toda a humanidade vai conhecer o
Universo. mundo de sua raça e ainda saber como voltar para ele. Com o livro que
Manoel quis falar, mas não teve tempo. A Voz da Anunciação você vai escrever, o homem vai aprender a desenvolver o raciocínio e
tratou de interrompê-lo, indo adiante: também se desligar, definitivamente, da energia elétrica e magnética,
- Os homens nasceram no mundo, mas o mundo não é dos ganhando, então, vida eterna, transformando-se em massa cósmica,
homens, não é dos habitantes. E por não ser dos habitantes, nem tudo pura, limpa e verdadeira.
eles podem resolver. Dentro de muito breve, as coisas vão começar a se Manoel ficou tranqüilo, ouvindo:
encarreirar, ganhando novos rumos, com caráter de melhoria universal. - Não será filosofia, nem religião, mas uma cultura transcendental.
Será colocado um ponto final no absurdo. Através de você, vou A cultura do verdadeiro estado natural, do conhecimento do retorno da
apresentar ao mundo um Livro contendo a verdade das verdades. Com a humanidade ao seu verdadeiro Mundo de Origem, através da Energia
leitura deste Livro, todos vão saber de onde vieram e para onde vão. Racional, elo de ligação do ser humano ao MUNDO RACIONAL.
Será um Livro de revelações surpreendentes, revolucionário, pois vai - Mas o que é Energia Racional?
provocar modificações de conceitos, de princípios filosóficos, de Perguntou Manoel, agora curioso. Mas a voz respondeu-lhe
apenas:
pregações religiosas. Através dele, o mundo vai tomar conhecimento de
uma nova cultura, de novos ensinamentos, de novas lições. Vai conhecer - Você vai saber de tudo sobre Energia Racional.
o caminho da luz, além de seu Verdadeiro DEUS. Será uma Obra Vai conhecê-la para poder ensinar. Tenha paciência e aguarde.
universal, grandiosa. Tudo tem seu tempo. Fruteira nenhuma dá fruto antes do tempo. Eu já
- O livro? Como vou fazê-lo? lhe ensinei. Será que você não aprendeu?
Manoel quer saber. Manoel sorriu.
- Terá de escrevê-lo, através do conhecimento que vou lhe A anunciada transformação que iria ocorrer em sua vida e o
transmitir. surgimento de uma nova cultura de Racionalização dos povos não
- Não estou entendendo ... ficariam guardadas atrás das brancas paredes da Tenda Espírita
- Quando chegar a hora, Manoel, você entenderá. As verdades Francisco de Assis no Méier.

serão derramadas diante de seus olhos, claras, elucidativas. - Atravessaria o Atlântico e seria ouvida na Europa.

Mas, mas ... Na cidade de Gubbio, na Itália, o advogado, professor e escritor


espírita Pietro Ubaldi captaria a mensagem:
Manoel ficou preocupado com o peso de tamanha
" ... e desse modo, os fenômenos não serão mais vistos nem 71
responsabilidade.
- Acalme-se, Manoel. Você tem capacidade. Foi por ter 70
ouvidos, nem tocados por um EU qualquer, mas sentidos por um ser que - Pois é, Manoel. A coitada, cheia de vida, morreu de parto, uma
se transformou em delicadíssimo instrumento de percepção, pena! Foi um fato doloroso, chocante, triste .. E o desespero do marido, o
sensitivamente evoluído, nervosamente refinado e sobretudo Antônio ferreiro ... lembrei-me de você. Achei que poderia ajudá-lo. Sei lá
aperfeiçoado. Ciência nova, conduzida pelos caminhos do amor e da ... mas não consegui encontrá-lo ...
elevação espiritual, é ciência que o Super-homem que está para nascer - Lamento, Dino. Lamento muito ... bem que gostaria de ajudá-lo
fundará a Nova Civilização do III Milênio." numa hora dessa, difícil...
Ao receber a mensagem, Pietro Ubaldi tratou de anotá-la e incluí- - Mas deixa isso para lá, Manoel. Já passou. Não vamos ficar aqui
Ia no livro que escrevia: A GRANDE SÍNTESE. lembrando coisas tristes. Vamos ao que interessa. O que você me conta
Este livro iria se tornar, com o passar dos anos, o mais famoso de de bom?
toda a obra do escritor italiano. Durante sua feitura, Ubaldi passava por - Não tenho novidades, amigo. Estou levando, como lhe falei, uma
um imenso período de solidão e trabalho. vida simples, comportada, rotineira. Sem alterações ou coisas novas.
Estou morando no Méier, subúrbio tranqüilo, afastado, calmo. E você? ...
24 O que você me conta de novo?
- Continuo na Central. Agora sou maquinista, compreendeu?
- Então, Manoel, contemplando a cidade? Comecei cedo, logo depois de deixar o Exército. Entrei como graxeiro,
- Oi, Dino. Como vai? Quanto tempo ... levado por meu irmão. Depois passei a foguista. Fiz curso e sou
- Puxa, Manoel, você sumiu. Há mais de seis meses que não maquinista.
lhe vejo. Onde você tem andado? Bom sujeito o Dino Jumbeba. Homem de agradável convívio,
- Tenho andado pela vida, Dino. Trabalhando, lutando, vivendo. tremendo papo. Religioso, educado, caridoso: Irmão-tesoureiro da Igreja
-. E o violão, a música, as festas? ... As festas, Manoel, as de São Jorge e neto de Ciata, baiana festeira e dona de Casa de Santo.
noites alegres, movimentadas? .. - Como vai Tia Ciata, Dino? E seus irmãos?
- Devido aos meus afazeres, ao meu trabalho, ultimamente não - Tia Ciata, você sabe, continua com suas festas, com o
tenho me dedicado à música. Olha que não pego no violão um bom candomblé. Respeitada, quando ela fala, ninguém responde. Todo
tempo. Festas, então, nem se fala. Não tenho ido a nenhuma. mundo gosta dela e quando ela dá uma ordem, o pessoal aceita e trata
- Há cinco anos, mais ou menos, fui procurá-lo e não consegui de cumpri-Ia. Tia Ciata é uma personagem da cidade e vai ficar para a
localizá-lo. Queria avisá-lo da morte de Aninha ... história.
- Aninha? - Verdade.
- Sim, Aninha. Aquela pespontadeira, moça prendada, porta- - Quanto aos meus irmãos, estão aí. Lili está trabalhando
estandarte do Recreio das Flores, você se lembra? - lá no Moinho Inglês. O Marinho continua metido na macumba. 73
Sim, sim ... 72
É ogã do terreiro do João Alabá. E o Santana está morando com minha - entre eles, muitos estrangeiros - jogados na rua da amargura e da
irmã. Quem fala muito em você, Manoel, é meu primo, o Bucy Moreira. incompreensão, foram para a Cidade Nova e para os subúrbios.
_ Ah, o Bucy. O Bucy compositor ... onde ele anda? Tenho A zona portuária prosperava, crescia, expandindo-se.
saudades dele. Com o crescimento da importância do Porto, o Rio de Janeiro
_ O Bucy continua na dele. Quer achá-lo, basta ir à Praça tornou-se o principal centro exportador do País, a célula nervosa da
Tiradentes. Parece não ter jeito, só vendo, continua o mesmo trapalhão economia e também o maior e principal mercado de consumo dos
de sempre. Compõe sambas, depois trata de vendê-los. Não raro, ele produtos importados.
vende o mesmo samba, duas, três vezes. No final, você já O progresso, a riqueza e o desenvolvimento passou a impor
sabe, é aquela confusão dos diabos. reformas.
Manoel sorri. Deseja saúde a todos e despede-se de Dino. A cidade crescia desordenadamente.
Segue seu caminho, subindo a Rua Visconde de Itaúna - hoje Presidente Lembrou-se da pressão dos milionários sobre o prefeito Rodrigues
Vargas, pista do lado do Campo de Sant'Ana. Alves, sorriu.
Caminhada para a Praça Onze, antigo Róssio Pequeno. Depois falou baixinho:
O Rio estava mudando de fisionomia, estava crescendo
- Mas que maldade, ignóbil pretensão. Queriam que o Rio tivesse
- observou. aparência de cidade européia. Fosse igual a Paris. Estavam
Ainda na juventude, quando a cidade era bem menor, bem mais impressionados com as reformas ocorridas na capital francesa, após a
humana, havia sido testemunha da covardia do governo contra os construção dos boulevards, longas e arborizadas avenidas. Impunham
negros, mulatos e pobres. Tudo a pretexto de um novo conceito de ao governo a nova estética, construindo enormes edifícios e residências
civilização. luxuosas.
Chegou mesmo a ficar revoltado com tanta incompreensão e O governo acabou cedendo. Novas avenidas foram rasgadas.
desumanidade. Surgiu a Avenida Central, imponente. Hoje Avenida Rio Branco.
A pretexto de um rigoroso saneamento, confundindo Sua construção provocou, de imediato, a demolição de 600
insalubridade com miséria, servindo a interesses políticos, empresariais e sobrados, ocupados pela população proletária.
econômicos, o governo deu início à campanha do bota-abaixo. E Recordou-se:
demoliu cortiços, estalagens e casas de cômodos. - Aquela nova avenida abriria, na verdade, o caminho de uma
Quem era pobre, preto e miserável, dançou. Não podia
milionária intenção: a venda de terrenos na Zona Sul e a transformação
morar no Centro, onde não havia mais lugar para edificações
daquela região em local de residência de ricos e bem-nascidos.
simples. Surgiria também a Avenida Mem de Sá.
Levados pela necessidade de moradias baratas, os despejados As Ruas Frei Caneca e Estácio de Sá seriam alargadas,

74 75
facilitando o acesso à Tijuca e aos subúrbios da Central. cresceu tanto que ninguém podia mexer com ela nem com sua Casa de
A abertura da Avenida Rodrigues Alves, margeando o Porto do Santo. Tinha influência.
Rio de Janeiro, impulsionaria o crescimento dos subúrbios da Leopoldina. Saudades das festas de Ciata rompendo a madrugada.
Bonsucesso, Ramos, Penha começariam a se desenvolver. E Ganhando o dia, com seus batuques. As macumbas de muita gente. De
a Cidade Nova? gente pobre, de gente rica. De gente de direita, de gente de esquerda. De
Ah! ... A Cidade Nova cresceria muito após o flagelo do bota- crentes, de incrédulos. De gente que ia fazer pedidos, de gente que só ia
abaixo. O pessoal da colônia baiana, instalada na Saúde, também para comer. De pedreiros, de jornalistas. De advogados, de engraxates.
atingida pelas medidas do governo, acabaria se mudando para lá com De políticos, de motoristas. De comida baiana, de garrafão de pinga
sua alegria, apesar das dificuldades. Eram trabalhadores da estiva do obrigatório.
Porto, marceneiros, pedreiros, ferreiros, alfaiates, sapateiros. Homens O vento das lembranças soprava naquela tarde morna, ao longo
alegres, festeiros, muitos deles músicos. das Ruas Visconde de Itaúna e Senador Euzébio, separadas pelo canal
A suposta medida saneadora iria provocar, também, o surgimento do mangue ambas deram lugar à Presidente Vargas Manoel Jacintho
das primeiras favelas cariocas: Providência, São Carlos, Mangueira. Coelho continuava caminhando, relembrando, sentindo.
Assim mesmo, nesta ordem. O tempo alonga as distâncias sentimentais. Um dia pensou que
Após o encontro com Dino, aumentou a saudade de Hilária Batista voltando àquele lugar ia poder abraçar os amigos, erguer à tulipa de
de Almeida, a Tia Ciata, em cuja casa os baianos se reuniam para louvar chope e brindar com eles o reencontro. Seria um brinde de saudade, de
seus orixás e também para sambar, comer, beber. Memoráveis noites de recordações. Mas, observou agora, que tudo se modificou ao seu redor.
festa! E mesmo que pudesse reuni-los, eles jamais estariam juntos, porque já
- Ah!. .. A casa de Ciata, seu candomblé. Eram verdadeiras seriam outros, modificados pelo tempo '8 pela distância.
brigadas de resistência à ação policial. Tempo em que o samba e a Olhou para o céu azul de sonho, sombreado de nuvens de leve
macumba eram coisas proibidas. Negra de valor, de decisão, de caráter. púrpura. Ao longo do canal, as folhas das palmeiras imperiais, lhe
Vestido de renda bordado, armado por anáguas engomadas, Ciata tinha pareciam imensos leques abertos ao vento.
tanta força que acabou empregando o marido no governo. Verdade ... o Sentimental e nostálgico, lembrou-se de Manoel Bandeira, o poeta,
João Batista era linotipista do Jornal do Comércio. Mas foi para a o amigo, o xará. Frágil, tossindo. Da poesia fácil, inspirada, sentida,
Alfândega e de lá para o Gabinete do Chefe de Polícia, mesmo sendo espontânea e natural. Bandeira do Desencanto, Bandeira da Cantinela,
marido de macumbeira, metida com festas de samba, num tempo de Bandeira da Dama Branca, Bandeira da Confidência, Bandeira do
perseguição e indisfarçável repressão. Ciata curou uma ferida que o Mangue:
Wenceslau Brás tinha na perna e depois disto seu prestígio

