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Primeiro

Verificar a acção se é penalmente relevante, ou seja, um comportamento humano


dominado pela vontade, que produz uma alteração objectiva no mundo exterior.
Atenção ao número de acções.

Segundo
Verificar se a acção é ou não típica, ou seja, se a conduta do agente preenche,
objectiva e subjectivamente, o tipo e qual deles.
António assaltado em plena viagem num eléctrico, tendo sido atacado pelas costas,
não viu o ladrão que fugiu a correr. António julgando ter descoberto o ladrão (um
passageiro que saltou com uma certa precipitação e que corria rua acima), António
agarrado ao corrimão do eléctrico, disparou dois tiros, com a intenção de parar o
ladrão, por forma a recuperar a mala do dinheiro.
Com o primeiro tiro atingiu uma das pernas do passageiro corredor
Com o segundo tiro falta de pontaria uma terceira pessoa, causando-lhe a morte, que
por acaso era o ladrão, que segundos antes descera do eléctrico com aparente
tranquilidade, com a mala do dinheiro escondida debaixo do casaco.
O que se identifica imediatamente é que António quer atingir o passageiro, dispara
dois tiros que lhe são dirigidos e atinge o passageiro, mas também atinge o ladrão.
Temos um tiro que atinge o passageiro
Temos um tiro que atinge o ladrão
Tem-se que se dividir a responsabilidade penal, na medida que António pratica factos
penalmente relevantes em dois objectos.
Assim, em relação ao passageiro e dentro do primeiro disparo.  A intenção do
António era parar o ladrão para reaver a mala. Podemos afirmar que António tem um
dolo de ofensas corporais (art. 143.º)

Vamos verificar se a primeira acção (o primeiro disparo) do tipo do art. 143.º do CP
está preenchido.

ELEMENTOS OBJECTIVOS
Há um agente  António

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Há uma conduta  pegar na arma e disparar  que corresponde à conduta descrita
no tipo, que é ofender corporalmente outra pessoa
O resultado típico  é o ferimento na perna
Há imputação objectiva  Afirma-se facilmente o nexo de causalidade, porque é
previsível que de um tiro ocorra um ferimento na perna – objectivamente o tipo do
artigo 143.º do CP está preenchido.
ELEMENTO SUBJECTIVO:
Há dolo  o dolo (de tipo) é conhecer e querer os elementos objectivos de um tipo.

António conheceu e quis aquilo que fez  O António quer aquele resultado típico que
previamente conheceu. Portanto há dolo (art.º 14.º).

Objectiva e subjectivamente o tipo está preenchido.
Vamos verificar se a segunda acção (o segundo disparo) em que atingiu por falta de
pontaria um terceiro.

Temos um erro na execução (aberratio ictus)  é o caso em que o agente (António),
na fase de execução vem atingir pessoa diferente (objecto) do que visava, por forma
ineficiente na execução.  O facto de António ter matado pessoa diferente daquele
que projectou matar, ou seja, tendo ocorrido erro na execução, é de todo irrelevante
para a qualificação de ilícito.

Carlos quer atingir o passageiro e atinge o ladrão (por falta de pontaria).

A regra geral será punir António em concurso efectivo

 Crime de ofensa à integridade física simples (143.º) em forma tentada

 Crime de homicídio por negligência (137.º)

NOTA: presumimos que está preenchido o artigo 147.º e que há imputação objectiva
porque o António violou o dever de cuidado que lhe era exigível, de que ele era capaz,

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ele devia certificar se a sua pontaria era suficientemente boa para, com o eléctrico em
movimento e estando rodeado de pessoas, não atingir outra pessoa.
Não tendo observado esses deveres de cuidado, não há dúvida nenhuma que a morte
de Carlos lhe pode ser imputada.

Relativamente à tentativa

Temos que provar que os elementos do facto tentado estão presentes  art. 22.º

A expressão decidiu cometer, do n.º 1 do art. 22 do CP, pretende significar que se
exige a vontade de realizar determinada infracção (elemento essencial ao conceito de
tentativa), com o que, assim fica excluída a negligência, pode o dolo do agente assumir
qualquer das modalidades previstas no art. 14.º do CP – directo, essencial ou eventual.

À conduta de António subsume-se o disposto no art. 22, n.º 2, alínea a), na medida em
que disparou a arma, sendo a sua intenção ferir o ladrão (decisão de cometer o crime –
elemento subjectivo), mas o resultado típico da ofensa corporal não se chegou a
consumar (atingiu o passageiro em vez do ladrão).

Terceiro

Uma vez identificados e firmados os tipos  passamos à ilicitude

Dentro desta categoria do facto punível que é a ilicitude  tem que se verificar se há
ou não causas de justificação ou de exclusão da ilicitude.

Para se poder concluir que o facto é típico e ilícito

António quando dispara contra o passageiro, tem a intenção de o parar porque está
convencido que o mesmo é o ladrão.

