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A Ciência Confirma o Espiritismo! (Aécio Pereira Chagas) PDF
A Ciência Confirma o Espiritismo! (Aécio Pereira Chagas) PDF
Artigos
1. Materialismo e espiritualismo
Não vamos aqui, por falta de espaço, discorrer sobre o que vem a ser energia, no sentido
empregado pela Física. [Nota 4] O ponto importante que queremos frisar é que energia e
massa são propriedades da matéria. A célebre equação de Einstein, E=mc2, diz que a
energia total de um sistema é calculada através do produto da massa pelo quadrado da
velocidade da luz, ou seja, como a maioria das equações físicas, relaciona duas
propriedades da matéria: a massa e a energia. Esta equação, e outras no âmbito da teoria
da relatividade, vai unificar os princípios de conservação de massa e de energia, que
passam agora a ser um só: "princípio de conservação da massa e energia".
Por que então surgiu esta afirmação "a matéria é energia condensada"?
R : "Sim e acima de tudo Deus, o criados, o pai de todas as coisas. Deus, espírito e
matéria, constituem o princípio de tudo o que existe (…)."
Emmanuel, este Espírito que nos tem dado tantos ensinamentos e orientações, disse
alhures que "matéria é luz congelada". Estaria Emmanuel, segundo o que dissemos
acima, errado? Não. Em primeiro lugar a frase tem um certo sentido metafórico, porém,
mesmo considerando-a ao pé da letra, ela não está errada, pois a luz é matéria. A luz,
como outras formas de radiações, é um determinado tipo de matéria, e como tal
apresenta diversas propriedades desta, como a massa e a energia. Muitas vezes se
utilizam, no meio espírita, expressões como: "o passe é uma transferência de energia".
Tal expressão não é incorreta, pois a energia está associada aos fluidos transferidos, o
que fica subtendido. [Nota 5] Esta, como grande parte das expressões coloquiais que
utilizamos, carece de precisão, porém se fôssemos ser sempre precisos em nossa
linguagem usual, acabaríamos doidos ou mudos.
5. A Ciência é materialista?
O primeiro significado nos faz pensar também nos significados do termo "materialista".
As Ciências da matéria (Física, Química, Biologia, etc.) são "materialistas" porque
evidentemente estudam a matéria e somente a matéria, pois foram feitas para isso.
Querer que elas sirvam para outra finalidade, ou seja, estudar aspectos não materiais da
Natureza, é propor, a nosso ver, uma temerosa aventura. Essas tentativas, algumas
registradas na história, outras não, sempre redundaram em fracasso. Por outro lado o
termo materialista, no sentido filosófico (como visto no item 1), não faz muito sentido
ao ser aplicado às ciências da matéria.
Em resumo, a Ciência, pelo fato de estudar a matéria não deve ser por isso considerada
materialista, porém a comunidade científica é, em sua maioria, materialista. [Nota 6]
Voltemos então às perguntas iniciais: "O que há de errado nos textos de divulgação
científica? Será que a ciência moderna não confirma o Espiritismo?" Cremos que o que
foi dito acima já responde, em parte, a estas perguntas, principalmente à primeira.
Uma outra linha de comparação que se pode fazer entre Ciência (ainda entendida com
conhecimento específico) e Espiritismo seira através do desenvolvimento dos estudos
psicológicos ou dos estudos do ser humano em geral. A Psicologia atual está longe de
ser considerada uma ciência madura (ou mesmo Ciência, no pensar de alguns), no
entanto muitos estudiosos, quase sempre fora do contexto do que poderíamos chamar de
"Psicologia Oficial", têm dado contribuições interessante. Os trabalhos de Ian
Stevenson (Vinte casos sugestivos de reencarnação, Difusora Cultural, São Paulo, 1978
e Vida antes da vida, Livraria Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1988) e outros, trouxeram
resultados notáveis. O leitor interessado nesta área poderá consultar o livro Alquimia da
Mente, do conhecido escritor espírita Hermínio C. de Miranda (Publicações Lachâtre,
Niterói, RJ, 1994), onde muitos outros estudiosos não-espíritas têm apresentado
contribuições interessantes. Essa área de estudo, ou seja, o estudo da mente, é uma área
comum ao Espiritismo. É possível que num futuro não muito longínquo, os estudos
nesta direção chegarão aos mesmos resultados já afirmados pelo Espiritismo, porém, de
todo o vasto leque de tentativas de se estudar a mente humana sem considerar a
existência do Espírito, a maior parte tem esbarrado em resultados ou em dificuldades
onde se faz necessário considerar esta hipótese, sem a qual se entra num beco sem saída.
Talvez pudéssemos atrevidamente "profetizar" que quando a psicologia adotasse o
paradigma espírita, estaríamos realmente no "início dos novos tempos".
As corporações sábias não podem nem jamais poderão pronunciar-se nesta questão;
ela está tão for a dos limites de seu domínio como a de decretar se Deus existe ou não;
é pois, um erro fazê-las juiz dela.
Cremos também ter respondido, ainda que de maneira incompleta, à pergunta título
desde artigo. O que nos moveu a percorrer este caminho foi justamente a preocupação
com as afirmações que colocamos no início. Se não fosse isto, seguiríamos o caminho
adotado pelo confrade Luiz Signates, expresso no excelente artigo "Ciência versus
Religião: o debate vazio" (Reformador, abril de 1994, pág., 118), com o qual
concordamos plenamente e que, de um certo modo, converge aos pontos de vista que
externamos também no artigo já mencionado "O Espiritismo na Academia?"
As críticas que aqui fizemos são genéricas e não são de modo nenhum, pessoais.
Gostaríamos que outros pontos de vista fossem também colocados.
Artigo publicado em Reformador, julho de 1995, pp. 208-11. Digitado por Rodrigo
Almeida Gonçalves.
Notas
2. Não vamos considerar a comunicação oral, que também satisfaz aos critérios que
vamos apresentar, mas seu lado informal confunde-se com o lado formal, do qual
estamos tratando.[volta]
3. Ouvi certa vez a expressão "duas meias-verdades não fazem uma verdade inteira"
[volta]
4. A palavra energia tem também outros significados, o que pode provocar confusões.
Vide Xavier Jr. A. L., "Algumas considerações oportunas sobre a relação Espiritismo-
Ciência", Reformador de agosto de 1995, pp. 244-46.[volta]
5. Estaria Emmanuel utilizando um sentido diferente para a palavra energia? Se ele
usou, já não temos o que comentar, pois o sentido da frase é agora praticamente literal.
Vide a nota 4. [volta]
6. Não vamos estender mais sobre esta questão do materialismo na Ciência. O leitor
interessado poderá consultar o livro A Ciência em Ação, de Claude Chrétien, trad. M. L.
Pereira, Papirus Editora, 1994. [volta]
Artigos
Há tempos atrás, compulsando uma gramática (Gramática Normativa, Rocha Lima, José
Olympio Ed.), deparei com este termo: polissemia, nome dado ao fenômeno lingüístico
em que uma palavra tem vários significados. Como exemplo pode-se citar:
> massa, significa quantidade de matéria (Física); o material com que se faz pão, bolo
etc. (mistura de farinha, água e outros ingredientes); multidão, turba.
> cabo, posto militar; acidente geográfico; fim (ao cabo de uma semana terminara sua
tarefa); matar (deu cabo de seu desafeto); cabeça ou princípio (de cabo a rabo);
extremidade por onde se segura um objeto (cabo de vassoura, de panela etc.); corda
(cabo de aço).
Convivemos com este fato e em nossa vida muitos mal-entendidos são conseqüência
desta pluralidade de significados. Muitas vezes o sentido de uma palavra é dado pelo
seu contexto, pelo sentido geral do assunto, da frase dita ou escrita, da expressão de
quem a diz etc. Outras vezes, quando estas condições não existem ou não são claras,
ficamos ou sem entender ou entendemos aquilo que achamos ser, ou o que queremos
que seja. Por exemplo, a frase solta "o cabo avança pelo mar", o que significa? Qual aí o
sentido da palavra "cabo"?
Quando escrevia este texto vi também que esta preocupação não era só minha. O
Editorial da Revista Internacional de Espiritismo (abril de 96), A Doutrina e a
Semântica, externava as mesmas preocupações. Kardec, no item I da Introdução de O
Livro dos Espíritos, fala do significado das palavras, das anfibologias, termo que
significa (cf. Dicionário do Aurélio) duplicidade de sentido em uma construção
sintática, ambigüidade. Apesar dos esforços do Codificador, termos com vários
significados surgiram entre os espíritas e alguns deles, às vezes, causam confusão. Isto é
natural em qualquer linguagem, em qualquer idioma. Na linguagem científica, que se
esmera para não ser ambígua, isto ocorre freqüentemente, havendo então a necessidade
de se especificar ou adjetivar os termos ... quando se quer evitar a confusão.
Vamos considerar três palavras que, talvez pelo fato de serem utilizadas dentro e fora do
contexto espírita, tornaram-se polissêmicas. São elas: fluido, magnetismo e energia.
MAGNETISMO: Este termo surge associado à palavra magneto, outro nome dado ao
ímã. O comportamento de atração e repulsão dos corpo imantados, como a bússola,
parece ter inspirado muitos pesquisadores, principalmente o famoso médico e químico
suíço Paracelsus (1493 - 1541), a utilizarem a analogia destes com os fenômenos
humanos que eles pesquisavam (simpatias e antipatias, indução psíquica, cura pela
imposição das mãos etc.), dando o nome "magnetismo animal". Este nome ganhou
grande notoriedade com o famoso médico austríaco Franz Anton Mesmer (1775 -
1815). Posteriormente, em 1841, o tema foi rebatizado por hipnotismo, pelo médico
escocês James Braid (1795 - 1860). O termo magnetismo seguiu sendo utilizado até
hoje, conforme pode-se constatar inclusive na literatura espírita. Magnetismo tem então
dois significados: o primeiro (mais antigo) corresponde ao utilizado em Física: estudo
dos ímãs, efeitos das correntes elétricas, eletroímãs etc. O segundo corresponde ao
conjunto de fenômenos humanos caracterizados por uma influência de um indivíduo
sobre outro(s), que transcende à ação e percepção puramente sensorial (não sei se esta é
um boa definição, porém creio ser suficiente para os propósitos deste artigo). Apesar da
polissemia, não há porque confundir os dois significados. Se o magnetismo humano
e/ou animal está ou não relacionado com o magnetismo dos imãs e correntes elétricas (é
até possível que esteja) não importa, o ponto principal, atualmente, é que ambos são
conceitos diferentes e em âmbitos diferentes.
ENERGIA: Talvez seja um dos termos polissêmicos mais geradores de confusão. A
palavra energia (do grego: , significando capacidade de trabalho, dentre outros) já havia
sido utilizada por Aristóteles, porém introduzida (ou reintroduzida) na Física por
William Thomson, mais conhecido por Lord Kelvin (1824 - 1907), em 1852,
praticamente com o mesmo sentido: capacidade de produzir trabalho. Este é o primeiro
significado da palavra. Antes disto, em Física, usava-se as palavras força e vis (do latim,
também significando força). Ao longo do século XIX, o termo energia vai se
popularizando entre os físicos, e depois fora da Física. Na época de Kardec, o termo
força, com o sentido de energia, é ainda predominante. Atualmente força e energia, no
contexto da Física Clássica, têm significados distintos, o primeiro está associado à
segunda lei do movimento de Newton (força = massa aceleração) e o segundo à
capacidade de produzir trabalho (trabalho = força deslocamento). Força e energia são
propriedades da matéria. Note que Kardec praticamente não utiliza esse último termo.
Posteriormente a palavra energia foi tomando outras acepções, sendo ampliado,
generalizado, adquirindo outras conotações. No final do século XIX e início deste, o
famoso químico alemão Wilhelm Ostwald (1853 - 1932) desenvolveu uma doutrina
filosófica materialista chamada de Energeticismo. Esta doutrina era uma extensão, ou
variante, do empiriocriticismo, nome da filosofia positivista nos países de língua alemã.
Ostwald, baseando-se na ciência da Termodinâmica, procura explicar os fenômenos
naturais e humanos reduzindo-os às transformações energéticas. Quem leu o livro de
Camille Flammarion Deus na Natureza (edição FEB), nota que ele debate com vários
filósofos e cientistas materialistas, Moleschott e Büchner, entre outros. Ostwald é um
continuador destes, procurando ampliar e melhorar as idéias dos mesmos. O próprio
desenvolvimento da Ciência no começo deste século acabou por enterrar o
Energeticismo, porém esta idéia de que matéria é energia ( e energia, no caso, já não
sabemos mais o que é) permaneceu. Muitos vêem na expressão "matéria é energia
condensada" um dos últimos esforços do materialismo para poder explicar o espírito.
Talvez por isto muitas pessoas trazem esta idéia para o movimento espírita, supondo
que estão explicando a existência do espírito à luz da "ciência moderna" (que não é
ciência e nem moderna). Neste caso também podemos afirmar que energia é um termo
que abrange a matéria. Eles não se contrapõem, um engloba o outro.
Realmente a coisa é confusa. Alguns podem ter a opinião contrária, que as coisas não
são assim e que eu é que as estou fazendo confusas. Podem achar que estou "fazendo
tempestade em copo d'água". É possível e espero estar. Muitos espíritas não levam o
Espiritismo a outros campos do saber ou atividades humanas, porém trazem estes ao
Espiritismo sem, às vezes, muito critério. É essa a nossa preocupação.
Para finalizar quero apenas realçar que não estou condenando as pessoas por utilizar
este ou aquele termo. As idéias precisam ser expressas e nem sempre temos palavras
para isto. Desejo apenas lembrar uma lição que Kardec nos deixou através de seu
trabalho: critério para escrever e falar, critério para ler e ouvir.
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Certas pessoas, muitas vezes bem-intencionadas, buscam provas científicas referentes à
imortalidade do Espírito, à comunicabilidade deste conosco, à reencarnação e sobre
outros pontos fundamentais da Doutrina Espírita. Isso é muito salutar, mas o problema é
que, entre essas pessoas, algumas passam toda a existência terrena procurando essas
provas, ou melhor, atrás "da prova", e nunca a encontram apesar de terem tido contato
com inúmeros fatos que a confirmam. Algumas assim agem por um ceticismo crônico,
crentes de bem procederem cientificamente, pois acreditam (aqui elas não são céticas)
que um "verdadeiro cientista não tem idéias preconcebidas". Acho que essas pessoas
que passam o tempo todo atrás das provas e continuam insatisfeitas precisam ser
informadas do que vem a ser uma "prova científica". É o que pretendemos mostrar.
-- "Não lhe posso oferecer nenhuma prova como aquelas apresentadas nos tribunais;
inclusive nunca os vi, toquei ou mesmo os senti de alguma maneira, nas formas que
penso que sejam. O que me faz saber que os átomos e as moléculas existem é um
conjunto de evidências experimentais, um conjunto de provas. Nenhuma delas por si é
suficiente par provar a existência dos átomos ou das moléculas. Vendo a coisa de outra
maneira, todo esse conjunto de evidências experimentais ou de experimentos só pode
ser explicado, entendido, racionalizado, por meio da admissão da existência dos átomos
e moléculas, e essa miríade de experimentos é que constitui "a prova". Cada um dos
experimentos, considerados separadamente, pode até ser explicado por outras hipóteses
ou teorias, mas até hoje ninguém encontrou nenhuma outra alternativa que desse conta
de todo o conjunto de experimentos considerados, a não ser a "teoria atômico-
molecular". Um dado experimento pode ser explicado pela hipótese de que a matéria é
contínua, alguns outros também, mas há muitos outros que não. Podemos até inventar
hipóteses as mais estapafúrdias, mas com lógica e bom senso perceberemos que poderão
dar conta apenas de alguns poucos fatos. Não vou citar aqui os experimentos; nas
bibliotecas encontramos centenas e centenas de descrições deles.
"Ainda mais: como já sei que os átomos e as moléculas existem, como cientista não vou
mais procurar provas de sua existência. Vou daí para a frente. Vou realizar
experimentos nos quais a priori já considero existentes os átomos e moléculas, e os
resultados têm sido até agora coerentes com isso. Assim procedem também os meus
colegas cientistas do mundo todo."
Quanto aos novos experimentos, já há uma diferença: são poucos os que vão à frente, a
maioria ainda está querendo "provar" que o Espírito existe.
Se as pessoas que buscam provas sobre esses pontos básicos da Doutrina Espírita, após
examinarem todo esse conjunto de evidências que a própria Doutrina oferece, além de
outras procedentes de fontes não espíritas, ainda quiserem "a prova", é porque
continuam desinformadas sobre a atividade científica (ou não a aceitam) ou realmente
não querem aceitar nada. Mas isso não acontece apenas com o Espiritismo. Com átomos
e moléculas hoje em dia não se pode ser cético, mas com outras coisas... Há pouco ouvi:
"(...) afinal de contas, a teoria da Evolução ainda não está cientificamente provada"...
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O nosso livre-arbítrio está para o nosso intelecto, assim como a nossa fala está para o
nosso pensamento. O livre-arbítrio supõe a existência do intelecto, assim como a fala
supõe a existência do pensamento. E esses nossos atributos interagem e confundem-se
entre si no nosso agir constante.
Para Spinoza, o nosso livre-arbítrio é limitado, pois depende de nossa consciência, que
nunca é totalmente plena. Só a de Deus o é. E, segundo Santo Agostinho, ele é-nos
limitado por causa do nosso pecado original. E, na verdade, o pecado original é o nosso
carma com o qual nascemos.
Se o mundo está um caos, é justamente porque os seres humanos abusam do seu livre-
arbítrio. E, Infelizmente, os dirigentes de religiões, às vezes, não ensinam para os seus
fiéis que seu ego tem de ser disciplinado e dominado pelo seu eu interior, e não o
contrário. Segundo o ensinamento de Jesus, é imprescindível a renúncia a nós mesmos,
como condição, “sine qua non”, ficaremos estagnados espiritual e moralmente.
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O espiritismo não tem rituais e não faz casamentos. Porém o conhecido médium baiano
psicopictógrafo (de pintura mediúnica) José Medrado, que vai à Europa e a outras partes
do mundo, várias vezes por ano, fazer suas pinturas mediúnicas em redes de TV, é a
favor do casamento espírita.
Fundador e dirigente da famosa comunidade espírita de Salvador, “Cidade da Luz”, ele
pediu ao Tribunal de Justiça da Bahia a instituição do casamento espírita. O espiritismo
é uma ciência e aceita, pois, a evolução. Mas alguns meios espíritas perseguem os
inovadores. E até o chamado “olho grande”, às vezes, se encontra entre eles.
Como se vê, os espíritas erramos também, pois somos seres humanos imperfeitos, como
qualquer outra pessoa, em busca da perfeição. O Alamar Régis, fundador e diretor da
Rede Visão Espírita, é também vítima de muitas dessas perseguições de espíritas
fundamentalistas. Ele acaba de enviar uma carta à Federação Espírita Brasileira (FEB),
apelando para o seu presidente e vice-presidente, respectivamente, Nestor Masotti e
Altivo Ferreira, pedindo apoio para o casamento espírita que, é óbvio, não terá caráter
de sacramento e será grátis. Essa briga é entre respeitados gigantes espíritas do mundo,
já que é aqui no Brasil que o espiritismo, a exemplo do catolicismo, mais se difundiu.
Porém até o autor desta coluna, o qual é uma figura modesta dentro do espiritismo, mas
porque o seu trabalho tem um forte enfoque de Bíblia e de mídia, é também vítima de
alguns dirigentes espíritas que tentam ignorá-lo e isolá-lo, quando o espiritismo é
bíblico em toda a acepção da palavra, além de o Espírito de Verdade ter dito que a
maior caridade que podemos fazer com a doutrina espírita é a sua divulgação.
Diante desses fatos, perguntamos: será que o espiritismo vai cometer os mesmos erros
da Igreja, que, justamente por ignorar, nos tempos passados, a inevitabilidade da
diversidade religiosa das pessoas, acabou levando o cristianismo a fracionar-se em mais
de 300 igrejas?
http://www.apologiaespirita.org
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Há dois tipos de vida, ou seja, a vida em estado potencial e a vida atualizada. Um grão
de feijão é uma vida em estado potencial de um pé-de-feijão. Ao ser colocado na terra
úmida, ele brota e se torna a vida atualizada de um pé-de-feijão, mesmo ainda antes de
ele chegar à superfície da terra. Também com relação aos seres ovíparos que nascem de
ovos, podemos dizer que essas duas vidas existem. Por exemplo, o ovo galado de
galinha é uma vida de um pintinho, mas apenas em estado potencial. Esse ovo só vai se
tornar uma vida atualizada de um pintainho, depois de ser submetido a uma temperatura
apropriada debaixo duma galinha ou numa chocadeira, pelo tempo de 21 dias. Assim,
pois, a destruição de um ovo, mesmo galado, não é a destruição da vida de uma
avezinha, a qual, por enquanto, só existe no ovo em estado potencial.
Mas como a mulher não é ovípara, a vida do feto nela é atualizada dentro dela mesma,
desde o instante da concepção. Conseqüentemente, se ela eliminá-lo, mesmo que ele
seja ainda um embrião, ela está destruindo uma vida humana já atualizada, cometendo,
pois, um infanticídio e se tornando uma verdadeira assassina do seu próprio filho
inocente e indefeso, quando ela, até pelo instinto, deveria protegê-lo!
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O nosso objetivo não é polemizar com a nobre jornalista, mas tão-somente esclarecer
algumas questões que nos parecem interessantes para os leitores do jornal “A Nova
Era”.
Isto porque eles foram instituídos em épocas remotas pelos Concílios, quando a
mentalidade da Humanidade era outra, além de terem sido não só expostos aos cristãos,
mas impostos. E, assim, se algumas pessoas mais inteligentes e mais cultas repeliam-
nos, naqueles tempos longínquos, iam para a fogueira.
Além do mais, muitas heresias de hoje, como alguns fatos da Igreja o demonstram,
serão verdades da Ortodoxia Católica de amanhã. João Huss, por exemplo, morreu na
fogueira, porque era contra a interrupção da comunhão sob as duas espécies de pão e
vinho. E hoje a Igreja voltou a essa prática em muitas igrejas, dependendo da
determinação do vigário. E a tudo isso se junte a afirmação do Apóstolo Paulo de que as
heresias são necessárias. E Jesus era um judeu, sim, mas um judeu herege. Por isso os
sacerdotes passaram a odiá-Lo, e acabaram tramando a sua morte na Cruz.
Por isso, quando o autor se diz católico espírita, hoje, ele considera-se um adepto
daquele Cristianismo Primitivo ainda não adulterado por dogmas instituídos pelos
teólogos nos Concílios, ao longo da História do Cristianismo, principalmente os de
Nicéia de 325 e 383.
Mas a Doutrina Espírita não possui preconceito contra religião nenhuma. E na sua
trilogia de ser Ciência, Filosofia e Religião, arrasta adeptos de outras religiões,
principalmente por influência desse seu aspecto religioso.
E é oportuno que nos lembremos aqui de que Bezerra de Menezes teve como sendo suas
últimas palavras uma piedosa oração feita a Maria Santíssima, como ele a chamava.
Também Luiz Sayão desencarnou-se louvando-a com especial devoção.
Destarte, o que se diz católico espírita, como vimos acima, é um católico herege. Mas
não é o que preconiza a Doutrina Kardecista, quando afirma que o Espiritismo não é a
religião do futuro, mas o futuro de toda religião?
O autor do livro em apreço trabalha no sentido de levar para os nossos irmãos católicos
as verdades espíritas, ao invés de abandonar a Igreja, pois para ele é preferível a busca
da unidade à da separação, que já prejudicou demais a Humanidade em sua caminhada
para a perfeição, considerando justamente como sendo um dos maiores obstáculos para
essa nossa jornada espiritual evolutiva o fundamentalismo religioso, de qualquer que
seja a religião.
Muita paz para todos nós espíritas e não espíritas.
http://www.ajornada.hpg.ig.com.br
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A palavra dialética vem do grego: prefixo "dia", que significa "através", e do termo
"logos", que significa "palavra".
Marx [1818-1883] era francamente materialista. Portanto, sua doutrina não podia
explicar os fenômenos naturais determinados por uma Causa externa [Deus]. A teoria
dialética ajudava explicar tudo sem recorrer a determinações externas aos fatos ou às
coisas.
Essa confusão tem várias causas. A primeira é pelo fato dessa palavra ter vários
significados e, por isso, as pessoas podem estar defendendo idéias dialéticas diferentes,
achando que estão em comunhão de pensamento.
Das várias acepções da palavra "dialética', vamos examinar apenas a "Dialética Idealista
de Hegel" e a "materialista de Marx", por serem essas as formas que provocam esse
mistifório no Movimento Espírita Brasileiro.
Hegel alegava que toda afirmação traz dentro de si sua negação, o que evidentemente
resulta na negação da primeira afirmação, o que já se torna uma segunda afirmação,
contendo dentro de si sua própria negação. Essa cosmovisão conduz necessariamente a
um indeterminismo, pois nada pode ser definitivo, eliminando a possibilidade de uma
determinação finalista dada por um Deus providente. Didaticamente essa teoria é
apresentada como consistindo de tese [posição] que produz sua antítese [oposição]. A
união dessas duas produz a síntese [composição] que é uma nova tese que produzirá sua
antítese.
Marx não aceitou a forma idealista dessa teoria e forneceu-lhe uma explicação
materialista. Não é justificável neste trabalho, explicarmos a distinção precisa entre
essas duas formas de pensamento dialético. Basta que o leitor entenda que dialética
resume-se didaticamente na seqüência infindável de tese, antítese e síntese.
Outro exemplo. A morte é a única coisa certa em nossas vidas. Até a velhice é duvidosa,
pois podemos morrer antes de atingi-la. Depois que nascemos, não fazemos outra coisa
se não caminharmos para morte. Essa realidade fatalista induziu alguns pensadores a
tentar explicar essa inexorabilidade da morte pela dialética.
A vida traria dentro de si sua oposição que é a morte. Para a Doutrina, a essência é a
vida espiritual. A passagem pela matéria é apenas um acidente. Aquilo que entendemos
por "vida" [o período em que o Espírito está reencarnado na matéria] é o que é
transitório, fugaz. Pelo contrário, a morte não é a negação da vida, mas sua continuação,
ou, inversamente, a vida que é uma continuação temporária da erraticidade. A morte não
existe para a Doutrina.
O que entendemos por morte física é apenas o cumprimento de uma etapa da longa vida
de um Espírito. Quando o Espírito reencarna sua morte [desencarnação] já está
determinada, cumprindo uma finalidade e não um "vir-a-ser" indeterminado.
Julgamos que não cabe qualquer visão dialética dentro do Espiritismo. Achamos que as
opiniões citadas acima, podem decorrer da falta de conhecimento ou pela indução feita
pelo pensamento moderno. Seria uma manifestação do "espírito da época" [Zeitgeist].
Victor Leonardo da Silva Chaves, Médico e Licenciado em Filosofia
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Aproximam-se as eleições, e como não poderia deixar de ser, os centros espíritas são
cortejados por candidatos à procura de votos, oferecendo vantagens inúmeras e
promessas falazes. Quase sempre esbarram numa resistência férrea, de muitos espíritas,
que não admitem intromissão política nas instituições doutrinárias, no que fazem muito
bem.
Infelizmente nem todos tem esse cuidado, e por outro lado, alguns exageram e propõem
a criação de um partido espírita, para fazer frente aos lobbys religiosos que se formam
nos cenários políticos do país, procurando alcançar seus propósitos proselitistas. Até
hoje o bom senso espírita tem prevalecido e nos livramos dessa possibilidade.
É muito bom que, a política militante, que agita sentimentos, que perturba, que separa
pessoas nas suas relações de amizade e, não raro, até familiares, fique longe das nossas
Instituições Doutrinárias, mas já não podemos dizer o mesmo da política vista como
ciência superior que trabalha por melhores condições de vida, portanto, uma política de
regras morais para o bem estar do povo, essa é bem-vinda.
Rui Barbosa, o extraordinário estadista brasileiro que recebeu o título de Águia de Haia,
pela sua atuação na Conferência Internacional, realizada naquela capital, ao ser
admoestado pelo presidente da Assembléia, após um seu pronunciamento, porque a
política estava excluída dos debates, ele respondeu: "A política, no sentido mais
corrente da palavra, essa ninguém discute, está-nos absolutamente vedada. Nada temos
a ver com os assuntos internacionais, com as contendas que dividem as nações, os
litígios de amor próprio, de ambição ou de honra, as questões de influência, de
equilíbrio ou de predomínio, aquelas que conduzem ao conflito ou à guerra. Quanto a
outra, na elevada acepção do termo, a mais alta e nem por isso menos prática, no que se
relaciona com os interesses supremos que unem as nações, umas com as outras, acaso
pode ser-nos vedada esta política? Não, senhores".
O que queremos dizer com este trecho do discurso de Rui Barbosa, é que a política,
como concebida por Rui, não é vedada aos espíritas, porque trata-se da justiça social, da
convivência entre as pessoas, do amor fraterno.
Essa é a política a que todos espíritas devem estar engajados, e como eleitores,
precisamos votar em candidatos que se afinem com essas idéias e vivam esses ideais.
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Devemos considerar que não é apenas o Espiritismo que ensina a sobrevivência, todas
as religiões o fazem, contudo, o Espiritismo dá uma nova dinâmica à imortalidade,
tirando-a de uma situação estática, para a dinâmica.
Quanto ao Evangelho, ele é visto, pelo espiritismo, como um código moral, suscetível
de erros, interpolações, adulterações, por isso, seguindo os passos de Allan Kardec,
aceitamos sem tergiversações os ensinamentos morais do Evangelho. É, sobretudo, um
livro humano, portanto, com as limitações humanas. Nele, encontramos os maravilhosos
ensinamentos de Jesus de Nazaré, juntamente com textos distorcidos ou interessados em
defender idéias, nem sempre condizente com o próprio evangelho.
Sabemos que para muitos as proposições espíritas são assustadoras. Unir fé e razão,
assim como a religiosidade à filosofia e à ciência, e transformar a alma ou espírito em
objetos de observações e pesquisas, pode, realmente, desestruturar a mente humana.
A fé espírita, afirma Herculano Pires, como já dizia Allan Kardec, é iluminada pela
razão, mas a razão espírita, por sua vez, é iluminada pela fé, de maneira que não pode
ser confundida com a razão céptica. Enquanto esta é espiritualmente estéril, a razão
espírita é espiritualmente fecunda, abrindo para a mente humana perspectivas cada vez
mais amplas de compreensão do homem, do mundo e da vida.
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o Seno Chibeni
Em 1865, saiu a 13a edição francesa de Le Livre des Esprits. Segundo registra a
“Nota explicativa” da reprodução da 2a edição publicada pela FEB em 1998 (ver
resenha em Mundo Espírita, fevereiro de 2002, p. 5), Kardec introduziu no texto
diversos “acréscimos e modificações”. Ao contrário do que aconteceu com a Errata da
5a edição (ver Mundo Espírita, ... de 2002, p....), essas alterações se incorporaram
definitivamente à obra. Estão presentes nas edições correntes em francês, português,
inglês e esperanto que pudemos consultar, o que evidencia que elas se basearam em
alguma edição posterior à 12a. (Aliás, quase nenhuma tradução de textos espíritas
indica precisamente o original utilizado – um indício, dentre muitos outros, da falta de
rigor editorial.)
O objetivo deste artigo é traduzir e comentar o trecho da “Note explicative” referente
aos acréscimos e modificações. Na Nota, esse trecho forma um único parágrafo; as
alterações são numeradas por letras. Para clareza de exposição, apresentaremos os itens
em parágrafos separados, mantendo porém a numeração original. Como as referências
são feitas pelas páginas e linhas da edição francesa, forneceremos entre colchetes e em
itálicos informações que facilitem a localização em outras edições.
B) página 59: indicação do Livro dos Médiuns na nota que segue a resposta à questão
137;
D) página 107: modificação da redação e acréscimos a partir da linha 4 [item 222, sexto
parágrafo do fim para o começo (essa contagem varia de tradução para tradução), a
partir da expressão “Outro, no entanto, ela apresenta ...” (na tradução de Guillon
Ribeiro, FEB)];
H) página 384: correção na redação da resposta à questão 911, de “eles” para “elas”
[note-se que na elegante e correta tradução de Guillon o pronome ficou elíptico; refere-
se às formas verbais “Querem” e “ficam”].
Conforme fizemos notar em nossa resenha da edição histórica de Le Livre des Esprits
publicada pela FEB, o admirável esforço empreendido pela Union Spirite Française et
Francophone, que se responsabilizou pelas pesquisas bibliográficas nas edições
guardadas na Biblioteca Nacional da França, ficou parcialmente comprometido, no que
tange ao tópico que estamos analisando no presente artigo, pela falta de precisão em
alguns dos itens dessa lista de “acréscimos e modificações”. Examinemos a lista:
Item E: dada a reprodução da Errata no final da edição, a alteração feita aqui também
pode ser determinada com precisão (ver artigo em Mundo Espírita, ... de 2002, p. ...).
Item C: há aqui uma pequena ambigüidade: Kardec terá acrescentado a nota de rodapé
inteira ou apenas, em seu final, o símbolo “§ II” ?
Item F: também aqui há alguma margem para dúvida: o “acréscimo” refere-se a todo o
texto do comentário, a partir do ponto indicado, ou houve um acréscimo dentro dele? (A
frase francesa “ajout dans le commentaire d’Allan Kardec à partir...” não deixa isso
totalmente claro.)
Item D: novamente, ficamos sem saber o que foi modificado e acrescentado no texto de
quase uma página, a partir do ponto indicado.
Evidentemente, quem realizou as pesquisas nas edições francesas tinha todas as
informações necessárias para sanar as ambigüidades e pontos obscuros que apontamos.
É lamentável que elas não tenham sido fornecidas na Nota explicativa aposta no início
da edição da FEB. Mas a falha poderá ser facilmente reparada em futura reedição.
Artigos
Le Spiritisme est une science qui traite de la nature, de l'origine et de la destinée des
Esprits, et de leur rapports avec le monde corporel.
Allan Kardec
Esses fatos são importantes em nossa análise das linhas de pesquisa que pretendem
competir com o Espiritismo, pois elas começaram a surgir precisamente quando o
Positivismo Lógico fornecia os parâmetros segundo os quais uma atividade
genuinamente científica se desenvolveria. Ora, tais parâmetros sendo equivocados,
como se percebeu depois, aquelas linhas de pesquisa nascentes, que alimentavam a
pretensão à cientificidade, acabaram por assimilar uma visão de ciência irreal. Isso
levou a que adotassem métodos inadequados aos fins a que se propuseram, bloqueando-
lhes as possibilidades de contribuir significativamente para o avanço de nosso
conhecimento no domínio do espírito.
Em trabalhos anteriores (ver Nota 1, acima) procuramos fornecer alguns detalhes dessa
situação, que embasam as afirmações precedentes. Essa tarefa pressupõe, naturalmente,
a comparação dos fundamentos, estrutura e métodos do Espiritismo com aqueles que as
investigações recentes em Filosofia da Ciência mostraram caracterizar as disciplinas
paradigmaticamente científicas, como a Física, a Química e a Biologia. Não há espaço
para reproduzir aqui as análises que empreendemos naqueles trabalhos. Para fins de
completude, porém, indicaremos a seguir, de forma simplificada, alguns de seus pontos
principais.
Grosso modo, a visão comum de ciência envolve a assunção de que uma ciência inicia
seu desenvolvimento com um período longo de coleta de dados experimentais (dados
empíricos, na linguagem filosófica); nessa etapa não compareceriam hipóteses teóricas
de nenhuma espécie. Uma vez de posse de um conjunto suficientemente grande e
variado de dados, os cientistas aplicariam então certos métodos seguros e neutros para
obter as teorias científicas, que seriam descrições objetivas da realidade investigada.
A percepção dessa distinção evita uma série de julgamentos e posturas equivocados, que
têm ameaçado até mesmo o próprio Movimento Espírita. Vêem-se, com efeito, pessoas
que imaginam que a ciência espírita consiste em determinadas investigações envolvendo
experimentos conduzidos com o auxílio de aparelhagens de uso nos laboratórios de
Física, e dentro de referenciais teórico-conceituais emprestados à Física. Assume-se,
assim, que é o uso desses aparelhos e o emprego de terminologia técnica (aliás quase
sempre incompreendida por quem a usa dentro de tais contextos) que confere
cientificidade a essas investigações.
No caso do princípio espírita em questão (bem como de vários outros dos princípios
básicos do Espiritismo), a situação é bastante diversa. Trata- se de um princípio
pertencente à classe de princípios a que os filósofos denominam "fenomenológicos",
que estão na base do edifício do conhecimento, dado o seu alto grau de certeza.
Proposições dessa classe são, por exemplo, as de que o Sol existe, de que o fogo queima
e a cicuta envenena, a de que determinado familiar veio nos visitar no dia tal e nos
deixou uma caixa de bombons, etc. Nestes casos, embora explicações alternativas sejam
em princípio possíveis, [4] elas são tão inverossímeis que não merecem o assentimento
de nenhum ser racional. Notemos que a inferência espírita diante de um fenômeno de
efeitos intelectuais não difere em nada das inferências que fazemos a partir dos
fenômenos ordinários. Quando, por exempo, o carteiro traz à nossa casa um papel no
qual lemos certas frases, não nos acudirá à cabeça a idéia de que elas não foram escritas
por um determinado amigo, por exemplo, quando relatam fatos, contêm expressões e
expressam pensamentos peculires e íntimos. Exatamente o mesmo se dá com os
abundantes e variados casos de psicografia de que todos somos testemunha. Não
constitui exagero, pois, afirmar-se que a constatação cuidadosa de uns poucos casos
dessa espécie (como por exemplo os que nos têm oferecido a extraordinária
mediunidade de Chico Xavier) é suficiente para eliminar qualquer dúvida.
Como se isso não bastasse, a base experimental do Espiritismo incorpora ainda muitos
outros tipos de fenômenos, como a psicofonia, a xenoglossia, as materializações, os
casos de vidência, a pneumatografia e a pneumatofonia, etc. Além desses fenômenos,
que formam uma classe específica, a dos fenômenos espíritas, o Espiritismo apoia-se
também, em virtude de oferecer-lhes explicações científicas, em uma multidão de
fenômenos ordinários. Referimo-nos, por exemplo, às nossas inclinações e sentimentos,
às peculiaridades de nosso relacionamento com as pessoas que nos cercam, aos
acontecimentos marcantes de nossas vidas, aos distúrbios da personalidade, aos efeitos
psicosomáticos, aos sonhos, à evolução das espécies e das civilizações, etc.
3. PSEUDO-CIÊNCIAS DO ESPÍRITO
Outra deficiência séria que apresentam esses sistemas não-espíritas é que mesmo para
os grupos reduzidos de fenômenos que levam em conta, as explicações oferecidas
pecam pela falta de unidade e organicidade, recorrendo a leis e princípios
desconectados.
Outro tipo freqüente de deficiência que notamos nos sistemas que pretendem competir
com o Espiritismo refere-se ao recurso a conceitos e teorias científicas obsoletos, ou o
uso não-profissional das teorias contemporâneas. As ciências, principalmente a Física e
a Química, passaram por transformações radicais em nosso século as teorias atuais
envolvem conceitos extremamente abstratos, distantes da intuição do senso comum,
além de técnicas matemáticas de grande complexidade. Em seus aspectos essenciais,
essas teorias não são acessíveis ao leigo, que, quando instruído, em geral ainda tem para
si a imagem do mundo fornecida pelas teorias do século passado. Os muitos livros de
popularização da ciência via de regra não resolvem esse problema; mesmo quando são
escritos por profissinais (o que é raro), inevitavelmente têm de recorrer a simplificações
drásticas, que resultam em distorções sérias na imagem que oferecem das teorias
expostas. Como resultado, a virtual totalidade das pessoas que têm se aventurado a
estabelecer vínculos diretos entre os fenômenos espíritas e as teorias da Física cai, ou no
recurso a teorias superadas, ou em confusões que mostram-se ridículas aos olhos dos
cientistas com formação profissional. Essas pessoas acabam pois involuntariamente
prestando um desserviço à causa da investigação científica do espírito.
Por fim, lembramos ainda que muitas das tentativas não-espíritas de estudo dos
fenômenos espíritas fracassam por não reconhecer a influência de fatores morais em sua
produção, influência essa que em em certos casos é determinante.
De um lado, temos suas análises que advertem contra os métodos e procedimentos anti-
científicos que poderiam embaraçar a marcha do Espiritismo. Nas duas seções
precedentes enumeramos alguns dos mais importantes deles; Kardec percorreu-os todos,
e ainda outros, oferecendo sólida fundamentação às suas críticas. [7]
1. ) Evolução do espírito: o elemento espiritual dos seres dos reinos inferiores; origem
dos espíritos humanos; encarnação e reencarnação pluralidade dos mundos habitados.
2. ) O mundo espiritual.
3. ) Interação espírito-corpo: perispírito, efeitos psicossomáticos, mediunidade.
No item VII da Introdução de O Livro dos Espíritos, Kardec afirma que "o
Espiritismo não é da alçada da ciência". Evidentemente, trata-se aqui das ciências
acadêmicas, ou seja, da Física, da Química e da Biologia. O argumento para tal assertiva
baseia-se nas peculiaridades do objeto de estudo e métodos do Espiritismo e das
referidas ciências, assunto este tratado na Seção 2, acima. Vale a pena reproduzir aqui,
por sua propriedade, o arrazoado que, no texto, antecede a assertiva em questão:
Concordai, também, que ninguém pode ser bom juiz naquilo que está fora de sua
competência. Se quiserdes edificar uma casa, confiareis esse trabalho a um músico? Se
estiverdes enfermo, far-vos-eis tratar por um arquiteto? Se estais a braços com um
processo, ides consultar um dançarino? Finalmente, quando se trata de uma questão de
teologia, alguém irá pedir a solução a um químico ou a um astrônomo? Não cada um
em sua especialidade. (...)
A ciência enganou-se quando quis experimentar os Espíritos como o faz com uma pilha
voltaica; foi mal sucedida, como devia ser, porque agiu pressupondo uma analogia que
não existe; e depois, sem ir mais longe, concluiu pela negação, juízo temerário que o
tempo se encarrega de ir emendando diariamente, como já o fez com tantos outros. (...)
As corporações científicas não devem, nem jamais deverão pronunciar-se nesta questão
ela está tão fora dos limites do seu domínio como a de decretar se Deus existe ou não é,
pois, um erro tomá-las aqui por juiz.
Kardec lembra aqui que cada um é competente em sua especialidade, que alguém que
haja se especializado no estudo de determinada ordem de fenômenos materiais (um
físico ou um biólogo, por exemplo), não adquire, por esse simples fato, competência
para se pronunciar sobre uma ordem de fenômenos completamente diferentes, a menos,
obviamente, que essa pessoa tenha se dedicado séria e longamente ao seu estudo. Não
devemos, pois, cair no erro freqüente hoje em dia de atribuir aos cientistas das
academias uma superioridade que eles de fato não possuem na avaliação das pesquisas
espíritas.
Entendendo com todos os ramos da economia social, aos quais dá o apoio das suas
próprias descobertas, [o Espiritismo] assimilará sempre todas as doutrinas
progressivas, de qualquer ordem que seja, desde que hajam atingido o estado de
verdades práticas e abandonado o domínio da utopia, sem o que se suicidaria.
REFERÊNCIAS
CHAGAS, A. P. "O que é a ciência?", Reformador, março de 1984, pp. 80-83 e 93-95.
-----------. "Os fundamentos da ética espírita", Reformador, junho de 1985, pp. 166-169.
----------. O que é o Espiritismo. S. trad., 25ª ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita
Brasileira, s.d.
----------. Obras Póstumas. Trad. Guillon Ribeiro, 18ª ed., Rio de Janeiro, Federação
Espírita Brasileira, s.d.
Notas de Rodapé
2 Para um tratamento desse ponto, ver a Seção 3 de nosso "A exelência metodológica
do Espiritismo".
3 Para um tratamento mais extenso desse tópico, ver nossos artigos já referidos.
4 Por exemplo, o ponto luminoso que vemos diariamente no céu poderia ser uma
alucinação coletiva, ou a visita do parente pode não ter passado de um sonho, e a caixa
de bombons pode coincidentemente ter sido trazida por um promotor de vendas ousado
que por acaso tinha uma chave que serviu em nossa porta.
5 Oeuvres Posthumes, item "A minha iniciação no Espiritismo". Nesta e nas demais
citações de obras de Kardec, traduzimos diretamente a partir das edições francesas
indicadas na lista de referências bibliográficas, aproveitando, em grande parte, as
traduções publicadas pela Federação Espírita Brasileira.
6 Le Livre des Esprits, Introdução, Seção XIII.
7 Esses estudos de Kardec são comentados em nosso artigo "A excelência metodológica
do Espiritismo", especialmente em sua seção 4.
8 Para esse ponto, ver também o artigo "As provas científicas", de Aécio P. Chagas.
Artigos
Nós, espíritas, precisamos fazer uma reflexão isenta, madura e aprofundada sobre essa
situação, contribuindo para que o Movimento se torne verdadeiramente digno do
Espiritismo. Apresentamos em seguida algumas sugestões preliminares para direcionar
essa reflexão.
Aspectos Intelectuais:
3. Prudência intelectual. Por outro lado, as pesquisas nas áreas de fronteira devem ser
conduzidas com grande prudência e equilíbrio, a exemplo do que fez Kardec, a fim de
que o desenvolvimento teórico assente em bases seguras. Muitas das questões debatidas
no Movimento revelam-se, à luz de análises filosóficas rigorosas, serem questões mal
formuladas, que não são, portanto, passíveis de solução. Quanto às genuínas, seu
esclarecimento é importante, porém não apressado. Temos de ser pacientes
intelectualmente, e não apenas em nossa vida comum. O máximo cuidado deve ser
exercido para se separar aquilo que já possui evidência cabal daquilo que constitui mera
especulação ou opinião pessoal. A exemplo dos fundadores de nossa tradição
intelectual, os filósofos gregos da Antigüidade, devemos isentar nossas investigações de
qualquer interesse pessoal; o único interesse legítimo deve ser a busca da verdade como
um fim em si.
Aspectos Morais:
4. Fraternidade. Nenhum espírita poderia, sob pena de agir de forma incompatível com
seu conhecimento, resvalar para o campo da ironia, da indiferença, da discriminação, e
muito menos da inveja, do ciúme, da rudeza e da calúnia contra quem quer que seja, e
especialmente contra companheiros de ideal espírita. A necessidade de uma elevação no
padrão comportamental espírita é imperiosa e urgente, para que o valioso patrimônio
intelectual de que somos guardiães não seja dilapidado. Embora a correção de nossos
velhos hábitos não seja tarefa fácil, a abstenção de agir com animosidade e desamor
relativamente aos espíritas que não pensam exatamente como nós está ao alcance de
todos, com um pouco de reflexão e esforço. Fraternidade já! Paz no Movimento
Espírita! Tratar todo e qualquer espírita como um irmão querido, independentemente de
existir ou não divergências entre suas idéias e ações e as deles; perdoar unilateralmente
toda ofensa recebida; exercitar a indulgência. Esses são nossos lemas morais de
aplicação urgente.
Sugestões de leitura:
>>> voltar para as páginas índices dos artigos : (A-C) (D-L) (M-R) (S-Z)
> Entrevista
Artigos
Diversos tópicos desta entrevista foram analisados em artigos de minha autoria ou co-
autoria, publicados na imprensa espírita. Destacaria, em especial, os seguintes
trabalhos:
* "Espiritismo e ciência", Reformador, maio de 1984, pp. 144-47 e 157-59.
Outros artigos importantes sobre os temas desta entrevista e que nela serão
eventualmente citados são:
* ---. "A ciência confirma o Espiritismo?", Reformador, julho de 1995, pp. 208-11.
Nas transcrições de trechos das obras clássicas de Allan Kardec utilizei os originais
franceses, aproveitando em grande parte as excelentes traduções publicadas pela
Federação Espírita Brasileira.
Questão 1:
Dentro dos estudos que o senhor tem feito a respeito das características da Doutrina
Espírita, como vê essa questão?
Resposta à Questão 1:
A palavra 'Espiritismo' tem, de fato, sido utilizada com acepções bastante diversas.
Trata-se de um fato comum em toda linguagem natural; somente em linguagens
artificiais, como por exemplo certas linguagens da lógica e da matemática, consegue-se
evitar a polissemia.
As palavras, quer escritas, quer faladas, são símbolos com os quais representamos idéias
ou conceitos. Essa relação de representação é arbitrária, ou seja, associamos tal palavra
a tal idéia de forma inteiramente livre e convencional.
A necessidade de comunicação, que constitui o principal objetivo da linguagem,
recomenda-nos, no entanto, entrarmos em acordo com os outros integrantes de nossa
comunidade lingüística acerca dessas convenções, para se evitarem desentendimentos
semânticos. Nas linguagens ordinárias tal acordo estabelece-se de forma natural e
muitas vezes inconsciente, possibilitando um razoável grau de comunicação, pelo
menos quanto às noções do dia-a-dia. Quando surgem noções novas ou complexas,
porém, costuma ocorrer um período de indefinição ou confusão, que pode se prolongar
muito, se não tomarmos as providências cabíveis, para que todos utilizem as mesmas
palavras para designá-las.
Quando Allan Kardec deu início a uma nova abordagem dos fenômenos mediúnicos e
anímicos - que sempre existiram, naturalmente -, preocupou-se com esse ponto,
conhecedor que era da filosofia. Dessa forma, percebendo que o desenvolvimento de
uma nova teoria tipicamente envolve a criação de novos conceitos, cunhou diversos
termos, nos casos em que se fazia absolutamente necessário, como 'Espiritismo',
'espírita', 'perispírito', 'mediunidade' e outros tantos, utilizados, por exemplo, para
designar diversas noções da teoria dos processos mediúnicos. Fez isso de forma
deliberada e explícita, em diversas de suas obras. Além desses neologismos, a teoria
espírita exigiu a alteração dos significados de muitas palavras já em uso, como é o caso
de 'Deus', 'anjo', 'demônio', 'céu', 'inferno', 'bem', 'mal', etc.
Nesses casos também Kardec indicou claramente as novas acepções dadas aos
vocábulos.
Não obstante todas as precauções tomadas por Kardec, é inegável que muitas das
palavras cuja acepção ele procurou fixar a bem da inteligibilidade vêm sofrendo desvios
de significado por vezes bastante grandes, como se ressalta corretamente nos itens (a) e
(c) da questão, em relação à própria palavra 'Espiritismo'. Fatos desse gênero ocorrem
também nas diversas disciplinas acadêmicas, porém em menor escala, dadas as
peculiaridades das correspondentes comunidades lingüísticas, formadas por indivíduos
que passaram por longo e rigoroso (idealmente!) processo de formação. No caso do
Espiritismo, porém, não há e nem deve haver uma formação oficial dos espíritas. A
preservação doutrinária e, por conseguinte, lingüística, do Espiritismo fica, assim, na
dependência do empenho de cada pessoa e de cada instituição (centro, federação,
editora) em estudar profundamente os textos básicos, mantendo-os constantemente
como referência ou paradigma, ainda que complementações e ajustes periféricos se
façam eventualmente necessários (veja-se o artigo "O paradigma espírita", citado no
início).
Somente alguns lêem; poucos estudam; raros compreendem. Faltam reuniões de estudo
de Espiritismo em muitos centros. Editoras, revistas e jornais proliferam sem limites, e
publicam sem critérios doutrinários rigorosos. O resultado não poderia ser outro:
confusões, desorientações e disputas quase generalizadas.
No caso do Espiritismo, Kardec e alguns dos seus continuadores mais lúcidos trataram
de desenvolver o arcabouço lingüístico simultaneamente com uma teoria dotada de
todas as principais características de uma boa teoria científica, e na medida estrita da
necessidade de expressão simbólica dos conceitos envolvidos. Desse modo, para o
estudioso atento e esclarecido do Espiritismo não há lugar para dúvidas e mal-
entendidos acerca das noções e princípios fundamentais. As confusões que se notam nos
meios espíritas ou semi-espíritas não provêm de falhas estruturais ou conceituais no
programa de pesquisa espírita iniciado por Kardec, mas da falta de preparo e de estudo
sério, conforme já ressaltei. O remédio é, pois, único e fácil de encontrar, mas de difícil
aplicação. Requer-se uma mudança de atitude intelectual e prática, que começa pelo
reconhecimento do valor paradigmático das realizações de Kardec, passa pela
disposição de colocar a doutrina acima de vaidosas concepções pessoais e falsas
necessidades de modernização, e culmina com a instituição de uma política sistemática
e pertinaz de valorização do estudo e do rigor doutrinários nos centros, federações e
editoras.
É justo registrar aqui que é ao longo dessas linhas que se vem pautando a atuação de
diversos indivíduos e instituições respeitáveis no Movimento Espírita, do tempo de
Kardec aos nossos dias, cabendo destacar, por seu vulto e ancianidade, as contribuições
da Federação Espírita Brasileira. Em torno desse núcleo é que devemos nos reunir,
somando esforços na preservação do patrimônio inestimável que Kardec nos legou.
Para finalizar, retomo de forma mais tópica alguns dos pontos da questão formulada.
Acho sensata a opinião expressa no item (a) da pergunta, de que se deveria reservar a
palavra 'Espiritismo' para designar aquilo para que foi cunhada, ou seja, a
doutrina, teoria, paradigma, ou programa de pesquisa iniciado por Kardec.
A afirmação feita no item (b), de que "na introdução do Livro dos Espíritos a definição
da palavra 'Espiritismo' tende ao sentido mais amplo" apontado não me parece
inteiramente justa. No item I dessa Introdução Kardec traça a distinção clara entre o
espiritualismo e a doutrina que vai ser exposta no livro - e se encontra, aliás, resumida
na própria Introdução, item VI - cunhando o termo 'Espiritismo' para designar esta
última. Lembremos ainda que a Introdução só veio à luz com a segunda edição do livro,
em 1860, quando já vários anos haviam transcorrido desde a delimitação e consolidação
do corpo doutrinário, mesmo antes da publicação da primeira edição, em 1857, e após
ela com o lançamento de diversas outras obras, inclusive a Revue Spirite. Não havia
pois à época nenhuma indefinição no pensamento de Kardec quanto à natureza do
Espiritismo e, por conseguinte, no emprego que fazia da palavra 'Espiritismo' (salvo
talvez passagens isoladas em que o contexto permitia uma flexibilização do escopo do
termo, sem que com isso se instaurassem confusões).
Questão 2:
Resposta:
Ora, o mais elementar senso filosófico mostra que não é no vocabulário que assenta o
caráter científico ou não de uma disciplina. As palavras são, como já foi lembrado,
meros símbolos para a expressão de conceitos; se estes não encontrarem respaldo em
uma teoria científica coerente, abrangente e empiricamente adequada, de nada adiantará
modificá-las. Por outro lado, uma teoria científica não será substancialmente alterada
pela modificação de seu vocabulário. Logo, qualquer alegação de que o Espiritismo tem
de passar por uma atualização não pode limitar-se à substituição de palavras, como
ingenuamente se procura fazer. Essa alegação só se poderia justificar a partir de uma
análise profunda, exaustiva e meticulosa da teoria espírita e de todos os fatos de que
trata, que revelasse racionalmente que ela não lhes dá explicação adequada, ou contém
falhas de consistência lógica, propondo-se concretamente uma outra teoria melhor que a
possa substituir. No parágrafo 14, n. 8, de O Livro dos Médiuns Kardec resume as
condições para uma crítica sustentável do Espiritismo (e, aliás, de qualquer outra
ciência) que, por sua lucidez e atualidade, merece ser aqui reproduzida:
O Espiritismo não pode considerar crítico sério senão aquele que tudo tenha visto,
estudado e aprofundado com a paciência e a perseverança de um observador
consciencioso; que do assunto saiba tanto quanto o adepto mais esclarecido; que haja,
por conseguinte, haurido seus conhecimentos algures, que não nos romances da ciência;
aquele a quem não se possa opor fato algum que lhe seja desconhecido, nenhum
argumento de que já não tenha cogitado e cuja refutação faça, não por mera negação,
mas por meio de outros argumentos mais peremptórios; aquele, finalmente, que possa
indicar, para os fatos averiguados, causa mais lógica do que a que lhe aponta o
Espiritismo. Tal crítico ainda está por aparecer.
Esse trecho serviu de mote para o meu artigo "A excelência metodológica do
Espiritismo", citado no início da entrevista, no qual procuro mostrar, ainda que de forma
breve e simplificada, que as condições para uma revisão do Espiritismo em nome da
cientificidade até hoje não foram satisfeitas. A teoria espírita kardequiana tem tudo o
que é essencial para sua classificação como uma ciência genuína, à luz das concepções
atuais da filosofia da ciência. Não é naturalmente o caso de repetir aqui o que expus
nesse trabalho e em outros sobre o mesmo tema. No entanto, parece-me importante
particularizar um pouco a análise com vistas aos exemplos dados na pergunta.
A palavra 'mediunidade' foi criada por Kardec para designar a faculdade que certos
indivíduos possuem de servir, em maior ou menor grau e de modos diversos, de
intermediários entre os Espíritos e os homens. Essa noção recebeu precisão e conteúdo
cognitivo por sua inserção em uma teoria completa dos fenômenos mediúnicos, exposta
principalmente no Livro dos Médiuns (ver o artigo "Estudo sobre a mediunidade").
Embora ela se encontre, como qualquer teoria, em contato periférico com teorias de
áreas contíguas, de dentro e de fora do Espiritismo, possui bases de sustentação
autônomas, não tendo que sofrer alterações substanciais ou terminológicas em virtude
do que possa ocorrer nesses domínios conexos.
Ora, como não houve mais do que analogia e apropriação de um símbolo lingüístico
para construir uma expressão nova - 'fluidos espirituais', que em geral se simplificava
para 'fluidos', dentro do contexto espírita - , não se segue que a teoria espírita tenha de
ser modificada terminológica ou substancialmente na caracterização dos referidos
processos porque as teorias físicas que sugeriram as analogias tenham sido alteradas ou
substituídas no curso evolutivo da física.
Voltando ao caso do Espiritismo, salienta-se bem na pergunta que "ele constitui uma
ciência independente, dedicada ao estudo de fenômenos que escapam ao escopo das
ciências clássicas", tendo "a liberdade de definir seus próprios termos"; e, poderia
acrescentar, seus conceitos e teorias. Modificações nesses pontos só se legitimariam,
repito, na medida em que análises rigorosas internas ao programa científico espírita
indicassem sua necessidade.
Ainda com relação à noção de fluido, deve-se notar que ela não é abominada na física,
como parecem sugerir os reformistas. Em primeiro lugar, cumpre notar que todos os
líquidos e gases são fluidos, e seu estudo é feito em diversas áreas da ciência, como a
hidrodinâmica.
Depois, quanto à eletricidade, magnetismo e termodinâmica, as teorias atuais
prescindem dessa noção no nível operacional, tendo assumido feições
preponderantemente matemáticas e preditivas. Quando se desce à análise de
fundamentos - e raros cientistas dedicam-se a isso atualmente - percebe-se que, à
semelhança das demais teorias da física, estão envoltas em problemas conceituais
graves. Não é nada claro, por exemplo, o que seja um campo elétrico ou magnético, não
do ponto de vista de sua caracterização matemática, é claro, mas de sua representação
intuitiva, de sua essência, do modo pelo qual surge, se propaga e causa certos
fenômenos. Lembremo-nos, incidentalmente, que os próprios pais da teoria
eletromagnética, como Faraday e Maxwell, jamais dispensaram o conceito de fluido
quando se tratava de explicar
- e não simplesmente calcular - os fenômenos.
Dir-se-á talvez que Einstein baniu esse conceito da ciência ao criar a teoria da
relatividade restrita em 1905. Embora essa afirmação se tenha tornado comum em
certos círculos, entre os especialistas em fundamentos não há consenso algum sobre o
ponto, não obstante seja claro que o chamado "éter eletromagnético" regido por leis
mecânicas não compareça na aludida teoria. Mas essa não é a única teoria da ciência,
nem tampouco está isenta de dificuldades conceituais e teóricas diversas.
Evidentemente, este não é o lugar para adentrar esse tópico complexo. Fica, porém, uma
advertência aos espíritas de boa vontade para que não se deixem influenciar facilmente
por tais assertivas, antes que façam estudos profissionais, que levem em conta, por
exemplo, a teoria da relatividade geral e todas as perplexidades que envolvem as teorias
do espaço-tempo e da cosmologia contemporâneas.
Apenas para concluir, vale mencionar que virou moda nos meios espíritas e semi-
espíritas a substituição da palavra 'fluido' por 'energia', sempre no pressuposto de que é
por aí que vai a ciência.
Ora, assim como as noções de espaço, tempo, força, massa, carga elétrica, campo, etc., a
noção de energia é objeto de inúmeras dificuldades conceituais, não se ganhando nada
em clareza, precisão e cientificidade com a sua utilização, muito pelo contrário.
Ademais, esse uso apresenta o inconveniente de se dar numa área distante da área de sua
criação original, a física, representando uma enxertia no programa científico espírita,
fonte certa de confusões.
Questão 3:
Resposta:
Dizer que ele é uma doutrina "de conseqüências" científicas, filosóficas e morais
implica considerá-lo como uma quarta coisa, da qual decorreriam essas conseqüências.
Na verdade, poderíamos afirmar que ele constitui uma ciência associada a uma filosofia
e a um sistema moral, ou, mudando a ênfase, uma filosofia com bases científicas e
implicações morais.
Quanto aos itens (b) e (c), cumpre lembrar inicialmente que a moral (ou ética) é uma
das áreas da filosofia, investigada com atenção por filósofos de todas as épocas, desde a
Grécia Antiga até nossos dias.
De modo muito simplificado, poderíamos defini-la como o estudo do bem e do mal. Seu
problema fundamental é o estabelecimento de critérios pelos quais se possam distinguir
as ações em boas e más, certas e erradas, ou, sob outro ângulo, avaliar criticamente os
critérios propostos para tal fim pelas diferentes religiões, ideologias, sistemas políticos,
etc.
Nunca houve uma sociedade humana civilizada totalmente destituída de códigos morais
que estabeleçam limites para as ações dos indivíduos.
A moral sempre constituiu parte integrante das religiões. No entanto, estas não se
resumem à proposição e defesa de sistemas morais, incluindo, de modo típico, cultos,
liturgias e rituais diversos, hierarquias de poder, princípios teológicos abstratos sem
relação direta com a questão da conduta humana, etc. Foi essa bagagem-extra, aliás, o
que mais repulsa causou aos chamados "livres-pensadores", responsáveis pela
renovação da filosofia e da ciência a partir do Renascimento, tendo conduzido, por um
processo compreensível de exacerbação, ao ateísmo e ao materialismo, em graus sem
precedentes na história da humanidade.
Ora, na medida em que fornece ao homem conhecimento seguro das regras de conduta
capazes de harmonizá-lo consigo mesmo e com os demais seres, o Espiritismo torna-se
"o mais potente auxiliar da religião", conforme nota Kardec nos lúcidos comentários
adidos às questões 147 e 148 de O Livro dos Espíritos. A religião aqui aludida não se
confunde, evidentemente, com as doutrinas religiosas tradicionais, com todo o seu
conjunto de dogmas e práticas exteriores, sendo antes a religião no sentido próprio do
termo, a re-ligação da criatura ao Criador.
A velha questão de se o Espiritismo é ou não uma religião não admite, pois, resposta
unívoca, dada a duplicidade semântica do termo 'religião'. Esse ponto foi
magnificamente estudado e, para o bom entendedor, esgotado, no texto de Kardec
intitulado "Le Spiritisme est-il une religion?", que apareceu na Revue Spirite de 1868.
(Esse artigo foi transcrito na coletânea L'Obsession, editada em Farciennes, Bélgica,
pela Éditions de l'Union Spirite, 1950, pp. 279-92; uma tradução confiável para o
vernáculo, de Ismael Gomes Braga, pode ser encontrada no Reformador de março de
1976.) Para encerrar, vejamos estes parágrafos do famoso artigo:
No sentido filosófico o Espiritismo é uma religião, e disso nos honramos, pois que é a
doutrina que funda os laços da fraternidade e da comunhão de pensamentos não em uma
simples convenção, mas sobre a mais sólida das bases: as próprias leis da Natureza.
Por que então declaramos que o Espiritismo não era uma religião? Pela razão de que há
apenas uma palavra para exprimir duas idéias diferentes, e que, segundo a opinião geral,
o termo religião é inseparável da noção de culto, evocando unicamente uma idéia de
forma, com o que o Espiritismo não guarda nenhuma relação. Se se tivesse proclamado
uma religião, o público nele não veria senão uma nova edição, ou uma variante, se
quisermos, dos princípios absolutos em matéria de fé, uma casta sacerdotal com seu
cortejo de hierarquias, cerimônias e privilégios; não o distinguiria das idéias de
misticismo e dos enganos contra os quais se está freqüentemente bem instruído.
Essas questões finais são relevantes, dada a autoridade de que a ciência desfruta hoje em
dia. É fácil constatar que esse fato é freqüentemente explorado para induzir à aceitação
de determinadas teses, processos, produtos, sistemas políticos, etc. Há um efeito quase
que intimidador associado à rotulação de algo como 'científico'.
Mesmo no plano das idéias e teorias - e isso é o que mais de perto nos interessa aqui -, a
demanda por cientificidade é notória. Diversas disciplinas mais recentes na história do
pensamento, ou menos seguras de seus fundamentos e métodos, procuram de alguma
forma modelar-se pelas disciplinas mais estabelecidas e bem sucedidas, como a física, a
química e a biologia, inquestionavelmente consideradas científicas. Em nome desse
processo de modelagem, porém, têm-se produzido verdadeiras aberrações científicas,
que retardam o desenvolvimento das disciplinas nascentes ou em vias de consolidação.
Embora a proposta de aprender-se algo acerca da natureza da ciência, ou do chamado
"método científico", pela inspeção das disciplinas paradigmaticamente científicas seja
adequada e mesmo indispensável, a falta de preparo filosófico tem amiúde levado ao
seu fracasso parcial ou total.
Feitas essas observações, posso adentrar agora mais diretamente os tópicos específicos
das perguntas formuladas.
Questão 4:
O que podemos entender por isso? Existe realmente uma "posição oficial" da ciência?
Nesse caso quais seriam os órgãos ou pessoas que poderiam ter tal prerrogativa, de
determinar a posição oficial da ciência? Nos parece que pela época de Kardec essa frase
normalmente se referia as grandes academias e aos órgãos oficiais dos estados europeus,
há hoje algum equivalente?
Resposta:
Uma distinção importante destacada nos referidos trabalhos é aquela entre "ciência-
conhecimento", "ciência-atividade" e "ciência-comunidade". Quando se afirma que a
ciência aprova isso ou aquilo, pode-se estar querendo dizer duas coisas: Ou que a coisa
faz parte, ou pode ser deduzida, do corpo teórico paradigmático de uma das ciências
maduras (física, química e biologia); ou, em sentido secundário, que a comunidade
científica tem uma opinião mais ou menos geral a seu respeito, embora ela ainda não
faça parte de nenhuma teoria bem estabelecida.
Questão 5:
Resposta:
A Ciência enganou-se quando quis experimentar os Espíritos como o faz com uma pilha
voltaica; foi mal sucedida, como devia ser, porque agiu pressupondo uma analogia que
não existe; e depois, sem ir mais longe, concluiu pela negação, juízo temerário que o
tempo se encarrega de ir emendando diariamente, como já fez com tantos outros [...].
No primeiro capítulo de A Gênese, parágrafo 16, Kardec salienta, a esse propósito, que
estudando domínios diferentes e complementares, o espírito e a matéria, "o Espiritismo
e a ciência completam-se reciprocamente".
Aquele que se fez especialista prende todas as suas idéias à especialidade que adotou.
Tirai-o daí e o vereis sempre desarrazoar, por querer submeter tudo ao mesmo cadinho:
conseqüência da fraqueza humana.