76 77
25

"Houve tempo em que a Cidade Nova era Na ferraria da Rua General Caldwell, atrás da Casa da Moeda, do
mais subúrbio que todas as Meritis lado de uma enorme estalagem, Antônio Faustino da Conceição continua
da Baixada sua luta contra o ferro bruto.
Pátria amada idolatrada de empregadinhos Martelo e alicate nas mãos, compenetrado no trabalho, nem
de repartições públicas percebe o escárnio de um rapazola que passa, gritando:
Gente que vive porque é teimosa - Trinca-ferro, trinca-ferro ...
Cartomantes da Rua Carmo Neto Bate forte no ferro em brasa, sobre a bigorna. Quer dobrá-Io,
Cirurgiões-dentistas com raízes gregas vencê-Io. Embora reconheça: esteja dobrado pelo sofrimento. Vencido,
avulsivas não. Homem como ele não se deixa vencer nem se entrega assim.
O Senador Euzébio e o Visconde de Itaúna No peso das marteladas que se multiplicam, o grito de amargura,
Já não se olhavam com rancor de angústia, de sofrimento, mas também de luta, de esforço, de
(Por isso resistência.
Entre os dois Após a morte de Ana Maria, Antônio mudou muito.
Dom João VI plantou quatro renques de Deixou de ser alegre, inquieto, irônico.
palmeiras imperiais) Mas continuou valente, exigente, infatigável.
Casinhas tão térreas onde tantas vezes meu Trabalhador? .. Ah! Isto ele sempre foi, como Aninha, com ou sem
Deus fui funcionário público casado ela.
com mulher feia e morri de tu- Mãos grossas, pesadas, queimadas pelo fogo e comidas pelo
berculose pulmonar ácido, Antônio só tem feito trabalhar, trabalhar ...
Muitas palmeiras se suicidaram porque Calças arregaçadas, camisa aberta, não cuidava mais da
não viviam num píncaro azulado. aparência.
Eram aqui que choramingavam os primeiros O janota alegre de ontem, sempre perfumado, o alegre tocado r de
choros dos carnavais cariocas pandeiro do Recreio das Flores, sorriso aberto, parece ter morrido com
Sambas de Tia Ciata Ana Maria.
Cadê mais Tia Ciata De fato.
Talvez em Dona Clara meu branco O homem generoso, aventureiro, feliz. O sentimental, irrequieto,
Ensaiando cheganças para o Nata!..." transbordante, desapareceu, sumiu.
78 Antônio deixou de sambar, deixou de sorrir. Só não deixou de 79
viver, o que faz com esforço, com sacrifício. Ainda não se sentia forte, tranqüilo e confortado.
- Trinca-ferro, trinca-ferro ... Muito menos livre, sólido, liberto.
a rapazola impertinentemente volta a insistir, a provocá-lo. Dentro de si, no palpitar de seu coração, a certeza: tinha contas a
Agora ele ouviu, mas não se importou, nem ligou. prestar àquela mulher que, mesmo ausente, ainda morava em seu peito,
Apenas pensou: viva, infinita:
- Moço sem picardia, sem malandragem, um bobo. Vai, brinca, - Doce Aninha!. ..
brinca. Você vai mudar quando souber os segredos da vida, quando for Encerrou o trabalho, foi para o banho. De volta, cabelos molhados,
emboscado pelo destino. toalha no pescoço, trepou na bicicleta para iniciar o caminho de volta para
Coragem, fibra, sentimento. casa. Na porta da ferraria, um cego ainda lhe estendeu a mão, pedindo
Ah!. .. Tudo isso Antônio ainda tem. Mas por necessidade. Aninha esmola. Caridoso, tratou de atendê-lo.
deixou-lhe um filho, o menino Moacir. E ele deseja criá-lo, Sentiu piedade daquele homem bem mais infeliz, triste sombra na
transformá-lo num grande homem: procissão dos desventurados.
- Vou ser um pai de verdade. E também uma mãe. Aninha, você - Coitado, nem o mundo pode ver. Sem trabalho, sem amigos, sem
vai ver. .. ninguém. Completamente perdido na escuridão das trevas. Eu ainda
O crepúsculo já se anuncia. tenho Moacir, herança de Aninha. Meu conforto, meu alento, meu lenitivo.
O dia vai morrendo atrás do Morro do Pinto, de casas humildes, Nos sobrados coloridos da Cidade Nova, nas simples casinhas
coloridas e risonhas. De gente pobre, mas alegre, subindo e descendo térreas, fronteiriças, moças se debruçam nas janelas. Respiram um ar
suas ladeiras calçadas de paralelepípedos negros, íngremes, densas de repleto de novidades e aguardam curiosas a chegada da noite.
mistério. De seus becos assombrados de espanto e miséria. Interessadas, acompanham com os olhos e também com comentários
A noite não demora a chegar. aqueles que passam - uns apressados, outros não -- de volta do trabalho.
o tempo não lhe serviu de remédio para esquecer os encantos, a São as perfumadas empregadinhas do comércio, enamoradas e
beleza e a música de Aninha. Nem a viuvez lhe devolvera a liberdade esperançosas. Os pequenos funcionários públicos, colarinhos
que normalmente se adquire quando se deixa de amar. Aquela leve engomados, paletós fechados, jornais debaixo do braço, esbanjando
sensação que se tem de não dever mais satisfações, de completa conhecimento e senso de responsabilidade. A baiana com seu tabuleiro
isenção de sentimentos, de romper com as algemas. de doce, num equilíbrio mágico, despertando a gula. O moleque
Queria poder sorrir dos desenganos, do tormento obscuro, daquela irrequieto, peito nu, assoviando. O camelô com seus brinquedos, indo de
desventura, impossível. Sua fantasia fôra feita de sonho e desgraça. A porta em porta, na esperança de vendê-las, e ensinando, a cada contato,
bem da verdade não deixara de amar Aninha. Sua alma ainda chorava, lições esquecidas da infância. 81
abismada no luto. Aquela mulher se tornara definitiva em sua vida,
principalmente após a morte. 80
Quando todos retomam, a prostituta vai. A multidão que se formou curiosa, acompanhava o soluçar
Boca pintada, sonhadora, rumo a alcova, na Conde Lage. Num intraduzível da mulher, que suplicava ajuda e chorava o destino do
elegante vestido rodado, ela deixa transparecer, através do caminhar homem que não conhecia.
esguio, o corpo fornido, bem-feito. Alto, prestativo e determinado, o espanhol Juan Gonzalez
O movimento alvoroça os corações. abandona o balcão do Café e Bar San Sebástian, ali na Rua Sant'Ana.
Não demora muito, as famílias tomarão as calçadas com suas Deseja saber o que está acontecendo, a razão daquela confusão:
cadeiras, suas conversas, seus risos, suas queixas e lamentações. - Que passa, que passa?
Na esquina das Ruas Visconde de Itaúna e Sant' Ana um sapo Saiu da sombra em meio aos cheiros e rumores. Quem o conhece,
salta na penumbra da noite que se aproxima, assustando a mulher negra, sabe: está disposto a ajudar.
gorda, avental amarrado sobre o vestido. Natural de Vigo, cidade florida banhada pelo Atlântico, ao norte da
Ela grita e corre para a rua, sem perceber, bem junto dela, a Espanha, Gonzalez abriu espaço na multidão, varrendo o lixo. Inteirado
bicicleta. Antônio ferreiro que vem pedalando, apressado, perde o do que estava acontecendo, da gravidade do estado do homem
equilíbrio, caindo. Na queda, ele bate forte com a cabeça no meio-fio, agonizando na calçada, não perde mais tempo. Sai à procura de socorro,
ficando sem sentidos. voltando, pouco depois, num táxi:
Imóvel sobre a calçada, seu rosto logo se transforma numa pálida - "Tonterías", "tonterías" ... balbucia.
máscara de cera. De sua cabeça a escorrer um filete de sangue. Antônio é levado imediatamente para o Pronto-socorro, na Praça
O que estaria sentindo ali no chão, aquele homem que perdera o da República, hoje Hospital Souza Aguiar. A prostituta, identificada mais
estímulo da crença, o entusiasmo pela vida e se tornara inconsolável na tarde, como Adelaide de Assis, fez questão de acompanhá-lo, esquecida
dor, após a morte da mulher? de sua desgraça:
A prostituta foi a primeira a acudi-lo, a socorrê-lo. - Alguém precisa avisar os parentes dele - suplicou compadecida.
Vindo do fundo de sua desgraça, da sua maldição, rompendo com No hospital, após os primeiros exames, a dureza do diagnóstico:
o absurdo dos preconceitos e com a indiferença da discriminação, ela fratura de crânio.
tirou da bolsa um lenço colorido, perfumado, colocando sobre a cabeça Antônio estava grave. A pancada que dera com a cabeça contra o
ensangüentada do ferreiro. chão, acabara por afundá-lo frontal. Vai ser operado:
No rosto banhado pelas lágrimas da solidariedade, de maquilagem - Preparem a sala de cirurgia, preparem a sala de cirurgia. Alertava um
desfeita, um sentimento: a dor e a visão da morte. enfermeiro, nervoso, levando, correndo, várias radiografias para o
Antônio agoniza, amparado pelas mãos geladas de desventuras, médico. Antônio continuava estendido numa maca de ferro, pintada de
pálidas, hesitantes, mas amigas. branco, na sala destinada aos pacientes homens. Ainda inerte,
Humildade, desespero e súplica na boca que era, há pouco, completamente fora de si. 83
carmim de desejo. 82
Atendeu à voz da razão. Despediu-se, ganhou a rua.
Do lado de fora, outras pessoas se juntaram à Adelaide, agora
Logo seus olhos avistaram uma mulher que chorava muito, levando
mais calma, embora bastante apreensiva. Chegaram os capoeiras Zé
um menino pela mão. Quis saber o que estava acontecendo, sentiu
Moleque, Gabiroba e Brancura. Este metido num paletó jaquetão
necessidade de ajudá-la.
rigorosamente fechado.
Era dona Perpétua Alvarenga, doceira de primeira, mestre na arte
Visivelmente apreensível, andando de um lado para outro,
culinária, religiosa, caridosa e amiga, ela se prontificara, desde a morte de
aguardando notícias, o sambista e compositor, Agenor de Oliveira, o
Aninha, ajudar Antônio, cuidar de Moacir, o que vinha fazendo com imenso
Cartola: carinho, amor e inegável dedicação.
- Tia Carmem está desesperada. Quer saber como Antônio está
A notícia do acidente acabou por surpreendê-la, arrastá-la ao
passando. Assim que souber, vou avisá-la. pânico. No seu inconformado desespero, caminhava apressadamente
Referia-se a Carmem Teixeira da Conceição, a Carmem do para o Pronto-socorro:
Xibuca, irmã de santo de Ciata. Ela adorava Antônio como .se ele fosse
- Meu Deus, meu Deus, ajude! O Moacir não pode ficar sem o pai.
seu próprio filho.
Olhos grandes, rostinho redondo, bem parecido com Aninha,
Moacir, na inocência de seus cinco aninhas, não tinha consciência do que
26
estava acontecendo. Queria ver o pai e pronto. Por isso andava com
pressa, atendendo os apelos da tia Perpétua.
Manoel Jacintho não suportou a saudade de Tia Ciata e decidiu No Pronto-socorro, a indecisão do médico:
visitá-la na imensa casa que ela alugara na Rua Visconde de Itaúna. A
- Valeria a pena operar aquele homem? Ele sobreviveria a tão
velha e poderosa baiana, guardiã de nossas tradições festeiras e delicada cirurgia?
religiosas, ao vê-lo ficou surpresa, satisfeita e comovida. Como Ciata Examinou a situação. Após alguns segundos de hesitação, análise
estava bonita no seu traje de baiana, naquele vestido rodado, de rendas: e avaliação, concluiu: Antônio não seria operado, não resistiria.
- Clata de Oxum - disse.
O desespero e o nervosismo tomaram conta de todos os amigos de
Deusa do dengue, da formosura, da elegância. Ciata era a própria Antônio ferreiro, agrupados, agora em número maior, na porta do
Oxum: meiga, vaidosa. hospital. Diante da decisão do médico, restava-lhes apenas aguardar a
- Vai entrando, vai entrando, Manoel, a casa é sua ... Conversaram a morte do companheiro. Ou quem sabe, uma providência de Deus.
tarde inteira. Recordaram grandes festas e momentos inesquecíveis. Falou em Deus, ele apareceu:
Falaram dos amigos, de suas saudades. Mas deram, também, ótimas e - Olha o Manoel. Quem é vivo sempre aparece ...
largas gargalhadas. - Oi, Cartola. Como está o homem?
Ciata ainda quis prendê-lo para o jantar. Mas Manoel preferiu
adiá-lo para uma outra ocasião, quando dispusesse de mais tempo e
85
estivesse mais tranqüilo. Algo lhe dizia que devia ir embora, partir. 84
- Muito mal, muito mal. O médico não quer operá-lo devido à - Fiquei com o cabelo todo arrepiado, não sei se foi pelo vento que
gravidade de seu estado. Falou mesmo, se operar, ele morre. -- soprou na enfermaria, ou de espanto por tudo aquilo que assisti. Minha
Verdade? emoção foi tão grande, tão forte, que acabei ficando curado da bronquite,
- Verdade, Manoel. .. que padecia desde os primeiros anos de infância. Lembro-me que outras
- Quero vê-lo. pessoas que lá estavam, também doentes, foram beneficiadas com a
Falou e foi entrando corredor adentro, sem que ninguém o cura através da Luz.
importunasse. Depois do vento, o silêncio absoluto.
Antônio continuava deitado sobre a mesma maca, agulha de soro A luz fôra se esmaecendo, até desaparecer. Antônio abriu os
a espetar-lhe a veia. Manoel aproximou-se dele, pousando-lhe a mão olhos ainda sonolentos. Manoel, então, sorriu, dizendo: -
direita sobre a cabeça. Não demorou muito uma luz prateada, brilhante, Já posso ir, Antônio. Você já está curado.
clareou toda a enfermaria. A seguir, retirou-se.
A fonte de luz nascida, através da janela, iluminava o corpo de Do lado de fora, em frente ao Pronto-socorro, uma situação
Manoel, ressaltando-lhe a silhueta e tornando ainda mais branco o terno inexplicável.
que ele vestia. A mão que estendera sobre a cabeça de Antônio, tornara- Dona Perpétua vinha chegando. E, com ela, o menino Moacir, e
se um poderoso condutor de energia, iluminada, fosforescente, cintilante. também um homem: Manoel Jacintho Coelho.
De tão intensa, a luz parecia penetrar na cabeça do ferreiro em agonia. O compositor Agenor de Oliveira, o Cartola, ficou intrigado, sem
Pacientes, enfermeiros e médicos e acompanhantes, perplexos, entender nada. Manoel, terno branco, tinha conversado com ele, entrado
surpresos, embasbacados, acompanhavam, trêmulos aquele espetáculo logo após, no hospital. Estava ali esperando ele sair. Queria saber se
de beleza indescritível. tinha novas informações sobre Antônio, notícias alentadoras. E de
Num determinado momento, a luz tornou-se bem mais forte, repente o homem surgiu na rua, de terno azul.
intensa. A impressão que todos tiveram, nesta ocasião, foi a de que Tratou de indagá-lo:
Manoel Jacintho Coelho, no ponto máximo de sua concentração, deixava - Manoel, você não estava de terno branco?
o chão, flutuando no espaço. - Não.
Depois, o vento forte soprou por toda sala, abaixando a - Você não entrou no hospital?
temperatura que fôra elevada pelo calor da luz. Alguns vidros de - Não ...
mercúrio, tubos de esparadrapo e rolos de gaze caíram no chão,
assustando ainda mais aqueles que ocupavam a enfermaria, nervos à Cartola tratou de pedir a comprovação das pessoas que ali estavam. De
flor da pele. Brancura, Zé Moleque, Gablroba e Adelaide.
Anacleto Martins de Almeida que ali estava com uma crise de - Ô Manoel ... você está brincando ...
bronquite, contaria, anos depois: 86 - Não Cartola, não estou brincando. Cheguei agora com dona
Perpétua.. 87
Todos foram unânimes: Manoel estivera ali, momentos antes, num
elegante terno branco.
-- Mas, mas ...
Manoel não tinha mais como negar. Imaginava o que poderia ter
ocorrido:
- Se vocês querem assim, assim seja ...
Muito não demorou, o episódio que deslumbrou a todos no
hospital, ganhou a rua, arrastando uma verdadeira romaria de curiosos
até lá. Durante muitas semanas não se falou em outra coisa na Cidade
Nova.
Sem entender o que realmente acontecera, o ferreiro Antônio,
sentou-se na maca querendo ir embora, no que foi impedido pelo
cirurgião Antenor:
- Seu Antônio, preciso submetê-lo a novos exames. Se o senhor
estiver curado, vou liberá-la, vou lhe dar alta.
- Como, doutor? Eu nunca estive doente, nem sei por que estou
aqui.
No Café e Bar San Sebástian do espanhol Juan Gonzalez, os
comentários ganham um fato novo, num comovente depoimento do
músico Carlos Espínola, pai de Aracy Cortes:
- O tal homem de branco saiu do hospital, após ressuscitar o
Antônio. Na Frei Caneca, foi abordado por um cego que lhe estendeu a
mão, pedindo-lhe uma esmola. Sabe qual foi a esmola que ele deu ao Palácio da Cultura Racional em Belford Roxo-RJ
cego? A visão. Não sei o que ele fez nem tampouco o que falou. Só sei
que o cego, após coçar os olhos, começou a enxergar. E saiu correndo,
pulando e gritando: estou vendo, estou vendo.
No dia seguinte, o cego seria localizado por um repórter do Diário
Carioca. Chamava-se Alfredo Alencar Moreira, o mesmo que deixara
penalizado o ferreiro Antônio quando ele saía do trabalho.