António pensa que está a actuar em legítima defesa quando na realidade não está,
porque para isso era necessário que o passageiro tivesse praticado uma agressão.

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António actua com “animus defendendi” (elemento subjectivo da causa de
justificação), mas em que avalia mal a realidade porque julga que esta exluiria a
ilicitude.

Ou seja, António está em erro sobre um pressuposto de facto de uma causa de
justificação, que é uma situação subsumível ao art. 16.º, n.º 2 do CP, erro sobre uma
circunstância.

Assim em relação ao passageiro



Os factos típicos que António praticou foram o crime de ofensa à integridade física
simples – 143.º - (primeiro disparo) mais a tentativa do crime de ofensa à integridade
física simples – 143.º - (segundo disparo)

Quando o António disparou, comete um erro sobre o pressuposto de facto de uma
causa de justificação. O regime de relevância desse erro, conforme está disposto no n.º
2, do art. 16.º do CP, exclui o dolo.
Nos termos do n.º 3 do artigo 16.º do CP ressalva-se a punibilidade por negligência nos
termos gerais.

Então
 Quanto ao crime de ofensa à integridade física simples (primeiro disparo), António
poderá ser responsabilizado por negligência nos termos gerais (art. 148.º, n.º 1)
 Quanto ao crime de ofensa à integridade física simples (segundo disparo)  as
tentativas em direito Penal são sempre dolosas, não há tentativa negligente. Por
isso não é possível punir uma tentativa negligente, porque é uma figura que a lei
não conhece.  Assim, quanto a este facto o António não tem responsabilidade
criminal. E mesmo que tivesse, por força do preceituado no artigo 23.º do CP, uma
tentativa só é punível se ao crime, a ser considerado, corresponder uma pena
superior a três anos. Como o crime de ofensa à integridade física simples (art.

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143.º) tem uma moldura penal de até três anos, também por uma razão de
punibilidade o António não seria punido.

Assim, podemos concluir que a responsabilidade penal de António com o passageiro
será o crime de ofensa à integridade física por negligência (art.148-º do CP), por
remissão do n.º 3 do art. 16.º do CP.  NOTA: Esta remissão não é automática, tem
que ser analisada caso a caso.

Assim em relação ao ladrão



António praticou o facto típico de crime de homicídio negligente (ART. 137.º)

Se o facto é típico, vamos ver se também é ilícito.

António por força de uma “aberratiu ictus”, mata o ladrão.

Haverá aqui alguma causa de justificação que venha a excluir a ilicitude do facto
típico?

Sendo a vítima o ladrão, poderá configurar-se aqui uma situação de legítima defesa?

Vamos então verificar se os elementos objectivos e subjectivos da legítima defesa (art.
32.º) estão preenchidos.

Por parte do ladrão verifica-se a existência de uma agressão.  Agressão, para efeitos
de legítima defesa, é todo o comportamento humano que contraria a ordem jurídica e
que o defendente não é obrigado a suportar.  No caso concreto, a agressão ofende
bens de natureza patrimonial de terceiro (furto da mala)

É uma agressão ilícita porque é contrária à lei (conceito de ilicitude formal), que neste
caso consubstancia desde logo um tipo legal de crime de furto (ou, virtualmente,
roubo, porque houve violência para a subtracção)

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É uma agressão actual  há já uma consumação formal, mas ainda não há uma
consumação material.

Há várias teses sobre a consumação do crime de furto, nomeadamente a que é


defendida pelo Professor Eduardo Correia segundo a qual, não obstante ter havido
subtracção da coisa móvel objecto do facto (consumação formal do crime de furto,
desde que o agente preencha o elemento subjectivo específico do art. 203.º do CP,
que é a intenção de apropriação ilegítima para si ou para terceiro da coisa furtada), só
há de alguma forma verdadeira consumação do crime quando em relação ao objecto
do facto o agente detém para com ele uma certa “posse pacífica”, em que ele se pode
comportar como verdadeiro detentor ou titular da coisa furtada.

Ora, neste caso da hipótese ainda não há essa posse pacífica.

Assim

É uma agressão actual e ilícita, que ofende interesses de natureza patrimonial de
terceiro, sendo esses interesses dignos de tutela jurídico-penal.

Vai-se agora ver se o meio é necessário.

Em primeiro lugar, a adequação do meio afere-se no caso concreto; o meio necessário
para repelir a agressão actual e ilícita tem que ser o meio menos gravoso para o
agressor, mas tem que ser simultaneamente um meio eficaz.

Uma arma de fogo em determinadas circunstâncias é um meio adequado para repelir
a agressão – se a vítima está na iminência de uma agressão à sua vida e se utiliza uma
arma de fogo para repelir essa agressão, o meio é adequado, ainda que seja previsível
a morte do agressor.

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Em segundo lugar, a utilização de uma arma de fogo, mesmo que seja para
salvaguardar bens de natureza patrimonial, desde que dirigida a um órgão não vital
do agressor, é também um meio adequado.