Seja como for, nós espíritas não devemos nos inquietar com isso, como advertiu Kardec
ainda no mesmo parágrafo de O Livro dos Espíritos, de onde extrairei mais este trecho,
para concluir:
Enquanto isso não se verifica, os que, sem assunto prévio e aprofundado da matéria, se
pronunciam pela negativa e escarnecem de quem não lhes subscrevem o conceito,
esquecem que o mesmo se deu com a maior parte das grandes descobertas que fazem
honra à Humanidade.
Questão 6:
Haveria justificativa para algo como um comitê patrocinado por uma federação ou um
conselho espírita?
Resposta:
A análise do estatuto científico das três áreas de investigação mencionadas exigiria uma
atenção particularizada em cada caso, não cabendo no escopo desta entrevista. De um
modo geral, a abordagem científica de qualquer classe de fenômenos requer o
cumprimento de uma série de condições. Mais uma vez, não há espaço aqui para
enumerá-las.
Muitas coisas que se têm visto com relação às aludidas abordagens parecem
indicar que as falhas de concepção científica que caracterizaram a metapsíquica e
a parapsicologia não foram definitivamente superadas. Não quero, evidentemente,
generalizar; mas que há um risco potencial aqui, há. Seria sensato que os investigadores
interessados nesses fatos, ou alegados fatos, desenvolvessem seus estudos a partir do
fértil e seguro programa científico de pesquisa espírita, pois que nunca se apontaram
razões ponderáveis para a sua substituição. Ao invés disso, avançam-se insinuações
explícitas ou implícitas de que serão essas e outras linhas de pesquisa assemelhadas que
finalmente colocarão o estudo do espírito na rota da ciência ...
Resposta:
Assim entendida, a religião integra-se naturalmente à ciência espírita, pois que é esta
que determina as conseqüências globais das ações humanas a curto e longo prazos,
formando a base experimental sobre a qual a razão operará para identificar os preceitos
de conduta que nos aproximem da felicidade. Ver, portanto, antagonismos ou tensões
quaisquer entre a religião e a ciência espíritas constitui evidência de pouco estudo e
pouca reflexão sobre a verdadeira índole do Espiritismo.
É provável, aliás, que essa "rejeição do bebê com a água do banho" tenha pesado muito
no declínio e virtual extinção do movimento espírita em países europeus a partir,
digamos, do início do século.
Não se pode mutilar um corpo doutrinário integrado, como o é o Espiritismo, sem arcar
com efeitos drásticos, seja qual for a área em que o tenhamos atingido. Assim, num
sentido oposto ao considerado na pergunta, pode-se querer desprezar as bases científicas
do Espiritismo, e as conseqüências não seriam melhores.
Quanto à pesquisa científica espírita, acredito que sua natureza já tenha sido salientada
nas respostas precedentes. No artigo "A ciência espírita" abordo explicitamente o tema,
ainda que de forma breve, lembrando que constitui equívoco imaginar que essa pesquisa
deva dar-se nas mesmas instituições e com os mesmos métodos e pressupostos teóricos
que os das ciências da matéria. O reconhecimento desse ponto seria de suma
importância hoje em dia, quando se nota uma inclinação de muitos espíritas na direção
de linhas de pesquisa científica e filosoficamente primitivas relativamente à do genuíno
Espiritismo.
A afirmação de que não se têm realizado pesquisas científicas espíritas parece resultar
de uma compreensão deficiente do que sejam a ciência e o Espiritismo. Após as
fundamentais realizações de Allan Kardec, que instituíram o paradigma científico
espírita, outros investigadores encarnados e desencarnados prosseguiram em sua
extensão, não necessariamente em laboratórios acadêmicos, porque não é aí que os
fenômenos relativos ao espírito podem mais apropriadamente ser estudados, mas nos
centros espíritas, no recesso dos lares, no mundo espiritual, e onde quer que se possa
observar e refletir sobre a face espiritual do ser humano. Gosto de dar como exemplos
de pesquisadores espíritas André Luiz, Philomeno de Miranda e Yvonne Pereira,
dentre tantos outros, que, num trabalho silencioso e fecundo, enriqueceram o acervo de
informações e reflexões sobre os fenômenos anímicos e mediúnicos, as condições da
vida no plano espiritual, a lei de causa e efeito, etc. Quem ler suas obras apenas
superficialmente, ou com inadequado senso científico, tenderá a ver nelas apenas
romances, historietas e narrações literárias, quando na realidade seu objetivo primordial
é bem outro.
O incentivo e incremento das pesquisas científicas espíritas deve, pois, principiar com a
identificação e o abandono de abordagens incipientes ou pseudo-científicas, prosseguir
com a adesão às linhas de pesquisa paradigmáticas da doutrina, e concluir com o estudo
filosófico das conseqüências da ciência espírita para a questão de nosso acerto com as
normas morais evangélicas, sem o que essa ciência se tornará estéril.
http://www.geae.inf.br/
Artigos
Conforme registra a edição histórica de Le Livre des Esprits publicada pela FEB em
1998 (ver resenha em Mundo Espírita, fevereiro de 2002, p. 5), a 5a edição francesa, de
1861, trazia uma errata, com extensão de uma página. A errata apareceu somente nessa
edição; na edição da FEB a errata foi reproduzida na posição original, no final da obra.
Por sua importância histórica, daremos em seguida sua tradução integral. Os números
de página referem-se à edição francesa (o exame comparado da errata com o texto da 2a
edição, reproduzido fotograficamente pela FEB, indica que a 5a edição manteve a
paginação da 2a). Para facilitar a localização em outras edições, damos, quando
necessário, o item ou sub-item, entre colchetes. Teceremos depois alguns comentários
sobre as alterações indicadas por Kardec.
ERRATA
Página 73, no final da nota [n° 165], acrescentar: Na morte natural, a perturbação
começa antes da cessação da vida orgânica, perdendo o Espírito toda consciência de si
no momento da morte. Segue-se daí que ele jamais testemunha o último suspiro. As
convulsões da agonia são efeitos nervosos que quase nunca o afetam. Dizemos quase,
porque em certos casos tais sofrimentos lhe podem ser impostos como expiação.
Página 109, n° 226, no final da nota, acrescentar: Entre os Espíritos não encarnados,
alguns há que têm missões a cumprir e ocupações ativas, gozando de relativa felicidade,
enquanto que outros vagueiam na incerteza. São estes últimos os errantes, na verdadeira
acepção do termo, constituindo, de fato, aquilo que se designa pela expressão almas a
penar. Os primeiros nem sempre se consideram errantes, pois fazem uma distinção entre
a sua situação e a dos outros (1015).
Página 191, n° 437, acrescentar: ver o n° 257, “Ensaio teórico da sensação nos
Espíritos”.
Página 210, n° 479, acrescentar: ver o Livro dos Médiuns, cap. “Da Obsessão”.
Dessa errata, apenas o último item foi incorporado às edições posteriores, embora
somente a partir da 10a edição. Apresenta-se aqui uma série de dúvidas de natureza
histórica, cujo esclarecimento requer dados não disponíveis. Mesmo assim é útil
enumerá-las, analisando-as como pudermos, para que saibamos doravante o que fazer
com a errata em nossos estudos espíritas.
Por que a errata apareceu somente na 5a edição? Por que, com a apontada exceção, não
foi incorporada ao texto das edições subseqüentes? Pode ser que razões econômicas
tenham se anteposto a isso, pois com o sistema de impressão da época qualquer
alteração que exigisse repaginação implicaria refazer todo o texto daquele ponto em
diante. Inspecionando graficamente o original, no entanto, nota-se que isso ocorreria
apenas com os itens 226 e 285, as demais alterações sendo incorporáveis sem
repaginação. Se uma alteração foi incorporada, por que não as outras três? Pode-se
supor que aqui Kardec levou em conta a natureza das alterações: a do item 586 é
imperiosa, pois configura um erro – certamente um lapso, e não alguma falha de
observação ou raciocínio –, enquanto que as demais são em certa medida opcionais.
Essa suposição é bem plausível no caso dos itens 437 e 479, que são meras indicações
de referências cruzadas. Quanto à outra mudança que não requereria repaginação, a do
item 165, trata-se de um esclarecimento bastante útil acerca do processo de
desencarnação. Teria Kardec julgado que ainda faltava apoio mais sólido ao que
afirmou na errata? De qualquer forma, à luz do que sabemos hoje não parece haver
falhas nas afirmações feitas.
São igualmente interessantes as alterações referentes aos itens 226 e 285, cuja
incorporação no texto apresentaria dificuldades gráficas. A última complementa de
forma muito relevante a resposta inicial, um tanto obscura, referente ao modo de
reconhecimento dos Espíritos. Essa complementação foi corroborada plenamente pelos
estudos espíritas ulteriores, especialmente pelos relatos mediúnicos detalhados de que
dispomos hoje, como os de André Luiz, Philomeno de Miranda, Yvonne Pereira, etc.
Finalmente, quanto ao item 226, nota-se que Kardec procurou, na errata, restabelecer o
sentido próprio da expressão Espírito errante. Ora, com o desaparecimento da errata e a
não incorporação dessa correção às edições subseqüentes, esse objetivo acabou não
sendo alcançado. Cristalizou-se em toda a literatura espírita o significado que Kardec
reconheceu como impróprio, segundo o qual Espírito errante é sinônimo de Espírito
desencarnado, independentemente de sua condição.
Tentemos agora, para concluir, avaliar a errata de forma geral, para nortear nossos
estudos daqui para diante, e sugerir diretrizes aos editores da obra fundamental do
Espiritismo.
É inegável que o único erro propriamente dito é o do item 586, que foi corrigido por
Kardec, embora tardiamente. Dele estão isentas as edições correntes em francês,
português, inglês e esperanto a que tivemos acesso; devem, pois, ter se baseado em
edições posteriores à 10a.
Quanto ao adjetivo errante, é claro que a reversão do uso corrente no meio espírita é
difícil, quando não impossível, ao menos a curto prazo. Isso não impede, porém, que a
observação de Kardec seja inserida nas edições futuras.
Artigos
Resumo:
1. Introdução
O destaque dado por Kardec a esse conceito indica que é por ele que devemos começar
a análise do chamado “tríplice aspecto” do Espiritismo. Essa caracterização não pode
ser encontrada exatamente nesses termos na obra de Kardec. Não nos ocuparemos aqui
da questão histórica da origem dessa maneira tão disseminada de compreender o
Espiritismo. Nosso objetivo neste artigo é estabelecer que ela é, em sua essência,
correta, e que está presente no pensamento do criador do Espiritismo. Além disso,
pretendemos esclarecer alguns mal-entendidos a que a caracterização tem dado lugar,
por causa da compreensão incorreta, ou imprecisa dos conceitos de ciência, filosofia e
religião, bem como da verdadeira natureza do Espiritismo.
2. O que é filosofia?
Antes de tentarmos entender o que Kardec entendia por ‘filosofia espírita’, e por que
ele priorizou essa noção ao dar uma fórmula sucinta do Espiritismo, é importante
compreendermos a noção geral de filosofia. É claro que se trata de um assunto
complexo, que requereria estudos especializados para ser abordado de forma
satisfatória. O que exporemos aqui é apenas um esboço, mas que, tanto quanto
julgamos, é correto e útil para investigações ulteriores.
Não obstante aparentemente simples, as questões do que é e para que serve a filosofia –
no sentido acadêmico do termo – estão entre as que mais dificuldades e divergências
causam entre os próprios filósofos profissionais. Esse mero fato, porém, já indica algo
importante sobre a natureza da filosofia: o questionamento sistemático, incessante e
profundo de tudo o que se afirma.
Uma das principais correntes filosóficas contemporâneas propõe que a filosofia não
deve ser entendida como a formulação ou defesa de teses ou conjuntos de teses sobre o
que quer que seja, mas simplesmente como o desenvolvimento de métodos de análise
crítica e sistemática, a serem aplicados especialmente ao chamado conhecimento
científico. Nessa perspectiva, o filósofo seria alguém que tenta explicitar os conceitos,
os pressupostos, a estrutura lógica e as implicações das teorias científicas, políticas,
religiosas, etc. Semelhante atitude crítica – que não se confunde com uma crítica
leviana, estouvada ou interesseira – seria a essência da filosofia, o elemento comum que
permearia a grande variedade de linhas filosóficas existentes.
3. A filosofia espírita
Na acepção ampla, Kardec entende pela expressão alguma teoria, conjunto de teses, ou
atividade intelectual que se caracterizam pela racionalidade, e se inserem portanto na
tradição da filosofia acadêmica de cultivo do saber pelo saber. Nesse sentido a filosofia
engloba a própria ciência e a moral, como já apontamos. Há dezenas de passagens nas
obras de Kardec em que a expressão é usada nessa acepção. A primeira é, naturalmente,
a já mencionada frase da folha de rosto.Vejamos algumas outras, restringindo-nos, por
falta de espaço, ao Livro dos Espíritos (os itálicos do termo ‘filosofia’ são nossos).[2]
LE, Prolegômenos: “Este livro é o repositório de seus ensinos. Foi escrito por ordem e
mediante ditado de Espíritos superiores, para estabelecer os fundamentos de uma
filosofia racional, isenta dos preconceitos do espírito de sistema.”
LE, Prefácio da 2a edição (que não é mais reproduzido nas edições atuais): “O ensino
relativo às manifestações dos Espíritos, propriamente ditas, bem como aos médiuns,
forma uma parte distinta da filosofia espírita, podendo constituir objeto de um estudo
especial” [a ser desenvolvido no Livro dos Médiuns].
LE, Conclusão, item VII: “O Espiritismo se apresenta sob três aspectos diferentes: o
fato das manifestações, os princípios de filosofia e de moral que delas decorrem e a
aplicação desses princípios. Daí, três classes, ou, antes, três graus de adeptos: [...]” [3]
LE, Conclusão, item 1: “Pois bem! Sabei, vós que não credes senão no que pertence ao
mundo material, que dessa mesa, que gira e vos faz sorrir desdenhosamente, saiu toda
uma ciência, assim como a solução dos problemas que nenhuma filosofia pudera ainda
resolver.”
LE, Conclusão, item 6: “Mesmo quem não testemunhou nenhum fenômeno material
relativo às manifestações dos Espíritos diz para si próprio: à parte esses fenômenos, há a
filosofia, que me explica o que nenhuma outra havia explicado. Nela encontro, por
meio unicamente do raciocínio, uma solução racional para os problemas que no mais
alto grau interessam ao meu futuro. Ela me dá calma, segurança, confiança; livra-me do
tormento da incerteza.”
LE, Introdução, item 17 [a continuidade evolutiva na criação]: “A razão nos diz que
entre o homem e Deus outros elos necessariamente haverá, como disse aos astrônomos
que, entre os mundos conhecidos, outros haveria, desconhecidos. Que filosofia já
preencheu esta lacuna? O Espiritismo no-la mostra preenchida pelos seres de todas as
ordens do mundo invisível e estes seres não são mais do que os Espíritos dos homens,
nos diferentes graus que levam à perfeição. Tudo então se liga, tudo se encadeia, desde
o alfa até o ômega.”
LE, item 222 [a desigualdade das aptidões face à justiça divina]: “Qual a filosofia ou a
teosofia capaz de resolver estes problemas? É fora de dúvida que, ou as almas são iguais
ao nascerem, ou são desiguais. Se são iguais, por que, entre elas, tão grande diversidade
de aptidões?”
LM, par. 35, n. 2 [o futuro do homem]: “O Livro dos Espíritos. Contém a doutrina
completa, como a ditaram os próprios Espíritos, com toda a sua filosofia e todas as suas
conseqüências morais. É a revelação do destino do homem, a iniciação no conhecimento
da natureza dos Espíritos e nos mistérios da vida de além-túmulo.”
ESE, cap. 5, item 6 [a dor face à justiça divina]: “Que dizer, enfim, dessas crianças que
morrem em tenra idade e da vida só conheceram sofrimentos? Problemas são esses que
ainda nenhuma filosofia pôde resolver, anomalias que nenhuma religião pôde justificar
e que seriam a negação da bondade, da justiça e da providência de Deus, se se
verificasse a hipótese de ser criada a alma ao mesmo tempo que o corpo e de estar a sua
sorte irrevogavelmente determinada após a permanência de alguns instantes na Terra.”
OP, pp. 86-7 [o problema mente-corpo]: Onde acaba o poder da alma sobre os corpos?
Qual a parte dessa força inteligente nos fenômenos do Magnetismo? Qual a do
organismo? Aí estão questões de muito interesse, questões graves para a Filosofia,
como para a Medicina. [...] Tínhamos, como se vê, grandes motivos para avançar que o
estudo dos fenômenos magnéticos guarda fortes relações com a filosofia e a psicologia.
QE, pp. 169-70, 189 [a imortalidade da alma] As manifestações não são, pois,
destinadas a servir aos interesses materiais; sua utilidade está nas conseqüências morais
que delas dimanam; não tivessem, elas, porém, como resultado senão fazer conhecer
uma nova lei da Natureza, demonstrar materialmente a existência da alma e sua
imortalidade, e já isso seria muito, porque era largo caminho novo aberto à Filosofia.
[...] Nas lições de filosofia clássica, os professores ensinam a existência da alma e seus
atributos, segundo as diversas escolas, mas sem apresentar provas materiais. [...]
Quando um cientista emite uma hipótese, sobre um ponto de ciência, procura com
empenho e colhe com alegria tudo o que possa demonstrar a veracidade dessa hipótese;
como, pois, um professor de filosofia, cujo dever é provar a seus discípulos que eles têm
uma alma, despreza os meios de lhes fornecer uma patente demonstração?
Como já ressaltamos, aquilo que hoje chamamos ciência derivou da filosofia, tal qual
entendida nos primeiros tempos de nossa cultura ocidental. É importante, pois,
identificar os traços que servem para distinguir o conhecimento científico de outros
tipos de conhecimento. Essa é uma das questões de que se ocupa um dos ramos
especiais da filosofia mencionados anteriormente, a filosofia da ciência.
5. A ciência espírita
A inspeção meticulosa e isenta das origens, estrutura e desenvolvimento do Espiritismo
revela que ele possui todos requisitos de uma ciência genuína, segundo as
caracterizações da filosofia da ciência contemporânea, como a esboçada na seção
precedente. Em artigo anterior, “A excelência metodológica do Espiritismo”,
procuramos mostrar, além disso, que Allan Kardec antecipou-se às conquistas recentes
da filosofia da ciência, e compreendeu muito bem a questão. Sua visão de ciência,
exposta explícita e implicitamente em seus escritos, corresponde efetivamente à visão
que os filósofos da ciência têm hoje. Isso teve a conseqüência feliz de que, ao travar
contato com uma nova ordem de fenômenos, Kardec empregou em sua investigação
métodos e critérios corretos, o que lhe possibilitou a implantação de uma verdadeira
ciência do espírito.
Kardec compreendeu perfeitamente bem essa distinção, e chamou a atenção para ela em
diversos de seus textos, como por exemplo no item VII da Introdução do Livro dos
Espíritos. Ali argumentou com segurança que “o Espiritismo não é da alçada da
ciência”, ou seja, das ciências acadêmicas. Por outro lado, no parágrafo 16 do primeiro
capítulo de A Gênese, enfatizou a referida complementaridade do Espiritismo e dessas
ciências, afirmando que “o Espiritismo e a ciência completam-se reciprocamente”.[6]
A percepção desses pontos evita uma série de julgamentos e posturas equivocados, que
têm ameaçado o movimento espírita atual. Vêem-se, com efeito, pessoas que imaginam
que a ciência espírita consiste justamente naquelas linhas de investigação iniciadas
depois de Kardec, e cuja fragilidade científica é evidente, à luz de uma análise filosófica
cuidadosa. Outros pensam que a ciência espírita consiste de investigações do âmbito das
ciências acadêmicas, especialmente as que envolvam experimentos conduzidos com o
auxílio de aparelhagens complexas, de uso nos laboratórios de física, e dentro de
referenciais teórico-conceituais emprestados dessa ciência. Assume-se que é o uso
desses aparelhos e o emprego de terminologia técnica (aliás quase sempre não
compreendida por quem a usa dentro de tais contextos) que confere cientificidade às
investigações.
Dada a gravidade dos enganos envolvidos em semelhantes posições, vale a pena nos
determos um pouco mais sobre elas. Deve-se, além dos esclarecimentos gerais já
indicados, notar que o estabelecimento dos princípios básicos do Espiritismo prescinde
completamente do uso de qualquer aparelho e do recurso a qualquer teoria física. O
mais fundamental de tais princípios é o da existência do espírito, ou seja, da existência
de algo no homem que é a sede do pensamento e dos sentimentos e sobrevive à morte
corporal. Como enfatizou Kardec, a comprovação cabal desse princípio se dá mediante
os fenômenos a que denominou “de efeitos intelectuais”, quais sejam a tiptologia, a
psicofonia e a psicografia. Quem quer que reflita com isenção sobre fenômenos dessa
ordem não terá dificuldade em reconhecer que atestam a existência do espírito de modo
inequívoco.
Nessa avaliação, é importante notar a diferença que existe entre esse princípio básico do
Espiritismo e alguns dos princípios das teorias físicas e químicas contemporâneas, por
exemplo. Nestes últimos casos, o “grau teórico” (se assim nos podemos exprimir) é
muito maior, ou, em outros termos, os princípios estão muito mais distantes do nível
fenomenológico, ou seja, da observação empírica direta. O caminho que vai da
observação até o princípio teórico é bastante indireto, passando por uma série de teorias
auxiliares, necessárias, por exemplo, para tratar do funcionamento e interpretação dos
dados dos aparelhos envolvidos. Nessas circunstâncias, a segurança com que os
princípios podem ser afirmados fica evidentemente limitada; há em geral possibilidades
plausíveis de explicações dos mesmo fenômenos através de princípios teóricos
diferentes. E, de fato, a história da física e da química tem ilustrado a instabilidade de
suas teorias que avançam além do nível da percepção direta.
No caso do referido princípio espírita, bem como de vários outros dos princípios
básicos do Espiritismo, a situação é bastante diversa. Trata-se de princípios pertencentes
à classe de princípios a que os filósofos denominam “fenomenológicos”, que estão na
base do edifício do conhecimento, dado o seu alto grau de certeza. Proposições dessa
classe são, por exemplo, as de que o fogo queima e a cicuta envenena.
É importante observar, por fim, que além dos fenômenos especiais que formam a classe
dos fenômenos espíritas, o Espiritismo apóia-se também em uma multidão de
fenômenos ordinários, em virtude de oferecer uma base sólida para sua compreensão.
Referimo-nos, por exemplo, às nossas inclinações e sentimentos, às peculiaridades de
nosso relacionamento com as pessoas que nos cercam, aos acontecimentos marcantes de
nossas vidas, aos distúrbios da personalidade, aos efeitos psicossomáticos, aos sonhos, à
evolução das espécies e das civilizações, etc.
Do mesmo modo como tem havido falta de compreensão acerca do caráter científico do
Espiritismo e de suas relações com as ciências, seu caráter religioso e suas relações
com as religiões também têm constituído ponto de freqüentes confusões. Assim como
se pode mostrar ser o Espiritismo científico, embora não se inclua entre as ciências
ordinárias, por estudar um domínio diverso de fenômenos, pode-se, conforme o fez o
próprio Kardec, mostrar que o Espiritismo é religioso, embora não se confunda com
as religiões ordinárias. Se no estabelecimento da primeira dessas teses é necessário
identificar corretamente que características de uma teoria a tornam científica, temos,
para justificar a segunda, que estabelecer critérios adequados para a classificação de
uma doutrina no âmbito religioso.
A palavra religião evoca, por sua origem, à idéia da “re-ligação” do homem ao Criador.
Como se sabe, ao longo da história inúmeras propostas se apresentaram de como essa
“re-ligação” deve ser entendida e efetuada, resultando daí as diversas “religiões”.
Afora divergências sobre a própria noção de Deus e da natureza do ser humano, as
religiões se diferenciam quanto aos requisitos propostos para que a criatura se religue a
Deus. Quase sempre, eles incluem a adequação da conduta a certas regras morais.
Tipicamente, também incluem a satisfação de providências formais e externas de vária
ordem: participação em cultos, rituais, cerimônias; realização de determinados gestos;
recitação de fórmulas e rezas; adoração de imagens e objetos diversos; promessas,
penitências, jejuns, etc.
Depois, uma diferença crucial surge no modo pelo qual as regras éticas são
justificadas. As religiões ordinárias procuram justificar as normas morais que propõem
recorrendo à autoridade desse ou daquele indivíduo ou instituição. Já o Espiritismo
fundamenta o corpo de seus princípios éticos – sintetizados no preceito cristão do amor
ao próximo – no conhecimento que cientificamente alcança das conseqüências das
ações humanas ao longo da existência ilimitada dos seres, conjugado à cláusula
teleológica de que todos almejam a felicidade. Não há aqui lugar para dogmas e
imposições, mas exclusivamente investigação livre e racional dos fatos. Aliás esse já era
o modo pelo qual o Apóstolo Paulo entendia a moral, pois em sua primeira carta aos
Coríntios (10:23) asseverou: “Todas as coisas são lícitas, mas nem todas convêm; todas
são lícitas, porém nem todas edificam.”
Ora, na medida em que fornece ao homem conhecimento seguro das regras de conduta
capazes de harmonizá-lo consigo mesmo e com os demais seres – e portanto,
efetivamente, com o plano divino –, o Espiritismo torna-se “o mais potente auxiliar da
religião”, conforme nota Kardec nos lúcidos comentários adidos às questões 147 e 148
de O Livro dos Espíritos. A religião aqui aludida não se confunde, evidentemente, com
as doutrinas religiosas tradicionais, com suas hierarquias, dogmas inquestionáveis e
práticas exteriores, sendo antes uma religião no sentido próprio do termo, explicado
acima.
A velha questão de se o Espiritismo é ou não uma religião não admite, pois, resposta
unívoca, dada a duplicidade semântica do termo ‘religião’. Esse ponto foi estudado em
profundidade no artigo de Kardec intitulado justamente “Le Spiritisme est-il une
religion?”, que apareceu na Revue Spirite de 1868.[8] Para encerrar, vejamos estes
parágrafos do famoso texto:
[...] o Espiritismo é, assim, uma religião? Sim, sem dúvida, senhores: No sentido
filosófico o Espiritismo é uma religião, e disso nos honramos, pois que é a doutrina que
funda os laços da fraternidade e da comunhão de pensamentos não em uma simples
convenção, mas sobre a mais sólida das bases: as próprias leis da Natureza.
Por que então declaramos que o Espiritismo não era uma religião? Pela razão de que
há apenas uma palavra para exprimir duas idéias diferentes, e que, segundo a opinião
geral, o termo religião é inseparável da noção de culto, evocando unicamente uma
idéia de forma, com o que o Espiritismo não guarda qualquer relação. Se se tivesse
proclamado uma religião, o público nele não veria senão uma nova edição, ou uma
variante, se quisermos, dos princípios absolutos em matéria de fé, uma casta sacerdotal
com seu cortejo de hierarquias, cerimônias e privilégios; não o distinguiria das idéias
de misticismo e dos enganos contra os quais se está freqüentemente bem instruído.
8. Conclusões
Como vimos, na primeira linha da segunda edição do Livro dos Espíritos Kardec
caracterizou-o sucintamente como “filosofia espiritualista”. Espiritualista, porque
estando centrado na constatação de que o homem é essencialmente, enquanto ser
pensante, espírito, insere-se no âmbito das doutrinas que se contrapõem ao
materialismo. Filosofia, porque investiga esse ser espiritual segundo uma abordagem
racional, sistemática e abrangente, típica da tradição de pesquisa inaugurada pelos
filósofos gregos, e que permeia toda a cultura ocidental até hoje. Nesse sentido original,
a filosofia abarcava todos os ramos do saber puro. Mesmo aquilo que, a partir de uma
certa época da história do pensamento, passou a ser chamado de ciência caía sob o
escopo da filosofia.
Assim, a caracterização kardequiana em análise não deve ser tomada como excluindo a
dimensão científica do Espiritismo, muito pelo contrário. Conforme deixou claro no
desdobramento de suas pesquisas, Kardec compreendeu que tal dimensão não somente
existia, mas que constituía mesmo a base sobre a qual a filosofia espírita repousa. Note-
se, por exemplo, que no preâmbulo de O que é o Espiritismo Kardec o define como
“uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas
relações com o mundo corporal”. Quando bem compreendida, essa definição não
conflita com a que está na página de rosto do Livro dos Espíritos. Apenas salienta que
os fundamentos da filosofia espírita são científicos, e não puramente especulativos, ou
derivados de alguma tradição mística, religiosa, ou qualquer outra. Foi a análise
científica de certos fenômenos que deu origem ao Espiritismo, e estabeleceu desde
então o núcleo teórico sobre o seu objeto de estudo, ou seja, o espírito.
No entanto, como essa análise conduz, por sua própria natureza, a tópicos extremamente
abrangentes e fundamentais, no que diz respeito ao conhecimento do espírito, ela avança
por domínios tipicamente considerados filosóficos, mesmo segundo a concepção
contemporânea, mais restrita, de filosofia. O caso quiçá mais importante dessa extensão
é o da moral (ou ética). Kardec explorou com grande lucidez as implicações do
conhecimento científico espírita para as questões-chave da moral, dentre as quais a da
fundamentação das regras morais. Fez notar que o conhecimento científico acerca do
homem propiciado pelo Espiritismo permite o estabelecimento de um corpo de
princípios morais objetivos, e que ele coincide com aqueles propostos pelo Cristo.
Salientou ainda que tais princípios sintetizam o que há de essencial na noção de religião.
Nesse sentido, e apenas nele, o Espiritismo pode ser dito uma religião, adverte Kardec
no famoso artigo da Revue Spirite.
Referências
Chalmers, A. F. What is this Thing called Science? 2nd. ed., Buckingham, Open
University Press, 1982.
Chibeni, S. S. “Os fundamentos da ética espírita”, Reformador, junho de 1985, pp. 166-
9.
–––. “Ciência espírita”, Revista Internacional de Espiritismo, março 1991, pp. 45-52.
–––. “A religião espírita”. Reformador, setembro de 1999, pp. 280-282. (Questões sobre
a natureza do Espiritismo – III.)
–––. “A ‘ciência oficial’”. Reformador, outubro de 1999, pp. 312-313. (Questões sobre
a natureza do Espiritismo – IV.)
–––. “A pesquisa científica espírita” Reformador, janeiro de 2000, pp. 24-25. (Questões
sobre a natureza do Espiritismo – VII.)
–––. Livre des Esprits. Reprodução fotomecânica da 2a ed. francesa, com adendos do
Autor. 1a. ed., Rio, Federação Espírita Brasileira, 1998.
–––. O Livro dos Espíritos. Trad. de Guillon Ribeiro. 43a ed., Rio de Janeiro, Federação
Espírita Brasileira, s.d.
–––. O que é o Espiritismo. (s. trad.) 25a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita
Brasileira, s.d.
–––. O Livro dos Médiuns. Trad. Guillon Ribeiro, 59a ed., revista, Rio de Janeiro,
Federação Espírita Brasileira, s.d.
–––. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 113a ed., Rio, FEB.
–––. La Genèse, les Miracles et les Prédictions selon le Spiritisme. Paris, La Diffusion
Scientifique, s.d.
–––. Oeuvres Posthumes. (Ed. André Dumas.) Paris, Dervy-Livres, 1978. Também na
edição original de Leymarie, em texto eletrônico, Centre d'Études Spirites Léon Denis:
http://perso.wanadoo.fr/charles.kempf/
–––. Obras Póstumas. Trad. Guillon Ribeiro, 18a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita
Brasileira, s.d.
----------------------------------------------------------------------
[1] Texto apresentado no XII Congresso Estadual de Espiritismo (USE). Campinas, SP,
17 a 20/4/2003.
[4] Esta seção e a seguinte aproveitam partes de nossos artigos “Espiritismo e ciência” e
“A excelência metodológica do Espiritismo”, que deverão ser consultados para um
tratamento mais detalhado do assunto. Ver também os artigos sobre ciência espírita na
série “Questões sobre a natureza do Espiritismo”. As referências são dadas no final
deste trabalho.
[5] Ver Lakatos 1970. Para uma exposição acessível dessa e de outras abordagens da
questão da natureza da ciência, consulte-se Chalmers 1982. Para uma análise da ciência
espírita à luz de outra teoria filosófica contemporânea acerca da ciência, elaborada por
Thomas Kuhn mais ou menos no mesmo período, ver nosso artigo “O paradigma
espírita”.
[6] Note-se que nessas citações o termo ‘ciência’ é usado numa acepção mais restrita do
que a anteriormente elucidada. Para um estudo mais completo da análise kardequiana
das relações entre o Espiritismo e as ciência ordinárias, ver a seção 3 de “A excelência
metodológica do Espiritismo” e as partes IV e V da série “Questões sobre a natureza do
Espiritismo”.
[7] Esta seção aproveita idéias e trechos de nossos artigos “Os fundamentos da ética
espírita”, “A excelência metodológica do Espiritismo”, seção 5, e “A religião espírita”
(o terceiro artigo da série “Questões acerca da natureza do Espiritismo”), que deverão
ser consultados para um maior desenvolvimento do assunto.
[8] Dezembro, pp. 353-62. Note-se que se trata de uma dos últimos números da Revue
compostos por Kardec. O texto expressa, pois, o seu pensamento mais refletido sobre o
assunto.
http://www.geocities.com
Artigos
Conforme registra a edição histórica de Le Livre des Esprits publicada pela FEB em
1998 (ver resenha em Mundo Espírita, fevereiro de 2002, p. 5), a 5a edição francesa, de
1861, trazia uma errata, com extensão de uma página. A errata apareceu somente nessa
edição; na edição da FEB a errata foi reproduzida na posição original, no final da obra.
Por sua importância histórica, daremos em seguida sua tradução integral. Os números
de página referem-se à edição francesa (o exame comparado da errata com o texto da 2a
edição, reproduzido fotograficamente pela FEB, indica que a 5a edição manteve a
paginação da 2a). Para facilitar a localização em outras edições, damos, quando
necessário, o item ou sub-item, entre colchetes. Teceremos depois alguns comentários
sobre as alterações indicadas por Kardec.
ERRATA
Página 73, no final da nota [n° 165], acrescentar: Na morte natural, a perturbação
começa antes da cessação da vida orgânica, perdendo o Espírito toda consciência de si
no momento da morte. Segue-se daí que ele jamais testemunha o último suspiro. As
convulsões da agonia são efeitos nervosos que quase nunca o afetam. Dizemos quase,
porque em certos casos tais sofrimentos lhe podem ser impostos como expiação.
Página 109, n° 226, no final da nota, acrescentar: Entre os Espíritos não encarnados,
alguns há que têm missões a cumprir e ocupações ativas, gozando de relativa felicidade,
enquanto que outros vagueiam na incerteza. São estes últimos os errantes, na verdadeira
acepção do termo, constituindo, de fato, aquilo que se designa pela expressão almas a
penar. Os primeiros nem sempre se consideram errantes, pois fazem uma distinção entre
a sua situação e a dos outros (1015).
Página 191, n° 437, acrescentar: ver o n° 257, “Ensaio teórico da sensação nos
Espíritos”.
Página 210, n° 479, acrescentar: ver o Livro dos Médiuns, cap. “Da Obsessão”.
Dessa errata, apenas o último item foi incorporado às edições posteriores, embora
somente a partir da 10a edição. Apresenta-se aqui uma série de dúvidas de natureza
histórica, cujo esclarecimento requer dados não disponíveis. Mesmo assim é útil
enumerá-las, analisando-as como pudermos, para que saibamos doravante o que fazer
com a errata em nossos estudos espíritas.
Por que a errata apareceu somente na 5a edição? Por que, com a apontada exceção, não
foi incorporada ao texto das edições subseqüentes? Pode ser que razões econômicas
tenham se anteposto a isso, pois com o sistema de impressão da época qualquer
alteração que exigisse repaginação implicaria refazer todo o texto daquele ponto em
diante. Inspecionando graficamente o original, no entanto, nota-se que isso ocorreria
apenas com os itens 226 e 285, as demais alterações sendo incorporáveis sem
repaginação. Se uma alteração foi incorporada, por que não as outras três? Pode-se
supor que aqui Kardec levou em conta a natureza das alterações: a do item 586 é
imperiosa, pois configura um erro – certamente um lapso, e não alguma falha de
observação ou raciocínio –, enquanto que as demais são em certa medida opcionais.
Essa suposição é bem plausível no caso dos itens 437 e 479, que são meras indicações
de referências cruzadas. Quanto à outra mudança que não requereria repaginação, a do
item 165, trata-se de um esclarecimento bastante útil acerca do processo de
desencarnação. Teria Kardec julgado que ainda faltava apoio mais sólido ao que
afirmou na errata? De qualquer forma, à luz do que sabemos hoje não parece haver
falhas nas afirmações feitas.
São igualmente interessantes as alterações referentes aos itens 226 e 285, cuja
incorporação no texto apresentaria dificuldades gráficas. A última complementa de
forma muito relevante a resposta inicial, um tanto obscura, referente ao modo de
reconhecimento dos Espíritos. Essa complementação foi corroborada plenamente pelos
estudos espíritas ulteriores, especialmente pelos relatos mediúnicos detalhados de que
dispomos hoje, como os de André Luiz, Philomeno de Miranda, Yvonne Pereira, etc.
Finalmente, quanto ao item 226, nota-se que Kardec procurou, na errata, restabelecer o
sentido próprio da expressão Espírito errante. Ora, com o desaparecimento da errata e a
não incorporação dessa correção às edições subseqüentes, esse objetivo acabou não
sendo alcançado. Cristalizou-se em toda a literatura espírita o significado que Kardec
reconheceu como impróprio, segundo o qual Espírito errante é sinônimo de Espírito
desencarnado, independentemente de sua condição.
Tentemos agora, para concluir, avaliar a errata de forma geral, para nortear nossos
estudos daqui para diante, e sugerir diretrizes aos editores da obra fundamental do
Espiritismo.
É inegável que o único erro propriamente dito é o do item 586, que foi corrigido por
Kardec, embora tardiamente. Dele estão isentas as edições correntes em francês,
português, inglês e esperanto a que tivemos acesso; devem, pois, ter se baseado em
edições posteriores à 10a.
Quanto ao adjetivo errante, é claro que a reversão do uso corrente no meio espírita é
difícil, quando não impossível, ao menos a curto prazo. Isso não impede, porém, que a
observação de Kardec seja inserida nas edições futuras.
Artigos
Resumo:
1. Introdução
2. O que é filosofia?
Antes de tentarmos entender o que Kardec entendia por ‘filosofia espírita’, e por que
ele priorizou essa noção ao dar uma fórmula sucinta do Espiritismo, é importante
compreendermos a noção geral de filosofia. É claro que se trata de um assunto
complexo, que requereria estudos especializados para ser abordado de forma
satisfatória. O que exporemos aqui é apenas um esboço, mas que, tanto quanto
julgamos, é correto e útil para investigações ulteriores.
Não obstante aparentemente simples, as questões do que é e para que serve a filosofia –
no sentido acadêmico do termo – estão entre as que mais dificuldades e divergências
causam entre os próprios filósofos profissionais. Esse mero fato, porém, já indica algo
importante sobre a natureza da filosofia: o questionamento sistemático, incessante e
profundo de tudo o que se afirma.
Uma das principais correntes filosóficas contemporâneas propõe que a filosofia não
deve ser entendida como a formulação ou defesa de teses ou conjuntos de teses sobre o
que quer que seja, mas simplesmente como o desenvolvimento de métodos de análise
crítica e sistemática, a serem aplicados especialmente ao chamado conhecimento
científico. Nessa perspectiva, o filósofo seria alguém que tenta explicitar os conceitos,
os pressupostos, a estrutura lógica e as implicações das teorias científicas, políticas,
religiosas, etc. Semelhante atitude crítica – que não se confunde com uma crítica
leviana, estouvada ou interesseira – seria a essência da filosofia, o elemento comum que
permearia a grande variedade de linhas filosóficas existentes.
3. A filosofia espírita
Na acepção ampla, Kardec entende pela expressão alguma teoria, conjunto de teses, ou
atividade intelectual que se caracterizam pela racionalidade, e se inserem portanto na
tradição da filosofia acadêmica de cultivo do saber pelo saber. Nesse sentido a filosofia
engloba a própria ciência e a moral, como já apontamos. Há dezenas de passagens nas
obras de Kardec em que a expressão é usada nessa acepção. A primeira é, naturalmente,
a já mencionada frase da folha de rosto.Vejamos algumas outras, restringindo-nos, por
falta de espaço, ao Livro dos Espíritos (os itálicos do termo ‘filosofia’ são nossos).[2]
LE, Prolegômenos: “Este livro é o repositório de seus ensinos. Foi escrito por ordem e
mediante ditado de Espíritos superiores, para estabelecer os fundamentos de uma
filosofia racional, isenta dos preconceitos do espírito de sistema.”
LE, Prefácio da 2a edição (que não é mais reproduzido nas edições atuais): “O ensino
relativo às manifestações dos Espíritos, propriamente ditas, bem como aos médiuns,
forma uma parte distinta da filosofia espírita, podendo constituir objeto de um estudo
especial” [a ser desenvolvido no Livro dos Médiuns].
LE, Conclusão, item VII: “O Espiritismo se apresenta sob três aspectos diferentes: o
fato das manifestações, os princípios de filosofia e de moral que delas decorrem e a
aplicação desses princípios. Daí, três classes, ou, antes, três graus de adeptos: [...]” [3]
LE, Conclusão, item 1: “Pois bem! Sabei, vós que não credes senão no que pertence ao
mundo material, que dessa mesa, que gira e vos faz sorrir desdenhosamente, saiu toda
uma ciência, assim como a solução dos problemas que nenhuma filosofia pudera ainda
resolver.”
LE, Conclusão, item 6: “Mesmo quem não testemunhou nenhum fenômeno material
relativo às manifestações dos Espíritos diz para si próprio: à parte esses fenômenos, há a
filosofia, que me explica o que nenhuma outra havia explicado. Nela encontro, por
meio unicamente do raciocínio, uma solução racional para os problemas que no mais
alto grau interessam ao meu futuro. Ela me dá calma, segurança, confiança; livra-me do
tormento da incerteza.”
LE, Introdução, item 17 [a continuidade evolutiva na criação]: “A razão nos diz que
entre o homem e Deus outros elos necessariamente haverá, como disse aos astrônomos
que, entre os mundos conhecidos, outros haveria, desconhecidos. Que filosofia já
preencheu esta lacuna? O Espiritismo no-la mostra preenchida pelos seres de todas as
ordens do mundo invisível e estes seres não são mais do que os Espíritos dos homens,
nos diferentes graus que levam à perfeição. Tudo então se liga, tudo se encadeia, desde
o alfa até o ômega.”
LE, item 222 [a desigualdade das aptidões face à justiça divina]: “Qual a filosofia ou a
teosofia capaz de resolver estes problemas? É fora de dúvida que, ou as almas são iguais
ao nascerem, ou são desiguais. Se são iguais, por que, entre elas, tão grande diversidade
de aptidões?”
LM, par. 35, n. 2 [o futuro do homem]: “O Livro dos Espíritos. Contém a doutrina
completa, como a ditaram os próprios Espíritos, com toda a sua filosofia e todas as suas
conseqüências morais. É a revelação do destino do homem, a iniciação no conhecimento
da natureza dos Espíritos e nos mistérios da vida de além-túmulo.”
ESE, cap. 5, item 6 [a dor face à justiça divina]: “Que dizer, enfim, dessas crianças que
morrem em tenra idade e da vida só conheceram sofrimentos? Problemas são esses que
ainda nenhuma filosofia pôde resolver, anomalias que nenhuma religião pôde justificar
e que seriam a negação da bondade, da justiça e da providência de Deus, se se
verificasse a hipótese de ser criada a alma ao mesmo tempo que o corpo e de estar a sua
sorte irrevogavelmente determinada após a permanência de alguns instantes na Terra.”
OP, pp. 86-7 [o problema mente-corpo]: Onde acaba o poder da alma sobre os corpos?
Qual a parte dessa força inteligente nos fenômenos do Magnetismo? Qual a do
organismo? Aí estão questões de muito interesse, questões graves para a Filosofia,
como para a Medicina. [...] Tínhamos, como se vê, grandes motivos para avançar que o
estudo dos fenômenos magnéticos guarda fortes relações com a filosofia e a psicologia.
QE, pp. 169-70, 189 [a imortalidade da alma] As manifestações não são, pois,
destinadas a servir aos interesses materiais; sua utilidade está nas conseqüências morais
que delas dimanam; não tivessem, elas, porém, como resultado senão fazer conhecer
uma nova lei da Natureza, demonstrar materialmente a existência da alma e sua
imortalidade, e já isso seria muito, porque era largo caminho novo aberto à Filosofia.
[...] Nas lições de filosofia clássica, os professores ensinam a existência da alma e seus
atributos, segundo as diversas escolas, mas sem apresentar provas materiais. [...]
Quando um cientista emite uma hipótese, sobre um ponto de ciência, procura com
empenho e colhe com alegria tudo o que possa demonstrar a veracidade dessa hipótese;
como, pois, um professor de filosofia, cujo dever é provar a seus discípulos que eles têm
uma alma, despreza os meios de lhes fornecer uma patente demonstração?
Como já ressaltamos, aquilo que hoje chamamos ciência derivou da filosofia, tal qual
entendida nos primeiros tempos de nossa cultura ocidental. É importante, pois,
identificar os traços que servem para distinguir o conhecimento científico de outros
tipos de conhecimento. Essa é uma das questões de que se ocupa um dos ramos
especiais da filosofia mencionados anteriormente, a filosofia da ciência.
5. A ciência espírita
A inspeção meticulosa e isenta das origens, estrutura e desenvolvimento do Espiritismo
revela que ele possui todos requisitos de uma ciência genuína, segundo as
caracterizações da filosofia da ciência contemporânea, como a esboçada na seção
precedente. Em artigo anterior, “A excelência metodológica do Espiritismo”,
procuramos mostrar, além disso, que Allan Kardec antecipou-se às conquistas recentes
da filosofia da ciência, e compreendeu muito bem a questão. Sua visão de ciência,
exposta explícita e implicitamente em seus escritos, corresponde efetivamente à visão
que os filósofos da ciência têm hoje. Isso teve a conseqüência feliz de que, ao travar
contato com uma nova ordem de fenômenos, Kardec empregou em sua investigação
métodos e critérios corretos, o que lhe possibilitou a implantação de uma verdadeira
ciência do espírito.
Kardec compreendeu perfeitamente bem essa distinção, e chamou a atenção para ela em
diversos de seus textos, como por exemplo no item VII da Introdução do Livro dos
Espíritos. Ali argumentou com segurança que “o Espiritismo não é da alçada da
ciência”, ou seja, das ciências acadêmicas. Por outro lado, no parágrafo 16 do primeiro
capítulo de A Gênese, enfatizou a referida complementaridade do Espiritismo e dessas
ciências, afirmando que “o Espiritismo e a ciência completam-se reciprocamente”.[6]
A percepção desses pontos evita uma série de julgamentos e posturas equivocados, que
têm ameaçado o movimento espírita atual. Vêem-se, com efeito, pessoas que imaginam
que a ciência espírita consiste justamente naquelas linhas de investigação iniciadas
depois de Kardec, e cuja fragilidade científica é evidente, à luz de uma análise filosófica
cuidadosa. Outros pensam que a ciência espírita consiste de investigações do âmbito das
ciências acadêmicas, especialmente as que envolvam experimentos conduzidos com o
auxílio de aparelhagens complexas, de uso nos laboratórios de física, e dentro de
referenciais teórico-conceituais emprestados dessa ciência. Assume-se que é o uso
desses aparelhos e o emprego de terminologia técnica (aliás quase sempre não
compreendida por quem a usa dentro de tais contextos) que confere cientificidade às
investigações.
Dada a gravidade dos enganos envolvidos em semelhantes posições, vale a pena nos
determos um pouco mais sobre elas. Deve-se, além dos esclarecimentos gerais já
indicados, notar que o estabelecimento dos princípios básicos do Espiritismo prescinde
completamente do uso de qualquer aparelho e do recurso a qualquer teoria física. O
mais fundamental de tais princípios é o da existência do espírito, ou seja, da existência
de algo no homem que é a sede do pensamento e dos sentimentos e sobrevive à morte
corporal. Como enfatizou Kardec, a comprovação cabal desse princípio se dá mediante
os fenômenos a que denominou “de efeitos intelectuais”, quais sejam a tiptologia, a
psicofonia e a psicografia. Quem quer que reflita com isenção sobre fenômenos dessa
ordem não terá dificuldade em reconhecer que atestam a existência do espírito de modo
inequívoco.
Nessa avaliação, é importante notar a diferença que existe entre esse princípio básico do
Espiritismo e alguns dos princípios das teorias físicas e químicas contemporâneas, por
exemplo. Nestes últimos casos, o “grau teórico” (se assim nos podemos exprimir) é
muito maior, ou, em outros termos, os princípios estão muito mais distantes do nível
fenomenológico, ou seja, da observação empírica direta. O caminho que vai da
observação até o princípio teórico é bastante indireto, passando por uma série de teorias
auxiliares, necessárias, por exemplo, para tratar do funcionamento e interpretação dos
dados dos aparelhos envolvidos. Nessas circunstâncias, a segurança com que os
princípios podem ser afirmados fica evidentemente limitada; há em geral possibilidades
plausíveis de explicações dos mesmo fenômenos através de princípios teóricos
diferentes. E, de fato, a história da física e da química tem ilustrado a instabilidade de
suas teorias que avançam além do nível da percepção direta.
No caso do referido princípio espírita, bem como de vários outros dos princípios
básicos do Espiritismo, a situação é bastante diversa. Trata-se de princípios pertencentes
à classe de princípios a que os filósofos denominam “fenomenológicos”, que estão na
base do edifício do conhecimento, dado o seu alto grau de certeza. Proposições dessa
classe são, por exemplo, as de que o fogo queima e a cicuta envenena.
É importante observar, por fim, que além dos fenômenos especiais que formam a classe
dos fenômenos espíritas, o Espiritismo apóia-se também em uma multidão de
fenômenos ordinários, em virtude de oferecer uma base sólida para sua compreensão.
Referimo-nos, por exemplo, às nossas inclinações e sentimentos, às peculiaridades de
nosso relacionamento com as pessoas que nos cercam, aos acontecimentos marcantes de
nossas vidas, aos distúrbios da personalidade, aos efeitos psicossomáticos, aos sonhos, à
evolução das espécies e das civilizações, etc.
Do mesmo modo como tem havido falta de compreensão acerca do caráter científico do
Espiritismo e de suas relações com as ciências, seu caráter religioso e suas relações
com as religiões também têm constituído ponto de freqüentes confusões. Assim como
se pode mostrar ser o Espiritismo científico, embora não se inclua entre as ciências
ordinárias, por estudar um domínio diverso de fenômenos, pode-se, conforme o fez o
próprio Kardec, mostrar que o Espiritismo é religioso, embora não se confunda com
as religiões ordinárias. Se no estabelecimento da primeira dessas teses é necessário
identificar corretamente que características de uma teoria a tornam científica, temos,
para justificar a segunda, que estabelecer critérios adequados para a classificação de
uma doutrina no âmbito religioso.
A palavra religião evoca, por sua origem, à idéia da “re-ligação” do homem ao Criador.
Como se sabe, ao longo da história inúmeras propostas se apresentaram de como essa
“re-ligação” deve ser entendida e efetuada, resultando daí as diversas “religiões”.
Afora divergências sobre a própria noção de Deus e da natureza do ser humano, as
religiões se diferenciam quanto aos requisitos propostos para que a criatura se religue a
Deus. Quase sempre, eles incluem a adequação da conduta a certas regras morais.
Tipicamente, também incluem a satisfação de providências formais e externas de vária
ordem: participação em cultos, rituais, cerimônias; realização de determinados gestos;
recitação de fórmulas e rezas; adoração de imagens e objetos diversos; promessas,
penitências, jejuns, etc.
Depois, uma diferença crucial surge no modo pelo qual as regras éticas são
justificadas. As religiões ordinárias procuram justificar as normas morais que propõem
recorrendo à autoridade desse ou daquele indivíduo ou instituição. Já o Espiritismo
fundamenta o corpo de seus princípios éticos – sintetizados no preceito cristão do amor
ao próximo – no conhecimento que cientificamente alcança das conseqüências das
ações humanas ao longo da existência ilimitada dos seres, conjugado à cláusula
teleológica de que todos almejam a felicidade. Não há aqui lugar para dogmas e
imposições, mas exclusivamente investigação livre e racional dos fatos. Aliás esse já era
o modo pelo qual o Apóstolo Paulo entendia a moral, pois em sua primeira carta aos
Coríntios (10:23) asseverou: “Todas as coisas são lícitas, mas nem todas convêm; todas
são lícitas, porém nem todas edificam.”
Ora, na medida em que fornece ao homem conhecimento seguro das regras de conduta
capazes de harmonizá-lo consigo mesmo e com os demais seres – e portanto,
efetivamente, com o plano divino –, o Espiritismo torna-se “o mais potente auxiliar da
religião”, conforme nota Kardec nos lúcidos comentários adidos às questões 147 e 148
de O Livro dos Espíritos. A religião aqui aludida não se confunde, evidentemente, com
as doutrinas religiosas tradicionais, com suas hierarquias, dogmas inquestionáveis e
práticas exteriores, sendo antes uma religião no sentido próprio do termo, explicado
acima.
A velha questão de se o Espiritismo é ou não uma religião não admite, pois, resposta
unívoca, dada a duplicidade semântica do termo ‘religião’. Esse ponto foi estudado em
profundidade no artigo de Kardec intitulado justamente “Le Spiritisme est-il une
religion?”, que apareceu na Revue Spirite de 1868.[8] Para encerrar, vejamos estes
parágrafos do famoso texto:
[...] o Espiritismo é, assim, uma religião? Sim, sem dúvida, senhores: No sentido
filosófico o Espiritismo é uma religião, e disso nos honramos, pois que é a doutrina que
funda os laços da fraternidade e da comunhão de pensamentos não em uma simples
convenção, mas sobre a mais sólida das bases: as próprias leis da Natureza.
Por que então declaramos que o Espiritismo não era uma religião? Pela razão de que
há apenas uma palavra para exprimir duas idéias diferentes, e que, segundo a opinião
geral, o termo religião é inseparável da noção de culto, evocando unicamente uma
idéia de forma, com o que o Espiritismo não guarda qualquer relação. Se se tivesse
proclamado uma religião, o público nele não veria senão uma nova edição, ou uma
variante, se quisermos, dos princípios absolutos em matéria de fé, uma casta sacerdotal
com seu cortejo de hierarquias, cerimônias e privilégios; não o distinguiria das idéias
de misticismo e dos enganos contra os quais se está freqüentemente bem instruído.
8. Conclusões
Como vimos, na primeira linha da segunda edição do Livro dos Espíritos Kardec
caracterizou-o sucintamente como “filosofia espiritualista”. Espiritualista, porque
estando centrado na constatação de que o homem é essencialmente, enquanto ser
pensante, espírito, insere-se no âmbito das doutrinas que se contrapõem ao
materialismo. Filosofia, porque investiga esse ser espiritual segundo uma abordagem
racional, sistemática e abrangente, típica da tradição de pesquisa inaugurada pelos
filósofos gregos, e que permeia toda a cultura ocidental até hoje. Nesse sentido original,
a filosofia abarcava todos os ramos do saber puro. Mesmo aquilo que, a partir de uma
certa época da história do pensamento, passou a ser chamado de ciência caía sob o
escopo da filosofia.
Assim, a caracterização kardequiana em análise não deve ser tomada como excluindo a
dimensão científica do Espiritismo, muito pelo contrário. Conforme deixou claro no
desdobramento de suas pesquisas, Kardec compreendeu que tal dimensão não somente
existia, mas que constituía mesmo a base sobre a qual a filosofia espírita repousa. Note-
se, por exemplo, que no preâmbulo de O que é o Espiritismo Kardec o define como
“uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas
relações com o mundo corporal”. Quando bem compreendida, essa definição não
conflita com a que está na página de rosto do Livro dos Espíritos. Apenas salienta que
os fundamentos da filosofia espírita são científicos, e não puramente especulativos, ou
derivados de alguma tradição mística, religiosa, ou qualquer outra. Foi a análise
científica de certos fenômenos que deu origem ao Espiritismo, e estabeleceu desde
então o núcleo teórico sobre o seu objeto de estudo, ou seja, o espírito.
No entanto, como essa análise conduz, por sua própria natureza, a tópicos extremamente
abrangentes e fundamentais, no que diz respeito ao conhecimento do espírito, ela avança
por domínios tipicamente considerados filosóficos, mesmo segundo a concepção
contemporânea, mais restrita, de filosofia. O caso quiçá mais importante dessa extensão
é o da moral (ou ética). Kardec explorou com grande lucidez as implicações do
conhecimento científico espírita para as questões-chave da moral, dentre as quais a da
fundamentação das regras morais. Fez notar que o conhecimento científico acerca do
homem propiciado pelo Espiritismo permite o estabelecimento de um corpo de
princípios morais objetivos, e que ele coincide com aqueles propostos pelo Cristo.
Salientou ainda que tais princípios sintetizam o que há de essencial na noção de religião.
Nesse sentido, e apenas nele, o Espiritismo pode ser dito uma religião, adverte Kardec
no famoso artigo da Revue Spirite.
Referências
Chalmers, A. F. What is this Thing called Science? 2nd. ed., Buckingham, Open
University Press, 1982.
Chibeni, S. S. “Os fundamentos da ética espírita”, Reformador, junho de 1985, pp. 166-
9.
–––. “Ciência espírita”, Revista Internacional de Espiritismo, março 1991, pp. 45-52.
–––. “A religião espírita”. Reformador, setembro de 1999, pp. 280-282. (Questões sobre
a natureza do Espiritismo – III.)
–––. “A ‘ciência oficial’”. Reformador, outubro de 1999, pp. 312-313. (Questões sobre
a natureza do Espiritismo – IV.)
–––. “A pesquisa científica espírita” Reformador, janeiro de 2000, pp. 24-25. (Questões
sobre a natureza do Espiritismo – VII.)
–––. Livre des Esprits. Reprodução fotomecânica da 2a ed. francesa, com adendos do
Autor. 1a. ed., Rio, Federação Espírita Brasileira, 1998.
–––. O Livro dos Espíritos. Trad. de Guillon Ribeiro. 43a ed., Rio de Janeiro, Federação
Espírita Brasileira, s.d.
–––. O que é o Espiritismo. (s. trad.) 25a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita
Brasileira, s.d.
–––. O Livro dos Médiuns. Trad. Guillon Ribeiro, 59a ed., revista, Rio de Janeiro,
Federação Espírita Brasileira, s.d.
–––. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 113a ed., Rio, FEB.
–––. La Genèse, les Miracles et les Prédictions selon le Spiritisme. Paris, La Diffusion
Scientifique, s.d.
–––. Oeuvres Posthumes. (Ed. André Dumas.) Paris, Dervy-Livres, 1978. Também na
edição original de Leymarie, em texto eletrônico, Centre d'Études Spirites Léon Denis:
http://perso.wanadoo.fr/charles.kempf/
–––. Obras Póstumas. Trad. Guillon Ribeiro, 18a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita
Brasileira, s.d.
----------------------------------------------------------------------
[1] Texto apresentado no XII Congresso Estadual de Espiritismo (USE). Campinas, SP,
17 a 20/4/2003.
[4] Esta seção e a seguinte aproveitam partes de nossos artigos “Espiritismo e ciência” e
“A excelência metodológica do Espiritismo”, que deverão ser consultados para um
tratamento mais detalhado do assunto. Ver também os artigos sobre ciência espírita na
série “Questões sobre a natureza do Espiritismo”. As referências são dadas no final
deste trabalho.
[5] Ver Lakatos 1970. Para uma exposição acessível dessa e de outras abordagens da
questão da natureza da ciência, consulte-se Chalmers 1982. Para uma análise da ciência
espírita à luz de outra teoria filosófica contemporânea acerca da ciência, elaborada por
Thomas Kuhn mais ou menos no mesmo período, ver nosso artigo “O paradigma
espírita”.
[6] Note-se que nessas citações o termo ‘ciência’ é usado numa acepção mais restrita do
que a anteriormente elucidada. Para um estudo mais completo da análise kardequiana
das relações entre o Espiritismo e as ciência ordinárias, ver a seção 3 de “A excelência
metodológica do Espiritismo” e as partes IV e V da série “Questões sobre a natureza do
Espiritismo”.
[7] Esta seção aproveita idéias e trechos de nossos artigos “Os fundamentos da ética
espírita”, “A excelência metodológica do Espiritismo”, seção 5, e “A religião espírita”
(o terceiro artigo da série “Questões acerca da natureza do Espiritismo”), que deverão
ser consultados para um maior desenvolvimento do assunto.
[8] Dezembro, pp. 353-62. Note-se que se trata de uma dos últimos números da Revue
compostos por Kardec. O texto expressa, pois, o seu pensamento mais refletido sobre o
assunto.
http://www.geocities.com
Artigos
Sumário
1. Introdução
2. O Espiritismo é científico
3. "O Espiritismo não é da alçada da ciência"
4. As deficiências das chamadas "ciências psi"
5. O Espiritismo é religioso
1. Introdução
O Espiritismo não pode considerar crítico sério senão aquele que tudo tenha visto,
estudado e aprofundado com a paciência e a perseverança de um observador
consciencioso; que do assunto saiba tanto quanto o adepto mais esclarecido; que haja,
por conseguinte, haurido seus conhecimentos algures, que não nos romances da
ciência; aquele a quem não se possa opor fato algum que lhe seja desconhecido,
nenhum argumento de que já não tenha cogitado e cuja refutação faça, não por mera
negação, mas por meio de outros argumentos mais peremptórios; aquele, finalmente,
que possa indicar, para os fatos averiguados, causa mais lógica do que a que lhe
aponta o Espiritismo. Tal crítico ainda está por aparecer.
Allan Kardec, Le Livre des Médiuns, § 14, n. 8. [nota 1]
Ao procurarmos aplicar esses critérios para a caracterização de um crítico legítimo do
Espiritismo a cada um daquele que o têm pretendido ser durante os mais de cento e
vinte anos que se passaram desde que Allan Kardec os enumerou, verificamos,
facilmente e sem possibilidade de erro, que mesmo hoje tal crítico "ainda está para
aparecer", em patente demonstração da excelência metodológica do Espiritismo, da
solidez de seus fundamentos, de sua superioridade relativamente aos demais sistemas,
doutrinas, teorias que com ele têm em comum o mesmo objeto de estudo, ou seja, a
existência e a natureza do elemento espiritual.
Essa tese foi tão lucidamente defendida pelo próprio Kardec em várias de usas obras
que acreditamos redundantes quaisquer argumentações posteriores. Nosso propósito
aqui será, portanto, tão unicamente o de relembrar alguns dos aspectos já considerados
pelo Codificador da Doutrina Espírita, comentando-os dentro do contexto de certas
dificuldades encontradas por alguns espíritas quando da análise comparativa do
Espiritismo com "sistemas" alternativos.
2. O Espiritismo é científico
O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem
como de suas relações com o mundo corporal.
Allan Kardec, Qu'est-ce que le Spiritisme, Preâmbulo.
Evidentemente, o estatuto científico de uma teoria não pode ser decidido através da
mera deliberação de se definir como uma "ciência". Esse atributo é inerente à natureza
intrínseca da teoria, e não à denominação que se lhe dê.
É crença geral que, para convencer, basta apresentar fatos. Esse, com efeito, parece o
caminho mais lógico. Entretanto, mostra a experiência que nem sempre é o melhor,
pois que a cada passo se encontram pessoas que os mais patentes fatos absolutamente
não convenceram. A que se deve atribuir isso? É o que vamos tentar demonstrar.
Podemos dizer que, para a maioria dos que não se preparam pelo raciocínio, os
fenômenos materiais quase nenhum peso têm. Quanto mais extraordinários são esses
fenômenos, quanto mais se afastam das leis conhecidas, maior oposição encontram e
isto por uma razão muito simples: é que todos somos naturalmente a duvidar de uma
coisa que não tem sanção racional. Cada um a considera de seu ponto de vista e a
explica a seu modo [...].
Essa "sanção racional" é a que advém da explicação dos fatos através da teoria. No
Parágrafo 34, após ressaltar a importância dos fatos na fundamentação da teoria, Kardec
considera, por outro lado, que de dez pessoas novatas que assistam a uma sessão de
experimentação espírita "nove sairão sem estar convencidas e algumas mais incrédulas
do que antes, por não terem as experiências correspondido ao que esperavam".
E julgais que isto vos baste para poder, ex professo, falar de Espiritismo? Como
poderíeis compreender essas experiências e, ainda mais, julgá-las, quando não
estudaste os princípios em que elas se baseiam? Como apreciaríeis o resultado,
satisfatório ou não, de ensaios metalúrgicos, por exemplo, não conhecendo a fundo a
metalurgia?
Mais adiante, no diálogo com o Céptico (Cap. I, Segundo Diálogo, seção "Elementos de
convicção") Kardec coloca a questão em termos explícitos:
A primeira sentença que destacamos revela uma vez mais que Kardec localizava o
caráter científico do Espiritismo na "doutrina", na sua "parte filosófica", que, no
contexto de nossa análise, deve ser entendido como aquilo a que vimos denominando
"teoria". Os fatos em si não constituem a ciência.
Nosso segundo destaque mostra que Kardec já entendia o papel da teoria como dando
"corpo", ou seja, coesão, inteligibilidade, aos fenômenos, que é a tarefa que Lakatos
atribui aos princípios teóricos do programa de pesquisa, notadamente os de seu núcleo
rígido.
No decorrer das próximas seções a tese da cientificidade do Espiritismo pela qual vimos
argumentando receberá indiretamente mais elementos de comprovação.
3. "O Espiritismo não é da alçada da Ciência"
A frase que serve de título a esta seção foi extraída do Item VII da magnífica peça
"Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita", que Kardec fez figurar como introdução
de O Livro dos Espíritos. Esse item trata especificamente da relações entre a Doutrina
Espírita e a Ciência, devendo esta ser entendida aqui como o conjunto das ciências
ordinárias, "oficiais", das academias, tal como a Física, a Química e a Biologia. [nota 4]
Apesar da clareza e da robustez argumentativa com que Allan Kardec abordou esse
assunto, não somente nessa seção de O Livro dos Espíritos, mas também em outras de
suas obras, especialmente em O que é o Espiritismo, O Livro dos Médiuns e A Gênese,
Os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, curiosamente observam-se ainda
hoje muitos equívocos em sua apresentação, mesmo por parte de espíritas. Destarte,
mais uma vez repetimos que não acrescentando nada ao que já disse o preclaro
Codificador, mas apenas relembrando seus argumentos. [nota 5]
Notemos que não se pode confundir o fato de o Espiritismo ser uma ciência - o que
procuramos mostrar na seção anterior - com a assunção falsa de que ele pertence ao
domínio da Ciência (ou seja, da Física, da Química e da Biologia).
Repetimos mais uma vez que, se os fatos a que aludimos se houvessem reduzido ao
movimento mecânico dos corpos, a indagação da causa física desse fenômeno caberia
no domínio da Ciência; porém, desde que se trata de uma manifestação que se produz
com exclusão das leis de Humanidade, ela escapa à competência da ciência material,
visto não poder exprimir-se nem por algarismos, nem pela força mecânica.
Concordai, também, que ninguém pode ser bom juiz naquilo que está fora da sua
competência.
Se quiserdes edificar uma casa, confiaríeis esse trabalho a um músico?
Se estiverdes enfermo, far-vos-ei tratar por um arquiteto?
Quando estais a braços com um processo, ides consultar um dançarino?
Finalmente, quando se trata de uma questão de teologia, alguém irá pedir solução a um
químico ou a um astrônomo?
Não, cada um em sua especialidade.
As ciências vulgares repousam sobre as propriedades da matéria, que se pode, à
vontade, manipular.; os fenômenos que ela produz têm por agentes forças materiais.