88 89
IV parte

A HORA DA VERDADE

o s surpreendentes poderes de Manoel Jacintho Coelho começaram


a ganhar as primeiras páginas dos jornais e também correr de boca
em boca por toda a cidade. Homens e mulheres, jovens e velhos,
poderosos e humildes estavam perplexos e deslumbrados com que
assistiam:
- Você conhece o Manoel? Aquele do terno branco? ..
- Não, Aniceto. Eu não conheço, mas tenho ouvido falar dele.
- Você devia conhecê-lo, Belisário. O homem faz coisas do
outro mundo. Aparece simultaneamente em vários lugares, realiza curas
de moléstias tidas como incuráveis e costuma andar com os pés fora do
chão, flutuando ...
- Pára de brincadeira, Aniceto. Um homem da minha idade não
acredita em Papai Noel. ..
- Brincadeira? ... Eu estou falando sério, Belisário. Seria incrédulo
demais ou talvez um tolo se não acreditasse naquilo que está
acontecendo diante dos meus olhos, dos olhos de toda a cidade. Ainda
na semana passada, o João Cândido, aquele do

90 91
armarinho da Rua Catumbi, foi procurar Manoel, na tenda espírita, lá no
Como agradecimento do Presidente, o Manoel ganhou um relógio, a
Méier. A filha dele estava com problemas no ouvido e ameaçada de ficar
amizade do homem e uma homenagem no Palácio do Catete.
surda. Sabe o que aconteceu Belisário?
- Verdade, Aniceto?
- Não, Aniceto. Não sei.
- Verdade, Belisário. O Getúlio agora não sai mais lá do centro
- O homem curou a menina com um sopro. Se você achar
do Manoel. Vira-e-mexe, está lá com comitiva e tudo. Só que o Manoel
que estou mentindo, procure o João Cândido, vá procurá-la. Ontem
não faz distinção nem o Getúlio quer. Quem quiser falar com ele, tem que
estive conversando com ele e o homem continuava embasbacado,
aguardar a vez. Rico ou pobre, influente ou sem prestígio, para o Manoel
perplexo, bestificado. Embora satisfeito, radiante de felicidade.
todos são iguais perante a Deus e merecem o mesmo tratamento. Trata
Olhar de descaso, de pouco crédito, Belisário ouviu em silêncio.
todos com muito amor, generosidade e paciência.
Depois indagou:
- Estou curioso, Aniceto ... coisas desse tipo, eu pago pr:a ver.
- Quem pode comprovar, na verdade, se a menina ficou curada ou
-- Não Belisário. Lá ninguém paga nada. A Tenda Espírita
não? Ou ainda se ela estava realmente doente, com problemas de
Francisco de Assis é uma casa de caridade. Portanto acho bom não
tamanha gravidade no ouvido?
confundi-Ia com uma casa de espetáculos ...
- Belisário, o João Cândido já havia procurado vários médicos e a
- Modo de dizer, Aniceto. Aquele negócio de São Thomé. A gente
menina estava sentindo dores terríveis no ouvido, dores que
quer ver para crer ...
desapareceram logo após o sopro. Quis saber da própria menina o que
- Belisário, o João Cândido me contou também que logo que
ela sentiu quando Manoel soprou-lhe o ouvido e ela contou que sentiu
sentou-se no banco destinado às pessoas que iam participar da sessão,
um calor muito grande entrando pelo conduto auditivo e rompendo com
foi surpreendido. Mesmo sem tê-lo visto, pois permanecera no interior do
alguma coisa que não sabia explicar. Falou-me ainda do detalhe que me
centro, cuidando dos últimos afazeres, Manoel pediu lá de dentro:
deixou também intrigado: no momento do sopro, o Manoel não tinha os
_. Quero falar com esse senhor que a filha está ficando surda.
pés no chão. Seu corpo estava livre no espaço ...
A menina será a primeira a ser atendida. Tem forte infecção no ouvido e
- O que é isto, Aniceto? .. Tenho cara de bobo ...
está sentindo dores. Está sofrendo, necessitando de ajuda. Portanto,
- Ninguém tem cara de bobo, Belisário. Mas nesta hora fica.
peço a compreensão de todos.
O João Cândido ficou com cara de bobo, eu ficaria e você também,
- Ao ouvir Manoel falar, João Cândido ficou arrepiado. Não
diante de uma cena desta.
conhecia o Manoel, e ainda não havia falado com ele nem tampouco
- Mas ...
contado a ninguém ali do centro o problema da filha. Havia apenas
- Mas o que, Belisário? ... Dentre tantas coisas, fiquei
solicitado uma consulta para a menina, sem contudo revelar a doença
sabendo também, ter sido Manoel quem curou as pernas do Getúlio,
que ela padecia.
embora o Dr. Pedra Ernesto tenha ficado com o mérito. Não só curou,
- Mas foi assim mesmo, Aniceto? 93
como também o alertara, dias antes, para o perigo do, acidente. 92
- Inacreditável, mas foi .. o João ainda me contou que no momento Alegre, falante, o barbeiro Donato já não presta atenção no cabelo
em que Manoel revelou a doença da filha, sentiu um vento forte soprar- que corta, doido para entrar na conversa. Homem que faz da amabilidade
lhe as costas. Forte e gelado. Medo e uma sensação estranha, diferente. sua arte, admira uma prosa calma, de longas pausas elucidativas:
Mas adquiriu logo a certeza: a de que a filha ia ficar curada. - Sabe, Pixinguinha. Também estou querendo conhecer o Seu
- Como é o nome da filha de João Cândido, Aniceto? Manoel. Na barbearia se fala dele todo o dia e há coisas que contam que
- Regina, Belisário. Tem 12 anos, uma mocinha. estão me deixando curioso. Semana passada, o Almirante, aquele do
No Salão Magia das Luvas; uma espelhada barbearia da Rua rádio, esteve por aqui, cortando o cabelo e fazendo a barba comigo.
Mariz e Barros, ponto de encontro de boêmios, músicos, sambistas, Disse que conhecia o Seu Manoel da boemia, do violão de sete cordas.
passarinheiros, funcionários públicos, Pixinguinha se levanta, num terno Mas que estava ouvindo muitas histórias sobre ele, histórias que gostaria
riscado. Deixa a cadeira onde aguardava a vez de cortar o cabelo e entra de catalogar para contar, futuramente, num programa de rádio, sobre
na conversa: coisas do além.
- Conheço o Manoel. Além de excelente músico, tem realmente - Antônio ferreiro, Donato. Você sabe dele? ...
santo forte. Possui poderes e vem realizando muitas curas, algumas - Claro, Aniceto. O homem está trabalhando com mais
surpreendentes. Costuma deixar as pessoas embaraçadas, respondendo disposição do que nunca. Parece que não aconteceu nada com ele. Está
perguntas que não chegaram ser feitas. inteirinho, completamente curado. Curado do acidente e da paixão ...
- Será que ele consegue ler a cabeça dos outros, Pixinguinha? - Do acidente e da paixão?
- Às vezes penso que sim, Aniceto, às vezes penso que sim ... - Ou você não sabe, Aniceto?
Pixinguinha ajeita o paletó. - Não, não sei, Donato ...
Terno bem cortado, caimento perfeito, chama atenção para a - O Antônio está namorando a Adelaide, mulher que o socorreu.
roupa que veste: Quem me contou foi o Juan, aquele espanhol do San Sebástian. Hoje de
- Bonito terno, Pixinguinha. manhã, ele esteve aqui fazendo a barba e contando as novidades. Falam
- Obrigado, Belisário. Foi feito por um jovem alfaiate de que o Antônio está muito bem intencionado. Tirou a coitada da vida e
Nilópolis. Um artista invejável e de grande futuro. Não demora muito, vai tudo. Sinceramente, acho que ele fez muito bem.
tomar conta da cidade com sua arte. - Também acho, Donato. Todo mundo merece uma oportunidade,
- O nome dele, Pixinguinha? um ombro.
- Aloysio Carneiro Moraes. Ou Moraes apenas. Mestre da - Contam que foi mais um milagre do Seu Manoel. Ao sair do
tesoura dourada, como preferem seus amigos. hospital, de terno branco, no dia do acidente, ele teria se aproximado de
- O Moraes tem realmente um excelente talho. Preciso, Adelaide, procurando consolá-la: 95
milimetrado. Consegue dar à roupa um ótimo caimento. Vou procurá-lo,
vou procurá-lo. 94
- Não chore, mulher. A tempestade já passou, a luz iluminou as - Manoel, vamos. Chegou a hora.

