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TEXTO Rlcardo 3.

ROdrlgues -, FOTOGRAFIA 30rdi auren (KameraphotO)

nas energias da natureza e acredita ser uma espécie de Escolhido.

eato
Acredita ser o único capaz de alterar o destino, a ordem natural das
coisas. E acredita nisso convictamente.
Em 1972, as águas disseram-lhe para abdicar da vida tal como a
conhecia. Abandonou a família, o trabalho, e começou a sua missão.
Ao longo dos anos seguintes desfez-se da casa, de quaisquer rela-
ções próximas, dos livros que o tinham inspirado - e que ainda ci-
ta muitas vezes. E continuou a falar com as águas, com o vento, com
o Sol, a quem chama reis: «A determinada altura, um rei disse-me
que ia haver uma grande mortandade em Évora e eu tive uma vi-
são da cidade destruída, fisica e moralmente. Percebi pelos sinais
que se aproximava um tremor de terra de grau nove na escala de
Richter e então comecei a passar o tempo todo na rua, para prote-
ger a cidade.» Mais tarde, leu no jornal que houvera um sismo de
grau três, que não tinha provocado quaisquer danos humanos ou
~ materiais. «O terramoto foi descontado no meu corpo», esclarece.

>EVORA Beato Salu chama-se asi mesmo de O,porque essa é a forma mais
perfeita da natureza. «Um O», explica ele, «tem um valor biológico
superior à própria existência e por isso consegue controlar os acon-
tecimentos, é independente em relação ao cosmo.» E assegura que,
em cada século que passa, não haverá no mundo mais de dois ou três
PARECE UM DRUIDA, DE BARBAS ECABELOS BRANCOS, OLHAR MACIO, escolhidos como ele. «Quando os reis me nomearam O, havia dois
pose contemplativa. Usa um discurso profético, muitas vezes mís- candidatos europeus, um português e um jugoslavo. Mas não pode
tico. É inevitável pensar que Luís Pais Martins tem um apurado sen- haver mais do que um na Europa e, como me escolheram a mim, a
tido estético. Afinal, ele passa uma parte dos seus dias num banco de Jugoslávia entrou em guerra e desintegrou-se. Não quero imaginar
jardim em frente ao Templo de Diana, ou então na Praça do Giral- o que teria acontecido ao nosso país se eu não fosse chamado.»
do, ou no Jardim do Paraíso, que são alguns dos maís esplêndidos Não bebe, não fuma, não toma drogas. Há umas semanas foi ex-
lugares da cidade. Ah, este homem poderia muíto bem ter ganho a pulso do casebre onde passava as noites, num bairro da cidade. E, se
alcunha de Gandalf ou Merlin, se a sua ocupação das ruas estivesse alguém lhe pergunta o que vai fazer, ele encolhe os ombros e repli-
datada uma década maís tarde. Mas ele começou a fazer-se notado ca: «Não tenho tempo para pensar nisso, estou ocupado com outros
nos anos 1980 e o povo de Évora preferiu chamá-lo de Beato Salu, trabalhos.» Para todos os efeitos, há mais de trinta anos que este ho-
como o vidente da novela Roque Santeiro. mem é fiel ao seu compromisso. E isso é quase metade da sua vida,
Em bom rigor, Luís é eborense de gema. Fez ali a quarta classe e que Luís Pais Martins tem 69 anos.
aos 12anos tornou-se grumo no Café Arcada. Foi lá que casou, foi lá Quando ouviu as notícias de que o país estava à beira da bancar-
que teve um filho. Foi lá que estabeleceu uma base para, rota, começou a passar todos os dias pela delegação do Ban-
durante anos, partir estrada fora como caixeiro viajante, co de Portugal em Évora, para abater em si a hecatombe
vendendo electrodomésticos por todo o Alentejo. «Um dia, económica. Quando toma conhecimento de uma epide-
tive uma revelação. Foi a 12 de Maio de 1972e eu tinha ido mia, faz o circuito dos hospitais e dos centros de saúde, pa-
a Fátima. Olhei para o alto, vi umcéu magnífico e senti uma ra travar a peste. Se há uma onda de assaltos, gira para a es-
paz maravilhosa. Então afastei- me da multidão, comecei a quadra de polícia. E então caminha os dias inteiros de um
andar e fui dar a um ribeiro. Nessa altura, as águas falaram lado para o outro, a salvar o mundo. E se por algum motivo
comigo e disseram-me o que tinha de fazer.» pára num banco de jardim, não é para descansar. É para re-
Há que ser justo nisto: Beato Salu é um homem inteli- carregar energias nos seus reis e poder continuar a descon-
gente. As suas palavras podem parecer inverosímeis mas, tar no corpo as maleitas da humanidade.«
dando-lhe um pouco de voz, percebe-se que o sistema de
convicções que ele criou é pelo menos coerente. Acredita »Na próxima semana: useoe

20» notlciasmagazine 02.MAI.2010

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