Os do Espiritismo têm, como agentes, inteligências que possuem independência, livre-
arbítrio e não estão sujeitas aos nossos caprichos; por isso eles escapam aos nossos
processos de laboratório e aos nossos cálculos, e, desde então, ficam fora dos domínios
da Ciência propriamente dita.
A Ciência enganou-se quando quis experimentar os Espíritos como o faz com uma pilha
voltaica; foi mal sucedida, como devia ser, porque agiu pressupondo uma analogia que
não existe; e depois, sem ir mais longe, concluiu pela negação, juízo temerário que o
tempo se encarrega de ir emendando diariamente, como já fez com tantos outros [...].
As corporações científicas não devem, nem jamais deverão, pronunciar-se nesta
questão; ela está tão fora dos limites do seu domínio como a de decretar se Deus existe
ou não; é, pois, um erro tomá-las aqui por juiz.
Kardec mostrou que nem o estudo do Espiritismo cabe à Ciência, nem estão os
cientistas em posição privilegiada para sobre ele opinar. Foi mesmo além: dada a
freqüente distorção que o envolvimento com sua especialidade impões à sua maneira de
apreciar as coisas, suas opiniões podem até mesmo estar mais sujeitas a equívocos. No
referido item de O Livro dos Espíritos Kardec considera:
Aquele que se fez especialista prende todas as suas idéias à especialidade que adotou.
Tirai-o daí e o vereis sempre desarrazoar, por querer submeter tudo ao mesmo
cadinho: conseqüência da fraqueza humana.
Ainda um último aspecto está envolvido nas relações entre o Espiritismo e a Ciência: a
necessidade que ele tem de não entrar em descompasso com o progresso científico.
Primeiro, ela deve ocorrer de acordo com a heurística positiva do próprio programa
espírita, sem recurso a elementos estranhos, venham de onde vierem, sob o risco de este
perder sua consistência.
Depois, a harmonia com as conquistas da Ciência não deve ser buscada irrestritamente e
a qualquer preço, visto estar ela, em suas proposições abstratas, constantemente sujeita a
enganos e retificações. Kardec percebeu isso de maneira clara, mesmo tendo vivido
antes das grandes revoluções científicas do início de nosso século. No item de O Livro
dos Espíritos de que estamos tratando encontramos este trecho:
Desde que a Ciência sai da observação material dos fatos, para os apreciar e explicar,
o campo está aberto às conjecturas [...]. Não vemos todos os dias as mais opostas
opiniões serem alternadamente preconizadas e rejeitadas, ora repelidas como erros
absurdos, para logo depois aparecerem proclamadas como verdades incontestáveis?
Aliás, é interessante notar que se Kardec não tivesse imprimido ao programa espírita a
independência e autonomia que lhe imprimiu, ajustando-o, ao invés, de modo irrestrito
agraves teorias científicas da época, ele teria, como conseqüência das aludidas
revoluções, soçobrado irremediavelmente.
Aparentemente, os que em nossos dias advogam a tese do "ajuste à Ciência" ainda não
se deram conta desse fato, nem perceberam que no referido parágrafo de A Gênese
Kardec deixou clara uma ressalva vital, ao falar desse ajuste:
Entendendo com todos os ramos da economia social, aos quais dá apoio das suas
próprias descobertas, [o Espiritismo] assimilará sempre todas as doutrinas
progressivas, de qualquer ordem que sejam, desde que hajam atingido o estado de
verdades práticas e abandonado o domínio da utopia, sem o que ele suicidaria.
Agora é certo que não há nenhum princípio científico estável, nenhuma "verdade
prática", que o Espiritismo não tenha ou assimilado, ou mesmo antecipado, sendo,
portanto, improcedente os pruridos de reforma e atualização da Doutrina.
Essa assertiva de Emmanuel, que abre o Capítulo XIV do primeiro livro que nos legou
por via mediúnica (Emmanuel, psicografado por Francisco Cândido Xavier.), há mais
de cinqüenta anos, pode, a alguns, parecer demasiadamente forte. No entanto, assim
como tudo o que nos tem dito o iluminado Espírito, decorre de uma análise isenta e
racional dos fatos. As conquistas recentes da Filosofia da Ciência, ainda não alcançadas
àquela época, evidenciam inequivocamente a correção desse juízo. É o que tentaremos
resumidamente mostrar nesta seção.
Apesar disso, tal foi a intensidade desse movimento filosófico, que exerceu uma
influência sem precedentes sobre os cientistas, a qual sobreviveu ao seu fracasso,
perdurando até nossos dias, com conseqüências funestas para a Ciência.
Para ilustrar essa situação, consideremos agora alguns exemplos concretos dos
equívocos em que incorrem essas pretensas ciências.
a) Seguindo a velha "receita", procuram acumular fatos sobre fatos, sem o auxílio de um
corpo teórico ordenador. Vimos acima quão inócuo e anti-científico é esse
procedimento, e quão bem Kardec compreendeu tal realidade.
c) As explicações são, via de regra, ainda mais fantásticas do que os fatos a que se
propõem explicar. Nas admiráveis refutações aos contraditores do Espiritismo contidas
em várias de suas obras, notadamente em O que é o Espiritismo (Cap. I), O Livro dos
Médiuns (Primeira Parte, Cap. IV), ,O Céu e o Inferno (Primeira Parte) e O Livro dos
Espíritos (Introdução, Item XVI), Allan Kardec, com a agudeza de espírito que o
caracterizava, já apontava esse tipo de problema. Na seção "Falsas explicações dos
fenômenos", do primeiro desses livros, Kardec pergunta:
Como podem pretender dar conta dos fenômenos espíritas [através da hipótese da
alucinação] sem serem antes capazes de explicar sua explicação?
d) Quando "teorias" são fornecidas, não dão conta de todos os fatos. Aqui também
Kardec já alertou (O Livro dos Médiuns, parágrafo 42):
O que caracteriza uma teoria verdadeira é poder dar razão de tudo. Se, porém, um só
fato que seja a contradiz, é que ela é falsa, incompleta, ou por demais absoluta.
e) Muitos fatos relevantes simplesmente não são reconhecidos. Isso pode resultar: i de
idéias preconcebidas, como no caso daquelas que negam a priori a possibilidade de
sobrevivência do ser, e portanto não investigam uma vasta quantidade de fenômenos
relativos a ela. (Esse problema atinge as raias do absurdo no horror que alguns
investigadores têm pelos médiuns - exatamente o manancial mais abundante de
fenômenos de que se dispõe!); ou ii. da falta de uma teoria que guie na busca e análise
dos fatos. Vimos acima com Kardec quão longe está o Espiritismo de incorrer em
semelhantes enganos.
Essa situação foi, como sempre, percebida e combatida por Allan Kardec, que não só
enfatizou repetidamente a importância crucial e a superioridade dos fenômenos
mediúnicos de efeitos inteligentes, como também explicitamente referiu-se à
inadequação dos métodos quantitativos, conforme se observa nas citações que fizemos
na seção 3, em especial neste trecho de O que é o Espiritismo (destacamos):
[Os fenômenos espíritas] têm, como agentes, inteligências que têm independência,
livre-arbítrio e não estão sujeitas aos nossos caprichos; por isso eles escapam aos
nossos processos de laboratório e aos nossos cálculos [...]. A Ciência enganou-se
quando quis experimentar os Espíritos, como o faz com uma pilha voltaica; foi mal
sucedida como devia ser, porque agiu pressupondo uma analogia que não existe.
Também no Item de O Livro dos Espíritos que vimos analisando Kardec alerta
(destacamos):
Também Emmanuel expende considerações desse mesmo teor no Capítulo XIII de seu
já citado livro Emmanuel (destacamos):
Não são poucos os estudiosos que procuram investigar os domínios da ciência psíquica,
na sede de encontrar o lado verdadeiro da vida; porém, se muitas vezes acham apenas
o malogro das suas expectativas , o soçobro dos seus ideais, é que se entregam a
estudos arriscados sem preparação prévia para resolver tão altas questões, errando
voluntariamente com espírito de criticismo, muitas vezes injustificável, já que não é
filho do raciocínio acurado, profundo. O êxito no estudo de problemas tão
transcendentais demanda a utilização de fatores morais, raramente encontrados; daí a
improdutividade de entusiasmos e desejos que podem ser ardentes e sinceros.
5. O Espiritismo é religioso
[...] o Espiritismo é, assim, uma religião ? Sim, sem dúvida, senhores: No sentido
filosófico o Espiritismo é uma religião, e disso nos honramos, pois que é a doutrina que
funda os laços da fraternidade e da comunhão de pensamentos não em uma simples
convenção, mas sobre a mais sólida das bases: as próprias leis da Natureza.
Por que então declaramos que o Espiritismo não era uma religião ? Pela razão de que
há apenas uma palavra para exprimir duas idéias diferentes, e que, segundo a opinião
geral, o termo religião é inseparável da noção de culto, e evoca unicamente uma idéia
de forma, com o que o Espiritismo não guarda qualquer relação. Se se tivesse
proclamado uma religião, o público nele não veria senão uma nova edição, ou uma
variante, se quisermos, dos princípios absolutos em matéria de fé, uma casta sacerdotal
com seu cortejo de hierarquias, cerimônias e privilégios; não o distinguiria das idéias
de misticismo e dos enganos contra os quais se está freqüentemente bem instruído.
Do mesmo modo como tem havido falta de compreensão acerca do caráter científico do
Espiritismo e de suas relações com as ciências, seu caráter religioso e suas relações com
as religiões também têm constituído ponto de freqüentes confusões.
Assim como se pode mostrar ser o Espiritismo científico, embora não se inclua entre
as ciências ordinárias, por estudar um domínio diverso de fenômenos, pode-se,
conforme o fez o próprio Kardec, mostrar que o Espiritismo é religioso, embora não
se confunda com as religiões ordinárias.
Essa tarefa deve começar pela análise etimológica da palavra religião. Ela vem do Latim
religione, derivado de religare, que naturalmente significa "religar", estando, neste caso,
subentendido que "religação" é da criatura ao Criador.
Estas usualmente entendem por Deus um ser supremo, criador de tudo o que existe,
porém com características notoriamente antropomórficas.
A segunda diferença fundamental está na maneira pela qual o Espiritismo entende que a
religação entre a criatura e Deus pode e deve ser promovida.
O Espiritismo toma-as como unicamente aquelas propostas por Jesus, e que se resumem
no preceito do amor ao próximo.
Já as religiões ordinárias podem, dependendo do caso, incluir ou não as normativas
evangélicas, ou incluí-las parcialmente, ou acrescentar-lhes outras, ou alterar-lhes a
interpretação original etc.
Por fim, crucial diferença surge no modo pelo qual essas regras éticas são
justificadas.
Nos comentários às Questões 147 e 148 de O Livro dos Espíritos, que tratam do
materialismo, Kardec refere-se à hipótese da aniquilação do ser com a morte corporal:
Triste conseqüência, se fora real, porque então o bem e o mal não teriam objetivo, o
homem estaria justificado em só pensar em si e em colocar acima de tudo a satisfação
de seus prazeres materiais; os laços sociais se romperiam, e as mais santas afeições se
quebrariam irremediavelmente.
Ora, pois: se credes num futuro qualquer, certo não admitis que ele seja idêntico para
todos, porquanto, de outro modo, qual a utilidade do bem ? Por que haveria o homem
de constranger-se ? Por que deixaria de satisfazer a todas as suas paixões, a todos os
seus desejos, ainda que à custa de outrem, uma vez que isso não lhe alteraria a
condição futura ?
Razão, portanto, tivemos para dizer que o Espiritismo, com os fatos, matou o
materialismo. Fosse este o único resultado por ele produzido e já muita gratidão lhe
deveria a ordem social. Ele, porém, faz mais: mostra os inevitáveis efeitos do mal e,
conseguintemente, a necessidade do bem.
No Parágrafo 42 encontramos:
No Parágrafo 56 Kardec volta ao assunto, desta vez analisando as relações entre a moral
evangélica e a espírita, que, conforme observamos, coincidem quanto às normas morais
(destacamos):
Encerrando essas notáveis citações de Kardec, que aliás poderiam estender-se ainda
muito, adentrando, por exemplo, O Céu e o Inferno, obra inteiramente dedicada ao
estudo teórico e experimental das conseqüências das ações humanas, voltamos ao
comentário às Questões 147 e 148 de O Livro dos Espíritos, que fecha com chave de
ouro estas nossas reflexões:
-----------------------------------------------------------------------
3. Ver, por exemplo, seu famoso artigo "Falsification and the methodology of scientific
reserch programmes", citado nas Referências Bibliográficas. [volta]
5. Esse tema foi também lucidamente tratado em artigo recente de Juvanir Borges de
Souza, "Pesquisas e Métodos", publicado no número de abril de 1986 de Reformador,
cuja leitura recomendamos vivamente. [volta]
6. "Le Spiritisme est-il une religion ?", Revue Spirite, 1868, p. 357. Transcrito em
L'Obsession, pp. 279-92 (ver Referências Bibliográficas). Uma tradução desse artigo,
por Ismael Gomes Braga, apareceu em Reformador, de março de 1976. Os destaques na
citação acima são nossos. [volta]
--------------------------------------------------------------------
Referências Bibliográficas
-----. "Os fundamentos da ética espírita". Reformador, junho de 1985, pp. 166-9.
KARDEC, A. Le Livre des Esprits. Paris, Dervy-Livres, s.d. (O Livro dos Espíritos.
Trad. de Guillon Ribeiro. 43a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.)
-----. Le Livre des Médiums. Paris, Dervy-Livres, 1972. (O Livro dos Médiuns. Trad.
Guillon Ribeiro, 46a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.)
-----. La Genèse, les Miracle et les Prédictions selon le Spiritisme. Paris, La Diffusion
Scientifique, s.d. (A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo. Trad.
Guillon Ribeiro, 23a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s. d.)
-----. L'Obssession. Extraits textuels des Revues Spirites de 1858 a 1868. Farciennes,
Bélgica, Éditions de l'Union Spirite, 1950.
Artigos
Página de rosto, ou folha de rosto, é a página inicial de um livro, onde devem aparecer
as informações básicas sobre a obra: o título e subtítulo, nome completo do autor,
tradutor (se houver), edição, local de publicação, editora e ano de publicação. As
convenções acadêmicas atuais estabelecem também que no verso dessa página sejam
registradas informações mais detalhadas, como a data da primeira edição, o título
original, o copyright e o ISBN (International Standard Book Number), além de dados
para indexação e catalogação bibliográfica.
Atualmente, há muito pouca preocupação no meio espírita com essas normas, sendo
freqüente que nas obras espíritas não se forneçam vários desses dados importantes,
dificultando trabalhos de pesquisa mais refinados. Allan Kardec, porém, sempre cuidou
com bastante zelo do aspecto formal de seus livros. Além de conterem todas as
informações bibliográficas básicas, suas páginas de rosto apresentavam um aspecto
gráfico sóbrio e claro. Vale a pena, pois, reproduzirmos abaixo (mantendo,
aproximadamente, os tipos e espaçamentos do original) a página de rosto da 2a edição
de O Livro dos Espíritos, de 1860, edição esta que estamos comentando nesta série de
artigos (ver resenha em Mundo Espírita, ... de ...).
PHILOSOPHIE SPIRITUALISTE
––––––––
LE LIVRE
DES ESPRITS
CONTENANT
LES PRINCIPES DE LA DOCTRINE SPIRITE
––––––––
SECONDE EDITION
PARIS
ie
DIDIER ET C , LIBRAIRES-ÉDITEURS
AU PALAIS-ROYAL
1860
Faremos agora a alguns comentários acerca do conteúdo dessa página, indicando todas
as alterações com relação à página de rosto da 1a edição, de 1857.
2. Quanto ao título do livro, procura refletir o fato de terem sido os Espíritos a fonte de
onde se originou o Espiritismo, primeiro pela produção de fenômenos que mostraram a
existência deles, e depois pelas informações detalhadas que forneceram sobre sua
natureza. Elaboradas por Kardec, tais informações vieram a constituir o corpo de
princípios básicos da filosofia espírita. Sendo o livro, como se afirma nos
Prolegômenos, o “repositório” do ensino dos Espíritos, a denominação de O Livro dos
Espíritos era inteiramente apropriada, mesmo que ele não tenha sido fornecido pronto
pelos Espíritos.
4. Vem, em seguida, a indicação sumária dos tópicos acerca dos quais versam esses
princípios: “a imortalidade da alma, a natureza dos Espíritos e suas relações com os
homens, as leis morais, a vida presente, a vida futura e o porvir da humanidade”. Essa
enumeração é bastante fiel ao que de fato existe na obra. É interessante observar que o
primeiro item da lista, a imortalidade da alma, foi introduzido na 2a edição. Não se
trata, na verdade, da indicação de uma expansão do escopo da obra, mas simplesmente
da explicitação do segundo item. O esclarecimento espírita da natureza dos Espíritos
evidencia que são nada mais nada menos do que as almas dos homens, e que estas são
imortais. Kardec certamente julgou conveniente explicitar isso já na página inicial do
livro.
5. “Segundo o ensino dado pelos Espíritos superiores, com o auxílio de diversos
médiuns, recolhidos e organizados por Allan Kardec”. Essa frase indica sucintamente a
fonte da doutrina espírita (os Espíritos, no sentido explicado no item 2, acima), o modo
específico da obtenção das informações deles provenientes (as comunicações
mediúnicas), e o papel que coube a Kardec. Fica, assim, claro o caráter geral da obra.
Aparentemente, Kardec estimou que havia lugar para alguma confusão na frase
equivalente da 1a edição, que era: “Escrito sob o ditado e publicado por ordem de
espíritos superiores”. A compreensão correta pressupõe certa familiaridade com a área,
e isso naturalmente não podia ser assumido. A expressão “escrito sob o ditado” poderia
dar a impressão de que a obra foi dada pronta – o que está muito longe da realidade.
Vale a pena transcrever, acerca desse ponto, o item 13 do capítulo 1 de A Gênese,
capítulo em que Kardec faz uma lúcida análise do caráter do Espiritismo:
Por sua natureza, a revelação espírita tem duplo caráter: participa ao mesmo tempo da
revelação divina e da revelação científica. Participa da primeira, porque foi
providencial o seu aparecimento e não o resultado da iniciativa, nem de um desígnio
premeditado do homem; porque os pontos fundamentais da doutrina provêm do ensino
que deram os Espíritos encarregados por Deus de esclarecer os homens acerca de
coisas que eles ignoravam, que não podiam aprender por si mesmos e que lhes importa
conhecer, hoje que estão aptos a compreendê-las. Participa da segunda, por não ser
esse ensino privilégio de indivíduo algum, mas ministrado a todos do mesmo modo; por
não serem os que o transmitem e os que o recebem seres passivos, dispensados do
trabalho da observação e da pesquisa, por não renunciarem ao raciocínio e ao livre-
arbítrio; porque não lhes é interdito exame, mas, ao contrário, recomendado; enfim,
porque a doutrina não foi ditada completa, nem imposta à crença cega; porque é
deduzida, pelo trabalho do homem, a observação dos fatos que os Espíritos lhe põem
sob os olhos e das instruções que lhe dão, instruções que ele estuda, comenta, compara,
a fim de tirar ele próprio as ilações e aplicações. Numa palavra, o que caracteriza a
revelação espírita é o ser divina a sua origem e da iniciativa dos Espíritos, sendo a sua
elaboração fruto do trabalho do homem.
Por outro lado, a expressão “e publicado por ordem de espíritos superiores” poderia
sugerir uma relação de comando entre os Espíritos e Kardec, e talvez a subserviência
deste – o que também de modo algum corresponde à realidade. No texto introdutório da
segunda parte das Obras Póstumas Kardec salienta:
Um dos primeiros resultados que colhi das minhas observações foi que os Espíritos,
nada mais sendo do que as almas dos homens, não possuíam nem a plena sabedoria,
nem a ciência integral; que o saber de que dispunham se circunscrevia ao grau, que
haviam alcançado, de adiantamento, e que a opinião deles só tinha o valor de uma
opinião pessoal. Reconhecida desde o princípio, esta verdade me preservou do grave
escolho de crer na infalibilidade dos Espíritos e me impediu de formular teorias
prematuras, tendo por base o que fora dito por um ou alguns deles.
(...) Vi logo que cada Espírito, em virtude da sua posição pessoal e de seus
conhecimentos, me desvendava uma face daquele mundo, do mesmo modo que se chega
a conhecer o estado de um país, interrogando habitantes seus de todas as classes, não
podendo um só, individualmente, informar-nos de tudo. Compete ao observador formar
o conjunto, por meio dos documentos colhidos de diferentes lados, colecionados,
coordenados e comparados uns com outros. Conduzi-me, pois, com os Espíritos, como
houvera feito com homens. Para mim, eles foram, do menor ao maior, meios de me
informar e não reveladores predestinados.
Tais as disposições com que empreendi meus estudos e neles prossegui sempre.
Observar, comparar e julgar, essa a regra que constantemente segui.
A frase “escrito por ordem e sob ditado de Espíritos superiores” aparece nos
Prolegômenos, em ambas as edições, mas ao encontrá-la o leitor já terá passado pela
Introdução, e disporá de esclarecimentos mais extensos nos parágrafos adjacentes. Para
figurar na folha de rosto a nova frase da 2a edição é mais apropriada, por ser mais
precisa e menos propensa a confusões.
8. Na página que faz face à folha de rosto há ainda alguns dados interessantes:
a) Há, no início, uma lista das “Obras do mesmo autor”: Qu’est-ce que le Spiritisme?
(1859), Instruction Practique sur les Manifestations Spirites (1858) e a Revue Spirite
(lançada em 1858). Ao título das duas primeiras obras seguem os dizeres das
respectivas páginas de rosto, o formato e o preço. No caso da Revue, indica-se o
subtítulo, “Revista de estudos psicológicos”, e a existência no final do livro de um
“prospecto detalhado” sobre o periódico. Possivelmente tratava-se de um folheto
avulso, que não foi reproduzido na edição histórica que estamos analisando nesta série
de artigos.
b) Vem, depois, o anúncio de uma obra “no prelo, a sair em abril de 1860”, cujo título
seria Le Spiritisme Expérimental (O Espiritismo Experimental). Os detalhes que
seguem a esse título são, com pequenas diferenças, os mesmos que figuram na página
de rosto de O Livro dos Médiuns, inclusive a frase “para dar seqüência ao Livro dos
Espíritos”. É, pois, seguro assumir que se tratava realmente do Livro dos Médiuns, e
que Kardec mudou o título na última hora! Note-se, a propósito, que a frase Espiritismo
experimental aparece no topo da página de rosto do Livro dos Médiuns,
apropriadamente indicando a natureza da obra. Segundo informação dada na edição
corrente da tradução do Livro dos Médiuns editada pela FEB, o livro saiu em Paris em
15/1/1861, o que mostra a ocorrência de um atraso, relativamente às expectativas de
Kardec por ocasião da redação do anúncio. (No próximo artigo desta série veremos que
Kardec repete essencialmente o mesmo anúncio no Prefácio.)
c) Por fim, há uma nota dizendo que “as pessoas que queiram se comunicar com o autor
do Livro dos Espíritos, e que não saibam o seu endereço, podem lhe enviar suas cartas
... por intermédio do Sr. Ledoyen, livreiro, depositário de todas as suas obras ...”. Com o
crescimento do projeto espírita, Kardec deve ter julgado conveniente desvincular o seu
endereço pessoal daquele dos editores dos livros. Aparentemente, porém, a tentativa não
foi muito longe: assim como anteriormente com a Instruction Practique, nas páginas de
rosto do Imitation e do Évangile o endereço de Kardec voltaria a aparecer. E no caso da
Revue nunca houve indicação de nenhum editor, mas apenas o endereço de seus
escritórios, que sempre ficaram na residência de Kardec (rue des Martyrs até meados de
1860, e depois passage Ste.-Anne, que desde abril abrigava também a Societé). Isso
mostra o extraordinário empenho de Kardec com o projeto do Espiritismo. Lembramos,
a propósito, que todas as despesas e riscos da edição pioneira de O Livro dos Espíritos e
da Revue foram inteiramente arcados por Kardec (ver a obra Allan Kardec, vol. II, pp.
76 e 257, e vol. III p. 22).
d) No pé da página está o impressor da obra (não confundir com o editor): P.-A.
Bourdier et Cie., rue Mazarine, 30, Paris. A informação é repetida na última página do
livro (onde costuma figurar em qualquer obra). Essa gráfica não é a mesma da 1a
edição, impressa na Imprimerie de Beau, em Saint-Germain-en-Laye.
Referências:
––––. Revue Spirite. Texto eletrônico, Centre d'Études Spirites Léon Denis,
http://perso.wanadoo.fr/charles.kempf/
––––. Obras Póstumas. Trad. Guillon Ribeiro. 18a ed., Rio de Janeiro, Federação
Espírita Brasileira, s.d.
WANTUIL, Z. & THIESEN, F. Allan Kardec, 3 vols. 1a ed., Rio, Federação Espírita
Brasileira, 1979/80.
Artigos
Resumo:
Neste trabalho desenvolve-se um estudo das paixões da alma com base na seção
intitulada "Paixões" do capítulo "Da perfeição moral" de O Livro dos Espíritos, bem
como em tópicos da obra de René Descartes, As Paixões da Alma.
1. Introdução
Abrindo a seção sobre as paixões de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec pergunta: ([2])
907. Será intrinsecamente mau o princípio originário das paixões, embora esteja
na Natureza?
Antes de analisarmos a resposta dos Espíritos, detenhamo-nos um pouco sobre a própria
questão.
O primeiro ponto a ser notado é que Kardec indaga acerca do princípio originário
das paixões, e não delas próprias, ou seja, procura esclarecimento sobre a origem, a
fonte de onde promanam as paixões.
A segunda observação importante é que há, na pergunta, uma afirmação categórica: esse
princípio do qual provêm as paixões está na Natureza, isto é, faz parte da ordem
natural das coisas.
Ora, o conceito ordinário de paixão, adotado pelo homem comum, traz consigo uma
conotação negativa evidente: associa-se paixão a desequilíbrio, tumulto emocional ou
desvios patológicos do sentimento, sendo mesmo freqüente ouvir-se frases como 'Isto
não é amor, é paixão', ou 'Fulano está cego de paixão'.
A questão proposta por Kardec motiva-se exatamente pelo conflito entre essa acepção
vulgar do termo 'paixão' e a análise filosófica das paixões (de que trataremos na seção
seguinte), que indica serem elas provenientes de causas naturais. Considerando que tudo
aquilo que pertence à ordem natural obedece a uma sabedoria e a uma bondade
supremas, tendo, em outras palavras, sido instituído por Deus, como poderia essa fonte
sábia e boa levar, em última instância, a sentimentos intrinsecamente maus?
"Não, a paixão está no excesso de que se acresceu a vontade, visto que o princípio que
lhe dá origem foi posto no homem para o bem, tanto que as paixões podem levá-lo à
realização de grandes coisas. O abuso que delas se faz é que causa o mal.”
Na questão seguinte, de número 908, Kardec indaga como se pode "determinar o limite
onde as paixões deixam de ser boas para se tornarem más", obtendo esta resposta:
"As paixões são como um corcel, que só tem utilidade quando governado e que se torna
perigoso desde que passe a governar. Uma paixão se torna perigosa a partir do momento
em que deixais de poder governá-la e que dá em resultado um prejuízo qualquer para
vós mesmos, ou para outrem.”
Vemos, pois, que o limite natural das paixões se estabelece com base em dois critérios:
Como ocorre com boa parte dos vocábulos das línguas naturais, a palavra 'paixão'
comporta diversos significados. Na acepção popular em nossos dias, ela designa certos
sentimentos fortes, exacerbados, tumultuados, que em geral se associam à afeição
votada a pessoas e mesmo a coisas e atividades: 'Matou-se por paixão', 'É apaixonado
por carros', 'Tem paixão pelo futebol'.
Nesse sentido básico, e hoje em dia em desuso, poder-se-ia dizer que ação e paixão são
como as faces de uma mesma moeda. Sempre que algo age, alguma outra coisa sofre
paixão. Eu bato na mesa ação; a mesa recebe a pancada paixão. O mesmo fenômeno que
para mim é ação, para a mesa é paixão.
Aqui estamos interessados não em coisas em geral, mas no ser humano, que pode, ele
também, agir e sofrer paixão. Nesse caso, porém, o conceito de paixão se tornará
mais específico, como veremos.
Dadas as grandes transformações por que passou a física em nosso século, não é
possível expressar em linguagem ordinária como a ciência contemporânea caracteriza a
matéria. Na concepção cartesiana, que prevaleceu e influenciou profundamente toda a
ciência por quase trezentos anos, matéria é a substância extensa, com forma e
movimento, que preenche todo o universo e atua exclusivamente por forças mecânicas
de contato. No nível dos objetos com que lidamos enquanto homens comuns, podemos
pensar na matéria aproximadamente ao longo dessas linhas, mas apenas para fixar
idéias, conscientes de que essas noções não mais bastam às novas teorias físicas.
Quanto ao espírito, para Descartes ele era, como já indicamos, a substância pensante, a
sede do pensamento, da vontade e dos sentimentos. Ao contrário de sua concepção de
matéria, essa idéia de espírito mostra-se perfeitamente adaptável ao que conhecemos
hoje, não mais pelas ciências acadêmicas, que por sua natureza não se ocupam com isso,
mas pela ciência espírita, inaugurada por Allan Kardec. ([3])
Podemos, para os nossos propósitos aqui, considerar a alma ou espírito como tendo três
"faculdades" (termo de Descartes):
1. vontade;
2. pensamento;
3. percepção.
A vontade se exerce quando a alma quer algo; o pensamento, quando ela raciocina,
duvida, compara, abstrai etc. Pensamento e vontade assim definidos são, por assim
dizer, as "dimensões" ativas da alma. A percepção seria, por outro lado, sua dimensão
passiva. Isso fica mais claro quando enumeramos as formas gerais dessa percepção:
Descartes considerava que as seis paixões que acabamos de enumerar eram básicas,
enquanto que as demais, tais como o orgulho e a humildade, a veneração e o desdém, a
esperança e o desespero, o medo e a coragem, a vergonha e a cólera, o remorso e a
piedade seriam derivadas das paixões fundamentais por combinações e variações.
Não haveria espaço para explicar ou reproduzir aqui a complexa teoria cartesiana das
paixões. Tampouco nos deteremos sobre a interessante análise que faz de cada paixão
em particular, análise que ocupa boa parte do livro As Paixões da Alma. Ressaltaremos,
entretanto, alguns pontos que podem contribuir para a nossa compreensão da natureza
desses sentimentos.
No referido livro, assim como em outras obras, Descartes elabora detalhada teoria
fisiológica que, embora hoje em dia possa parecer tosca e quimérica em muitos
aspectos, representou um trabalho pioneiro, exercendo significativa influência no
posterior desenvolvimento da ciência biológica.
A teoria cartesiana descrevia o corpo humano, como, aliás, todo universo material, em
termos de um conjunto incrivelmente complexo de corpúsculos que agem sob leis
mecânicas, leis que o próprio Descartes havia deduzido de pressupostos racionalistas na
obra Os Princípios da Filosofia, de 1644. Ele foi um dos primeiros cientistas a
reconhecer a teoria da circulação do sangue, proposta por William Harvey no início do
século XVII. Descartes mantinha (de forma não totalmente original) que no sangue
havia certos corpúsculos materiais extremamente pequenos e móveis, chamados
espíritos animais. Não obstante o nome, não se tratava de modo algum de espíritos no
sentido de seres inteligentes, mas de matéria pura e simples. Essas partículas diminutas
eram como que "filtradas" nos "poros" do cérebro, passando a percorrer os nervos. O
fluxo dos espíritos animais no sistema nervoso é a chave para explicar, na teoria
cartesiana, fenômenos fisiológicos e psico-fisiológicos fundamentais, como o
funcionamento dos sentidos, as motricidades voluntária e involuntária, e as próprias
paixões da alma. Embora as paixões sejam percepções da alma, tinham, segundo essa
teoria, uma contraparte fisiológica essencial. Infelizmente não poderemos fornecer
detalhes aqui.
Desnecessário notar que a ciência contemporânea não mais utiliza a noção de espíritos
animais. No entanto, temos aqui mais um caso típico da história da ciência em que,
embora rejeitados pela evolução da ciência, conceitos e teorias do passado aparecem
ainda, embora bastante modificados, refinados e complementados, nas teorias mais
recentes. A idéia geral de que algo percorre os nervos, trazendo as informações
sensoriais para o encéfalo e conduzindo para os órgãos motores os impulsos nele
originados mostrou-se fecunda e sustentável, estando presente na teorias científicas
contemporâneas, que descrevem esse algo em termos de correntes elétricas.
Também a associação das paixões a um certo automatismo pode ser mantida até
hoje. Estendendo de maneira profunda e segura a investigação do ser humano, o
Espiritismo modificou e complementou a descrição desse automatismo, que deixa de
estar centrado na estrutura fisiológica, residindo antes no próprio espírito, em sua
existência que antecede e sucede à do corpo denso, com possíveis influências também
do seu envoltório perispiritual. Assim é que se constata por observação direta que os
Espíritos desencarnados continuam tendo sentimentos aparentemente semelhantes às
nossas paixões. Isso indica que a causa imediata das paixões não se pode reduzir a
processos referentes ao corpo denso, como achava Descartes. O fato de que diante de
determinados estímulos externos ou internos a alma é automaticamente objeto daqueles
sentimentos que chamamos paixões deve-se a uma faculdade inerente à própria alma,
que tem uma razão de ser providencial, conforme vimos na introdução deste trabalho.
(Retomaremos esse tópico mais adiante.)
Detenhamo-nos agora sobre as causas mediatas ou primeiras das paixões. Estas eram
por Descartes classificadas em três grupos (As Paixões da Alma, § 51):
i) os objetos dos sentidos: alguém escuta uma boa notícia e sente alegria; vê uma
criança sendo maltratada e sente indignação ou cólera; cheira fumaça e sente medo de
incêndio;
ii) as ações da alma: alguém pensa em suas qualidades e sente orgulho ou humildade;
duvida da sinceridade de um amigo e sente tristeza; imagina os efeitos de uma tragédia
e sente pena dos envolvidos;
Este último item enseja aos pesquisadores espíritas outra oportunidade de complementar
o que afirmou Descartes. Pelas investigações científicas dos fenômenos espíritas,
conhecemos inúmeros fatos e leis da realidade espiritual que o filósofo aparentemente
ignorava. É indubitável que alterações diversas do corpo, especialmente do sistema
nervoso, podem de fato fazer surgir sentimentos ou paixões na alma. No entanto,
sabemos que em muitas ocasiões em que não encontramos sua causa última naquilo que
explicitamente observamos, quer no mundo exterior e em nossos corpos, quer em nossa
alma, podem dever-se a fatores espirituais, tais como as vivências no mundo espiritual
durante o sono, as influências obsessivas e telepáticas de um modo geral, ou a emersão
parcial de nosso pretérito remoto.
909. Poderia sempre o homem, pelos seus esforços, vencer as suas más inclinações?
"Sim, e, por vezes, fazendo esforços pequenos. O que lhe falta é a vontade. Ah! quão
poucos dentre vós fazem esforços!"
Embora não se fale aqui explicitamente em paixões, está claro a partir do contexto que
as referidas "más inclinações" estão associadas ao desvirtuamento dos sentimentos
naturais que estão na origem das paixões. Temos, por exemplo, uma tendência que
parece natural, maior ou menor conforme a pessoa, de sentir orgulho quando nos
elogiam, mágoa quando nos ofendem, inveja quando vemos alguém possuir aquilo que
queríamos para nós próprios. Nos itens 910 e 911 a referência às paixões se torna
explícita. No primeiro deles assevera-se que os bons Espíritos podem nos auxiliar a
vencer as más paixões, pois que "é essa a missão deles." O segundo vai agora transcrito
em sua íntegra:
911. Não haverá paixões tão vivas e irresistíveis, que a vontade seja impotente para
dominá-las?
"Há muitas pessoas que dizem: Quero, mas a vontade só lhes está nos lábios. Querem,
porém muito satisfeitas ficam que não seja como "querem". Quando o homem crê que
não pode vencer as suas paixões, é que seu Espírito se compraz nelas, em conseqüência
de sua inferioridade. Compreende a sua natureza espiritual aquele que as procura
reprimir. Vencê-las é, para ele, uma vitória do Espírito sobre a matéria."
Repare-se que nessas passagens o conceito de paixão está sendo restringido ao seu uso
mais ordinário, de algo com conotação negativa, que requer controle ou superação. Isso
não implica que devamos dissociá-lo de sua significação filosófica original, esboçada na
seção precedente. Tudo o que nela foi visto aplica-se também aqui, onde se trata de
paixões particulares, aquelas que redundam em um mal qualquer para algo ou alguém.
Feitas essas ressalvas, retomemos o cerne desses três quesitos de O Livro dos Espíritos.
Neles se afirma resolutamente que as paixões negativas podem ser controladas pela
vontade. Como fica então a conclusão a que havíamos chegado pela análise filosófica de
que as paixões são aparentemente incontroláveis?
Veremos agora que esse é um conflito apenas aparente, que se dissolve diante de um
exame mais acurado. Descartes empreendeu ele próprio esse exame, e podemos
aproveitá-lo quase que integralmente aqui, com as necessárias simplificações. Esses
estudos de grande beleza e profundidade encontram-se principalmente nos parágrafos
44 a 50, e 137 a 148 de As Paixões da Alma.
Iniciemos pelo parágrafo 46. Quando sofremos uma paixão qualquer, embora seu
afloramento seja espontâneo, involuntário, dado o automatismo que opera em nós,
podemos, por nossa vontade, não consentir em seus efeitos e reter muitos dos
movimentos aos quais ela dispõe o corpo. Por exemplo, se a cólera faz levantar a mão
para bater, a vontade pode comumente retê-la; se o medo incita as pernas a fugir, a
vontade pode detê-las, e assim por diante. ([4])
Eis, portanto, uma constatação simples, porém altamente relevante para o controle das
paixões: sustar os seus efeitos maléficos sobre as coisas e pessoas. Isso está em nosso
poder, desde que tenhamos vontade firme e discernimento moral para reconhecer quais
os efeitos bons e quais os ruins. (Abordaremos o assunto do senso moral na próxima
seção.)
No entanto, ainda que exercida eficazmente essa limitação das manifestações externas
das más paixões resta o fato de que elas continuam existindo enquanto fenômenos de
nosso mundo íntimo, ou seja, os sentimentos continuam presentes em nossa alma,
prejudicando-nos a paz interior. O que fazer agora?
Descartes enfatiza que a vontade não tem o poder de excitar ou suprimir diretamente as
paixões (§ 45). Um pouco de reflexão leva-nos a concordar com ele. Bastará ao
orgulhoso simplesmente querer ser humilde? De alguma coisa adiantará ao que está
triste dizer para si próprio: 'Ficarei alegre agora'? Vencerá alguém a mágoa
simplesmente desejando alijar-se dela? Parece que não; falta algo além da vontade.
O que seria esse algo não se explicita na seção em exame de O Livro dos Espíritos. A
resposta está implícita no conjunto da obra e suas complementações. Um dos méritos do
texto de Descartes é justamente o de enfocar o problema de forma quase explícita.
(Dissemos quase porque o que exporemos a seguir é fruto de uma elaboração de várias
observações e asserções de Descartes).
O filósofo francês afirma, notemos bem, que não temos controle direto sobre as paixões.
Isso não significa que não possamos controlá-las indiretamente, mediante certos
artifícios. Consideremos uma útil analogia de que Descartes lança mão no parágrafo 44.
Constitui fato patente que há certos movimentos corporais sobre os quais a vontade é
incapaz de atuar diretamente, como a abertura ou fechamento das pupilas: ninguém as
abre ou fecha voluntariamente. No entanto, podemos facilmente fazê-las se fechar ou
abrir indiretamente, voltando nossos olhos para uma região mais clara ou outra mais
escura. Sobre os movimentos dos olhos, pálpebras e face temos pleno controle e,
explorando o automatismo fisiológico, logramos controlar a abertura das pupilas de
forma indireta. As paixões, diz Descartes (§ 45), podem, de forma análoga, ser excitadas
ou suprimidas indiretamente pela representação das coisas que costumam estar unidas
às paixões que queremos ter, e que são contrárias às que queremos rejeitar. Assim, para
excitarmos em nós a coragem e suprimirmos o medo, não basta ter a vontade de fazê-lo,
mas é preciso aplicar-nos a considerar as razões, os objetos ou os exemplos que
persuadem de que o perigo não é grande; de que há sempre mais segurança na defesa do
que na fuga; de que teremos a glória e a alegria de havermos vencido, ao passo que não
poderemos esperar da fuga senão o pesar e a vergonha de termos fugido, e coisas
semelhantes.
Como no caso da abertura das pupilas, podemos estudar o automatismo das paixões e
colocá-lo a nosso serviço. O exemplo dado por Descartes refere-se à paixão do medo.
Tentemos ver como seria no caso da mágoa. Diante de uma ofensa, pode acontecer de
ficarmos magoados, quer queiramos ou não. Reconhecendo porém os malefícios desse
sentimento, aplicamo-nos em combatê-lo. Para tanto, temos que nos "representar"
coisas que sabemos estar unidas ao perdão e que são contrárias à mágoa. Podemos, por
exemplo, ponderar que o ofensor é uma pessoa infeliz; que não teve ainda a glória de
ascender a um patamar comportamental melhor; que pode ter agido sob o peso de
problemas que desconhecemos; que pode não ter encontrado na infância pais devotados
e bons que lhe ensinassem a virtude por palavras e atos; que ele colherá frutos amargos
de sua ação; que, de nosso lado, havemos de possuir em nosso passado fatores que
determinaram a necessidade ou conveniência de enfrentarmos semelhante provação.
Examinando as obras espíritas voltadas à orientação moral, é fácil encontrar muitas
considerações desse teor. Os bons autores espíritas sabem que a melhoria moral da
criatura não é uma questão de prescrições, de proibições, mas de esclarecimento e de
substituição de hábitos.
Falamos em hábitos e isso nos conduz a outro tópico da análise cartesiana. Quando
recorremos à noção de automatismo para explicar o mecanismo das paixões devemos
esclarecer mais sua natureza, se é permanente e inalterável ou não. Pois bem: Descartes
sustentava que esse automatismo das paixões (embora, repitamos, não tenha usado essa
expressão) podia ser alterado. Essa possibilidade era por ele entendida em termos das
associações de pensamentos e movimentos corporais com os fluxos dos espíritos
animais. Ele assumia que a Natureza determinava essas associações, mas que podíamos
até certo ponto alterá-las "por hábito" (§ 50). Lembra, por comparação, que mesmo os
animais podem ter suas reações naturais parcialmente alteradas por condicionamento
(como diríamos hoje). O cão, que por uma disposição natural é levado a correr na
direção da perdiz para apanhá-la, pode ser treinado para deter-se quando a vê, esperando
pelo caçador. E conclui (§ 50):
Ora, essas coisas são úteis de saber para nos encorajar a aprender a regrar nossas
paixões. Pois dado que se pode, com um pouco de engenho, mudar os movimentos do
cérebro nos animais desprovidos de razão, é evidente que se pode fazê-lo melhor ainda
nos homens, e que mesmo aqueles que possuem as almas mais fracas poderiam adquirir
um império bem absoluto sobre todas as suas paixões, se empregassem bastante
engenho em domá-las e conduzi-las.
O parágrafo 48 aborda a questão do esforço que a alma faz para superar esse conflito
íntimo. Inspecionemos na íntegra esse interessante parágrafo (os destaques são nossos):
Ora, é pelo desfecho desses combates que cada qual pode conhecer a força ou a
fraqueza de sua alma. Pois aqueles cuja vontade pode, naturalmente, com maior
facilidade, vencer as paixões e sustar os movimentos do corpo que os acompanham têm,
sem dúvida, as almas mais fortes. Há, porém, os que não podem comprovar a própria
força porque nunca levam a combate sua vontade juntamente com suas próprias armas,
mas apenas com as que lhes fornecem algumas paixões para resistir a algumas outras. O
que denomino próprias armas da vontade são os juízos firmes e determinados sobre o
conhecimento do bem e do mal, consoante os quais ela resolveu conduzir as ações de
sua vida. E as almas mais fracas são aquelas cuja vontade não se decide assim a seguir
certos juízos, deixando-se arrastar continuamente pelas paixões presentes, que, sendo
muitas vezes contrárias umas às outras, puxam-na sucessivamente cada uma para o seu
lado e, fazendo-a combater contra si mesma, colocam-na no estado mais deplorável
possível. Assim, por exemplo, quando o medo representa a morte como um extremo
mal, que só pode ser evitado pela fuga [do perigo], e a ambição, de outro lado,
representa a infâmia dessa fuga como um mal pior que a morte, essas duas paixões
agitam diversamente a vontade, que, obedecendo ora a uma, ora a outra, se opõe
continuamente a si própria, tornando assim a alma escrava e infeliz.
A "força" da alma é definida com referência à sua vontade. As pessoas de vontade fraca
deixam-se simplesmente levar pelas paixões, tão amiúde contrárias umas às outras, do
que resulta o mais deplorável estado de alma. No entanto, só a vontade forte não basta; é
necessária a utilização das "armas" da vontade, que são "juízos firmes e determinados
sobre o conhecimento do bem e do mal". Ou seja, a alma precisa saber distinguir de
forma segura o bem do mal. Tem de possuir critérios morais sólidos, caso contrário
poderá aplicar sua vontade sobre alvos errados, dando combate a paixões boas ou
cultivando paixões más, como acontece, por exemplo, com quem alega que a humildade
não se coaduna com a dignidade humana, ou que o ciúme é necessário ao amor.
No parágrafo seguinte (49), Descartes observa que "há pouquíssimos homens tão fracos
e irresolutos que nada queiram senão o que suas paixões lhes ditam". Isso, porém, não é
tudo:
Há, entretanto, grande diferença entre as resoluções que procedem de alguma falsa
opinião e as que se apóiam tão-somente no conhecimento da verdade, visto que se
seguirmos estas últimas estaremos certos de não ter jamais do que nos lamentar nem
arrepender, ao passo que o teremos sempre, se seguirmos as primeiras, quando lhes
descobrimos o erro.
Com sua ética objetiva, o Espiritismo pode pôr termo a tais disparidades de opinião,
indicando claramente quais as paixões e atitudes que melhor conduzem o homem à
almejada felicidade, concebida em termos amplos e perenes. Na lista que demos, por
exemplo, são as primeiras paixões de cada par, nunca as segundas, aquelas que devemos
permitir que vicejem em nossas almas.
Ao mesmo tempo em que nos esclarece acerca do bem e do mal, o Espiritismo fornece
os meios para podermos executar o controle das "más inclinações", ao longo das linhas
sugeridas por Descartes. Na seção anterior, exemplificamos esse processo no caso da
mágoa. Procedendo de modo semelhante com as demais paixões, elas serão
reconduzidas ao seu estado de pureza original, conforme se expressa nas questões 907 e
908 de O Livro dos Espíritos. Nos judiciosos comentários que as seguem, Kardec
afirma que as paixões "são alavancas que decuplicam as forças do homem e o auxiliam
na execução dos desígnios da Providência". A finalidade boa das paixões é destacada
em termos equivalentes por Descartes no parágrafo 52 de As Paixões da Alma: "o
emprego de todas as paixões consiste apenas no fato de disporem a alma a querer coisas
que a Natureza dita serem úteis a nós, e a persistir nessa vontade, assim como a mesma
agitação dos espíritos [animais] que costuma causá-las dispõe o corpo aos movimentos
que servem à execução dessas coisas". (Ver também os parágrafos 137 e 138.)
Detenhamo-nos ainda um pouco sobre esse tópico. À primeira vista, é fácil reconhecer
que o amor, a coragem e alegria, por exemplo, provêm de princípios bons e concorrem
para o nosso bem. No entanto, mesmo essas paixões boas podem ser mal conduzidas e
desvirtuadas, levando, respectivamente, ao ciúme, à temeridade e ao estouvamento.
Por outro lado, não é imediata a identificação de origens boas e providenciais das quais
paixões como a cólera ou o orgulho possam provir. Descartes, Kardec e os Espíritos
que com ele colaboraram nos asseguram que os há, todavia. Ensaiemos uma busca.
5. Na direção do Infinito
Não poderíamos concluir este pequeno trabalho sem mencionar que no final da terceira
parte de seu livro Descartes apresenta brevemente um outro aspecto das percepções da
alma, complementar ao das paixões, tais quais as entendia. Vimos que para ele estas
últimas tinham sempre uma "contraparte" orgânica. Sugerimos, por nossa vez, que esse
aspecto talvez não seja central nas paixões, que parecem antes ser inerentes à própria
alma.
De qualquer modo, dentro do referencial que elaborou, Descartes também notou que há
percepções da alma que radicam nela própria, ou, em suas palavras, "emoções interiores
que são excitadas na alma apenas pela própria alma" (§ 147; grifamos). Um dos
exemplos que dá é a "alegria intelectual" que sentimos quando lemos um romance ou
assistimos a uma peça teatral em que as situações excitam em nós diversas paixões,
como a alegria, a tristeza, o ódio, o amor, trazendo-nos todas uma espécie de prazer de
ordem superior.
Vejamos estas belas passagens do parágrafo 148, em que Descartes desenvolve o tema:
Ora, visto que essas emoções interiores nos tocam mais de perto e têm, por conseguinte,
muito mais poder sobre nós do que as paixões que se encontram com elas, e das quais
diferem, é certo que, contanto que a alma tenha sempre do que se contentar em seu
íntimo, todas as perturbações que vêm de outras partes não dispõem de poder algum
para prejudicá-la. Servem, antes, para lhe aumentar a alegria, pelo fato de, vendo que
não pode ser por elas ofendido, conhecer com isso a sua própria perfeição. E, para que a
nossa alma tenha assim do que estar contente, precisa apenas seguir estritamente a
virtude. Pois quem quer que haja vivido de tal maneira que sua consciência não possa
censurá-lo de alguma vez ter deixado de fazer todas as coisas que julgou serem as
melhores (que é o que chamo aqui seguir a virtude), recebe daí uma satisfação tão
poderosa para torná-lo feliz que os mais violentos esforços da paixão nunca têm poder
suficiente para perturbar a tranqüilidade de sua alma.
Referências
CHIBENI, S.S. "Os fundamentos da ética espírita", Reformador, junho de 1985, pp.
166-9. "A excelência metodológica do Espiritismo", Reformador, novembro de 1988,
pp. 328-33, e dezembro de 1988, pp. 373-78. "O paradigma espírita", Reformador,
junho de 1994, pp. 176-80.
KARDEC, A. Le Livre des Esprits. Paris, Dervy-Livres, s.d. (dépôt légal 1985). (O
Livro dos Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro, 64a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita
Brasileira, s.d.)
NOTAS:
([1]) Gostaria de agradecer a Márcio Corrêa, Cosme Massi e Matthieu Tubino pelos
comentários feitos a versões preliminares deste trabalho.
([2]). Nesta e demais citações do O Livro dos Espíritos utilizamos o texto original,
aproveitando em grande parte a tradução de Guillon Ribeiro, publicada pela Federação
Espírita Brasileira.
([3]) Sobre a ciência espírita, ver nossos artigos "O paradigma espírita" e "A excelência
metodológica do Espiritismo", bem como as referências neles contidas.
([4]) Nesta e demais citações desse livro utilizamos o original francês, aproveitando,
quando possível, a tradução brasileira indicada na lista bibliográfica.
([5]) Essa tensão já havia, aliás, sido comentada, em termos diversos, por Paulo no
capítulo 7 da Epístola aos Romanos.
([6]) Para uma análise sucinta desse ponto ver nosso artigo "Os fundamentos da ética
espírita".
http://www.espirito.org.br/portal/artigos/geeu/as-paixoes.html
Artigos
Dogmatismo?
Tradicionalismo?
Fanatismo?
Visão estreita?
Vejamos:
1. A obra de Allan Kardec, quando analisada internamente, revela uma solidez lógica,
uma racionalidade, uma limpidez argumentativa, uma coerência de fazerem inveja aos
mais conceituados tratados filosóficos que a Humanidade possui;
2. Allan Kardec revelou, em tudo o que fez, uma prudência, um equilíbrio, uma
sobriedade, um espírito positivo e despreconcebido, um bom senso, enfim, que
singularizam sua figura entre todos os expoentes da cultura humana;
3. A obra de Allan Kardec, contrariamente ao que em geral acontece com outras que
abordam os mesmos assuntos, está firme e amplamente baseada em fatos, cuidadosa e
minuciosamente examinados à luz dos referidos critérios racionais; não surgiu entre as
quatro paredes de um gabinete, mas de uma extensa convergência de informações;
4. Allan Kardec era possuidor de uma vasta erudição, transitando inteiramente à vontade
pelos mais variados campos do saber – das ciências às artes, das filosofias às religiões –
o que lhe permitiu trazer ao seu domínio de estudo os mais relevantes problemas que
interessam ao homem, dentro de uma visão abarcante e integrada da realidade;
6. Allan Kardec soube ser impessoal, separando com rigor suas opiniões pessoais e
peculiaridades de sua vida privada do conhecimento doutrinário, que é independente e
objetivo; jamais pretendeu a posse exclusiva e completa da verdade, nunca recusou um
princípio pelo só fato de ter sido descoberto ou proposto por outrem, nunca hesitou em
abandonar uma idéia quando provada errônea por argumentos insofismáveis;
8. Allan Kardec tem sido confirmado, por fontes independentes e fidedignas, como um
grande emissário de Jesus, especialmente escolhido por Ele para concretizar na Terra a
Sua promessa do envio do Consolador, ([1]) que nada mais é do que o Espiritismo, que
veio para nos ensinar todas as coisas (o esclarecimento abundante que traz), para nos
fazer lembrar tudo o que Jesus nos disse (a sanção e explicação que ele nos dá dos
Evangelhos), e que estará sempre conosco (a perenidade do Espiritismo);
9. A obra de Allan Kardec não é uma estrutura estática e fechada, mas sim dinâmica e
aberta a complementações futuras, incorporando a característica da progressividade,
essencial a todo sistema científico ou filosófico que não pretenda ser sepultado pelas
constantes e inevitáveis descobertas de fatos novos e pela ampliação geral do
conhecimento humano;
10. Allan Kardec testemunhou em todos os atos de sua vida a sua condição de Espírito
de escol: jamais prejudicou a alguém; só com o bem retribuiu as ingratidões, ofensas e
calúnias com que em vão tentaram embaraçar-lhe os passos; doou-se por completo à
grande obra de educação dos homens que é o Espiritismo: a ela sacrificou o conforto, o
repouso, os bens materiais, a saúde e até a própria vida.
Estudemos com seriedade essa obra. Conheçamos de perto esse autor. ([2])
Artigo publicado em Reformador, julho de 1995, pp. 208-11. Digitado por Rodrigo
Almeida Gonçalves.
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NOTAS:
([1]) Para uma visão precisa, detalhada e completa da personalidade de Allan Kardec,
bem como das origens, dimensões e significado de sua obra, consulte-se o livro Allan
Kardec (3 vols.), de Zêus Wantuil e Francisco Thiesen, editado pela Federação Espírita
Brasileira em 1979/80.
([2]) Para uma exposição do caráter legitimamente científico (à luz da moderna filosofia
da ciência) do desenvolvimento de uma atividade de pesquisa em torno de um núcleo de
princípios básicos (como o Espiritismo o faz em relação aos princípios fundamentais da
obra de Allan Kardec), veja-se o artigo "Espiritismo e ciência", em Reformador de maio
de 1984. (Nota do Autor em outubro de 1998: Para o mesmo tema, ver também os
artigos "A excelência metodológica do Espiritismo" e "O paradigma espírita",
publicados na mesma revista, números de novembro e dezembro de 1988 e junho de
1994, respectivamente.)
Artigos
Resumo:
Este trabalho indica as linhas gerais da visão kuhniana de ciência, em contraste com as
concepções anteriores. Depois, argumenta que a Doutrina Espírita constitui um
paradigma científico, no sentido apontado por Kuhn, sendo, portanto, genuinamente
científica. O criador do paradigma foi Allan Kardec. Diante da tradição de ciência
normal estabelecida pelo paradigma kardequiano, que prossegue com grande sucesso
até nossos dias, transparece a inadequação das tentativas de se iniciarem outros
paradigmas (metapsíquica, parapsicologia, etc.).
1. Introdução
Difundiu-se então a idéia, antecipada por Francis Bacon, de que o sucesso da ciência se
devia à adoção de um método especial, o chamado método científico. A aplicação
desse método é que demarcaria a ciência genuína das atividades não-científicas. A
explicitação, compreensão e elaboração do método científico passou a constituir tópico
de pesquisa dos filósofos (que, em muitos casos, eram os próprios cientistas a divisão
mais ou menos nítida entre a ciência e a filosofia é recente).
Em seus traços mais gerais, a visão clássica da ciência assume que uma disciplina
científica é aquela que parte de um processo longo de coleta de dados, ou seja, de
observação dos fenômenos. Desses dados resultariam então as leis gerais que regem os
fenômenos. Reunidas, essas leis formariam as teorias científicas. O progresso da ciência
se daria pelo acréscimo de novas observações, das quais resultariam leis adicionais, que
iriam se incorporando às teorias.
No processo assim esquematizado são essenciais as seguintes assunções: 1) Na etapa de
coleta de dados não intervém nenhuma diretriz teórica: as observações são neutras; 2)
Igualmente, as leis resultam dos fenômenos por um método neutro, objetivo e infalível;
e, 3) As novas leis descobertas ao longo da evolução da ciência são sempre
complementares, nunca incompatíveis, com as leis já estabelecidas.
Mais uma vez, limitações de espaço não nos permitem expor aqui as críticas de Popper,
ou sua concepção de ciência, conhecida hoje por falseacionismo. Observamos apenas
que, a seu turno, o falseacionismo topou com restrições mais ou menos severas,
levantadas por outros filósofos da ciência. Dentre eles, os mais importantes são Thomas
Kuhn, Imre Lakatos e Paul Feyerabend. {nota 2} Em trabalhos anteriores (Chibeni
1984, 1988 e 1991), tivemos a ocasião de tratar da filosofia da ciência de Lakatos, em
conexão com a questão da ciência espírita. Agora, tentaremos abordar essa mesma
questão à luz das idéias kuhnianas da ciência. Salientamos, desde já, que para que fosse
levado a cabo de maneira satisfatória, esse empreendimento exigiria uma exposição
detalhada da filosofia de Kuhn, o que evidentemente não pode caber nas dimensões de
um artigo. Pretendemos, pois, que o que se vai seguir seja tomado apenas como uma
motivação para estudos ulteriores.
Kuhn começou sua carreira acadêmica como físico teórico, interessando-se depois por
história da ciência. Ao longo das importantes investigações que empreendeu acerca das
teorias científicas passadas, realizadas segundo uma nova perspectiva historiográfica,
que procura compreender uma teoria a partir do contexto de sua época, e não do ponto
de vista da ciência de hoje, Kuhn se deu conta de que a concepção de ciência tradicional
não se ajustava ao modo pelo qual a ciência real nasce e se desenvolve ao longo do
tempo. Essa percepção da inadequação histórica das idéias usuais sobre a natureza da
ciência o conduziu, finalmente, à filosofia da ciência. Seus estudos nessa área
apareceram publicados de modo mais amplo em seu livro de 1962, A Estrutura das
Revoluções Científicas. Esse trabalho viria a exercer uma influência decisiva nos
rumos da filosofia da ciência. Embora em uma linguagem aparentemente acessível,
Kuhn avança nele teses bastante sofisticadas sobre o conhecimento científico e o
conhecimento em geral, que receberam críticas filosóficas diversas ao longo dos anos.
Naturalmente, este não é o lugar para adentrarmos essas discussões. Limitar-nos-emos a
expor simplificadamente alguns dos pontos destacados por Kuhn e que se tornaram
reconhecidos, com esta ou aquela alteração menor, pela quase totalidade dos filósofos
da ciência. Felizmente, são esses pontos mais consensuais os que maior relevância têm
para os nossos propósitos neste artigo.
A espinha dorsal da concepção kuhniana de ciência consiste na tese de que o
desenvolvimento típico de uma disciplina científica se dá ao longo da seguinte estrutura
aberta:
fase pré-paradigmática > ciência normal > crise > revolução >
nova ciência normal > nova crise > nova revolução ...
Daremos agora uma explicação simplificada das noções envolvidas nessa cadeia
evolutiva de uma ciência.
Kuhn percebeu que a transição para a maturidade, para a fase científica, de uma
disciplina envolve o reconhecimento, por parte dos pesquisadores, de uma realização
científica exemplar, que defina de maneira mais ou menos clara os principais pontos de
divergência da fase pré-paradigmática. A mecânica de Aristóteles, a óptica de Newton,
a química de Boyle, a teoria da eletricidade de Franklin estão entre os exemplos dados
por Kuhn de paradigmas que fizeram algumas disciplinas adentrar a fase científica.
Quando um novo paradigma vem a substituir o antigo, ocorre aquilo que Kuhn chama
de revolução científica. Grande parte das teses filosóficas sofisticadas desse autor que se
tornaram alvo de polêmicas entre os especialistas ligam-se ao que ele assevera acerca
das revoluções científicas. Conforme já alertamos, não adentraremos esse assunto aqui.
O esquema geral da natureza da ciência que apresentamos acima representa a
contribuição mais consensual de Kuhn à filosofia da ciência, e pode também ser
identificado, com adaptações, principalmente terminológicas, na filosofia da ciência de
Lakatos, a segunda das duas mais sistemáticas e importantes tentativas contemporâneas
de compreensão da ciência.
3. O paradigma espírita
Neste ponto o leitor familiarizado com a história do Espiritismo e que tenha lido,
estudado, meditado e compreendido a obra de Allan Kardec já terá percebido o
embasamento de nossas teses principais: a obra de Kardec constitui um genuíno
paradigma científico, e esse paradigma representa, até hoje, a única diretriz segura ao
longo da qual se podem desenvolver pesquisas científicas acerca dos fenômenos
espíritas e do aspecto espiritual do ser humano em geral.
Como repetidamente enfatizou o próprio Kardec, alguns dos fatos mais significativos
que serviram de base para as suas pesquisas eram conhecidos, embora de modo
impreciso e obscuro, desde os primeiros tempos da civilização humana. No entanto,
transparece claramente que, não obstante tenham sempre sido objeto de estudo por parte
de indivíduos e doutrinas, não havia, até o advento do Espiritismo, um paradigma
científico que os concatenasse e integrasse em um corpo de princípios teóricos precisos
e abrangentes, acompanhados de métodos, critérios e valores que definissem rumos
confiáveis ao longo dos quais a sua investigação pudesse caminhar. Foi a fase pré-
paradigmática das pesquisas do espírito.
Tal fase encerrou-se com o trabalho de Allan Kardec. Ele nos legou um paradigma
admiravelmente coerente, abrangente, empiricamente adequado e heuristicamente fértil,
que não deixa nada a desejar aos mais bem sucedidos paradigmas das ciências
ordinárias, como a termodinâmica, o eletromagnetismo, as teorias da relatividade, a
mecânica quântica, etc.
Como uma indicação geral e aproximada, podemos dizer que O Livro dos Espíritos
estabeleceu a ontologia e os princípios teóricos básicos; O Livro dos Médiuns e a
segunda parte de O Céu e o Inferno efetuaram a conexão com a base experimental; O
Evangelho segundo o Espiritismo e a primeira parte de O Céu e o Inferno exploraram as
repercussões filosóficas do paradigma no campo da ética; {nota 3} A Gênese, os
Milagres e as Predições segundo o Espiritismo e ensaios diversos nas Obras Póstumas e
Revista Espírita aprofundaram vários pontos da teoria, sendo que a Revista constitui
também valioso repositório de relatos experimentais.
Imperioso notar que a teoria espírita se faz acompanhar daqueles elementos vitais
de um legítimo paradigma científico, e que nem sempre são inteiramente
explicitáveis: critérios, métodos e valores que norteiam a busca, descrição e avaliação
tanto de fatos como de princípios teóricos auxiliares. E mais: Kardec nos forneceu em
profusão exemplos concretos de problemas resolvidos pela teoria espírita, verdadeiros
modelos a serem seguidos na abordagem de outros problemas. Vemos, em consonância
com as concepções de Kuhn, que tais aplicações exemplares da teoria desempenham de
fato grande papel na assimilação da real essência do Espiritismo. Aqueles que não se
debruçaram sobre eles, e inspecionaram os princípios espíritas apenas "de fora", e
muitas vezes mesmo de forma fragmentária, encontram-se incapacitados de bem julgar
o paradigma kardequiano; não adquiriram aquilo que Kuhn (seguindo Michael Polanyi)
chama de conhecimento tácito da ciência espírita.
Examinando a história do Espiritismo após Kardec, vemos que o paradigma por ele
iniciado prosseguiu o seu desenvolvimento, dentro de uma bem sucedida tradição de
ciência normal. Léon Denis, nos primeiro tempos, e depois Bezerra, Emmanuel,
André Luiz, Yvonne Pereira, Philomeno de Miranda, entre outros, foram
pesquisadores encarnados ou desencarnados que se destacaram na extensão do
paradigma em sua pureza original.
Uma questão que naturalmente pode ser suscitada pela comparação do paradigma
espírita com os paradigmas das ciências ordinárias é a das revoluções científicas. A
história mostra a ocorrência de revoluções em quase todas as áreas da ciência, e se
poderia perguntar se o Espiritismo não estaria também sujeito a uma revolução. Essa é
uma questão delicada, e no pouco espaço que nos resta aqui não lhe podemos fazer
justiça plena. Nossa resposta comporta duas observações principais, que esboçamos a
seguir.
A segunda parte de nossa resposta passa pela observação de que, dada a natureza
específica do paradigma espírita, não se deve esperar que tenha um dia que ser
abandonado ou modificado em seus princípios fundamentais. A razão disso é que,
exceto por alguns princípios reguladores abstratos, tais princípios encontram-se muito
próximos do nível fenomênico, de modo que, utilizando-nos da nomenclatura filosófica,
poderíamos classificar a teoria espírita como essencialmente fenomenológica. O
exemplo mais claro de uma teoria desse tipo nas ciências ordinárias é a termodinâmica,
desenvolvida em meados do século 19. Por ser fenomenológica, ela goza de uma alta
estabilidade diante do progresso de outras áreas da ciência, havendo atravessado
incólume as radicais mudanças de paradigma ocorridas na física nas primeiras décadas
de nosso século. Essa característica da termodinâmica exerceu grande atração sobre
Einstein (entre outros), que procurou desenvolver sua teoria especial da relatividade em
moldes fenomenológicos.
Em termos simplificados, podemos tentar esclarecer esse ponto dizendo que nas teorias
não-fenomenológicas (ditas teorias construtivas), que são a maioria das teorias da física
e da química, o "grau de teoricidade" dos princípios é muito maior ; eles estão bem mais
distantes da observação empírica direta. Em tal caso, o caminho que vai dos fenômenos
até os princípios teóricos é bastante tortuoso, passando por uma série de teorias
auxiliares, necessárias, por exemplo, para tratar do funcionamento e interpretação dos
dados fornecidos pelos aparelhos envolvidos. Nessas circunstâncias, a segurança com
que os princípios podem ser asseridos fica evidentemente reduzida; há, em geral,
possibilidades plausíveis de explicação dos mesmos fenômenos por princípios teóricos
diferentes. A história da física e da química ilustra bem a vulnerabilidade de suas teorias
construtivas, que vão sendo substituídas de tempos em tempos.
Como se isso não bastasse, a base experimental do Espiritismo incorpora ainda muitos
outros tipos de fenômenos, como a psicofonia, a xenoglossia, as materializações,
vidência, a pneumatografia e a pneumatofonia, etc. Além desses fenômenos, que
formam uma classe específica, a dos fenômenos espíritas, o Espiritismo apóia-se
também em inúmeros fenômenos ordinários. Referimo-nos, por exemplo, às nossas
inclinações e sentimentos, às peculiaridades de nosso relacionamento com as pessoas
que nos cercam, aos acontecimentos marcantes de nossa vida, aos distúrbios da
personalidade, aos efeitos psicossomáticos, aos sonhos, à evolução das espécies e das
civilizações, etc. Entendemos que a desconsideração desse vasto corpo de evidências a
favor do Espiritismo constitui séria omissão por parte de seus críticos e daqueles que
tentam fazer ciência não-espírita do espírito.