trevas. Antônio está salvo, curado. Pronto para trabalhar e também lhe Arrepiado, cauteloso, Manoel Jacintho virou-se na intenção de
identificar a voz, saber quem estava falando consigo. Foi quando deparou
dar um lar, uma família ...
com uma enorme e cintilante Estrela de Sete Pontas cobrindo todo o
- Você está brincando, Donato.
altar:
- Brincando? .. Na casa de Tia Ciata não se fala de outra coisa.
- Gostou da estrela, Manoel? Ela representa os Sete Reinados da
Sem conseguir esconder a insatisfação, o passarinheiro Amorim,
Vida. E vai acompanhá-lo a partir de agora, porque o sete é o número da
caminha de um lado para o outro, resmungando e ocupando todos os
plenitude dos Reinados.
espaços da barbearia.
Na frente da imensa estrela, haviam doze cadeiras, seis de cada
Camiseta e calça listrada, sovaco forrado por cabeleira espessa,
lado, enfileiradas, uma de frente para outra, como podem ser
unhas e bigode por fazer, ele reclama indignado, interrompendo o papo
encontradas, hoje, na Varanda do Retiro Racional. No centro, na frente
do barbeiro:
da estrela, uma décima terceira cadeira prateada, iluminada, cintilante:
- Quando você começa a conversar, Donato, é um Deus nos
- Senta, Manoel. Ela é sua ...
acuda. Acaba esquecendo o trabalho, o freguês na cadeira, uma
- Minha?
loucura. Olha só o que você está fazendo com o cabelo do Carlinhos,
- Sim, Manoel. Ela é sua ...
meu amigo lá de Figueira de Meio.
O cabelo do rapaz está todo picotado, cheio de caminhos de rato.
28
Está certo que o Carlinhos goste de passarinhos, seja criador de curiós.
Agora, transformá-lo num galinha da campina, não.
Nervoso, tenso, hesitante, Manoel preferiu ficar onde estava,
Você vai ter de dar um jeito, Donato. Vai ter que dar um jeito.
ouvindo:
O rapaz não pode ficar assim, com uma crista no lugar do topete.
- Serei teu companheiro na tribulação, na realeza e na
Longe da inquietação das madrugadas alegres, da trepidação da
perseverança. Vou ajudá-lo a mostrar aos viventes o que vai acontecer
cidade, da agitação da repartição pública, perdido na simplicidade e na
na Terra, ensiná-lo o mistério da estrela e também todos os segredos da
quietude da Tenda Espírita Francisco de Assis, Manoel Jacintho Coelho
vida. Vamos dar de comer à árvore da salvação.
contempla o espaço, distante e confortado. Esquecido na calma e no
Um forte cheiro de incenso invadiu a tenda espírita. As doze
silêncio, ele aguarda imóvel e quieto a descida do crepúsculo olhando as
cadeiras passaram a ser ocupadas por doze homens. Eram todos velhos,
paredes revesti das de solidariedade e ternura daquela casa de
embora fortes e dispostos. Usavam longas cabeleiras e barbas brancas.
caridade.
Vestiam compridas túnicas brancas e caminhavam com generosidade e
Mas seu corpo logo seria estremecido, por um turbilhão que iria
paciência: 97
varrer as dependências da tenda espírita. Uma voz forte, grave, densa
de mistério e rica de conhecimentos, também se faria ouvir: 96
Agora mais tranqüilo, Manoel torna-se todo atenção:
- São os Cardeais do Universo, Manoel. Eles formam o Grande
- Minha mensagem tem caráter definitivo, Manoel. Aqueles que
Conselho Superior. E vieram assistir ao seu coroamento.
tomarem conhecimento de meus ensinamentos, deverão colocá-los em
- Meu coroamento? ..
prática imediatamente, de modo possam colher bem mais rápido, os
- Sim, Manoel. Ao seu coroamento. Aqui estou para ensiná-lo
frutos de minhas lições. Serão lições de amor, de concórdia, de verdades.
a governar a vida dos viventes, usando o cetro luminoso do Raciocínio.
Vou apresentá-las, através de um Livro, o qual você vai começar a
Para ajudá-lo também a quebrar, com este cetro, os vasos de barro do
escrever a partir de hoje. Com o Livro que irei ditá-lo, você vai conhecer o
pensamento. Nenhuma vitória humana poderá preservar o vivente de ser
poder, a riqueza, a sabedoria, a força, a glória, a honra e o louvor. Mas,
finalmente um sofredor. Mas aquele que estiver em sofrimento, você vai
tudo isso, você deverá usar em benefício da humanidade, da divulgação
ensiná-lo a não se abalar. O sofrimento não é o meu sinal de cólera, mas
da minha Obra, para salvar o vivente do flagelo. Seja generoso, paciente,
o meu sinal de amor. Através dele, vou lapidar, corrigir e salvar.
perseverante. Sempre que se sentir cansado, debruças em mim, pois
Manoel pôde finalmente avistar o homem, cuja voz de trovão
trabalharei por você. Pegue o seu cavalo branco, coloque a minha coroa
estava acostumado a ouvir. Ficou arrepiado, trêmulo. Seu rosto brilhava
sobre tua cabeça e parta com a minha espada. Mate a mistificação, o
como o sol. Seus cabelos eram brancos, longos como os dos outros.
charlatanismo, a exploração. Você conseguirá, Manoel. Os homens,
Seus olhos eram chamas de fogo e seus pés de metal incandescentes.
esteja certo, vão se associar de peito ao teu sacrifício, ouvindo e
Sua voz tinha o rumor dos mares. Mostrava na mão direita uma pedra
assimilando as minhas mensagens. Quem possuir ouvidos, vai ouvi-lo.
branca e na esquerda uma espada azul iluminada:
Quem tiver olhos, vai vê-lo. Suas palavras e os seus escritos, percorrerão
- Sua vida, a partir de agora, Manoel, será muito difícil.
o mundo, transformados num inédito poema de esperança, de
Apesar de seu empenho, da luta e da dedicação para salvar a
revelações.
humanidade, não lhe pouparei do sofrimento. Você vai conhecer as
Manoel não diz nada, permanece silencioso, atento:
difamações, as intrigas, as injustiças. Muitos vão se virar contra você
- Estás pronto para saber o que vai acontecer na Terra, Manoel?
sem eira nem beira, motivo ou justificação. Outros vão acompanhá-lo
Respondeu que sim, embora sem saber ao certo. Desejou apenas
como cordeiros e encontrarão, ao final da estrada, o mundo sonhado.
dar uma demonstração de coragem. De dedicação, de confiança e de
Quem permanecer fiel aos meus ensinamentos será presenteado, na
obediência. As velas dos imensos candelabros de ouro, colocados atrás
hora da morte, com a minha coroa de vida eterna. Prepare-se Manoel,
das cadeiras alinhadas, logo se apagaram. O Arco-íris que invadira com
pois jogarão no teu caminho as pedras do tropeço. Não se desespere
sua luz colorida o salão do centro espírita, durante a mensagem,
nem esmoreça. Trago-lhe do teu MUNDO, uma pedra branca. Nela, você
desapareceu imediatamente. Os relâmpagos e os trovões logo se fizeram
deverá gravar o meu nome, um nome novo, que ninguém conhece. E que
ouvir. O sol se apagou naquele final de tarde e o céu ficou iluminado por
só conhecerão aqueles a quem você abençoar. 98
uma luz vermelha como o sangue. 99
Uma chuva de granizo e fogo começou a desabar, os astros A Cultura Racional, Manoel, é a cultura do verdadeiro estado natural, do
despencaram sobre a Terra, caindo como mangas maduras das conhecimento de retorno da humanidade a seu verdadeiro mundo,
mangueiras. O céu desapareceu por completo. As ilhas foram tragadas através da Energia Racional, elo de ligação do ser humano com o
pelo mar em fúria e ebulição. Homens e mulheres, velhos e crianças, MUNDO RACIONAL. Com o início da Fase Racional, a partir de agora, o
ricos e pobres, patrões e empregados, igualados no desespero e na espiritismo deixa de ter sentido, você sabia?
desgraça, buscando, na aflição, as cavernas nas montanhas. - Não.
- Fique calmo, Manoel - interrompeu o homem de barbas longas e - O que é espiritismo, Manoel? Você saberia me dizer?
olhos de fogo, dizendo: Manoel quer responder, mas não consegue. Falta-lhe a voz e o
- Nem o céu, nem a Terra, nem as árvores, serão danificados RACIONAL SUPERIOR retoma a palavra, explicando:
enquanto não estiverem marcados aqueles que voltarão para nosso - Espiritismo quer dizer: experimentando, em experiência,
mundo. Meus filhos, Manoel, estarão livres do flagelo. Não terão mais espertos, espetando, exploração, sempre com duas intenções, boa e má.
fome nem sede. Nem tristezas nem dores. Já terão sido lavados na fonte Explicação que não dá conta do profundo ser da matéria, ficando em
da vida eterna. O Livro que vou ditá-la, será a chave do poço e do experiência sempre, sem solução, por preservar todos os mistérios, todos
abismo, lembre-se disto. os enigmas, todos os encantos. Reside aí, Manoel, a razão dos
Seguiu-se a advertência: sofrimentos e das lágrimas. Quem vive de experiência não chega à razão
- Durante a tua caminhada não faltarão as profetizas, as nem à conclusão definitiva das coisas. Ninguém deve confiar no
aproveitadoras. Cuidado com as profetizas, Manoel. Tente convertê-las. espiritismo. Quem navega em experiência, não sabe se está certo ou
Mas não as deixe de ensinar, em conduzir o meu rebanho, mesmo que à errado. O espiritismo é, na verdade, um barco sem rumo. Os espíritas
distância. Meus cordeiros acabarão prostituídos e enganados. Desejo ignoram e fazem mistério de suas origens, mantêm segredo em tudo,
convertê-las também, Manoel, mas não com as suas imundícies. mais por desconhecimento do que por precaução. O espiritismo serviu
- Como posso chamá-lo? até aqui, apenas como elemento de toque, para alertar os viventes da
- De RACIONAL SUPERIOR. Os ensinamentos que você vai existência de habitantes neste imenso vácuo. E também de outras
receber para transmiti-los à humanidade, pertencem a Cultura Racional, paragens, além e muito além do vácuo. O espiritismo está no singular e
a cultura do raciocínio, a Imunização Racional. nunca passou disso.
- Mas, o que é Cultura Racional? Manoel continua ouvindo, agora surpreso:
- São os ensinamentos do princípio e do fim do mundo. - Os habitantes do Astral Superior, encontram-se na Terra para
Através da Cultura Racional, o homem vai ficar sabendo de onde ele esclarecer todos os mistérios, desencantar a todos, provar o porquê de
vem. Para onde vai e como vai. Trata-se de uma cultura do Terceiro todas essas confusões, comprovar o porquê de tudo por tudo.
Milênio, transcendental. Vamos ensinar a humanidade, como conhecer o E prosseguiu: 101
mundo de sua raça e também, como saber voltar para ele. 100
E concluiu:
- Você deve lembrar, Manoel. Os Conhecimentos Racionais, são
- E assim, todos nós, cada qual na sua categoria: os habitantes da
conhecimentos reais do porquê dessa vida, do porquê desse mundo, do
Terra, os habitantes do espaço, os habitantes de outras paragens e os
antes de ser tudo que compõe esse mundo e do porquê todos
habitantes do Astral Superior, chegarão lá. Mas, vamos devagar,
desconhecem a sua origem. Do porquê da vida, de tudo e de todos. Isso
aprendendo, estudando, colorindo as lições da Elaboração Racional. As
só é possível, através dos Conhecimentos Racionais. No que é Racional,
dúvidas são daqueles que não conhecem. Com o decorrer da
na pureza e na verdade das verdades. E não assim como vivem, à mercê
Escrituração, as dúvidas desaparecerão, porque o que é Racional é
do espiritismo, uma coisa em experiência, reunindo todas as falsas
completo. O que é ciência é do encanto e cheia de dúvidas. O que é
verdades. Com apenas uma partícula da verdade. Essa partícula é quem
Racional não tem mistérios, nem enigmas, nem encantos. É verdade
anima as experiências do espiritismo, botando todos em dúvida com a
desvendada nua, crua, limpa.
falsa fé, porque a fé é do falso condutor.
O RACIONAL SUPERIOR deu uma pausa. Bebeu um cálice da
29
sabedoria e retomou a palavra:
- Se a fé não fosse do falso condutor, ninguém seria traído por ela.
A noite descera silenciosa e calma, mas Manoel estava nervoso e
Se a fé valesse e resolvesse, todos venceriam com o poder da fé,
impaciente. Queria começar a escrever o Livro e terminá-lo logo, livrando-
ninguém sofreria. Não haveria sofrimentos, porque todos, através da fé,
se da responsabilidade e da obrigação. Tinha consciência da grandeza
atrairiam para si, aquilo de melhor. Por ser a fé um enigma deste
da incumbência, de sua delicadeza e do tamanho de sua importância.
encanto, é que todos vivem mantendo o sofrimento e também o pranto.
Por isso insistia, permanecendo ali sentado, empenhado, pronto, à
Todos usam a fé e o poder dela para todas as formalidades, para todos
espera do grande momento:
os fitos e para todas as soluções. Se a fé valesse, não haveria miséria de
- Se é para fazer, vamos fazer logo. Não gosto de deixar as coisas
todos os tamanhos, de todos os quilates. Nem sofrimento. Mas, por ela
para depois, pode complicar - pensava, papel e lápis sobre a mesa da
não valer é que todos sofrem. Sofre o rico, sofre o pobre, o remediado.
ansiedade.
Sofre quem tem e quem não tem. Se ela resolvesse, nada disso existiria.
As palavras lhe fugiam e as mensagens se perdiam na hora da
E por não resolver, é que tudo isso existe.
Escrituração, sem que ele pudesse explicar o que estava acontecendo.
E foi mais além:
Por várias vezes, olhou o céu, através da janela, na esperança de avistar
- Os conhecimentos que serão transmitidos por Mim, o RACIONAL
o Grande Livro aberto, seguro pela mão de um anjo, diadema de ouro na
SUPERIOR, são Conhecimentos Racionais, diferentes dessa balofestia,
cabeça. Mas quando a impaciência começava a ceder lugar ao
onde tudo é balofo, só existindo a palavra, mas na realidade, nada. E tem
desespero, ouviu a voz do trovão:
mais, Manoel: muitos conhecimentos férteis virão com o andamento da
- Seja paciente, Manoel. Não é assim. O Livro não será aquilo que
Elaboração Racional. 102
você imagina, mas o que tenho para ditar. Após as 22 horas, 103
você deve se concentrar, a Luz Racional vai iluminá-la no silêncio, e
você; então, ouvirá minha voz. Através dela a grande lição a ser dada
a toda a humanidade. Aquele que se embriagar com o vinho do meu
ensinamento alcançará a luz da vida eterna. Quem ignorá-lo, vai
chorar arrependido e desesperado. E arrancará os cabelos ao avistar
a fumaça do grande incêndio. Vai olhar, amedrontado, o tormento.
Mas não haverá mais cálice nem vinho. O orgulho e o luxo vão dar
lugar à tristeza e ao luto. Tudo será devorado: o delicado e o
suntuoso, o ouro e a prata, as pedras preciosas e as pérolas. O linho
e a seda, a madeira e o marfim. Do céu aberto surgirá cavalgando,
finalmente, o Cavalo Branco da Redenção, o qual você deverá
montar. Já lhe dei a coroa, a espada. E lhe darei o Livro. Com a
espada, afaste os preguiçosos, os traidores, os incrédulos e os
abomináveis, pois sobre eles despejarei o fogo de minha ira. Coloque
a coroa na cabeça, Manoel, e trate de guiar aqueles que ouvirem a
sua voz. Pois a sua voz será a voz do céu, a voz das águas, a voz
dos ventos. A voz da natureza, da racionalidade, da verdade
escondida. Seus ouvintes e seguidores serão cobertos e protegidos
pelas asas da grande águia que descerá da estrela. Com o Livro,
espalhe o saber, o conhecimento e a cultura. Através da
Racionalização, vou poder enxugar as lágrimas de todos os olhos,
renovar todas as coisas, pois sou o começo e também o fim.
Aguarde, Manoel. Aguarde a minha música. Ela descerá do céu ao
som da harpa dourada, dando início à salvação dos homens. Neste
dia, estarei sentado num trono branco, sobre a Terra, assistindo
renascer do esplendor do Terceiro Milênio.