Portanto, a arma de fogo em si nada nos diz quando ao meio ser ou não ser adequado.
A legítima defesa (ao contrário do direito de necessidade – art. 34.º), não assenta
numa ideia de ponderação de interesse, não têm de haver uma sensível superioridade
entre o bem que se defende e o bem que se lesa com a defesa.

Daí que se compreenda que o agente (António), para salvaguardar o seu património
(propriedade), possa ferir o agressor (ladrão). E ninguém afirma que o agente está em
excesso de legítima defesa por excesso do meio empregue.

Assim, meio necessário será aquele, dentro dos meios que o agente tem á sua
disposição, o meio de eficácia mais suave, ou seja, aquele cujas consequências são
menos gravosas. Mas meio simultaneamente eficaz.

No caso de António, atendendo às circunstâncias, parece que se pode afirmar que o
meio utilizado foi um meio necessário.

Assim, uma vez verificada a existência de todos os elementos objectivos da legítima
defesa, vai-se agora analisar o elemento subjectivo desta causa de justificação que é o
“animus defendendi”,ou seja, a consciência e vontade que a pessoa tem de se
defender.

António não sabe que a pessoa que matou é o ladrão, portanto ele não têm
consciência da agressão. Sendo assi, ele não pode ter querido repelir a agressão. Logo,
falta o elemento subjectivo da justificação.

Então

Temos um facto ilícito  como é que vamos responsabilizar o agente?

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O que o António fez, o resultado, no fim de contas foi bem feito, porque a vítima era o
ladrão.  Mas a acção de António, porque não sabia que a vítima era o ladrão, é
desvaliosa.

Quando existe desvalor na acção, mas não existe desvalor no resultado, temos a
punibilidade por facto tentado.

Então aplica-se analogicamente, mesmo à legítima defesa, o n.º 4, do art. 38.º
(Consentimento) do CP e pune-se o agente por facto tentado.  Esta aplicação é
suportada por uma parte da doutrina, que considera, em relação a todas as causas de
justificação que, quando estão presente os elementos objectivos e tão só falta o
elemento subjectivo, se aplica a punibilidade por facto tentado.

Assim António seria punido, relativamente ao ladrão, por facto tentado, mas o facto
praticado pelo António foi o homicídio negligente.

A tentativa é sempre dolosa, não há tentativas negligentes em direito Penal. Portanto,
o António não seria responsabilizado jurídico-penalmente por este facto.

Nos Crimes negligentes  o elemento subjectivo da justificação é sempre excluído,
sob pena de os factos negligentes nunca poderem ser justificados.  O que se quer
dizer com isto?

Se António está na iminência de ver a sua integridade corporal lesada e, para repelir
essa agressão, pega na pasta e dá com ela na cabeça da pessoa que o vai ofender
corporalmente, António, do ponto de vista jurídico-penal tem uma acção penalmente
relevante que é típica: preenche os elementos objectivos do crime de de ofensa à
integridade física simples (143.º), bem como os elementos subjectivos porque actuou
com dolo, conheceu e quis ferir o seu agressor.

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O facto é típico mas está justificado pela intervenção desta causa de justificação,
porque estão preenchidos os elementos objectivos da legítima defesa: António
actuou com consciência de que estava perante a iminência dessa agressão.

Mas se:

Se António está na iminência de ver a sua integridade corporal lesada e
distraidamente atira a pasta ao ar, porque está a brincar com ela, e depois a pasta cai
na cabeça do agressor?

Do ponto vista jurídico-penal António pratica um crime de ofensas corporais
negligentes, porque quando partiu a cabeça ao agressor não conheceu nem quis
aquele resultado, isso resultou de uma falta de cuidado.

Logo, repare-se

Se na primeira situação, em que o agente dolosamente quer partir a cabeça ao seu
agressor, o facto está justificado  Num facto doloso podemos distinguir entre
desvalor da acção e desvalor do resultado.

Na segunda situação, e que há um facto negligente, em que há um desvalor do


resultado mas não há um desvalor da acção, o facto tem de estar necessariamente
justificado. Se o facto doloso está justificado, o facto negligente que é menos
desvalioso também tem de estar justificado, presidindo-se do elemento subjectivo da
justificação, da consciência que o agente tinha de que estava na iminência de ser
vítima de uma ofensa corporal.
Se fosse necessário esse elemento, nunca poderia haver justificação de factos
negligentes, porque o agente para ter consciência de que estava perante a iminência
de uma agressão, para repelir essa agressão tinha de sempre de actuar querendo
repelir essa agressão. E portanto, tinha sempre de actuar dolosamente.
 Se os factos dolosos são justificados – e para esses é preciso a existência do
elemento subjectivo da justificação;

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 Os factos negligentes são justificados, prescindindo-se do elemento subjectivo
da justificação.

Portanto, na nossa hipótese, como se trata de um facto negligente (homicídio


negligente) prescinde-se do elemento subjectivo da justificação.
Donde, como o agente objectivamente está perante uma situação de legítima
defesa, o facto por ele praticado esta justificado.

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