Em outro artigo (Chibeni 1988; ver também Chibeni 1986) procuramos mostrar que
Kardec possuía um senso científico e filosófico que caminhava muito adiante de seu
tempo, identificando corretamente as características de uma verdadeira ciência, e
desenvolvendo suas pesquisas de acordo com elas. Isso fica claro tanto da análise de sua
obra, como de inúmeras declarações explícitas suas sobre a natureza da ciência, o que
torna ainda mais lamentável a busca de uma ciência do espírito fora do paradigma
kardequiano, busca essa que prossegue até nossos dias, quando os avanços da filosofia
da ciência já puderam mostrar cabalmente onde ela de fato se encontra.
2. Suas obras mais representativas são Kuhn 1970, Lakatos 1970 e Feyerabend 1978.
Para uma exposição mais ou menos acessível das idéias principais desses filósofos e da
concepção clássica de ciência, ver Chalmers 1978. [volta]
3. Sobre a ética espírita e sua fundamentação na ciência espírita, ver Chibeni 1985.
[volta]
Referências bibliográficas:
(O leitor poderá encontrar vertidas para o nosso idioma todas as obras em língua
estrangeira desta lista bibliográfica, embora, com exceção das indicadas traduções das
obras de Kardec a cargo da Federação Espírita Brasileira, essas traduções apresentem,
como é quase regra, falhas mais ou menos graves, que não as recomendam ao estudioso
exigente.)
---------- . Por que Allan Kardec ? Reformador, abril de 1986, pp. 102-3.
----------. Ciência espírita. Revista Internacional de Espiritismo, março de 1991, pp. 45-
52.
KARDEC, A. Le Livre des Esprits. Paris, Dervy-Livres, s.d. O Livro dos Espíritos.
Trad. Guillon Ribeiro, 43ª ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.
KUHN, T. S. The Structure of Scientific Revolutions. 2nd. ed., enlarged. Chicago and
London, University of Chicago Press, 1970.
Artigos
Kardec escreveu uma nota, ou prefácio, explicando as razões e critérios da nova edição.
Incompreensivelmente, esse prefácio não é atualmente reimpresso nas edições
brasileiras ou francesas, com a exceção da edição de Le Livre des Esprits publicada
em reprodução fotomecânica pela Federação Espírita Brasileira em 1998. Por seu valor
histórico e elucidativo da natureza da obra, reproduzimo-lo em seguida, traduzido para o
português:
NOTA
O ensino relativo às manifestações dos Espíritos, propriamente ditas, bem como aos
médiuns, forma uma parte distinta da filosofia espírita, podendo constituir objeto de um
estudo especial. Havendo recebido desenvolvimentos bastante expressivos em
conseqüência da experiência adquirida, acreditamos ser nosso dever fazer dele um
volume separado, contendo as respostas dadas a todas as questões concernentes às
manifestações e aos médiuns, além de numerosos comentários sobre o Espiritismo
prático. Essa obra será a continuação ou complemento do LIVRO DOS ESPÍRITOS. 1
(1) No prelo.
Nota. – Essa segunda parte será publicada por encomenda, sendo remetida às pessoas
que se houverem inscrito para tal fim, por meio de solicitação escrita (grátis, sem
qualquer pagamento antecipado).
Além disso, o estudo das condições presente e futura do homem, a que também se refere
Kardec no anúncio do suplemento, foi claramente ampliado e tornado mais metódico.
Mesmo com a exclusão do capítulo sobre a perfeição moral, a parte sobre as esperanças
e consolações foi bastante estendida, embora passando a consistir, na 2a edição (onde é
a quarta parte), de apenas dois capítulos, “Penas e gozos terrestres” e “Penas e gozos
futuros”, que correspondem aos anteriores “Ventura e desventura na Terra” e “Penas e
recompensas futuras”.
5. Por fim, o último parágrafo do prefácio indica outra área em que as pesquisas
evoluíam com particular rapidez: as manifestações espíritas. Poucos sabem hoje que a
1a edição continha, em sua primeira parte, um capítulo intitulado justamente
“Manifestações dos espíritos”. Dada, porém, a extensão do material que se acumulava
sobre esse assunto, Kardec percebe a necessidade de uma nova publicação, específica
para ele; não seria viável a ampliação ulterior do Livro dos Espíritos. A obra que Kardec
anuncia estar no prelo é, pois, O Livro dos Médiuns, cuja primeira edição é de 1861.
Analisando o referido capítulo, vemos que pode ser considerado o embrião desse novo
livro.
Referências:
––––. Instrução Prática sobre as Manifestações Espíritas. Trad. Cairbar Schutel. In:
Iniciação Espírita, 6a ed., São Paulo, Edicel, 1977. Também: Matão, Casa Editora O
Clarim, 1987.
WANTUIL, Z. & THIESEN, F. Allan Kardec, 3 vols. 1a ed., Rio, Federação Espírita
Brasileira, 1979/80.
Artigos
Resumo:
Este trabalho apresenta para um público geral algumas das principais concepções de
ciência defendidas por filósofos da ciência desde o surgimento da ciência moderna, no
século XVII. Procura-se destacar que essas concepções evoluíram na direção de uma
melhor adequação ao que de fato se verificou na história da ciência.
Índice:
Essa constatação veio a exercer uma enorme influência na filosofia, estimulando, por
um lado, a retomada de doutrinas racionalistas (Kant) e, por outro, a reformulação dos
objetivos empiristas, com o reconhecimento de que o ideal original de certeza e
infalibilidade do conhecimento geral do mundo exterior não pode ser atingido.
Procurou-se, assim, determinar condições nas quais o salto indutivo seja feito da
maneira mais segura possível. Entre as condições que têm sido propostas destacaríamos:
f) não deve existir nenhuma contra-evidência, i.e., observação que contrarie a lei.
Que não são suficientes para assegurar a validade do processo indutivo já está claro de
nossas considerações anteriores. Dada uma proposição geral qualquer, não importa quão
numerosas e variadas tenham sido as observações que lhe forneceram suporte indutivo,
é sempre possível que a próxima observação venha a contrariar as anteriores, falseando
a proposição geral. Se apelarmos para o princípio da regularidade da natureza,
estaremos na obrigação de justificá-lo. Mas tal princípio evidentemente não é de
natureza lógica; e se lhe quisermos dar justificação empírica, caímos de novo no
problema da indução.
Além disso, podemos ver que as condições enumeradas também não são necessárias
para as mais importantes teorias científicas. Primeiro, quando à condição (d), atentemos
para o fato de que alguns dos mais fundamentais experimentos científicos não foram
repetidos senão umas poucas vezes, ou mesmo, como é comum, foram realizados
apenas uma vez. Muitas das generalizações empíricas nas quais mais certeza
depositamos resultaram de uma única observação. Quem, por exemplo, duvidaria que a
explosão de bombas atômicas causa a morte de seres humanos após Hiroshima haver
sido arrasada?
Quanto à condição (e), notemos que a variação das condições de observação também
não tem ocorrido ao longo do desenvolvimento da ciência. Essa exigência é inexeqüível,
se interpretada rigorosamente, já que os fatores que em princípio podem influir são em
número indefinido. Por exemplo, para verificarmos a lei da queda dos corpos, teríamos
que variar não somente a forma e a massa do corpo que cai, e o meio no qual se move,
mas também a sua temperatura, a sua cor, a hora do dia na qual o experimento é feito, a
estação do ano, o sexo do experimentador, o seu cheiro, etc. Isso faz ver que há sempre
pressuposições teóricas guiando a escolha das condições que devem ser controladas ou
variadas; são nossos pressupostos teóricos que nos causam riso diante de algumas das
condições que acabamos de enumerar. Este ponto será retomado adiante, dada a sua
importância.
Finalmente, nem mesmo a condição (f) tem sido respeitada pela ciência. As teorias
científicas nascem e se desenvolvem em meio a inúmeras “anomalias” ou contra-
exemplos empíricos. A teoria de Copérnico conviveu, até o advento do telescópio, com
o contra-exemplo da observação da invariância das dimensões de Vênus ao longo do
ano. A mecânica newtoniana atingiu a glória mesmo tendo que aguardar décadas antes
que pudesse entrar em acordo com as observações da trajetória da Lua; e nem foi
abandonada no século 19 quando não pôde dar conta da órbita de Urano. A hipótese de
Prout sobre os pesos atômicos dos elementos químicos esperou quase um século antes
que seu conflito com abundantes experiências fosse removido.
O comentário que fizemos sobre a variação das condições de observação já indica uma
dificuldade: se não tivermos nenhuma diretriz teórica para guiar as observações, estas
nunca poderão ser concluídas, já que a rigor teríamos que considerar uma infinidade de
fatores. Essa constatação de que, por uma questão de princípio, a investigação científica
não pode principiar com observações puras é reforçada pelo testemunho histórico. Os
catálogos baconianos são uma ficção, nunca tendo sido elaborados por qualquer
cientista. O cientista, quando vai ao laboratório, sempre tem uma idéia, ainda que
provisória e reformulável, do que deve ou não ser observado, controlado, variado.
3. Popper e o falseacionismo
A cientificidade de uma teoria reside, para Popper, não em sua impossível prova a
partir de uma base empírica, mas em sua refutabilidade. Ele argumenta que
somente as teorias passíveis de serem falseadas por observações fornecem informação
sobre o mundo; as que estejam fora do alcance da refutação empírica não possuem
“pontos de contato” com a realidade, e sobre ela nada dizem, mesmo quando na
aparência digam, caindo no âmbito da metafísica. Alguns dos exemplos preferidos de
Popper de teorias irrefutáveis, e portanto não-científicas, são a astrologia, a psicanálise e
o marxismo.
Acredito que a teoria - pelo menos alguma expectativa ou teoria rudimentar - sempre
vem primeiro, sempre precede a observação; e que o papel fundamental das observações
e testes experimentais é mostrar que algumas de nossas teorias são falsas, estimulando-
nos assim a produzir teorias melhores.
Conseguintemente, digo que não partimos de observações, mas sempre de problemas ¾
seja de problemas práticos ou de uma teoria que tenha topado com dificuldades.
(Objective Knowledge, p. 258.)
Por fim, além do apelo intuitivo do falseacionismo (em nossa vida prática, pelo menos,
freqüentemente aprendemos com nossos erros), cabe mencionar que o compromisso
com essa posição filosófica força a formulação das teorias de maneira clara e precisa.
De fato, não é fácil ver como uma teoria obscura ou imprecisa possa ser submetida a
testes rigorosos e, ainda que o seja, poderá ser sempre salva de um veredicto
desfavorável por meio de reinterpretações, de manobras semânticas, o que trai sua
irrefutabilidade, e portanto o seu caráter não-científico.
4. Limitações do falseacionismo
Foge ao escopo deste nosso trabalho efetuar uma análise dos muitos matizes do
pensamento popperiano, bem como avaliar as críticas que lhe foram feitas. Diremos
apenas que mesmo as versões mais sofisticadas do falseacionismo não estão isentas de
dificuldades, o que deu lugar ao surgimento de diversas teorias da ciência alternativas.
Essas teorias vão desde a metodologia dos programas científicos de pesquisa, de
Lakatos, que representa um desdobramento das linhas popperianas, até o auto-
denominado “dadaísmo metodológico”, de Paul Feyerabend, que nega a existência de
qualquer método na ciência. Daremos abaixo uma descrição breve das idéias centrais de
Lakatos, não somente por suas virtudes intrínsecas, mas também por servir bem às
nossas análises posteriores. Antes, porém, exporemos de forma sucinta algumas das
objeções que se têm levantado contra o falseacionismo, e que motivaram o
desenvolvimento das concepções lakatosianas.
O problema está em que o conjunto de leis L1, L2, L3 e G não basta para a dedução de
nenhuma proposição do tipo de T. Para tanto, deve ser complementado por várias outras
proposições, classificadas em duas categorias principais: De um lado, estão as
proposições gerais (A1, A2, A3, ... ) de teorias auxiliares, como por exemplo as de
teorias ópticas envolvidas na construção e operação dos telescópios usados na
observação do planeta, na correção das aberrações ópticas introduzidas pela atmosfera
terrestre, etc. De outro lado, há as proposições particulares (I1, I2, I3, ... ) referentes às
chamadas condições iniciais do problema, como sejam as empregadas para especificar
as massas e posições iniciais do planeta, da Terra, do Sol e dos demais planetas e
satélites. Temos então que é somente o amplo conjunto de proposições L1, L2, L3, G,
A1, A2, A3, ... I1, I2, I3, ... que permite inferir uma proposição T imediatamente
confrontável com a observação. Se agora encontrarmos que essa proposição T é
empiricamente falsa, poderemos concluir somente que a vasta conjunção de proposições
que permitiu deduzi-la é falsa; mas a lógica não dá nenhuma indicação de qual (ou
quais) proposição que a compõe é falsa; sabemos apenas que pelo menos uma deverá
sê-lo, mas não qual. Assim, o conflito de T com a observação não pode ser interpretado
como uma refutação da teoria mecânica em análise (e mesmo que pudesse, não
saberíamos qual das leis que a compõem é falsa), pois a falha pode estar em qualquer
uma das inúmeras proposições subsidiárias A1, A2, A3, ... I1, I2, I3, ... . Conforme se
verifica pelo exame cuidadoso das situações reais de teste das teorias científicas, esse
conjunto de proposições subsidiárias é em geral bastante extenso.
A totalidade de nosso assim chamado conhecimento ... é um tecido feito pelo homem,
que toca a experiência somente em suas bordas. Ou, mudando a imagem, a ciência é
como um campo de força cujas condições de contorno são a experiência. Um conflito
com a experiência na periferia causa reajustes no interior do campo ... A reavaliação de
algumas proposições acarreta a reavaliação de outras, devido às interconexões lógicas
entre elas ... Mas o campo é de tal modo subdeterminado por suas condições de
contorno (a experiência), que há muita liberdade de escolha sobre quais proposições
devem ser reavaliadas à luz de qualquer experiência individual contrária. (Ibid., seção
6.)
Por sua vez, a mecânica newtoniana dava resultados incorretos para a trajetória da Lua.
Isso não foi interpretado como sua refutação; o ajuste empírico da teoria foi alcançado
em meados do século 18, por modificações nas técnicas matemáticas envolvidas nos
cálculos da trajetória lunar. Caso semelhante se deu com as previsões da teoria
newtoniana para a órbita de Urano, incompatível com as observações astronômicas do
início do século 19. Desta vez, a refutação da teoria foi evitada pelo questionamento das
condições iniciais do problema, introduzindo-se a hipótese de um corpo celeste até
então nunca observado, que modificaria as forças gravitacionais que atuam sobre aquele
planeta. Esse hipotético corpo foi mais tarde detectado empiricamente, sendo o que hoje
se conhece como o planeta Netuno.
Também já aludimos à hipótese que Prout propôs em 1815 acerca dos pesos atômicos
dos elementos químicos, que conviveu durante quase cem anos com farta evidência
empírica contrária. A discrepância foi atribuída a pressuposições referentes aos
processos de purificação química. Aqui também esse redirecionamento da refutação
mostrou-se justificado pelos desenvolvimentos científicos de nosso século.
Finalizando esta breve exposição das dificuldades do falseacionismo, temos ainda que
mencionar que a ênfase que dá ao processo de falseamento das teorias conduz
freqüentemente a uma subestimação do papel das confirmações no desenvolvimento da
ciência. (Entendemos aqui ‘confirmação’ não no sentido da concepção tradicional de
ciência, que em geral se confunde com ‘prova’; por esse termo significamos apenas a
evidência empírica favorável.)
Na versão tosca que lhe demos acima, o falseacionismo não reconhecia a importância
das confirmações. Um tanto impiedosamente, poderíamos isolar muitas passagens dos
escritos de Popper que parecem apoiar esse ponto de vista, como por exemplo esta
prescrição feita à página 266 de seu Objective Knowledge: “Tenha por ambição refutar
e substituir suas próprias teorias.” Ou ainda estas frases de Conjectures and Refutations:
“Observações e experimentos ... funcionam na ciência como testes de nossas conjeturas
ou hipóteses, i.e., como tentativas de refutação” (p. 53). “Todo teste genuíno de uma
teoria é uma tentativa de falseá-la ou refutá-la” (p. 36).
Não podemos disfarçar nossa estranheza diante de tais afirmações, dado seu contraste
com a atitude usual dos cientistas, que vem norteando o desenvolvimento da ciência.
Naturalmente, quando considerado em seu conjunto, o pensamento popperiano mostra-
se mais refinado. Popper trata mesmo com alguma extensão o assunto da “evidência
corroborativa”. Não é claro, todavia, que ele tenha feito justiça plena ao papel que a
confirmação efetivamente desempenha na ciência. Vejamos, por exemplo, este seu
comentário específico sobre a questão: “Evidência confirmatória não deve contar,
exceto quando é o resultado de um teste genuíno da teoria, ou seja, quando possa ser
apresentada como uma tentativa séria, não obstante mal sucedida, de falsear a teoria.”
(Conjectures and Refutations, p. 36; o destaque é de Popper.) O desacordo com o que se
observa na prática da ciência reside não no reconhecimento de que as “confirmações
devem contar somente se são o resultado de predições arriscadas” (ibid., p. 36), mas na
insistência em interpretar observações e experimentos como tentativas deliberadas de
refutação. Definitivamente, parece não haver exemplos de cientistas que se tenham
empenhado ansiosamente na refutação de suas próprias teorias, ou daquelas com as
quais simpatizem. E o que vimos acima nos autoriza a concluir que se esse fosse o
objetivo precípuo dos cientistas, não lhes faltariam razões para dar como refutadas todas
as teorias científicas.
Além disso, há que observar a irrelevância de certas refutações para a ciência. Este
ponto foi expresso com clareza por Chalmers em seu livro What Is This Thing Called
Science? (pp. 51-2):
Se é verdade que as teorias científicas devem apoiar-se na experiência - embora não dos
modos descritos pelo indutivismo e pelo falseacionismo -, residindo mesmo nela a sua
principal razão de ser, não é menos verdade que a busca, condução, classificação e
análise dos dados empíricos requer diretrizes teóricas.
Além disso, a própria malha conceitual através da qual formulamos nossas idéias e
experiências sensoriais constitui-se ao menos parcialmente pela atuação de nosso
intelecto. No caso específico dos conceitos abstratos da ciência, o exame de sua criação
e evolução mostra que surgem tipicamente como idéias vagas, só adquirindo significado
gradualmente mais preciso na medida em que as teorias em que comparecem se
estruturam, embasam e ganham coerência.
Por fim, em contraste com o que propõe a visão indutivista (e talvez também a
falseacionista), as teorias científicas não consistem de meros aglomerados de leis gerais.
Devem incorporar ainda regras metodológicas que disciplinem a absorção de impactos
empíricos desfavoráveis, e norteiem as pesquisas futuras com vistas ao seu
aperfeiçoamento.
Um programa de pesquisa lakatosiano é uma estrutura que fornece um guia para futuras
pesquisas, tanto de maneira positiva, como negativa. A heurística negativa de um
programa envolve a estipulação de que as assunções básicas subjacentes ao programa,
que formam o seu núcleo rígido, não devem ser rejeitadas ou modificadas. Esse núcleo
rígido é resguardado contra falseações por um cinturão protetor de hipóteses auxiliares,
condições iniciais, etc. A heurística positiva constitui-se de prescrições não muito
precisas que indicam como o programa deve ser desenvolvido... Os programas de
pesquisa são considerados progressivos ou degenerantes, conforme tenham sucesso, ou
persistentemente fracassem, em levar à descoberta de novos fenômenos.
Lakatos reconhece, porém, que essa atitude conservadora tem seus limites. Quando o
programa como um todo mostra-se sistematicamente incapaz de dar conta de fatos
importantes e de levar à predição de novos fenômenos (i.e., torna-se “degenerante”),
deve ceder lugar a um programa mais adequado, “progressivo”. Como uma questão de
fato histórico, nota-se que um programa nunca é abandonado antes que um substituto
melhor esteja disponível.
O critério de demarcação proposto por Lakatos, por outro lado, adequadamente situa no
campo científico algumas das teorias unanimemente tidas como científicas, como as
grandes teorias da física. Esse critério funda-se em duas exigências principais: uma
teoria deve, para ser científica, estar imersa em um programa de pesquisa, e este
programa deve ser progressivo. Deixemos a Lakatos a palavra (1970, pp. 175-6):
A ciência madura consiste de programas de pesquisa nos quais são antecipados não
apenas fatos novos, mas também novas teorias auxiliares; a ciência madura possui
‘poder heurístico’, em contraste com os processos banais de tentativa e erro.
Lembremos que na heurística positiva de um programa vigoroso há, desde o início, um
esboço geral de como construir os cinturões protetores: esse poder heurístico gera a
autonomia da ciência teórica.
Referências
BACON, F. Novum Organum. Trad. A.R. de Andrade. São Paulo, Abril Cultural, 1973.
CHALMERS, A.F. What is this Thing called Science? St. Lucia, University of
Queensland Press, 1976.
EINSTEIN, A. Autobiographical notes. Trad. P.A. Schilpp. In: Schilpp 1949, pp. 3-94.
1949a.
POPPER, K.R. The Logic of Scientific Discovery. 5.ed., revista. London, Hitchison,
1968.
-. Conjectures and Refutations. 4.ed., revista. London, Routledge and Kegan Paul, 1972.
QUINE, W.V.O. Two dogmas of empiricism. In: Quine 1953, pp. 20-46.
chibeni@... - http://www.unicamp.br/~chibeni
Artigos
Este artigo examina brevemente alguns aspectos das relações entre a ciência espírita e
as ciências acadêmicas, destacando-se a esclarecida e firme postura de Allan Kardec a
esse respeito.[1]
Questão:
Na época do surgimento do Espiritismo alguém que se dedicasse à pesquisa dos
fenômenos mediúnicos e não se inclinasse a considerá-los como fantasias ou fraudes
arriscava-se a cair em descrédito nos meios científicos e acadêmicos. Houve alguma
mudança nessa postura? Ainda existe antagonismo entre ciência e espiritualismo? A
ciência é necessariamente materialista?
Resposta:
Existe, como está implícito nas considerações feitas no artigo precedente, um certo grau
de conservadorismo na “ciência-comunidade”, e as análises filosóficas contemporâneas
reconhecem aí um requisito importante de uma ciência madura. A compreensão desse
ponto paradoxal requer estudos especializados. Em alguns artigos sobre a ciência
espírita (ver referências bibliográficas) procurei indicar o papel daquilo que o filósofo
da ciência Imre Lakatos chamou de “heurística negativa” de uma ciência. Trata-se, de
forma simplificada, da decisão metodológica explícita ou tácita dos membros de uma
comunidade científica de preservar, tanto quanto possível, o núcleo de leis fundamentais
de seu programa científico de pesquisa.
Menciono isso para ressaltar que a relutância da comunidade científica em aceitar uma
nova teoria sobre o ser humano, como é o caso do Espiritismo, é natural e esperada.
Cumpre notar que o Espiritismo trata de coisas que escapam ao domínio das ciências
ordinárias, cujo objeto de estudo são os fenômenos e leis pertinentes à matéria.
Detenhamo-nos um pouco mais sobre esse ponto.
Nos artigos mencionados procurei apresentar alguns traços importantes dessa disciplina,
em conexão com o exame do aspecto científico do Espiritismo. Uma tese central neles
defendida é que o Espiritismo, tal como estruturado por Allan Kardec, exibe todas as
características de uma genuína ciência, à luz da filosofia da ciência contemporânea. Não
se deve, porém, confundir o fato de o Espiritismo ser uma ciência com a suposição falsa
de que ele é parte das ciências acadêmicas, que tratam de fenômenos referentes à
matéria.
No parágrafo 7 da Introdução de O Livro dos Espíritos Kardec discorre lucidamente
sobre o assunto, de uma perspectiva filosófica bem avançada para sua época, concluindo
seguramente que “o Espiritismo não é da alçada da ciência”, isto é, das ciências
acadêmicas. Retoma essa análise de forma mais extensa em O que é o Espiritismo,
onde encontramos, por exemplo, este interessante raciocínio no capítulo I, segundo
diálogo, seção “Oposição da ciência”:
A Ciência enganou-se quando quis experimentar os Espíritos como o faz com uma pilha
voltaica; foi mal sucedida, como devia ser, porque agiu pressupondo uma analogia que
não existe; e depois, sem ir mais longe, concluiu pela negação, juízo temerário que o
tempo se encarrega de ir emendando diariamente, como já fez com tantos outros [...].
No primeiro capítulo de A Gênese, parágrafo 16, Kardec salienta, a esse propósito, que
estudando domínios diferentes e complementares “o Espiritismo e a ciência
completam-se reciprocamente”.
Não se deve confundir o que estou dizendo com as justificadas críticas já avançadas por
Kardec a pessoas que, em nome da ciência ou não, julgam o Espiritismo sem haver
examinado atentamente todos os fatos de que trata, bem como sua estrutura teórica. Isso
é inadmissível filosófica e cientificamente. Tal atitude infelizmente continua sendo
comum, inclusive nos meios acadêmicos. A especialização que caracteriza a formação
científica parece mesmo favorecê-la, com também notou Kardec no referido item de O
Livro dos Espíritos:
Aquele que se fez especialista prende todas as suas idéias à especialidade que adotou.
Tirai-o daí e o vereis sempre desarrazoar, por querer submeter tudo ao mesmo cadinho:
conseqüência da fraqueza humana.
Seja como for, nós espíritas não devemos nos inquietar com isso, como advertiu Kardec
ainda no mesmo parágrafo de O Livro dos Espíritos, de onde extrairei mais este
trecho, para concluir:
***
Referências:
KARDEC, A. Le Livre des Esprits. Paris, Dervy-Livres, s.d. (O Livro dos Espíritos.
Trad. de Guillon Ribeiro. 43a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.)
Notas
Artigos
O presente artigo examina algumas questões ligadas ao aspecto religioso do
Espiritismo, que apesar de ter sido lucidamente abordado por Kardec ainda é objeto de
discussão em alguns setores do movimento espírita. [1]
Questões:
Respostas:
Quanto aos itens (b) e (c), cumpre lembrar inicialmente que a moral (ou ética) é uma
das áreas da filosofia, investigada com atenção por filósofos de todas as épocas, desde a
Grécia Antiga até nossos dias. De modo muito simplificado, poderíamos defini-la como
o estudo do bem e do mal. Seu problema fundamental é o estabelecimento de critérios
pelos quais se possam distinguir as ações em boas e más, certas e erradas, ou, sob outro
ângulo, avaliar criticamente os critérios propostos para tal fim pelas diferentes religiões,
ideologias, sistemas políticos, etc.
Nunca houve uma sociedade humana civilizada totalmente destituída de códigos morais
que estabelecessem limites para as ações dos indivíduos. Nos primórdios da civilização
tais códigos usualmente baseavam-se nas concepções religiosas vigentes, a seu turno
amplamente dependentes do ensino de indivíduos considerados especiais, tais como
profetas, pitonisas, gurus, etc. Tais pessoas muitas vezes alegavam dispor de meios
incomuns, sobrenaturais, de comunicação com a própria Divindade ou divindades; suas
doutrinas eram, pois, tidas como “revelações”.
A moral sempre constituiu parte integrante das religiões. No entanto, estas não se
resumem à proposição e defesa de sistemas morais, incluindo, de modo típico, cultos,
liturgias e rituais diversos, hierarquias, princípios teológicos abstratos sem relação
direta com a questão da conduta humana, etc. Foi essa bagagem-extra, aliás, o que mais
repulsa causou aos chamados “livres-pensadores”, responsáveis pela renovação da
filosofia e da ciência a partir do Renascimento, tendo conduzido, por um processo
compreensível de exacerbação, ao ateísmo e ao materialismo, em graus sem precedentes
na história da humanidade.
Ora, na medida em que fornece ao homem conhecimento seguro das regras de conduta
capazes de harmonizá-lo consigo mesmo e com os demais seres, o Espiritismo torna-se
“o mais potente auxiliar da religião”, conforme nota Kardec nos lúcidos comentários
adidos às questões 147 e 148 de O Livro dos Espíritos. A religião aqui aludida não se
confunde, evidentemente, com as doutrinas religiosas tradicionais, com suas
hierarquias, dogmas inquestionáveis e práticas exteriores, sendo antes uma religião no
sentido próprio do termo, a re-ligação da criatura ao Criador.
A velha questão de se o Espiritismo é ou não uma religião não admite, pois, resposta
unívoca, dada a duplicidade semântica do termo ‘religião’. Esse ponto foi lucidamente
estudado e, a meu ver, esgotado, no artigo de Kardec intitulado justamente “Le
Spiritisme est-il une religion?”, que apareceu na Revue Spirite de 1868. Para encerrar,
vejamos estes parágrafos do famoso texto:
[...] o Espiritismo é, assim, uma religião? Sim, sem dúvida, senhores: No sentido
filosófico o Espiritismo é uma religião, e disso nos honramos, pois que é a doutrina que
funda os laços da fraternidade e da comunhão de pensamentos não em uma simples
convenção, mas sobre a mais sólida das bases: as próprias leis da Natureza.
Por que então declaramos que o Espiritismo não era uma religião? Pela razão de que
há apenas uma palavra para exprimir duas idéias diferentes, e que, segundo a opinião
geral, o termo religião é inseparável da noção de culto, evocando unicamente uma
idéia de forma, com o que o Espiritismo não guarda qualquer relação. Se se tivesse
proclamado uma religião, o público nele não veria senão uma nova edição, ou uma
variante, se quisermos, dos princípios absolutos em matéria de fé, uma casta sacerdotal
com seu cortejo de hierarquias, cerimônias e privilégios; não o distinguiria das idéias
de misticismo e dos enganos contra os quais se está freqüentemente bem instruído.
***
Referências:
––. Le Spiritisme est-il une religion? In: L’Obssession.Extraits textuels des Revues
Spirites de 1858 a 1868. Farciennes, Bélgica, Éditions de l’Union Spirite, 1950. (Uma
tradução confiável para o vernáculo, de Ismael Gomes Braga, pode ser encontrada no
Reformador de março de 1976.)
Notas
Artigos
Em agosto de 1998, a Federação Espírita Brasileira (FEB) publicou obra de
significativo valor histórico: o original francês da segunda edição de Le Livre des
Esprits (O Livro dos Espíritos), dado a público no início de 1860. Como todos sabem,
foi esta a edição que se tornou definitiva, tendo quase o dobro da extensão da primeira
edição, de 1857. O que a publicação traz de novo é o fato ser a reprodução fotomecânica
da edição original, a partir de precioso exemplar existente na biblioteca da FEB. Temos,
pois, o texto tal como saiu das mãos de Kardec (ou quase; ver adiante). Isso permite
conferir eventuais falhas de impressão nas edições atuais. De fato, já pudemos constatar,
por exemplo, algumas pequenas trocas de letras e falhas de pontuação na edição
francesa corrente, da Dervy-Livres (Paris, s.d., dépôt légal 1985; essa edição
aparentemente coincide com a que a FEB digitalizou e tornou disponível em seu site,
embora no texto eletrônico conste “Éditions de l’Union Spirite Kardeciste Belge,
1954”). Além disso, a nova publicação mostra exatamente a estética do texto original,
com a sóbria e criteriosa escolha de tipos, espaçamento, etc. que caracterizava as obras
de Kardec.
Infelizmente, a edição é limitada, não se encontrando à venda. Para o bem das pesquisas
espíritas, esperamos vivamente que os editores tornem o importante volume disponível
para qualquer interessado. Seria também desejável que a eventual reedição futura do
livro apresentasse melhor padrão gráfico. Pelo menos o exemplar que temos às mãos
(que nos foi gentilmente cedido pela FEB) tem diversas páginas com letras
relativamente esmaecidas e, de um modo geral, falta nitidez em quase todo o livro. Na
sugerida reedição, poderiam ser utilizados os mesmos critérios e métodos técnicos
empregados nas excelentes reproduções do Imitation de l’Évangile selon le Spiritisme
(1979), do próprio Evangile selon le Spiritisme (1979), do Procès des Spirites (1975) e
do Répertoire du Spiritisme (1974). Esperamos, por fim, que a reprodução do Livre des
Esprits represente a retomada dessas felizes iniciativas da FEB, tão necessárias para
enriquecer o material bibliográfico espírita, e que novas obras de valor histórico sejam
igualmente objeto de publicação.
1) Uma “Nota” aos Prolegômenos, que foi depois retirada, a partir da 10a edição, de
1863. Na edição da FEB a nota foi reproduzida no local em que originalmente estava,
ou seja, no final dos Prolegômenos.
Ademais, quanto a este último ponto, temos de reconhecer que provavelmente nunca
saberemos ao certo o que seria esse texto ideal: Por que a Nota aos Prolegômenos foi,
afinal, retirada? Por que a Errata só apareceu na 5a edição? Por que, dela, somente um
item mínimo foi incorporado às edições subseqüentes, quando a existência das outras
alterações mostra claramente que Kardec teve a oportunidade de incorporar todos?
Estudos históricos poderão, talvez, nos dar bases para alguma suposição acerca disso
tudo, mas a rigor nunca saberemos.
Artigos
Neste artigo analisa-se criticamente a proposta de revisão de certos termos utilizados em
Espiritismo, que alguns alegam ser necessária para a “modernização” da doutrina ou
para sua “adaptação” ao progresso da ciência. [1]
Questão:
Resposta:
As palavras são, como foi lembrado no artigo anterior, meros símbolos para a expressão
de conceitos; se estes não encontrarem respaldo em uma teoria científica coerente,
abrangente e empiricamente adequada (isto é, adaptada aos fatos), de nada adiantará
modificá-las. Por outro lado, uma teoria científica não será substancialmente alterada
pela modificação de seu vocabulário. Logo, qualquer alegação de que o Espiritismo tem
de passar por uma atualização não pode limitar-se à substituição de palavras, como
ingenuamente se procura fazer. Essa alegação só se poderia justificar a partir de uma
análise profunda, exaustiva e meticulosa da teoria espírita e de todos os fatos de que
trata, que revelasse racionalmente que ela não lhes dá explicação adequada, ou contém
falhas de consistência lógica, propondo-se concretamente uma outra teoria melhor que a
possa substituir. No parágrafo 14, n. 8, de O Livro dos Médiuns Kardec resume as
condições para uma crítica sustentável do Espiritismo (e, aliás, de qualquer outra
ciência) que, por sua lucidez e atualidade, merece ser aqui reproduzida:
O Espiritismo não pode considerar crítico sério senão aquele que tudo tenha visto,
estudado e aprofundado com a paciência e a perseverança de um observador
consciencioso; que do assunto saiba tanto quanto o adepto mais esclarecido; que haja,
por conseguinte, haurido seus conhecimentos algures, que não nos romances da
ciência; aquele a quem não se possa opor fato algum que lhe seja desconhecido,
nenhum argumento de que já não tenha cogitado e cuja refutação faça, não por mera
negação, mas por meio de outros argumentos mais peremptórios; aquele, finalmente,
que possa indicar, para os fatos averiguados, causa mais lógica do que a que lhe
aponta o Espiritismo. Tal crítico ainda está por aparecer.
A palavra ‘mediunidade’ foi criada por Kardec para designar a faculdade que certos
indivíduos possuem de servir, em maior ou menor grau e de modos diversos, de
intermediários entre os Espíritos e os homens. Essa noção recebeu precisão e conteúdo
cognitivo por sua inserção em uma teoria completa dos fenômenos mediúnicos, exposta
principalmente em O Livro dos Médiuns (ver o artigo “Estudo sobre a mediunidade”,
citado no final). Embora ela se encontre, como qualquer teoria científica, em contato
periférico com teorias de áreas contíguas, de dentro e de fora do Espiritismo, possui
bases de sustentação autônomas, não tendo que sofrer alterações substanciais ou
terminológicas em virtude do que possa ocorrer nesses domínios conexos.
Ora, como não houve mais do que analogia e apropriação de um símbolo lingüístico
para construir uma expressão nova – ‘fluidos espirituais’, que em geral se simplificava
para ‘fluidos’, dentro do contexto espírita – , não se segue que a teoria espírita tenha de
ser modificada terminológica ou substancialmente na caracterização dos referidos
processos porque as teorias físicas que sugeriram as analogias tenham sido alteradas ou
substituídas no curso evolutivo da física.
Voltando ao caso do Espiritismo, salienta-se bem na pergunta que ele constitui “uma
ciência independente, dedicada ao estudo de fenômenos que escapam ao escopo das
ciências clássicas”, tendo “a liberdade de definir seus próprios termos”; e, poderia
acrescentar: seus conceitos e teorias. Modificações nesses pontos só se legitimariam,
repito, na medida em que análises rigorosas internas ao programa científico espírita
indicassem sua necessidade.
Ainda com relação à noção de fluido, deve-se notar que ela não é tão abominada na
física como parecem crer os reformistas. Em primeiro lugar, cumpre notar que todos os
líquidos e gases são fluidos, e seu estudo é feito em diversas áreas da ciência, como a
hidrodinâmica. Depois, quanto à eletricidade, magnetismo e termodinâmica, as teorias
atuais prescindem dessa noção no nível operacional, tendo assumido feições
preponderantemente matemáticas e preditivas. No entanto, quando se desce à análise de
fundamentos – e raros cientistas dedicam-se a isso atualmente – percebe-se que, à
semelhança das demais teorias da física, estão envoltas em problemas conceituais
graves. Não é nada claro, por exemplo, o que seja um campo elétrico ou magnético
(noções usadas nas teorias físicas que sucederam às teorias de fluidos), não do ponto de
vista de sua caracterização matemática, é claro, mas de sua representação intuitiva, de
sua essência, do modo pelo qual surge, se propaga e causa certos fenômenos.
Lembremo-nos, por fim, que os próprios pais da teoria eletromagnética, como Faraday
e Maxwell, não dispensaram o conceito de fluido quando se tratava de explicar – e não
simplesmente calcular – os fenômenos.
Dir-se-á talvez que Einstein baniu esse conceito da ciência ao criar a teoria da
relatividade restrita, em 1905. Embora essa afirmação se tenha tornado comum em
certos círculos, entre os especialistas em fundamentos não há consenso sobre o ponto,
não obstante seja claro que o chamado “éter eletromagnético” regido por leis mecânicas
não compareça na aludida teoria. Mas essa não é a única teoria da ciência, nem
tampouco está isenta de dificuldades conceituais e teóricas diversas. Evidentemente,
este não é o lugar para adentrar esse tópico complexo. Fica, porém, uma advertência aos
espíritas de boa vontade para que não se deixem influenciar facilmente por tais
assertivas, antes que façam estudos profissionais, que levem em conta, por exemplo, a
teoria da relatividade geral e todas as perplexidades que envolvem as teorias do espaço-
tempo e da cosmologia contemporâneas, nas quais noções muito próximas à de fluido
parecem estar encontrando lugar.
Apenas para concluir, vale mencionar que virou moda nos meios espíritas e semi-
espíritas a substituição da palavra ‘fluido’ por ‘energia’, sempre no pressuposto de que é
por aí que vai a ciência. Ora, assim como as noções de espaço, tempo, força, massa,
carga elétrica, campo, etc., a noção de energia é objeto de inúmeras dificuldades
conceituais, não se ganhando nada em clareza, precisão e cientificidade com a sua
utilização, muito pelo contrário. Ademais, esse uso apresenta o inconveniente de se dar
numa área distante da área de sua criação original, a física, representando uma enxertia
no programa científico espírita, fonte certa de confusões.
***
Referências:
KARDEC, A. O Livro dos Médiuns. Trad. Guillon Ribeiro, 59a ed., revista, Rio de
Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.
Notas
Artigos
Infelizmente, a edição é limitada, não se encontrando à venda. Para o bem das pesquisas
espíritas, esperamos vivamente que os editores tornem o importante volume disponível
para qualquer interessado. Seria também desejável que a eventual reedição futura do
livro apresentasse melhor padrão gráfico. Pelo menos o exemplar que temos às mãos
(que nos foi gentilmente cedido pela FEB) tem diversas páginas com letras
relativamente esmaecidas e, de um modo geral, falta nitidez em quase todo o livro. Na
sugerida reedição, poderiam ser utilizados os mesmos critérios e métodos técnicos
empregados nas excelentes reproduções do Imitation de l’Évangile selon le Spiritisme
(1979), do próprio Evangile selon le Spiritisme (1979), do Procès des Spirites (1975) e
do Répertoire du Spiritisme (1974). Esperamos, por fim, que a reprodução do Livre des
Esprits represente a retomada dessas felizes iniciativas da FEB, tão necessárias para
enriquecer o material bibliográfico espírita, e que novas obras de valor histórico sejam
igualmente objeto de publicação.
1) Uma “Nota” aos Prolegômenos, que foi depois retirada, a partir da 10a edição, de
1863. Na edição da FEB a nota foi reproduzida no local em que originalmente estava,
ou seja, no final dos Prolegômenos.
Ademais, quanto a este último ponto, temos de reconhecer que provavelmente nunca
saberemos ao certo o que seria esse texto ideal: Por que a Nota aos Prolegômenos foi,
afinal, retirada? Por que a Errata só apareceu na 5a edição? Por que, dela, somente um
item mínimo foi incorporado às edições subseqüentes, quando a existência das outras
alterações mostra claramente que Kardec teve a oportunidade de incorporar todos?
Estudos históricos poderão, talvez, nos dar bases para alguma suposição acerca disso
tudo, mas a rigor nunca saberemos.
Artigos
Questão:
As palavras são, como foi lembrado no artigo anterior, meros símbolos para a expressão
de conceitos; se estes não encontrarem respaldo em uma teoria científica coerente,
abrangente e empiricamente adequada (isto é, adaptada aos fatos), de nada adiantará
modificá-las. Por outro lado, uma teoria científica não será substancialmente alterada
pela modificação de seu vocabulário. Logo, qualquer alegação de que o Espiritismo tem
de passar por uma atualização não pode limitar-se à substituição de palavras, como
ingenuamente se procura fazer. Essa alegação só se poderia justificar a partir de uma
análise profunda, exaustiva e meticulosa da teoria espírita e de todos os fatos de que
trata, que revelasse racionalmente que ela não lhes dá explicação adequada, ou contém
falhas de consistência lógica, propondo-se concretamente uma outra teoria melhor que a
possa substituir. No parágrafo 14, n. 8, de O Livro dos Médiuns Kardec resume as
condições para uma crítica sustentável do Espiritismo (e, aliás, de qualquer outra
ciência) que, por sua lucidez e atualidade, merece ser aqui reproduzida:
O Espiritismo não pode considerar crítico sério senão aquele que tudo tenha visto,
estudado e aprofundado com a paciência e a perseverança de um observador
consciencioso; que do assunto saiba tanto quanto o adepto mais esclarecido; que haja,
por conseguinte, haurido seus conhecimentos algures, que não nos romances da
ciência; aquele a quem não se possa opor fato algum que lhe seja desconhecido,
nenhum argumento de que já não tenha cogitado e cuja refutação faça, não por mera
negação, mas por meio de outros argumentos mais peremptórios; aquele, finalmente,
que possa indicar, para os fatos averiguados, causa mais lógica do que a que lhe
aponta o Espiritismo. Tal crítico ainda está por aparecer.
A palavra ‘mediunidade’ foi criada por Kardec para designar a faculdade que certos
indivíduos possuem de servir, em maior ou menor grau e de modos diversos, de
intermediários entre os Espíritos e os homens. Essa noção recebeu precisão e conteúdo
cognitivo por sua inserção em uma teoria completa dos fenômenos mediúnicos, exposta
principalmente em O Livro dos Médiuns (ver o artigo “Estudo sobre a mediunidade”,
citado no final). Embora ela se encontre, como qualquer teoria científica, em contato
periférico com teorias de áreas contíguas, de dentro e de fora do Espiritismo, possui
bases de sustentação autônomas, não tendo que sofrer alterações substanciais ou
terminológicas em virtude do que possa ocorrer nesses domínios conexos.
Ora, como não houve mais do que analogia e apropriação de um símbolo lingüístico
para construir uma expressão nova – ‘fluidos espirituais’, que em geral se simplificava
para ‘fluidos’, dentro do contexto espírita – , não se segue que a teoria espírita tenha de
ser modificada terminológica ou substancialmente na caracterização dos referidos
processos porque as teorias físicas que sugeriram as analogias tenham sido alteradas ou
substituídas no curso evolutivo da física.
Voltando ao caso do Espiritismo, salienta-se bem na pergunta que ele constitui “uma
ciência independente, dedicada ao estudo de fenômenos que escapam ao escopo das
ciências clássicas”, tendo “a liberdade de definir seus próprios termos”; e, poderia
acrescentar: seus conceitos e teorias. Modificações nesses pontos só se legitimariam,
repito, na medida em que análises rigorosas internas ao programa científico espírita
indicassem sua necessidade.
Ainda com relação à noção de fluido, deve-se notar que ela não é tão abominada na
física como parecem crer os reformistas. Em primeiro lugar, cumpre notar que todos os
líquidos e gases são fluidos, e seu estudo é feito em diversas áreas da ciência, como a
hidrodinâmica. Depois, quanto à eletricidade, magnetismo e termodinâmica, as teorias
atuais prescindem dessa noção no nível operacional, tendo assumido feições
preponderantemente matemáticas e preditivas. No entanto, quando se desce à análise de
fundamentos – e raros cientistas dedicam-se a isso atualmente – percebe-se que, à
semelhança das demais teorias da física, estão envoltas em problemas conceituais
graves. Não é nada claro, por exemplo, o que seja um campo elétrico ou magnético
(noções usadas nas teorias físicas que sucederam às teorias de fluidos), não do ponto de
vista de sua caracterização matemática, é claro, mas de sua representação intuitiva, de
sua essência, do modo pelo qual surge, se propaga e causa certos fenômenos.
Lembremo-nos, por fim, que os próprios pais da teoria eletromagnética, como Faraday
e Maxwell, não dispensaram o conceito de fluido quando se tratava de explicar – e não
simplesmente calcular – os fenômenos.
Dir-se-á talvez que Einstein baniu esse conceito da ciência ao criar a teoria da
relatividade restrita, em 1905. Embora essa afirmação se tenha tornado comum em
certos círculos, entre os especialistas em fundamentos não há consenso sobre o ponto,
não obstante seja claro que o chamado “éter eletromagnético” regido por leis mecânicas
não compareça na aludida teoria. Mas essa não é a única teoria da ciência, nem
tampouco está isenta de dificuldades conceituais e teóricas diversas. Evidentemente,
este não é o lugar para adentrar esse tópico complexo. Fica, porém, uma advertência aos
espíritas de boa vontade para que não se deixem influenciar facilmente por tais
assertivas, antes que façam estudos profissionais, que levem em conta, por exemplo, a
teoria da relatividade geral e todas as perplexidades que envolvem as teorias do espaço-
tempo e da cosmologia contemporâneas, nas quais noções muito próximas à de fluido
parecem estar encontrando lugar.
Apenas para concluir, vale mencionar que virou moda nos meios espíritas e semi-
espíritas a substituição da palavra ‘fluido’ por ‘energia’, sempre no pressuposto de que é
por aí que vai a ciência. Ora, assim como as noções de espaço, tempo, força, massa,
carga elétrica, campo, etc., a noção de energia é objeto de inúmeras dificuldades
conceituais, não se ganhando nada em clareza, precisão e cientificidade com a sua
utilização, muito pelo contrário. Ademais, esse uso apresenta o inconveniente de se dar
numa área distante da área de sua criação original, a física, representando uma enxertia
no programa científico espírita, fonte certa de confusões.
***
Referências:
––. “Estudo sobre a mediunidade” (em co-autoria com Clarice Seno Chibeni),
Reformador, agosto de 1997, p. 240-43 e 253-55.
KARDEC, A. O Livro dos Médiuns. Trad. Guillon Ribeiro, 59a ed., revista, Rio de
Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.
Notas
Artigos
1. Introdução
Como todo estudioso do Espiritismo sabe, o título do presente artigo é o título dado por
Allan Kardec ao capítulo 20 de O Evangelho Segundo o Espiritismo. O que poucos
talvez tenham notado é que esse é o único capítulo do livro que não possui comentários
do próprio Kardec: à transcrição da passagem evangélica – a intrigante parábola dos
trabalhadores da última hora – seguem-se imediatamente as Instruções dos Espíritos, em
número de quatro. Isso, porém, não passa de detalhe curioso, já que os textos de Kardec
e os dos Espíritos expressam um pensamento uno, não sendo raro que os primeiros
superem os segundos em alcance, clareza e precisão. O que mais importa são os
ensinamentos contidos no capítulo. Iremos, por economia de espaço, restringir nossa
análise à parábola e ao primeiro texto escolhido por Kardec para comentá-la, de autoria
de Constantino, Espírito Protetor, recebida em Bordeaux em 1863.
2. A parábola
Para comodidade do leitor, transcreveremos agora todo o texto da parábola citado por
Kardec. Notemos, desde já, que se trata de uma das muitas ocasiões em que Jesus
procura ensinar algo sobre Deus e as leis divinas – “o reino dos céus” – por meio de
uma comparação com uma estória envolvendo coisas e situações ordinárias. Eis a
parábola, registrada em Mateus 20:1-16:
O reino dos céus é semelhante a um pai de família que saiu de madrugada, a fim de
assalariar trabalhadores para a sua vinha. – Tendo convencionado com os trabalhadores
que pagaria um denário a cada um por dia, mandou-os para a vinha. – Saiu de novo à
terceira hora do dia e, vendo outros que se conservavam na praça sem fazer coisa
alguma, – disse-lhes: Ide também vós outros para a minha vinha e vos pagarei o que for
razoável. Eles foram. – Saiu novamente à hora sexta e à hora nona do dia e fez o
mesmo. – Saindo mais uma vez à hora undécima, encontrou ainda outros que estavam
desocupados, aos quais disse: Por que permaneceis aí o dia inteiro sem trabalhar? – É,
disseram eles, que ninguém nos assalariou. Ele então lhes disse: Ide vós também para a
minha vinha. – Ao cair da tarde disse o dono da vinha àquele que cuidava dos seus
negócios: Chama os trabalhadores e paga-lhes, começando pelos últimos e indo até aos
primeiros. – Aproximando-se então os que só à undécima hora haviam chegado,
receberam um denário cada um. – Vindo a seu turno os que tinham sido encontrados em
primeiro lugar, julgaram que iam receber mais; porém, receberam apenas um denário
cada um. – Recebendo-o, queixaram-se ao pai de família, – dizendo: Estes últimos
trabalharam apenas uma hora e lhes dás tanto quanto a nós que suportamos o peso do
dia e do calor. – Mas, respondendo, disse o dono da vinha a um deles: Meu amigo, não
te causo dano algum; não convencionaste comigo receber um denário pelo teu dia? –
Toma o que te pertence e vai-te; apraz-me a mim dar a este último tanto quanto a ti. –
Não me é então lícito fazer o que quero? Tens mau olho, porque sou bom? – Assim, os
últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos, porque muitos são os
chamados e poucos os escolhidos.
3. Começando a entender...
Não obstante essa dificuldade central, a parábola contém, felizmente, alguns pontos
mais ou menos claros, com os quais devemos principiar nossos esforços interpretativos.
Trata-se de várias “pontes” que ligam os elementos da estória com o reino dos céus:
Embora nem todas as ligações sugeridas sejam triviais, acreditamos que sejam as que
mais naturalmente ocorrem a quem se dedique a entender o texto evangélico. O sentido
geral do ensinamento é que é difícil de apreender, dado o aparente conflito da idéia de
um Deus justo com o modo pelo qual o senhor da vinha remunerou os trabalhadores.
Logicamente, só temos duas opções para eliminar o conflito: ou supomos que Jesus de
fato pretendeu caracterizar Deus como injusto; ou revemos nossa impressão inicial, de
que o comportamento do senhor da vinha foi injusto. Ora, como a primeira alternativa é
insustentável, face ao conjunto dos ensinamentos cristãos, temos de desenvolver a
segunda opção. Para tanto, comecemos atentando para o seguinte:
b) Quanto aos demais, a parábola nada diz sobre acerto de salário, sugerindo-nos que os
trabalhadores aceitaram a oferta de trabalho sem pré-condições;
c) O próprio senhor da vinha justifica sua ação, dizendo que foi um ato de bondade: o
denário que mandou dar aos que foram convocados mais tarde seria, pois, parte
remuneração pelas horas que trabalharam e parte auxílio espontâneo.
Assim, quando consideramos os casos separadamente vemos que em suas relações com
cada grupo de obreiros o senhor nada fez de errado.
Mas mesmo nos termos em que a questão é colocada no item (c), ficamos incomodados
com o fato de que o senhor distribuiu o benefício-extra desigualmente: quanto mais
tarde chegaram, menor a parcela do denário correspondente à remuneração, e portanto
maior a que representaria o auxílio.
Talvez seja útil transpor a questão para situações de nosso dia-a-dia. Quando saímos
pela rua e damos esmolas desiguais a dois pedintes estaremos sendo injustos? Quando
contribuímos, em trabalho ou dinheiro, com duas instituições de caridade, porém em
maior medida a uma do que à outra, é injustiça?
Nossas reflexões sobre esse problema podem ser auxiliadas pelas considerações
expendidas por Constantino na mencionada instrução. Passemos, pois, a ela.
4. Recorrendo a Constantino...
[§ 1] O obreiro da última hora tem direito ao salário, mas é preciso que a sua boa-
vontade o haja conservado à disposição daquele que o tinha de empregar e que o seu
retardamento não seja fruto da preguiça ou da má-vontade. Tem ele direito ao salário,
porque desde a alvorada esperava com impaciência aquele que por fim o chamaria para
o trabalho. Laborioso, apenas lhe faltava o labor.
Vemos que o Espírito destaca alguns aspectos importantes que ainda não havíamos
considerado. Há uma condição para o recebimento do denário: a disposição permanente
para o trabalho. Aqueles que foram contratados à terceira, sexta, nona e undécima hora
tinham boa-vontade, ansiavam por trabalhar. Faltou-lhes, porém, a oportunidade.
Quando o senhor da vinha os convocou, aceitaram pressurosamente e, segundo se
depreende, sem sequer inquirir pela remuneração.
Visando a realçar esse ponto, no segundo parágrafo Constantino estende a parábola para
uma hipotética situação contrastante:
[§ 2] Se, porém, se houvesse negado ao trabalho a qualquer hora do dia; se houvesse
dito: “tenhamos paciência, o repouso me é agradável; quando soar a última hora é que
será tempo de pensar no salário do dia; que necessidade tenho de me incomodar por um
patrão a quem não conheço e não estimo! quanto mais tarde, melhor”; esse tal, meus
amigos, não teria tido o salário do obreiro, mas o da preguiça.
As disposições positivas dos trabalhadores da última hora podem, assim, ser entendidas
como fatores que sensibilizaram o pai de família, induzindo-o ao gesto de generosidade.
Ademais, vale lembra que ao perguntar, no item 930 de O Livro dos Espíritos, acerca da
situação das pessoas que se vêm impossibilitadas de trabalhar por causas independentes
de sua vontade, Kardec obtém a observação de que “Numa sociedade organizada
segundo a lei do Cristo ninguém deve morrer de fome”. E, explicando o ponto, os
Espíritos acrescentam: “Com uma organização social criteriosa e previdente, ao homem
só por culpa sua pode faltar o necessário.” É, pois, uma clara alusão à solidariedade que
os homens devem se esforçar por implantar no mundo.
Ora, nessa perspectiva o senhor da parábola seria alguém que, mesmo naqueles tempos
primitivos, teria sido tocado pela dificuldade daqueles homens que impacientemente
esperavam pela oportunidade de ganhar seu pão, solidarizando-se com eles por meio,
primeiro, da oferta de trabalho e, depois, pelo auxílio pecuniário adicional.
Não somente a preguiça e a indiferença têm de ser evitadas, mas também a afoiteza e a
precipitação. Por falta de bom-senso, arriscamo-nos freqüentemente em tarefas para as
quais não estamos, presentemente, preparados. Pior ainda: movidos pelo orgulho
lançamo-nos em empreendimentos que se nos afiguram “grandes”, não pelo bem que
deles decorra, mas pela evidência em que nos coloquem. O malogro parcial ou total, e a
dura decepção de nossa vaidade é o resultado inevitável de tais iniciativas.
Por fim, além da indolência e do interesse, mais um vício parece ser exprobrado na
parábola: a inveja (“Tens mau olho, porque sou bom?”). Vendo o gesto de generosidade
do pai de família, os trabalhadores da primeira hora queixaram-se, muito embora no que
lhes dissesse respeito ele houvesse agido com correção. Aproveitando uma sugestão
interpretativa feita anteriormente, seria mais ou menos como se nos queixássemos do
governo por conceder auxílio-desemprego a um colega provisoriamente desempregado.
Além de injustificável inveja, faltaríamos com a solidariedade, que deve reinar entre os
homens em geral. (Questão deixada para o leitor: Quem os trabalhadores da primeira
hora poderiam simbolizar?)
Também sabemos, à luz dos ensinos cristãos e espíritas, que nossa interferência indébita
na harmonia universal traz para nós conseqüências negativas, sofrimentos e tribulações
que visam a impor limites à nossa ação maléfica, despertando-nos para o bem. Não
desenvolveremos esse tema aqui, por sobejamente explorado na boa literatura espírita.
Inspecionando mais atentamente o texto, vemos que o Senhor não impede para sempre
o servo “cevado em todas as ignomínias” de trabalhar em sua vinha. Depois que
reaprender a trabalhar construtivamente, ser-lhe-á novamente franqueado o vasto campo
de ação na vinha.
Mas por que esse impedimento temporário? É que a prática do mal pode de tal forma
destrambelhar-nos que, por algum tempo, naturais limitações nos advirão. Seria como
um motorista insensato, que provoca um acidente e vai hospitalizado. Enquanto
permanecer internado, não poderá desenvolver todas as atividades para as quais estaria
em princípio capacitado. É um período de recomposição.
[§ 4] Bons espíritas, meus bem-amados, sois todos obreiros da última hora. Bem
orgulhoso seria aquele que dissesse: Comecei o trabalho ao alvorecer do dia e só o
terminarei ao anoitecer. Todos viestes quando fostes chamados, um pouco mais cedo,
um pouco mais tarde, para a encarnação cujos grilhões arrastais; mas há quantos séculos
e séculos o Senhor vos chamava para a sua vinha, sem que quisésseis penetrar nela! Eis-
vos no momento de embolsar o salário; empregai bem a hora que vos resta e não
esqueçais nunca que a vossa existência, por longa que vos pareça, mais não é do que um
instante fugitivo na imensidade dos tempos que formam para vós a eternidade.
A leitura atenta deste trecho não parece corroborar a referida interpretação. Primeiro, a
frase inicial qualifica os espíritas: “Bons espíritas...”. O adjetivo ‘bons’ em geral passa
despercebido! Logo, a frase não diz respeito aos espíritas em geral, mas aos bons
espíritas. E todos conhecemos a impressionante lista de qualidades dos bons espíritas,
que Kardec registrou no capítulo 17 do Evangelho Segundo o Espiritismo, seções “O
homem de bem” e “Os bons espíritas”.
Além disso, a frase não tem o artigo definido ‘os’ antes de ‘obreiros da última hora’,
como normalmente se diz. A inclusão do artigo emprestaria ao pensamento um ar de
sectarismo e orgulho incompatível com a índole da doutrina espírita. Os bons espíritas
não são os obreiros da última hora, com a implícita exclusão dos outros homens, mas
simplesmente obreiros da última hora. Eles são aqueles que passaram, numa “hora”
relativamente recente da história da humanidade, a trabalhar, ao lado de tantos outros,
na vinha do Senhor.
Que dizer agora dos espíritas que ainda não podem ser ditos bons? Esses são os que, não
obstante terem as luzes dos princípios espíritas ao seu alcance, ainda resistem
indolentemente a trabalhar, ou a trabalhar tanto quanto sua condição permitiria; ou
aqueles, em condição mais lastimável ainda, que ainda se “cevam nas ignomínias”
morais, sem envidar esforços para emendar-se.
É claro que essa classificação não é nítida, ou seja, não há apenas dois grupos de
espíritas. Há uma gradação contínua, começando naqueles francamente retardatários e
terminando nos que já entendem e vivenciam plenamente as diretrizes divinas para os
homens. Caberá a nós determinar, pelo exame isento de nossos pensamentos e atos,
nossa posição nessa escala, e incessantemente procurar galgar posições cada vez mais
avançadas, pela reparação de nossos erros, pela superação de vícios e conquista de
virtudes.
Referências bibliográficas
KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. Trad. de Guillon Ribeiro. 43a ed., Rio de Janeiro,
Federação Espírita Brasileira, s.d.
–––. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. de Guillon Ribeiro. 111a ed., Rio de
Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.
–––. O Céu e o Inferno. Trad. de Manuel Quintão. 28ª edição, Rio de Janeiro, Federação
Espírita Brasileira, s.d.
Artigos
1. Introdução
MÉDIUM. (do latim, medium, meio, intermediário). Pessoa que pode servir de
intermediário entre os Espíritos e os homens.
Acepção ampla:
Qualquer pessoa apta a receber ou a transmitir comunicações dos Espíritos é, por isso
mesmo, médium, quaisquer que sejam o modo empregado e o grau de desenvolvimento
da faculdade, desde a simples influência oculta até à produção dos mais insólitos
fenômenos.
Acepção restrita:
Em seu uso ordinário, todavia, esse termo tem uma aplicação mais restrita, aplicando-se
às pessoas dotadas de um poder mediador suficientemente grande, seja para a produção
de efeitos físicos, seja para transmitir o pensamento dos Espíritos pela escrita ou pela
palavra.
Quando analisamos um texto ou um discurso onde o termo médium aparece, é
importante reconhecer em qual desses sentidos está sendo empregado, a fim de se
evitarem mal-entendidos e discussões sem fundamento. Assim, por exemplo, a
afirmação feita no parágrafo 159 de O Livro dos Médiuns de que "todos [os homens]
são quase médiuns" deverá ser entendida apenas na acepção ampla do termo, pois
sabemos, pela questão 459 de O Livro dos Espíritos, que todos somos passíveis de
receber a influência dos Espíritos, ainda que sob a forma sutil de intuição. Incorreremos
em grave equívoco se concluirmos daí que todos somos mais ou menos médiuns no
sentido restrito e usual da palavra, ou seja, se julgarmos que todos podemos produzir
manifestações ostensivas, tais como a psicofonia, a psicografia, os efeitos físicos etc.
2. A natureza da mediunidade
Limitando-nos daqui para frente à acepção restrita do termo «médium», que é a mais
usual e relevante, estaremos, no que se vai seguir, entendendo a mediunidade como a
aptidão especial que certas pessoas possuem para servir de meio de comunicação entre
os Espíritos e os homens.
Como observamos pela resposta dos Espíritos, a capacidade de servir de "ponte" entre o
mundo espiritual e o mundo material está ligada a fatores de ordem orgânica. Esse
ponto encontra-se exarado em vários lugares das obras de Kardec e de outros autores
espíritas abalizados, passando, no entanto, despercebido à maioria das pessoas, mesmo
espíritas.
Por fim, em resposta à questão 19 do parágrafo 223 desse mesmo livro os Espíritos
esclarecem que "a mediunidade propriamente dita independe da inteligência bem
como das qualidades morais" do médium. Portanto a mediunidade independe também
do desenvolvimento intelectual do médium.
· de suas crenças;
No parágrafo 200 de O Livro dos Médiuns, Allan Kardec deixa claro que "não há
senão um único meio de constatar [a existência da faculdade mediúnica em alguém]: a
experimentação”. Ou seja, só poderemos saber que uma pessoa é médium observando
que efetivamente é capaz de servir de intermediário aos Espíritos desencarnados.
3. O desenvolvimento da mediunidade
Se bem que cada um traga em si o gérmen das qualidades necessárias para se tornar
médium, tais qualidades existem em graus muito diferentes e o seu desenvolvimento
depende de causas que a ninguém é dado conseguir se verifiquem à vontade. As regras
da poesia, da pintura e da música não fazem que se tornem poetas, pintores, ou músicos
os que não têm o gênio de algumas dessas artes. Apenas guiam os que as cultivam no
emprego de suas faculdades naturais. O mesmo sucede com o nosso trabalho. Seu
objetivo consiste em indicar os meios de desenvolvimento da faculdade mediúnica,
tanto quanto o permitam as disposições de cada um, e, sobretudo, dirigir-lhe o emprego
de modo útil, quando ela exista.
Se os rudimentos da faculdade [mediúnica] não existem, nada fará que apareçam [...].
E no parágrafo 198 de O Livro dos Médiuns, que trata da diversidade das faculdades
mediúnicas, lemos ainda:
Em erro grave incorre quem queira forçar a todo custo o desenvolvimento de uma
faculdade que não possua. Deve a pessoa cultivar todas aquelas de que reconheça
possuir o gérmen. Procurar à força ter as outras é, antes de tudo, perder tempo, e, em
segundo lugar, perder talvez, enfraquecer com certeza, as de que seja dotado.
Quando existe o princípio, o gérmen de uma faculdade, esta se manifesta sempre por
sinais inequívocos. Limitando-se à sua especialidade, pode o médium tornar-se
excelente e obter grandes e belas coisas; ocupando-se de tudo, nada de bom obterá.
Notai, de passagem, que o desejo de ampliar indefinidamente o âmbito de suas
faculdades é uma pretensão orgulhosa, que os Espíritos nuncam deixam impune. Os
bons abandonam o presunçoso, que se torna então joguete dos mentirosos. Infelizmente,
não é raro verem-se médiuns que, não contentes com os dons que receberam, aspiram,
por amor-próprio ou ambição, a possuir faculdades excepcionais, capazes de os
tornarem notados. Essa pretensão lhes tira a qualidade mais preciosa: a de médiuns
seguros.
Ora, no primeiro caso dever-se-ia ponderar que as boas disposições da pessoa deverão
ser aproveitadas antes de mais nada em seu aperfeiçoamento intelectual e moral, e,
em se tratando de sua colaboração nas atividades do centro espírita, naquele setor ao
qual mais se ajuste por sua formação profissional, seus interesses e disponibilidades,
quais sejam a condução de estudos, a evangelização infanto-juvenil, a administração, a
biblioteca, as visitas fraternas, a costura de enxovais, a faxina, a distribuição de
alimentos, a acolhida aos novos freqüentadores etc., ou os trabalhos mediúnicos, se os
sinais de mediunidade se apresentarem de forma espontânea.
No segundo caso, que é o mais freqüente, seria preciso compreender que o mero fato de
alguém encontrar-se desequilibrado significa que não pode ser inserido no grupo
mediúnico, sob o risco de comprometer o seu bom funcionamento. A mediunidade em
si é uma faculdade neutra, que não tem qualquer conexão com os desajustes físicos,
mentais e espirituais da criatura. Estes surgem por motivos específicos, e requerem o
tratamento médico, psicológico ou espírita adequado ao caso. Somente após seu retorno
à normalidade é que a pessoa poderá participar, como médium, dos trabalhos
mediúnicos, se a faculdade surgir espontaneamente. O exercício da mediunidade não é
recomendável na presença de determinadas enfermidades físicas, como por exemplo,
nas doenças contagiosas, ou onde o equilíbrio orgânico esteja "por um fio" e a atividade
mediúnica envolva situações que emocionem muito o médium. No caso dos
desequilíbrios mentais e espirituais, o exercício mediúnico não pode nunca ser iniciado,
ou continuado. Um médium nessas condições não poderá contribuir positivamente,
além de gerar dificuldades para o grupo, facilitando mesmo a atuação de Espíritos
interessados na instalação da desarmonia, dos melindres, das suspeitas, do
enregelamento das relações entre os membros.
O desenvolvimento mediúnico a ser promovido nos centros espíritas não deve nunca ser
entendido como o aprendizado de técnicas e métodos para fazer surgir a mediunidade,
pois que não os há nem pode haver, mas exclusivamente como o aprimoramento e
direcionamento útil e equilibrado das faculdades surgidas de forma natural, o que
pressupõe o aperfeiçoamento integral do médium, por meio do estudo sério e de seus
esforços incessantes para amoldar suas ações às diretrizes evangélicas.