104
V parte

O AMIGO QUE VEIO DE LONGE

M anoel Jacintho Coelho modificara completamente a sua vida.


Agora dedicava-se inteiramente à feitura do Livro, mergulhado na
mais profunda solidão. Esquecera de tudo: dos filhos, da família e dos
amigos. Das alegres noites de festa, do violão, do chope
inconseqüente e gelado. Até o foguete, manga larga marchador que
o levava por demorados passeios pelas ruas arborizadas e tranqüilas
do Méier, havia sido esquecido, colocado de lado e engordava no
pasto.
Ninguém conseguiu demovê-lo do trabalho obstinado,
determinado e ininterrupto. Nem mesmo os médiuns da Tenda
Espírita Francisco de Assis, solicitando conselhos e explicações:
- O Manoel está fascinado, envolvido com o trabalho, vai em
frente, sem olhar para trás. Não adianta chamá-lo, convidá-lo, pois
ele não irá ao encontro musical, o que ele está tocando agora é o
Livro e enquanto não terminá-lo, não adianta.
Jacob do Bandolim tinha certeza daquilo que estava falando,
conhecia muito bem Manoel Jacintho Coelho. Sabia perfeitamente o

107

106
que significava para ele a feitura daquele livro, por isso entendia, Desempregado, sofrendo muito, Nelson não sabia mais o que
aceitava e impedia que os outros músicos fossem incomodá-lo. fazer. Sua mulher e seus filhos foram levados para a casa de sua sogra e
- Então, Jacob. Como vamos fazer? Onde vamos encontrar um estavam sendo sustentados por seus irmãos, as dores aumentavam, a
outro sete cordas bom como o Manoel? perna inchando, inchando. Sem dinheiro, mal podia comprar remédios,

- Calma, Ciro. Ainda não sei e não estou querendo esquentar a cuidar do ferimento. Agora, até o socorro médico nos hospitais públicos

cabeça por enquanto. A festa só vai ser realizada mês que vem e até lá tornava-se penoso, devido às dificuldades de locomoção.

talvez o Manoel já tenha terminado o Livro. Quem sabe? Naquela manhã, a coisa piorou. A ferida abriu de vez,

Ciro Monteiro e Jacob do Bandolim seguem em frente, descendo a aumentando-lhe ainda mais as dores. Nelson chorava inconsolável:

Avenida Central, rumo à Cinelândia. Contemplam a cidade, seus - Por que meu Deus, por quê? Eu tinha saúde, o meu trabalho, a
recantos e explanadas. Na tenda espírita, Manoel continua ouvindo, minha família. Era um homem feliz, de repente a desgraça. Não posso
concentrado, a voz do RACIONAL SUPERIOR: entender, meu Deus, nunca fiz mal a ninguém, sempre fui um homem
- Vamos, vamos, Manoel. Sempre que o prepotente fizer bom. Por quê? Por quê, meu Deus?
prevalecer sua ignorância, sua brutalidade, não recue nem sinta - Por que tá chorando tanto assim, homê de Deus. Não se
desgosto. Mas o gosto da provocação, iluminando-o com a luz e a força desespere não, nem tudo tá perdido nesta vida.
de seu raciocínio. Jamais conceda ao prepotente a trégua da sua - Como? O que a senhora está falando? Estou sentindo rnlJita dor.
indiferença. Nem tenha medo. Ao levar a minha mensagem, seja forte. Não tenho o que comer, perdi minha família, meus filhos, meu trabalho,
Não se preocupe com as reações. A única coisa que devemos ter medo minha casa. Agora vou perder minha perna, vou morrer. Talvez seja
no mundo é do próprio medo. melhor morrer.
O RACIONAL SUPERIOR tinha pressa. Findava o ano de 1935 e - Vou ti ajudá, homê, vou ti ajudá.
Manoel precisava concluir os 21 volumes básicos da obra que iria ser - Me ajudar? Ninguém pode me ajudar, ninguém ...
intitulada de UNIVERSO EM DESENCANTO. - Homê, você tá enganado, Tem uma pessoa na Terra
que pode ti ajudá -
31 Quem?
- O Manué.
Pedreiro de profissão, Nelson Nunes de Almeida mal podia - Manoel? ... Quem é Manoel?
caminhar. Uma enorme ferida surgira em sua perna esquerda, - Mora no Méier, mas já morô na Praça da Bandeira. Tem
provocando-lhe dores terríveis. Enquanto tinha dinheiro, consultou vários um centro, mas não é daqui. Veio de longe. Eu mi lembro du dia que
médicos e nada, a perna cada dia inchava mais, para o seu desespero. ele veio, eu mi lembro.
Até a pequenina casa, na Rua Mello e Souza, em São Cristóvão, acabou
abandonando por falta de pagamento. 108 109
A mulher continuava falando, falando e olhando para o céu, Nelson foi esperançoso, arrastando o corpo, perna inchada,
buscando alguma coisa. Seus olhos refletiam à luz e o brilho tornava o ficando roxa. Seu entusiasmo e a certeza de que ia ficar curado era tão
mistério ainda maior. Nelson não entendia nada, mas continuou curioso e grande, tão grande, que foi embora sem perguntar à Amélia Baiana onde
também esperançoso: ela morava. Se ficasse curado, como ia agradecê-la:
- Se existe esse homem que pode me curar, diminuir o meu - Sou um distraído, um mal-agradecido - falou baixinho.
sofrimento, por que não vou procurá-lo?
Desejava ir até ele, sim, mas como, se não tinha sequer o dinheiro 32
para a condução:
- Minha senhora, onde mora esse homem? Em que rua? Eu De roupa branca, sentado numa cadeira da mesma cor, Manoel
preciso falar com ele, eu preciso ... Jacintho Coelho vai escrevendo, iluminado por uma luz prateada, muito
- Você vai falá com o Manué, você vai falá. Tenha intensa, numa pequena sala da Tenda Espírita Francisco de Assis. Vai
paciência, você vai falá com o Manué ainda hoje. Vou lhe anotando, com muita atenção, as palavras que lhe são ditadas pelo
explicá direitinho. Chegando lá, você vai tê que esperá. Universo:
Tenha paciência, meu fio, espere o tempo que for. O Manué - E vivem todos como feras, brigando com tudo, por isto e por

