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publicado em 7/5/2008.
NESTES DIAS, reencontrei Gérard Pommier, um colega e amigo que não via há
quase 15 anos. Ele está de passagem pelo Brasil, palestrando.
Nos homens como nas mulheres, os amores que acabam deixam a sensação
de um dano quase físico, material ("retiraram uma parte de mim") - um dano,
portanto, que poderia ser compensado. Deve ser por isso que tanto os
homens quanto as mulheres, às vezes, "curam" as dores de uma separação
com aquisições extravagantes. "Ela me deixou? Compro uma moto."
Há como explicar essa diferença, mas isso, hoje, não vem ao caso. O fato é
que a conversa com Pommier foi interrompida porque eu fui assistir ao filme
de Wong Kar-wai, "Um Beijo Roubado", que acaba de estrear. Pommier, que
já tinha visto o filme na França, prometeu que ele tinha a maior relação com
nossa conversa daquela noite.
De fato, o filme de Kar-wai é uma esplêndida elegia sobre o trauma amoroso.
Os quatro personagens principais são todos inválidos da guerra das paixões.
Ficam num canto lambendo suas feridas ou saem pelo mundo afora para
esquecê-las ou cicatrizá-las, mas, de qualquer forma, para eles, um novo
amor é a tentativa de compensar um desastre passado, que os deixou sem
chaves para as portas da vida.
Mas talvez haja algo mais, algo que nos torna feridos antes da batalha,
queixosos de ter sofrido um dano antes de qualquer amor, inclusive antes
daquela primeira relação, miticamente feliz, com a mãe. Talvez a sensação de
que fomos traídos, e não nos foi dado o que queríamos e esperávamos
anteceda o amor e suas frustrações. Talvez todos os amores, inclusive o
edipiano, sejam apenas compensações frustrantes por um dano que, aliás,
inevitavelmente, eles renovam. Mas de que dano estou falando?
De qual sensação originária de que o mundo sempre nos priva porque nunca
responde à altura de nossos pedidos?