Ressaltemos, outrossim, que os núcleos espíritas não deverão iniciar qualquer trabalho
mediúnico, quer de desenvolvimento (no sentido correto do termo), quer, menos ainda,
de assistência aos Espíritos enfermos, se não estiverem seguros de que dispõem de
colaboradores suficientemente preparados, por seus conhecimentos doutrinários, por seu
equilíbrio psicológico e por sua conduta cristã, que disponham de tempo para encetar
com regularidade tão delicada tarefa.
· O exercício da mediunidade não deve ser colocado como a culminação obrigatória das
atividades do cooperador da casa espírita.
4. Os mecanismos da mediunidade
Vemos, assim, que o respeitado cientista deixa entrever a correlação íntima entre a
possibilidade de contato com a realidade espiritual durante a vigília (mediunidade) e um
certo "afrouxamento" das ligações entre as células do perispírito e as suas
correspondentes do corpo material. Prosseguindo, André Luiz explicita mais essa
correlação:
Quanto menos densos os elos de ligação entre os implementos físicos e espirituais, nos
órgãos da visão, mais amplas as possibilidades na clarividência, prevalecendo as
mesmas normas para a clariaudiência e modalidades outras, no intercâmbio entre as
duas esferas [...].
É fundamental deixar claro que o que acabamos de expor não corrobora de modo algum
a idéia popular de que no processo mediúnico o Espírito do médium "sai" e "dá lugar"
ao Espírito comunicante, que passaria então a servir-se diretamente do corpo do
médium. Os Instrutores Espirituais já esclareceram a Kardec, no importante capítulo
"Do papel do médium nas comunicações espíritas" de O Livro dos Médiuns que
essa idéia não corresponde à realidade. A mensagem sempre passa pelo Espírito do
médium, mesmo quando ele não guarda disso a consciência ao despertar do transe.
Vejamos o que dizem no item sexto do parágrafo 223:
É interressante notar que nas questões seguintes à transcrita os Espíritos frisam mesmo
enfrentando uma oposição inicial de Kardec que essa é uma regra absoluta, sem
exceções, nem mesmo na mediunidade dita "mecânica", ou ainda nos casos de efeitos
físicos onde uma mensagem inteligente é transmitida (tiptologia, escrita por meio de
pranchetas etc). Vemos, na questão 10 do referido parágrafo, que os Espíritos
expressam indiretamente sua desaprovação a esse modo de denominar a mediunidade na
qual o médium não guarda consciência do conteúdo da cominicação: o médium jamais
atua como máquina, mecanicamente.
· A comunicação não se efetiva sem que haja sintonia entre os perispíritos do médium e
do Espírito.
· A comunicação espiritual, ainda que de efeitos físicos, sempre passa pelo Espírito do
médium.
5. As modalidades mediúnicas
Devemos notar, no entanto, que os órgãos a que se refere André Luiz são, conforme se
depreende de outras passagens de sua obra, não tanto os órgãos periféricos olhos,
ouvidos, mãos etc., mas fundamentalmente as regiões do cérebro responsáveis por
seu comando. De fato, a ciência mostrou que há no cérebro grupos de neurônios
(células nervosas) mais ou menos especializados para as diversas faculdades sensoriais
e motoras. No caso da visão, por exemplo, tais neurônios recebem, através do nervo
óptico, os impulsos elétricos gerados na retina do olho, sinais esses que a alma
interpreta como imagens. O mesmo se dá, mutatis mutandis, com os demais sentidos.
No caso das funções motoras, ao comando da alma determinados centros cerebrais
enviam, através dos diferentes nervos, impulsos elétricos aos músculos, resultando daí
os movimentos corporais.
EFEITOS INTELECTUAIS
EFEITOS FÍSICOS
(mediunidade de expressão subcortical)
Telergia
sons
luzes
odores
movimentos
curas
Teleplastia
materializações
Somatização
transfiguração
estigmatização
6. O exercício da mediunidade
Na seção 2 deste trabalho vimos que se deve fazer uma distinção clara entre a
mediunidade, enquanto faculdade, e o seu uso ou exercício. Se a faculdade em si é
neutra, o mesmo não vale para o seu uso, que pode ser bom ou mau, dependendo da
condição moral do médium.
Os médiuns que fazem mau uso de suas faculdades, que não se servem delas para o
bem, ou que não as aproveitam para se instruírem, sofrerão as conseqüências
dessa falta?
"Se delas fizerem mau uso, serão punidos duplamente, porque têm um meio a mais de
se esclarecerem e não o aproveitam. Aquele que vê claro e tropeça é mais censurável do
que o cego que cai no fosso."
É por meio da mediunidade que nos certificamos de nossa natureza imortal, fato de
suma importância, em torno do qual gira todo o Espiritismo e sua doutrina moral. É ela
que nos desvenda a vida futura, possibilitando-nos conhecer de modo abrangente os
efeitos de nossas ações. Ajuizaremos então com mais acerto sobre o que nos convém ou
não fazer, com vistas à nossa felicidade integral.
Seria de esperar que os indivíduos que se embrenham pelos bosques das percepções
mediúnicas fossem caindo em si, aprendendo que todos terão que dar conta desses
talentos formidáveis que lhes são concedidos, nas experiências terrenas, na condição de
empréstimo, proporcionando liberdade e ventura íntimas, logrando evadir-se dos
tormentosos episódios do pretérito culposo ou negligente.
E em Cintilação das Estrelas (capítulo 32) esse lúcido Espírito prossegue no assunto:
Dádiva com que a misericórdia divina nos favorece, informando-nos de nossa natureza
de seres imortais, a mediunidade bem empregada reveste as formas de esclarecimento
acerca da vida além-túmulo, de consolo para os que perderam a esperança, de
advertência salvadora para os equivocados, de amparo para os que cambaleiam, de
recursos terapêuticos para os que enfermaram, de despertamento para os sofredores e os
trânsfugas do dever que já cruzaram a aduana da morte. Daí a necessidade de
desenvolvermos esse abençoado talento, nos trabalhos da caridade, nos exercícios
constantes de benevolência para com todos, indulgência para com as imperfeições dos
outros, de perdão das ofensas, conforme a questão 886 de O Livro dos Espíritos.
Reconheçamos, acima de tudo, que mais importante do que sermos bons médiuns, no
que toca à faculdade, é sermos médiuns bons, a serviço de Jesus.
Referências bibliográficas
CAMILO. Cintilação das Estrelas. (Médium José Raul Teixeira.) Niterói, Fráter, 1992.
Educação e Vivência. (Médium José Raul Teixeira.) Niterói, Fráter, 1993.
KARDEC, A. Le Livre des Esprits. Paris, Dervy-Livres, s.d. (dépôt légal 1985).
Instruction Pratique sur les Manifestations Spirites. Paris, La Diffusion Scientifique,
1986. Le Livre des Médiums. Paris, Dervy-Livres, s.d. (dépôt légal 1978). O Livro dos
Médiuns. Trad. Guillon Ribeiro, 59a ed., revista, Rio de Janeiro, Federação Espírita
Brasileira, s.d. L'Évangile selon le Spiritisme. (Reprodução fotográfica da 3a edição
francesa.) 1a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, 1979. Oeuvres
Posthumes. Paris, Dervy-Livres, 1978. Obras Póstumas. Trad. Guillon Ribeiro, 18a ed.,
Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d. L'Obsession. (Extratos da Revue
Spirite.) Farciennes, Éditions de L'Union Spirite, 1950.
Artigos
1. Introdução {nota 1}
No capítulo "Da lei de liberdade" de O Livro dos Espíritos Allan Kardec analisou com
lucidez diversas questões relativas à fatalidade, dedicando-lhes uma seção inteira. Neste
artigo pretendemos expor brevemente a concepção espírita de fatalidade, estabelecida
naquela seção e em obras complementares.
Ao iniciar qualquer estudo, é sempre conveniente ter clareza quanto ao significado
preciso dos termos envolvidos. Consultando o dicionário, verificamos que fatalidade é a
marca do que é fatal, a força que predispõe irrevogavelmente os acontecimentos, o
destino. Fatal é aquilo que é certo, prescrito pelo destino, irrevogável, que
necessariamente acontecerá, inevitável, decisivo, inadiável, funesto, nefasto.
Como o próprio termo indica, dizer que um fato está predeterminado é afirmar que sua
ocorrência é determinada de maneira certa pelo estado de coisas que a antecede. A
noção de predeterminação pressupõe a existência de uma como que "amarração" entre
os acontecimentos: uns levariam a outros infalivelmente.
Quando consideramos os acontecimentos do mundo de um modo geral, são concebíveis
três possibilidades: 1) todos estariam predeterminados (determinismo); 2) nenhum
estaria predeterminado (aleatoriedade); e, 3) apenas alguns estariam predeterminados.
Conforme veremos, é esta última posição, intermediária entre os dois extremos, que é
aceita pela ciência contemporânea e pelo Espiritismo.
Ao formular a pergunta 851 de O Livro dos Espíritos, que abre a seção sobre a
fatalidade, Kardec esclarece que entende a fatalidade como a predeterminação completa
dos acontecimentos. Ao longo da seção, são expostos os motivos pelos quais não pode
existir a fatalidade nesse sentido extremo, de uma predeterminação de tudo quanto
ocorre. São também indicadas as circunstâncias especiais em que pode haver um certo
tipo de predeterminação dos acontecimentos. A compreensão satisfatória desses pontos
requer a análise de vários conceitos filosóficos, como o de determinismo, o de livre-
arbítrio, o de causalidade etc. É o que procuraremos fazer a seguir, de forma bastante
simplificada.
2. Determinismo e livre-arbítrio
Na perspectiva materialista, tudo no homem seria matéria. Ele estaria, pois, sujeito ao
mesmo determinismo que existe no movimento dos astros, na queda de uma pedra, no
movimento de um relógio. Como conciliar isso com o fato de sentirmos, com toda a
clareza de que é capaz o nosso entendimento, que levantamos ou abaixamos o braço,
andamos para a esquerda ou a direita, dizemos isso ou aquilo, com inteira liberdade?
Os esforços dos filófosos para solucionar o problema não alcançaram qualquer êxito.
Felizmente, porém, ele tornou-se amplamente irrelevante com o advento da mecânica
quântica, na década de 1920. Essa teoria descreve a estrutura íntima da matéria, e
representa a mais abrangente, precisa e bem sucedida teoria científica de todos os
tempos. Pois bem: ao contrário das demais teorias físicas, a mecânica quântica não
prevê um comportamento totalmente determinista para a matéria. Além disso,
sofisticados estudos teóricos e experimentais recentes indicaram que qualquer tentativa
de reinstalar teorias deterministas na microfísica encontrará necessariamente
dificuldades proibitivas.
É indispensável observar que muitas dessas causas decorrem, a seu turno, de ações que
livremente praticamos. No caso da ingestão do veneno, por exemplo, pode-se dizer que
a pessoa fatalmente morrerá. A predeterminação da morte, todavia, é condicionada à
prévia ingestão da substância tóxica, o que em geral depende da livre decisão de
alguém. A morte não está predeterminada em termos absolutos: se o veneno não for
ingerido, ou se for administrado um antídoto eficaz, ela não advirá.
É nesse sentido que muitos autores espíritas costumam referir-se à chamada lei de causa
e efeito, ou de ação e reação, que regula as ocorrências da vida, em um sentido amplo,
englobando os eventos referentes ao ser espiritual. A lei de causalidade restrita ao
domínio da matéria, que as ciências ordinárias estudam, pode ser entendida como caso
especial dessa lei mais ampla.
Cada evento tem uma causa, em geral bastante complexa, envolvendo múltiplos eventos
anteriores, próximos ou remotos no espaço e no tempo. Todos esses fatores têm de estar
presentes para que o acontecimento se verifique. Voltando ao exemplo da maçã, para
ela cair em tantos segundos e com tal velocidade uma série de condições têm de ser
satisfeitas: força de atração, desprendimento da macieira, ar com uma certa viscosidade
etc. É o conjunto dessas condições que, mais apropriadamente, se deve entender como a
causa da queda, embora nas situações ordinárias se fixe a atenção em apenas algumas
delas, por conveniência ou dificuldade de conhecê-las todas. A pergunta "Por que a
maçã caiu desse modo?" pede a especificação de uma causa. Dependendo do interesse, a
resposta enfocará um determinado componente da causa total: um dirá que foi porque a
Terra a atraiu; outro, que foi porque se soltou do galho; outro ainda porque ventou forte,
todos podendo estar certos.
Todas as nossas ações, por insignificantes que sejam, fazem-se acompanhar de certos
efeitos, que se vão superpondo uns aos outros. Em cada momento, vivemos em meio a
esse conjunto de efeitos. A importância prática de adquirirmos conhecimento acerca das
leis que regem a matéria e o espírito reside em que, sabendo melhor quais serão os
efeitos daquilo que fizermos, poderemos agir de modo a criar situações que nos
aproximem da felicidade. Somos, por assim dizer, os construtores de nossos próprios
destinos.
Boa parte das questões que formam a seção sobre a fatalidade de O Livro dos Espíritos
referem-se direta ou indiretamente à questão da programação da existência corporal.
Essa programação enquadra-se no princípio geral que estamos analisando. Na medida
em que o ser amadurece espiritualmente, tornando-se mais consciente, poderá avaliar
por si próprio as principais ações praticadas e, no estado de erraticidade, planificar
certos aspectos de sua futura encarnação, freqüentemente auxiliado por Espíritos
amigos. Assim é que, por exemplo, seu corpo, seu meio social, os componentes de seu
grupo familiar poderão, em certa medida, ser objeto de escolha, com vistas às suas
necessidades evolutivas.
6. Previsão do futuro
Ora, no que toca aos acontecimentos não-triviais das vidas dos homens, ordinariamente
nenhuma dessas três condições é satisfeita. Não conhecemos a totalidade das causas;
não há encadeamento determinista dos eventos (devido à presença do livre-arbítrio); e,
mesmo que houvesse, não seríamos efetivamente capazes de deduzir os efeitos das
causas, dada a complexidade extrema das situações típicas.
Disso se conclui que, a não ser em condições muito especiais e limitadas, dentro do
domínio exclusivamente material, o futuro é indeterminado e imprevisível. (Para
maiores detalhes sobre esse assunto, consulte-se Chagas 1996.)
7. Aspectos morais
O mal que nos acontece, acontece na hora certa, na medida certa, porém como
conseqüência de ações más livremente praticadas, nesta vida ou em vidas anteriores.
Igualmente, as situações felizes que vivemos não são obra de puro acaso, mas foram
preparadas por nós mesmos quando agimos de acordo com as recomendações
evangélicas, ou seja, quando fazemos o bem.
Não há um destino transcendente, que nos arraste em seu turbilhão, independentemente
do que sejamos ou façamos.{nota 5} O destino que existe é aquele que nós mesmos
construímos, e que podemos ir modificando a cada momento, no quadro das leis
naturais que regem o mundo. Esse ponto é expresso de forma muito feliz por Emmanuel
no capítulo "Fatalidade e livre-arbítrio" do livro Nascer e Renascer, do qual destacamos
os seguintes trechos:
É por isso que fatalidade e livre-arbítrio coexistem nos mínimos ângulos de nossa
jornada planetária.
Importa notar ainda que as leis naturais, ou divinas, têm por objetivo último o bem da
criatura. É fácil perceber, por exemplo, que as dores físicas conseqüentes a algumas de
nossas ações visam à preservação de nosso corpo. Assim, se não sentíssemos dor ao
tocar um objeto quente, não o soltaríamos imediatamente, resultando daí lesões graves
em nossa mão. De igual modo, as dores morais, e mesmo certas dores físicas sem causa
imediata, objetivam à nossa educação espiritual. Ajudam-nos a ver que, com nossas
ações, interferimos indebitamente na harmonia do Universo, violando as leis de amor
que nos devem guiar o comportamento frente aos homens e demais seres da criação.
A lei pode ser flexibilizada, porque seu objetivo é sempre educar, nunca punir. Se a
criatura já aprendeu a lição, reparou seu erro e está exercendo o amor, não mais precisa
continuar sofrendo. Sobre esse ponto, é oportuna a leitura da seção "Código penal da
vida futura", do capítulo 7 da primeira parte de O Céu e o Inferno, de Allan Kardec.
16o. O arrependimento é o primeiro passo para a melhora; mas só isso não basta, sendo
ainda precisas a expiação e a reparação.
Arrependimento, expiação e reparação são as três condições necessárias para apagar os
traços de uma falta e suas conseqüências.
O arrependimento suaviza as dores da expiação, ao dar esperança e preparar os
caminhos da reabilitação. Contudo, somente a reparação pode anular o efeito,
destruindo a causa; o perdão seria uma graça, e não uma anulação.
Saturnino Pereira sofre um acidente na fábrica onde trabalha, vindo a perder o polegar
direito. Seus colegas e amigos comentam a injustiça da ocorrência, dada a grande
dedicação de Saturnino ao bem de todos. Comparecendo à reunião mediúnica em que
colabora regularmente, um benfeitor espiritual espontaneamente lhe esclarece que, em
existência anterior, foi poderoso sitiante que, num momento de crueldade, puniu
barbaramente um pobre escravo, moendo-lhe o braço direito no engenho. Com o
despertar de sua consciência, atrozes remorsos torturaram-no no além-túmulo.
Deliberou então impor-se rigoroso aprendizado, programando um acidente para a futura
encarnação, no qual perderia o braço. No entanto, sua renovação para o bem,
testemunhada por suas ações, possibilitou que o acidente apenas lhe ocasionasse a perda
de um dedo.
Notas
1. Algumas idéias deste texto foram motivadas por palestra proferida por José Carlos
Angelo Cintra no âmbito da II Semana Espírita da Unicamp, promovida pelo Grupo de
Estudos Espíritas da Unicamp, em outubro de 1995. [volta]
5. Diante de certas ocorrências trágicas, é comum ouvir-se dizer que "tinham que
acontecer", que "estavam escritas". Essa opinião, que o Espiritismo mostra incorreta
quando generalizada, é analisada de forma interessante em Simonetti 1996. [volta]
Referências
• BORGES DE SOUZA, J. "Pesquisas e métodos", Reformador, abril de 1986, pp. 99-
101.
• CHAGAS, A. P. "O que é a ciência", Reformador, março de 1984, pp. 80-83 e 93-95.
• -----. "A Ciência confirma o Espiritismo?" Reformador, julho de 1995, pp. 208-11.
• -----. "Ciência espírita", Revista Internacional de Espiritismo, março de 1991, pp. 45-
52.
• KARDEC, A. Le Livre des Esprits. Paris, Dervy-Livres, s.d. (dépôt légal 1985). O
Livro dos Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro, 64a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita
Brasileira, s.d.
Artigos
“O que seria, no caso de Terry Schiavo, algo praticamente indolor?” indaga o filósofo e
professor da Universidade de São Paulo (USP), Renato Janine Ribeiro. Para ele, na
ciência, há um forte elemento amoral, ou seja, uma tendência de isentar-se de
julgamentos morais e manter-se neutra. Tal característica é oriunda do fato que seus
avanços, muitas vezes, já se confrontaram com valores considerados corretos pela
sociedade na qual ela está inserida e se desenvolvendo. Um exemplo significativo pode
ser situado nos primórdios dos chamados estudos científicos: “A ciência começou a
fazer anatomia quando isso era um pecado mortal, uma entre muitas coisas que a
religião desaprovava”, afirma. No entanto, Janine lembra que, embora a anatomia tenha
sido fundamental para o progresso da medicina, os estudos anatômicos também foram
feitos, por exemplo, em prisioneiros durante o século XVI: “Quando o rei Carlos IX, da
França, foi ferido em um torneio, o médico dele, Ambroise Paré, recebeu vários presos
condenados à morte para estudar possíveis tratamentos, e todos morreram nas
experiências”, afirma. Assim, “é muito difícil dizer que o que hoje a moral condena não
vá ser, dentro de um tempo, aceito”, completa.
Janine revela não ter uma opinião fechada sobre a eutanásia e que é cético em relação a
uma possível solução ou regra única para definir em quais casos o paciente tem direito a
morrer. Para ele, os cuidados médicos podem prolongar uma agonia por muito tempo ou
assegurar uma morte limpa e sem dor, mas a decisão sobre isso não pode ser do médico.
“Deve ser, em última análise, uma decisão da pessoa que há de viver ou morrer e, antes
disso, uma decisão da sociedade”, diz. Deste modo, Renato Janine aponta para a
necessidade de uma discussão ética sobre o assunto, incluindo os limites entre os
direitos sociais e individuais, nos mais variados casos em que a eutanásia é cogitada.
Nesse sentido, Siqueira Batista entende que uma das ponderações importantes para essa
discussão é a noção de finitude da vida, uma das marcas profundas da condição humana.
“Desde tempos imemoriais, vêm sendo desenvolvidos modos para se lidar com a
efemeridade da vida, como no caso das narrativas míticas gregas, por exemplo, nas
quais deuses e homens eram distinguidos pela sujeição à mortalidade”, explica.
Posteriormente, as religiões e a filosofia também desempenharam esse papel, e
atualmente ele também vem sendo exercido pela ciência. No contexto atual, é
imprescindível realçar a inserção da ciência como uma das modalidades de explicação
da realidade: “Ainda que se torne possível um prolongamento da vida, a questão da sua
finitude estará sempre enraizada na experiência humana de existir”, afirma. Segundo o
pensador, “tornar-se imortal representa, em última análise, abdicar de ser humano”,
completa.
Para Cruz, outra questão presente no discurso religioso que critica a eutanásia é a idéia
da inserção de cada indivíduo no fluxo da existência e da sociedade: “Esta concepção,
de certa forma, vai contra o postulado da modernidade da soberania do indivíduo em
tomar qualquer decisão”, afirma. Segundo o pesquisador, esse princípio não se restringe
ao âmbito religioso, pois o direito e a moral contemporâneos, já apresentam limites ao
poder de decisão do indivíduo. “Seja porque uma ação deste pode ter um impacto direto
na vida social, como roubar, por exemplo, seja porque, aos poucos, essas decisões
podem corroer o tecido social e o fluxo da natureza”, explica. Desse modo, o homem
que reivindica o direito à eutanásia, definido como um indivíduo em face de um
incômodo existencial, não deve ter sua vontade como único referencial: “Não há um
direito sagrado a uma existência sem problemas”, afirma.
http://www.comciencia.br/reportagens/2005/05/03.shtml
Artigos
O tema é de uma atualidade impressionante. Neste minuto uma alma foi impedida de
reencarnar. Alguém, em algum lugar do mundo, abortou. Enquanto nos demoramos
nesta abordagem necessariamente ligeira, dezenas de espíritos estarão sendo impedidos
de retornar ao proscênio da luta corporal.
O artigo 128, do Código Penal, diz que o aborto não é punível, apenas em duas
hipóteses.
Quando a mulher corre risco de vida. É o chamado aborto necessário. Sacrifica-se o ser
em formação, porque é uma expectativa de vida. Este postulado jurídico tem
consonância com o pensamento espírita. Se consultarmos a questão 359 de O livro dos
Espíritos, verificaremos que o aborto necessário, que se realiza para salvar a vida da
mãe, é moral. Tem perfeito amparo nos códigos soberanos da Justiça Divina e não é
contra a lei natural.
O Código Penal ainda diz que se a gravidez decorre de estupro, a mulher pode praticar o
abortamento, através de médico. É o chamado aborto sentimental.
Este caso não tem amparo nas leis morais. Não direi que a Doutrina Espírita é contra o
aborto sentimental. Direi que o aborto sentimental se opõe às leis morais. Porque não
sei se o Espiritismo é contra alguma coisa. O Espiritismo esclarece para libertar
consciências, mas a pessoa guarda certa relatividade na sua liberdade. Então não direi
que a Doutrina Espírita proíbe, direi que o aborto sentimental se opõe às leis morais.
Não é nada fácil para uma moça, uma mulher, trazer em sua cavidade uterina, na sua
intimidade, um ser gerado em situações não desejadas, imprevistas, violentas, fruto de
uma relação espúria, não nascido do amor, na entrega espontânea, buscada na plenitude
fisiológica, emocional, espiritual. E ficamos a imaginar que a mulher está grávida de um
estupro.
Eu atendi algumas mulheres estupradas. Pude perceber que elas são, até hoje, vivas-
mortas ou mortas-vivas, porque se aniquilaram emocional e espiritualmente. Incapazes
de nos olhar nos olhos. Sem coragem de enfrentar a vida com denodo, em virtude
daquela ação violenta. Mas se ela conseguir manter a gravidez e levá-la a termo, que
progresso extraordinário está realizando, estará se sublimando. Se isso não lhe for
factível, depois de nascida a criança que a dê em adoção, é melhor que abortar.
Tudo em nome da eugenia, (do grego eu, bem + genos, de origem, isto é, boa geração),
ciência criada no século passado por Francis que viveu de 1822 a 1911. Esta nova
ciência pretende o aperfeiçoamento físico, fisiológico e psicológico das raças. Há que se
matar todo o ser que apresente uma deformidade, uma anomalia qualquer. Esta proposta
não é nova no Brasil. Surgiu em 1984 através de portaria do Ministério da Saúde, mas
tem precedentes na França, na Inglaterra e em outros países da Europa.
Na segunda Guerra Mundial, com Adolfo Hitler, nós sabemos do extermínio de milhões
de pessoas em nome da eugenia, da etnia. Hitler anelava padronizar as pessoas
humanas. Os filmes, a literatura, mostram as experiências que eram feitas para que
todos tivessem olhos azuis ou verdes, e milhares de criaturas foram cegas e mortas em
nome desta eugenia, etnia, cujo objetivo era a padronização das raças. O extremo da
eugenia poderia levar muitas pessoas à morte por não alcançarem os padrões de estética,
de plástica. Se alguém não estivesse dentro das regras de beleza, poderia ser morto.
O que teria sido do nosso Aleijadinho e de todos os nomes ilustres da nossa história e
mesmo dentro da Doutrina Espírita, como Jerônimo Mendonça, Hellen Keller, este
exemplo para a humanidade, surda, cega, muda, realizou um trabalho notável.
Hellen Keller soube que uma professora estava ensinando surdos e mudos a falar, e ela
se interessou. Foi ter com Anne Sullivan que colocava o seu dedo na boca de Hellen
Keller e colocava o dedo de Hellen na sua boca. Emitia sons e a discípula não ouvia,
mas sentia a ressonância do som na boca de Anne Sullivan. Em uma semana a jovem já
estava falando e disse: "Eu já não sou mais muda, já posso falar", e foi lutando a vida
inteira contra as suas deficiências físicas. Viajou o mundo fazendo palestras e hoje se
manifesta aqui, ali, alhures, livre das amarras físicas, demonstrando que as limitações
são do corpo e não da alma.
Estes genes, com o passar dos tempos, podem sofrer uma mutação, uma transformação,
dando origem a uma doença genética. Pela terapia genética, assim como se faz um
transplante de rim, de coração, pode-se introduzir genes saudáveis no organismo, em
substituição aos genes doentes. Se o feto for portador de alguma anomalia, haverá a
possibilidade de se reverter o quadro por esse processo e, assim, poderá ser evitado o
aborto.
A questão 692 de O Livro dos Espíritos mostra quão atual é este livro. Só não tem a
expressão eugênica, que é um neologismo.
A terapia gênica tem amparo moral. É perfeitamente factível, mas sabemos que
também poderão ocorrer abusos, principalmente com os animais: ratos, camundongos,
que servem à pesquisa científica.
A deficiência física ou mental é reflexo das vidas anteriores. O espírito é que tem a
deficiência. O corpo funciona como uma esponja, um escafandro e serve para limpar as
impurezas.
Estamos aqui por pouco tempo e por mais que o corpo nos faça sofrer, que esteja
doente, vai permitir ao espírito uma libertação.
E eu pergunto. O que é saúde? O que é doença? A definição será tão simples como
parece? Chico Xavier, do ponto de vista físico, é considerado uma pessoa extremamente
doente, no entanto, tem uma saúde espiritual de ferro. Hitler, perfeitamente saudável.
Era vegetariano e Chico alimenta-se de carne, só para mostrar a relatividade das coisas.
O que é saúde, então? E como diz Jerônimo Mendonça "a doença do corpo trabalha a
saúde da alma".
Nem toda doença, porém, tem origens cármicas. André Luiz relata, num dos seus
livros, o caso de uma jovem que reencarnaria num corpo escultural. Temerosa de que
poderia "escorregar" de novo, pediu um “defeitozinho” para que não corresse o mesmo
risco.
Muitas vezes, como diz Nancy Puhlmann di Girolamo, em seu livro “O castelo das aves
feridas", existem espíritos que amam os excepcionais e pedem para vir excepcionais e
servirem de cobaias de experiências científicas. Eles, que nada devem, auxiliam os que
têm débito no passado.
E como explicar a cegueira deste homem? É provável que ele já era cristão antes de
reencarnar e estava planejado de vir cego e ser curado pelo Mestre para contribuir a que
os céticos cressem em Jesus. Muitos têm a missão de despertar os outros.
O câncer, a AIDS, as deficiências estão na alma. Se a lei a que me referi for aprovada,
consentindo o aborto eugênico, a Lei a Deus terá outras formas para se cumprir. Uma
criança pode nascer sã, mas nos primeiros passos, num tombo bobo, torna-se deficiente.
E não vai se matar um filho com um ano ou dois.
Porque hoje somos valorizados pelo que temos, ou que carregamos, ou pela nossa
beleza plástica, ou pela apresentação.
Se a minha filha veio para ficar, ela vai ficar. Não conto para despertar compaixão, mas
para dizer que um filho excepcional é um excepcional filho.
> O Pensamento
Artigos
Entretanto, nascida em berço europeu, a Doutrina Espírita fez surgir, sobretudo pelas
vias da razão, um novo conceito daquilo que reputamos como sendo o mais importante
atributo do Espírito.
A questão 833 de O Livro dos Espíritos nos esclarece que é pelo pensamento que o
homem desfruta de uma liberdade sem limites. A problemática que então se
estabelece é a de não avaliarmos, com total exatidão, a verdadeira amplitude das
conseqüências de nossas produções mentais.
Importante ressaltar que, em virtude das ondas emitidas por sua mente, o homem se
mantém enclausurado nas zonas inferiores da vida carnal, acometido por diversos
males, de ordem física e psíquica, decorrentes das vibrações deletérias com as quais se
ajusta.
Todavia, é também a partir do pensamento que todos nós, seres eternos que somos, nos
candidatamos aos mais altos vôos em direção ao sublime caminho de luz que nos
cumpre trilhar.
Ademais, bem sabemos que toda vibração, de qualquer matiz, ao ser lançada no espaço,
certamente há de influenciar tantos outros seres, encarnados e desencarnados, que,
conscientemente ou não, nutrir-se-ão das mesmas emanações, num fenômeno natural de
afinização.
Lembremo-nos, finalmente, que a tão falada reforma íntima, que se traduz por constante
renovação de atitudes, inicia-se, incontestavelmente, pela reformulação lenta e
gradual de nossa vida mental.
Artigo publicado originalmente no Jornal "A Senda", Vitória, Espírito Santo, em edição
de Fevereiro de 2003
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http://www.ieja.org/portugues/p_index.htm
Artigos
Como este texto pretendemos abrir caminho para discussões e exposições de fatos
incontestavelmente mediúnicos, seja na exposição de obras da literatura clássica, seja no
processo de sua escrita.
É bem conhecida a importância dos poetas e literatos de todas as épocas sobre a religião
e a cultura. Muitas vezes são indivíduos positivamente inspirados, além de trazerem
grande bagagem de conquistas na área da sensibilidade e da memória, como
freqûentemente ocorre entre artistas. A vantagem da literatura está em que este campo
da Arte situa-se na fronteira entre a pura Arte, de um lado, e as Ciências Humanas e a
Filosofia, de outro. O argumento, portanto, está presente na grande obra literária, a
discursividade, a exposição mais ou menos racional dos temas, enfim, elementos que
pôem a Literatura em condição privilegiada para a transmissão de uma mensagem, mais
do que apenas um sentimento.
Sob o termo literatura também se englobam relatos menos artísticos, ensaios e trabalhos
de caráter mais teórico, de modo que os diálogos de Platão (428/427-348/347 a.C.) ou
os livros da Bíblia estão perfeitamente inseridos sob este termo.
Uma boa mostra da forte presença da mediunidade entre os gregos, e que nos ajuda a
compreender como eles tinham consciência do fenômeno, é a passagem do diálogo
platônico Timeu, onde os ministros do Deus Supremo, os deuses menores ou
"demônios", deveriam seguir a ordem de criar o corpo humano de modo que ele fosse o
mais próximo possível do Deus Supremo. Neste próposito, deram ao homem um órgão
(supostamente o fígado) que percebe a inspiração divina, destacando-se que a inspiração
não acomete aos homens mais sábios, mas aos mais tolos ou que parecem loucos:
Nenhum homem em sua sobriedade atinge o estado de inspiração divina profética, mas
quando ele recebe a palavra profética, ou a sua inteligência é afastada pela dormência,
ou ela se torna equívoca pelo estado de posssessão, e aquele que quiser interpretar as
palavras divinas, seja obtidas em sonho ou acordado, ou determinar racionalmente o
significado das visões de aparições, compreendendo os resultados destes fenômenos
para o bem ou o mal dos homens, no passado, presente ou futuro, deve primeiramente
recuperar sua sobriedade.
Nem sempre um homem se lembra daquilo que disse em estado profético, de modo que
é conveniente haver uma ou mais testemunhas durante a profecia e as visões. Assim,
aqueles que estão em seu estado de perfeita sobriedade, podem interpretar melhor a
narrativa daqueles que estiverem inspirados.
(http://www.classicallibrary.org/plato/dialogues/17_Timaeus.htm)
Observa-se claramente que Platão não está defendendo um argumento, está meramente
descrevendo um fato, tal era a naturalidade com que lidava com fenômenos deste tipo.
E assim Deus arrebata a mente dos poetas, e os utiliza como seus ministros, assim como
também usa adivinhos e os santos profetas, de modo que nós que os escutamos sabemos
que a sua fala não provém deles, e eles não pronunciam palavras vazias neste estado de
inconsciência, mas é o próprio Deus quem fala, e através deles Ele conversa conosco.
(http://www.classicallibrary.org/plato/dialogues/8_Ion.htm)
Lembramos também que era costume entre os gregos consultar as pítias (ou pitonisas),
seja no famoso oráculo de Delfos, seja em lugares e seitas menos famosos. Os relatos de
Heródoto (482-420 a.C) e a literatura grega deixam a entender que as sacerdotisas do
templo profetizavam tanto por "encomenda" quanto espontaneamente.
Também não nos perderemos na imensidão dos relatos mitológicos, que entre uma
fantasia e outra sugerem fenômenos de vista mediúnica, incorporação, previsões, etc.;
nem na evidência direta da inspiração através das "musas". Atentamos tão somente, a
título de exemplo, à obra madura de Homero (c.850 a.C), a Odisséia, onde ele dá
importantes indícios de que as práticas mediúnicas lhe eram comuns.
No Canto XI, quando Odisseu (ou Ulisses) tem de descer ao Hades, ele encontra a
sombra de sua mãe. Após as apresentações e explicações necessárias o herói tenta
abraçá-la três vzes, e não a podia tocar, percebendo que ela se desvanecia como uma
sombra ou como se fora "feita de sonho". Indignado, ele pergunta à mãe o que ocorre, e
ela lhe responde:
(...) Está é a condição de todo homem mortal quando morre, pois os nervos já não unem
mais carne e ossos:
A potente energia do fogo o consome todo quando toda a vida abandona a branca
ossada e o princípio vital se nos torna o mesmo que um sonho.
Mas procura volver o quanto antes à luz, e recorda de tudo isto, de modo que possa
contá-lo à tua esposa.
(Homero, Odisea. Buenos Aires: Planeta, 2007. p. 195)
Por fim, não é menos importante, embora sutil, a recomendação da mãe de Odisseu para
que ele "conte à esposa" o que se passou. É o caráter prático da comunicação, e denota o
interesse caritativo do Espírito em instruir e alertar os encarnados. Em toda a literatura,
seja a mais artística ou mais ensaística, os relatos mediúnicos geralmente recomendam a
divulgação ou a transmissão da informação a outros. Só em raríssimos casos, quando a
informação envolve riscos para alguém, há recomendações para que se mantenha o
segredo.
A obra de Homero tem duas grandes vantagens: a de ser uma obra de formação da
própria cultura helênica, estabelecendo paradigmas da própria religião a partir daí, e a
de expressar um virtuosismo literário até hoje admirável, dando idéia de quão
impressionante deve ter sido para a Grécia num momento em que ela sequer havia
estabelecido a sua civilização.
Por este motivo, a Odisséia tem a prerrogativa de haver despertado as intuições latentes
de inúmeros outros pensadores e artistas, os quais a partir de então estariam sempre
mais próximos de semelhante viagem ao mundo dos mortos.
Artigos
“Vim separar de seu pai o filho, de sua mãe a filha, de sua sogra
a nora; e o homem terá por inimigos os de sua própria casa”.
- Jesus. (Mt.; 10:35.36.)
Como toda escola de pensamento, o Espiritismo tem seus adeptos e contraditores, isto é,
criaturas que o acoroçoam e outras que tem por inimigas...
Jesus foi e ainda é o Grande Incompreendido pelos que se consideram cristãos, vez que
não obstante, sendo Sua a Lei de amor, na verdade, paradoxalmente, a cizânia é que é
praticada em larga escala.
Sócrates, que viveu milênios à frente de seu tempo foi obrigado a beber cicuta; e assim
sempre aconteceu com os Espíritos de vanguarda que aqui aportaram para fazer com
que a Humanidade avançasse na senda do progresso.
Allan Kardec tem sido o grande incompreendido tanto pelos não espíritas quanto pelos
espíritas propriamente ditos. E, em conseqüência, o Espiritismo também não tem tido
melhor sorte...
Herculano Pires, atento a essas questões, oferece-nos uma explicação lógica e clara para
a existência das cizânias e dissidências. Segundo esse grande escritor espírita este
estado de coisas se deve ao fato de que o Espiritismo é uma doutrina do futuro, e como
tal, não foi ainda devidamente assimilada pelas criaturas; daí as incompreensões que
campeiam por todos os lados e até mesmo a explicação do absurdo dos absurdos que é a
incompreensível e antecipadamente malograda tentativa de “atualização de Kardec”
perpetrada por alguns “entendidos” (!?)
Qual o motivo, então, por que os próprios adeptos do Espiritismo, ainda hoje, divergem,
no tocante a questões doutrinárias de importância? E qual o motivo por que os não-
espíritas continuam a tratar o Espiritismo com a maior incompreensão? Note-se que não
nos referimos aos adversários, pois estes têm a sua razão, mas aos “não-espíritas”.
Parece-nos que a explicação, para os dois casos, é a mesma. O Espiritismo é uma
doutrina do futuro. À maneira do Cristianismo, abre caminho no mundo, enfrentando a
incompreensão de adeptos e não-adeptos.
Ditosos os que hajam dito a seus irmãos: “Trabalhemos juntos e unamos os nossos
esforços, a fim de que o Senhor, ao chegar, encontre acabada a obra”, porquanto o
Senhor lhes dirá: “Vinde a mim, vós que sois bons servidores, vós que soubestes impor
silêncio aos vossos ciúmes e às vossas discórdias, a fim de que daí não viesse dano para
a obra!” Mas, ai daqueles que, por efeito das suas dissensões, houverem retardado a
hora da colheita, pois a tempestade virá e eles serão levados no turbilhão! Clamarão:
“Graça! graça!” O Senhor, porém, lhes dirá: “Como implorais graças, vós que não
tivestes piedade dos vossos irmãos e que vos negastes a estender-lhes as mãos, que
esmagastes o fraco, em vez de o amparardes? Como suplicais graças, vós que buscastes
a vossa recompensa nos gozos da Terra e na satisfação do vosso orgulho? Já recebestes
a vossa recompensa, tal qual a quisestes. Nada mais vos cabe pedir; as recompensas
celestes são para os que não tenham buscado as recompensas da Terra.”
Deus procede, neste momento, ao censo dos seus servidores fiéis e já marcou com o
dedo aqueles cujo devotamento é apenas aparente, a fim de que não usurpem o salário
dos servidores animosos, pois aos que não recuarem diante de suas tarefas é que ele vai
confiar os postos mais difíceis na grande obra da regeneração pelo Espiritismo.
Cumprir-se-ão estas palavras: “Os primeiros serão os últimos e os últimos serão os
primeiros no reino dos céus.”
Segundo Fénelon[3],
(...) As criaturas que se acham imbuídas dos verdadeiros princípios do Espiritismo vêem
unicamente irmãos em todos os espíritas, e não rivais. Os que se mostrassem ciosos de
outros grupos provariam existir-lhes no íntimo uma segunda intenção, ou o sentimento
do amor próprio, e que não os guia o amor da verdade. Afirmo que, se essas pessoas se
achassem entre vós, logo semeariam no vosso grupo a discórdia e a desunião. O
verdadeiro Espiritismo tem por divisa benevolência e caridade. Não admite qualquer
rivalidade, a não ser a do bem que todos podem fazer. Todos os grupos que inscreverem
essa divisa em suas bandeiras estenderão uns aos outros as mãos, como bons vizinhos,
que não são menos amigos pelo fato de não habitarem a mesma casa.
Os que pretendam que os seus guias são Espíritos melhores que os dos outros deverão
prová-lo, mostrando melhores sentimentos. Haja, pois, luta entre eles, mas luta de
grandeza d`alma, de abnegação, de bondade e de humildade. O que atirar pedra a outro
provará, por esse simples fato, que se acha influenciado por maus Espíritos. A natureza
dos sentimentos recíprocos que dois homens manifestem é a pedra de toque para se
conhecer a natureza dos Espíritos que os assistem”.
“O Espiritismo deve ser uma égide contra o espírito de discórdia e de dissensão; mas,
esse espírito, desde todos os tempos, vem brandindo o seu facho sobre os humanos,
porque cioso ele é da ventura que a paz e a união proporcionam.
Espíritas! Bem pode ele, portanto, penetrar nas vossas assembléias e, não duvideis,
procurará semear entre vós a desafeição. Impotente, porém, será contra os que tenham a
animá-los o sentimento da verdadeira caridade. Estai, pois, em guarda e vigiai
incessantemente à porta do vosso coração, como à das vossas reuniões, para que o
inimigo não a penetre. Se forem vãos os vossos esforços contra o de fora, sempre de vós
dependerá impedir-lhe o acesso em vossa alma. Se dissensões entre vós se produzirem,
só por maus Espíritos poderão ser suscitadas.
Mostrem-se, por conseguinte, mais pacientes, mais dignos e mais conciliadores aqueles
que no mais alto grau se achem penetrados dos sentimentos dos deveres que lhes impõe
a urbanidade, tanto quanto o vero Espiritismo. Pode dar-se que, às vezes, os bons
Espíritos permitam essas lutas, para facultarem, assim aos bons, como aos maus
sentimentos, ensejo de se revelarem, a fim de separar-se o trigo do joio.
Eles, porém, estarão sempre do lado onde houver mais humildade e verdadeira
caridade”.
[3] - Kardec, A. “O Livro dos Médiuns” – 2ª parte - Capítulo XXXI, tomo XXII, § 2º e
3º.
[4] - Kardec, A. “O Livro dos Médiuns” – 2ª parte - Capítulo XXXI, tomo XXVI,
http://www.ajornada.hpg.ig.com.br/colunistas/rogeriocoelho/rc-0003.htm
Artigos
Deus, cuja ciência infinita abrange todas as coisas, conhece a natureza íntima de cada
homem e as impulsões, as tendências, de acordo com as quais poderá determinar-se.
Nós mesmos, conhecendo o caráter de uma pessoa, poderíamos facilmente prever o
sentido em que, numa dada circunstância, ela decidirá, quer segundo o interesse, quer
segundo o dever. Uma resolução não poderá nascer de nada. Está forçosamente ligada a
uma série de causas e efeitos anteriores de que deriva e que a explicam. Deus,
conhecendo cada alma em suas menores particularidades, pode, pois, rigorosamente,
deduzir, com certeza, do conhecimento que tem dessa alma e das condições em que ela
é chamada a agir, as determinações que, livremente, ela tomará.
Notemos que não é a previsão de nossos atos que os provoca. Se Deus não pudesse
prever nossas resoluções, não deixariam elas, por isso, de seguir seu livre curso. É assim
que a liberdade humana e a previdência divina conciliam-se e combinam, quando se
considera o problema à luz da razão.
(...) A liberdade é a condição necessária da alma humana que, sem ela, não poderia
construir seu destino. É em vão que os filósofos e os teólogos têm argumentado
longamente a respeito desta questão. À porfia tem-na obscurecido com suas teorias e
sofismas, votando a Humanidade à servidão em vez de a guiar para a luz libertadora. A
noção é simples e clara. Os druidas haviam-na formulado desde os primeiros tempos de
nossa História. Está expressa nas “Tríades” por estes termos:
Para todo Espírito, por menor que seja o seu grau de evolução, a Lei do dever brilha
como um farol, através da névoa das paixões e interesses. Por isso, vemos todos os dias
homens nas posições mais humildes e difíceis preferirem aceitar provações duras a se
abaixarem a cometer atos indignos.
Isto só se pode obter por uma educação e uma preparação prolongada das faculdades
humanas: libertação física pela limitação dos apetites; libertação intelectual pela
conquista da verdade; libertação moral pela procura da virtude. É esta a obra dos
séculos.”
Allan Kardec publicou na “Revue Spirite” de outubro de 1863 uma página mediúnica,
onde um Espírito familiar narra possuir o Universo uma grande lei que domina tudo: A
Lei do Progresso.
“É em virtude dessa lei” – ensina o Espírito, na obra citada – “que o homem, criatura
essencialmente imperfeita, deve, como tudo quanto existe em nosso globo, percorrer as
fases que o separam da perfeição. Sem dúvida, Deus sabe quanto tempo cada um levará
para chegar ao fim; como, porém, todo progresso deve resultar de um esforço tentado
para o realizar, não haveria nenhum mérito se o homem não tivesse a liberdade de tomar
este ou aquele caminho.
Não se poderia afirmar sem blasfêmia, que Deus tenha querido a infelicidade de Suas
criaturas, desde que os infelizes expiam sempre, tanto uma Vida anterior mal
empregada, quanto sua recusa a seguir o bom caminho, quando este lhe era mostrado
claramente. Assim, depende de cada um abreviar a prova que deve sofrer; e, por isto, os
guias seguros, bastante numerosos, lhe são concedidos, para que seja inteiramente
responsável por sua recusa de seguir seus conselhos. O livre-arbítrio existe, pois, muito
realmente no homem, mas com um guia: a consciência.
Vós todos que tendes acesso ao grande foco na nova ciência, (o Espírito refere-se ao
Espiritismo), não negligencieis de vos penetrar das eloqüentes verdades que ela vos
revela, e dos admiráveis princípios que são a sua consciência.
Penetrai-vos de todos os preceitos que vos chegam do Mundo Espírita Superior e assim
tereis contribuído em larga parte para a realização dos desígnios da Providência.”
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http://www.ieja.org/portugues/Estudos/Artigos
Artigos
Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos e eu vos aliviarei.
Jesus. (Mt., 11:28.)
Hoje em dia, com a explosão demográfica e o novo status-quo vigente, isto é, a Vida
interpessoal, deixando aquela característica pachorrenta e morigerada dos velhos tempos
de nossos avoengos para o frenesi e desassossego da atualidade, a palavra stress
transcendeu sua etimologia e emprego inicial e hoje é sinônimo do mal do século.
O stress tem motivado a maior parte das doenças que acometem o homem
moderno...
José M. Martins que fez doutorado em Psicologia Clínica nos U.S. afirma:
(...) Ao longo de sua Vida o homem moderno vai se repletando de lixo psicológico, ou
seja: acumula na intimidade da personalidade situações psicológicas não equacionadas
que, num processo de somatização provocam, a longo prazo, a implosão do stress.
O corpo humano possui defesas naturais para situações de conflito, mas são defesas que
têm as suas limitações. O arsenal defensivo presto se esgota e o indivíduo fica à mercê
dos desgastes perniciosos.
(...) é uma resposta de alerta diante de uma ameaça: O coração dispara, o sangue foge
das superfícies (colapso periférico) e a criatura fica pronta para atacar ou fugir como o
homem primitivo ficava diante das feras. Há descarga de hormônios no organismo, a
musculatura fica tensa, pronta para a ação. O organismo tem um dispositivo automático
regulador do desarme dessa tensão, mas se a situação se repete com muita freqüência,
sem a respectiva resposta do esgotamento da tensão, o stress se torna crônico e daí
surgem as doenças.
Eliminar ou diminuir o stress nem sempre significa descansar, tirar férias, segundo
ensina o psicólogo:
Há que se permitir - cada um - o seu momento de stacato. Temos que ter a nossa ilha de
sossego interno; parar as correrias, as azáfamas...
Quando, porém, toda a nossa munição foi gasta e o desassossego íntimo continua;
quando não estamos mais sabendo lidar conosco mesmos, recorramos a Jesus, o Médico
das Almas, lembrando-nos de Suas consoladoras palavras: Vinde a mim, todos que
estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei.
(...) A mente humana cria mecanismos de defesa para seguir as tendências arquetípicas,
face à necessidade de manutenção do complexo do ego, que, ao longo do processo
evolutivo, vai se estruturando com muita autonomia, e, enquanto não se encontra
fortalecido, evita o desabrochar da verdadeira personalidade que é o Espírito imortal.
A própria Vida nos ensina que devemos encontrar nossa via pessoal, que se constitui na
descoberta do próprio caminho traçado por Deus. Essa via é o fio condutor de nossas
Vidas. Somos como a seta do arqueiro que não sabe em que direção vai, mas ela é
previamente estabelecida e obedece ao impulso inicial de ir sempre para a frente.
Disse Jesus: Todo aquele, pois, que ouve as minhas palavras e as pratica, será
comparado a um homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha.
Certamente que Seu objetivo não é nos ensinar técnicas de construção de fundação de
casas. Ele apenas se utiliza de uma comparação de solidez da rocha à maturidade de
quem segue e pratica os Seus ensinamentos.
Do ponto de vista psicológico, percebe-se que Ele nos leva à base do psiquismo
humano, trazendo-nos a necessidade de perceber a dialética entre a prática e a teoria.
Construir a casa sobre a rocha equipara-se a construir, na consciência, um ego
estruturado sobre a segura orientação do Self. A consolidação do ego como agente
consciente do Self é fundamental ao progresso espiritual. Colocar o ego em sintonia
com o Self equivale a descobrir os propósitos da encarnação, isto é, o por quê e o para
quê se está encarnado.
Construir a casa sobre a rocha equivale a dizer que o processo é interno, e não externo, é
profundo, e não superficial.
(1) Adenáuer Marcos Ferraz de Novaes Psicologia do Evangelho Cap. 18, Ed. Fundação
Lar Harmonia
http://www.espirito.org.br/portal/artigos/geae/as-tensoes-nossas.html
... Rogério Coelho
Artigos
“(...) O Espiritismo vem, a seu turno, fazer o que cada ciência fez no seu advento:
revelar novas leis e explicar os fenômenos na alçada dessas leis”.
Allan Kardec
Os prodígios e os milagres não são, pois, o privilégio exclusivo da verdade, uma vez
que o próprio diabo pode fazê-los.
(...) Considerai o Espiritismo, se o quiserdes, não como uma revelação divina, mas
como a expressão de uma opinião pessoal, a tal ou tal Espírito, a questão é saber se ela é
boa ou má, justa ou falsa, racional ou ilógica. A que se reportar para isso? É ao
julgamento de um indivíduo? De alguns indivíduos mesmo? Não; porque, dominados
pelos preconceitos, as idéias preconcebidas, ou os interesses pessoais, podem se
enganar. O único, o verdadeiro juiz, é o público, porque ali não há o interesse de
associação. Além disso, nas massas há um bom senso inato que não se engana. A lógica
sã diz que a adoção de uma idéia, ou de um princípio, pela opinião geral, é uma prova
de que ela repousa sobre um fundo de verdade.
Os Espíritas não dizem, pois: "Eis uma doutrina saída da boca do próprio Deus,
revelada a um único homem por meios prodigiosos, e que é preciso impor ao gênero
humano." Eles dizem, ao contrário: "Eis uma doutrina que não é nossa, e da qual não
reivindicamos o mérito; nós a adotamos porque a achamos racional. Abribuí-lhe a
origem que quiserdes: de Deus, dos Espíritos ou dos homens; examinai-a; se ela vos
convém, adotai-a; caso contrário, ponde-a de lado."
O Espiritismo não vem, pois, intrometer-se na religião; ele não se impõe; não vem
forçar a consciência, não mais dos católicos do que dos protestantes, dos judeus; ele se
apresenta e diz: "Adotai-me, se me achais bom."
Pergunta-se sobre que milagre nós nos apoiamos para crer a Doutrina Espírita boa. Nós
a cremos boa, não só porque é nossa opinião, mas porque milhões de outros pensam
como nós; porque ela conduz a crer aqueles que não crêem; dá coragem nas misérias da
vida. O milagre?! É a rapidez de sua propagação, estranha nos fastos das doutrinas
filosóficas; foi por ter, em alguns anos, feito a volta ao mundo, e estar implantada em
todos os países e em todas as classes da sociedade; foi por ter progredido, apesar de
tudo o que se fez para detê-la, de ultrapassar as barreiras que se lhe opôs; de encontrar
um acréscimo de forças nas próprias barreiras. Está aí o caráter de uma utopia? Uma
idéia falsa pode encontrar alguns partidários, mas nunca tem senão uma existência
efêmera e circunscrita; perde terreno em lugar de ganhá-lo, ao passo que o Espiritismo
ganha-o em lugar de perdê-lo. Quando é visto germinar por todas as partes, acolhido por
toda a parte como um benefício da Providência, é que ali está o dedo da Providência; eis
o verdadeiro milagre, e nós o cremos suficiente para assegurar o seu futuro.
1- KARDEC, Allan. A Gênese. 43.ed. Rio de Janeiro: FEB, 2003, cap. XIII, item 4, §
1º.
http://www.oclarim.com.br/revista/texto_2/texto_2.html
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Um Dia Num Terreiro de Umbanda
Uns mais efusivos que outros como ocorre em todo grupo, todos se
cumprimentam alegremente.
- Mas Mãe, nem quando ela chega aqui ela fala com a gente direito...
Entra muda e sai calada. Assim fica difícil fazer amizade com ela.
- Ela é tímida. Não lhe passou pela cabeça que a sua forma
de aproximação pode assustá-la ou afastá-la? Menos julgamento,
meu filho e mais amor...
- Esse Caboclo tá muito satisfeito com o que seu aparelho vem fazendo
com minha filha. Ela precisa de muita orientação e amparo. Não
permita que turvem os olhos e o coração do seu aparelho com
maledicências...
Ao ver que Dora havia incorporado, Rodrigo sente aumentar ainda mais a
sua inveja... e pensa "Agora que ela vai ter mais atenção
mesmo... se sem incorporar nada já recebia atenção... agora
então..." Rodrigo tenta em vão escutar o que os Caboclos
estão dizendo. A sua ansiedade não permitiu que ele mesmo
incorporasse seu enviado de Oxoce. Desequilibrou-se e acabou ficando sem
receber as irradiações maravilhosas de seu guia, que tenta
exaustivamente chamá-lo a razão, dizendo a seu ouvido:
- Meu filho, reflita no real motivo que se empenha tanto em ajudar na
Casa. É por humildade ou para "aparecer". A Mãe tem que
zelar por todos igualmente e é óbvio que irá se preocupar com
os que mais necessitam. Abranda o teu coração e sossega teu
pensamento para que possa fazer o que devia ser o teu primeiro objetivo
aqui... praticar a caridade servindo de aparelho para mim e a tua Banda
toda...
O Caboclo Chefe, Sr. Pena Branca, foi avisado pelos guardiões o que
estava se passando. Ele olhou Rodrigo que de tão cego que estava
não percebeu o olhar do Caboclo. O sr. Pena Branca avançou em
direção a Rodrigo que cantava pontos sem prestar a menor atenção a
o que estava acontecendo a sua volta, pois o seu olhar estava fixo sobre
Dora incorporada. Quando deu por conta, Sr. Pena Branca estava na sua
frente... e falou:
- Mas eu não estou sentindo a vibração dele... acho que não vem
hoje...
- Ele está do seu lado! Sempre! Ele tem compromisso com você e com
a Casa. Você é que está preocupado com coisa que não é
para se preocupar e nem saber. Coisa que não deveria ser do seu
interesse. Cuida do teu e do que veio fazer aqui!
Os dois conversam. O Sr. Pena Branca pede que seja enérgico com
Rodrigo. Que o oriente a deixar os assuntos que não sejam de sua
alçada fora de seus pensamentos. Que não seja intransigente com os
irmãos, que controle a sua curiosidade e julgue menos. Que veja todos
os irmãos iguais e que se conscientize do seu papel dentro do
terreiro e dentro da Umbanda.
O Caboclo Flecheiro promete que irá continuar trabalhando mas que
Rodrigo tem o seu livre arbítrio e pede ajuda nessa tarefa. O Sr.
Pena Branca promete interceder também.
- Viu minha filha? Todos nós passamos por isso, sentimos esse medo,
essa insegurança... só que alguns esquecem que um dia foram
inseguros e tiveram seus problemas também.
A Mãe no Santo sorri. Mais uma lição havia sido aprendida por
aquele filho tão querido. Ela volta-se para o Congá e sorri ao
olhar a imagem de seu Caboclo e em pensamento diz: "Obrigada Pai!
Obrigada Umbanda pela oportunidade do aprendizado constante!"
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"E haverá no mundo uma religião única, bela e digna de Deus, dirigida pela ‘A
Verdade’. Os seus fundamentos já foram lavrados".
Comunicação recebida pela mediunidade da menina Ruth, uma das quatro sensitivas
adolescentes que serviram de instrumentos para o recebimento de O Livro dos Espíritos,
cujas informações, transmitidas pelos Espíritos Superiores, foram compiladas por Allan
Kardec.
Allan Kardec, embora tido pelos espíritas como um missionário, jamais se proclamou
como tal. Sua doutrina não é produto de uma tese pessoal, de cunho personalista,
elaborada por revelação em algum "lugar santo", isolado, após alguma superexperiência
mística e solitária, totalmente subjetiva.
Sua mensagem não tem caráter dúbio, secreto, iniciático, simbólico, ainda que em sua
essência estejam elementos do conhecimento perdido das antigas escolas de mistério,
outrora revelado por luminares guardiões desse conhecimento espiritual, cuja
disseminação perpetuava-se de boca a ouvido, à meia luz dos grandes templos de
mistérios de todas as grandes civilizações do passado.
Seu corpo doutrinário é exposto de forma exotérica (exposto ao público e não esotérica
= fechada dentro de um grupo) e didática, desmistificando a aura de mistério, de
sobrenatural e maravilhoso que tanto impressiona os incautos, mas que também fascina
os orgulhosos e manipuladores do bom-senso.
b - Pessoas bem intencionadas, porém, presas a dogmas de fé, ainda inaptas a apreender
a essência abrangente de sua mensagem. São sinceros em suas convicções, embora estas
sejam frágeis, embasadas na fé cega e no comportamento imediatista, hiperatrofiado
pelo excessivo enfoque ao culto exterior.
Allan Kardec traz uma mensagem libertadora. Uma revelação interessantíssima, com
impacto direto sobre o coração, pelas vias do raciocínio, a todo ser humano não
preconceituoso, com ouvidos para ouvi-la e disposição para estudá-la, discerni-la, senti-
la, praticá-la, para só assim, então, começar a compreendê-la.
Aquele que hoje conhecemos pelo nome de Allan Kardec chamava-se Hippolyte Léon
Denizard Rivail. Nascido em Lyon, França, às 19h do dia 3 de outubro de 1804, era
filho de antiga família lionesa, católica, nobre e de tradição. Foram seus pais Jean-
Baptiste Antoine Rivail, respeitável advogado e juiz do tribunal de Lyon, e Jeanne
Louise Duhamel.
Era um menino simpático e robusto, de testa ampla, olhos cinzentos, bem claros, quase
azuis e de grande vivacidade. Tranqüilo e moderado, seu temperamento equilibrado
denotava personalidade enérgica e perseverante.
O pequeno Rivail nasceu em uma época de graves agitações políticas, conflitos sociais e
religiosos, não apenas na França, mas em todo o mundo. Era a época de Napoleão I. Os
franceses sofriam o peso de intermináveis chacinas e toda a Europa se transformara em
sangrento campo de batalha.
Em razão dos abusos desses sacerdotes, que jamais esconderam sua predileção por
César, além de suas superficiais interpretações teológicas que unicamente fomentavam
o culto exterior, os homens do povo se revoltavam e os mais cultos passavam a duvidar
das realidades espirituais.
Rivail amava sua querida Lyon. Sentia prazer em visitar as velhas ruínas e os lugares
tradicionais da cidade que fora, outrora, a capital da Gália Romana.
Assim, seus olhos mergulhavam num tempo perdido e insondável, naquela presente e,
ao mesmo tempo, distante terra dos gauleses, tida pelos antigos autores, Lucano,
Horácio e Florus como "depositária dos mistérios do nascimento e da morte..."
Aos 12 anos, Rivail concluiria seus estudos em sua amada Lyon. Seus pais, desejosos
em lhe oferecer boa educação, vivendo o clima das lutas religiosas reinantes na França
de então, entenderam por bem confiar o único filho ao famoso educador Johann
Heinrich Pestalozzi, o mais sábio, respeitado e célebre professor daquele tempo,
precursor da moderna educação, da chamada "escola ativa" e fundador da primeira
escola profissional do mundo, na Suíça.
Foi na atmosfera inspiradora e pacífica deste velho castelo que Rivail conviveu com seu
educador durante oito anos, preparando-se para o magistério. Dele absorveu a bondade e
a sabedoria proveniente de seu espírito superior, cujo coração grandioso abrigava com
carinho e afeto as crianças ricas, mas também as pobres, fazendo de seu famoso instituto
um oásis de harmonia e estudo num mundo, lá fora, de guerras e ignorância.
Após dois anos de sua chegada à Suíça, com 14 anos, o adolescente Rivail já lecionava
para alguns de seus colegas, em classes a ele confiadas por Pestalozzi.
Dedicado ao estudo das diversas disciplinas do curso normal do Instituto, estudou ainda
teologia, filosofia e diversas línguas. Adquiriu consistentes conhecimentos em
medicina, apresentando brilhante tese por ocasião de sua formatura.
Com larga experiência de magistério, pois iniciara aos 14 anos, na Suíça, o jovem
professor Rivail, como passa a ser conhecido, inicia sua carreira, bacharelado em
ciências e letras.
Em 1824, publica, na capital francesa, suas primeiras obras: "Aritmética do 1.º Grau" e
um "Curso Teórico e Prático de Aritmética", segundo o método de Pestalozzi (em dois
volumes).
Um ano depois, com vinte e um anos, publica nova obra: "Escola de Primeiro Grau" e
funda um colégio nos moldes do Instituto de Yverdon, denominado "Instituto
Educacional Técnico". Disposto ao trabalho, mas não dispondo de recursos financeiros,
torna-se então sócio de um tio, irmão de sua mãe, que lhe provê o capital necessário
para as instalações da escola.
Publica vários outros livros com ampla aceitação em todo o país: obras sobre
matemática, sobre a língua francesa, sobre física, fisiologia e astronomia. Muitas de
suas obras foram adotadas pela Universidade da França, o que atesta o alto valor dos
livros do jovem professor.
Rivail continua seus estudos lingüísticos na França. Além de sua língua pátria, conhecia
profundamente o inglês, o alemão e o holandês. Falava, também, o italiano e o espanhol
e possuía sólidos conhecimentos do latim, do grego e do gaulês.
Tornou-se conhecido na Alemanha por traduzir para o alemão várias obras de educação
e de moral, principalmente de Fénelon que, posteriormente, se apresentaria, em espírito,
a Allan Kardec como um dos integrantes da equipe de espíritos encarregados em
transmitir a Terceira Revelação.
Aos 27 anos, casa-se com distinta professora, a senhorita Amelie Boudet, uma jovem
culta, poetisa e pintora que conhecera no "Instituto Educacional Técnico". Lecionava
letras e belas-artes.
Esses dois reveses não abatem o ânimo do casal. Rivail e Gaby, como era conhecida
Amélie na intimidade, dispõem-se a todos os sacrifícios. Sob o lema de Rosseau
"Trabalho, Solidariedade e Tolerância", recebido de Pestalozzi, na Suíça, ambos
trabalham, irmanam-se no espírito de solidariedade conjugal, perdoando sempre e
tolerando com resignação as duras provas da vida.
Uma das inquestionáveis provas da elevada condição moral de Rivail está no fato de
receber alunos pobres em sua própria casa, justamente na fase financeira mais difícil de
sua vida. Leciona-lhes, gratuitamente, durante cinco anos, cursos de química, física,
astronomia e anatomia comparada. Esses cursos beneficiam inúmeros jovens e
adolescentes franceses, encerrando exemplo vivo de amor e caridade, recebido de seu
mestre Pestalozzi, remanescente em seu coração generoso. O dedicado professor não é
indiferente às grandes dificuldades desses muitos estudantes desfavorecidos.
Em 1854 Rivail, com 50 anos, é um mestre respeitado, escritor reconhecido com obras
didáticas adotadas pela Universidade da França. Equilibrado, sua mente está
amadurecida e o coração sereno e compassivo, pronto para dar início ao cumprimento
da missão que haveria de desempenhar.
A França, assim toda a Europa estava com a atenção voltada para os fenômenos das
chamadas "mesas girantes". Pessoas de todos os níveis culturais e sociais,
indiferentemente de suas convicções religiosas, estavam às voltas com sessões em que
se realizavam fenômenos de efeitos físicos.
O que o professor via em casa de seus amigos, repetia-se por todas as partes do mundo.
Mas os assistentes, com raras exceções, pareciam não compreender o alcance de tudo
aquilo, fazendo dessas reuniões um passatempo ocioso e fútil.
Mais tarde, diria Allan Kardec: "Entrevi naquelas aparentes futilidades, no passatempo
que faziam daqueles fenômenos, qualquer coisa de sério, como que a revelação de uma
nova lei, que tomei a mim mesmo investigar a fundo".
Zéfiro ainda fez outra revelação: Rivail estaria novamente nas lutas terrenas para
cumprir importante missão espiritual. Mais tarde, outros benfeitores espirituais
confirmariam essa revelação. Todos lhe prometiam auxílio, encorajavam-no e
aconselhavam-no a ter perseverança e discrição,
O antigo druida ressurgido teria ainda recebido comunicações da parte dos bons
espíritos, através de outra menina médium: Ermance Dufaux. Essas mensagens tiveram
por objetivo encorajá-lo na realização de uma nova empreitada: A "Revista Espírita".
Ermance, aos 14 anos, psicografara um admirável livro histórico "A Vida de Joana
d’Arc, Ditada por Ela Mesma", além de outras obras.
O Livro dos Espíritos: Código para uma nova fase da evolução humana
O Livro dos Espíritos causou grande repercussão na França. Homens de ciências e artes
como o astrônomo Camille Flammarion, o grande poeta Victor Hugo, os escritores
Balzac e Teophile Gautier, o pensador Léon Denis, além de inúmeros outros filósofos e
literatos sentiram-se atraídos pela luz da nova revelação.
Esta obra é o marco inicial, a pedra fundamental do Espiritismo. Mais do que isso, é
também o código de uma nova fase da evolução humana.
Sobre O Livro dos Espíritos, explica J. Herculano Pires: "O livro começa pela
metafísica, passando em seguida à cosmologia, à psicologia, aos problemas
propriamente espíritas da origem e natureza do espírito e suas ligações com o corpo,
bem como aos da vida após a morte,. para chegar, com as leis morais, à sociologia e à
ética e concluir, no Livro IV, com as considerações de ordem teológica sobre as penas e
gozos futuros e a intervenção de Deus na vida humana."