anda muito ocupado, conversando com Deus, recebendo a aquilo. Demandando por isto e por aquilo. Por negócios ou seja lá por que

mensage du céu. Por isso, espere. É preciso saber esperar, for. Vivem num inferno em vida. Desesperados, sem sossego. Em certas

você num vai arrependê, não. horas e em certos dias nem vivem, vegetam. Abafados e sem ar,
- Quando ele me perguntar quem me mandou lá, o que devo suspirando e lamentando-se. Tudo isso por viverem contra a sua própria

dizer, minha senhora? natureza. Trabalhando contra si mesmos. Sempre desfavorecidos em


tudo e sempre incompreendidos. São amigos hoje e serão inimigos
- Diga que foi uma amiga dele, a véia Amélia Baiana.
amanhã. Aparentemente estão bem hoje e amanhã estarão mal.
Nelson ficou arrepiado ao ouvir aquele nome. Uma sensação estranha,
Portanto, todos vão de mal a pior. E por isso veja, como gozavam há
forte, diferente, vibrante, sacudiu o seu corpo. Emoção incontida tomou
séculos passados e como tudo tem piorado de um século para cá. E no
conta de seu peito e seus olhos se encheram de lágrimas. Aquela mulher
futuro irá piorar, pois enquanto não chegarem aos seus lugares, o
que ali estava não era uma mulher qualquer nem tampouco aparecera em sofrimento não acabará. E só depois de todos nos seus lugares, é que
sua vida por acaso. Naquele reencontro havia o dedo de alguém e em vez de irem para pior, como iam, irão todos para melhor. Todos estão
também uma luz a indicar-lhe o caminho. pela metade do saber. E para concluírem esse saber terão de chegar à
- Você tem dinheiro, meu fio? conclusão de que precisam encontrar o natural de si mesmos, para então
- Não senhora, eu não tenho. abraçar o Criador, pois enquanto não abraçarem o Criador, o sofrimento
- Então tome aqui o trocadinho, você vai precisá. Agora aumentará sempre,
vá, procure o Manué. 110 111
estarão incompletos de sua natureza. E só abraçando o Criador estarão 33
completos de tudo com sua natureza, trazendo para si tudo de melhor.
- Como podemos abraçar o Criador? Na Tenda Espírita Francisco de Assis, no Méier, Nelson Nunes de
- Ora, conhecendo o que não conheciam. O que estão Almeida comportou-se exatamente como Amélia Baiana havia lhe
agora conhecendo: a Imunização Racional. Não confunda Imunização orientado. Pediu para falar com Manoel e diante da resposta de que ia
com espiritualização. A espiritualização é apenas urna forma que demorar um pouco, sorriu, dizendo:
encaminha para a Imunização Racional. O vivente já conhecendo a - Eu sei, eu sei. Mesmo assim vou esperá-la. Não tenho pressa. Fechou
Imunização, Escrituração que está em vossas mãos, precisa apenas os olhos e lembrou-se de Amélia Baiana, aquela mulher negra, caridosa,
conhecer e ficar ciente de todo o seu conteúdo, para ficar completo de preocupada com o sofrimento dos outros. E também da observação que
tudo de sua natureza. E alcançar as graças do Astral Superior. ela fizera:
E prosseguiu: - Seja paciente meu fio, espere o tempo que fô. O Manué anda
- Vale dizer, Manoel. Na espiritualização, o vivente está ainda muito ocupado, conversando com Deus, recebendo mensage do
incompleto de sua natureza. E por isso, em mais da metade do caminho, céu.

continua incompleto. Completo o vivente somente vai estar com a Amélia Baiana sabia das coisas e não havia aparecido em sua

Imunização Racional. vida por acaso. Surgiu para indicá-lo com o dedo da sabedoria, o
Falou e deu provas, dizendo: caminho da salvação, da luz e da verdade.
- Uma das provas de que o infante que vive em contato com a Perna inchada, Nelson não conseguia calçar sapatos e caminhava
natureza vive bem é dada ao próprio vivente pela botânica, que é um ser com enorme dificuldade. A cada passo, gemia, sentindo dores terríveis.
admirável por ser comunicativa com os humanos. Julgava-se sozinho, abandonado no mundo, jogado fora. Após a doença,
E por isso, aí estão na Flora, vegetais com recursos para a cura esquecido, passara a viver na fronteira com o lixo, pois nem banho
disto ou daquilo, dando ao vivente, meio de remediar os seus males até tomava mais.
não poderem. Também nos sais, nos minerais, nos fluidos elétricos e - Você vai melhorar, moço. Vai ficar curado. As Entidades do Astral
magnéticos, ou até mesmo na auto-sugestão, o vivente encontra a cura, Superior acabaram de me garantir. O tormento, as dores, as dificuldades,
quando há razão para ser curado. E tudo isso é possível, porque tudo é vão desaparecer. As razões de seu fracasso, da doença e dos problemas
originado das próprias partículas dos viventes e, por isso, tem grande surgidos em sua vida, não vou poder revelar, mas vou restituí-lo, a partir
ação benéfica para o corpo, tanto na cura corno na alimentação, que são de hoje, de tudo aquilo que você perdeu.
os legumes, os cereais e etc... 112 Manoel Jacintho apareceu na porta muito antes do tempo que se
previa. Era a própria luz da esperança, da misericórdia. Sobre sua cabeça
havia uma coroa de material fosforescente. Nelson sabia que se quisesse
tocá-la não iria conseguir, porque a coroa era transpassável. 113
Parecia iluminada de néon, tamanha a beleza da luz. Então não se Manoel não sabia de onde Nelson havia surgido nem
conteve, caiu de joelhos aos pés de Manoel, suplicando: tampouco quem lhe indicara o caminho da Tenda Espírita Francisco
- Por favor,. por favor. Me ajuda, me ajuda. Não deixe os de Assis. Mas ali estava, dedicando-se àquele homem. Após o banho,
médicos cortar minha perna, não deixe cortar minha perna. trouxera-lhe as roupas e muito mais: comida e também uma
- Tenha calma, moço. Sua perna não vai ser cortada. considerável quantia em dinheiro por determinação superior:
Ao fazer tal afirmação, Manoel colocou as mãos sobre a - Pegue todo aquele dinheiro que está guardado para a feitura
cabeça de Nelson. O homem continuava ajoelhado e chorava do meu Livro e entregue a esse homem, Manoel. Não se preocupe. O
desesperado. Lembrou-se então do que lhe dissera o RACIONAL dinheiro para o Livro vai surgir. O importante por enquanto será
SUPERIOR no Dia da Anunciação: "o sofrimento não é o meu sinal concluir a Obra. Vamos, Manoel. Pegue o dinheiro e trate de
de cólera, mas o meu sinal de amor". No que pensou assim, sentiu presenteá-lo a esse homem.
um forte calor percorrer todo o seu corpo e passar para o corpo do Manoel tratou de obedecer. Nelson ficou surpreso, espantado.
homem que ali estava, através da mão que apoiara na cabeça dele, O que estava acontecendo era simplesmente inacreditável. Chegara
num gesto de solidariedade, de sentimento e de amor por seu ali um trapo, um molambo, dobrado pela dor, castigado pela vida,
semelhante. mergulhado na miséria. Duas horas depois, a situação havia se
Nelson percebeu o seu corpo esquentando, esquentando. Mas modificado de forma radical. Não sentia mais dores, estava de banho
manteve-se em silêncio, cabeça arriada. O calor foi tão forte e tão tomado, limpo, de roupas novas e alimentado. Podia calçar sapatos e
intenso, que suas lágrimas secaram e as dores desapareceram tudo, pois sua perna começara a desinchar após o recebimento da
como um encanto. Observou que o corpo de Manoel, naquele energia que emanara do corpo de Manoel. E como se não bastasse
instante, estava solto no espaço, flutuando, circundado por uma tudo aquilo o homem ali estava lhe dando considerável quantia em
auréola luminosa. dinheiro, para que pudesse reiniciar a sua vida.
Era inacreditável tudo aquilo que estava vendo e sentindo. Se Sentiu-se envergonhado. Em princípio não quis aceitar,
contasse, ninguém ia acreditar. Porém tinha que reconhecer: era achando que podia estar explorando aquele homem que, sem lhe
deslumbrante, incrível, extraordinário. conhecer nem tampouco perguntar de onde viera, abrira a porta de
O calor foi diminuindo simultaneamente com a luz e a sua casa, estendendo-lhe a mão, disposto a ajudá-lo:
situação, poucos minutos depois havia se normalizado. Manoel - Não, Manoel. Eu não posso aceitar esse dinheiro todo. Não
estava no chão outra vez, transformado novamente em homem: tenho como pagar. Estou desempregado, doente, e não sei como vai
- Nelson, vai tomar banho. Você está muito sujo. O processo ser minha vida daqui para frente.
de cura foi iniciado, mas você só vai estar totalmente curado dentro - Moço, eu tenho ordens para lhe dar esse dinheiro. Trate de
de sete dias. Portanto, neste espaço de tempo, tome todos os aceitá-lo e procure usá-lo da melhor maneira possível. Vá em frente e
cuidados básicos de higiene. Procure se lavar muito bem, cuide de sua vida e não olhe para trás. Um dia vamos nos encontrar.
principalmente a perna ferida. Vou procurar algumas roupas para
você. 114 115
Antes de partir, Nelson, satisfeito, comentou: Surgia, a partir daí, uma nova cultura: a CULTURA RACIONAL. Aqueles
- Quando aquela senhora cruzou meu caminho e começou a me que sorviam as lições contidas no Livro, conscientes da importância
fazer perguntas, eu sabia, eu sabia! Ela estava ali para me ajudar. Eu daquele trabalho para o destino da humanidade e da necessidade de
sabia, eu sabia. uma divulgação sempre crescente da Obra, invadiram as ruas, avenidas
- De que senhora você está falando? e praças, falando em raciocínio, concórdia, equilíbrio e desenvolvimento.
- De dona Amélia Baiana. Diziam:
Ao ouvir o nome de Amélia Baiana, Manoel estremeceu. Olhou "Quem deseja ver a Luz dos seres do nosso mundo de origem e
através da janela e viu o céu aberto. No interior dele, um cavalo branco, desvendar todos os seus mistérios? A Cultura Racional possibilita isso,
veloz, cavalgando em sua direção. tirando-nos de um mundo de sofrimentos, de um mundo de deformação."
A voz de mar retomou a palavra mais uma vez: E ainda:
- Enxugue as lágrimas de todos os olhos e coloque o sorriso no "O corpo fluídico (energia) dá origem a outros corpos (micróbios).
rosto do homem triste. Dê de beber àquele que tiver sede, de comer Estes originam outros, que são seres humanos e todos os outros que têm
àquele que tiver fome, dê coragem àquele que tiver medo, esperança vida. Esse corpo fluídico - que não se vê - é apanhado pela Imunização
àquele que tiver em desespero. Dê consolo aos aflitos e coloque a Racional, e é levado a seu mundo de origem. No Fluido Racional - puro,
verdade das minhas palavras na boca do descrente, do mentiroso, do limpo e perfeito - reside o verdadeiro bem da humanidade. Ele tem sido a
falso profeta. Seduza o vivente com o meu canto e faça dele a sua razão das muitas curas."
oração. Ultrapasse os muros, Manoel. E percorra o mundo, espalhando a Falavam em linguagem nova, uma linguagem de evolução, uma

minha mensagem e apresentando o meu Livro. linguagem de desencanto:


"Torna-se necessário o desencanto, para que tenhamos a chance
34 de voltar a apenas uma coisa: nossa origem na Planície Racional.
Desencantados, não seremos mais mortais, pois estaremos salvos e