Três meses depois, é fundada a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, tendo como
seu presidente espiritual o espírito de São Luis, ou Luis IX, rei da França.
No ano seguinte, em 1859, mais uma obra do codificador é trazida à lume: O que é o
Espiritismo, uma introdução aos estudos da doutrina.
Nos primeiros dias do ano seguinte, em 1861, o infatigável missionário publica outra
obra: O Livro dos Médiuns. Considera-o como sendo "a continuação de O Livro dos
Espíritos", pois também neste, os ensinamentos pertencem aos espíritos.
Mesmo escrito há mais de 100 anos esta obra continua atualíssima e nenhuma outra,
sobre a fenomenologia mediúnica, conseguiu superá-la.
Ainda em setembro deste mesmo ano, Kardec viaja novamente a Sens, Macon e Lyon,
constatando o desenvolvimento da doutrina, não apenas entre os instruídos e cultos,
mas, também, entre os humildes e os simples de coração. Em outubro visita Bordéus.
O ano de 1861 ainda traz um fato desagradável na história da doutrina. Allan Kardec
envia obras espíritas à Espanha, a pedido do amigo Lachatre, livreiro de Barcelona. A
finalidade era difundir as novas idéias naquele país.
Essa atitude do clero gerou grande revolta e muitos assistentes gritaram: "Abaixo a
Inquisição!".
Contudo, essa atitude intransigente contribuiu enormemente para a propaganda da
doutrina.
Atualmente, a Igreja Católica, através dos esforços ecumênicos do Papa João Paulo II e
também em função de comissões enviadas pelo Vaticano, para observação de
fenômenos paranormais e de Transcomunicação Instrumental, reconhece, em seu Novo
Catecismo, a possibilidade de comunicação com as almas dos "mortos" e até permite,
em alguns casos e com reservas, essas comunicações.
Este livro alcança uma repercussão intensa, cumprindo anterior previsão de um de seus
guias espirituais, que afirmara: "Este pequeno livro produzirá um efeito que não
esperas... Será difundido com grande amplitude e penetrará toda parte".
De fato, a Doutrina se espalha pela Europa, pela América, pelo norte da África, pelos
países da Ásia. As obras de Allan Kardec são traduzidas para vários idiomas. Em pouco
tempo, apenas O Espiritismo em Sua Expressão Mais Simples ganha versão para nove
idiomas: alemão, inglês, português, polonês, grego moderno, italiano, espanhol, russo e
croata...
Os espíritas de Lyon e de Bordéus, nesse mesmo ano de 1862, recebem mais uma vez a
presença do codificador. Durante os meses de setembro e outubro, sob rigoroso inverno,
o missionário realiza longa excursão de divulgação dos princípios da Doutrina. Visita
vinte cidades da França, discursando cinqüenta vezes, unificando o pensamento e a
conduta dos espíritas.
Prossegue o ano de 1864. O Espiritismo ganha vulto com extraordinária rapidez. Dando
mostras de sua intolerância, explícita no auto-de-fé de Barcelona, a Igreja Católica
Romana inclui em seu Índex, ou seja, no seu Catálogo dos Livros Proibidos, as
seguintes obras de Allan Kardec: O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns e O
Evangelho Segundo o Espiritismo.
O codificador não se abate. Continua levando a bom termo sua missão, tornando-se
respeitado pelo seu bom-senso e conduta moral irrepreensível.
Faz uma visita à Suíça, a terra de Pestalozzi. Regressando a Paris é chamado pelos
espíritas de Bruxelas e de Antuérpia para uma visita às suas associações belgas.
Em agosto, de 1865, é publicado pela Livraria Espírita de Paris seu novo livro: O Céu e
o Inferno – A Justiça de Deus Segundo o Espiritismo.
Explica o codificador que o homem carrega dentro de si a necessidade de crer, mas para
que essa crença satisfaça a seus anseios,ela deve corresponder às suas necessidades
intelectuais.
Não resistindo ao excesso de trabalho, em 1866, Allan Kardec cai enfermo. Mesmo
assim, logo que se restabelece, retorna aos seus inúmeros deveres de missionário,
cuidando da Revista Espírita, dirigindo a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas,
respondendo às cartas provindas das localidades mais distantes do mundo, socorrendo
silenciosamente os sofredores e doentes, preparando novos livros e publicações
doutrinárias.
Allan Kardec passa a ser alvo de terríveis perseguições, não apenas por parte do clero,
mas também, sofre a traição dos próprios companheiros. Mas sempre a generosidade de
seu coração soube suplantar a todas essas injúrias. Seus escritos e sua conduta falam a
favor de sua invariável delicadeza de linguagem, jamais ferindo ou ofendendo seus
adversários. Em toda e qualquer celeuma, escrita ou verbal, sua superioridade moral
prevalece sobre seus contendores.
E quando se via golpeado pela injúria ou pela maledicência, quando vítima de inveja e
ingratidão, ele mesmo dizia, que nessas horas dolorosas da vida, procurava se elevar,
através do pensamento, acima da humanidade e se colocava, mentalmente, no mundo
invisível, imaginando-se na pátria espiritual, por antecipação, tornando-se inacessível
para as maldades humanas, que já não mais o atingiam. Conta, ainda, que se habituou de
tal maneira a esse exercício espiritual que a maldade dos homens nunca mais o
pertubaram...
Sua forma de praticar o bem, socorrendo os aflitos e necessitados, sempre foi oculta,
conforme ensinava Jesus: "Não saiba a vossa mão esquerda o que faz a direita".
Conta Alexandre Delanne, pai do cientista e escritor espírita Gabriel Delanne, que
conhecera um pobre velhinho confinado a extrema pobreza. Mesmo assim, em suas
privações, vivia resignado, graças à leitura de uma pequena brochura de Alllan Kardec,
que lhe fora oferecida. Certo dia, ao tomar conhecimento desse fato, relata Delanne, o
grande missionário chorou. E com lágrimas nos olhos, enviou uma soma em dinheiro ao
pobre ancião e, além disso, vários volumes de suas obras.
Por não ter filhos, era com amor paternal que amava e amparava os pobres e os
sofredores. Visitava as moradas do infortúnio e adentrava, anonimamente e com passos
resolutos, com sua companheira Gabi, ambientes onde a dor lancinava o corpo e a alma.
Visitava detentos e doentes, enviava recursos monetários às famílias necessitadas, em
envelopes fechados, sem indicar a procedência. Nos envelopes escrevia apenas: "Da
parte dos Bons Espíritos".
Em 1867, juntamente com sua inseparável companheira, faz nova viagem a Bordéus,
Orleães (a cidade que Joana D´Arc libertou dos ingleses), e Tours, realizando
conferências e ensinamentos. Em Tours acontece o encontro de Kardec com um jovem
de vinte e um anos, que seria um de seus grandes discípulos e continuador de sua obra:
Léon Denis.
Um dos mais profundos pensadores espíritas, Denis deixou obras notáveis, entre elas,
"O Problema do Ser do Destino e da Dor", "Depois da Morte", "Cristianismo e
Espiritismo", "No Invisível", entre outras.
A Gênese
Em 1868, o grande missionário publica uma obra de grande valor científico: "A Gênese
— Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo". Nesta obra o codificador deixa o
campo exclusivamente doutrinário para evidenciar as relações do Espiritismo com a
ciência. Os dados espíritas lhe servem para colocar o problema da origem planetária em
termos científicos, desmistificar a distorção do Cristo sobrenatural, criado pelo
Cristianismo distorcido de suas raízes simples e consoladoras, conspurcado pela
enfatização superatrofiada nos milagres e no sobrenatural.
Allan Kardec soube esclarecer, na Gênese, que os fatos das manifestações espíritas nada
têm de extra-humano, na verdade, é a humanidade espiritual que vem conversar com a
humanidade corporal e dizer:
"Nós existimos, logo o nada não existe. Eis o que somos e o que sereis. O futuro vos
pertence, assim como a nós. Vosso caminho estava nas trevas, e viemos clareá-lo, e vos
abrir as vistas. Não tínheis direção, indo ao acaso, e nós vos apontamos o objetivo. A
vida terrestre era tudo para vós, porque nada era por vós percebido, do lado de lá. Nós
viemos informar-vos, mostrando-vos a vida espiritual: a vida terrestre nada é. Vossa
visão parava no túmulo, nós vos mostramos, além dele, um horizonte esplêndido.
Ignoráveis porque sofríeis sobre a terra, agora, no sofrimento enxergais a justiça de
Deus. O bem parecia não produzir frutos, e, de agora em diante, terá um objetivo e será
uma necessidade. A fraternidade não era senão uma bela teoria, e agora assenta-se sobre
uma lei da Natureza. Sob o império da crença de que tudo acaba com a morte, a
imensidade é vazia, o egoísmo reina entre vós como senhor, e vossa palavra de ordem é:
‘Cada um por si’. Com a certeza do futuro, os espaços se povoam ao infinito, o vácuo e
a solidão não existem em parte alguma, a solidariedade liga todos os seres, de um lado e
de outro do túmulo. É o reino da caridade com a divisa: ‘Um por todos e todos por um’.
Enfim, alcançado o termo da vida, dizíeis um eterno adeus aos que vos são caros,
enquanto que agora lhes direis: ‘Até a vista!’"
Allan Kardec planeja muitas coisas em favor da Doutrina. Intenciona escrever novas
obras e construir uma casa-abrigo para os trabalhadores do Espiritismo que
envelhecessem sem recursos. Com as economias provenientes de suas obras
pedagógicas, comprara um terreno na Avenida Ségur.
Mesmo assim, ainda hoje, se adotarmos por base a noção do ser pensante, como o fez
Descartes, temos nos princípios essenciais do Espiritismo os meios concisos de
desenvolver essa noção, desdobrá-la, pois poderemos afirmar com Léon Denis:
Ao que a voz do próprio Mestre, pelo decorrer das eras, continua a ressoar, exortando:
"Sede perfeitos, como perfeito é vosso Pai que está nos céus..."
OBRAS CONSULTADAS:
A Gênese – Allan Kardec
Editora Lake
www.consciesp.org.br - consciesp@consciesp.org.br
"O homem é para si mesmo um mistério vivo. De seu ser não se conhece nem utiliza
senão a superfície. Há em sua personalidade profundezas ignoradas em que dormitam
forças, conhecimentos, recordações acumuladas no curso das anteriores existências,
um mundo completo de idéias, de faculdades, de energias, que o envoltório carnal
oculta e apaga, mas que despertam e entram em ação no sono normal e no sono
magnético."
Léon Denis; No Invisível - pg 131
O Espiritismo veio ensinar um número infinito de lições, para o ser humano, a respeito
de si mesmo. Contudo, é preciso reconhecer que esta afirmação pode causar estranheza
naqueles que não têm conhecimento mais aprofundado, acreditando que o Espiritismo
não passa de uma doutrina que apresenta conceitos de ordem moral, todavia, vai muito
mais além, pois traz as explicações para a necessidade da aplicação destes conceitos.
Sono, sonambulismo, êxtase e dupla vista são fenômenos a que o espírito está sujeito e,
devido ao pouco conhecimento sobre estas questões, muitas podem ser as
conseqüências devido a uma avaliação errônea, por parte de profissionais da área
médica, quando deparados com pacientes sujeitos a tais ocorrências. Contudo, devido a
semelhanças e peculiaridades de cada uma, apresentam uma certa dificuldade para o seu
entendimento.
Sabemos que o ser humano é formado por 3 partes principais: o espírito, o perispírito e
o corpo físico. Na erraticidade, isto é, na vida como espírito desencarnado, o espírito
mantém o seu perispírito, portanto, o espírito sempre manterá o seu primeiro invólucro,
o perispírito. Contudo, a constituição do perispírito não é a mesma para todos os
espíritos; dependendo do seu grau de adiantamento será mais ou menos sutil. É fácil de
compreender que a quantidade de matéria que envolve o espírito proporcionará
limitações para sua vida, pois o mesmo ocorre conosco, não podemos comparar a
versatilidade que temos durante o inverno, quando normalmente vestimos roupas
pesadas, com o verão, quando usamos roupas mais leves.
186. Haverá mundos onde o Espírito, deixando de revestir corpos materiais, só tenha
por envoltório o perispírito?
"Há e mesmo esse envoltório se torna tão etéreo que para vós é como se não existisse.
Esse o estado dos Espíritos puros."
141. Há alguma coisa de verdadeiro na opinião dos que pretendem que a alma é exterior
ao corpo e o circunvolve?
"A alma não se acha encerrada no corpo, qual pássaro numa gaiola. Irradia e se
manifesta exteriormente, como a luz através de um globo de vidro, ou como o som em
torno de um centro de sonoridade. Neste sentido se pode dizer que ela é exterior, sem
que por isso constitua o envoltório do corpo. A alma tem dois invólucros. Um, sutil e
leve: é o primeiro, ao qual chamas perispírito, outro, grosseiro, material e pesado, o
corpo. A alma é o centro de todos os envoltórios, como o gérmen em um núcleo, já o
temos dito."
De volta ao assunto, todas as vezes que nos preparamos para dormir, estamos, na
verdade, nos preparando para um desprendimento. Durante o sono o espírito se liberta
parcialmente do corpo físico, mantendo-se ligado pelo cordão fluídico, que funciona
como um fio condutor, onde o espírito é capaz de receber e transmitir informações do e
para o corpo físico que permanece dormindo. Desta forma, mesmo com o espírito
estando afastado do corpo, este não é um navio a deriva, o capitão, que no caso é o
espírito, mantém o controle sobre a situação.
Isto pode até parecer muito estranho, mas o espírito tem uma grande necessidade destes
momentos de libertação, não sendo nem mesmo necessário que se esteja em sono
profundo, como descrito na questão 407.
É preciso ter em mente que o espírito desdobrado, podendo se deslocar livremente, irá
para o local que lhe interessar. Desta forma, alguém preocupado com seu trabalho
poderá, durante o sono, se ocupar de seu ofício profissional; aqueles que gostam de
festas e lugares barulhentos irão, com toda certeza para boates, bares, etc.; aqueloutros
que se dedicam ao estudo, irão para locais onde estejam sendo realizadas reuniões de
estudo; ainda existem aqueles que, devido ao ócio, nem saem do quarto, permanecendo
ao lado do corpo em completa inércia.
Assim, além de refazer as forças do corpo, o sono é também uma grande oportunidade
do espírito se encontrar com seus entes amados que já se encontram na outra esfera de
ação. É a forma de sempre nos mantermos em contato com a verdadeira realidade, que é
a vida espiritual.
Embora possa parecer estranho que se diga que quando se dorme o espírito passeia e,
quando acordado, não se consegue lembrar do que aconteceu, na situação de encarnado
os sentidos são muito limitados, e esta limitação é feita pelos órgãos físicos. O
indivíduo comum, aquele que não possui capacidade mediúnica exacerbada, somente
consegue manter a lembrança daquilo que lhe chega por intermédio dos órgãos
corporais. É o que nos informa os espíritos na questão 403 de O Livro dos Espíritos.
Muitos acreditam que seria muito mais fácil repararem erros cometidos anteriormente se
não houvesse o esquecimento completo do passado. Lendo os vários relatos que se
encontram na literatura espírita, e considerando que a grande maioria ainda se encontra
em níveis evolutivos muito parecidos, pode-se concluir que as histórias de muitos destas
personagens dos livros representam o comum da humanidade. Seria muito desgastante
se fosse possível lembrar dos absurdos que foram cometidos outrora.
Contudo, para aquele que realmente acredita na necessidade de conhecer o passado, não
é necessário muito esforço, basta apenas analisar sua vida atual, suas dificuldades, seja
de relacionamento ou de aceitação própria, assim como suas virtudes, para ter
consciência dos tipos de erros cometidos e das aquisições.
Assim, Leon Denis, no livro O Invisível, pg. 156 e 157, dividiu os sonhos em três tipos
principais:
Em resumo, há três tipos do que é considerado sonho, sendo que um deles, o último,
corresponde a lembranças das vivências do espírito enquanto desdobrado.
Considerando, agora, que o espírito desdobrado esteja em condições de usufruir uma
maior liberdade de ação, que seria o sonambulismo. Estando mais liberto, o espírito terá
percepções muito mais apuradas que no sonho.
Neste estado, o espírito poderá inclusive usar o seu próprio corpo para efetuar qualquer
ação, neste caso é que se dá o fenômeno de sonambulismo comumente conhecido,
quando a ação do espírito sobre o corpo não é o mesmo de quando está em vigília. O
processo é semelhante ao que ocorre quando um espírito atua sobre uma mesa, por
exemplo, com a única diferença de que, para atuar sobre a mesa, o espírito necessita de
um médium de efeitos físicos para doar fluido vital, enquanto que no sonambulismo não
há esta necessidade, pois o próprio corpo já está saturado deste fluido.
Liberto de suas vestes corporais, o espírito poderá perambular livremente, com isso,
poderá visitar locais e descrevê-los.
Poder-se-ia imaginar que, caso este processo fosse difundido e, obviamente, com total
controle da situação, com certeza não tardariam as firmas de segurança especializadas
em "guardas espirituais".
434. As faculdades de que goza o sonâmbulo são as que tem o Espírito depois da morte?
"Somente até certo ponto, pois cumpre se atenda à influência da matéria a que ainda se
acha ligado."
Agora, diante desta teoria, se torna mais fácil a compreensão do êxtase, que nada mais é
do que um estado ainda mais liberto do que no sonambulismo. Estando mais liberto, o
espírito poderá ir a lugares mais longínquos, usufruirá maiores possibilidades de ação.
Durante o sono e o sonambulismo, o espírito transita pela Terra, podendo vivenciar
experiências tanto do mundo material quanto do mundo espiritual, porém o extático é
capaz de visitar mundos mais etéreos, superiores ao que vivemos, e vislumbrar as suas
maravilhas e a felicidade. Nesta condição, como diz Kardec, em O Livro dos Espíritos,
pg 243:
Sabemos que os sentidos pertencem ao espírito e não ao corpo físico, o corpo apenas
exerce limitações ao mundo material em que se vive. Liberto, mesmo que
momentaneamente, o espírito é capaz de ver além e através dos obstáculos físicos.
Artigos
Planejamento de palestras
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O BOSQUE
Tempos atrás eu era vizinho de um médico cujo "hobby" era plantar árvores no enorme
quintal de sua casa. Às vezes, observava da minha janela o seu esforço para plantar
árvores e mais árvores, todos os dias. O que mais chamava a atenção, entretanto, era o
fato de que ele jamais regava as mudas que plantava.
Passei a notar, depois de algum tempo, que suas árvores estavam demorando muito para
crescer. Certo dia, resolvi então aproximar-me do médico e perguntei se ele não tinha
receio de que as árvores não crescessem, pois percebia que ele nunca as regava. Foi
quando, com um ar orgulhoso, ele me descreveu sua fantástica teoria.
O curioso é que aquele era um dia de um vento muito forte e gelado, em que as árvores
da rua estavam arqueadas, como se não estivessem resistindo ao rigor do inverno,
entretanto, ao aproximar-me do quintal do médico, notei como estavam sólidas as suas
árvores: praticamente não se moviam, resistindo implacavelmente àquela ventania toda.
Que efeito curioso, pensei eu... As adversidades pela qual aquelas árvores tinham
passado, tendo sido privadas de água, pareciam tê-las beneficiado de um modo que o
conforto o tratamento mais fácil jamais conseguiriam.
Todas as noites, antes de ir me deitar, dou sempre uma olhada em meus filhos, debruço-
me sobre suas camas e observo como têm crescido. Freqüentemente, oro por eles. Na
maioria das vezes, peço para que suas vidas sejam fáceis: "Meu Deus, livre meus filhos
de todas as dificuldades e agressões desse mundo". Tenho pensado, entretanto, que é
hora de alterar minhas orações. Essa mudança tem a ver com o fato de que é inevitável
que os ventos gelados e fortes nos atinjam e aos nossos filhos. Sei que eles encontrarão
inúmeros problemas e que, portanto, minhas orações para que as dificuldades não
ocorram, têm sido ingênuas demais. Sempre haverá uma tempestade, ocorrendo em
algum lugar, portanto, pretendo mudar minhas orações.
Farei isso porque, quer nós queiramos ou não, a vida não é muito fácil. Ao contrário do
que tenho feito, passarei a orar para que meus filhos cresçam com raízes profundas, de
tal forma que possam retirar energia das melhores fontes, das mais divinas, que se
encontram nos locais mais remotos.
Oramos demais para termos facilidades, mas na verdade o que precisamos fazer é pedir
para desenvolver raízes fortes e profundas, de tal modo que quando as tempestades
chegarem e os ventos gelados soprarem, resistiremos bravamente, ao invés de sermos
subjugados e varridos para longe.
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Pérola (do latim pirula = pequena pêra), corpo redondo de madrepérola que se forma no
interior de algumas conchas marinhas ou de água doce em conseqüência de um tumor
epitelial. Durante o alastramento das células epiteliais, elas segregam, inicialmente,
como na formação da casca, uma substância córnea (conchina) e depois a madrepérola
(carbonato de cálcio ortorrômbico = aragonita) em calotas concêntricas.
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A Ostra e a Pérola
Uma ostra que não foi ferida não produz pérolas. As pérolas são feridas curadas. Pérolas
são produtos da dor, resultado da entrada de uma substância estranha ou indesejável no
interior da ostra, como um parasita ou um grão de areia. A parte interna da concha de
uma ostra é uma substância lustrosa chamada nácar. Quando um grão de areia penetra,
as células do nácar começam a trabalhar e cobrem o grão de areia com camadas e mais
camadas para proteger o corpo indefeso da ostra. Como resultado, uma linda pérola é
formada. Uma ostra que não foi ferida, não produz pérolas, pois a pérola é uma ferida
cicatrizada.
O LIVRO DOS ESPÍRITOS, livro quarto, cap. II, Penas e Gozos Futuros, obra
codificada por Allan Kardec.
Outras obras:
VINHA DE LUZ, mens. 53, Sementeira e ceifas, Emmanuel, FEB
PALAVRAS DA VIDA ETERNA, mens. 81, Prosseguindo, mens. 84, Divino dons,
mens. 132, Diante da providência, mens. 136, Na vitória real, Emmanuel, Edição CEC
Outras fontes:
PARÁBOLAS PROFÉTICAS: Uma pérola é formada com dores, pág. 101, A pérola é
formada lentamente pelo acréscimo de camadas.
Sumário :
O Voluntário...
Motivações para a Ação
O Terceiro Setor
Sentido Comunitário
Impacto do Setor Voluntário
Influências Culturais e Religiosas
Valorização e Preconceitos
Voluntários Profissionais
Voluntariado no Brasil
Programa de Estímulo ao Voluntariado no Brasil
Detalhamento das Áreas de Responsabilidades dos Núcleos
Modelo de Funcionamento dos Núcleos
Detalhamento do Programa de Capacitação
Marketing Social e Estratégia Geral de Comunicação
Estratégias Específicas de Estímulo ao Trabalho Voluntário
Protagonismo Social dos Jovens
Voluntários da Terceira Idade
Profissionais Liberais: Médicos, Arquitetos, Advogados, Psicólogos...
Voluntariado Empresarial: Motivando os funcionários
Outros Temas para Estudo e Reflexão
O VOLUNTÁRIO -
Segundo definição das Nações Unidas, “o voluntário é o jovem ou o adulto que, devido
a seu interesse pessoal e ao seu espírito cívico, dedica parte de seu tempo, sem
remuneração alguma, a diversas formas de atividades, organizadas ou não, de bem
estar social, ou outros campos...”
O principal diferencial das práticas filantrópicas atuais com relação ao passado reside no
fato de que sua população clientela não é mais concebida como sujeitos dependentes e
tutelados. Os cidadãos engajam-se em atividades voluntárias não apenas para exercitar a
caridade, mas para exercer suas cidadanias na defesa dos seus direitos e os dos outros.
> Iniciar novas idéias e processos.- o ambiente é propício para a inovação. A cada
momento surgem idéias sobre como fazer as coisas de modo diferente, e se possível,
melhor do que antes, inovando-se em áreas onde os órgãos públicos carecem de
conhecimento ou temem se aventurar.
> Influenciar políticas públicas: organizações voluntárias podem testar novas idéias,
iniciar serviços controvertidos em seus estágios iniciais, e podem exercer influência
direta na formatação e promoção de políticas públicas.
> Apoiar minorias ou interesses locais: podem experimentar novas idéias com menos
precaução que os governos, podem apoiar causas e interesses que seriam rejeitados por
preconceitos ou interesses prioritários das maiorias.
> Promover parcerias: Com freqüência as organizações voluntárias estimulam e
coordenam atividades nas quais tanto o governo como a empresa privada interagem em
prol do bem público.
> Ajudar outros países: as organizações voluntárias oferecem ajuda em situações onde o
auxílio dos governos seria politicamente inaceitável.
> Promover a cidadania participativa e o altruísmo.- uma das mais importantes
contribuições das organizações voluntárias, além do que fazem pelos seus beneficiários,
é a transformação pessoal dos seus participantes voluntários.
Já que era mais virtuoso dar do que receber, o valor da caridade provinha mais dos
motivos do próprio doador do que dos efeitos da sua ação.
Através da participação dos seus membros, esperava-se que a comunidade gerasse seus
próprios benefícios, hoje em dia sendo vista cada vez menos como o alvo da
generosidade do doador e cada vez mais como uma parte integrante do capital social.
No Brasil não existe uma forte tradição comunitária. Talvez se explique historicamente
pelo fato de os colonizadores aqui apartarem movidos por interesses individuais, pela
ânsia do lucro rápido, para extrair as riquezas do Novo Mundo com o único objetivo de
enriquecer a metrópole.
A intenção não era tanto aliviar o sofrimento, como enriquecer a qualidade de vida. Este
conceito grego, mais amplo, está mais intimamente relacionado com a idéia atual de
instituição filantrópica.
Em pesquisa recente no Brasil, Emerson Giumbelli afirma que mesmo com suas
divergências, espiritismo e catolicismo são semelhantes quanto ao significado da
caridade: a salvação está relacionada ao “outro”, e este pode ser o “pobre”, o
“necessitado” ou o “desvalido...” Mais do que um valor, a caridade é um mandamento,
que mobiliza recursos pessoais (voluntários) e financeiros (contribuições) para ações
filantrópicas, seja em instituições específicas ou nos diversos centros espíritas. A
maioria das instituições espíritas se declaram com fins assistenciais (71%), o que
demonstra que a motivação religiosa e a atividade assistencial estão articuladas, a última
não existindo desvinculada da primeira. É porque a caridade faz parte da doutrina
espírita que a filantropia adquire sentido.
Tanto a militância pelas causas sociais como o voluntariado partem de uma emoção,
entre elas a indignação, ou a compaixão. O importante ponto em comum é que ambos se
transformam a si mesmos, e assim, em conjunto, os indivíduos, as comunidades, e o
país caminham em direção à confiança e à solidariedade.
Por outro lado, algumas causas sensibilizam mais a sociedade em geral, especialmente a
criança doente ou deficiente, e os voluntários que se dedicam a este segmento contam
com grande valorização e prestígio social pela sua escolha, dependendo do tipo de
instituição ou do tamanho do projeto.
Muitas organizações sem fins lucrativos ainda dizem: “Nós não remuneramos os
voluntários, portanto não podemos exigir nada deles...” Hoje se faz necessária uma
mudança de atitude: “Os voluntários precisam obter muito mais satisfação de suas
realizações, exatamente porque não recebem nenhuma remuneração...” A constante
transformação do voluntário, de amador bem-intencionado a membro não remunerado
da equipe, profissional e treinado, é o progresso mais significativo no setor sem fins
lucrativos.
A priori, as pessoas não são “voluntárias em si.. “ A instituição que as acolhe tem que
transformá-las em voluntários, aprimorando e desenvolvendo seu impulso solidário para
transformá-lo em compromisso. É fundamental considerar o bem-estar do voluntário,
sua gratificação, satisfação, felicidade e prazer ao realizar o trabalho solicitado, assim
como o potencial de desenvolvimento pessoal (profissional e emocional), e sobretudo,
as motivações que o levaram até a instituição.
Mas quais são as necessidades deste pessoal não remunerado? Que razões eles têm para
permanecer na instituição? Sua primeira e mais importante exigência é que a
organização tenha uma missão clara, que dirija todas suas atitudes. A segunda é
treinamento. Uma das maneiras mais eficazes para motivar e manter os voluntários
veteranos é reconhecer sua competência utilizando-os como agentes para treinar os
recém-chegados.
Por seu lado, as pessoas devem gostar do trabalho voluntário que realizam e devem ser
seletivas, aceitando aqueles que melhor se encaixem nas suas habilidades e preferências.
Devem se comprometer apenas com o tempo de que realmente dispõem para executar as
tarefas, e não assumir responsabilidades que não poderão cumprir.
Não menos importante é o fato de que o trabalho voluntário deve ser fácil para o
indivíduo, o que deve priorizar a escolha por ações próximas de sua residência, para
tornar acessível o seu desempenho, fator relevante, por exemplo, no recrutamento de
voluntários da terceira idade.
Outrossim, a entidade deve considerar pelo menos uma ajuda de custo para cobrir
despesas de material, transporte, alimentação ou outras, originadas pelo seu trabalho, e
mais especialmente para voluntários de baixa renda, que não têm possibilidades de
contribuição financeira.
Até onde sabemos, parece mais fácil perder um voluntário do que ganhar outro.
Portanto, uma estratégia de estímulo será sem dúvida profissionalizar esta ação não
remunerada dentro da instituição. Se as ONGs quiserem atrair e manter seus
voluntários, terão que utilizar a competência e os conhecimentos que eles aportam.
A ação voluntária pode ser apenas uma ajuda informal (ao vizinho, ao colega), um
esforço no sentido de consolidar o espírito comunitário, uma ajuda formal, através dos
serviços sociais organizados, e/ou uma oportunidade para mudanças sociais. No Brasil
de hoje, em maior ou menor grau, estão presentes as quatro vertentes, com certa
predominância da terceira. Organizações tradicionais, especialmente as ligadas a
movimentos religiosos e variadas instituições da área da saúde, vêm realizando desde há
décadas importantes contribuições no aproveitamento do trabalho voluntário.
A proposta da Ação pela Cidadania foi deixar de esperar por ações estruturais que não
estariam ao alcance do cidadão, mas estimular o gesto imediato, o alimento para quem
tem fome, partindo para ações emergenciais como um primeiro passo. A partir deste
movimento, muitos outros surgiram com a mesma proposta: fazer com que a sociedade
tome iniciativas imediatas para resolver os seus problemas e, ao mesmo tempo,
pressione o Estado para que ele cumpra seu papel de formular políticas públicas.
2. ação política:
> articulação entre as organizações, intercâmbio de experiências;
> parcerias entre diversos atores (Estado, Empresa Privada, Sociedade Civil);
fortalecimento dos mecanismos democráticos de participação (Conselhos, Fóruns);
aspectos legais do trabalho voluntário, legislação trabalhista, estatutos,
regulamentações, cumprimento das leis existentes;
> propostas de políticas públicas eficazes em relação ao desenvolvimento e seguridade
sociais; exigência de sua existência e de seu cumprimento;
5. capacitação:
> capacitação dos dirigentes de instituições e dos formadores de voluntários;
> identificação e desenvolvimento das lideranças comunitárias;
> capacitação dos voluntários em conteúdos gerais, no seu papel de protagonista social,
na formação de atitudes e da sua mentalidade;
> na sua postura, compromisso, responsabilidade, incluindo a transcendência,
trabalhando suas motivações, limitações, frustrações;
> conhecimento, compilação e divulgação de treinamentos especializados nas áreas de
saúde, educação e outras, para articulação entre entidades da área.
6. avaliação:
> processo de avaliação contínua da ação voluntária no país.
4. na produção de conhecimento
> pesquisa, estatísticas, tendências
> banco de dados sobre ações voluntárias
> sistematização das experiências
> organização e socialização de bibliografia
5. na disseminação e divulgação
> comunicação: diversas mídias
> publicações; manuais específicos
> encontros, conferências e seminários públicos
7. Tecnologia: treinar as equipes dos Núcleos para poder avaliar e utilizar tecnologia
apropriada, para melhorar todos os aspectos do funcionamento.
Na sociedade atual, o ser humano recebe milhares de mensagens diferentes por dia, em
diversos meios e formatos. Para que uma mensagem obtenha destaque na mente de uma
pessoa e seja assimilada em detrimento de todas as outras, é necessária a confluência de
vários fatores: predisposição do indivíduo, adequação da linguagem, do momento, do
canal, etc.
Os problemas sociais quase sempre pedem uma mudança, seja da sociedade como um
todo ou de um grupo específico. O desafio e o objetivo específico do marketing social é
planejar e gerar esta mudança social.
A maior parte da população sabe da existência dos problemas sociais. Eles estão
estampados nos jornais e noticiários de TV e rádio, que exercem relativamente bem seu
papel de denúncia, e também no cotidiano, nas esquinas das ruas, no ar que se respira,
basta olhar o ambiente que nos cerca.
Mas o que a maioria das pessoas não sabe é da existência dos canais para participar
efetivamente do processo de mudança e melhoria da qualidade de vida da comunidade.
Ou não foram atingidos por campanhas que contivessem o argumento adequado para
romper a inércia e engajá-los na luta por urna causa social.
Campanhas de cunho social existem há tempos, mas seu retorno não é facilmente
rnensurável, e alguns exemplos indicaram que os resultados ficam aquém do esperado.
Após as campanhas publicitárias da Ação pela Cidadania, que contaram com a força da
imagem singular do Betinho, e amplo apoio dos meios de comunicação para sua
divulgação maciça, o nível de consciência em geral da população mudou; perdeu-se a
vergonha de falar sobre o sonho de um país melhor.
Durante os três anos e meio da Campanha da Ação Pela Cidadania foram criados,
produzidos e veiculados gratuitamente 28 comerciais, 32 anúncios, 11 spots de rádio.
Publicitários, fotógrafos, diretores de cinema, cenógrafos, produtores de elenco,
maquinistas, eletricistas, locutores, produtoras, agências de propaganda e praticamente
toda a mídia nacional, prestaram sua solidariedade através do seu trabalho voluntário.
Caso as atividades fossem pagas, calcula-se que seriam necessários cerca de 2 milhões
de dólares para a produção, mais de 2,5 milhões para remuneração dos artistas
participantes, e cerca de 20 milhões de dólares para a sua veiculação nestes três anos.
> Instituições sem fins lucrativos que já utilizam ou que precisam de trabalho
voluntário. Elas seriam as parceiras iniciais e as geradoras de demanda.
> Empresas que desejem fomentar o espírito voluntário entre seus funcionários e que
possam colaborar com recursos humanos e financeiros para a manutenção do Programa.
> Todas as pessoas com predisposição ao trabalho voluntário; aqueles que “querem
fazer algo mas não sabem como... “
> Governos, pela imprescindível articulação com as políticas públicas.
Imprensa, pelo seu papel difusor.
> Agências de comunicação, promovendo a produção das diversas peças.
> Veículos de comunicação, fornecendo espaços gratuitos.
Seguem, apenas a modo de exemplo, alguns tipos de trabalho voluntário que os jovens
podem realizar.
> jovens estudantes ajudando crianças com problemas de aprendizagem nas escolas da
comunidade, como “tutores...
> jovens “adotando” uma criança sem pai/ou mãe na comunidade, acompanhando seu
desenvolvimento e desempenho escolar.
> jovens que superaram problemas de dependência, como drogas, álcool e outros
comportamentos auto-destrutívos, auxiliando jovens que estejam enfrentando a mesma
situação.
> jovens que superaram doenças graves, fazendo companhia e aconselhamento a
crianças ou jovens na mesma situação.
> jovens que “adotam um avó”; fazem companhia, oferecem distração e entretenimento,
aulas de informática ou leituras para um idoso solitário, na comunidade ou em
instituições.
Trabalhos em grupos:
> Pessoas que levam distração, jazer, cultura, (apresentam fitas de vídeo ou cinema,
contam histórias, ensinam artesanato) a crianças doentes internadas em hospitais.
> Pessoas da terceira idade, saudáveis, que fazem companhia e pequenos reparos
domésticos nas residências de idosos doentes, que moram sozinhos ou que não podem
se locomover
> Voluntários que organizam passeios, viagens e programas culturais (aulas de
atualização, artesanato, concertos, museus) para pessoas da sua mesma idade e
interesses.
> Pessoas que “adotam um neto”, acompanhando os estudos, ajudando nas lições,
proporcionando lazer a uma criança da sua comunidade.
> Pessoas com experiência nos esportes, que podem organizar e treinar times
comunitários, e formar novos treinadores.
> Professores, aposentados ou não, que gravam fitas de áudio de livros didáticos ou
temas científicos para estudantes deficientes visuais: ou que datilografam obras em
sistema Braille.
> seus próprios consultórios ou nas instalações da comunidade) pessoas que não
poderiam pagar pelos seus serviços.
> os arquitetos e engenheiros podem realizar trabalhos de reurbanízação e melhoria de
comunidades menos favorecidas, assim como mutirões de reparações e adequações nas
casas populares.
> advogados podem auxiliar uma determinada comunidade ou bairro, ajudando os
moradores na obtenção de documentos, no encaminhamento de pequenas causas
comerciais, trabalhistas, familiares, de direitos do consumidor
> contadores e analistas podem ajudar as instituições comunitárias com o planejamento
financeiro, análise de orçamento, técnicas de levantamento de fundo.
Sugerimos a seguir algumas questões e temas que não foram abordados neste
documento, mas que com certeza precisarão ser discutidos em vários setores da
sociedade para um melhor entendimento do espírito solidário em nosso país, e do
potencial efetivo de trabalho voluntário dos indivíduos:
Marco conceitual
> A vida no Brasil no Século XX; perspectiva histórica. Concepção atual de cidadania e
democracia. Desafios nas escolhas. Avaliação dos papéis das associações voluntárias e
da filantropia em nosso país.
> De que maneira esta herança pode nos ajudar a desenvolver o engajamento social, na
escolha pela participação.
> Por quê as pessoas escolhem (ou não) atuar em benefício de outros?
> Quais os fatores em nossa sociedade que promovem o desenvolvimento da
responsabilidade?
> O papel da auto-imagem no serviço ao próximo.
> Razões variadas para ajudar aos outros: altruísmo, reciprocidade, interesse próprio.
> A importância da legislação para proteção e promoção do trabalho voluntário.
> Escolhendo participar. Diferentes estratégias e tipos de mudança: dilemas da escolha.
> Caminhos para participar: locais, nacionais, globais.
http://www.espirito.org.br/portal/artigos/diversos/assistencia/o-trabalho-voluntario.html
Artigos
A ávida busca do elo perdido, provando definitivamente teorias que nos tragam a
certeza de nossa origem, da passagem macaco/homem.
É naturalmente lógico que nenhuma indagação ficará sem resposta, que o homem
desvendará tudo o que ainda se lhe parece como mistério.
Existe o processo natural para se chegar da dúvida à solução da mesma forma que da
semente desabrocha a flor, sem fugir das leis naturais que regem o universo, deve o
homem desabrochar da ignorância para o saber.
A flor para desfrutar dos raios do sol, já crescida, se utilizou sem preconceito nenhum
de todos os elementos disponíveis ao seu desenvolvimento.
O homem com sua pseudo-racionalidade, deixa de lado pontos importantes, que iriam
ajudar em seu desenvolvimento, não por ser racional, mas por ser emocional — como
disse J. Herculano Pires, o homem não é racional e sim emocional, pois se deixa
dominar pelas emoções ao invés de aplicar a razão.
A Ciência material vem justamente comprovar, dar o apoio para que a Doutrina Espírita
perca o ar de milagre e de sobrenatural.
Doutrina Espírita e Ciência material, estamos batendo essas nossas duas asas ainda de
forma descompassada.
Estamos voando ainda meio sem jeito como um pássaro ferido. Basta apenas que nos
conscientizemos da importância que cada segmento possui, para que o vôo possa nos
levar as esferas mais altas e mais distantes.
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A revelação espírita possui um duplo caráter: ela participa ao mesmo tempo da
revelação divina e da revelação científica.
Allan Kardec
1804-1869
in A GÊNESE, cap. I
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Senhor, deste aos homens leis plenas de sabedoria e que lhes dariam a felicidade, se
eles as cumprissem. Com essas leis, fariam reinar entre si a paz e a justiça e
mutuamente se auxiliariam.
Ninguém pode pretextar ignorância das tuas leis, pois, com paternal previdência,
quiseste que elas se gravassem na consciência de cada um, sem distinção de cultos,
nem de nações.
Dia virá em que, segundo a tua promessa, todos as praticarão. Desaparecido terá,
então, a incredulidade. Todos te reconhecerão por soberano Senhor de todas as coisas,
e o reinado das tuas leis será o teu reino na Terra.
Artigos
Em mais de uma ocasião, quando escrevíamos em listas espíritas, aparecia uma irmã ou
um irmão reclamando que pessoas andavam escrevendo à lista para pedir auxílio
espiritual e que o objetivo da lista era o estudo da Doutrina, devendo o atendimento
fraterno ser feito apenas nas casas espíritas.
Sempre discordamos da opinião de tais irmãos e irmãs e várias vezes dissemos que o
único motivo que nos levava a escrever em tais listas era tentar ajudar a quem
necessitasse, no limite de nossas possibilidades. Infelizmente, cada vez menos
necessitados passaram a procurar as listas que freqüentávamos, talvez melindrados por
tais comentários, o que nos acabou levando a abandoná-las.
Neste pequeno artigo tentaremos dizer o que pensamos sobre atendimento fraterno em
listas e foros espíritas na Internet.
Uma pessoa passando por sérios problemas físicos ou emocionais e que ainda esteja em
estágio evolutivo pouco avançado não vai pegar O Livro dos Espíritos ou O Evangelho
Segundo o Espiritismo para estudar e discutir com os outros seu entendimento, em meio
às suas aflições e angústias. O Senhor Jesus repreendia os eruditos fariseus por não
estudarem convenientemente a Lei e os Profetas e por não colocarem em prática os
ensinamentos contidos em tais obras, mas jamais disse aos homens do povo, doentes e
miseráveis, que O procuravam aflitos, que fossem estudar as Escrituras, nem que
procurassem ajuda nas sinagogas ou em outra parte.
Pessoas que não vão a uma casa espírita por vergonha ou preguiça valem-se do
anonimato da Internet para nos revelar suas mazelas e pedir conselhos. Repreendê-las,
dizendo estarem elas no local inadequado, encaminhando-as, a seguir, a uma casa
espírita, não só se constitui em falta de caridade cristã, como vimos, mas até na falta de
um bom senso que a medicina humana possui e põe em prática.
Saibamos ser, nós, os guias daqueles que nos procuram pedindo ajuda, não importa se
isso nos tomar horas, dias, meses ou seja lá o tempo que for. Somente ao vermos
restabelecido um mínimo de equilíbrio emocional no necessitado é que poderemos
encaminhá-lo a uma casa espírita. Caso ele vá e queira nos contar suas experiências e
impressões, saibamos escutá-lo com a mesma calma e atenção com que um pai deve
escutar o filho pequeno contando o que fez na escola. Um momento chegará quando
nosso protegido se sentirá bem, seguro consigo mesmo, e, quando isso ocorrer, ele não
mais nos procurará. Teremos feito, então, o que era esperado de nós pela espiritualidade
maior.
Dizem alguns que nada iguala o olho no olho, o contato pessoal. É verdade, não há
dúvida. No entanto, muitos perturbados sequer conseguem relatar a alguém os
problemas cruéis que os atormentam, sentindo tamanha vergonha de si mesmos que
preferem se esconder sob apelidos no anonimato das listas e foros virtuais.
Aproveitemos essa oportunidade e sejamos cristãos. Como nos ensinou o Mestre, de
nada vale a lâmpada escondida debaixo da mesa. Uma lista de estudos onde não há
lugar para os necessitados é uma lâmpada debaixo da mesa. Coloquemos nossa lâmpada
no ponto mais alto da sala para que ela espalhe claridade em todo o ambiente.
Que a nossa lista ou foro na Internet seja como a casa espírita, de porta sempre aberta
para todos que a ela venham, seja por qual motivo for.
http://www.ieja.org/portugues/p_index.htm
Artigos
Estudo apresentado na Sociedade Espírita Irmão Francisco de Assis Duas Barras, RJ,
em 16 de abril de 2005
Recordações
No poético e magnífico manual de vida que o Mestre nos legou, chamado pela tradição
de “O Sermão da Montanha”, lembramos ter lido que, no elenco das bem-aventuranças,
Jesus nos ensinou:
Acreditando estar ouvindo tal afirmação vinda de Jesus, nosso entendimento atual fica,
de imediato, confuso. Sem aceitar a primeira impressão que ela nos dá, recorremos ao
Aurélio e, no verbete próprio, lemos a seguinte definição para a expressão “pobre de
espírito”:
“O que é isso?”, nos perguntamos, surpresos.? É evidente, para nós, que o Mestre dos
Mestres não estaria a dizer que o Reino dos Céus pertence aos parvos, aos tolos ou
ingênuos. Somos espíritas e, como tal, nada deve ser aceito por nós como chega aos
nossos sentidos, sem que antes analisemos a informação percebida usando da razão e do
bom-senso. Desse modo, se a informação que nos chega nos parece absurda, cabe a nós
investigarmos mais aprofundadamente a questão até que o sentido se faça. Façamo-lo,
pois, sem mais delongas.
O Capítulo VII de O Evangelho Segundo o Espiritismo leva o título que demos ao nosso
estudo, isto é, “Bem-aventurados os pobres de espírito”.
“Dizendo que o reino dos céus é dos simples, quis Jesus significar que a ninguém é
concedida entrada nesse reino, sem a simplicidade de coração e humildade de espírito;
que o ignorante possuidor dessas qualidades será preferido ao sábio que mais crê em si
do que em Deus. Em todas as circunstâncias, Jesus põe a humildade na categoria das
virtudes que aproximam de Deus e o orgulho entre os vícios que dele afastam a criatura,
e isso por uma razão muito natural: a de ser a humildade um ato de submissão a Deus,
ao passo que o orgulho é a revolta contra ele. Mais vale, pois, que o homem, para
felicidade do seu futuro, seja pobre em espírito, conforme o entende o mundo, e rico em
qualidades morais.”
A explicação de Kardec é clara e faz total sentido, dando às palavras de Jesus o caráter
que se pode esperar delas. Fica, no entanto, a dúvida. Se Jesus quis se referir aos
humildes de espírito e aos simples de coração, por que ele usou a expressão “pobres de
espírito” e não outra mais adequada?
Mas ... será que Jesus usou mesmo a expressão “pobres de espírito”?
Para conferir se a expressão usada pelo Mestre foi mesmo “pobres de espírito”,
consultamos três edições da Bíblia em Português e uma na sua versão em Francês.
Vejamos o resultado de nossa consulta:
Recorremos, primeiramente, uma edição feita pela Enciclopédia Barsa de uma das
Bíblias católicas mais utilizadas no Brasil, isto é, a tradução feita pelo padre Antônio
Pereira de Figueiredo no século XVIII, com base na Vulgata Latina, tradução feita por
Jerônimo no Século V. A outra tradução mais usada no Brasil é aquela feita pelo Padre
Matos Soares, em 1930, igualmente a partir da Vulgata latina.
Como veremos abaixo, a fala de Jesus aparece transcrita nas traduções da Vulgata de
forma idêntica a como aparece em O Evangelho Segundo o Espiritismo. Essa
constatação confirma o que era de se esperar, isto é, que a Bíblia em francês utilizada
por Kardec era, também ela, uma tradução da Vulgata. Dizemos isso porque a
comunidade católica, durante séculos, desde o Concílio de Trento, em 1546, até algum
tempo após 1943, ano em que o Papa Pio XII liberou oficialmente que novas traduções
fossem feitas a partir dos originais, só tinha à sua disposição para consulta e estudo a
Vulgata ou traduções da Vulgata para suas línguas nativas. E o que será que diz a
Vulgata?
A expressão “pobres de espírito” foi traduzida para o português como para vários outros
idiomas, tendo como base a tradução do grego existente na Vulgata latina, feita por
Jerônimo, no final do século IV, quando os manuscritos originais hoje disponíveis,
mais antigos e confiáveis, ainda não haviam sido encontrados. Divulgada por séculos
em toda a comunidade católica como a única versão aceita pela Igreja, a Vulgata acabou
imprimindo na memória dos milhões de Espíritos que reencarnaram nas comunidades
católicas ao longo desse imenso período, a lembrança de Jesus ter dito que o reino dos
céus seria herdado pelos pobres de espírito. Não é por outro motivo que muitos estudos
atuais sobre o tema, mesmo em meios espíritas, costumam manter a tradução
proveniente da Vulgata latina, ignorando ser ela tida pelos estudiosos da Bíblia como
das menos confiáveis.
A segunda Bíblia que consultamos foi uma edição em português, pela Editora Ave
Maria, da tradução feita pelos Monges de Mardesous. Esta tradução foi feita para o
francês a partir dos originais em hebraico e grego, tendo já contado com manuscritos
descobertos mais recentemente. Foi publicada somente em 1957. Mais confiável, pelas
razões expostas, que as traduções feitas a partir da Vulgata, veremos que ela dá um
significado compreensível às palavras de Jesus:
Quem tem um coração de pobre são os humildes. E que os humildes venham a herdar o
reino dos céus faz sentido, apesar de ainda nos parecer uma afirmação um tanto vaga
para ter vindo do Mestre dos mestres. Afinal, um pobre pode ter o coração humilde
externado no seu comportamento social, mas pode, por outro lado, ser revoltado com
sua situação e, desse modo, não possuir humildade moral.
A terceira Bíblia consultada foi uma edição digital da chamada edição revisada de
Almeida. A tradução para o português iniciada por João Ferreira de Almeida no século
XVII não seguiu à Vulgata, pois o autor se havia convertido à fé protestante, tendo ele e
seus sucessores se baseado nos originais em aramaico e grego disponíveis então. A
chamada “edição revisada de João Ferreira de Almeida”, publicada em 1967, seguiu os
melhores manuscritos originais hoje conhecidos, gozando, assim, de boa consideração
pelos estudiosos atuais. A transcrição dela é a seguinte:
A expressão “humildes de espírito” nos parece precisa, pois o adjetivo humilde, como
vimos, pode ser entendido como acanhado, tímido, mas, quando ouvimos falar em
“humilde de espírito”, sabemos que estamos falando de uma qualidade moral e não
de um aspecto comportamental.
A Bíblia de Jerusalém, preparada a partir dos anos da segunda guerra e que teve sua
primeira versão brasileira publicada em 1981 pela Editora Paulina, foi por nós
consultada em sua versão revisada, editada em francês em 1973. Diz ela:
“Uma variedade imensa de traduções tem sido dada às palavras de Mateus ptôchoi tôi
pnéumati. Vamos analisá-las. O primeiro elemento, ptóchos, significa, exatamente,
”aquele que caminha humilde a mendigar". Sua construção normal com acusativo de
relação poderia significar o que costumam dar as traduções correntes: "mendigos
(pobres, humildes) no (quanto ao) espírito".
Acontece, porém, que aí aparece construído com dativo, à semelhança de tapeinoús tôi
pnéumati (Salmo 34: 18), "submissos ao Espírito"; ou zéôn tôi pnéumati (At. 18:25),
"fervorosos para com Espírito"; ou hagía kai tôi sôrnati kaì tôi pnéumati (1 Cor. 7:34),
"santos tanto para o corpo, como para com o espírito".
O que Jesus quis nos ensinar, portanto, é que o reino dos céus, aquele estado que está
no mais íntimo do nosso ser e que nós, no mais das vezes, desconhecemos, só será
atingido pelos humildes que, com paciência e perseverança buscam as coisas do
espírito, procurando, a cada dia, sem cessar, ser um pouco melhores que no dia anterior,
aceitando as expiações e provações por que passam como lições a serem aprendidas,
jamais se revoltando contra a vida ou contra Deus e constantemente orando à
Espiritualidade Maior para que os ajude nessa empreitada.
Como podemos ver, mesmo com a tradução precária que Kardec tinha nas mãos, o
Codificador soube, inspirado pela falange de Espíritos de escol, liderada por Jesus,
utilizar a razão e o bom-senso para captar a verdadeira mensagem do Mestre.
A evolução predominante em uma das sendas evolutivas, com descaso pela outra, causa
distorção, não sendo dela que estamos falando. Espíritos que evoluem em
conhecimento, negligenciando a bondade, revelam-se como os grandes líderes das
trevas que tanto mal fazem à humanidade antes de se darem conta de sua distorção
evolutiva e tomarem o caminho do bem. Espíritos que ignoram a necessidade de
conhecimento, julgando que, para evoluírem, só precisam ser bons, ignoram
oportunidades preciosas de praticar o bem por serem incapazes de identificá-las, devido
à sua falta de conhecimento, até que, frustrados pelo pouco que logram realizar, aceitam
instruir-se, compreendendo que o conhecimento é necessário para melhor praticar a
bondade para com o próximo.
Por outro lado, é de se esperar que, aquele que evoluiu notadamente em conhecimento,
mas sem deixar de evoluir em bondade, demonstre a mesma humildade que aquele outro
que tenha evoluído de forma destacada na senda da bondade, tampouco deixando de
evoluir em conhecimento. Vejamos se é assim que acontece.
A Humildade na Senda do Conhecimento
A humildade é uma característica de quem estuda muito, pois aquele que estuda
pouco e fica satisfeito, o faz por julgar que tudo sabe, ao passo que quem deseja
realmente entender um campo do saber, jamais para de estudá-lo por perceber que,
quanto mais o estuda, mais se lhe abre a compreensão do quanto ainda falta estudar.
Isaac Newton é considerado o Pai da Física Moderna. Incluído pela história entre os
grandes Gênios da Humanidade, quando, uma vez, o cobriam de elogios pela sua obra,
ele afirmou:
“Se pude ver mais longe é porque me ergui sobre os ombros de gigantes.”
A humildade refletida por essa frase de Newton está no entendimento de que ninguém,
sozinho, descobre coisa alguma, inventa nada, cria o que quer que seja. Toda conquista
do saber humano é uma obra coletiva, uns partindo de onde outros pararam e parando
onde outros irão começar.
A humildade de Einstein nos ensina que devemos nos manter imperturbáveis quando
em busca do saber, conscientes de que, sempre que erramos, poderemos, mais tarde,
reparar o erro e ir e frente e que, sempre que nos elogiam ou nos ofendem, isso em nada
irá alterar para melhor ou para pior nossas chances de obter sucesso se nos dedicarmos a
tal.
“Francisco, não vês que a minha casa está em ruínas? Restaurá-a para mim!”.
Em sua humildade, aquele grande Espírito pensou que o Mestre se referia à capela
abandonada onde ele estava a orar e, de pronto, com suas próprias mãos, começou a
restaurá-la. Na verdade, Jesus se referia à Igreja como instituição, convertida que se
tinha em uma sociedade política e militar, tendo abandonado por completo os
ensinamentos que Ele nos havia trazido. Ao longo dos anos seguintes, Francisco se
engajou de corpo e alma na tarefa de trazer essa Igreja de volta ao rumo certo. Mas o fez
desposando-se da pobreza, sempre humilde, sabendo ser a cada instante, como Jesus nos
havia ensinado:
“... aquele que dentre vós quiser ser grande, seja o vosso servidor, e aquele que quiser
ser o primeiro dentre vós, seja o servo de todos”.
Segundo registra a história, Newton, na fase mais criativa de sua produção científica,
teve sua atenção voltada para as questões espirituais. Rejeitando os ensinamentos
religiosos de então, pesquisou obras teológicas antigas e a alquimia em busca de uma
exegese bíblica que fizesse sentido para o seu gênio inquiridor. Tornou-se um
unitariano, reedição inglesa do século XVIII do arianismo, doutrina que negava a
Trindade, pregando a unicidade de Deus, e que havia sido condenada pelo Concílio de
Nicéia, no ano de 325. Como podemos ver, Newton tinha preocupações de ordem
espiritual. Ao longo de sua vida, ele fez o melhor que pode para conciliar seu
conhecimento científico com o entendimento das coisas espirituais, para tanto indo
buscar, na sabedoria antiga, valores que a religião dita do Cristo há muito havia
abandonado.
Einstein procurou Deus na natureza que, com tanto amor, ele estudou. Para ele, Deus se
expressava na natureza através de suas leis. Einstein acreditava em Deus como a alma
do Universo, sendo, por isso, julgado ateu por muitos de seus contemporâneos,
acostumados ao deus pessoal que cuida de cada uma de nossas necessidades pessoais.
Quão próximo é esse entendimento de Einstein daquele expresso pela resposta à
primeira questão de O Livro dos Espíritos!
Uma frase magistral de Einstein precisa ser analisada neste estudo. Disse ele uma vez:
“Deus resiste aos soberbos mas dá Sua graça aos humildes.” Quanta sabedoria nessa
frase! A experiência pessoal de cada um de nós já nos deve ter mostrado que, quando
nos ensoberbamos, julgando que o sucesso nos será certo, devido à nossa capacidade
intelectual e dedicação, ele nos escapa, enquanto que, nas ocasiões em que nos fizemos
humildes e, além de darmos tudo de nós, oramos pela ajuda divina, o sucesso nos vem
sem demora.
Na mesma entrevista citada mais acima, a repórter do New York Times perguntou a
Stephen Hawkin:
O Prof. Hawkin, como maioria dos cientistas, sobretudo os físicos, é um agnóstico. Isso
não impede, no entanto, que quando ele pondera sobre Deus fora da sua atividade
científica, ele o faça utilizando seu raciocínio e o faz, como se vê, negando a
possibilidade de um Deus pessoal e mostrando, assim, estar em total sintonia com o
entendimento espírita nessa questão. Afinal, como nos ensinaram os Espíritos, Deus é a
Inteligência Suprema, Causa Primária de Todas as Coisas. Nada pode ser tão diferente
de um Deus pessoal, não é mesmo?
Para quem tem dificuldade em ver o adiantamento moral do Professor Hawking, basta
conhecer sua figura imóvel e contorcida, sentado em uma cadeira de rodas e falando
através de um sintetizador de voz. Acometido de uma doença neurológica chamada de
esclerose lateral amiotrópica, quando ainda na faculdade, Hawking conta em suas
biografias que se sentiu feliz por ter escolhido física teórica como campo de estudo, o
que não lhe requereria qualquer esforço físico. Sempre bem humorado e extremamente
produtivo como pesquisador, Hawking é uma demonstração viva de que como é
possível superar as limitações do corpo físico e ter uma vida plena, cumprindo a missão
que se traz ao mundo.
Continuou o Codificador:
b) Como é, nesse caso, que, muitas vezes, sucede serem os povos mais instruídos os
mais pervertidos também?
Contam os evangelhos canônicos (Mc 10, 17 e Lu 18, 18) que, em dada ocasião,
aproximou-se um jovem de Jesus e perguntou:
“Bom Mestre, o que é preciso que eu faça para adquirir a vida eterna?”
Jesus foi o exemplo maior de humildade. De Si nunca disse nem mais nem menos do
que realmente era.
Quando afirmou, conforme relata João, “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida
pelas ovelhas” (Jo 14, 11) ou “Eu sou o bom pastor. Conheço as minhas ovelhas, e elas
me conhecem a mim.” (Jo 14, 14), nada falava além da verdade que tão bem
conhecemos. A quantos milhões de anos Jesus tem cuidado de nós, jamais abandonando
a uma só de suas amadas ovelhas? Mais do que o sofrimento no Gólgota, é essa
dedicação contínua por nós que mostra o quanto Jesus tem dado a vida por nós. E quem
tem dúvida de que Jesus, ao longo desse tempo imenso, conhece a cada um de nós na
mais profunda intimidade?
Quando Jesus disse “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida...” (Jo 14,6) , cada atributo
desses reflete a mais pura verdade. Jesus é, de fato, o caminho, sendo por todos sabido
que quem segue os Seus passos chegará mais cedo à perfeição. É, sem dúvida, a
verdade, uma vez que nada que saiu de Sua boca jamais deixou de representar a verdade
em sua mais pura essência. É, sem sombra de dúvida, a vida, a verdadeira vida, pois seu
exemplo nos mostra como estar neste mundo sem a ele pertencer, como aproveitar ao
máximo o nosso potencial de “vivos”, no entender profundo do termo, representando
aqueles que despertaram para o sentido da existência. Tudo o que Jesus disse de si foi
exatamente o que Ele é, sem aumentar nem diminuir nada.
Espírito de imensa envergadura, responsável maior pelo nosso orbe e pela humanidade
terrena, Jesus poderia ter escolhido nascer em berço de ouro, filho, talvez, do poderoso
imperador romano. No entanto, preferiu nascer em um estábulo, na simplicidade de uma
classe humilde e em uma nação dominada.
Toda a vida de Jesus entre nós foi uma aula de humildade. Jesus poderia ter sido rei na
Terra, mas Ele não tinha vindo para isso. Poderia ter sido um grande rabino de seu
tempo, o maior de todos, mas não era essa a missão a que se tinha proposto. Poderia ter
sido um mago, respeitado e temido por todos, mas tal não era a sua natureza.
Quanto mais evoluído um Espírito menos ele valoriza seu estágio evolutivo diante dos
homens, pois, ao evoluir, todos os sentimentos ligados ao ego vão sendo abandonados.
Tendo esclarecido o que o Mestre queria dizer por Pobres de Espírito no sermão das
Bem-aventuranças, Kardec apresenta, na seqüência de O Evangelho Segundo o
Espiritismo, três passagens, que abaixo transcrevemos, realçando a mensagem que
devemos fixar:
Então, a mãe dos filhos de Zebedeu se aproximou dele com seus dois filhos e o adorou,
dando a entender que lhe queria pedir alguma coisa. - Disse-lhe ele: “Que queres?”
“Manda, disse ela, que estes meus dois filhos tenham assento no teu reino, um à sua
direita e o outro à sua esquerda.” - Mas, Jesus respondeu, “Não sabes o que pedes;
podeis vós ambos beber o cálice que eu vou beber?” Eles responderam: Podemos.” -
Jesus lhes replicou: “É certo que bebereis o cálice que eu beber; mas, pelo que respeita a
vos sentardes à minha direita ou à minha esquerda, não me cabe a mim vo-lo conceder;
isso será para aqueles a quem meu Pai o tem preparado.” - Ouvindo isso, os dez outros
apóstolos se encheram de indignação contra os dois irmãos. - Jesus, chamando-os para
perto de si, lhes disse: “Sabeis que os príncipes das nações as dominam e que os grandes
os tratam com império. - Assim não deve ser entre vós; ao contrário, aquele que quiser
tornar-se o maior, seja vosso servo; - e, aquele que quiser ser o primeiro entre vós seja
vosso escravo; - do mesmo modo que o Filho do Homem não veio para ser servido, mas
para servir e dar a vida pela redenção de muitos.” (Mateus, XX, 20 a 28)
Jesus entrou em dia de sábado na casa de um dos principais fariseus para aí fazer a sua
refeição. Os que lá estavam o observaram. - Então, notando que os convidados
escolhiam os primeiros lugares, propôs-lhes uma parábola, dizendo: “Quando fordes
convidados para bodas, não tomeis o primeiro lugar, para que não suceda que, havendo
entre os convidados uma pessoa mais considerada do que vós, aquele que vos haja
convidado venha a dizer-vos: dai o vosso lugar a este, e vos vejais constrangidos a
ocupar, cheios de vergonha, o último lugar. - Quando fordes convidados, ide colocar-
vos no último lugar, a fim de que, quando aquele que vos convidou chegar, vos diga:
meu amigo, venha mais para cima. Isso então será para vós um motivo de glória, diante
de todos os que estiverem convosco à mesa; - porquanto todo aquele que se eleva será
rebaixado e todo aquele que se abaixa será elevado." (Lucas, XIV, 1 e 7 a 11.)
Como o reino dos céus não se encontra ali ou acolá, mas no mais íntimo de nós, ser
grande no reino dos céus não significa uma posição de destaque em relação aos outros,
um parâmetro com que possamos nos avaliar melhores ou maiores que alguma outra
pessoa. Ser grande no reino dos céus é uma vitória íntima que relaciona, entre os
inimigos derrotados, o orgulho, a vaidade, a inveja, o desdém e todos os sentimentos
negativos que nos fazem avaliar os outros com base em nós mesmos e a nós mesmos
com base nos demais.
A busca humilde do reino dos céus exige disciplina e força de vontade. Assim, a
postura que assumimos diante dos outros deve ser objeto constante de nossa
vigilância. A postura que temos em lugar público, em nosso lar ou no movimento
espírita deve ser a de humilde servidor. Se isso nos é difícil assumir no íntimo, que, pelo
menos, nos esforcemos para que tal seja nosso comportamento exterior. De tanto nos
disciplinarmos para não externar emoções negativas, elas aos poucos vão desaparecendo
do nosso psiquismo. Sim, porque a vaidade e o orgulho se alimentam de elogios,
agradecimentos efusivos, comemorações. Quando não externamos vaidade, quando não
deixamos transparecer o prazer que nos dão os elogios, as outras pessoas, aos poucos,
deixam de nos louvar as qualidades e, em persistindo nossa determinação, com o tempo,
nosso sentimento se vai modificando para melhor.
Podemos estar com o coração inflado de orgulho pelos nossos feitos, mas, já que nossos
sentimentos se encontram camuflados em um corpo físico, saibamos usar dessa
facilidade para não externarmos nossas emoções. Mantenhamos o rosto sereno perante
elogios que se nos dirijam, evitando responder com agradecimentos efusivos ou
contestações veementes, que, no fundo, somente realçam o que foi dito por aquele que
nos enalteceu. Se, em qualquer ocasião formos elogiados, saibamos sorrir
discretamente, fazer uma pequena mesura com a cabeça ou algum outro gesto sutil que
demonstre educação, simpatia, mas não revele concordância com o que foi dito e deixe
claro que a manifestação não nos perturbou.
Podemos nos considerar importantes pela nossa posição na sociedade, mas saibamos ser
gentis e prestativos para com quem quer que seja, principalmente, porém, para com
aqueles que a sociedade vê como párias, destituídos, estropiados. O adiantamento moral
de um indivíduo não se revela em sua indumentária, na sua profissão ou na educação
que possui. Sejamos servos de todos, dos que nos são superiores na vida social, dos que
nos são subordinados e daqueles outros com que travamos contato ao longo da
existência. Servir com humildade não é baixar a cabeça, estar todo o tempo a olhar para
o chão, sentar sempre no canto mais escuro e frio de uma sala. Não, servir com
humildade é manter a cabeça erguida, mas sem jamais olhar os outros de cima para
baixo. Servir com humildade é olhar nos olhos de todos com serenidade, sejam eles os
poderosos do mundo ou os mais humildes rejeitados e, ma medida de nossas
possibilidades, tudo fazermos para ajudá-los em sua senda evolutiva. Servir com
humildade é sentar, sempre que possível, perto de um irmão ou irmã que precise de
nosso apoio, seja na forma de um ouvido amigo a escutar suas lamentações e a lhe
aconselhar no que for possível, seja na de um companheiro silencioso, em prece
compenetrada enviando vibrações de amor para lhe acalmar a mente confusa.
Toda vez que prestarmos um serviço fraterno a quem quer que seja, se, no íntimo, nosso
coração aceitar o agradecimento sincero da boca do beneficiado, que nossas palavras e a
expressão de nosso rosto não traiam essa nossa fraqueza e saibamos, sabedores da
vontade do Pai, retrucar com simplicidade: “somos nós que agradecemos pela
oportunidade de sermos úteis”. Martelemos esse entendimento em nossa mente até que
ela ali se fixe, pois ele reflete a mais pura realidade. Cada pessoa que, aparentemente,
necessita de nossa ajuda, está, na realidade, a nos ajudar, pois é ajudando a quem
necessita que resgatamos nossas dívidas para com a harmonia do Universo.
Disse, então, Jesus estas palavras: "Graças te rendo, meu Pai, Senhor do céu e da Terra,
por haveres ocultado estas coisas aos doutos e aos prudentes e por as teres revelado aos
simples e aos pequenos." (Mateus, XI, 25.)
Na seqüência de O Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec interpreta as
palavras de Jesus na passagem acima transcrita, identificando os doutos e prudentes da
fala do Mestre com os “orgulhosos, envaidecidos do seu saber mundano, os quais se
julgam prudentes porque negam e tratam a Deus de igual para igual, quando não se
recusam a admiti-lo, porquanto, na antigüidade, douto era sinônimo de sábio”.
Mais adiante, ele, também, associa aos doutos da fala de Jesus, os incrédulos, que
exigem provas das propostas espíritas do modo que lhes convém, jamais descendo do
pedestal a que se alçam para, humildemente, investigar os fatos e concluírem por eles
mesmos o que não aceitam quando proveniente do raciocínio alheio. Julgam estarem
corretos pelo fato de assunto de tal importância demandar prudência. Como se sermos
prudentes significasse tudo fazermos segundo nossos critérios, tomando os mesmos
como infalíveis e aplicáveis a quaisquer problemas.
Como pudemos ver em nosso estudo das duas sendas da humildade, os verdadeiros
sábios são humildes. Então, que sábios são esses a quem a verdade é ocultada? Uma
breve leitura da Escala Espírita nos fornece a resposta a essa indagação. Na Oitava
Classe da Terceira Ordem (Espíritos Imperfeitos), encontramos:
Bibliografia
OLIVEIRA, Therezinha. Na Luz do Evangelho. Campinas: Editora Allan Kardec, 2004.
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 112 Ed. Rio de Janeiro: FEB,
1996.
Bíblia Sagrada. Tradução dos Monges de Maredsous. 112 Ed. São Paulo: Ave Mara,
1997.
Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1986
http://www.ieja.org/portugues/p_index.htm
Artigos
Novos Elementos de Observação Disponíveis nos permitem dar um Passo Adiante
em uma Linha de Raciocínio do Codificador
Ao longo dos Itens 12 a 16 do Capítulo III de A Gênese, Allan Kardec desenvolve uma
linha de raciocínio sobre as causas do instinto, terminando, no item 17, com a seguinte
afirmação: “Todas essas maneiras de considerar o instinto são forçosamente
hipotéticas e nenhuma apresenta caráter seguro de autenticidade, para ser tida
como solução definitiva. A questão, sem dúvida, será resolvida um dia, quando se
houverem reunido os elementos de observação que ainda faltam. Até lá, temos que
limitar-nos a submeter as diversas opiniões ao cadinho da razão e da lógica e esperar
que a luz se faça. A solução que mais se aproxima da verdade será decerto a que melhor
condiga com os atributos de Deus, isto é, com a bondade suprema e a suprema justiça”.
Vimos que, entre a inteligência e o instinto, existe uma tênue fronteira. No entanto,
não chamamos na ocasião a atenção do leitor para um fato que ficou patente naquele
estudo, qual seja, que a ação inteligente é, em qualquer circunstância, realizada por um
indivíduo para, a partir daí, se bem sucedida, ser aprendida e repetida pelos demais
membros do mesmo grupo. Antes, portanto, de um comportamento aprendido se
cristalizar na comunidade e, após isso, em uma espécie como um padrão fixo de ação –
outro nome do instinto, conforme aprendemos – é mister que o mesmo tenha sido
espalhado por todos seus membros.
No item 12, Capítulo III, de A Gênese, falando da inteligência, Kardec diz ser ela
“incontestavelmente um atributo exclusivo da alma”. Agora que acabamos de
verificar ser o ato inteligente realizado pelo indivíduo, falta-nos uma chave que nos
permita relacionar os conceitos de alma e de indivíduo para, a partir da compreensão
de como se dá tal relação, podermos integrar o que nos diz a ciência e o que nos ensina
a Codificação em um único entendimento. Para realizarmos nosso intento, lançaremos
mão, mais uma vez, da tese, proposta por André Luiz e desenvolvida por Jorge
Andréa, quanto ao desenvolvimento da individualidade.
Pouco além da metade do Capítulo II de sua excelente obra intitulada Impulsos
Criativos da Evolução, Jorge Andréa define o conceito de alma-grupo. Tentaremos
explicar, com citações, o conceito, para melhor podermos ver em que ele nos irá
elucidar.
“Nas espécies mais simples, a energética-espiritual estaria mais presa aos seus afins; por
isso, podemos referir-nos à alma-grupo-da-espécie – um vórtice dinâmico atuante da
dimensão superior, portanto, fora do tempo e do espaço, influenciando todo um
conjunto de seres. Por outros termos, um único campo vibratório controlando a espécie
a que se destina”.
“À medida que as espécies vão perdendo o contato de colônia, próprio das formas mais
simples, vão adquirindo relativa Individualidade e, com isso, o vórtice dinâmico, que
dirige seus destinos, já consegue lapidar, na massa energética da alma-grupo-da-espécie,
um verdadeiro núcleo (pequeno EU). Desse modo, a alma-grupo, dinamismo conjunto
que dirige colônias minerais, vegetais e primeiros animais, iria apresentando em seu
seio, por maturação evolutiva, pequenos fulcros vorticosos, início de afirmações
individuais, porém, que ainda não ousam nem podem viver fora da colônia dinâmica
que lhes deu a origem e donde se nutrem”.
“Esta fase liberatória das energias espirituais deve despontar nas espécies animais que
tenham possibilidade do nascimento de novos aspectos psicológicos, isto é, dos
primeiros vagidos emocionais e onde o mecanismo sexual se apresenta com outras
tonalidades. Com certa lógica podemos incluir esta assertiva nos animais que
evidenciam, na massa nervosa, as primeiras células da futura glândula pineal e que, por
seus aspectos iniciais, são conhecidos e denominados de olho pineal. ... A partir desses
animais a alma-grupo, praticamente vai desaparecendo e dá margem ao nascimento das
individualidades”.
Podemos parar por aqui no exame do modelo proposto, para os fins que desejamos.
Utilizando o modelo proposto por Jorge Andréa, podemos ver os seres mais
primitivos sendo dirigidos e auxiliados em grupo, sendo tão mais gerais tal direção e
tais auxílios quanto mais simples forem as necessidades de tais seres e mais
rudimentares suas capacidades. À medida que o princípio inteligente vai evoluindo, com
a definição dos vórtices que irão desembocar no surgimento das individualidades, mais
específicos deverão ser a direção e o auxílio prestados a cada ser, com uma
correspondente diminuição de importância da influência genérica. A evolução, do
mesmo modo, cada vez mais se processará nas dimensões materiais e menos nas
espirituais.
Sabemos que todos os povos, que nada mais são que agregados de Espíritos de cultura
semelhante, possuem seu protetor. Assim, sabemos, por exemplo, que Ismael, Bezerra
de Menezes, Emmanuel e Joanna de Ângelis, para só citar alguns, são Espíritos
responsáveis pelo povo brasileiro. Sabemos da responsabilidade de nosso amado mestre
e modelo Jesus para com a raça humana e para com as demais espécies do planeta assim
como da responsabilidade de outros Espíritos de alta envergadura pelas comunidades de
outras tradições religiosas, das quais são eles mestres, profetas ou modelos, como Buda,
Krishna, Lao Tsu , Maomé e Moisés, entre outros. No entanto, apesar de não nos faltar a
orientação geral de que necessitamos enquanto criaturas, espécie, comunidade religiosa
e povo, cada um de nós ainda conta com um guia espiritual especifico, que nos segue
por muitas e muitas vidas, sempre paciente e sábio.
Uma analogia com nossas instituições de ensino nos parece apropriada, uma vez que as
nobres organizações do plano físico nada mais são que cópias imperfeitas das que
existem nas dimensões espirituais. Na educação infantil uma educadora e poucas
atendentes ficam cuidando de todas as crianças. No ensino fundamental começa
havendo uma educadora principal e algumas outras em atividades de apoio. Como o
avanço dos anos passa a haver um professor para cada disciplina, sendo as turmas
separadas por algum critério. Na universidade, ocorre a especialização por área
acadêmica e intensifica-se a diversidade de instrutores ao mesmo tempo em que entram
em cena monitores e palestrantes de apoio. Finalmente, na pós-graduação, além dos
instrutores em cada disciplina e dos demais profissionais acadêmicos, o aluno passa a
contar com um orientador que o atende pessoalmente. À medida que ocorre a
focalização do apoio, entretanto, a rede que apóia toda a comunidade não deixa de
existir, pois, tanto no ensino fundamental quanto na universidade, existem diretores,
vice-diretores e responsáveis por este ou aquele aspecto da vida acadêmica.
Mais atrás em nosso modesto trabalho dizíamos acreditar que o atual estágio de
entendimento espírita e cientifico já nos permitia dar um passo adiante na linha de
raciocínio deixada inconclusiva por Kardec em A Gênese, com respeito à causa do
instinto. Esperamos ter sido bem sucedidos em nosso intento.
Bibliografia
Andréa dos Santos, Jorge. Impulsos Criativos da Evolução. 3.ed. Rio de Janeiro:
Societo Lorenz, 1995.
Xavier, Francisco Cândido e Vieira, Waldo. Evolução em Dois Mundos. Ditado pelo
Espírito André Luiz. 13.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1993.
http://www.ieja.org/portugues/p_ascausasdoinstinto.doc
Artigos
***
Desde as mais remotas eras o homem tem percebido que determinadas espécies de
animais denotam alguns comportamentos semelhantes aos humanos e que, quando nos
referimos à nossa espécie, são tidos como inteligentes. Assim foi que animais tão
diversos como cães, corvos, golfinhos, papagaios, chimpanzés e corujas, entre outros,
foram, ao longo dos séculos, associados a conceitos como fidelidade, esperteza,
amizade, habilidade e sabedoria.
No início desses estudos predominava a noção de que a inteligência animal tinha que ser
comparada com a humana e avaliada a partir dela. Com esse enfoque comparou-se o
tamanho absoluto dos encéfalos das diversas espécies, o seu tamanho relativo, o
quociente de encefalização e a quantidade de circunvoluções no córtex cerebral, sendo
que nenhum desses métodos demonstrou ser suficientemente correto. Hoje em dia
muitos estudiosos têm defendido a tese de que inteligência é algo que não deve ser
analisado entre as espécies e sim avaliado para cada uma em função dos desafios que
tem por enfrentar e do modo como escolhe, dentre os conjuntos de informação de que
dispõe, aquele que lhe oferece o melhor meio para enfrentar tais desafios com sucesso.
Para sabermos, portanto, se uma outra espécie está em condição de chegar algum dia a
nível semelhante àquele onde o ser humano hoje se encontra não nos basta saber se eles
possuem inteligência, mas, mais que isso, precisamos saber se os indivíduos de tal
espécie têm condição de criar ferramentas e de estabelecer entre si uma forma de
comunicação que mereça ser chamada de linguagem. Ocorre, porém, que o patamar
onde o homem se encontra não representa, necessariamente, um estágio obrigatório para
todas as espécies. Apesar de ser verdade que o domínio da linguagem se afigura como
essencial característica evolutiva, o mesmo não se pode afirmar com respeito à
habilidade para construir ferramentas. Esta última faz-se necessária ou não, dependendo
do meio onde a espécie vive e das condições que ela tem de sobreviver nesse meio.
Capacidade de comunicação complexa e muito mais são características que têm sido
verificadas pelos pesquisadores como existentes em diversas espécies, havendo, entre
elas, algumas que vivem na terra, outras no mar e outra, ainda, que se locomovem pelo
ar. Em artigo posterior daremos um exemplo de cada uma delas de forma a caracterizar
bem essa informação.
***
Maria João de Deus, a querida mãezinha de nosso Chico Xavier, referiu-se aos
habitantes de Saturno com as seguintes palavras: “Nada tinham de comum com os tipos
da humanidade terrena, afigurando-se-me extraordinariamente feios com a sua
organização animalesca, com suas membranas à guisa de asas, tão estranhas para mim,
as quais lhes facultavam o poder de volitar à vontade.” Ante o seu assombro, o instrutor
a esclareceu quanto às condições de vida naquele mundo e, referindo-se aos seus
habitantes, disse a Maria João: “Essas criaturas que te parecem animais egressos das
plagas terrestres, onde os zoófitos encontram os seus elementos de vida, são altamente
dotados de sabedoria, sensibilidade e inteligência. Seus sentidos e percepções são muito
superiores àqueles com que foram aquinhoados os homens terrenos e a preocupação
máxima da sua existência é a intensificação do poder intelectual.”
Nosso pequeno estudo mostrou que as espécies evoluem de forma diferente conforme o
meio onde vivam e os desafios que tenham que enfrentar. E, mais, que cada uma delas,
apesar de trilhar um caminho evolutivo que lhe é próprio, chegará, um dia, ao reino
hominal para alçar-se, daí, à angelitude. Processando-se a evolução em dois mundos,
sabemos que as mudanças necessárias no corpo físico se refletem no corpo sutil e vice-
versa. Logo, o animal que vem evoluindo, há milênios, em meio líquido possui um
corpo físico totalmente adaptado para o meio líquido, com tal adaptação perfeitamente
refletida em seu corpo sutil, o mesmo se podendo dizer, mutatis mutandis, do animal
que vem ao longo da sua evolução, deslocando-se pelo ar.
Aquilo que Maria João percebeu em Saturno, portanto, não foi fruto de sua ilusão, mas
algo perfeitamente possível de se esperar. Sendo Saturno um imenso mundo gasoso, os
seres inteligentes que lá existam têm, forçosamente, que ter seus corpos sutis adaptados
ao meio. Ao constatarmos que espécies de aves vêm evoluindo em inteligência, é
válido, portanto, supor que o caminho que elas irão seguir venha a levá-las, daqui a
vários milênios, a estágio semelhante.
Esperamos ter mostrado evidências bastante apontando para a conclusão de que os
caminhos da evolução anímica são vários e diversos e que a forma humana que
conhecemos na Terra é uma e não a única destinada a receber a alma quando de
seu ingresso no reino hominal. Saudamos, neste ponto, mais uma vez, a sábia cautela
do Codificador.
Bibliografia
Davies, Gareth Huw. Maybe Birdbrains are in Fact Clever. Obtida, em 19/02/2003, de
http://flatrock.org.nz/topics/animals/pigeon_spotting.htm.
Friend, Tim. Crows exceed expected intelligence levels. USA Today. Ed. 09/08/2002.
Recer, Paul. Dolphins show language-like learning. SouthCoast Today. Ed. 25/08/2000.
Xavier, Francisco Cândido. Cartas de Uma Morta. Ditado pelo Espírito Maria João de
Deus. 13 Ed. LAKE, 1999.
____, _______ e Vieira, Waldo. Evolução em Dois Mundos. Ditado pelo Espírito André
Luiz. 13 Ed. FEB, 1993.
http://www.ieja.org/portugues/p_diversoscaminhos.do
Artigos
Ramos da Ciência Surgidos no Século XX Permitem Novo Entendimento quanto à
fronteira existente entre a Inteligência e o Instinto
Como dissemos em nosso outro artigo, publicado nesta revista (RIE), o quadro atual de
conhecimento no estudo do comportamento animal é fruto da maturação de duas
abordagens científicas que surgiram nas décadas de 20 e 30 do século XX, quais sejam,
respectivamente, a Psicologia Associativa e a Etologia. A primeira teve início nos
EUA, com a participação de psicólogos e com enfoque nos comportamentos de
exemplares de animais testados em experimentos de laboratório, associando tais
comportamentos a aprendizado. A segunda, na Europa, com a participação de zoólogos
e com enfoque nos comportamentos espécie-específicos de exemplares observados em
seu habitat natural, associando tais comportamentos a instintos inatos ou herdados
geneticamente. Durante um certo tempo houve acirrado debate entre os estudiosos
partidários das duas abordagens, debate esse que ficou conhecido em inglês como o “the
nature x nurture controversy” (a controvérsia natureza x criação). Hoje em dia, no
entanto, prevalece a noção de que o comportamento animal deva ser visto sempre
segundo seus dois componentes, o instintivo e o aprendido, que aparecem, um e
outro, em maior ou menor grau, conforme a circunstância que se apresenta.
Antes de prosseguirmos em nosso estudo, convém notarmos que nenhuma das duas
abordagens ao estudo do comportamento animal que deram origem ao atual estágio de
conhecimento científico havia ainda surgido por ocasião da Codificação. Em
conseqüência desse fato, tudo o que vamos falar sobre comportamento animal daqui em
diante são elementos de observação de que Allan Kardec não dispunha quando escreveu
na Codificação sobre inteligência e instinto.
Quando um castor constrói uma barragem, por exemplo, assume-se que a solução de
construir a barragem seja um padrão fixo de ação ou instinto. Está na memória genética
de sua espécie, segundo os cientistas, ou na memória anímica da espécie, segundo uma
visão espírita, que a construção de barragens é uma forma de garantir a formação de um
lago da profundidade conveniente para que ele possa construir sua moradia ao abrigo
dos predadores e possa ter uma reserva de alimentos acessível durante o inverno,
quando a superfície do lago está congelada. Entretanto, a constatação de se o lago
precisa ou não ser aprofundado e a forma como irá construir a barragem, se necessária,
assim como a escolha do material de que se irá utilizar para tal, são todos
comportamentos aprendidos, parte por tentativa e erro, quando já age sozinho na fase
adulta, mas parte, certamente, sob
orientação de sua mãe quando mais
novo.
Como vemos, a fronteira que separa a inteligência do instinto é bastante tênue. Não
só porque vários comportamentos que eram tidos como instintivos hoje são ditos
inteligentes como pelo fato, constatado pelos estudiosos, de que os comportamentos
aprendidos por tentativa e erro e por “insight”, que requerem inteligência para ocorrer,
podem, ao cabo de várias gerações, ser consolidados como instintos. O instinto,
portanto, ou, pelo menos, a parte dele conquistada após a definição da individualidade,
pode ser visto como uma espécie de inteligência fóssil enterrada nas profundas camadas
da mente.
Bibliografia
Cardoso, Sílvia Helena, PhD e Sabbatini, Renato M. E., PhD. Aprendendo quem é a sua
Mãe – O comportamento de Imprinting. Obtido em março de 2003 de
http://www.epub.org.br/cm/n14/experimento/lorenz/index-lorenz_p.html.
Beaver. Canadian Wildlife Service Hinterland Who’s Who. Obtido em junho de 2003,
de http://www.cws-scf.ec.gc.ca
http://www.ieja.org/portugues/p_index.htm
> A Liberdade
Artigos
PARTE 1
INTRODUÇÃO
Liberdade, liberdade! Sofrida invocação que, ao longo dos milênios, saiu da boca de
tantos perseguidos, escravizados e dominados por forças que lhes eram estranhas ou por
aquelas que deles mesmos provinham em decorrência de sua insânia ou insensatez.
Invocada que foi por pobres e ricos, fracos e poderosos, seres de raças claras ou escuras,
pronunciada pela boca do homem, da mulher e da criança, ainda assim, tão poucas
vezes foi-lhe captada a verdadeira expressão.
O que é essa liberdade tão decantada em prosa e verso, estandarte das mais diversas
lutas e inesgotável combustível de paixões que se cristalizam por vidas sem fim no
coração dos homens?
A Liberdade é Lei Divina que se expressa em cada estágio de nossa evolução sob um
aspecto diferente.
O Capítulo X da Parte 3a de O Livro dos Espíritos contém, nas questões 825 a 872, as
diversas indagações que o espírito humano se tem colocado ao longo do tempo com
respeito à Lei da Liberdade, as respostas que os nobres Espíritos da falange do Espírito
da Verdade, nosso Mestre Jesus, deram a essas questões e os comentários inspirados
que dedicou a esse tema o Codificador.
Por enfoque didático, achamos por bem abordar os aspectos da Lei da Liberdade,
classificando-os de acordo com aquele componente do Espírito encarnado com que ele
mais se identifica no estágio de evolução no qual se encontra. Assim sendo, passaremos
a comentar, em seqüência, a Liberdade Física, a Liberdade Mental e a Liberdade
Espiritual.
PARTE 2
A LIBERDADE FÍSICA
A Liberdade de Movimento
O ser humano pode ser privado plena ou parcialmente de sua liberdade física em
qualquer estágio de sua evolução. O estágio em que ele se achar, no entanto, irá
determinar os efeitos físicos e morais que tal provação lhe irá acarretar.
Ninguém é capaz de menosprezar o horror que deve ser estar anos a fio enjaulado em
sórdida, escura e úmida prisão, acorrentado a uma parede ou preso pela imobilidade
biológica em uma cama ou cadeira. No entanto, se há quem saia de tal confinamento
encharcado de ódio e desejo de vingança, há, também, os que dali saem aniquilados,
verdadeiros trapos humanos, com a vontade destruída e desprovidos da vontade de
viver. Outros, finalmente, em estágio mais avançado de evolução, produzem exemplos
admiráveis, transformando-se em ícones de coragem, dignidade e força de vontade.
Para mostrarmos que a perda da liberdade física pouco afeta o Espírito evoluído que a
ela é submetido, traremos apenas dois testemunhos deste século, vivos e ativos: Nelson
Mandela, o respeitado presidente da África do Sul, a provar que os muitos anos em que
esteve preso não incutiram nele qualquer desejo de vingança ou revanche contra aqueles
que o prenderam ou motivaram sua prisão. E o genial Stephen Hawking, um dos mais
brilhantes físicos teóricos do século XX, que, apesar de acometido da mais cruel doença
degenerativa, que poderia tê-lo levado cedo ao desencanto e à rejeição à vida, logrou
tornar-se um cientista brilhante, respeitado por toda a comunidade científica e um
pensador de calibre, profundamente espiritualizado, como se vê pela sua maneira de
enfrentar a doença e de se relacionar com as pessoas, apesar de assumir uma postura
agnóstica declarada.
A Liberdade de Ação
Satisfeita sua condição primária de liberdade ao nível físico, enseja o homem vê-la
atendida no nível imediatamente superior, qual seja, o da Liberdade de Ação.
Dado que o ser humano possa se movimentar, é esperado que ele passe a agir em
relação ao ambiente que o rodeia. Suas ações, em cada instante, serão testemunho
inequívoco do bom ou do mau uso que fizer do livre arbítrio ainda incipiente que
possui, comprometendo-lhe o Espírito com a inevitável colheita do que houver
plantado.
A Liberdade de Ação é aquela pela qual o ser humano mais se debate, é aquela que ele
mais discute. No entanto, dentre todas, é ela a mais tolhida.
São três os tolhimentos da liberdade de ação a que pode estar submetido o ser humano.
Dois são explícitos, evidentes: a escravidão e a submissão de um povo por um outro. O
maior de todos, entretanto, e o único, a um tempo universal e que sempre existirá, é
aquele que existe como decorrência natural do convívio social.
A Escravidão:
Os Espíritos foram bem enfáticos, nas respostas às questões 829 a 832, quanto à
escravidão, afirmando ser “contrária à lei de Deus toda sujeição absoluta de um homem
a outro homem”. A escravidão é aberração contrária às leis naturais e não tem atenuante
que a justifique.
Perguntados os Espíritos, na questão 832 do L.E., quanto aos homens que tratam bem os
seus escravos, disseram os sábios instrutores de Kardec:
“Digo que esses compreendem melhor os seus interesses. Igual cuidado dispensam aos
seus bois e cavalos, para que obtenham bom preço no mercado. Não são tão culpados
como os que maltratam os escravos, mas, nem por isso deixam de dispor deles como
uma mercadoria, privando-os do direito de se pertencerem a si mesmos”.
A Submissão de um Povo:
Toda forma de dominação entre povos ou raças é insensata e injustificada. Mais cruel,
no entanto, parece ser aquela que sujeita a raça mais evoluída a outra que lhe sucede o
passo, como vemos, com profundo pesar, ocorrendo com a milenar e espiritualizada
cultura Tibetana.
O Convívio Social:
Respondem os Espíritos:
“Nas do eremita no deserto. Desde que juntos dois homens, há entre eles direitos
recíprocos que lhes cumpre respeitar; não mais, portanto, qualquer deles goza de
liberdade absoluta”.
A inexorável marcha para frente que executa a Humanidade nos faz prever com
segurança uma sociedade do futuro, moralmente evoluída, onde as poucas diferenças de
poder serão aquelas conseqüentes do adiantamento moral e intelectual de cada um. Da
mesma forma, os constrangimentos sociais passarão a ser mínimos, pautados
unicamente pela regra de respeito mútuo que a milenar sabedoria espiritual preconiza:
“Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti”.
PARTE 3
A LIBERDADE MENTAL
A Liberdade de Pensar
Ao contrário do que ocorre com a liberdade física, não há quem possa tolher a outrem a
liberdade de pensar. Reportemo-nos à questão 833 de O Livro dos Espíritos:
“Haverá no homem alguma coisa que escape a todo constrangimento e pela qual goze
de absoluta liberdade?”
“No pensamento goza o homem de ilimitada liberdade, pois não há como pôr-lhe peias.
Pode-se-lhe deter o vôo, porém, não aniquilá-lo”.
Longe de ser para todos, no entanto, bálsamo seguro a lhes minorar os sofrimentos e
conduzir à inalterável harmonia, essa ilimitada liberdade de pensamento constitui para
muitos, ainda atrasados no caminho evolutivo, força terrível a lhes causar as maiores
atribulações.
Além dos males que o livre pensamento possa causar ao próprio indivíduo
inconseqüente, há, ainda, todos aqueles que ele poderá fazer a outrem. As projeções
mentais que o indivíduo atira contra seus semelhantes, tanto as que se limitam à
emanação energética negativa como aquelas que se traduzem em ações físicas
subseqüentes, são arma temível a distribuir sofrimentos e a construir ligações cármicas
negativas que só os séculos lograrão anular.
Ilimitada em seu campo de ação, a mente é qual cavalo bravio a disparar pensamentos
em qualquer direção e, como tal, deve ser conduzida com maestria pelo Espírito, para
que engendre, tão somente, pensamentos salutares. Controlados dessa forma os
pensamentos, serão eles os responsáveis pela evolução do Espírito e não pelo seu maior
endividamento com a Lei.
Todas as ações que o ser humano desempenha ou deseja fazê-lo em uma vida são,
portanto, aquelas que sua consciência lhe permite fazer. É a consciência que dirige o
livre-arbítrio. Enquanto este lhe aponta o que ele pode fazer, aquela lhe indica o que lhe
convém.
Qualquer cidadão pode colocar suas idéias diante de um público universal, a um custo
irrisório, sem qualquer espécie de censura. Se, por um lado, tal Liberdade de Expressão
da Consciência permitiu a divulgação de pornografia, de idéias racistas e de muita
banalidade, por outro, é inegável o quanto tem ajudado na difusão da cultura, da ciência
e da espiritualidade.
O tolhimento à liberdade mental, seja por motivo de saúde, seja por motivo de censura à
livre expressão da consciência, tem efeito imediato na liberdade física, uma vez que,
sendo a mente quem determina as ações do corpo, também lhe determina os
movimentos.
Os amigos espirituais têm trazido até nós o testemunho da existência das mais diversas
formas de criações mentais na dimensão espiritual, indo desde as mais belas construções
que jamais pôde conceber o espírito humano até os mais deprimentes e sórdidos guetos
e campos de tortura que se possa imaginar. Nas dimensões espirituais, não havendo
matéria, não tem o Espírito a necessidade de usar mãos nem ferramentas, bastando
projetar seu pensamento, consciente ou inconscientemente, para que a forma comece a
ser percebida por ele e por aqueles que lhe compartilham a faixa vibratória com as
características plásticas que lhe imprime. É dessa forma, aliás, que os Espíritos mais
desenvolvidos, conhecedores das propriedades plásticas esperadas das construções
mentais das faixas vibratórias inferiores, conseguem construir “perigosas” armas para
manter afastados Espíritos perturbadores, sempre que necessário. E é dessa forma que
cada Espírito ao desencarnar constrói para si o céu ou o inferno de acordo com a faixa
vibracional do pensamento que emite.
PARTE 4
A LIBERDADE ESPIRITUAL
O Livre Arbítrio
Após passar pelos diversos estágios na longa caminhada que empreende para chegar de
átomo a arcanjo, a criatura chega ao reino hominal, dotada de consciência e armada com
a poderosa ferramenta do livre arbítrio. Essa ferramenta poderosa, que lhe é dada,
permitir-lhe-á interferir em sua caminhada, tornando o percurso mais rápido e seguro ou
mais tortuoso e demorado, em conformidade com as ações que empreender, sempre
sujeitas à lei da causalidade.
O livre arbítrio de que goza o ser humano, portanto, não é total. Se, por um lado, ele
pode escolher a cada tempo qual ação irá fazer, por outro, não lhe é permitido escolher
qual a conseqüência que a ação empreendida irá ter em sua caminhada.
Ao contrário do que ocorre com os demais graus de liberdade, portanto, não são apenas
fatores externos que tolhem a liberdade espiritual do ser humano, senão também seu
próprio grau de evolução.
O Constrangimento Espiritual
É farta a boa literatura espírita sobre o constrangimento espiritual, mais conhecido sob o
nome de Obsessão.
Esta forma de constrangimento espiritual é das mais sérias, sobretudo tendo em vista o
estágio ainda predominantemente materialista das ciências médicas.
Devemos ter em mente que, da mesma forma que o constrangimento mental pode levar
ao constrangimento físico, o constrangimento espiritual pode levar não só ao mental
como, também, ao físico.
O evangelista Mateus relata como Jesus restitui a saúde física a dois endemoninhados.
“Apresentaram-lhe, depois, um possesso cego e mudo. Jesus o curou de tal modo que
este falava e via.” (Mt. 12:22)
Como atingiremos, pois, a Liberdade Espiritual, aquela que nos irá permitir a evolução
do livre arbítrio?
Em determinada ocasião, estando nosso Mestre Jesus a ensinar no templo e, após muitos
ali presentes terem crido Nele, Ele ensinou:
“Se permanecerdes na minha palavra, sereis meus verdadeiros discípulos; conhecereis a
verdade, e a verdade vos livrará” (ô:8-31-32).
E quem é discípulo de um Mestre senão aquele que se esforça por fazer tudo o que seu
Mestre lhe ensinou com suas palavras e seu exemplo?
Livre, Afinal
Elevando-se à condição de discípulo do Cristo, o ser humano não mais se deixa dominar
pelas paixões inferiores, não mais se apega ao transitório, não mais magoa a vida, nem
desrespeita as leis da natureza. Tendo galgado à perfeição máxima possível em nosso
orbe planetário, não mais precisará encarnar na Terra, fazendo-o somente na condição
de mensageiro do Divino Mestre.
Ao contrário do que até então lhe acontecia, não mais é submetido à lei da causalidade,
podendo utilizar todo mérito que acumular pelas suas ações sempre positivas em
benefício de seus semelhantes. Constitui tal feito a evolução do livre arbítrio, não mais
limitado às ações, mas aplicável, também, às suas conseqüências.
PARTE 5
CONCLUSÃO
Bibliografia
A Grande Síntese, psicografia de Pietro Ubaldi. Instituto Pietro Ubaldi, 20a. ed.,
Campos dos Goitacazes, 1999.
Bíblia Sagrada, tradução dos originais mediante a versão dos Monges de Maredsous
(Bélgica). Editora Ave-Maria, Ltda., 12a. ed., São Paulo, 1997.
O Livro dos Espíritos, Allan Kardec. FEB, 77 ed., Rio de Janeiro, 1997
rsncosta@terra.com.br
http://www.ieja.org/portugues/Estudos/Artigos/p_liberdade.doc
http://www.terraespiritual.locaweb.com.br/espiritismo/artigo310.html
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Artigos
Uma vez, há alguns anos atrás, um irmão, sério estudioso do Espiritismo, escreveu em
uma lista espírita dizendo, com respeito à dita “magia negra”, que não havia
“arrastamento irresistível” e que, portanto, os espíritas deviam se preocupar com sua
reforma íntima em lugar de “dar curso às bobagens dos outros”.
Sem tirar de todo a razão do nobre irmão, enviamos à lista, na ocasião, uma mensagem
contendo alguns argumentos que procuramos desenvolver abaixo, na esperança de que
sejam úteis ao prezado leitor.
Falar de magia negra no meio Espírita parece um tabu. É evidente que, se soubermos,
como o Senhor Jesus, como estar no mundo sem ser do mundo, não seremos jamais
vítimas de magia alguma. Qualquer Espírita está cansado de ouvir que os Espíritos se
atraem por sintonia e que somente seremos afetados por um Espírito mal intencionado
se nos sintonizarmos com ele. Ocorre que, se todos nós fossemos capazes de manter
nossa vibração elevada o tempo todo, o mundo seria um paraíso. O problema reside
justamente aí: a maioria de nós deixa cair a guarda com muita facilidade. E é justo por
isso que, enquanto ainda somos crianças espirituais, precisamos, e muito, de auxílio.
Escutamos o notável orador e espírita exemplar Divaldo Franco dizer, em uma palestra
à qual assistimos em vídeo, que qualquer um pode pegar um lenço dele e fazer com o
mesmo um trabalho de magia que nada lhe afetará. Em nosso modesto entendimento, o
que Divaldo falou vale para ele mesmo e para uns poucos seres encarnados pelo mundo,
não sendo, porém, de modo algum, uma fórmula que funcione com qualquer um de nós.
É evidente que, não se dando um segundo de descanso no trabalho do bem, Divaldo está
permanentemente em sintonia com Joanna e com outros Espíritos de escol, somente
entrando em sintonia com Espíritos menos nobres em trabalhos voltados para o bem.
Assim, ele pode entrar em cada quarto do palácio do mundo, prestando o máximo de
atenção no que nele ocorre, como conta tradicional historieta oriental, sem entornar o
cálice de paz divina que traz em suas mãos. O mesmo se passava com Chico, Madre
Tereza, Bezerra de Menezes, Ghandi e ocorre hoje com alguns poucos encarnados
espalhados pelo mundo.
Realmente, como disse o irmão que nos interpelou na ocasião, “não há arrastamento
irresistível”. Acontece que, se é verdade que muitos conseguem resistir a alguns
arrastamentos e, muito poucos, a todos, também é verdade que muitos mais não
conseguem resistir quase nunca, a quase nenhum, se deixando, no mais das vezes,
arrastar. Não fosse assim, nosso mundo seria um Mundo Ditoso e não o Mundo de
Provas e Expiações que inegavelmente é.
Aceitar que Magia voltada para o mal existe – não importa a cor que se lhe atribua – não
é “dar curso às bobagens dos outros” e sim estudar, com humildade, o que as tradições
de todas as culturas nos ensinam. E o Espiritismo, o que tem a dizer a respeito?
O que é, afinal, o efeito da magia negra, senão a influência negativa sobre nós da parte
de Espíritos que desejam nos prejudicar? Reconhecer que essa influência existe é dever
de todo espírita estudioso, visto ser assunto tratado fartamente nas obras da Codificação
e em obras posteriores merecedoras de crédito. Forçados que somos a reconhecer que
Espíritos podem nos levar a praticar ou sofrer ações que nos prejudicam caso entrem em
sintonia conosco, resta saber se a ação de tais Espíritos pode ou não ser o resultado de
certos procedimentos levados a efeito por encarnados aos quais se dá o nome de “magia
negra”.
Em O Livro dos Espíritos o assunto é abordado na questão 549, em seção à qual Kardec
deu o nome de “Pactos”:
“Não, não há pactos. Há, porém, naturezas más que simpatizam com os maus Espíritos.
Por exemplo: queres atormentar o teu vizinho e não sabes como hás de fazer.
Chamas então por Espíritos inferiores que, como tu, só querem o mal e que, para te
ajudarem, exigem que também os sirvas em seus maus desígnios. Mas, não se segue que
o teu vizinho não possa livrar-se deles por meio de uma conjuração oposta e pela ação
da sua vontade. Aquele que intenta praticar uma ação má, pelo simples fato de alimentar
essa intenção, chama em seu auxílio maus Espíritos, aos quais fica então obrigado a
servir, porque dele também precisam esses Espíritos, para o mal que queiram fazer.
Nisto é que consiste o pacto.”
Como podemos ver, pelo esclarecimento dos instrutores espirituais, rituais porventura
utilizados nos procedimentos de magia negra são de menor ou de nenhuma importância,
resumindo-se o que ocorre à questão da sintonia. Encarnados que vibram no mal se
vinculam a desencarnados que vibram nas mesmas freqüências, ajudando-se uns aos
outros na prática das más ações.
Todo espírita sabe que os desencarnados agem como agiam quando encarnados.
Portanto, se um líder de uma organização criminosa, que tratava seus comandados a
ferro e a fogo, vem a desencarnar, é evidente que continuará agindo da mesma forma
quando, desencarnado, se vincular a encarnados no serviço do mal, causando um
evidente problema para os que a ele se vincularem. Mesmo não tendo sido líder na
criminalidade terrena, um desencarnado que se compraz em prejudicar pessoas a quem
não conhece é sempre um Espírito emocionalmente desequilibrado e com força de
vontade mal orientada, constituindo-se em parceiro perturbador para quem a ele se
associa. Logo, aqueles que praticam a chamada “magia negra” acabam, no mais das
vezes, sendo as principais “vítimas” de suas próprias ações equivocadas.
Assim, se, por um lado, devemos saber manter a guarda levantada contra as investidas
de Espíritos perturbadores, vinculados ou não a encarnados que nos desejem mal, por
outro, devemos sempre orar por eles, sabedores de que, no mais das vezes, estão, uns e
outros, em situação muito mais difícil que nós e precisando muito do nosso auxílio,
mesmo crendo, na sua ignorância, serem eles nossos algozes.
O amável leitor poderia, a esta altura, nos perguntar: “E como posso eu manter a guarda
levantada contra as investidas de Espíritos perturbadores?” “Na resposta dos Espíritos a
Kardec, eles falam de ‘conjuração oposta’. O que é isso?”
Fazer uma “conjuração oposta” é chamar em nosso auxílio nossos guias espirituais ou
os Espíritos protetores da casa espírita à qual nos vinculamos, pedindo a eles que nos
inspirem em nossos atos e palavras, desse modo nos protegendo das investidas do mal.
“Orai e vigiai para não cairdes em tentação”, foi o ensinamento que o Mestre nos
deixou. Sigamos o ensinamento de Jesus com confiança, mesmo sabendo que ainda
somos crianças espirituais e que, por isso, seremos ainda tentados muitas vezes. O
importante é não desistirmos jamais.
Bibliografia
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 76 ed. Rio de Janeiro: FEB, 1995.
http://www.ieja.org/portugues/p_index.htm
> Não Saiba a Vossa Mão Esquerda o que Dê a Vossa Mão Direita
Artigos
Não Saiba a Vossa Mão Esquerda o que Dê a Vossa Mão Direita
O Evangelho segundo o Espiritismo, Capítulo XIII
Tende cuidado em não praticar as boas obras diante dos homens, para serem vistas,
pois, do contrário, não recebereis recompensa de vosso Pai que está nos céus. - Assim,
quando derdes esmola, não trombeteeis, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas
ruas, para serem louvados pelos homens. Digo-vos, em verdade, que eles já receberam
sua recompensa. - Quando derdes esmola, não saiba a vossa mão esquerda o que faz a
vossa mão direita; - a fim de que a esmola fique em segredo, e vosso Pai, que vê o que
se passa em segredo, vos recompensará. - (Mateus, VI, 1 a 4)
Fazer o Bem sem Ostentação é o título que Kardec escolheu para comentar a passagem
acima. Disse ele:
A beneficência praticada sem ostentação tem duplo mérito. Além de ser caridade
material, é caridade moral, visto que resguarda a suscetibilidade do beneficiado, faz-lhe
aceitar o benefício, sem que seu amor-próprio se ressinta e salvaguardando-lhe a
dignidade de homem, porquanto aceitar um serviço é coisa bem diversa de receber uma
esmola. Ora,converter em esmola o serviço, pela maneira de prestá-lo, é humilhar o que
o recebe, e, em humilhar a outrem, há sempre orgulho e maldade. A verdadeira
caridade, ao contrário, é delicada e engenhosa no dissimular o benefício, no evitar até as
simples aparências capazes de melindrar, dado que todo atrito moral aumenta o
sofrimento que se origina da necessidade. Ela sabe encontrar palavras brandas e afáveis
que colocam o beneficiado à vontade em presença do benfeitor, ao passo que a caridade
orgulhosa o esmaga. A verdadeira generosidade adquire toda a sublimidade, quando o
benfeitor, invertendo os papéis, acha meios de figurar como beneficiado diante daquele
a quem presta serviço. Eis o que significam estas palavras: "Não saiba a mão esquerda o
que dá a direita."
O dito popular que escolhemos como título desta seção de nosso estudo equivale ao que
Kardec utilizou no Capítulo XIII de O Evangelho Segundo o Espiritismo, qual seja :
“Convidar os Pobres e os Estropiados. Dar sem esperar Retribuição”. Isso dizemos,
posto que aquilo que o dito popular quer dizer não é que devamos desviar o olhar
daqueles a quem servimos, mas, sim, que não devemos levar em consideração se nossos
beneficiados são pobres ou ricos, fracos ou fortes, belos ou feios, saudáveis ou doentes.
Dar sem esperar retribuição é possível quando não fazem diferença para nós as
características materiais daquele que é o objeto de nossa caridade, pois sabemos que
tanto ele quanto nós somos Espíritos imortais, irmãos na caminhada rumo à perfeição.
Entender perfeitamente esta diretriz requer, no entanto, que saibamos que a caridade de
que estamos falando não é apenas a caridade material, uma vez que os ricos dela
prescindem, mas, também e, principalmente, a caridade moral. Desta, ao contrário
daquela, necessitam ricos e pobres.
Desejo compreendais bem o que seja a caridade moral, que todos podem praticar, que
nada custa, materialmente falando, porém, que é a mais difícil de exercer-se.
Essa caridade, no entanto, não deve obstar à outra. Tende, porém, cuidado,
principalmente em não tratar com desprezo o vosso semelhante. Lembrai-vos de tudo o
que já vos tenho dito: Tende presente sempre que, repelindo um pobre, talvez repilais
um Espírito que vos foi caro e que, no momento, se encontra em posição inferior à
vossa. Encontrei aqui um dos pobres da Terra, a quem, por felicidade, eu pudera auxiliar
algumas vezes, e ao qual, a meu turno, tenho agora de implorar auxílio.
Na prática da caridade, seja ela moral ou material, devemos ter em mente duas
lições:
A primeira é aquela para a qual a Irmã Rosália nos chama a atenção, isto é, que o pobre
a quem atendemos com o auxílio material pode ser um Espírito mais evoluído que nós.
Não só pode, é bom que saibamos, como deve. Afinal, as cruzes mais pesadas são
sempre entregues a quem já está preparado para suportá-las.
A segunda diz respeito à retribuição em si. Muito poucos Espíritos encarnados no
planeta estão aqui em missão. A grande maioria de nós, talvez a quase totalidade, está
nesta Terra para resgatar os erros do passado e aprender como melhor se comportar em
relação ao próximo. Assim sendo, é necessário que estejamos conscientes, ao
praticarmos a caridade, que tal atitude é, antes de tudo, em nosso próprio proveito e que
aquele que parece ser nosso beneficiado nada mais é que alma caridosa que nos
beneficia ao nos dar a oportunidade de servi-la. Ao praticar a caridade, portanto, mais
do que agirmos como se fossemos nós que estivéssemos recebendo a caridade, devemos
estar conscientes de que é isso mesmo que de fato ocorre. Ao final da ação caritativa o
que nos cabe é agradecer a Deus pela oportunidade que tivemos de servir e não nos
julgar merecedores de sua graça, posto já a termos recebido.
O Óbolo da Viúva
Em nosso estágio evolutivo, nos é difícil avaliar de modo igual as doações portentosas
que sustentam as despesas da casa e o trabalho, que nos parece insignificante, daquelas
pessoas que prestam os pequenos serviços necessários. Intimamente julgamos que as
coisas pequenas qualquer um pode fazer, ao passo que as grandes contribuições são
raras e, por isso, devem ser objeto de nosso agradecimento e das justas homenagens que
ocorrem. O ensinamento de Jesus, no entanto, nos alerta para o equívoco desse
raciocínio. Nenhum de nós sabe o quanto custa para cada pessoa o serviço que presta no
Centro Espírita, só Deus o sabe. Abstenhamo-nos, portanto, de enaltecer uns e
ignorar os outros. Façamos a nossa parte com dedicação e diligência, acreditando, de
coração, que cada um estará, também, fazendo segundo suas possibilidades, não importa
o quanto aquilo que fazem pareça valer aos olhos dos homens.
Estando Jesus a observar, viu os ricos lançarem suas ofertas no gazofilácio. Viu também
certa viúva pobre lançar ali duas pequenas moedas; e disse: Verdadeiramente, vos digo
que esta viúva pobre deu mais do que todos. Porque todos estes deram como oferta
daquilo que lhes sobrava; esta, porém, da sua pobreza deu tudo o que possuía, todo o
seu sustento. (Lucas, XXI, 1 a 4)
No entanto, se, mesmo após muito procurar, a pessoa não reconheça em si nenhum
talento escondido, ainda resta a vontade de ser útil e a ajuda da espiritualidade. A esse
respeito, transcrevemos abaixo a fala de Kardec:
Todo aquele que sinceramente deseja ser útil a seus irmãos, mil ocasiões encontrará de
realizar o seu desejo. Procure-as e elas se lhe depararão; se não for de um modo, será de
outro, porque ninguém há que, no pleno gozo de suas faculdades, não possa prestar um
serviço qualquer, prodigalizar um consolo, minorar um sofrimento físico ou moral,
fazer um esforço útil. Não dispõem todos, à falta de dinheiro, do seu trabalho, do seu
tempo, do seu repouso, para de tudo isso dar uma parte ao próximo? Também aí está a
dádiva do pobre, o óbolo da viúva.
Quando temos vontade de servir, a espiritualidade não nos nega auxílio, sempre nos
guiando até os necessitados que estejam ao nosso alcance ajudar. Façamos, pois, a nossa
parte, nos colocando disponíveis para o serviço do bem.
Dentre as muitas catástrofes que marcaram os últimos anos, duas se destacam pela sua
violência. A primeira se deu no dia 11 de setembro de 2001, quando o mundo todo
assistiu, estarrecido, ao atentado terrorista às torres gêmeas do World Trade Center, uma
tragédia de enormes proporções, provocada integralmente pelo homem e que teve com
saldo mais de dez mil mortos e uma escalada de violência sem igual desde o fim da
Segunda Guerra Mundial. A segunda teve causa natural. Foi no dia 26 de dezembro
passado, quando ocorreu um maremoto gigantesco em conseqüência de um terremoto de
8,9 graus na escala Richter, com epicentro localizado no leito do mar próximo à Ilha de
Sumatra, matando mais de sessenta mil pessoas em diversos países da Ásia e na costa
leste da África. Foi considerado o mais violento no planeta nos últimos 40 anos.
737. Com que fim fere Deus a Humanidade por meio de flagelos destruidores?
"Para fazê-la progredir mais depressa. Já não dissemos ser a destruição uma necessidade
para a regeneração moral dos Espíritos, que, em cada nova existência, sobem um degrau
na escala do aperfeiçoamento? Preciso é que se veja o objetivo, para que os resultados
possam ser apreciados. Somente do vosso ponto de vista pessoal os apreciais; daí vem
que os qualificais de flagelos, por efeito do prejuízo que vos causam. Essas subversões,
porém, são freqüentemente necessárias para que mais pronto se dê o advento de uma
melhor ordem de coisas e para que se realize em alguns anos o que teria exigido muitos
séculos."
Quem é caridoso de coração encontra os infortúnios ocultos à sua volta, no lar, nas
ruas, no trabalho ou onde quer que seja e, tendo-o encontrado, logo se põe a
serviço, procurando minimizar o sofrimento dos infortunados. Para que possamos
encontrar os infortúnios ocultos é necessário que calemos nosso ego e foquemos a
atenção no próximo. O necessitado pode estar do nosso lado todo o dia e nunca o termos
percebido, pois as demandas de nossas emoções descontroladas somente permitem que
vejamos nossas próprias necessidades e carências.
Aprender a ser caridoso sem a pressão emocional dos grandes flagelos requer força de
vontade e dedicação. E, sendo assim, não é de se estranhar que Kardec tenha ocupado a
maior parte da seção em que fala dos infortúnios ocultos com um exemplo de como uma
senhora praticava a caridade ao mesmo tempo em que exemplificava e explicava à sua
filha como fazê-lo. A esse propósito, é bom saber que...
Sim, caridade se ensina, por palavras e, sobretudo, pelo exemplo. Como as crianças não
trabalham e, desse modo, não possuem dinheiro ganho com seus próprios esforços, é
uma excelente oportunidade para que mostremos a elas como podem fazer caridade sem
dar esmolas. Podemos envolvê-las nas ações caritativas pedindo sua participação com
trabalhos que estejam ao seu alcance, valorizando esses trabalhos e explicando o mérito
dos mesmos. Podemos envolvê-las nas preces pelos necessitados. São muitas as
maneiras de ensinarmos a caridade às crianças.
Lembrando que a caridade não é apenas material mas, também, moral, devemos
constantemente, pelo exemplo, principalmente, mas também, pelas palavras, ensinar às
crianças a serem tolerantes, pacientes e gentis com seus colegas e amigos, em primeiro
lugar, mas também com as demais pessoas com que se relacionam ao longo do dia.
Podemos ensiná-las a identificar os infortúnios ocultos de modo que saibam desde
pequenos quando devem ser tolerantes, compreensivos e prestativos quando alguém
com que se relacionam demonstre os sintomas de sofrimento físico ou moral.
Mais que homens de bem, se ensinarmos a nossos filhos a caridade moral, além da
material, eles serão os verdadeiros cristãos de que a nossa Terra precisa para se tornar o
mundo de regeneração que tanto esperamos e pelo qual tanto oramos.
A tão conhecida Oração de São Francisco, da qual falaremos mais à frente, dá a receita
para quem deseja trilhar o caminho da caridade: Onde houver tristeza, que eu leve a
alegria
Na prática da caridade, seja ela material ou moral, devemos, portanto, nos portar
convenientemente a cada situação. Abordagens padronizadas devem ser evitadas.
Avaliemos com cuidado e atenção as necessidades do irmão a quem queremos ajudar e,
com base em nossa percepção e na avaliação que fizermos dessa percepção, escolhamos
a abordagem mais adequada a cada caso.
Na Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios, o incansável apóstolo dos gentios nos
fala, de modo poético e sábio, sobre a Caridade:
Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver caridade, sou como
o bronze que soa, ou como o címbalo que retine. Mesmo que eu tivesse o dom da
profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência; mesmo que tivesse toda a fé,
a ponto de transportar montanhas, se não tiver caridade, não sou nada. Ainda que
distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu
corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada valeria!
Por ora subsistem a fé, a esperança e a caridade - as três. Porém, a maior delas é a
caridade.
A transcrição acima foi feita a partir da tradução dos originais gregos realizada pelos
Monges de Maredsous. Ela, como a Vulgata, se refere à caridade. Ocorre que outras
traduções, como a edição revisada de Almeida, utilizam, em lugar de “caridade”, a
palavra “amor”. Afinal, poderíamos nos perguntar, de que falava Paulo, da “caridade”
ou do “amor”? Para podermos responder a esta pergunta, é necessário recorrermos ao
original.
O Amor e a Caridade
Eros é o amor apaixonado, o desejo intenso por alguma coisa ou alguém. Ele é,
comumente, associado ao amor sexual, mas, na realidade, é mais que isso. Eros é o
estágio primitivo, irracional do amor, correspondendo às paixões que sentimos, seja por
pessoas, coisas ou idéias. Eros está relacionado à satisfação pessoal, ao sentimento de
realização, como, também, ao orgulho e à vaidade. Se estacionarmos nesse estágio,
nosso amor é egoísta, tudo querendo para nosso próprio prazer, nossa própria satisfação.
No entanto, se o possuirmos de forma controlada e o utilizarmos como um motor para
as nobres realizações em benefício do próximo, é instrumento importante à nossa
disposição, pois nos mantém vibrantes e empolgados, não nos permitindo desanimar
jamais.
Estritamente, Fília se refere ao amor existente entre pais e filhos, entre familiares e entre
entes próximos. Por extensão, porém, pode ser entendido como amizade. Ao contrário
de Eros, Fília ocorre como o resultado da apreciação que temos por aqueles que nos são
próximos. É amor emocional, mas, também, racional. Como Fília se entendem, também,
as lealdades que temos na família, no trabalho e na sociedade em geral. Se nos
satisfazemos com Fília e restringimos nossas ações do bem àqueles que nos são
queridos, permanecemos no amor possessivo, pois, ao limitarmos nossa ajuda aos entes
que nos são mais próximos, forçosamente esperaremos deles fidelidade a nós, julgando-
os nossos devedores. Estacionados nesse estágio, somente amamos nossos familiares,
nossos colegas, nossa raça, nossa cor de pele, nossa religião, formando, com quem se
encontra no mesmo estágio que nós, as diversas comunidades exclusivistas e sectárias
que se espalham pelo mundo afora. Entretanto, Fília pode ser usado, também, com
equilíbrio e sabedoria, da mesma forma que Eros. Basta que saibamos que todos são
filhos de Deus e, portanto, nossos irmãos e irmãs, constituindo toda a humanidade uma
imensa família.
Ágape se refere estritamente ao amor de Deus pelos homens e dos homens por Deus,
mas pode ser entendido como o amor incondicional, o estágio final da evolução do
amor. Quem tem ágape no coração faz o bem sem ostentação, serve a todos com igual
dedicação, percebe os infortúnios ocultos e age para minorá-los, assim como se
empenha nas grandes desgraças com bravura e determinação. Ensina a todos à sua volta,
não tanto por palavras, mas, mormente, pelo exemplo constante. É alegre e sereno,
estando sempre pronto para o serviço do bem e a cada um se dirigindo conforme suas
necessidades.
O amor ágape é paciente, bondoso. Não tem inveja, não é orgulhoso. Não é arrogante,
nem escandaloso. Não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda
rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade. Tudo desculpa,
tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O Amor Ágape em ação se chama Caridade
É possível que, a esta altura, estejamos a nos perguntar: “Existe uma receita segura de
como se fazer caridade? “ A resposta e essa pergunta, meus amigos, é: “Sim, existe!”.
Segundo os registros históricos, a primeira vez que a linda prece, conhecida como “A
Oração de São Francisco”, apareceu, foi em 1912, na França, em uma pequena revista
chamada “La Clochette” (O Sininho). Durante certo tempo foi republicada como de
autor anônimo para, mais tarde, sua autoria ter sido, aos poucos, atribuída ao
“pobrezinho de Assis”.
Ocorre que, apesar de “A Oração de São Francisco” não constar entre as preces
oficialmente reconhecidas como escritas por Francisco, a beleza e a sabedoria nela
contidas sugere, a nosso ver, que um Espírito de grande adiantamento a escreveu, quer
diretamente, quer por psicografia. O fato de ter sido um médium inconsciente inspirado
pelo próprio Francisco de Assis nos parece uma hipótese razoável.
Vejamos, na "Oração de São Francisco", como existe uma receita completa de como
praticar a caridade:
A receita de caridade preconizada por São Francisco inclui o ato de ensinar a quem sabe
menos que nós, quando nos conclama a levar fé onde houver dúvida e luz onde reinarem
as trevas. Ë nesse sentido que devemos entender quando nos dizem que divulgar a
Doutrina Espírita é um ato de caridade.
Conclusão
Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros, perdão
das ofensas.
Como vimos, a Caridade, seja ela material ou moral, deve ser feita a todos, com
discrição e desprendimento. Ela pode e deve ser ensinada a todos aqueles que estiver ao
nosso alcance ensinar, com palavras, quando possível, mas, sobretudo, com nossas
atitudes. Fiscalizemos nosso pensamento, nossas palavras e ações, o tempo todo,
verificando se estamos sendo caridosos. Se constatarmos que faltamos à caridade com
este ou aquele irmão, não desesperemos, fazendo o reparo na primeira oportunidade que
se apresentar. Não enalteçamos a caridade de um irmão em detrimento da de um outro,
que nos pareça menor, uma vez que nada sabemos do que um e o outro podem dar.
Avaliemos com atenção a necessidade de cada irmão a quem vamos ajudar, para que
saibamos usar, em cada caso, a abordagem mais adequada ao sucesso da empreitada.
Vamos falhar, sim, falhar muito no início. Nosso amor ainda tem muito de Eros e de
Fília. Evoluir para o amor Ágape, identificado com a verdadeira Caridade Cristã, é o
esforço que devemos fazer dia após dia. Pode levar anos, décadas, séculos ou milênios,
não faz mal.
O importante é que jamais desistamos de ser caridosos, conscientes de que, como nos
ensina a Codificação:
Bibliografia
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 112 Ed. Rio de Janeiro: FEB,
1996.
Id. Viagem Espírita em 1862. 3 Ed. Matão: Casa Editora O Clarim, 2000.
RENOUX, Christian. The Origins of the Peace Prayer of Saint Francis. Obtido em 11 de
abril de 2005 de http://www.franciscan-archive.org/franciscana/peace.html
Bíblia Sagrada. Tradução dos Monges de Maredsous. 112 Ed. São Paulo: Ave Mara,
1997.
Renato Costa
http://www.ieja.org/portugues/p_index.htm
Estudo apresentado no Centro Espírita Caminheiros do Bem
Nova Friburgo, RJ, em
17 de abril de 2005
Artigos
Há uma questão que deixa vários irmãos e irmãs espíritas intrigados, por mais que
sejam estudiosos dedicados da Codificação. É o porquê de animais, particularmente
os domésticos que convivem com o homem, passarem às vezes por tanto
sofrimento.
Nem os estudiosos espíritas nem os cientistas que estudam os animais viram até hoje
qualquer evidência apontando para a existência neles de consciência moral. Os animais
superiores, aqueles que estão mais adiantados na senda evolutiva, já possuem uma
forma de consciência do eu, segundo as experiências feitas com algumas espécies de
primatas, cetáceos e aves têm demonstrado. Mesmo essa consciência do eu, no entanto,
talvez não seja tão complexa quanto a do homem, que possui a chamada “teoria da
mente”, que, em poucas palavras, é essa habilidade que temos de reconhecer nos outros
a mesma consciência que sabemos existir em nós, permitindo que nos comportemos de
modo compatível com aquilo que nossa mente informa sobre a mente alheia. Os
estudiosos não dizem que os animais superiores por eles estudados não possuam tal
estágio de consciência do eu, mas reconhecem ainda não ter idéia de como fazer tal
avaliação.
Ora, partindo-se da premissa de que os animais não têm consciência moral, isto é, o
conhecimento do bem e do mal, é forçoso concluir que eles não são responsáveis pelos
seus atos. Sendo assim, eles não estão sujeitos à Lei da Causalidade (Causa e Efeito) e,
por conseguinte, um deles não pode estar, ao sofrer, resgatando, por exemplo, a morte
que causou em outros animais para se alimentar.
Antes de nos aprofundarmos na questão, gostaríamos de deixar claro uma diferença que
passa despercebida por muita gente. Que os animais na natureza sintam dor, no sentido
restrito do termo, disso não há a menor dúvida. Dor, em seu sentido restrito, é um efeito
físico que serve para alertar o animal de que algo está errado em alguma parte do seu
corpo, exigindo dele cuidados especiais com essa parte que é a fonte da dor. A dor
incomoda e todo animal faz o possível para se livrar dela. Sofrimento, por sua vez, é um
efeito emocional. Por outro lado, quando falamos de dor em um ser humano, sempre
associamos à dor a idéia de sofrimento, dando ao termo dor um sentido mais amplo. Na
verdade, porém, o único “animal” que conhecemos um pouco melhor é o ser humano e,
por isso, temos a tendência de interpretar o comportamento das espécies animais com
base naquilo que conhecemos de nós mesmos. Quando sentimos dor, nosso rosto se
contrai, nosso corpo se contorce, nossa testa se enruga, os olhos se entristecem. Esses
mesmos sintomas sendo por nós percebidos em um animal, imediatamente nos fazem
concluir que o mesmo está sofrendo. Mas será que ele sofre do mesmo modo que nós?
Saber se um animal sofre ou não é uma questão complexa e que os profissionais que
estudam as diversas espécies animais pesquisam com interesse, sem terem, até hoje
chegado a qualquer conclusão definitiva.
Mesmo sem estarmos certos quanto ao que sente o animal com a dor, ainda nos resta
entender a razão da dor sofrida por um animal. A única resposta que nos vem à mente é
“aprendizado”, a eterna resposta para as dificuldades da vida.
Tendo em mente que o objetivo da dor é aprendizado, podemos daí depreender que, ao
sentir dor ou ao ter uma parte do corpo inabilitada, o animal está desenvolvendo suas
emoções, aprendendo a lidar com limitações, preparando-se para seu porvir no reino
hominal. Uma comparação que nos ocorre é com a vida profissional como a
conhecemos. Seria justo que o CRM (Conselho Regional de Medicina), por exemplo,
cobrasse responsabilidade profissional ao estudante do primeiro ou segundo ano do
curso de Medicina ou que o CREA (Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e
Urbanismo) o fizesse ao estudante do primeiro ou segundo ano de Engenharia? É certo
que não. Com base nessa comparação, é fácil ver que não é justo que as Leis de Deus
cobrem responsabilidade aos animais, que estão apenas aprendendo a lidar com suas
emoções. Por melhores e mais adiantados que sejam, ainda são alunos e, como tal
devem ser tratados.
O amigo leitor pode perguntar, nesse ponto, porque um animal específico pode ser
submetido à dor mais que um outro da mesma espécie e da mesma raça, às vezes
mesmo da mesma família nuclear. A resposta é simples: porque as espécies animais
mais evoluídas já estão individualizadas. Cada cão, gato ou cavalo é um indivíduo, em
estágio específico de evolução, necessitando, portanto, de experiências próprias, não
necessariamente iguais às de que necessitam seus pares.
Por ora, cremos ser o que se pode afirmar sobre o assunto. Esperemos os avanços da
ciência em seus estudos sobre o comportamento animal para que novas informações nos
permitam melhor entendimento sobre a questão em pauta. Até lá, estejamos certos de
que nada, absolutamente nada, na natureza ocorre sem um propósito. Desse modo, onde
quer que vejamos uma ocorrência cuja razão de ser nos escape, saibamos que isso se
deve apenas à nossa ignorância.
Artigos
Uma obra erudita geralmente é avaliada por um crítico sério após lê-la e relê-la por
diversas vezes, tendo em vista que ele precisa se familiarizar, primeiramente, com o
assunto abordado e com a forma como a abordagem é feita, para, depois, supridas as
eventuais deficiências de conhecimento sobre o que vai analisar, ele possa fazê-lo da
melhor forma possível.
Ora, todo estudioso espírita já leu e releu O Livro dos Espíritos uma infinidade de
vezes, se não de ponta a ponta, pelo menos de forma livre, consultando freqüentemente
esta ou aquela questão, as respostas a ela dada pelos Espíritos e o comentário pertinente
colocado pelo Codificador antes de passar à questão seguinte.
Pois bem, apesar de esta obra basilar da Doutrina Espírita já ter sido objeto de
incontáveis estudos pelos mais diversos estudiosos de várias partes do mundo, cremos
que a sua Questão Primeira contém um significado que passou despercebido até hoje
para a maioria dos espíritas.
Dizemos isso porque temos ouvido a toda hora oradores e escritores respeitáveis e
cultos referindo-se a Deus como “o Criador” ou “o Pai Criador”, a despeito de não
terem os Espíritos usado tal designação em sua resposta, fato este, a meu ver, de uma
significância profunda que precisa ser mais bem entendida.
A pergunta de Kardec foi de imensa sabedoria. Intuído, como sempre, por Espíritos de
grande adiantamento, o Codificador não criou restrições para a resposta, o que teria
feito se tivesse perguntado “Quem é Deus?“ Em vez disso, para não condicionar a
resposta, ele perguntou “Que é Deus?“.
Notável resultado obteve Kardec com a sua pergunta, pois, ao responderem os Espíritos
que Deus é “a inteligência suprema, causa primeira de todas as coisas”, eles,
também, deixaram claro que Deus não era localizável pelo homem em qualquer escala
por ele conhecida hoje ou que venha a sê-lo no porvir.
O termo “criador”, por outro lado, está associado em nosso entendimento a uma
criatura, um ser que cria alguma coisa. É assim que os agnósticos se divertem com os
crentes perguntando a eles: “Já que vocês dizem que Deus criou o Universo, nos digam
quem criou Deus”.
Artigos
Modelo proposto pelo neurologista americano Paul MacLean, auxilia a entender nossa
história
MacLean acredita que nossa caixa craniana contenha não um, mas três encéfalos, sendo
cada um deles o registro de um estágio diferente de nossa evolução. Ele chama seu
paradigma de “Encéfalo Triúnico”.
O encéfalo mais antigo está situado atrás e embaixo. O mais recente, na parte superior
dianteira. O intermediário, entre eles, na parte central.
O mais antigo dos três encéfalos é o reptiliano, primitivo ou arquipálio, que Mac- Lean
também chama de “Complexo-R”. Corresponde ao cerebelo e ao tronco encefálico
(mesencéfalo, ponte de Varólio e bulbo raquidiano). É responsável pelos processos de
auto-sustentação do corpo, como a respiração, o batimento cardíaco e o sono, assim
como pelos rituais imutáveis de aproximação, ataque, vôo e acasalamento, processos
que não requerem controle consciente, mas que são essenciais à vida do animal, tanto
que o encéfalo reptiliano jamais pára de funcionar, nem durante o sono profundo. O
encéfalo reptiliano não muda, não aprende com a experiência. A ele se limita quase a
totalidade do encéfalo dos répteis atuais, tendo estado presente nos répteis que
precederam aos mamíferos, há cerca de 240 milhões de anos. O encéfalo reptiliano
corresponde ao comportamento mecânico, puramente instintivo.
O neocórtex, córtex ou neopálio é o encéfalo principal dos primatas, que foram dos
últimos mamíferos a aparecerem. Ele constitui cerca de cinco sextos da massa total do
encéfalo humano, tendo evoluído no último milhão de anos. MacLean o chama de
encéfalo neomamífero, o que significa mamífero recente. Todos os mamíferos possuem
neocórtex, mas somente nos primatas e cetáceos ele é particularmente importante. Esse
encéfalo neomamífero é responsável pelas funções cognitivas mais nobres, como a
linguagem e o raciocínio. O neocórtex é responsável pelo comportamento racional.
Como vimos, todos os três encéfalos colaboram para produzir o comportamento dos
mamíferos e do homem, em particular, que, conforme as necessidades e circunstâncias,
ora mostra-se predominantemente mecânico, ora emocional e ora racional.
Como vimos, o modelo proposto pelo neurologista MacLean é bastante elegante e útil,
servindo para explicar, de um modo claro e didático, como ocorreu a evolução humana,
desde os instintos mais primitivos da vida autônoma até o uso das atividades mais
nobres da mente, a razão e a consciência, passando pela etapa intermediária de
aprendizado para adaptação ao meio. Outra característica interessante do modelo de
MacLean é que ele permite que imaginemos o aparecimento de novas camadas em
nosso encéfalo, à medida que formos galgando os patamares que nos levarão à
perfeição.
Bibliografia
SCARUFFI, Piero. Book review of Paul MacLean’s The Triune Brain in Evolution.
Obtido, em 27/01/2003. de www.thymos.com/mind/maclean.html
> Será obter a prova científica da existência de Deus uma meta alcançável pela
humanidade atual?
Artigos
Qualquer espírita que não tenha tido formação científica ficará, no mínimo, surpreso se,
após ler, na Parte I. Capítulo 1 de O Livro dos Espíritos, as questões 4 a 9, que tratam
das Provas da Existência de Deus, for informado de que a maior parte da comunidade
científica não só não crê em Deus como sequer considera a existência ou não de Deus
uma questão a ser tratada.
Antes de esclarecermos o ponto acima destacado, convém definirmos bem dois termos
com significados diferentes, mas que costumam, equivocadamente, ser tratados como se
sinônimos fossem, quais sejam, ateísmo e agnosticismo.
Bem, o que têm as definições acima a ver com nosso estudo? Muito simples: A filosofia
predominante da ciência hoje em dia e desde o início do século XX é, com menores ou
menores variações, o chamado Positivismo Lógico, que, como iremos ver, tem uma
postura totalmente agnóstica.