Os anos se passariam. Manoel Jacintho Coelho fecharia as portas absolvidos da morte. Saibam todos que a Cultura Racional é o único
caminho capaz de esclarecer, orientar e imunizar a humanidade, para
da tenda espírita, no Méier, e se mudaria inicialmente, para
que ela retome às suas origens e alcance a eternidade. E lembrem-se: a
Jacarepaguá. Depois para Belford Roxo, na Baixada Fluminense. O Livro
Imunização Racional já foi anunciada há séculos por São João e
escrito seria colocado em circulação e receberia surpreendente
Nostradamus: "Depois que o mundo superar as hecatombes pelas
aceitação.
quais terá que passar, virá, então, a redenção universal" ... "
Concluídos os trabalhos de preparação da natureza, logo após a
117
mudança de fase, em 1935, foram abertos os caminhos, para a
divulgação em massa dos ensinamentos contidos nos Livros UNIVERSO
EM DESENCANTO. 116
Na Alemanha, Abdruschin, na célebre Mensagem do Graal "O futuro próximo dará a resposta por si, mesmo. Só haverá um
(lm Lichte Der Wanreit), recebida de 1924 até 1937, iria fazer único Mestre Universal. O Filho do Homem também não precisa
importantes revelações: nascer, pois j$ se encontra entre os homens, o que aliás muitos
profetas religiosos intuitivamente já o sentiram."
"Enquanto o Filho de Deus nasceu diretamente para a sua
missão terrestre, o percurso do Filho do Homem antes de sua Referia-se também a Pietro Ubaldi, o escritor italiano.
missão, teve que passar por um círculo muito maior, antes que Abdruschin iria mais além no seu esclarecimento:
pudesse entrar no início de sua missão, propriamente. Como "Entre todos os falsos profetas e guias, restará o Filho do
condição para poder cumprir a sua missão, ainda mais terrenal Homem, nesses tempos penosos, tempos esses que estão muito mais

comparada com a do Filho de Deus, vindo das alturas máximas, próximos do que esses mesmos homens, fantasiosos e pessimistas,
teve que percorrer as profundezas mais baixas. Não apenas do imaginam e nos quais ele, o Filho do Homem, será o único e
além, mas também terrenalmente, a fim de poder "vivenciar" de perto verdadeiro auxiliar para as dificuldades espirituais e terrenas. Por isso,
todas as dores e todos os sofrimentos dos seres humanos. Somente ele não poderia ser criança nem ainda nascer. Seria assim demasiado
por essa maneira ficou em condições de, quando chegar a sua hora, tarde para advir um auxílio ainda em tempo."
interferir nas falhas de modo eficiente e criar alterações auxiliando." "O Filho do Homem - revelou Abdruschin - espera
E acrescentou: tranqüilamente a época do cumprimento de sua missão visto que hoje
"Por esse motivo não podia ficar à margem do vivenciar da em dia muitas classes zombariam dele e o odiariam não menos do
humanidade, antes teve que se encontrar em meio disso tudo por que outrora ao Filho de Deus."
próprio experimentar vivencial, inclusive das coisas amargas e E indagou, respondendo a seguir:
sofrendo com isso. Novamente, só por causa das criaturas humanas "Por que deveria anunciar-se prematuramente, uma vez que a

teve que realizar-se, portanto esta sua aprendizagem. Mas, vontade de Deus aplainara os caminhos para ele? Não necessita

precisamente isto por ficar incompreensível ao espírito humano em tomar parte na corrida cujo objetivo é unicamente dele. Ninguém
sua estreiteza, tal condição superior, e sendo capaz de formar um alcançará esse objetivo, exceto ele. Quem, de todos os homens que
juízo segundo as aparências exteriores, procurar-se-á fazer-lhe procuram seriamente, pode imaginar que esse Filho do Homem se
censuras a fim de lhe dificultar a missão, assim como Cristo naquele coloque em linha com todos, ou mesmo com apenas um daqueles que
tempo." hoje se denominam de guias? Essa suposição não lhe parece

Àquela época, indagou-se de Abdruschin se o Filho do ridícula? O Filho do Homem não procura angariar benevolência dos

Homem já se encontrava na Terra, ou se ainda iria nascer. Isto homens, tampouco discutir com as igrejas. Isso tudo não é necessário
como indicação do caminho certo para todos aqueles que tinham para ele. A vontade de Deus impele desta vez a humanidade, como
assimilado a sua palavra com convicção. Ele, então, respondeu: que chicoteada ao encontro dele."
118
Depois, incluiu: 119
"Seu tranqüilo aguardar é o que de mais terrível poderia acontecer - Mas o senhor não parece que está precisando tanto assim de
à humanidade. Ela entretanto, não merece outra coisa. A humanidade trabalho. Pedreiro de terno tem que estar muito bem de vida - disse o
receberá o que ela mesma preparou para si. Por isso, espere você encarregado da construção.
também, com calma, até que se cumpra a hora." O homem sorriu diante da observação, explicando:
- Eu só ando bem vestido, porque sou trabalhador. Ou será que
35 um pedreiro, pelo fato de ser apenas um pedreiro, não pode vestir um
terno?
Em Belford Roxo, Manoel Jacintho Coelho mandou construir, - Claro que pode. Mas do jeito que a vida está, pedreiro só veste
seguindo orientação superior, um palácio de arquitetura neoclássica, com terno no dia do casamento da filha - falou e foi embora, atendendo o
amplo átrio, sustentado por colunas e pórticos, relembrando a nobreza da chamado de um colega de trabalho.
Grécia antiga. Aquele casarão singular, destacado na paisagem, passaria O homem permaneceu ali, acompanhando o trabalho, aguardando
a ser o templo do RACIONAL SUPERIOR na Terra e iria atrair a atenção com paciência, o momento para falar com Seu Manoel. Havia decidido: ia
de milhares de pessoas. esperá-lo o tempo que fosse necessário, mas iria falar com ele. Queria
Mas logo que Manoel começou a construí-lo, recebeu uma visita trabalhar, precisava trabalhar. Não arredaria pé dali sem que tivesse
inesperada, a de um pedreiro que desejava trabalhar: realizado o seu objetivo, o seu desejo. À tarde, inteirado da permanência
- Tem um homem aí Seu Manoel, querendo trabalhar. Disse que do homem ainda na obra, Manoel mandou chamá-lo:
era pedreiro, profissional de muita experiência. - Se um homem permanece tanto tempo pedindo trabalho, é
Ao receber a informação, Manoel mandou dispensá-lo, alegando porque ele deseja realmente trabalhar. Quero falar com ele, talvez possa
não haver vagas: dar um jeito.
- Mande esse homem voltar outro dia. Por enquanto não há vaga. - Vamos lá, moço. O Seu Manoel vai falar com o senhor. Vai lhe
Bem que gostaria, mas não posso dar trabalho a todo mundo. Preciso receber, acabei de falar com ele - disse o encarregado.
terminar a obra e quem trabalha quer ganhar, porque precisa comer, O homem apressou-se. Diante dele, Manoel Jacintho Coelho ficou
morar e se vestir. Avise a ele para voltar outro dia, avise ... surpreso e abriu os braços para abraçá-lo comovido e satisfeito.
Mas o homem insistiu. Queria trabalhar e pronto. Mesmo tendo O homem que ali estava, desejando de forma irredutível, trabalho
sido informado pelo encarregado da obra da falta de vaga, ele na obra, era seu velho conhecido. Tratava-se do pedreiro Nelson Nunes
permaneceu ali, irredutível. Disse que desejava falar com Seu Manoel e de Almeida, aquele cuja perna havia curado e a quem havia entregue
que iria aguardá-lo: todo o dinheiro da feitura da edição inicial do Livro.
- Eu não tenho pressa, não tenho pressa. Vou falar com Seu - Por onde você tem andado, Nelson? Como você está
Manoel. Preciso falar com ele, preciso trabalhar, moço. 120 bem ... 121
- Estou sim, graças a você, ao Verdadeiro DEUS e também Quis saber então, onde ela estava morando, pensando em visitá-la
Amélia Baiana. Aliás, foi ela quem me deu seu endereço. periodicamente e ela me falou que estava morando com o senhor, aqui
- Como? .. Eu não vejo a Amélia Baiana desde meu tempo de em Belford Roxo. Quando ela falou seu nome, minha alegria foi maior
menino, quando morava lá na Cidade Nova, na Rua Barão do Iguatemi. .. .. ainda, Seu Manoel. Como estou feliz de poder estar a seu lado, poder
- Engraçado, Manoel, ela me disse que estava sempre com você abraçá-lo.
... - Mas você Nelson, você está trabalhando?
Manoel sentiu um vento frio soprar-lhe as costas como se tivesse - Não, Seu Manoel, hoje sou um homem rico, não preciso
anunciando a presença de alguém ali. Talvez fosse ela, a negra Amélia mais trabalhar. Ou melhor, preciso trabalhar na construção da casa da
Baiana de todos os favores, de todas as virtudes. A mãe dos desvalidos, Cultura Racional. Não por necessidade, mas por agradecimento. Quero
dos aflitos, dos desesperados, do amor e do perdão. também devolver o dinheiro que o senhor me emprestou e oferecer uma
- Mas, Manoel, andei a cidade toda à sua procura. Logo após ter substancial quantia em dinheiro para ajudá-lo na feitura dos seus Livros,
saído de sua casa naquele dia, minha vida começou a se modificar. Além essa Obra gigantesca e importante.
de ficar curado da ferida na perna, ganhei ânimo, coragem e disposição - Mas como você conseguiu tanto dinheiro, Nelson?
para enfrentar as dificuldades da vida. Durante sete dias, permaneci em - Ah! Através do trabalho que nunca mais me faltou e da
repouso num hotelzinho no Catete. Depois, tratei de recuperar todas as dedicação. Acabei construindo a minha própria firma, uma pequenina
minhas ferramentas de trabalho e fui à lufa, trabalhando, trabalhando. empreiteira, de sociedade com um advogado. A coisa cresceu, Seu
Assim que equilibrei minha vida, fui procurá-lo. Queria pagar o dinheiro Manoel, deu lucros. E continua dando. Agora, não estou aqui como
que o senhor havia me emprestado e também agradecer tudo aquilo que patrão, como dono de empresa. Eu serei para o senhor, para a Cultura
o senhor fez por mim. Mas quando cheguei ao Méier, não encontrei mais Racional, para Amélia Baiana, o mesmo pedreiro que um dia você deu
o senhor. Através dos vizinhos, fiquei sabendo de sua mudança para ajuda. Eu quero trabalhar no palácio da Cultura Racional, quero ajudar a
Jacarepaguá. Ontem, porém, passava pela Praça da Bandeira quando construí-lo, não só com o dinheiro que tenho, mas empunhando a colher
avistei Amélia Baiana. Ah! Que felicidade Seu Manoel. Corri ao seu de pedreiro, virando a massa, dobrando o vergalhão ...
encontro e fui abraçá-la, beijá-la. A coisa que mais desejei na vida foi Sonorizando a voz do bom pedreiro, o som da harpa dourada.
revê-Ia. E à medida que eu ia vencendo na vida, a saudade que eu tinha
dela foi aumentando. O senhor não pode imaginar a minha alegria ao vê- 36
Ia ali caminhando. Quis levá-la comigo, cuidar dela. Mas ela disse que
não, alegando que tinha muitos filhos para cuidar. Quis saber se ela
Idolatrado ator que havia emprestado todo o seu talento à arte de
estava precisando de dinheiro e Amélia respondeu que tinha o suficiente
representar, levando emoção, alegria e sorrisos às platéias de todo o
para viver.
mundo, também acompanharia o passo evolucionário da natureza e
assumiria, de público, a sua identidade de Racional. 123
122
Seu nome: Procópio Ferreira. acima do sol. E o primeiro pertence aos seres Racionais puros, limpos e
Assim que começou a leitura do Livro ditado pelo RACIONAL perfeitos.
SUPERIOR, Procópio Ferreira não hesitou: tratou de doar sua imensa Os que vivem entre a Terra e o sol, são os habitantes do curso
biblioteca, afirmando: primário e por isso, vivem de experiência, na incerteza de tudo, duvidando
- Já não preciso de tantos livros. Agora tenho apenas um: de tudo, desconfiando de tudo, sempre com medo. Os humanos são
UNIVERSO EM DESENCANTO. Nele está contida a verdade que seres deformados. Os espíritos, não se deformaram totalmente, estão
procurei a vida inteira. entre o sol e a Terra, acima de vocês, habitantes do Astral Inferior. O
Após ter residido em luxuosas mansões no Rio e São Paulo, com curso secundário é formado pelos habitantes do Astral Superior,
mordomos de libré, possuir automóveis do último tipo, criados e localizado acima do sol. Também são deformados, mas estão numa
motoristas, Procópio decidiu modificar sua vida por completo. Tornou-se categoria acima. O curso superior, finalmente, é do MUNDO RACIONAL,
completamente indiferente aos bens materiais, indo morar numa casa o que deu origem ao nosso mundo, e ao qual se pode voltar pelo
simples, numa rua sem calçamento, em Nova Iguaçu. conhecimento. Esse conhecimento é atingido pela leitura dos 21 volumes
Quando iniciou a leitura do Livro UNIVERSO EM DESENCANTO, do UNIVERSO EM DESENCANTO. Encontrando o MUNDO RACIONAL
Procópio estava muito doente. Não andava, estava quase paralítico. vocês terão feito a maior descoberta de todos os tempos. Hoje, pelo
Amigos colegas de trabalho já lhe consideravam um moribundo. menos, vocês já sabem como entrar em contato com seus Habitantes,
Encontrava-se totalmente perdido, sobretudo no terreno espiritual. Não nossos irmãos. Depois da Imunização, sempre pelo conhecimento,
acreditava em nada, absolutamente em nada. poderão vê-los e dialogar com eles, assim estão entrando na Fase
Foi o farmacêutico que lhe aplicava injeções que lhe mencionou o Racional, à qual alcancei.
Livro UNIVERSO EM DESENCANTO, afirmando que "esse Livro Seu Do simples entendimento, a Cultura Racional, passou a alcançar,
Procópio, vai resolver seu caso". após o seu surgimento, resultados extraordinários, O Brasil fôra
E resolveu. historicamente preparado de acordo com o próprio Manoel Jacintho
Dias após o início da leitura, Procópio estava completamente Coelho, para ser o seu berço:
curado. Através do Fluido Racional, os males de seu corpo, produzidos - Essa nova cultura é a cultura que une, não divide. É a cultura que
pelo elétrico e magnético, foram eliminados. soma, não subtrai. A cultura que harmoniza, não cria discórdia.
Procópio iria desaparecer muitos anos depois, após ter cumprido Os Livros da Obra UNIVERSO EM DESENCANTO ganharam o
seu ciclo terreno. Mas, ainda hoje, muitos estudantes da Cultura mundo. Começaram a ser lidos nas Antilhas, Austrália, Kenya, Botsvana,
Racional, estão acostumados a vê-lo em suas casas, orientando: Beira, Canadá, China, Dinamarca, Filipinas, França, Grécia, Ghana,
- Existem três mundos diferentes, todos eles habitados. O terceiro Nigéria, Japão, Israel, Estados Unidos, Argentina, Bolívia, Chile,
é o dos seres materializados e dos invisíveis que vivem entre o sol e a Colômbia, Equador, Cuba, República Dominicana, Espanha, EI Salvador,
Terra. O segundo é dos seres invisíveis do Astral Superior, Guatemala, Holanda, México, Panamá, Paraguai, Porto Rico, Peru e
124 Uruguai. 125
Seriam traduzidos para catorze idiomas. Neste instante, uma imensa águia cruzou o céu, levando um
Manoel iria receber, por seu trabalho em prol da humanidade, uma enorme Livro no bico. O sol tornou-se mais quente e o dia mais claro. O
infinidade de títulos e condecorações. As comendas e homenagens se céu novamente se abriu, dando passagem ao imenso cavalo branco, e
multiplicariam. Em vários Estados brasileiros seriam instituídos os "Dias permitindo sua cavalgada pelo Universo. Sobre uma imensa nuvem
da Cultura Racional". E diante da violência que começou a crescer em também branca, estava o trono cintilante, ocupado~or um "Homem" que
todo o mundo, ele sentenciaria: Manoel já conhecia. De longos cabelos brancos e túnica da mesma cor, o
- A solução da violência está no desenvolvimento do raciocínio; a RACIONAL SUPERIOR começou a falar:
solução do desrespeito está no desenvolvimento do raciocínio. - Bem-vindo à minha casa, Manoel. Nela você vai encontrar o rio
Aos 85 anos, lúcido, Manoel Jacintho Coelho não quer que lhe da água da vida. No dia da Redenção, a água deste rio vai brilhar como o
façamos culto, apesar de tudo. Mas apenas que tenhamos a sua cultura, cristal. Continue trabalhando, pois acompanharei teus passos. O dia
nem tampouco executa ações sobre o livre-arbítrio daqueles que chegará em que os injustos não mais cometerão injustiças, os perversos
decidiram por segui-lo. Libertário por natureza, deseja que todos não mais praticarão covardias nem os impuros estarão mergulhados nas
continuem o exercício de suas liberdades. impurezas. Ah! Manoel, eles não gozar~o das sombras das minhas
árvores nem tampouco ultrapassarão os umbrais do pórtico da salvação.
37 Portanto não entrarão na minha casa nem gozarão das delícias de meu
Reino.
Apesar da suntuosidade e beleza de seu estilo arquitetônico, o O cavalo branco que cavalgava no céu, aproximou-se de Manoel e
Palácio da Cultura Racional, na Rua Áurea, 20, em Belford Roxo, acabou ele tratou de montá-lo. Pensava que estava sozinho, porém, ao olhar
por se tornar pequeno e modesto para tanta gente que vinha de longe para trás, avistou muitas pessoas.
beber o vinho do ensinamento, no cálice da Cultura Racional. Lá estavam acenando para ele, com lenços brancos: Meia-noite,
Tornara-se portanto, imprestável para aquilo que se propunha. Antônio ferreiro, Adelaide, Nelson pedreiro, Marinho, Dino, Tia Ciata,
Manoel, então, não hesitou em abandoná-lo, apesar de sua Cartola, Nelson Cavaquinho, Ciro Monteiro, Jacob do Bandolim,
magnificência e pompa. Pixinguinha, Zé Moleque, Gabiroba, Brancura, Aninha, Getúlio Vargas
Sem perda de tempo, tratou de dar início à construção do Retiro e ela: a negra Amélia Baiana, num lindo vestido branco.
Racional, num vale verde de Nova Iguaçu, no final da Estrada de Vindo de Alfenas, entusiasmado com tudo que ouvira, o pintor
Adrianópolis, na localidade conhecida como Vila de Cava. mineiro Newton Pierine assistiu emocionado ao espetáculo. Mais tarde,
No dia em que decidiu inaugurá-la ouviu a voz do céu, como usando seus pincéis mágicos, pôde transportá-lo para uma imensa tela
também a voz de muitas águas e ainda a voz de um forte trovão. Logo de veludo azul. 127
depois, o som da harpa dourada. 126
O BENFEITOR E SEUS TÍTULOS

M anoel Jacintho Coelho, nascido em 30 de dezembro de 1903, no


antigo Distrito Federal, à Rua Barão de Iguatemi, no Matoso, Rio de
Janeiro. Expoente máximo da CULTURA RACIONAL, a Cultura do 3°
Milênio, da Fase Racional. Iniciou a Obra inédita UNIVERSO EM
DESENCANTO em 04 de outubro de 1935.
A CULTURA RACIONAL dos Livros UNIVERSO EM
DESENCANTO conta com mais de 1000 volumes, traduzidos em
vários idiomas.
Considerado um benfeitor da humanidade em todo o mundo,
por sua Obra, cujos benefícios alcançam os campos naturais,
artificiais e espirituais, Manoel Jacintho Coelho recebeu muitos títulos
e homenagens. Alguns deles encontram-se aqui:

Título de Cidadão Iguaçuano, conferido pela Câmara Municipal


de Nova Iguaçu (RJ).

Comenda Hipólito José da Costa, Patriarca da Imprensa


Brasileira, conferida pela Associação Interamericana de Imprensa.

Título de Benemérito do Estado do Rio de Janeiro, concedido


pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, conforme
Resolução n° 494, de 07 de dezembro de 1982.

131

130
4.
Medalha de Honra da Inconfidência, recebida em 21 de abril de
Retiro Racional - Nova Iguaçu-RJ
1986 em São João Dei-Rei (MG), na presença do Sr. Presidente da
República, Dr. José Sarney.

Placa de prata do Or. Newton Cardoso, Governador do Estado


de Minas Gerais, em agradecimento e reconhecimento dos benefícios
prestados pela Cultura Racional ao Estado mineiro.

Praça "Bosque da Paz", em sua homenagem, em Belo


Horizonte, na entrada do Bairro Lagoinha, com inauguração da Praça
com seu busfo, homenagem prestada pelo Prefeito Municipal de Belo
Horizonte, juntamente com o Governador do Estado de Minas Gerais, em
20 de setembro de 1987.

Título de Cidadão da Cidade de Salvador (SA), concedido


através da Resolução n° 739/88, de 09 de março de 1988, publicada no
Diário Oficial do Município de 24 e 25 de abril de 1988.

Título de Cidadão Friburguense, da Câmara Municipal de Nova


Friburgo (RJ), conforme Resolução Legislativa n° 857, de 10 de agosto
de 1990.

132
O AUTOR E A OBRA

O Jornalista Mauritônio Meira, diretor da Revista Nacional, costuma afirmar: "Jorge Elias foi um dos maiores repórteres de polícia." O poeta
maranhense Lago Surnett garante:" "Ele pertenceu à melhor escola de profissionais, para os quais uma vírgula pode ser informação." O
jornalista Raul Azêdo, ao convocá-lo para trabalhar em Última Hora, em 1971, não esconderia o entusiasmo, confidenciando: "Jorge Elias é um
craque com escalação em qualquer seleção, chuta com as duas, apura e escreve muito bem” O escritor José Louzeiro preferiu transformá-lo em
personagem de seus livros.
Na verdade, Jorge Elias acabou se tomando, através de grandes reportagens, um dos ases da crônica policial carioca. E também; sem favor
nenhum, um dos melhores profissionais da reportagem especializada. Dono de um texto leve, solto, envolvente, de palavras fáceis e bem colocadas,
impôs o seu estilo e pontilhou sua carreira com retumbantes sucessos.
Quem não se lembra da série de reportagens intituladas "Ipanema, Território Livre do Tóxico" e "Copacabana, a Servidão do Sexo"? Cobriram
dezenas de páginas de jornais e acabaram transcritas para os anais do Legislativo. Ou ainda do "MÃO BRANCA", saltando do noticiário policial para a
glória e as primeiras páginas dos jornais de todo o mundo. "Ao transformá-la no mito policial do século, não dei apenas asas ao meu poder de
criação. Fui muito mais além, provando, de forma derradeira, que todo repórter tem nas mãos o sublime e terrível poder de informar" - diria
Jorge Elias, meses depois num programa de televisão.
Descoberto por Tenório Cavalcanti, quando trabalhava como contínuo numa fábrica de brinquedos, Jorge Elias foi levado para a redação da Luta
Democrática, onde percorreu os primeiros caminhos da reportagem. Dali convidado por Francisco Martins Pinto, ingressou no Correio da Manhã, na
época o maior jornal do País. Aliás, foi neste jornal que Jorge Elias começou a dar o braço ao sucesso e à fama. Destemido e vibrante, ostentaria a
glória de ter sido o único jornalista a colocar um general na cadeia, no primeiro governo da Revolução. Do Correio da Manhã, iria para o Diário de
Notícias e. de lá para a Última Hora, onde acabaria permanecendo por mais de 9 anos.
Wilton Franco, que acompanhava suas reportagens, acabou por levá-lo para a televisão. Inicialmente para o programa Aqui e Agora, na extinta
TV Tupi. E posteriormente para o Povo na TV, na TV5. Diante das câmeras, Jorge Elias mostraria, mais uma vez, seu talento, criando e impondo seu
próprio estilo e imagem, abraçando, como sempre, o sucesso.
Com esse livro, Jorge Elias assinalou. seu ingresso na literatura.
De forma modesta, despretensiosa e simples, como ele próprio. Mas não tenha dúvida: por tudo que o livro conta, pelo que se propõe, pela beleza do
texto e também pela emoção que passa, o CAVALEIRO DA CONCÓRDIA nasceu predestinado.

Portanto, acredite. Você tem em mãos um livro que vai provocar reações.
Lenin Novaes - Jornalista
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