O Positivismo Lógico foi uma corrente filosófica que surgiu na Áustria e na Alemanha
na década de 20 do século passado, voltada à análise lógica do conhecimento científico.
O Positivismo Lógico negava qualquer sentido na filosofia tradicional e na metafísica,
afirmando que muitos dos problemas então ditos filosóficos careciam até mesmo de
sentido enquanto problemas. Na década de 30, os mais importantes representantes do
Positivismo Lógico migraram para os Estados Unidos, onde influenciaram
consideravelmente a filosofia americana. Pode-se dizer que, até a década de 50 do
século passado, o Positivismo Lógico foi adotado praticamente como única abordagem
à filosofia da Ciência pela comunidade internacional. Daí o porque de sua influência
ainda ser tão forte hoje em dia, apesar de propostas mais flexíveis terem ganhado força
posteriormente, em decorrência da própria ampliação do campo de pesquisa das ciências
em direção ao macro e ao micro-cosmos.
Diz o chamado Princípio da Verificabilidade que uma sentença faz sentido se e somente
se ela puder ser provada verdadeira ou falsa, pelo menos em princípio, por meio de
experiência. Em outras palavras, uma sentença é significativa factualmente para uma
pessoa qualquer se e somente se ela souber como verificar a proposição que tal sentença
pretende expressar, isto é, se a pessoa souber quais observações poderão ser feitas que a
levarão, sob certas condições definidas, a aceitar a proposição como verdadeira ou a
rejeitá-la como falsa.
O sentido de uma sentença, portanto, está no conhecimento que temos das condições em
que a dita sentença poderá ser provada verdadeira ou falsa. Sentenças metafísicas são,
por isso mesmo, inválidas para o Positivista Lógico, pois, para ele, não fazem sentido
como sentenças. O motivo para tal é evidente. Afinal, nenhum dos atributos
normalmente relacionados ao divino pode fazer parte de uma sentença válida para o
Positivismo Lógico, posto que conceitos como infinitamente justo, infinitamente bom,
onipotente e onisciente formarão sempre proposições inverificáveis.
Indo ao cerne da questão, que é a própria idéia de Deus, vale lembrar que, como já nos
ensinava a mais antiga tradição religiosa da Humanidade, a multimilenar religião hindu,
Brahman, o Absoluto, é incognoscível. Ora, sendo incognoscível, toda afirmação que O
tenha como termo é inverificável. Como tal, Deus jamais será comprovado pela Ciência
que hoje conhecemos. Mais que isso, tal Ciência sequer considerará a busca da
divindade entre as metas a que irá se dedicar.
Como dissemos, outras filosofias foram propostas para a ciência após o Positivismo
Lógico, sem que nenhuma delas tenha, entretanto, prescindido da verificabilidade. Ao
contrário do que ocorria no século XIX, no entanto, a comunidade científica atual sabe
que a verdade que procura provar é provisória e que será, mais tarde, reformulada ou
negada pelo próprio avanço da ciência, inexoravelmente.
Tal certeza reforça mais ainda a postura agnóstica da Ciência. Se, antes, afirmações
sobre Deus eram descartadas como metafísicas, hoje, nem mesmo as teorias
comprovadas, por mais que tratem com conceitos finitos e cognoscíveis, são vistas hoje
como definitivas e imutáveis. Colocando de outro modo, a comunidade científica em
nossos dias sabe que não procura a verdade absoluta. Assim sendo, uma vez que Deus é
a Verdade Absoluta, não há como ela um dia O vir a encontrar.
Esperamos ter deixado claro ao leitor quanto ao porque de ser o homem atual incapaz de
comprovar Deus através de sua ciência. Esperemos, portanto, pacientes, que a
Humanidade terrestre se alce a patamares mais altos de evolução. Crescendo a
Humanidade em entendimento, crescerá em alcance sua ciência e nova e mais
abrangente será a filosofia a inspirá-la. A esse respeito, convém dar atenção à questão
seguinte de O Livro dos Espíritos e à sua sábia resposta:
Como vemos, não devemos esperar tal mudança para este ou para os séculos vindouros.
A Ciência, como podemos entender em nosso estágio atual de desenvolvimento, não
pode prescindir de uma filosofia semelhante às que hoje adota. Não se trata de
incapacidade intelectual. Por mais brilhante que seja o aluno do CA, ninguém espera
dele que proponha uma revolucionária teoria econômica, invente um dispositivo
eletrônico ou encontre a cura de importante doença. Tudo tem seu tempo na senda
evolutiva. Hoje, imersos na matéria e com nossos sentidos por ela obscurecidos, nossa
percepção de Deus vem pela meditação, pela intuição, pela comunhão com o que há de
melhor em nós, com o mais íntimo de nosso ser, em decorrência da reforma íntima.
Não queremos concluir nosso estudo sem pedir que o leitor atente para o fato de que
estamos falando exclusivamente da prova da existência de Deus e não de provas outras
concernentes aos fenômenos de natureza espiritual. Estes, ao contrário de Deus, a Causa
Primária, fazem parte da criação, são cognoscíveis e verificáveis e, sendo assim, mais
dia, menos dia, a Ciência atual os logrará comprovar.
Bibliografia
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 77 Ed. Rio de Janeiro: FEB, 1997.
URL: http://www.philosophypages.com/hy/6q.htm.
Artigos
Como dissemos em nosso artigo de maio, publicado nesta revista, o quadro atual de
conhecimento no estudo do comportamento animal é fruto da maturação de duas
abordagens científicas que surgiram nas décadas de 20 e 30 do século XX, quais sejam,
respectivamente, a Psicologia Associativa e a Etologia. A primeira teve início nos EUA,
com a participação de psicólogos e com enfoque nos comportamentos de exemplares de
animais testados em experimentos de laboratório, associando tais comportamentos a
aprendizado. A segunda, na Europa, com a participação de zoólogos e com enfoque nos
comportamentos espécie-específicos de exemplares observados em seu habitat natural,
associando tais comportamentos a instintos inatos ou herdados geneticamente. Durante
um certo tempo houve acirrado debate entre os estudiosos partidários das duas
abordagens, debate esse que ficou conhecido em inglês como o “the nature x nurture
controversy” (a controvérsia natureza x criação). Hoje em dia, no entanto, prevalece a
noção de que o comportamento animal deva ser visto sempre segundo seus dois
componentes, o instintivo e o aprendido, que aparecem, um e outro, em maior ou menor
grau, conforme a circunstância que se apresenta.
Antes de prosseguirmos em nosso estudo, convém notarmos que nenhuma das duas
abordagens ao estudo do comportamento animal que deram origem ao atual estágio de
conhecimento científico havia ainda surgido por ocasião da Codificação. Em
conseqüência desse fato, tudo o que vamos falar sobre comportamento animal daqui em
diante são elementos de observação de que Allan Kardec não dispunha quando escreveu
na Codificação sobre inteligência e instinto.
Como vemos, a fronteira que separa a inteligência do instinto é bastante tênue. Não só
porque vários comportamentos que eram tidos como instintivos hoje são ditos
inteligentes como pelo fato, constatado pelos estudiosos, de que os comportamentos
aprendidos por tentativa e erro e por “insight”, que requerem inteligência para ocorrer,
podem, ao cabo de várias gerações, ser consolidados como instintos. O instinto,
portanto, ou, pelo menos, a parte dele conquistada após a definição da individualidade,
pode ser visto como uma espécie de inteligência fóssil enterrada nas profundas camadas
da mente.
Bibliografia
Cardoso, Sílvia Helena, PhD e Sabbatini, Renato M. E., PhD. Aprendendo quem é a sua
Mãe – O comportamento de Imprinting. Obtido em março de 2003 de
http://www.epub.org.br/cm/n14/experimento/lorenz/index-lorenz_p.html.
Beaver. Canadian Wildlife Service Hinterland Who’s Who. Obtido em junho de 2003,
de http://www.cws-scf.ec.gc.ca
Kohler’s Work on Insight Behavior. Animal Cognition Home Page. Obtido, em março
de 2003, de
http://www.piegon.psy.tufts.edu/psych26/hohler.htm.
Artigos
Não resta dúvida de que, como nos ensinou a mediunidade de nosso saudoso Chico, a
enxada que não trabalha enferruja. Não resta dúvida, tampouco, que, em um país como
o Brasil, em que a Doutrina Espírita está tão bem divulgada, onde existem tantas Casas
Espíritas e tantas obras de caridade, onde há tantos desencantados e doentes do corpo e
da alma, não faltam oportunidades de auxílio aos necessitados, encarnados e
desencarnados. Só não se envolve em atividades mediúnicas em nosso país quem não
quer, é mal informado ou desconhece o fator mediúnico em nossas vidas, a mediunidade
como ela realmente é.
Entretanto, situação bem diversa se dá em certos países ditos “de primeiro mundo”.
Minha experiência em websites espiritualistas estrangeiros deu-me a oportunidade de
travar contato com inúmeros médiuns perturbados habitando em países onde a
mediunidade deles é incompreendida e as oportunidades de auxílio que abundam no
Brasil simplesmente inexistem. Em tais países desenvolvidos não existe pobreza
material, a religião existente é dogmática e estagnada e ensinamentos esotéricos
desencontrados são misturados de modo comercial e confuso, em um quadro de
desamparo e desalento para tais médiuns sofredores, isolados em seus conflitos e
simplesmente dados como loucos ou perturbados.
Como a Justiça Divina é perfeita, não há como supor que alguém reencarne com
mediunidade em tal situação sem ter como utilizá-la com bom proveito. Desse modo,
parece-me evidente que a mediunidade possa ser exercida qualitativamente a contento e
em intensidade satisfatória não só em atividades tradicionalmente entendidas como
mediúnicas, mas, também e, até mesmo principalmente, nas simples atividades do dia-a-
dia.
Logo, um abraço amoroso pode ser uma atividade mediúnica inconsciente. Por que
razão um Espírito bom não aproveitaria tal oportunidade para beneficiar a pessoa
abraçada, utilizando-se do agente do abraço como médium? Uma prece, um pensamento
carinhoso, um aperto de mão, um olhar compassivo, são tantas as formas naturais de
passe que podemos dar no dia-a-dia, com o concurso de nossos mentores e guias, em
um inequívoco uso de nossa mediunidade. Quando a mãe passa a mão suavemente no
cabelo de seu querido filho ou filha, não poderá ela estar usando sua mediunidade e
dando um passe, apesar de inconsciente de tal fato?
Não estou sendo meramente teórico em minhas considerações. Observo e sinto em meu
dia-a-dia que estou utilizando minha mediunidade a todo o instante. Sim, é verdade,
conheço a Doutrina Espírita e isso me permite estar consciente do que faço. No entanto,
que diferença faz? Um médium inconsciente pode ser muito eficiente como agente de
cura em um abraço dado em uma pessoa doente na casa deste último. Basta, para tanto,
que, ao dar esse abraço, ele esteja em sintonia com os bons Espíritos e que encha seu
coração de amor pela pessoa a quem abraça.
Concluindo minhas observações, quero dizer que é nessa linha que sempre procurei
orientar os médiuns perturbados que escreviam nos websites espiritualistas estrangeiros
que freqüentava. Dizia a eles que se esforçassem por ser pessoas melhores, um dia após
o outro. Que aprendessem a olhar para todos à sua volta como irmãos e irmãs. Que, se
lhes fosse difícil perdoar a quem os ofendesse, que, pelo menos, por eles não
alimentassem rancor, procurando esquecer as ofensas recebidas; que orassem por todos
à sua volta; que valorizassem os apertos de mão, os abraços, os olhares, e projetassem
amor em tais comportamentos, de outra forma constituídos de simples formalidades
sociais. Dizia, finalmente, que procurassem aquele parente ou conhecido velho e doente
e os visitassem, conversassem com ele, lhe trouxessem alento com sua simples
presença.
É isso que queria dizer. Costumo ler muitas vezes orientações de como usar a
mediunidade que se aplicam somente no Brasil ou, no máximo, em alguns poucos
lugares do planeta. Gostaria que os irmãos e irmãs explorassem mais outras situações,
mesmo porque, nada nos garante que venhamos a ter nossa próxima reencarnação neste
querido País. Que tal, então, começarmos desde agora a praticar?
O Movimento Espírita pode estar muito mais amplo e divulgado no Brasil que em
outras partes do mundo, mas a Doutrina Espírita é para toda a humanidade, neste
planeta e em outros mais. É mister, portanto, que saibamos praticar os ensinamentos do
Mestre, explicados com tanta clareza pelo Espiritismo, estejamos onde estejamos, quer
conheçamos a Codificação de forma explícita, pela sua leitura e estudo na vida atual,
quer de forma intuitiva, pelas lembranças de estudos sérios que tenhamos feito nas vidas
que passaram.
Artigos
O testemunho autêntico daqueles que nos antecederam na grande viagem, sem dúvida, é
o grande trunfo do Espiritismo, já que as informações mediúnicas continuam
acontecendo e motivando-nos ao exercício das responsabilidades assumidas no sentido
de concretizar os ideais evolutivos. Pois bem, vamos ao fato. Certa feita, durante o
intervalo de interessante seminário espírita, conversávamos animadamente sobre os
temas ali desenvolvidos, quando um dos interlocutores, aproveitando uma deixa,
revelou-se conhecedor do hinduísmo e dos preceitos védicos. Citou inúmeras pérolas do
acervo religioso oriental e defendeu ardentemente o desenvolvimento dos chacras,
mormente o "genésico", por meio de práticas externas, como necessidade de se atingir a
plenitude espiritual ainda no transcurso da existência terrena.
Tal detalhe, em princípio, não nos impressionou, pois já estamos acostumados a lidar
com os cultores do intelectualismo científico e, que de antemão, consideram a doutrina
ultrapassada, desvalorizando os seus aspectos filosóficos e religiosos. Habitualmente
definem posturas insensatas a favor do laicismo, ou seja, de um Espiritismo sem o
Cristo. Ao nosso ver, essa opção radical é completamente equivocada, pois rompe as
ligações entre os pilares de sustentação do Espiritismo, atrofiando o seu conceito amplo
de modo a torná-lo enfraquecido pela ausência do estímulo auto-transformador. Aliás, a
questão da reforma íntima tem sido refutada por tais indivíduos, pelo fato de constituir-
se um objetivo bem mais difícil de ser alcançado, vez que implica no esforço de
crescimento vertical do ser, resolução nem sempre fácil de ser efetivada. É sabidamente
mais cômodo para os que se julgam acima dos postulados codificadores, dar asas ao
intelectualismo vazio e sem objetivo dignificante.
Por isso, antes de cogitar do desenvolvimento aleatório dos "centros de força", que o
discípulo se decida pelo urgente desabrochar dos sentimentos afetivos, pois a auto-
iluminação verdadeira brota na intimidade do ser, ou seja, mobiliza-se de dentro para
fora à medida que ele se desvencilha do egoísmo, da vaidade e da inveja.
vitorrc@brturbo.com
Artigos
Para nós que assistimos de longe, o "criacionismo científico" (doravante apenas
"criacionismo", mesmo que os dois não sejam necessariamente a mesma coisa) nos
Estados Unidos é algo estranho. Como é possível que este país, que é o mais avançado
em termos científicos e tecnológicos, abrigue um movimento tão anacrônico, partidário
da crença de que a terra foi feita durante um período curto, há pouco tempo atrás? A
resposta parece ser de que de alguma forma o próprio avanço da ciência tem levado a
essa forma bizarra de reação religiosa, no contexto mais geral do que tem sido chamado
desde meados dos anos 90 de "guerras culturais" ou "guerras de ciência". Mas primeiro
falaremos um pouco sobre como o criacionismo se manifesta no Brasil. Daí, sem a
pretensão de originalidade, ou de sumarizar uma vez mais os aspectos principais do
movimento criacionista, tentaremos discutir alguns elementos da resposta a esse
enigma, também incluindo certo grau de comparação entre o caso norte-americano e o
brasileiro. Além disso, indicarei algumas lições que podemos tirar para o ensino das
ciências na escola, argumentando que uma melhor compreensão das bases históricas e
culturais desse movimento é sugerida para a melhoria de nosso ensino. Ao final, e de
modo mais tentativo, argumentarei em favor de um ponto de vista específico para o
ensino sobre a religião em escolas privadas e públicas.
Uma primeira percepção é que, por mais ativos que os criacionistas sejam no Brasil, sua
militância está restrita a certos círculos protestantes. A questão é, o quanto isto
representa? Minha suspeita é a de que, se no momento não há ainda um grande impacto
público, esta situação pode mudar no futuro. A razão para tanto é que esses círculos
estão crescendo em número, também entre a classe média de nível universitário. Mesmo
que essas pessoas não estejam militando a favor do criacionismo em seus círculos
profissionais, não há nenhuma garantia que, em face de novos desafios, elas tornar-se-
ão, ou não, mais ativas no âmbito público. Se assim for, como elas se apresentariam?
No presente elas estão sendo doutrinadas com pequenos livretos, ou outros materiais
com finalidades apologéticas, que apresentam respostas prontas para argumentos-padrão
encontrados em livros-texto sobre a teoria darwiniana.
Primeiro, toda a batalha foi travada em torno do que se conta como verdadeira ciência, e
da separação igreja-estado. O pano de fundo cultural não foi apreciado de maneira
adequada e, diga-se de passagem, ainda não está claro na mente dos cientistas. Uma das
poucas exceções é a de um renomado biólogo, certamente um defensor da teoria
evolucionária que pode ser considerado acima de qualquer suspeita. Quando resenhava
um livro de Carl Sagan, este incansável batalhador contra a pseudo-ciência, Richard
Lewontin disse o seguinte:
A palavra fundamentalista toca ainda em outro ponto, mal usada como é. Ao invés de
apontar, como muitos julgam hoje, para intolerância e obscurantismo, originalmente ela
significava crenças mantidas de forma secular e profunda, e reverência para com a
tradição. Se nós respeitamos judeus ortodoxos, por exemplo, porque julgar os
fundamentalistas de acordo com outros padrões? A resposta aparenta ser clara: na
medida em que os últimos mantenham suas crenças para si próprios, então não haverá
problema. Este surge quando os fundamentalistas tentam inculcar essas crenças nas
mentes de todos os outros em currículos escolares. Assim a separação dos liberais entre
razão pública e razão privada vem à superfície, mas com uma mudança. Os defensores
da teoria da evolução consideram seus propósitos como nobres, representantes da
verdade tanto no domínio da ciência como no do bem comum, enquanto que os
criacionistas são descritos como pessoas mal intencionadas, usando os meios sujos de
políticas locais.
Se o caráter duvidoso da ação política é assinalado apenas para um lado, segue-se uma
representação falaciosa: o fundamentalismo passa a ser a encarnação do mal, seus
defensores tendo interesses escusos na apropriação de corações e mentes. Assim, há
ainda mais razões para banir a religião do domínio público em geral e das escolas
públicas em particular. Entretanto, não apenas esse duplo padrão esconde o caráter
político das ações da corporação científica, como também empresta à separação igreja-
estado uma rigidez desproporcional, ignorando diferenças locais e dando lugar a
ressentimentos.
Isto me leva ao segundo ponto, que é a tendência crescente de tomar essa separação
como um dogma. Na maioria dos países onde também há separação igreja-estado, na
medida em que as sociedades sejam majoritariamente religiosas (como no caso do
Brasil), essa separação tem fronteiras fluidas. Isso não é de se admirar, tal é a
importância que hoje se reconhece da religião na cultura. Manter uma posição inflexível
leva a um acréscimo de tensão dentro da sociedade, que se toma difícil de tolerar.
Retornaremos a estas considerações mais adiante.
De fato, os criacionistas têm uma certa razão quando mantêm que a teoria da evolução é
ensinada nas escolas não apenas como ciência "dura" mas também como uma visão de
mundo, um substituto da religião. Os próprios evolucionistas (historiadores, filósofos,
biólogos, etc...) estão começando a reconhecer que as batalhas ideológicas em torno da
teoria da evolução são melhor caracterizadas, não como conflitos entre ciência e
religião, mas como um confronto entre visões de mundo. Isto é verdade não apenas para
o passado (por exemplo, o darwinismo social de Spencer) mas também para o presente
(p.ex., a consiliência - gradual extensão do paradigma darwiniano para dar conta
também das tradições religiosas e humanistas - proposta por Edward Wilson). Isto não
significa que a teoria da evolução seja apenas uma construção social. Significa mais que
estamos em face dos limites da cognição humana, e do fato de que qualquer teoria de
longo alcance nas ciências possui meandros metafísicos e religiosos. O esforço neo-
positivista (e popperiano) de traçar uma linha clara de demarcação entre ciência e não
ciência é largamente reconhecido como tendo falhado. Não é apenas um problema de
aplicações malévolas (por exemplo, eugenia), mas principalmente o de que a própria
teoria presta-se a interpretações que são funcionalmente religiosas. Assim entende-se
por que a tarefa de desentranhar aspectos religiosos do ensino da evolução, apesar de ser
nobre e até necessária, em última instância fica sem uma solução final.
O que está sendo proposto pode parecer herético e até detestável, mas a longo prazo
pode apresentar-se como a melhor defesa contra a ameaça do criacionismo, tanto em
escolas públicas como privadas. O ensino sobre religião (para evitar a ambigüidade da
expressão mais comum, "ensino religioso") é uma necessidade para a escola
contemporânea, não apenas porque a religião (e as religiões) tornaram-se por demais
importantes em décadas recentes para serem excluídas de currículos escolares, mas
também porque todas as outras atividades humanas são de alguma forma permeadas por
estruturas religiosas.
A experiência brasileira em anos recentes pode ser educativa neste momento. Primeiro,
por causa do papel proeminente que as escolas privadas cumprem na formação das
elites científicas do país. Ao invés de alguém continuar mantendo que "você pode
ensinar o que quiser em seu domínio privado, contanto que não mexa nas escolas
públicas", é certamente melhor perseguir apenas um único objetivo: construir a boa
escola! Segundo, a nova Constituição de 1988 oficializou a permissão do ensino de
religião em escolas públicas, e isto foi recentemente normatizado na Lei de Diretrizes e
Bases (LDB). Discussões interessantes e trabalho em conjunto têm ocorrido em
diferentes partes do país, permitindo que se leve em consideração diferenças regionais.
Evidentemente é difícil predizer o que virá depois, mas é certamente possível ter-se um
ensino significativo sobre religião, defensável na esfera pública.
Ainda temos muito o que aprender a respeito de como ensinar sobre religião no
alvorecer deste novo século. Por exemplo, muitos dos conteúdos que são propostos no
Brasil salientam o componente moral da ação humana, enquanto que, como estamos
vendo ao longo deste trabalho, os problemas mais interessantes parecem localizar-se no
domínio cognitivo. Questões sobre a realidade e seu conhecimento, e a formação de
visões de mundo racionais, precisam vir à tona, e o mesmo vale para o ensino de
ciências. Sim, a teoria da evolução carrega uma visão de mundo em seu seio. Entretanto,
ela é plástica, e nesta plasticidade ela pode ser certamente benéfica, e não danosa a uma
visão de mundo cristã. Se a teoria da evolução é ensinada tendo em mente seu
aparecimento histórico e suas nuances religiosas, ela então pode ser engajada com a
religião no que esta tem de melhor, criticamente refletida. O resultado final é o de uma
mente crítica, capaz de resistir a qualquer doutrinação cega, vinda seja do lado de uma
ou outra disciplina no currículo escolar, ou do lado de interesses de lideranças
religiosas.
Conclusão
Começamos este texto de uma maneira mais descritiva, indicando como um fenômeno
peculiar do mundo norte-americano (o criacionismo) pode estar se espalhando para um
país como o Brasil. Mencionamos também os problemas que podem estar relacionados
a esta expansão. Para compreendê-los melhor, retomamos um pouco da história recente
da controvérsia norte-americana e de suas lições. Por outro lado, situando-nos em um
contexto mais amplo, tivemos oportunidade de argumentar em favor de uma abordagem
algo diferente para tal problema.
Se essa busca comum em torno de uma visão mais ampla de racionalidade ocorrer,
então talvez um dia essas controvérsias em torno do criacionismo simplesmente
desapareçam, assim como a necessidade de um artigo como este. A história e o
jornalismo perderiam assim um tópico interessante, mas a boa ciência e a boa religião
teriam muito a ganhar.
Leituras Suplementares
Miller, Kenneth R. 1999. Finding Darwin's God: a scientist's search for common ground
between God and evolution. New York: Cliff Street Books.
Numbers, Ronald L. 1992. The creationists: the evolution of scientific creationism. New
York: Alfred A. Knopf.
Ruse, Michael. 2002. O mistério de todos os mistérios. Vila Nova de Falamicão (PT):
Edições Quasi.
_______. 2001. Can a darwinian be a christian? The relationship between science and
religion. Cambridge: Cambridge University Press
http://www.comciencia.br/200407/reportagens/16.shtml
Artigos
“As promessas da cura do câncer e da terapia genética já deviam ter ensinado um pouco
mais de humildade a quem vê na religião apenas uma barreira” diz o pesquisador
Eduardo Rodrigues da Cruz.
Físico e teólogo, o professor Eduardo Rodrigues da Cruz conseguiu unir duas áreas
aparentemente divergentes em sua carreira. Coordenador do curso de pós-graduação de
ciências da religião da PUC de São Paulo, ele promove o diálogo entre ambas, por meio
de estudos, pesquisas, trabalhos e análises das manifestações religiosas, dentro de uma
abordagem interdisciplinar.
Autor do livro A persistência dos deuses: religião, cultura e natureza, ele acredita que
somente os pesquisadores têm a ganhar a curto prazo com a chancela oficial para uso de
células-tronco embrionárias e defende que a religião ajuda a enfatizar que a definição de
pessoa não passa unicamente pela sua racionalidade.
ComCiência - O senhor é cientista (físico) e religioso (teólogo), como fez a ponte entre
ciência e religião em sua vida? Quando começou a se interessar pelo tema?
Eduardo Cruz - Comecei a carreira como físico, em uma época em que os físicos
debatiam acaloradamente as grandes questões sociais e intelectuais, e era mais comum
que eles passassem a desenvolver outras atividades mais filosóficas. Paralelamente, a
Igreja de São Paulo desenvolvia um ativo trabalho pastoral, um espaço de liberdade e
criatividade em face da ditadura. Junte-se a isto uma formação religiosa, e foi assim que
começou meu fascínio pelas interfaces entre ciência e religião. Se é possível estabelecer
pontes ou não, é uma hipótese que estou continuamente a testar. Construir pontes desse
tipo não é trabalho para técnicos, mas sim para desbravadores arrojados.
ComCiência - Muitos cientistas costumam ver a religião apenas como barreira para os
avanços científicos. A religião pode de alguma forma ajudar a ciência e a sociedade,
principalmente quando se refere a questões éticas? Quem garante que uma inovação ou
descoberta científica será aproveitada de maneira responsável e contribuir para uma
vida melhor?
Eduardo Cruz - Sem dúvida, a religião sempre surgiu como uma reserva de sentido
contra o espírito de can do-will do (posso fazer-vou fazer), frequentemente travestido na
pele de avanços científicos. As promessas da cura do câncer e da terapia genética já
deviam ter ensinado um pouco mais de humildade a quem só vê na religião uma
barreira.
ComCiência - Quais serão os desafios do novo papa em relação aos temas científicos? O
senhor acredita que se a Igreja não começar a dialogar mais com a ciência e se atualizar
poderá perder ainda mais fiéis, principalmente no Brasil?
Eduardo Cruz - Justamente por ser um papa de sólida formação intelectual, vindo de um
país onde cientistas e teólogos já têm uma tradição de debate e diálogo, é de se esperar
que ele estimule, ainda mais que João Paulo II, o diálogo com a ciência. Por outro lado,
sociologicamente não há um nexo entre "ser atualizada" e "ganhar fiéis". Por exemplo,
as igrejas protestantes na Europa, em princípio mais atualizadas que a católica, perdem
ainda mais fiéis. Há outros critérios para "atualizado" que não o científico, veja-se o
sucesso das igrejas evangélicas no Brasil.
http://www.comciencia.br/entrevistas/2005/05/entrevista1.htm
"Se é preciso que eu tenha um nome digam que sou o Caboclo das Sete
Encruzilhadas, pois não haverá caminhos fechados para mim. Venho trazer a
Umbanda, religião que harmonizará as famílias e que perdurará até o final dos séculos"
...
"Nós aprenderemos com aqueles espíritos que souberem mais e ensinaremos os que
souberem menos e a nenhum viraremos as costas ou diremos não."
Com estas palavras, o Caboclo das Sete Encruzilhadas, incorporado em seu médium
Zélio Fernandino de Moraes, que na época contava com 17 anos, fundou a religião
de Umbanda, tendo se manifestado dentro da recém fundada Federação Espírita de
Niterói, no dia 15 de Novembro de 1908.
A influência kardecista na tenda seria grande, contando inclusive com uma "mesa
branca" para os trabalhos de desobsessão.
Zélio de Moraes dedicou todos os dias de sua vida à Umbanda até o ano de 1975,
quando se deu o seu desencarne. Foram inúmeros casos de orientação espiritual,
desobsessões e curas que vão das mais simples até as milagrosas.
Durante os seus 67 anos de trabalho voltado para a Umbanda, Zélio fundou dezenas de
Tendas e ajudou a fundar centenas delas. Das tendas fundadas por ele, que se
mantinham sob seu comando indireto, continua ativa ainda a Tenda Espírita São Jorge,
sob o comando do Sr. Pedro Miranda, também presidente da União Espírita de
Umbanda do Brasil, que já se chamou Federação Espírita de Umbanda do Brasil, a
primeira Federação da nossa religião fundada em 1939 por orientação do Caboclo das
Sete Encruzilhadas.
Zélio de Moraes era homem de um coração e bondade que pouco se vê, comparado
apenas aos grandes Mestres Iluminados que já passaram por esta Terra.
Muito se fala sobre a origem da palavra Umbanda, podemos citar aqui pelo menos
três prováveis origens:
Pode ter vindo do kimbundo, língua falada em Angola, onde significa a arte de cura ou
a prática espiritual do Sacerdote Xamã Kimbanda. Alguns acreditam que a palavra teria
vindo do sânscrito Aumbhandã, traduzido por Conjunto das Leis de Deus. Há ainda uma
teoria mais popular e até simpática para o significado da palavra onde o Um é Deus e a
Banda somos nós, logo Umbanda seria nós e Deus, ou a Banda do Um.
Zélio deixou um legado para seus descendentes: A mais antiga tenda de Umbanda existe
e funciona até os dias de hoje na Travessa Zélio de Moraes em Boca do Mato, no
município de Cachoeiras de Macacu, onde funciona também a Cabana de Pai Antônio.
À frente dos trabalhos hoje está a neta carnal de Zélio de Moraes a Sra. Lygia Cunha.
Mãe Zilméia de Moraes Cunha (Mãe carnal de Lygia) se encontra na flor dos seus 93
anos de idade com uma lucidez de impressionar qualquer pessoa.
Mãe Zilméia é uma senhora de uma grande simpatia e muita simplicidade no modo de
viver. A forma como expressa seus sentimentos a caracterizam como a pessoa mais
amorosa que este simples escrevente teve o prazer de conhecer.
Pai Antônio sempre a chamou de carneirinho, por suas madeixas douradas e seu jeito
doce de lidar com as pessoas. Mãe Zilméia se emociona ao lembrar de tantos anos ao
lado de seu Pai na lida espiritual e sempre que relata alguns dos casos e histórias que
envolvem sua vida espiritual costuma dizer: "Não me arrependo de nada, faria tudo
outra vez;" "Nasci para ser espírita!", "Papai sempre dizia..."
Não há quem não se sinta ao lado de uma Mãe ou de uma Avó muito querida, quando
tem a oportunidade de trocar algumas palavras com esta querida, de todos nós mãe,
Zilméia, filha carnal de Zélio de Moraes.
Jornal de Umbanda Sagrada
Artigos
Olá amigos e irmãos, estou postando este texto para a sua apreciação.
O que motivou este texto foi uma onda de criticas que tenho visto sobre os cursos.
Antes gostaria de dizer que não há como criticar o que não se conhece, o mínimo que se
espera para dar uma opinião sobre algo é conhecer o “objeto” ao qual se quer “abordar”.
Podemos dizer que temos várias maneiras de identificar grupos e subgrupos dentro da
umbanda, hoje se fala inclusive em escolas de umbanda, o que é uma realidade, como
grupos que tem uma certa ideologia e linha de raciocínio sobre a umbanda.
Um grupo que acredita no estudo umbandista e outro que não acredita no estudo.
Para muitos o estudo na forma de curso é novidade, já que hoje tivemos uma grande
popularização do conhecimento umbandista em forma de curso.
Poucos sabem que há muitos anos já existem cursos voltados para a Umbanda e o
precursor deste modelo é Pai Ronaldo Linares, que ao meu ver é um exemplo de
Umbandista para todos nós, homem sério, integro, de moral ilibada, humilde, acessível,
atencioso, estudioso e um dos que mais trabalhou em prol da Umbanda no Brasil e mais
especificamente em nosso estado. Haja visto o Santuário Nacional da Umbanda
(www.santuariodeumbanda.com.br) mantido por ele e por sua Federação FUGABC,
também exemplos de trabalho pela Umbanda e para Umbanda.
Posso dizer ainda que quando conheci o Rubens também estava procurando respostas
enquanto umbandista praticante e na época já havia encontrado alguns “sacerdotes” que
mais nos confundiam e confundem por pregar e escrever uma coisa e praticar outra e
por tantas literaturas desencontradas. Também tive minhas decepções até encontrar este
irmão, o Rubens, que nos esclareceu ainda em particular e na época em pequenos
grupos. Foram os mentores dele, Pai Benedito de Aruanda, Pai Beira Mar e Pai Sete
Espadas que o esclareceu que com o tempo este conhecimento que vinha sendo passado
a um pequeno grupo deveria se expandir para beneficiar um numero maior de
umbandistas. Assim foi colocado pelos guias que o assistem:
“esta é a vontade do astral”, em 1995, e ele não tinha nenhuma pretensão de ser ou se
tornar um líder ou algo parecido dentro da Umbanda, posso falar tudo isso porque
acompanhei todo o processo de perto, o tempo todo o Rubens foi guiado, passo a passo
ele consultava o astral e o que posso dizer é que todos nós que estávamos mais perto
deste irmão vibramos muito com esta oportunidade e nós todos, seus amigos também o
incentivamos a ensinar, ensinar e ensinar... aquilo que tanto nos faz bem que é a
Umbanda. Por isso tomo a liberdade de passar o texto abaixo, ainda faço uma
observação que hoje também estudo com Pai Ronaldo Linares, por recomendação do
próprio Rubens Saraceni, Pai Ronaldo aprendeu o que ensina com Pai Zélio de Moraes
O fato é que muitos foram preparados (ou “despreparados”) desta forma dentro da
Umbanda, muitos ouviram estas frases a vida inteira e hoje apenas fazem repetir a
mesma frase, acompanhada de um ar de mistério e olhar inquisidor, para os que estão
sob a sua orientação (ou “desorientação”).
Conhecemos muitos médiuns que não sabem explicar a relação entre Santos Católicos e
Orixás existente na Umbanda, seja ela de Sincretismo ou de Co-participação no culto a
Deus, suas divindades e seus mensageiros. Outros fazem confusão entre o que é um
Orixá como Oxalá e Deus, que pode ser chamado de Zambi, Tupã, Olorun ou
Olodumarê. Confunde-se ainda os conceitos e dogmas católicos com os fundamentos de
Umbanda. Muitos batem cabeça e não sabem porque estão fazendo isso, sacerdotes que
não tem segurança ou não entendem mesmo o porque se realizar rituais de batizado,
casamento e encomenda fúnebre. Confunde-se Umbanda, Candomblé e Espiritismo
(Kardecismo). Encontram-se ainda perdidos sem saber como se classificam ou se devem
se classificar como Umbanda Branca, Umbanda Mista, Umbanda Trançada, Umbanda
Esotérica, Umbanda Iniciática, Umbanda Carismática, Umbanda de Raiz, Umbanda
Omololô, Umbanda de Caboclo e Umbanda para todos os gostos.
Apesar da Umbanda ser uma religião aberta, muitos umbandistas sofreram influencias
do ocultismo e esoterismo europeu, que zela pelo segredo, entraram assim na umbanda
também em alguns seguimentos um estudo considerado fechado ou ainda o conceito de
ocultar os ensinamentos. Muitos também ocultaram os conhecimentos por pressão da
sociedade, pela repressão e preconceito que a Umbanda sofreu, muitos não apenas
ocultaram sua identidade de umbandista como também toda e qualquer informação
sobre ela.
Aos primeiros podemos dizer que segredo só é segredo quando apenas um o conhece,
de outra forma é noticia, assim nos mostra os livros que foram publicados sobre
umbanda ao longo dos tempos, inclusive de autores que beberam em fontes que não
tinham interesse de publicá-las, mas logo aparece um espertinho, absorve “o segredo
alheio” e publica, nem sempre citando a fonte de origem.
Ao segundo grupo precisamos lembrar que não há motivos para nos esconder ou
esconder nossa religião, temos que assumir “O Orgulho de ser Umbandista”.
Triste realidade, convivemos ainda hoje com um terceiro grupo que até ontem pregavam
“o segredo”, hoje querem ensinar e não sabem para quem, mas de qualquer forma
pregam que “todos são iguais, mas só nós temos a verdade”, criticam a tudo e a todos e
se dizem universalistas.
Mas a grande maioria está sedenta de conhecimento, pois “o saber é luz e a ignorância é
trevas”.
Por tudo isso devemos estudar Umbanda, estamos na era da informação, a nova geração
não aceita mais respostas redundantes, a fuga ou o esconder-se atrás de frases, “caras e
bocas”. Não sabemos o que é pior a soberbia ou a falsa modéstia, de qualquer forma a
soberba atrai os soberbos e a falsa modéstia é algo que mais dia menos dia cai por terra.
Portanto podemos e devemos preparar melhores médiuns, com cursos, sim senhor!
No entanto não temos como evitar que um médium que tenha estudado e até se
dedicado faça alguma besteira, pois isto é do ser humano, mas ainda assim aquele que
estuda tem menos chance de errar.
Nada justifica a ignorância com os fundamentos de sua religião, nada justifica o não
estudar, nada justifica esta paralisia mental e até espiritual, pois espíritos evoluem e
estudam ou alguém pensa que caboclo e preto velho nunca estudaram para fazerem o
que fazem e receitarem o que receitam.
“_ Há, mas é o meu guia que tem que saber da coisas (de umbanda) eu não preciso saber
de nada”
Esta é uma verdade parcial, pois mesmo que não se tenha nenhuma informação, mas
uma boa incorporação os guias realizam um bom trabalho. Mesmo no mais “ignorante”
um sábio pode se manifestar, desde que tenham afinidades de objetivo, que pode ser o
objetivo de ajudar ao próximo. Neste caso temos a umbanda como um fenômeno que
“eu não sei de nada”, mas para tê-la como religião precisamos estudar e muito.
12 anos depois é um fato o quanto este curso vem ajudando aos Umbandistas.
Também foi por iniciativa do astral que o Rubens abriu o curso de Magia do Fogo,
seguido de outras Magias (hoje já foram abertas 14 Magias), Sacerdócio Umbandista e
Desenvolvimento Mediúnico.
Este é o nosso mundo, esta é a nossa realidade, quando queremos conhecer e nos
preparar para algo, nos dedicamos, estudamos, lemos bons livros e procuramos cursos
que nos instruam. Para nos instruir procuramos a quem melhor possa fazê-lo, algumas
pessoas dedicam boa parte da suas vidas a ensinar o que sabem, a nós resta ir de
encontro a estas pessoas.
Já diz um adágio popular que: “Quando o discípulo está pronto o mestre aparece”
também podemos dizer que “Quando o Mestre está pronto muitos discípulos aparecem”
como ensiná-los sem cair no risco de escolher uns poucos e dispensar ou outros? Afinal
quem são os escolhidos? Eu digo: “Todos são chamados e escolhidos são os que se
dedicam”. Pois os cursos estão abertos a todos que se dedicam, venham todos estudar,
estudem de tudo que puderem, desde Doutrina Umbandista, Manipulação de Ervas,
Magia, Teologia, Sacerdócio até o que conseguirem dentro e fora da Umbanda, usemos
nosso bom senso, a ética e um bom filtro.
Que cada um de nós avalie o que é bom, mas que avalie estudando, pois como avaliar o
que não se conhece?
Muitos de nós nos perguntamos o que fazer pela umbanda e para a umbanda além de
nossos trabalhos no terreiro, o que fazer pela umbanda enquanto religião?
Eu digo que primeiro devemos fazer por nós, enquanto umbandistas, devemos estudar e
nos esclarecer para sermos formadores de opinião sobre nossa religião. Depois devemos
sim nos esforçar em esclarecer o que é Umbanda, multiplicar as informações sobre
Umbanda.
Cursos de Umbanda são essenciais, pois o estudo dentro do terreiro é fundamental para
a evolução daquela casa, mas os estudos fora do terreiro são fundamentais a evolução e
futuro da religião. Estudo aberto, que fale de fundamentos de forma simples e que
explique o trabalho que já fazemos, não precisamos mudar nosso trabalho mediúnico
espiritual, apenas entender melhor o que é a Religião de Umbanda, entender melhor o
que estamos fazendo aqui, qual o nosso papel.
PS.: A grande reclamação dos umbandistas é que não tinha estudo, esclarecimento e
nem abertura de diálogo sobre suas práticas e fundamentos.
Alexandre Cumino
Artigos
Mas e a Umbanda???
A Tenda Espirita Mirim foi fundada em 1924 e que eu saiba é a primeira tenda de
umbanda a não aceitar os santos católicos com excessão de Jesus Cristo. A Tenda foi
fundada por Benjamim Figueiredo e é mantida até hoje por seu filho carnal e espiritual,
Mirin Paulini. Tive a oportunidade de estar junto do "Mirinzinho" como é
carinhosamente chamado o Sr.Pauline que em publico, para entrevista e homenagem
feita pelo instituto Icapra de nosso irmão Marcelo Fritz, disse que na tenda Mirin não se
reza para Santo porque eles foram gente como a gente e muitos nem foram santos, até
matavam pessoas (como pode ser o caso de São Jorge).
Da Tenda Mirin nasceu o Primado de Umbanda e muitas outras tendas que até hoje não
usam o sincretismo e são Tendas de Umbanda, foi aí na Tenda Mirin e Primado de
Umbanda que nasceu o que no futuro seria conhecido como "Umbanda Esotérica" e
"Umbanda Iniciática"
Assim entendo que ter ou usar o sincretismo é uma questão de opinião e/ou afinidade.
Outros casos
Muitos anos atrás o autor e sacerdote Umbandista Decelso escreveu um livro chamado
"Umbanda de Caboclos" - 1967, que tive a oportunidade de ler e estudar, neste livro há
uma comparação entre Orixás e divindades indigenas o que poderia de forma clara e
lógica criar um culto Umbandista voltado para estas divindades já que também temos
igual influencia indigena assim como a Africana. Mais interessante, que soma e
enriquece, neste contexto é que o Prefácio da Primeira Edição é feito por ninguém
menos que Benjamim Figueiredo.
Os "deuses"
Semideuses
Bem não iremos questionar nem avaliar esta relação apenas entender que é algo possivel
e passivel de ser feito e/ou realizado dentro dos terreiros de Umbanda.
Conheço terreiros que trabalham sem Orixá apenas com os Santos Católicos, inclusive
alguns que nem nos cantos não se canta para Orixás, há o cuidado de entoar apenas
pontos que sejam exclusivos aos Santos.
Assim entendo que sempre será uma questão de afinidade o culto aos santos e/ou ao
sincretismo que entendo podem ser duas coisas diferentes, eu mesmo cultuo ao santo
mas não apenas por sincretismo, rezo para São Jorge e para Ogum também, diferente do
sincretismo puro onde São Jorge representa Ogum ou se tornam algo uno São Jorge -
Ogum. Entendo que Santo é Santo e Orixá é Orixá, no entanto entendo também que São
Jorge tem a energia de Ogum, assim como Arcanjo Miguel também tem a energia de
Ogum, sendo três "entidades" diferentes que vibram na mesma frequencia, porêm com
intensidade diferente, já que o Orixá enquanto Divindade e Trono de Deus está acima
do Santo, no meu entender claro, estando muito próximo do Arcanjo porém com
sutilezas que os distinguem.
Sendo assim continuo rezando para o Orixá, para o Santo e também para os Arcanjos, já
que é uma questão de opção a minha está feita, se há forças ou poderes, entidades ou
Orixás que possam me ajudar, conto com todos.
A Umbanda não precisa nem nunca precisou do sincretismo, nós é que podemos ou não
precisar dele, depende de cada um. Para muitos posso ter blasfemado mas para outros
talvez tenha confortado suas duvidas, uma coisa é certa minhas palavras não mudam o
que é feito com tanto amor, fé e dedicação na casa de cada um, mas espero que lhes
ajude a entender o que já fazem.
Se tenho mais algo a dizer é que vindo de uma familia espirita (como vinha Benjamim
Fiqueiredo) nunca acreditei em santos, para mim eram apenas homens e mulheres com
uma história de fé (ou não), também não acreditava em divinades, nem Orixás muito
menos em anjos (apenas que fossem espiritos evoluidos). E posso dizer que aprendi a
venerar os santos e os anjos dentro da Umbanda com os Guias que me instruiam a rezar
para este ou aquele e com eles também aprendi a adorar os Orixás como manifestações
vivas de Deus.
Que Oxalá, Cristo e Rafael nos abençõe a todos, com o amparo de nossos guias e
mentores.
Artigos
A Religião de Umbanda foi fundada aqui no Brasil dia 15 de Novembro de 1908, pelo
Caboclo das Sete Encruzilhadas, através do seu médium Zélio Fernandino de Moraes.
A Umbanda não foi codificada, como foi o kardecismo em sua origem por Hippolyte
Leon Denizard Rivail (Livro dos espíritos, Livro dos médiuns, Evangelho Segundo
Espiritismo, O Céu e o Inferno e A Gênese) a Umbanda foi manifestada e o kardecismo
esclarecido, por isso temos muito a aprender com o Kardecismo sobre esclarecimento e
eles muito a aprender conosco sobre manifestação.
Costumo dizer que se não temos uma “Bíblia Umbandista”, todos os livros sagrados da
humanidade são nossos, para extrairmos o que eles tiverem de melhor, temos a
liberdade de estudar a Bíblia Cristã, o Tora (Judeu), O Alcorão (Muçulmano), O Tao Te
Ching (Chinês), O Zend Avesta (Persa), Os Vedas (Hindu) e tantos outros. Não temos
10 mandamentos Católicos, mas nos basta apenas um mandamento: “Amar ao próximo
como a si mesmo e Deus acima de todas as coisas”.
Não temos sete pecados capitais (gula, avareza, inveja, ira, luxuria, orgulho e preguiça)
porque não acreditamos em pecado, mas cremos em vicios e virtudes, nos sete sentidos
da vida (Fé, Amor, Conhecimento, Justiça, Lei, Evolução e Geração) dentro de nosso
livre arbítrio, onde o que se volta para o ego torna-se vicio. Não temos dogma nem tabu,
pois na Umbanda ninguém é obrigado a aceitar nada, mas o conhecimento vai sendo
absorvido naturalmente e da mesma forma a própria religião evolui e se adapta.
Umbanda não é uma seita religiosa, Umbanda é religião, portanto tem seus
fundamentos próprios que devem ser esclarecidos. O conceito de seita é muito antigo e
vem da época em que haviam religiões oficiais, onde aqueles que se opunham de
alguma forma àquela liturgia, formando grupos discidentes, eram chamados de seitas e
portanto considerados “hereges”, à margem da sociedade. Hoje em dia o termo seita é
muito mais utilizado para identificar grupos de fanáticos religiosos, que mantém facções
em cima de práticas e conceitos que vão contra o bom senso comum. A Umbanda não é
um grupo discidente, não surgiu para se opor a ninguém, não usamos métodos de
conversão ou fanatismo doutrinário, as práticas religiosas jamais poderão atentar contra
o bom senso ou os valores de moral comum. Com base nestes dados podemos dizer com
certeza que Umbanda é religião e o que está surgindo é uma base umbandista, com
fundamentos umbandistas, diretamente recebidos pela espiritualidade.
O objetivo das religiões é religar o homem a Deus, simples, cada uma de uma forma
diferente, pois diferentes são as culturas, não existem religiões melhores que as outras.
O Catolicismo é a melhor religião do mundo para o Católico, da mesma forma o
Judaísmo para o Judeu, o Islamismo para o Islâmico, Budismo para o Budista,
Kardecismo para o Kardecista (embora muitos não o consideram como religião) e
Umbanda é a melhor religião do mundo para os Umbandistas, ao mesmo tempo uma
não é melhor que a outra, mas satisfazem necessidades sociais, culturais, grupais e
individuais. Podemos e devemos absorver o conhecimento de outras religiões,
ampliando assim nosso universo espiritual. Na verdade temos a aprender com todos e
todos têm a aprender conosco, quando a única religião for o Amor, o que existirão
serão práticas diferentes deste Amor, Umbanda é a nossa prática do Amor.
Cada um ou cada grupo umbandista realiza seus trabalhos, sessões, segundo seu
ponto de vista, sem deixar de ser umbanda. Cada casa, templo ou tenda é diferente
um do outro e todos são centros ou “igrejas de umbanda”. O que há em comum é a
essência e não a forma! Mas é tudo muito novo, se compararmos com outras religiões
a Umbanda que tem quase 100 anos não está nem engatinhando, enquanto muitos
acham que ela já é uma “velha senhora”, tudo está por fazer na Umbanda,
principalmente no campo do esclarecimento da essência. Muitos estudam a forma, o
trabalho realizado dentro do seu grupo (tenda), quando observam um outro grupo
afirmam que o outro não é Umbanda por ser diferente, este é um comportamento muito
infantil ou de pessoas de má fé, pois: O seu terreiro é Umbanda, mas, Umbanda é o seu
terreiro e muito mais, é todos ao mesmo tempo e muito mais, pois ela não está limitada
em paredes, ela não está codificada, ela é livre e esta é uma das maravilhas da
Umbanda. Agora é preciso entendermos a essência da Umbanda, que são os
fundamentos de Umbanda, que só a espiritualidade pode nos passar.
Artigos
Sabemos que Umbanda não é Candomblé e nem Kardecismo, a confusão é grande, pois
Candomblé é religião de culto aos Orixás e Kardecismo é religião de trabalho com os
espíritos, ambas calcadas no fenômeno Mediunidade. Encontramos na Umbanda
aspectos das duas, assim como de tantas outras para um observador mais atento, mas o
fato de ter algo em comum não quer dizer que podemos adotar por livre e espontânea
vontade as práticas, e filosofias religiosas das mesmas para dentro de nosso terreiro,
pois a Umbanda possui filosofia e práticas próprias que são observadas e trazidas a luz
através dos espíritos guias.
Sim, nós também cultuamos aos Orixás mas de forma diferente do ancestral culto
Africano, pois os vemos sob outro ponto de vista, se fosse para ser igual não haveria de
se fundar outra religião, simplesmente adotaríamos o “Candomblé de Caboclo”. Logo,
quando surgir uma dúvida, antes de recorrer ao que é tão funcional dentro do âmbito de
“Culto de Nação”, espere, consulte e tenha fé que seus guias de Umbanda terão as
soluções, dentro e segundo nossas práticas. Quanto ao kardecismo a maioria de nós
Umbandistas tem recorrido à sua vasta literatura para nos esclarecermos quanto “ao
mundo dos espíritos” . O movimento kardecista esmiuçou e foi a fundo no estudo do
fenômeno Mediunidade, o que nos vale como ponto em comum.
O que muitas vezes é visto como um “atraso religioso”, na verdade em sua humildade
“esconde” toda uma riqueza jamais imaginada pelo “leigo critico”.
Artigos
Por ter uma raiz afro é que se costuma colocar a Umbanda entre as religiões de Matriz
Afro-Brasileiras, mas a Umbanda não tem também uma raiz indígena e outra européia
(na influencia católica e “kardecista”)? Então também seria de Matriz Indígena e
Européia?
Segundo BITTENCOURT, citando a fonte correta, existe uma Matriz Brasileira no que
diz respeito à cultura brasileira que é, esta sim, formada pelas diversas culturas que aqui
chegaram com a colonização e a Matriz Religiosa Brasileira está inserida dentro da
Matriz Cultural Brasileira.
Esta é uma abordagem nova, digna e muito importante para quem segue uma religião
brasileira, pois é partindo deste ponto que alcançaremos um entendimento maior do que
também é chamado de “caldo cultural brasileiro”.
Graças ao irmão Cássio Ribeiro e Sandra Santos, chegamos à Câmara dos Deputados
em Brasilia, no dia 10 de Novembro, onde fui convidado para apresentar o texto, que foi
lido pelo Deputado Vicentinho.
Por meio da irmã Sandra Santos enviei três textos: Matriz Religiosa Brasileira ; XV de
Novembro ; Cem Anos de Umbanda
Foi escolhido o texto Cem Anos de Umbanda, que junto do texto Matriz Religiosa
Brasileira, fazem parte do livro UMBANDA: TRAGETÓRIA DE UMA RELIGIÃO,
que será lançado em 2009, em parceria com a Editora Madras.
Sempre ouvimos falar que Umbanda é sincretismo e todos nós defendemos esta idéia,
no entanto há agora uma mudança de paradigma (ponto de partida ou ponto de vista),
que também é nova, no entanto foi defendida por Renato Ortiz em 1975 (Tese de
Doutorado em Paris, orientada por Roger Bastide) e publicada no Brasil com o titulo de
A Morte Branca do Feiticeiro Negro (São Paulo: Ed. Brasiliense).
Este novo paradigma, defendido por Renato Ortiz, diz que a Umbanda é muito mais que
sincretismo, Umbanda é a síntese do povo brasileiro, juntando ORITIZ com
BITENCOURTT temos então a faca e o queijo na mão para entender e defender a
Umbanda como Religião Brasileira.
Agora mais surpreso ainda fiquei eu ao saber que o irmão Roger Tausing irá apresentar
o tema “Matriz Religiosa Brasileira: Passado, Presente e Futuro da Umbanda” no dia 9
de Dezembro em um seminário com o tema “Centenário da Umbanda: Matriz Religiosa
Brasileira”, deve ser uma feliz coincidência.
Aproveito esta oportunidade para dar os parabéns aos irmãos que conquistaram esta data
na Câmara dos Deputados, todas as comemorações em homenagem ao centenário
engrandecem a religião de Umbanda, e marcam definitivamente no inconsciente
coletivo e também no consciente desta nação que Umbanda tem história e é uma
religião brasileira.
Ofereço como colaboração o texto que foi publicado dia 13 de Novembro de 2008 no
Jornal de Umbanda Sagrada (Umbanda: Matriz Religiosa Brasileira), já que nenhum
umbandista, que eu saiba, tenha abordado o tema até aqui, creio que toda colaboração é
valida, segue o texto:
(...) a Umbanda representa melhor do que qualquer outra religião, culto ou doutrina os
elementos da “Matriz Religiosa Brasileira”, termo criado pelo sociólogo José
Bittencourt Filho (2003). A Matriz Religiosa é parte da Matriz Cultural Brasileira, fruto
do processo de colonização. No processo de formação da nacionalidade brasileira, o que
em demografia representa a miscigenação , se traduz no campo religioso como
sincretismo.
Estas são conclusões inevitáveis a quem estuda religião de forma séria, mesmo que não
conhecêssemos a história de Zélio de Moraes ainda assim Umbanda seria uma religião
brasileira, pois em lugar nenhum, no tempo e no espaço se reuniu os elementos que são
presentes na Umbanda da forma como a conhecemos. Pois a Umbanda não prescinde de
cada um dos elementos das diversas culturas presentes nesta matriz. A História do Zélio
faz confirmar a nacionalidade de Umbanda.
Hoje sabemos que o que sempre houve na humanidade foi experiência religiosa e não
esta ou aquela religião, não há uma religião superior à outra.
AXÉ a todos que batem cabeça no congá de Oxalá e que o Caboclo das Sete
Encruzilhadas nos inspire palavras e pensamentos que dignifiquem a religião
fundamentada por ele um século atrás.
Alexandre Cumino
Artigos
Já foi um ilustre desconhecido aos umbandistas, sua história foi contada, recontada e
contestada por muitos. Hoje, Zélio de Moraes é quase um mito dentro da religião. O Pai
da Umbanda* teve sua história popularizada por Ronaldo Linares e recentemente
encontrou em Rubens Saraceni mais um divulgador que contagia milhares de pessoas.
A postura como ser humano, já era algo impressionante, costumava, por exemplo,
recolher necessitados e doentes em sua casa até que se restabelecessem. Ouvi de Mãe
Zilméia, filha carnal de Zélio, e li em alguns artigos a história de que Zélio e o Caboclo
das Sete Encruzilhadas teriam ressuscitado uma jovem dada como morta, no entanto
desconhecia os detalhes do fato. Este ano me chegou às mãos, através de Diamantino
Trindade*, o livro No Mundo dos Espíritos, 1925, de autoria de Leal de Souza (primeiro
autor umbandista), onde esta história aparece narrada pelo Sr. J. P. Brigadão:
Há poucos dias, na vizinha cidade de Niterói, uma linda moça na flor da idade, cheia de
sonhos azuis e ilusões douradas, adoeceu de enfermidade misteriosa. Foram chamados
bons médicos e a enferma não melhorou. Antes, piorou. Novos doutores foram
consultados, porém a donzela, agravando-se rapidamente o seu estado foi julgada sem
salvação possível. Em desespero, seu pai, um comerciante abastadíssimo, ouviu os
conselhos de um amigo e solicitou os socorros ao Centro Espírita Nossa Senhora da
Piedade, onde se manifestam espíritos de caboclos, mas, acabara de pedir tais auxílios,
quando recebeu a notícia do desenlace fatal: sua filha falecera às 5 horas da tarde.
Voltou o pai em pranto para o lar abalado. Veio um médico, examinou a moça e lavrou
o atestado de óbito. Lavou-se e vestiu-se o corpo. Foi colocado, sob flores, na mesa
mortuária, entre velas bruxuleantes. Um sacerdote fez a encomendação. Às 8 horas da
noite, ao iniciar a sua sessão, o Centro Espírita Nossa Senhora da Piedade, não tendo
sido avisado do falecimento, fez uma prece pela saúde da moça já morta. Manifestando-
se o espírito do guia e protetor do centro (Caboclo das Sete Encruzilhadas), disse: “Um
grave perigo ameaça a pessoa por quem orais. Continuai vossas preces com fervor e
sem interrupção, até que eu volte, pois vou sair para socorrê-la”. Os espíritas do Centro
Nossa Senhora da Piedade, orando com fervor, esperaram cerca de duas horas, e, ao
termo delas, manifestando-se de novo, o espírito de seu guia e disse-lhes: “Está salva a
moça”. Espíritos maus, convocados por motivo de ordem pessoal, haviam envolvido a
jovem em fluídos venenosos, que a estavam matando. Não se quebraria, porém o fio que
liga o espírito ao corpo.
Às 8 horas da noite, terminou o narrador, a moça continuava na mesa funerária, com
todos os sinais da morte. Às 9 horas, uma demonstração de vida animou-lhe a face e,
percebendo-a, seu padrinho preveniu seu pai. Retirada a câmara mortuária e reposta em
seu leito, a moça reabriu os olhos, e, momentos após, erguia-se curada, completamente
boa. Os espíritos dos caboclos, em combate travado no espaço, tinham vencido os
espíritos maus...
Talvez este seja o caso mais impressionante;em direção à Tenda Espírita Nossa Senhora
da Piedade, acorriam enfermos, cegos e até paralíticos que encontravam ali, muitas
vezes a cura. O que é enfatizado (a cura) no ponto de Pai Antônio:
Uma das especialidades de Zélio e do Caboclo das Sete Encruzilhadas era a cura de
"loucos". Devido ao alto índice de acerto, médicos de sanatórios consultavam Zélio para
saber quais doentes teriam a cura na Umbanda.
A policia quando prendia alguém descontrolado levava ao Zélio para saber se era louco
ou obsediado, conta Mãe Zilméia que não tinha hora, as vezes duas ou três da manhã,
batiam a porta de seu pai, lembra ainda de certa ocasião em que acomodaram três
pessoas desequilibradas em sua casa de uma só vez; “um queria tomar banho o tempo
todo e outro não queria de jeito nenhum”.
No Mundo dos Espíritos, Leal de Souza registra, em reportagem, sua primeira visita aos
trabalhos de Zélio, como jornalista, onde mesmo sem ser anunciado e desconhecido de
todos os presentes, foi reconhecido pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, que se dirigiu
a ele, conforme o relato:
Pode dizer que apertou a mão de um espírito. À minha esquerda, está uma irmã que
entrou aqui com tuberculose e à minha direita um irmão vindo do hospício. Curou-os,
aos dois, Nossa Senhora da Piedade. Pode ouvi-los.
Leal de Souza neste dia presenciou a cura de um “louco fugido do hospício”, que
encontrava-se obsediado por duas entidades, após serem encaminhadas restabeleceu-se
a saúde mental do cidadão.
João Severino Ramos, dirigente da Tenda São Jorge, mais uma das tendas fundadas pelo
Caboclo das Sete Encruzilhadas, ao fazer sua primeira visita a Zélio em Cachoeiras de
Macacu, se mostrava cético e incrédulo, pedindo provas para crer.
O Orixá Malet (da vibração de Ogun) pegou uma pedra à beira do rio e acertou bem no
meio da testa de Severino que caiu dentro das águas. A entidade proibiu os amigos de
socorre-lo e pediu que esperassem, minutos depois Severino atravessou as margens do
Rio Macacu já incorporado de Ogun Timbiri, com quem trabalharia à gente da tenda
citada.
José Álvares Pessoa, o Capitão Pessoa, de origem espírita, resolveu visitar a TENSP,
para verificar de perto “as maravilhas” que afirmavam sobre Zélio de Moraes. Assim
que pisou dentro da Tenda, o Caboclo das Sete Encruzilhadas anunciou que já poderiam
fundar a ultima das sete tendas, a Tenda São Jerônimo, pois o seu dirigente acabava de
chegar. Capitão Pessoa se surpreendeu com tal afirmação por não conhecer ninguém no
ambiente, mas ao conversar com o Caboclo entendeu que este o conhecia e muito bem.
O tempo mostrou a importância de José Álvares Pessoa na Umbanda ao lado de Zélio
de Moraes e à frente da Tenda a ele reservada.
Conta ainda Mãe Zilméia que o delegado de Neves, Sr Paula Pinto, vinha fechando as
Tendas de Umbanda e um dia chegou à porta da TENSP, na hora dos trabalhos onde
estava em terra Pai Antônio. Mãe Zilméia foi avisar ao preto-velho, que falou:
“carneirinho (como chamava Zilméia) deixa ele entrar”.
O homem “que era gordo e grande”, deu dois passos e caiu estirado no chão. Mãe
Zilméia diz ter perguntado “O que fazer agora?”, o preto-velho, calmamente, lhe pediu
que esperasse, logo o homem se levantaria.
Passado algum tempo o delegado “acordou”, foi conversar com Pai Antônio, se tornou
amigo de Zélio de Moraes e freqüentador da casa.
Evaldo Pina médium da Tenda Mirim Santo Expedito, fundada no Pará pelo Tenente
Joaquim Bentes, mais tarde pertencente à TULEF, em visita à Zélio ouviu dele a
“descrição da fundação da casa, em todos os pormenores, como se o fato data-se de
semanas, apenas. E através de Zélio recebeu uma mensagem do dirigente, já
desencarnado, citando fatos conhecidos apenas pelos dois”.
E para finalizar faço lembrar os fatos narrados por Pai Ronaldo Linares sobre seu
encontro com Zélio de Moraes.
Pai Ronaldo, que sempre se emociona ao contar esta história, nos diz que ouviu uma
voz no fundo dizer :
“É Ronaldo minha filha, o homem que vai tornar meu trabalho conhecido”.
Ao chegar na casa de Zélio, Pai Ronaldo mais uma vez tomado de forte emoção se
ajoelhou e tomou a benção, Zélio de Moraes já sabia por que ele estava ali e todas as
coisas que ele queria saber.
Pai Ronaldo Linares viria a participar em programas de Rádio e TV, além de Jornais,
divulgando a Umbanda e a história de Zélio de Moraes.
Homenageou Zélio em vida, junto com sua turma de sacerdotes, o que foi registrado por
Jota Alves de Oloveira em sua obra Umbanda Cristã e Brasileira:
Saudações Umbandistas,
Alexandre Cumino.
Observações:
Pai da Umbanda - Forma Carinhosa como Pai Ronaldo Linares se refere ao Zélio de
Moraes
Artigos
Desde que o estado norte-americano de Kansas decidiu excluir a teoria da evolução, de
Charles Darwin, das provas de ciências das escolas públicas, em 1999, tem crescido em
vários países do mundo o movimento dos que defendem o criacionismo, corrente
abraçada por religiosos e cientistas, segundo a qual a origem do universo e da vida é
fruto da criação divina. Em alguns países da Europa, o criacionismo se fortalece apenas
gradativamente, mas em outros, o movimento já começa a dar sinais de poder na
definição das políticas públicas de educação.
O jornal britânico The Independent publicou no dia 13 de junho deste ano uma matéria
sobre a ligação do primeiro ministro Tony Blair com escolas que ensinam o
criacionismo. Segundo a matéria, ele inaugurou pessoalmente um desses
estabelecimentos de ensino, dirigido por Peter Vardy, a quem Blair já havia concedido
uma espécie de comenda, em 2001, por serviços prestados à educação. O texto do
Independent aponta o conselheiro de Blair, Andrew Adonis, como a principal força por
trás da expansão das escolas religiosas no Reino Unido. Nos últimos 10 anos, foram
criadas na Inglaterra cerca de 180 novas escolas secundárias ligadas à igreja. O primeiro
ministro britânico, em entrevista na TV, já havia se declarado favorável ao que ele
chamou de "diversidade no ensino": a atual política educacional do Reino Unido
determina que o currículo das escolas deve conter a teoria da evolução, mas permite que
elas também ensinem o criacionismo. A National Secular Society, uma organização
racionalista fundada em 1866, que luta contra os privilégios religiosos, classificou a
defesa do criacionismo no ensino como uma "deplorável aceitação de anti-ciência" por
parte do primeiro ministro.
"O clamor pelo ensino do criacionismo tornou-se mais forte nos anos que se seguiram à
publicação de Voices for Evolution", conta Mollen Matsumura, do Centro Nacional
para Educação da Ciência (NCSE, na sigla em inglês), uma organização norte-
americana dedicada à defesa do ensino da evolução. "É como se o brado pelo
criacionismo fosse outrora um tímido ruído surdo e prolongado de trovão no horizonte,
e agora, em mais e mais comunidades, o relâmpago esteja caindo", continua. Esse livro,
cuja primeira versão foi editada por Betty McCollister e publicada pelo NCSE saiu em
1981, contém dados sobre casos na justiça envolvendo a controvérsia evolução/criação,
e o posicionamento de 15 organizações religiosas, 11 organizações de defesa das
liberdades civis e dezenas de organizações científicas e educacionais sobre o assunto. A
segunda edição, revisada e ampliada, sob responsabilidade de Matsumura, foi publicada
em 1995.
No final dos anos 90, uma descoberta de ossos de um Neandertal perto de Dusserldorf,
na Alemanha, suscitou um grande interesse tanto entre evolucionistas quanto entre
criacionistas. Comparando o DNA mitocondrial do osso do Neandertal com o do
homem moderno, pesquisadores evolucionistas afirmaram que a "linha neandertaliana"
divergia da "linha dos hominídeos", sem contribuir para o DNA do Homo sapiens
moderno. Pesquisadores ligados ao criacionismo questionaram a cientificidade dos
resultados, dizendo que a comparação de uma única amostra de Neandertal com o valor
médio de resultados de 1669 homens modernos não é apropriada do ponto de vista
estatístico.
http://www.comciencia.br/200407/reportagens/04.shtml